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Capítulo 10
Conclusões
Este capítulo organiza-se em três secções. Na primeira procuro fazer uma síntese do
trabalho desenvolvido, focando os objectivos e as questões de investigação que estruturaram este
trabalho bem como a metodologia seguida. Na segunda secção apresento as suas conclusões.
Finalmente, na terceira secção, apresento um conjunto de sugestões para futuras investigações.
10.1. Síntese do estudo
O percurso da investigação que se descreve nesta dissertação estruturou-se em torno de
três estudos de caso elaborados no contexto de um projecto colaborativo de reflexão sobre a prática
de comunicação na sala de aula de Matemática. Este projecto reuniu três professoras dos 2.º e 3.º
ciclos do ensino básico, com idades compreendidas entre os 43 e os 52 anos que, ao longo de
pouco mais de um ano lectivo, se encontraram quinzenalmente procurando construir uma reflexão
sobre a sua prática lectiva especificamente direccionada para a temática da comunicação. Ao longo
do projecto identificamos factores que facilitam ou bloqueiam a comunicação na sala de aula,
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
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planeamos, concretizamos e analisamos diversas experiências com as turmas, problematizamos e
confrontamos a prática de cada professora, e partilhamos essa reflexão com o conjunto mais
alargado de professores de Matemática do agrupamento.
Este projecto constituiu, assim, o contexto para o desenvolvimento desta investigação, cujos
objectivos eram estudar as concepções e as práticas do professor de Matemática relativamente à
comunicação na sala de aula, identificar os factores que os influenciam e, sobretudo, determinar de
que forma uma experiência de trabalho colaborativo pode contribuir para a sua problematização e
evolução. Duas opções de fundo conduziram a investigação: a) a decisão de centrar o estudo no
papel do professor; e b) a opção por uma metodologia que articulasse investigadora e professoras
num propósito comum de reflexão e acção sobre e no processo de ensino-aprendizagem.
É à luz destas opções que devem ser lidas as questões que articulam a concepção e a
realização da investigação:
1) Quais as concepções, práticas e reflexão sobre as práticas dos professores relativamente à comunicação matemática na sala de aula e como podem evoluir ao longo de um trabalho colaborativo?
2) Como é que o professor de Matemática vê o seu papel na sala de aula na criação de contextos facilitadores da comunicação matemática e como podem evoluir ao longo de um trabalho colaborativo?
3) Que influências se podem reconhecer nas concepções, práticas e reflexão do professor sobre a comunicação e sobre o seu papel, decorrentes, nomeadamente de um trabalho colaborativo, do percurso profissional anterior, do contexto e experiências profissionais e das características pessoais do próprio professor?
O estudo seguiu uma metodologia qualitativa, enquadrada no paradigma interpretativo, em
que cada professora deu origem à realização de um estudo de caso. Para a recolha de dados foram
utilizadas entrevistas semi-estruturadas, assim como a observação de aulas e das reuniões de
trabalho no âmbito do projecto colaborativo referido. A análise de dados seguiu o modelo interactivo
(Huberman & Miles, 1994) em que recolha e análise caminham em sintonia, influenciando-se
mutuamente.
Capítulo10 – Conclusões
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10.2. Conclusões do estudo
Apresento nesta sub-secção as conclusões deste trabalho organizadas de acordo com as
questões de investigação originalmente enunciadas. Em cada uma delas sumario alguns dos
aspectos mais relevantes referidos nos três estudos de caso (capítulos 6 a 8) e na análise cruzada
(capítulo 9). A secção termina com uma reflexão sobre a evolução do grupo no âmbito do projecto
colaborativo.
1. Concepções, práticas e reflexão sobre as práticas dos professores relativamente à
comunicação matemática na sala de aula e sua evolução ao longo do trabalho
colaborativo.
Concepções, práticas e reflexão sobre as práticas. Constatou-se que as três professoras
manifestavam uma preocupação inicial com o ambiente na sala de aula. Carla considerava que este
deve ser agradável, com condições para que os alunos se sintam bem e à vontade para intervir.
Para isso permite que os alunos se dirijam aos colegas num outro ponto da sala, usem o quadro
para discutir problemas ou descobertas e circulem à vontade pela sala desde que por um motivo
válido. De igual modo, os alunos podem e devem colocar questões sempre que o entenderem, em
qualquer momento da aula. Para Eva também é importante que os alunos se sintam à vontade nas
aulas e, por isso, não gosta de impor regras muito rígidas. Vive, por vezes, a dificuldade de saber até
onde pode ir e como gerir a dicotomia entre o estarem à vontade e respeitarem determinadas
regras. Considera também importante que os alunos participem nas aulas e que coloquem questões
para esclarecer alguma dúvida. Maria, por fim, tal como as colegas, considera fundamental que o
ambiente seja bom. Para esta professora no entanto, torna-se mais explícito que essa preocupação
passa, essencialmente, por uma atitude de respeito para com os alunos. Isso acontece, por um
lado, pelo cuidado que coloca na linguagem utilizada para não enfatizar a autoridade associada ao
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seu papel como professora e, por outro lado, porque procura que os alunos se sintam responsáveis
pela própria aula e a experimentem como sua.
Todas as professoras atribuem um papel importante à utilização de materiais enquanto
meios que facilitam a construção e expressão de conceitos e modos de pensar e factores de
socialização na sala de aula. Eva, embora sem recorrer ao computador nas suas aulas, utiliza por
vezes a calculadora e algum material manipulável. Reconhece ter alguns receios perante aulas em
que não está muito à vontade com o material a utilizar. No entanto, ao longo do projecto
experimentou enfrentar vários obstáculos a este nível. Carla era das três a que mais recorria a
materiais tecnológicos e manipuláveis. Considera que a sua utilização constitui uma boa ajuda para
os alunos se exprimirem e desenvolverem o raciocínio. Maria sempre recorreu a determinados
materiais “simples”, como papel para cortar e dobrar bem como alguns materiais manipuláveis
como, por exemplo, o tangran e os pentaminós. Ao longo do projecto foi conhecendo e explorando
mais materiais. Manifesta sempre a preocupação de que, perante a utilização dos materiais, o aluno
realize de facto aprendizagens e não se centre apenas no valor lúdico desses momentos.
A estrutura da maior parte das aulas das três professoras obedece a um padrão comum:
correcção do trabalho de casa, introdução do assunto da aula pelo professor, exemplificação,
resolução de exercícios e, finalmente, propostas para trabalho de casa. Esta estrutura de aula, onde
tendencialmente os alunos assumem um papel mais passivo, de ouvintes e executores, é apontada
por vários autores como sendo comum em muitas salas de aula de Matemática (Lampert & Cobb,
2003; Rittenhouse, 1998).
Todas as professoras colocam bastantes questões aos alunos, quer dirigidas a alunos
particulares, quer à turma no seu todo. A natureza dessas questões é que era um pouco diferente
na prática. Prevaleciam, em todas, as questões de confirmação. Maria, contudo, apresentava uma
forma simulada e original de ouvir as suas respostas, quando propunha aos alunos que
escrevessem “no ar”, podendo assim colocar essas questões colectivamente. Carla tinha o hábito de
colocar questões a que respondia de imediato sem se aperceber do que o fazia. Todas três
professoras recorriam a questões de focalização sobretudo na interacção com um aluno em
particular. As questões de inquirição revelaram-se as menos frequentes, quase raras e que só com o
decorrer do projecto (e com esforço), começaram a surgir conscientemente nas aulas.
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Um outro aspecto comum às três professoras, é a utilização de um padrão de interacção
que, adoptando a terminologia de Stubbs (1987), denominamos de padrão de sanduíche e no qual
as questões de focalização e de confirmação têm uma presença constante. Este padrão é referido
na literatura como aquele que é seguido por defeito pelos professores (Sinclair & Coulthard, 1975).
As tarefas propostas nas aulas das professoras são na sua maioria retiradas do manual
adoptado e essencialmente da categoria de exercícios de aplicação. Maria constitui talvez a
excepção. Procura problemas e desafios de outros livros que funcionam para si como referência. Eva
sustenta que o manual, pela sua presença constante, constitui um recurso simples e útil para as
aulas. Carla embora recorra muito a exercícios porque acredita que os alunos precisam de praticar
bastante, atribui um valor considerável a tarefas abertas. Defende que estas tarefas potenciam uma
comunicação mais “rica” entre os alunos.
O trabalho de grupo corresponde a uma organização da aula a que estas professoras
recorrem pouco. Carla e Eva fazem-no esporadicamente. Maria apenas trabalha com os alunos aos
pares, mas, com o seu envolvimento no projecto, rapidamente se dedica a propostas no sentido de
explorar as potencialidades de trabalho desenvolvido em grupo.
Evolução ao longo do projecto colaborativo. Apesar de no início do projecto todas as
professoras considerarem importante o desenvolvimento nos alunos de capacidades de
comunicação matemática, elas estavam longe de problematizar as questões em torno da
comunicação. Isto é, em rigor, de levantar problemas. Eva era talvez a que manifestava uma maior
preocupação com o discurso matemático e sua correcção formal, especialmente no registo escrito.
Outros aspectos da dinâmica do processo comunicativo já não constituíam problema nem para si,
nem para as outras professoras.
A verdade é que o tema ‘comunicação na sala de aula’ fora trazido por mim enquanto
dinamizadora do projecto de colaboração. Para as professoras o projecto era sobretudo um pretexto
para enquadrar uma oportunidade de encontro e reflexão cuja necessidade, de uma forma ou de
outra, todas sentiam.
Carla, Eva e Maria partilhavam, na diversidade das suas personalidades e posturas
profissionais que o estudo dos casos respectivos sublinhou, um genuíno interesse pelos alunos e
uma preocupação pela efectividade do processo ensino/aprendizagem. O tema comunicação tinha
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para elas uma conotação sobretudo instrumental: preocupavam-se que os alunos estivessem à
vontade para participar, colocar dúvidas ou sugestões para que as aulas cumprissem bem os
objectivos propostos em termos de conteúdo. Não olhavam tanto para a utilização da comunicação
por parte do aluno como um objectivo em si. Regra geral, a sua prática na sala de aula era muito
centrada no professor. A professora dominava a fala e cabia-lhe a ela colocar as questões. Os alunos
respondiam e executavam o que lhes era indicado.
Neste contexto, o primeiro impacto do projecto foi o confronto que cada uma teve com a
realidade das próprias aulas e a consciência que ao longo dos anos dela tinham construído. As
gravações de episódios lectivos e a sua releitura individual e em grupo foram o elemento chave.
Muitas vezes, apresentaram uma genuína surpresa perante as gravações. Cada uma das
professoras tinha uma percepção das suas aulas bastante diferente da realidade que presenciava
nas gravações iniciais. Carla e Maria, por exemplo, surpreenderam-se com a quantidade, que
consideraram “excessiva”, das suas intervenções. E, mais genericamente, surpreenderam-se com o
tipo e ritmo do seu próprio discurso na sala de aula.
A possibilidade de ter acesso a transcrições das próprias aulas foi importante para cada
uma na medida em que se tornou mais fácil a reflexão sobre a própria prática. Talvez menos,
porém, no caso de Eva, dado que esta tinha um discurso mais organizado que não ficava afectado
com eventuais interrupções dos alunos ou chamadas de atenção. Além disso, boa parte das suas
aulas gravadas correspondiam a experiências planificadas em grupo e que envolviam sempre
alguma nova estratégia, pelo que a sua própria postura nelas não estava antecipada.
Não é fácil determinar até que ponto ou de que forma as concepções, práticas e reflexão
das professoras evoluiu ao longo do projecto. De resto, talvez seja abusivo falar da evolução de
concepções ao longo de pouco mais de um ano lectivo. Há contudo um caminho que foi percorrido e
que cada professora, a seu modo, valorizou e continuou a aprofundar no trabalho conjunto que,
como já referimos, deu continuidade a este projecto. Sublinho nesse caminho três níveis
importantes: o da tomada de consciência, o da reflexão e influência sobre a prática e o da
identificação de dificuldades e possibilidades de superação.
Antes de mais, a abordagem da temática da comunicação a partir de textos e artigos
diversos, teve o efeito de a constituir como uma questão – algo que tinha directamente a ver com a
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prática e onde era grande o campo de intervenção. Por exemplo, a tomada de consciência do que
são os diversos processos de interacção, as determinações contextuais ou o papel mediador das
linguagens (a trilogia do “agir comunicativo” de Habermas), a identificação dos diversos tipos de
papéis que o professor pode assumir ou, ainda, o papel das perguntas na dinâmica das aulas foram
aspectos de uma reflexão que se foi construindo e que foi abrindo novos horizontes a todo o grupo.
A tipologia de perguntas e sua identificação no discurso de cada professora foi, em particular, um
elemento tratado com muito interesse.
A partir da reflexão conjunta presente nas reuniões do projecto colaborativo, foi visível a
preocupação com um maior envolvimento dos alunos nas aulas, com a possibilidade de realizarem
um trabalho mais autónomo e com uma maior responsabilização dos alunos. Com diferentes graus
de envolvimento, dado tratarem-se de professoras com diferentes personalidades e vivências
anteriores, em todas foi notório que a experiência do grupo acabou por influenciar as suas práticas.
Recorde-se por exemplo, as experiências que Eva levou a cabo. A certa altura vai para a sala
de informática com os alunos e, apesar de numa reacção imediata ter considerado que eles fizeram
muito barulho e que não podia repetir a experiência, pouco depois já colocava de novo essa hipótese
sem qualquer receio. Este episódio mostra o efeito de uma mais apurada e crítica reflexão pessoal
sobre a prática. O projecto terá potenciado essa atitude. Por outro lado, ainda a mesma professora,
que poucas vezes recorria ao trabalho de grupo na sala de aula, considerando-o difícil de coordenar
e gerador de confusões, mostrou-se interessada em continuar a aprofundar esse tipo de trabalho. No
início dizia “falta-me imaginação”, mais tarde chegava com diversas propostas de trabalho, que
apresentava ao grupo, algumas delas já por ela experimentadas. A sua sensibilidade crítica,
relativamente à comunicação, tornou-se neste processo bastante apurada e isto apesar de,
aparentemente, ter tido alguma dificuldade, por feitio, de auto-criticar a sua própria prática. Importa
destacar que tinha, no início, tendência para procurar as dificuldades extrínsecas que afectavam o
desenrolar das aulas. Esta atitude foi sendo alterada no grupo quando confrontada com as outras
professoras que, vivendo situações análogas, não referiam, com tanta frequência, as mesmas
dificuldades.
Carla, por seu lado percorreu uma fase inicial de descontentamento e desilusão com as
suas próprias aulas. O efeito de análise de transcrições teve nela um enorme impacto. Estava
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convencida de que os seus alunos participavam bastante nas aulas e, com pena, constatou que
afinal as intervenções deles se limitavam a pequenas intervenções na sequência das suas. Procurou,
ao longo do projecto experimentar novas abordagens e dar mais espaço aos alunos, preocupando-se
em assegurar espaços de maior autonomia. Apresentou sempre uma atitude bastante crítica perante
as suas aulas, procurando introduzir na prática lectiva novos elementos reflectidos sobre aulas
anteriores. Centrava-se essencialmente no seu papel e aquilo que considerava que devia mudar no
seu desempenho.
Por razões ligadas à sua personalidade e, porventura, experiências anteriores de
envolvimento político e sindical, Maria assumiu uma atitude claramente pró-activa. Procurava novas
experiências, interessava-se em estudar alternativas, procurava validá-las na prática. Experimentava,
dizia, “porque estou convencida que pode ser um bom caminho”. Deixava bem claro que não fazia
uma experiência por fazer, mas para conseguir avaliar as suas potencialidades. Quando as coisas
corriam bem e ficava satisfeita com o caminho percorrido queria continuar e fazer mais. Recorde-se
que, Maria, paralelamente, trabalhou com uma outra professora exterior ao grupo e experimentou
fazer uma planificação anual para a escola tendo em conta propostas que tinham saído do trabalho
conjunto deste projecto.
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2. Modo como o professor de Matemática vê o seu papel na sala de aula na criação de
contextos facilitadores da comunicação matemática e como pode evoluir com o
trabalho colaborativo.
Papel do professor. Antes de mais, todas as professoras envolvidas no projecto consideram
o seu papel fundamental na construção de um bom ambiente na sala de aula. Carla considera
essencial que o professor crie situações diversificadas para que numa aula de 90 minutos os alunos
possam viver momentos muito diferentes, combatendo a monotonia. Atribui uma grande importância
ao seu papel na coordenação das discussões em grande grupo: nas questões e desafios que coloca,
na forma como consegue gerir os desacordos. Considera ainda que o tipo de tarefas que como
professora é capaz de propor e gerir é fundamental para a comunicação entre os seus alunos.
Reconhece um potencial a explorar no trabalho de grupo para o desenvolvimento da comunicação.
No entanto, tem tendência para olhar para o trabalho feito em grupo como de menor importância
relativamente aquele que é realizado em grande grupo. A sua atitude é concordante com a
referência que Blunk (1998) faz do facto do professor ter dificuldade em valorizar o trabalho
realizado na sua ausência porque, em parte, o desconhece.
Eva atribui ao professor o papel de coordenar e “comandar” a aula para que os alunos “não
se percam”. Para esta professora, é muito importante que o professor utilize uma linguagem
matemática rigorosa, precisa e clara, de modo que os alunos percebam aquilo que o professor está
a comunicar e comecem eles mesmos a utilizar essa linguagem correcta, entendendo-se entre si.
Como vê a Matemática como uma linguagem, este aspecto é para si fundamental. Também
considera essencial que o professor ajude os alunos a colmatar erros e dúvidas e que nunca deixe
de corrigir algo menos correcto.
Maria considera essencial que o professor seja compreensivo e disponível, que confie nos
alunos e, ainda, que os ouça com atenção. Parece-lhe muito importante que o professor proporcione
experiências desafiantes, levando e incentivando os alunos a verbalizá-las. Como se preocupa com a
criação nos alunos de hábitos de verbalização de conceitos e raciocínios, de colocação de questões
e de escuta e assume que isso não é fácil, sustenta que o professor deve ser organizado e
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persistente. Para esta professora é muito importante o respeito pelos alunos, o que passa pela
valorização daquilo que fazem.
Evolução ao longo do projecto colaborativo. Como, de certa forma, já atrás sublinhamos,
cada uma das professoras foi, ao longo do projecto, construindo a partir das próprias experiências
anteriores e das discussões em grupo, um olhar sobre o papel do professor na sala de aula e
também desse papel perspectivado relativamente à comunicação na sala de aula. Sublinhemos
alguns aspectos dessa construção.
Eva, por exemplo, no início, tendia a colocar nos alunos (na forma como falavam, no facto
de fazerem barulho, de serem inoportunos, etc.) a responsabilidade pelo que considerava ser o
processo comunicativo nas suas aulas. No entanto, com o desenrolar do trabalho e com as
discussões, apesar de manter essa preocupação com o comportamento dos alunos, no seu discurso
sobre as aulas, tendia a olhar mais para o papel do professor, sem se centrar tanto nas dificuldades
que encontra para o exercer. Importa referir que, para esta atitude, a compreensão e o pragmatismo
de Maria foram uma contribuição preciosa, tornando-se assim evidente a importância do grupo na
evolução de cada uma.
Logo após as primeiras leituras e discussão de textos, estabeleceu-se um entendimento
base no grupo, partindo-se da hipótese (que a experiência facilmente comprova) que o professor, na
sua atitude na sala de aula, na forma como se dirige aos alunos, no tipo de questões que coloca e
no tipo de propostas de trabalho que faz afecta de forma decisiva a comunicação na sala de aula.
Assim, optamos por experimentar tarefas mais abertas, tarefas em que esteja prevista alguma
discussão em grupo, tomadas de decisão pelos alunos, acompanhadas pelos pedidos de justificação
e pela presença constante dos ‘porquês’ por partes das professoras.
Cada professora procurou concretizar as implicações deste entendimento e desta opção na
sua prática, e, também aqui, as evoluções foram diversificadas. O olhar de Eva associava
essencialmente ao professor o papel de transmissor de conhecimento e fornecedor de ferramentas
para que os alunos possam pensar. Carla, partilhando algumas das preocupações de Eva,
sublinhava o papel de desafiador e treinador (com o dever primeiro de preparar bem os alunos). Por
fim, o olhar de Maria colocava no professor o dever de criar situações onde estivesse patente a
utilidade da Matemática, condição que considera fundamental para motivar os alunos.
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Ao longo do projecto, cada professora manteve o seu próprio olhar mas conseguiu
igualmente abrir-se a outras dimensões e assumir que diferentes papéis se jogam em diferentes
situações. Isso aconteceu, por exemplo, nas situações em que o professor actua, do ponto de vista
da comunicação, com um papel estruturante ou apenas como referente (por exemplo, nas
dinâmicas de trabalho de grupo).
Apesar de Eva ter procurado dar a imagem de que já fazia tudo aquilo que discutíamos,
penso que se tornou uma pessoa mais atenta ao seu papel na sala de aula. Assim, posso afirmar
que a evolução desta professora, apesar de discreta, ocorreu. A sua preocupação, na continuação
do projecto, em criar novas propostas para os alunos, trabalhos realizados em grupo em que
propunha a apresentação e discussão dos resultados, é um exemplo dessa evolução.
A evolução do olhar de Carla sobre o seu papel, apesar de também ter sido discreto, sofreu
um processo diferente de Eva. Preocupou-se com o papel que desempenha como professora,
apresentando sempre um olhar crítico. Mesmo após a conclusão da recolha de dados, a sua
evolução continuou a ser discreta embora empenhada. Atribui, agora, mais importância ao trabalho
realizado pelos alunos de forma autónoma não deixando, no entanto, de manifestar que considera
que se sente mais confortável e mais útil no seu papel nas aulas que contemplam discussões em
grande grupo. Considera que esse papel do professor como orquestrador é bastante exigente e
tornou-se progressivamente mais crítica na sua análise. Paralelamente tem-se sentido mais satisfeita
com o seu desempenho nesse papel.
Quanto a Maria, o seu olhar sobre o papel que o professor deve desempenhar na sala de
aula foi-se tornando cada vez mais informado. Procurou cruzar todas as informações e conclusões
que captava das nossas discussões na planificação das suas aulas e nas respectivas reflexões. Para
esta professora continuou a ser fundamental a explicitação da utilidade da Matemática mas foi
considerando cada vez mais importante o seu papel na criação de situações desafiantes e que
desenvolvessem uma maior autonomia nos alunos.
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3. Influências nas concepções, práticas e reflexão do professor sobre a comunicação e
sobre o seu papel, decorrentes, nomeadamente, do trabalho colaborativo, do percurso
profissional anterior, do contexto e experiências profissionais e das características
pessoais do próprio professor.
Nesta questão podemos distinguir dois tipos de influências: as decorrentes de vivências
anteriores das professoras e aquelas que decorrem da experiência conjunta no âmbito do projecto
colaborativo.
Vivências anteriores. As três professoras envolvidas têm experiências de vida muito
diversificadas e percursos também distintos. Maria, por exemplo, foi presidente do conselho directivo
de uma escola durante vários anos e dirigente sindical. A sua actividade política, social e profissional
muito diversificada ajuda a definir uma postura muito crítica e um sentido apurado de dever social,
tornando-se muito exigente consigo própria. As suas opções, o seu empenho no conhecimento e nas
experiências que procura investigar na sala de aula, são também reflexo dessa atitude perante a
vida.
Eva, por sua vez, é uma pessoa pacífica, mas que assume por vezes posturas defensivas e
de desculpabilização. Estas atitudes afectavam as reflexões das aulas, tornando difícil procurar
alternativas e discutir opções. Tem tendência para desanimar e olhar para os contratempos como
insuperáveis. O olhar, por vezes desanimado, perante a escola influencia de forma directa a sua
postura na sala de aula. Por exemplo, revela em certas ocasiões baixas expectativas em relação aos
alunos, considera que tudo o que fazem tem que contar para a avaliação para que se empenham no
trabalho. Esta professora tem habilidade para lidar com situações imprevistas e por essa razão
atribui muito valor a esses momentos nas aulas. Faz passar a ideia de que não vale a pena
programar muito as aulas para não se sentir excessivamente condicionada.
Carla dedica-se à escola a tempo inteiro, envolvendo-se em tantas tarefas burocráticas e
pedagógicas que o tempo se torna escasso. Trata-se de uma professora impulsiva, entusiasmando-
se muito com determinadas propostas que se revelam depois difíceis de concretizar. Esta forma de
ser afecta por vezes as suas aulas onde, por exemplo, propõe tarefas que depois não termina o que
lhe coloca questões complicadas de gestão. Procura ser organizada mas revela alguma dificuldade
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em programar o trabalho a longo prazo. É muito crítica em relação à sua actuação, procura reflectir
constantemente sobre aquilo que faz ou devia fazer, atitude porventura relacionada com a sua
personalidade humilde.
Vivência do projecto. Todas as professoras referem o relevo que o projecto teve na sua
tomada de consciência de diversos aspectos relativos à comunicação matemática e que nunca
tinham explicitado. Particularmente, Carla foi apurando a sua capacidade de escuta e, para isso,
foram essenciais as oportunidades de análise das próprias aulas. Apercebeu-se pelas gravações que
não era tão cuidada quanto pensava ser e isso foi o primeiro passo para a mudança. Considera que
provoca agora mais situações para os alunos interagirem entre si e se ouvirem mutuamente.
Aumenta notoriamente a preocupação com o desempenho do seu papel nas discussões em grande
grupo. Tem inicialmente a percepção de que colocava muitas questões e ouvia muito os alunos, mas
foi percebendo que ainda tem muito que caminhar. Considera que a forma como vive esses
momentos de ‘orquestração’, que continuam a ser os que mais aprecia nas aulas, tem sofrido
alterações apesar de reconhecer que ainda há algumas ‘arestas para polir’.
Eva sente que evoluiu na capacidade de escuta e de questionamento. Revela-se sempre
uma professora confiante naquilo que já conseguia fazer, e, por vezes, parece desvalorizar as
contribuições do grupo para a sua prática. No entanto, pelas experiências em que se lança, pela
forma como se envolve na continuação do projecto, pelas preocupações que demonstra em fazer
chegar informação, experiências e discussões aos restantes elementos do departamento, vê-se que
o projecto lhe trouxe diversas mais valias. Ela própria sublinha a importância das discussões e
reflexões e a forma como influenciaram a prática. Considera-se no final uma professora mais
cuidadosa na sua prática e atenta à comunidade.
Por fim, Maria é a professora que, aparentemente, mais é influenciada pelo projecto. Isso
acontece, provavelmente, porque fez a opção de se deixar influenciar. Foi para si essencial o
reconhecimento de falhas na comunicação da sala de aula para poder mergulhar com convicção na
procura de alternativas. Salienta a possibilidade, proporcionada pelo projecto, de sair da rotina e de
ter com quem discutir as suas preocupações e angústias. Para esta professora as reuniões de
trabalho do projecto traduzem-se em oportunidades de aprendizagem, através das discussões sobre
tópicos matemáticos, sobre aspectos da comunicação, e sobre a exploração de novas estratégias.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
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Maria considera que agora desafia mais os seus alunos, que tem proposto mais trabalhos para eles
desenvolverem de forma autónoma, provocado e explorado confrontos entre eles. Sente que estão
mais activos e responsáveis e que deste modo gostam e aprendem mais.
Dificuldades e perspectivas de superação. Há um último aspecto que traduz ainda os
resultados do projecto no que concerne à evolução do modo das professoras se olharem a si
próprias e às suas práticas na sala de aula do ponto de vista da comunicação matemática. Trata-se
de um conjunto de dificuldades e perspectivas para a sua superação que o grupo foi fazendo e
encarando quase como um património da sua experiência.
1. Dificuldades
- Tendência, comum às três professoras, para monopolizar o discurso na sala de aula e
orientar excessivamente o seu decurso. Tendência, de resto, apontada na literatura como
comum em muitas salas de aula de Matemática (Alrø & Skovsmose, 2002).
- Dificuldade em escutar e acompanhar as opiniões/intervenções dos alunos nas aulas
nos momentos de discussão em grande grupo. Lidar com muitas intervenções variadas
(por vezes em simultâneo) e com comportamentos diversificados sem perder de vista os
objectivos da aula.
- Dificuldade em descentrar a autoridade. A tendência para utilizar, de forma por vezes
excessiva, a sequencia triádica. Nem sempre é fácil para o professor incentivar os alunos
a colocar questões e assumir responsabilidades, mas essa dificuldade aumenta quando
as expectativas do professor são baixas.
- Dificuldade em lidar com a dicotomia programa extenso, e consequente necessidade de
orientação e “eficácia”, vs permitir aos alunos fazer Matemática, deixando que sigam os
seus próprios caminhos.
- Dificuldade em saber até onde se pode ir em termos da linguagem utilizada, que tipo de
linguagem exigir da parte dos alunos e quando é que esta deve ser corrigida. Tal como
apontam Chazan e Ball (1995) alguns professores sentem-se agarrados à terminologia
matemática convencional e isso dificulta a possibilidade de transferirem autoridade e
autonomia aos alunos. Olhar para a Matemática como um corpo de conhecimento leva o
Capítulo10 – Conclusões
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professor a sentir que tem necessidade de transmitir esse conhecimento aos seus
alunos.
- A preocupação, porventura excessiva, com a avaliação dos alunos pode afectar de forma
directa a aprendizagem. As opções do professor estão muitas vezes condicionadas pela
preocupação com a avaliação.
2. Estratégias de superação
- Contrariar a tendência do professor para intervir logo que se detecta um erro de um
aluno, a utilização de uma linguagem menos adequada, uma dúvida ou um desacordo
cognitivo. Esta atitude dá tempo ao professor para pensar que estratégia pode seguir e
que questões pode colocar.
- Procurar alternativas à estrutura tradicional das aulas: introdução, exemplificação e
resolução de exercícios. Aceitar que esta ordem pode ser invertida, e que os alunos
podem chegar a conclusões sem que o professor as forneça. O professor pode
coordenar, questionar, propor novas tarefas, estar atento, mas sem assumir o total
controlo da aula.
- Alterar o papel do professor de transmissor de conhecimentos para criar oportunidades
para que os alunos construam por si o conhecimento matemático. Ter uma maior
confiança nos alunos e nas suas capacidades.
- Gerir o trabalho de grupo realizado nas aulas. Por um lado gerir o comportamento dos
alunos em aulas com tendência para serem mais barulhentas e, por outro lado, saber
que alunos estão a trabalhar e de que modo se pode garantir o envolvimento de todos.
Assumir que o comportamento e o trabalho estão por vezes associados ao tipo de tarefas
propostas.
- Gerir e saber lidar com o tempo de espera, aferindo o tempo que o aluno necessita para
concretizar uma tarefa sem que seja exagerado e prejudique o desenvolvimento da aula.
Ter consciência de que a gestão do tempo é complexa.
- Valorizar o papel da planificação até como veículo para a introdução de novas estratégias
no processo de ensino-aprendizagem e da comunicação. Uma planificação bem pensada
pode ajudar a superar muitas das dificuldades elencadas acima.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
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Estas dificuldades foram identificadas pelo grupo, algumas eram comuns a todas as
professoras, outras foram mais sentidas por uma ou outra. Em grupo, pela partilha e discussão
estas estratégias de superação foram emergindo e vieram a surtir efeito nas respectivas aulas.
Evolução do grupo
Como em toda a investigação qualitativa a universalidade deste trabalho está,
paradoxalmente, na sua especificidade. Isto é, no particular deste encontro, deste processo, nos
passos pequenos que foram dados, no que porventura estes permitiram sedimentar. Acredito que a
presença da voz dos professores acaba também por conferir uma outra densidade/credibilidade à
investigação, nomeadamente quando a queremos partilhar com outros professores. Bom exemplo
disto mesmo é o impacto/receptividade que o projecto e a sua continuação teve na escola ao longo
do seu decorrer e, de uma forma mais limitada no tempo, a larga participação na acção de
formação organizada pelo grupo para os professores do agrupamento (28 professores , de um total
de 33 inscritos, desde o 1.º ao 3.º ciclo do Ensino Básico). Importa destacar que desta acção
resultou a entrada de mais uma professora no grupo.
É verdade que o foco deste trabalho se centrou na comunicação na sala de aula de
Matemática, temática só por si suficientemente ampla para poder albergar uma variedade de
assuntos e vivências. O seu decurso, no entanto, torna clara a importância de, ao lançar-se uma
investigação de carácter colaborativo, se ter clara a opção por nunca descurar ou ignorar as
questões que os próprios professores levantam e que percebem como relevantes. Mesmo se, às
vezes, tal configura (ou parece configurar) uma abordagem mais sinuosa aos percursos inicialmente
previstos. Vários exemplos podiam ser elencados, desde a forma como, por vezes, se alterava a
ordem de trabalhos em determinada reunião porque uma das professoras surgia com uma
experiência realizada, e que precisava ou manifestava vontade de discutir, ou dúvidas sobre a
escolha de uma tarefa a propor em determinada aula que se aproximava, ou discussão em torno de
determinado conceito e sobre abordagens menos felizes do livro, ou mesmo alguns desabafos sobre
algum episódio que corria menos bem. Particularizando temos logo no início as conversas que
Capítulo10 – Conclusões
415
surgiram a propósito dos ‘registos de aula’ e do ‘capítulo de livro’ propostos por Carla. Maria surgia
por vezes com desabafos sobre as experiências que levava a cabo com os alunos que acompanhava
no apoio. Um dia chegou a dizer: “estou desde sexta ansiosa por esta reunião para vos falar sobre o
que me aconteceu...”, levando mesmo Eva a comentar: “Este grupo é a nossa terapia” (NC).
Talvez seja relevante anotar que este projecto coincidiu temporalmente com a introdução
nas escolas de um conjunto de procedimentos e normas definidas pelo Ministério da Educação, e
que, por razões que não cabe aqui analisar, acabou por se traduzir num mal-estar generalizado e
mesmo algum desalento entre os professores. O grupo não foi imune a essa onda, que por vezes
aflorava nas nossas reuniões. Também a esse nível teve o projecto algum valor terapêutico de abrir
espaços de partilha, reforçar alguma auto-estima e tentar re-focar desalentos e incompreensões no
essencial da prática profissional das professoras.
Tal como referem Chazan e Ball (1995), como as oportunidades para analisar a
complexidade das decisões que o professor tem que tomar numa sala de aula são poucas, quando
ocorrem a tendência é focar-se directamente a discussão naquilo que podia ser feito, se podia
‘dizer’, ‘escolher’, ‘ir mais além’ ou ‘deixar os alunos fazerem por si próprios’. Nas discussões em
torno das aulas também se verificou essa mesma tendência entre nós.
Como procurei deixar claro ao longo dos casos relatados nos capítulos 6, 7 e 8, o projecto
procurou tornar de cada professora uma protagonista da sua própria dinâmica. Diversos aspectos
registados na literatura sobre investigação colaborativa foram assinalados neste percurso. Talvez o
principal tenha sido a tensão entre os objectivos das quatro participantes no grupo, aspecto referido,
por exemplo, por Freedman e Salmon (2001). Por exemplo, a preocupação de Carla com o
cumprimento dos programas, e o decurso do ano lectivo na escola, fazia, por vezes, relegar para
segundo plano algumas iniciativas do grupo (planificações ou calendarizações de aulas e reuniões).
Por vezes essa tensão estendeu-se do campo das motivações directas e objectivos explícitos
para o terreno mais subjectivo das identidades pessoais e profissionais de cada uma. A partilha de
experiências, a observação de aulas, etc., representou para cada professora a abertura de um
espaço que até então perspectivara de forma essencialmente privada. Alguns fragmentos de
discurso auto-justificativo que registamos traduzem bem que uma cultura colaborativa é um
processo no tempo. Como notam diversos autores é fundamental o apoio do grupo para se
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
416
ultrapassarem ou, pelo menos, mitigarem as dificuldades e vulnerabilidades de cada um (Fullan &
Hargreaves, 2001).
Confirmam também que um aspecto importante na consolidação de um trabalho
colaborativo é a existência, assumida colectivamente, de um conjunto de objectivos comuns que
orientem todo o trabalho e em que cada um se reconheça (Boavida & Ponte, 2002). Assim, no
grupo foi sempre claro e assumido por todas que o principal objectivo era o estudo da comunicação
na sala de aula e do papel do professor nesse processo. Os objectivos e preocupações do grupo
foram reafirmadas quando Maria entrou no grupo. Havia também a preocupação por aquilo que
cada elemento, trouxesse e levasse do grupo.
A literatura fala ainda da relevância do processo de negociação de objectivos – um processo
contínuo no grupo – para a eficácia da colaboração. Também procuramos rever e reassumir os
objectivos do grupo, em diferentes momentos, ao longo do projecto. Não foi necessário proceder à
sua reformulação, mas retomaram-se como objecto de discussão, numa tentativa de revisão daquilo
que estava a ser conseguido pelo grupo bem como daquilo que se descurara e que deveria ser
repensado.
O projecto ajudou as professoras a ultrapassar a sensação de isolamento, e mesmo
impotência, e aumentar a auto-confiança. Este papel, central num trabalho colaborativo (Maeers &
Robison, 1997), foi sentido mais que uma vez, em diferentes escalas, pelas três professoras. Maria
sentiu-o e expressou-o várias vezes. Expressou-o nomeadamente, já após a fase de recolha de dados
quando esteve a ler um livro sobre desenvolvimento profissional (Day, 2001) referindo alguns
aspectos que este autor aponta como importantes em colaborações e parcerias e sublinhando aquilo
que considerava que o nosso projecto estava a representar. Como o considerei de grande
importância atrevi-me a referi-lo. Para Carla e Eva, o projecto traduziu-se num contributo importante
para se sentirem apoiadas e menos isoladas. Relativamente ao aumento da auto-confiança tenho
dificuldade em avaliar o caso de Eva dado que se trata de uma professora que transmitiu sempre
uma imagem de grande auto-confiança, sendo assim pouco explícito que tenha sofrido alterações.
Quanto a Carla, penso que o aumento do domínio sobre a temática terá trazido contributos nesse
sentido.
Capítulo10 – Conclusões
417
Importa aqui referir que ao longo de todo o projecto e nas discussões das aulas muitos
foram os momentos em que frontalmente nos manifestávamos favorável ou desfavoravelmente às
opções tomadas por cada uma das professoras. Apesar da frontalidade ser um elemento que ajudou
o crescimento do grupo, corria-se o risco desse confronto abalar a auto-estima de cada uma. Creio
que esse risco acabou por ser ultrapassado.
Para além de ter dado às professoras novos instrumentos e grelhas de leitura em torno da
comunicação na sala de aula, o projecto contribuiu também para desenvolver a capacidade de
reflexão crítica e para um maior conhecimento sobre si próprio e o seu modo de viver a profissão de
professor.
Um projecto colectivo é uma construção social. Tal como referem John-Steiner, Weber e Minnis
(1998), numa colaboração, é importante que os diferentes elementos partilhem diferentes “leituras”
de situações e experiências. Esse é de facto um aspecto que torna as discussões mais ricas e
construtivas. A diversidade dos elementos que compunham o grupo contribuiu para que se
influenciassem mutuamente e ao próprio processo de crescimento do grupo. Tal como foi possível
referir de forma mais detalhada no capítulo 9, diferentes foram os factores que se cruzaram e
influenciaram todo esse processo. Factores que incluem, nomeadamente, aspectos de natureza
pessoal, a experiência profissional e a relação com a Matemática, e o papel desempenhado por cada
uma no grupo e a experiência do grupo no seu conjunto. Paralelamente, várias foram as
repercussões que cada professora sentiu da sua participação no projecto e que nesse capítulo se
registaram.
Reflexão pessoal
Permito-me terminar esta apresentação das conclusões com uma reflexão de cunho
pessoal. Como investigadora, esta experiência foi (e continua a ser, no contexto do grupo que deu
seguimento ao projecto em que esta dissertação se baseia) de grande importância. Por um lado,
constituiu uma oportunidade de aproximação com a realidade escolar vivida de uma forma particular
por estas professoras. Por outro lado, constituiu uma fonte de aprendizagem, particularmente sobre
o desenrolar de um trabalho colaborativo e a importância que este pode ter quer para professores
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
418
quer para investigadores. Através desta experiência foi também possível perceber que não há
apenas dificuldades na constituição do grupo. Mesmo depois deste constituído, e de ter sido criada
uma certa empatia entre os seus elementos, para que o trabalho continue é necessário que cada
um dos membros do grupo sinta que vale a pena continuar. Não pode, nem deve, ser o outro a
avaliar isso e muito menos a investigadora.
Ao longo de um trabalho deste tipo, vivem-se momentos de angústia, de incapacidade e de
cansaço. Curiosamente, porém, nos momentos em que se fizeram balanços sobre o trabalho
realizado, todas tínhamos críticas a apontar, mas nenhuma colocava a hipótese de sair ou agendar
um fim ao grupo. Estava sempre presente que apesar das dificuldades, precisávamos de continuar e
que precisamente porque discordávamos em muitos aspectos é que evoluíamos enquanto grupo.
Como grupo procuramos valorizar cada uma das professoras, assumindo uma perspectiva
idêntica à de Olson (1997) quando diz que “é a pessoa que deve ser valorizada, e não o seu
conhecimento ou estatuto” (p. 21). Penso poder afirmar que o grupo funcionou sempre num
ambiente de respeito mútuo. Mesmo nos desacordos e perante opiniões contraditórias sentia-se que
o grupo vivia um bom ambiente no qual se construiu uma relação de amizade entre todas.
Como investigadora aprendi que mesmo quando as pessoas estão empenhadas e
motivadas, como era o caso destas professoras, toda a mudança é demorada e que os passos a dar
não são nunca, nem podem ser, muito grandes. Por vezes, tive a sensação que a tentativa de
provocar determinadas experiências resultava infrutífera: primeiro é necessário que a professora em
causa assuma como seus os objectivos. Eva contribuiu de forma particular para essa aprendizagem
quando exprimiu o seu desconforto com as aulas planificadas em grupo, alegando que não sentia
como suas essas planificações. Todas tivemos que amadurecer perante essa evidência. Por seu
lado, Carla e Maria foram-se envolvendo nas planificações com entusiasmo e sentindo-as como
suas, pelo simples facto de serem discutidas pelo grupo e participarem activamente na sua
elaboração e análise. Maria, ao longo do projecto, assumiu o papel de investigadora sobre a sua
própria prática e revelou como esse papel é motor de mudança e de aprendizagem. No entanto,
mesmo aí as mudanças para se tornarem efectivas necessitam de reflexão e tempo para maturação.
Ao longo do projecto todas nós – professoras e investigadora – aprendemos sobre nós
próprias, sobre as outras e sobre as temáticas do projecto, mas, evidentemente, nem todas
Capítulo10 – Conclusões
419
aprendemos o mesmo. Esta heterogeneidade (que tem paralelo na heterogeneidade dos nossos
percursos profissionais e motivações) foi bem clara desde o início. A consciência desse facto
aumentou a liberdade de cada uma dentro do grupo e tornou-o, mais que um ponto de chegada, um
lugar de contínuo recomeço.
10.3. Sugestões para futuras investigações
Este estudo suscita novas propostas de trabalho e oportunidades de investigação quer sobre
a temática da comunicação como sobre a própria dinâmica associada à investigação colaborativa.
Algumas dessas propostas decorreram de temáticas que chegaram a ser objecto de análise no
âmbito do projecto colaborativo, mas não foram retomadas na presente dissertação e outras
nasceram já da reflexão feita sobre o próprio projecto colaborativo.
Colaboração. Um primeiro conjunto de questões que valeria a pena analisar com mais
detalhe diz respeito às condições concretas em que decorreu este trabalho. Se ele vale
precisamente pela força da especificidade humana dos casos construídos, não deixa de suscitar a
interrogação sobre o tipo de conclusões a que se poderá chegar partindo de condições diferentes.
Uma das variáveis que a minha experiência docente em licenciaturas em formação de professores
crê relevante é a idade das professoras envolvidas. Todas elas tinham, neste projecto, para cima de
20 anos de serviço, o que sugere que talvez fosse relevante prosseguir um estudo similar com
professoras que se encontrassem no início de carreira.
O período em que decorreu o projecto colaborativo e que, como se sabe, foi marcado por
diversas mudanças na vida escolar com reflexos, reais e psicológicos, no conjunto dos professores
do ensino básico e secundário. Recorde-se, nomeadamente, que no início do ano lectivo de
2004/05 ocorreram vários contratempos: houve um atraso considerável no arranque das aulas, em
consequência da tardia colocação de professores; foi implementado o exame nacional de
Matemática para o 9.º ano de escolaridade; o Ministério da Educação foi concretizando diversas
medidas que, de uma forma ou de outra, afectavam a carreira e as expectativas dos professores (ou,
pelo menos, assim foram percebidas). Investigação futura poderá ajudar a aferir o seu impacto em
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
420
projectos deste tipo, dando a conhecer em que medida são os professores vulneráveis a esse tipo de
constrangimentos na sua prática profissional.
Comunicação. Também em relação à temática da comunicação, diversas são as questões
que decorreram do trabalho e que podem ser exploradas em futuras investigações. Assim, várias
foram as aulas em que as professoras propuseram aos alunos trabalho de grupo, e também as
reuniões em que a temática do trabalho de grupo foi discutida. Não foram, no entanto, analisados os
diferentes tipos de interacção estabelecidos entre os elementos do grupo. Nem, por exemplo, de que
forma e até que ponto se relaciona o tipo de tarefa proposta e o tipo de interacção verificada.
A literatura aponta, e a própria experiência do grupo confirma, que as questões colocadas
pelos alunos são habitualmente para esclarecimento de dúvidas pontuais. Seria interessante o
desenvolvimento de um estudo que permitisse analisar e tipificar as questões dos alunos assim
como as estratégias do professor para as desenvolver e estimular.
Apesar da importância que as três professoras envolvidas no projecto lhe atribuíam, a
verdade é que não foi considerada aqui a comunicação escrita em Matemática. Trata-se de um
tópico multifacetado e que, creio que com proveito, poderia ser objecto de um projecto colaborativo
de contornos similares ao que serviu de base a esta dissertação. Questões a abordar incluiriam,
nomeadamente, a indagação do papel do professor no desenvolvimento nos alunos da expressão
matemática escrita, do tipo de registos que são legitimados pelo professor e porquê e de quais as
normas a estabelecer numa comunidade de sala de aula para o registo escrito.
Um aspecto que decorre directamente da análise de determinadas aulas das professoras
envolvidas no projecto tem a ver com os momentos de interacção de um aluno ou grupo com a
turma considerada no seu todo. Estas interacções podem ser estruturadas de formas muito variadas
e poderá ser interessante a sua análise sistemática. Em particular, valerá a pena investigar as
diferentes normas sociais e matemáticas associadas a essas interacções, assim como o papel do
professor no desenvolvimento de determinado tipo de interacções. As normas sócio-matemáticas
traçam um caminho que gostaria de ter percorrido de forma mais aprofundada ao longo do projecto
colaborativo. Por várias razões foram apenas abordados alguns aspectos dessa temática. Outras
questões ocorreram ao longo do trabalho e justificam posterior investigação. Por exemplo, a de
determinar quais as normas sócio-matemáticas que se estabelecem numa determinada comunidade
Capítulo10 – Conclusões
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de sala de aula, envolvendo turmas e professores concretos e de que forma elas se relacionam com
a vivência e percurso profissional do professor.
Apesar das vicissitudes do percurso que pôs de pé o projecto colaborativo que subjaz a esta
dissertação, percebo-o agora, a alguma distância, como um fecundo lugar de encontro e de
confronto de olhares e vozes. Lugar de maturação e descoberta. Na tensão, por vezes, e de desafio.
Lugar onde a investigação se torna uma prática na prática, e a prática profissional emerge como
espaço de inquirição e de mudança. Como se disse atrás, o grupo continuou, com redobrado
esforço e foi acolhido institucionalmente no interior da escola. As marcas reais deste projecto em
cada uma de nós – professoras e investigadora – Só a prazo mais longo se poderão avaliar. Como
escreveu o poeta – António Machado:
Caminante, no hay camino se hace camino al andar
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