Post on 13-Oct-2015
NNNNeeeellllssssoooonnnn RRRRooooddddrrrriiiigggguuuueeeessss
OOSS IIDDIIOOTTAASS
CCOONNFFEESSSSOOSS
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Antigamente, o idiota era o idiota. Nenhum
ser to sem mistrio e repito: to cristalino. O
sujeito o identificava, a olho nu, no meio de
milhes. E mais: o primeiro a identificar-se
como tal era o prprio idiota. No sei se me
entendem.
No passado, o marido era o ltimo a saber.
Sabiam os vizinhos, os credores, os familiares, os
conhecidos e os desconhecidos. S ele, marido, era
obtusamente cego para o bvio ululante. Sim, o
trado ia para as esquinas, botecos e retretas gabar
a infiel: Uma santa! Uma santa!. Mas o tempo
passou. Hoje, d-se o inverso. O primeiro a saber
o marido. Pode fingir-se de cego. Mas sabe, eis a
verdade, sabe. Lembro-me de um que sabia
endereo, hora, dia, etc. etc.
Pois o idiota era o primeiro a saber-se idiota.
No tinha nenhuma iluso. E uma das cenas mais
fortes que vi, em toda a minha infncia, foi a de
uma autoflagelao. Um vizinho berrava, atirando
rtilas patadas: Eu sou um quadrpede!.
Nenhuma objeo. E, ento, insistia, herico:
Sou um quadrpede de 28 patas!. No precisara
beber para essa extroverso triunfal. Era um
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lmpido, translcido idiota.
E o imbecil como tal se comportava. Nascia
numa famlia tambm de imbecis. Nem os avs,
nem os pais, nem os tios, eram piores ou melhores.
E, como todos eram idiotas, ningum pensava.
Tinha-se como certo que s uma pequena e
seletssima elite podia pensar. A vida poltica
estava reservada aos melhores. S os
melhores, repito, s os melhores ousavam o
gesto poltico, o ato poltico, o pensamento poltico,
a deciso poltica, o crime poltico. Por saber-se
idiota, o sujeito babava na gravata de humildade.
Na rua, deslizava, rente parede, envergonhado
da prpria inpcia e da prpria burrice. No
passava do quarto ano primrio. E quando cruzava
com um dos melhores, s faltava lamber-lhe as
botas como uma cadelinha amestrada. Nunca,
nunca o idiota ousaria ler, aprender, estudar, alm
de limites ferozes. No romance, ia at ao Maria, a
desgraada.
Vejam bem: o imbecil no se
envergonhava de o ser. Havia plena acomodao
entre ele e sua insignificncia. E admitia que s os
melhores podem pensar, agir, decidir.
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Pois bem. O mundo foi assim, at outro dia.
H coisa de trs ou quatro anos, uma telefonista
aposentada me dizia: Eu no tenho o intelectual
muito desenvolvido. No era queixa, era uma
constatao. Santa senhora! Foi talvez a ltima
idiota confessa do nosso tempo. De repente, os
idiotas descobriram que so em maior nmero.
Sempre foram em maior nmero e no percebiam
o bvio ululante. E mais descobriram: a
vergonhosa inferioridade numrica dos melhores.
Para um gnio, 800 mil, 1 milho, 2 milhes, 3
milhes de cretinos. E, certo dia, um idiota
resolveu testar o poder numrico: trepou num
caixote e fez um discurso. Logo se improvisou uma
multido. O orador teve a solidariedade fulminante
dos outros idiotas. A multido crescia como num
pesadelo. Em quinze minutos, mugia, ali, uma
massa de meio milho. Se o orador fosse Cristo, ou
Buda, ou Maom, no teria a audincia de um vira-
lata, de um gato vadio. Teramos de ser cada um
de ns um pequeno Cristo, um pequeno Buda, um
pequeno Maom. Outrora, os imbecis faziam platia
para os superiores. Hoje, no. Hoje, s h platia
para o idiota. preciso ser idiota indubitvel para
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se ter emprego, salrios, atuao, influncia,
amantes, carros, jias etc. etc.
Quanto aos melhores, ou mudam, e imitam
os cretinos, ou no sobrevivem. O ingls Wells, que
tinha, em todos os seus escritos, uma pose
proftica, s no previu a invaso dos idiotas. E,
de fato, eles explodem por toda parte: so
professores, socilogos, poetas, magistrados,
cineastas, industriais. O dinheiro, a f, a cincia,
as artes, a tecnologia, a moral, tudo, tudo est nas
mos dos patetas. E, ento, os valores da vida
comearam a apodrecer. Sim, esto apodrecendo
nas nossas barbas espantadssimas. As hierarquias
vo ruindo como cpulas de pauzinhos de fsforos.
E nem precisamos ampliar muito a nossa
viso. Vamos fixar apenas o problema religioso. A
Igreja tem uma hierarquia de 2 mil anos. Tal
hierarquia precisa ser preservada ou a prpria
Igreja no dura mais quinze minutos. No dia em
que um coroinha comear a questionar o papa, ou
Jesus, ou a Virgem Maria, ser exatamente o fim.
o que est acontecendo. Nem se pense que a
invaso dos idiotas s ocorreu no Brasil. Se fosse
uma crise apenas brasileira, cada um de ns podia
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resmungar: Subdesenvolvimento e estaria
encerrada a questo. Mas uma realidade
mundial. Em que pese a dessemelhana de idioma e
paisagem, nada mais parecido com um idiota do
que outro idiota. Todos so gmeos, estejam uns
aqui, outros em Cingapura.
Mas eu falava de que mesmo? Ah, da Igreja.
Um dia, ao voltar de Roma, o dr. Alceu falou aos
jornalistas. E atira, pela janela, 2 mil anos de f.
pensador, um alto esprito e, pior, uma grande voz
catlica. Segundo ele, durante os vinte sculos, a
Igreja no foi seno uma lacaia das classes
dominantes, uma lacaia dos privilgios mais
hediondos. Portanto, a Igreja o prprio Cinismo,
a prpria Iniqidade, a prpria Abjeo, a prpria
Bandalheira (e vai tudo com a inicial maiscula).
Mas quem diz isso? o Diabo, em verso do
teatro de revista? No. uma inteligncia, uma
cultura, um homem de bem e de f. De mais a
mais, o dr. Alceu tinha acabado de beijar a mo de
Sua Santidade. Vinha de Roma, a eterna. E reduz a
Igreja a uma vil e gigantesca impostura. Mas se ele
o diz, e tem razo, vamos, j, j, fechar a Igreja e
confiscar-lhe as pratas.
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Cabe ento a pergunta: O dr. Alceu pensa
assim?. No. Em outra poca, foi um dos
melhores. Mas agora preciso adular os idiotas,
conquistar-lhes o apoio numrico. Hoje, at o gnio
se finge imbecil. Nada de ser gnio, santo, heri ou
simplesmente homem de bem. Os idiotas no os
toleram. E as freiras pem short, mai e posam
para Manchete como se fossem do teatro rebolado.
Por outro lado, d. Hlder quer missa com reco-reco,
tamborim, pandeiro e cuca. a missa cmica e
Jesus fazendo passista de Carlos Machado.
Tem mais: o papa visitar a Amrica
Latina. Segundo os jornais, teme-se que o papa seja
agredido, assassinado, ultrajado etc. etc. A
imprensa d a notcia com a maior naturalidade,
sem acrescentar ao fato um ponto de exclamao.
So os idiotas, os idiotas, os idiotas.
[19 de agosto de 1968]
APEDEUTEKA GUINEFORT 2014