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Relato de experiência: a “Seca” no ambiente literário e no texto argumentativo
Leila Cruz Magalhães
Tereza D’Ávila Ferreira
Resumo
O currículo proposto pelos documentos oficiais (PCN, 1998; CBC/MG, 2005;
etc.) aborda diversas questões importantes para serem trabalhadas no contexto
escolar. Dentre elas, elegemos a Literatura, o domínio do argumentar e o tema
transversal “Meio ambiente” como os protagonistas da sequência didática que
produzimos dentro da disciplina Estágio Supervisionado I – Ensino de Língua
Portuguesa, oferecida na grade obrigatória da licenciatura em Letras, da Universidade
Federal de Juiz de Fora. Ressaltamos que o projeto de intervenção pedagógica,
relatado neste trabalho, foi aplicado no segundo semestre de 2014, no período
matutino, em uma turma de 3º ano do Ensino Médio, de uma escola da rede estadual
da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. Desse modo, para fins puramente didáticos,
optamos por dividir as aulas ministradas em dois momentos: o primeiro sobre a
segunda fase modernista e o segundo acerca do texto argumentativo, ambos
tangenciando a temática da seca.
Pensando a elaboração da sequência didática
Acerca do ensino de literatura, ainda nos deparamos com práticas pedagógicas
pautadas, única e exclusivamente, em aspectos historiográficos: traça-se uma “linha
do tempo” no quadro negro, em que ano de determinada corrente literária, principais
autores e características ficam expostos, como se fossem elementos estáticos, que
permaneciam “imutáveis” ao longo daquela década ou século.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) pontuam, inclusive, a incoerência
que esse tipo de prática pode ocasionar, pois aponta para “uma história que nem
sempre corresponde ao texto que lhe serve de exemplo” (MEC, 1998, p.16), isto é,
seria como se todas as obras produzidas dentro daquele contexto literário,
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obrigatoriamente, fossem influenciadas da mesma maneira pela história. No entanto,
sabemos que a literatura não se baseia em modelos estanques e que os aspectos
históricos não são os definidores das escolhas dos autores.
Não que a historicidade não seja relevante em certa medida, pois é
interessante algum tipo de recorte e sistematização para fins didáticos, entretanto,
não podemos nos ater somente a isso no momento da sala de aula, nos esquecendo
do quão importante é a leitura da obra literária em si para a formação do pensamento
crítico dos alunos.
Tendo em vista essa reflexão, produzimos uma sequência de aulas que, por um
lado abordou alguns aspectos históricos referentes à segunda fase modernista da
literatura, mas que por outro, privilegiou a leitura de fragmentos e capítulos do texto
literário desse período, a fim de que os alunos conhecessem, pelo menos, parte das
obras mais expressivas.
Já no que diz respeito ao texto argumentativo, buscamos trabalhar de maneira
sistematizada sua estrutura, que é cobrada pelo Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) e demais concursos, a fim de que os alunos fossem capazes de realizar uma
produção dissertativo-argumentativa autônoma ao final da sequência. Entretanto,
antes de alcançarmos este ponto, promovemos um “diálogo temático” sobre a “seca”,
que está relacionada às questões de “Meio ambiente” dos PCNs (1998). O objetivo
desta atividade era fazer com que os discentes refletissem e vislumbrassem as
possibilidades que o tema oferecia. Para tanto, cartazes foram utilizados e auxiliaram
no desenvolvimento do “diálogo” em si, culminando também em uma interessante
atividade de reescrita.
É importante ressaltar que o tópico “seca” era um “forte candidato” a tema de
redação do ENEM realizado em 2014, dada a crise hídrica enfrentada pela região
sudeste e, em especial pela cidade de São Paulo, uma das cidades mais influentes do
país e que estava vivendo o seu momento mais crítico devido a falta d’água. Sendo
assim, uma de nossas metas também era preparar, em certa medida, os alunos que
prestariam o Exame Nacional do Ensino Médio, visto que a maioria da turma havia se
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inscrito. Aliás, como última atividade, propusemos uma redação aos moldes do exame
oficial, a fim de que os alunos se familiarizassem com o estilo de avaliação.
Primeiro momento: A segunda fase modernista
Nessa primeira fase da nossa intervenção pedagógica, os discentes foram
convidados a irem à sala de vídeo da escola e, ao acomodarem-se devidamente, foram
levados a refletir a respeito da seca que estava assolando a região sudeste naquele
momento, sobre onde este problema climático normalmente acontecia em épocas
anteriores, até chegarmos à questão do livro vidas “Vidas Secas”, tema central deste
primeiro momento.
Neste sentido, a fim captar as impressões dos alunos acerca da temática, a
música intitulada “Último pau de arara”, interpretada pelo cantor Fagner, foi tocada e
discutida. Logo após, os alunos assistiram o início do filme “Vidas Secas”, do cineasta
Nelson Pereira dos Santos, com o intuito de terem uma noção sobre o que trataria a
obra, que tipo de ideias o cenário e os personagens mostrados os levavam a evocar,
quais eram as partes mais relevantes das cenas, etc. Em seguida, foram exibidas
algumas edições que o livro “Vidas Secas” já possuiu ao longo da história, a fim de que
tivessem um contato real com as diferentes representações que a obra já teve e quais
possíveis interpretações elas poderiam suscitar.
Na segunda aula ministrada, foram retomadas as discussões da classe anterior e,
em seguida, foram lidos e discutidos fragmentos dos livros que tratavam do tema
“Sertão” alguns aspectos do texto tais como: a temática, a diferença estilística e os
momentos históricos em que cada obra foi escrita.
Na terceira e quarta aulas, foi distribuído um capítulo “Cadeia”, do livro “Vidas
Secas”, com o intuito de articulá-lo com o poema “Congresso internacional do medo”,
de Carlos Drummond de Andrade, ressaltando algumas características, tais como, o
tema recorrente, a linguagem utilizada, a repressão exercida pelo Estado sobre a
população e o clima de medo que permeava as duas obras. Após essa discussão, houve
a sistematização no quadro dos principais aspectos do livro “Vidas Secas” e da segunda
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fase modernista, para que os alunos se orientassem e pudessem recorrer a tais
anotações quando fosse necessário.
Em seguida, foram entregues aos alunos exercícios de fixação (anexo 1) a
respeito da última aula. Estes foram bem desempenhados, e através deles percebemos
que os alunos conseguiram assimilar as principais características daquele movimento
literário.
Segundo momento: O texto dissertativo-argumentativo
A segunda fase de nossa intervenção iniciou-se através da retomada de alguns
conceitos vistos nas aulas anteriores, por isso os alunos foram questionados a respeito
dos temas abordados, até chegarmos à obra de Graciliano Ramos, no que se refere à
seca como tema central.
A fim de aprofundar a discussão sobre a falta d’água, o editorial “Depois de
mim, a seca”, publicado pela Folha de São Paulo, foi distribuído e lido de maneira
silenciosa. Após a leitura, as impressões sobre o texto e o tema foram requeridas e
anotadas no quadro, o que para nossa surpresa, foi extremamente produtivo, diante
das interessantes percepções apresentadas.
Através de uma segunda leitura, esta mediada, os alunos compreenderam a
estrutura do texto argumentativo, identificando a tese, os argumentos e a conclusão,
além da observação do estilo impessoal característico e de perceberem os elementos
extra-textuais, como é o caso do título do editorial, que se tratava de uma alusão a
uma frase dita por um rei francês.
Após este contato mais profundo com o tema e com o gênero, foi proposto um
diálogo argumentativo, no qual os alunos deveriam contestar a tese do editorial (uma
crítica à gestão dos recursos hídricos em São Paulo) utilizando cartazes (anexo 2). Este
último recurso funcionaria como uma atividade de reescrita, já que textos sobre os
temas foram distribuídos para embasar a exposição de argumentos
Desse modo, a turma foi dividida em cinco grupos de cinco, e cada um recebeu
uma das seguintes contestações: “Há pouca água potável no mundo”, “O desperdício
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de água é o vilão”, “Nossas águas são poluídas”, “Exploramos mal os nossos recursos”
e “Pessoas x grandes empresas”.
Consideramos o emprego de cartazes como um bom exercício de reescrita,
porque nos termos de Matencio (2002), reescrever envolve uma série de alterações
discursivas, como a organização informacional, a reformulação do discurso,
supressões, etc. Porém, não há uma mudança no propósito comunicativo, como é o
caso das atividades de retextualização, que manifestam características semelhantes às
da reescrita, mas que se modificam em relação à intenção comunicativa. Desse modo,
a estudiosa aponta que:
[...]A reescrita é atividade na qual, através do refinamento dos
parâmetros discursivos, textuais e lingüísticos que norteiam a
produção original, materializa-se uma nova versão do texto.
Já na retextualização, tal como entendida aqui, opera-se,
fundamentalmente, com novos parâmetros de ação da linguagem,
porque se produz novo texto: trata-se, além de redimensionar as
projeções de imagem dos interlocutores, de seus papéis sociais e
comunicativos, dos conhecimentos partilhados, assim como de
motivações e intenções, de espaço e tempo de
produção/recepção, de atribuir novo propósito à produção
linguageira. (MATENCIO, 2002, p.113)
Portanto, a tarefa de reescrever os textos informativos, não alterou o objetivo
do gênero, já que a finalidade dos cartazes era informar os demais alunos sobre as
principais concepções apresentadas nos textos-base.
As aulas que se seguiram foram mais teóricas, pois trataram dos tipos de
argumentos. Dessa forma, destacamos os cinco argumentos mais comuns: o de
autoridade, o por exemplificação, o de relação de causa e efeito, o por alusão
histórica. Explicamos a importância do argumento de causa e efeito, que atua na
coerência e na unidade do texto; a argumentação sólida e pertinente possibilitada pelo
argumento de autoridade e por alusão histórica; a exemplificação, que permite ao
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aluno utilizar seu conhecimento de mundo e, que deve ser usado com cautela, para
que não seja formado um discurso falacioso, etc.
Com o fim da explicação, os alunos realizaram uma produção de texto escrito
(anexo 3), em que deveriam se posicionar em relação à questão da escassez de água:
quais razões da falta d’água e quais as possíveis soluções para o problema.
Considerações finais
A intervenção pedagógica abordou conceitos pertinentes à literatura e ao texto
argumentativo, ambos aliados às questões relacionadas ao “Meio ambiente”,
importante tema transversal que demanda análise crítica e reflexão. Portanto,
podemos concluir que, elaboramos uma sequência didática coerente para com os
documentos oficias, pois através de uma linguagem acessível e dinâmica, temas
pertencentes à formação cultural e cidadã, foram associados em uma mesma
proposta.
Destacamos ainda que, a experiência descrita mostrou-se uma prática de
sucesso, visto que obtivemos a participação de todos os alunos, inclusive dos mais
desinteressados. Talvez, o uso de mídia digital e o caráter interativo de nossa
sequência, tenha possibilitado uma maior colaboração discente, comprovada através
da qualidade das produções escritas e das discussões geradas em sala de aula.
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Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
terceiro e quarto ciclos do ensino Fundamental: Língua Portuguesa/ Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília, MEC/SEF, 1998.
MINAS GERAIS, SEE - Conteúdo Básico Comum (CBC) de Língua Portuguesa: Ensinos
Fundamental e Médio. Disponível em:
<http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/banco_objetos_crv/%7BBB6AC9F9-ED75-
469E-91A4-40766F756C2D%7D_LIVRO%20DE%20PORTUGUES.pdf> Acesso em: 9 de
setembro de 2014.
MATENCIO, M. L. M. Atividades de retextualização em práticas acadêmicas: um
estudo do gênero resumo. Scripta, Belo Horizonte, v. 6, n. 11, p. 25-32, 2002.
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Anexo 1
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Anexo 2:
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Anexo 3:
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Leila Cruz Magalhães
Mestranda em Linguística pela Universidade Federal de
Juiz de Fora e licenciada em Língua Portuguesa pela mesma
instituição.
Tereza D’Ávila Ferreira
Mestranda em Literatura pela Universidade Federal de Juiz
de Fora, licenciada em Língua Portuguesa pela mesma
instituição e bolsista de iniciação à docência no Colégio de
Aplicação João XXIII(UFJF).