1515-1582, Teresa d'Avila, Moradas Ou Castelo Interior, PT

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Santa Teresa de Jesus CASTELO INTERIOR Santa Teresa de Jesus LIVRO DAS MORADAS ou CASTELO INTERIOR CASTELO INTERIOR file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/00-index.htm2006-06-01 15:00:22

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  • Santa Teresa de Jesus CASTELO INTERIOR

    Santa Teresa de Jesus

    LIVRO DAS MORADAS ou CASTELO INTERIOR

    n CASTELO INTERIOR

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/00-index.htm2006-06-01 15:00:22

  • Santa Teresa de Jesus CASTELO INTERIOR:Index.

    Santa Teresa de Jesus

    LIVRO DAS MORADAS ou CASTELO INTERIOR

    ndice Geral

    n JHS

    n PRIMEIRAS MORADAS

    n SEGUNDAS MORADAS

    n TERCEIRAS MORADAS

    n QUARTAS MORADAS

    n QUINTAS MORADAS

    n SEXTAS MORADAS

    n STIMAS MORADAS

    n EPLOGO

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/0-STeresaMoradas.htm2006-06-01 15:00:22

  • STERESAMORADAS: JHS, Index.

    JHS

    ndice

    JHS

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas0.htm2006-06-01 15:00:22

  • STERESAMORADAS: PRIMEIRAS MORADAS, Index.

    PRIMEIRAS MORADAS

    ndice

    CAPTULO l. Trata da formosura e dignidade das nossas almas. Pe uma comparao para se entender e diz o lucro que h em entend-la e saber as mercs que recebemos de Deus, e como a porta deste castelo a orao.

    CAPTULO 2. Trata de quo feia coisa a alma que est em pecado mortal, e como quis Deus dar a entender algo disto a uma pessoa. Trata tambm alguma coisa sobre o prprio conhecimento. Diz como se ho-de entender estas moradas.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas1.htm2006-06-01 15:00:23

  • STERESAMORADAS: SEGUNDAS MORADAS, Index.

    SEGUNDAS MORADAS

    ndice

    CAPTULO NICO. Trata do muito que importa a perseverana para chegar s ltimas moradas, e a grande guerra que d o demnio, e quanto convm no errar o caminho no princpio para acertar. D um meio que experimentou ser muito eficaz.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas2.htm2006-06-01 15:00:23

  • STERESAMORADAS: TERCEIRAS MORADAS, Index.

    TERCEIRAS MORADAS

    ndice

    CAPTULO 1. Trata da pouca segurana que podemos ter enquanto se vive neste desterro, ainda que o estado seja elevado. E como convm andar com temor. Contm alguns temas muito bons.

    CAPTULO 2. Prossegue no mesmo e trata das securas na orao e do que poderia suceder, a seu parecer, e como mister provar-nos e que o Senhor prova aos que esto nestas moradas.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas3.htm2006-06-01 15:00:23

  • STERESAMORADAS: QUARTAS MORADAS, Index.

    QUARTAS MORADAS

    ndice

    CAPTULO 1. Trata da diferena que h entre ternuras na orao e gostos, e diz o contento que lhe deu entender que coisa diferente o pensamento e o entendimento. de grande proveito para quem se recreia muito na orao.

    CAPTULO 2. Prossegue no mesmo e declara por uma comparao o que so gostos e como se ho-de alcanar no os procurando.

    CAPTULO 3. Trata do que orao de recolhimento. Na maior parte das vezes, a d o Senhor antes da orao acima dita. Diz seus efeitos e os que ficam da orao anterior em que tratou dos gostos que d o Senhor.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas4.htm2006-06-01 15:00:23

  • STERESAMORADAS: QUINTAS MORADAS, Index.

    QUINTAS MORADAS

    ndice

    CAPTULO 1. Comea a tratar como na orao se une a alma com Deus. Diz em que se conhecer no ser engano.

    CAPTULO 2. Prossegue no mesmo. Declara a orao de unio por uma comparao delicada. Diz os efeitos com que fica a alma. muito para ter em conta.

    CAPTULO 3. Continua a mesma matria. Fala de outra maneira de unio que pode alcanar a alma com o favor de Deus e quanto importa para isto o amor do prximo. muito proveitoso.

    CAPTULO 4. Prossegue o mesmo, declarando mais esta maneira de orao. Diz o muito que importa andar de sobreaviso, pois o demnio anda bem avisado para fazer voltar atrs no caminho comeado.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas5.htm2006-06-01 15:00:23

  • STERESAMORADAS: SEXTAS MORADAS, Index.

    SEXTAS MORADAS

    ndice

    CAPTULO 1. Trata de como, em comeando o Senhor afazer maiores mercs, h maiores trabalhos. Diz alguns e como se comportam neles os que esto nesta morada. bom para quem tem trabalhos interiores.

    CAPTULO 2. Trata de algumas maneiras com que Nosso Senhor desperta a alma, nas quais parece no h que temer, embora seja coisa muito subida, e sejam grandes mercs.

    CAPTULO 3. Trata da mesma matria e diz a maneira como Deus fala alma, quando servido, e avisa como se ho-de haver nisto, e no seguir o seu prprio parecer. D alguns sinais para se conhecer quando no engano, e quando o . muito proveitoso.

    CAPTULO 4. Trata de quando Deus suspende a alma na orao com arroubamento, ou xtase, ou rapto, que tudo uma mesma coisa, a meu parecer e como mister grande. nimo para receber grandes mercs de Sua Majestade.

    CAPTULO 5. Prossegue no mesmo assunto, e declara uma maneira como Deus levanta a alma com um voo de esprito, de modo diferente ao que fica dito. Diz algumas das razes porque mister nimo. Declara alguma coisa desta merc que o Senhor faz por saborosa maneira. muito proveitoso.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas6.htm (1 of 2)2006-06-01 15:00:24

  • STERESAMORADAS: SEXTAS MORADAS, Index.

    CAPTULO 6. Diz um efeito da orao que fica dita no captulo passado, com o qual se entendera que verdadeira e no engano. Trata de outra merc que o Senhor faz alma para a empregar em seus louvores.

    CAPTULO 7. Trata de como a pena que sentem de seus pecados as almas a quem Deus faz as ditas mercs. Diz quo grande erro no se exercitar, por espiritual que se seja, em trazer presente a humanidade de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e sua sacratssima paixo e vida, e a Sua gloriosa Me e os santos. muito proveitoso.

    CAPTULO 8. Trata de como se comunica Deus a alma por viso intelectual e d alguns avisos. Diz os efeitos que faz quando verdadeira. Recomenda o segredo destas mercs.

    CAPTULO 9. Trata de como o Senhor se comunica alma por viso imaginria, e avisa muito que se guardem de desejar ir por este caminho. D para isso razes. muito proveitoso.

    CAPTULO 10. Diz outras mercs que Deus faz alma por modo diferente das que ficam agora ditas, e do grande proveito que delas fica.

    CAPTULO 11. Trata de uns desejos to grandes e impetuosos, que Deus d alma de O gozar, que a pem em perigo de perder a vida, e do proveito que fica desta merc que o Senhor faz.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas6.htm (2 of 2)2006-06-01 15:00:24

  • STERESAMORADAS: STIMAS MORADAS, Index.

    STIMAS MORADAS

    ndice

    CAPTULO 1. Trata das grandes mercs que Deus faz s almas que chegaram a entrar nas stimas moradas. Diz como, a seu parecer, h alguma diferena entre alma e espirito, ainda que tudo seja um. H coisas dignas de ter em conta.

    CAPTULO 2. Prossegue no mesmo. Diz a diferena que h entre unio espiritual e matrimnio espiritual. Declara-o com delicadas comparaes.

    CAPTULO 3. Trata dos grandes efeitos que causa esta dita orao. preciso prestar ateno, e lembrar-se dos efeitos que faz, porque coisa admirvel a diferena que h entre estes e. os anteriores.

    CAPTULO 4. Com o qual acaba, dando a entender o que lhe parece que pretende Nosso Senhor em fazer to grandes mercs alma, e como necessrio que andem juntas Marta e Maria. muito proveitoso.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas7.htm2006-06-01 15:00:24

  • STERESAMORADAS: EPLOGO, Index.

    EPLOGO

    ndice

    J. H. S.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20Provvisori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/1-STeresaMoradas8.htm2006-06-01 15:00:24

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.0, C.1.

    Santa Teresa de Jesus

    CASTELO INTERIOR

    Este tratado, chamado Castelo interior, escreveu Teresa de Jesus, freira de nossa Senhora do Carmo, para suas irms

    filhas, as freiras Carmelitas Descalas.

    JHS

    1. Poucas coisas, das que me tem mandado a obedincia, se tornaram to dificultosas para mim como escrever agora coisas de orao; primeiro, porque me parece que o Senhor no me d nem esprito nem desejo para o fazer; depois, por ter a cabea, h trs meses, com um zumbido e fraqueza to grande, que, at sobre negcios urgentes, escrevo a custo. Mas, entendendo que a fora da obedincia costuma facilitar coisas que parecem impossveis, a vontade determina-se a faz-lo de muito bom grado, ainda que a natureza se aflija muito; porque o Senhor no me deu tanta virtude, para que o pelejar com a enfermidade contnua e com muitas e variadas ocupaes se possa fazer sem grande contradio sua. Faa-o Ele, que tem feito outras coisas mais dificultosas para me fazer merc, e em cuja misericrdia confio.

    2. Creio bem que pouco mais hei-de saber dizer do que j disse em outras coisas, que me mandaram escrever, antes temo que ho-de ser quase sempre as mesmas: porque, como os pssaros a quem ensinam a falar, no sabem mais do que lhes ensinam ou eles ouvem, e isto repetem muitas vezes, assim sou eu ao p da letra. Se o Senhor quiser que eu diga algo de novo, Sua Majestade o far ou ser servido trazer-me memria o que de outras vezes disse, e que at com isto me contentaria, por t-la to m que folgaria em atinar com algumas coisas, que dizem que estavam bem ditas, caso se tivessem perdido. Se nem mesmo isso me der o Senhor, com me cansar e acrescentar o mal de cabea, por obedincia, ficarei com lucro, embora do que disser, no se tire nenhum proveito?

    3. E assim comeo a cumpri-la hoje, dia da Santssima Trindade, ano de 1577, neste mosteiro de S. Jos do Carmo em Toledo, onde estou

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.0, C.1.

    presentemente, sujeitando-me em tudo o que disser ao parecer de quem mo manda escrever, que so pessoas de grandes letras. Se alguma coisa disser que no v conforme ao que ensina a Santa Igreja Catlica Romana, ser por ignorncia e no por malcia. Isto se pode ter por certo e que sempre estou e estarei sujeita, por bondade de Deus, e o tenho estado, Santa Igreja. Seja para sempre bendito e glorificado! Amen!

    4. Disse-me quem me mandou escrever, que estas freiras destes mosteiros de Nossa Senhora do Carmo tm necessidade de que algum lhes declare algumas dvidas de orao, e lhe parecia que melhor entendem as mulheres a linguagem umas das outras. Com o amor que me tm, lhes faria mais ao caso o que eu lhes dissesse e, por esta razo, entendia ter alguma importncia se se acertasse a dizer alguma coisa e, por isso, irei falando com elas naquilo que escrever, porque parece desatino pensar que pode fazer ao caso a outras pessoas. Grande merc me far o Senhor, se a alguma delas aproveitar para O louvar um poucochinho mais. Bem sabe Sua Majestade que eu no pretendo outra coisa; e bem claro que, quando atinar a dizer alguma coisa, elas entendero que no meu, pois no h razo para isso, nem to-pouco tivera eu entendimento e habilidade para coisas semelhantes; se o Senhor, por Sua misericrdia no mos desse.

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.1, C.1.

    PRIMEIRAS MORADAS

    CAPTULO l. Trata da formosura e dignidade das nossas almas. Pe uma comparao para se entender e diz o lucro que h em entend-la e saber as mercs que recebemos de Deus, e como a porta deste castelo a orao.

    1. Estando eu hoje suplicando a Nosso Senhor que falasse por mim, porque eu no atinava com coisa que dissesse, nem como comear a cumprir a obedincia, ofereceu-se-me o que agora direi para comear com algum fundamento. considerar a nossa alma como um castelo todo ele de um diamante ou mui claro cristal, onde h muitos aposentos, assim como no Cu h muitas moradas. Que se bem o considerarmos, irms, no outra coisa a alma do justo, seno um paraso onde Ele disse ter Suas delcias. Pois, no isso que vos parece que ser o aposento onde um Rei to poderoso, to sbio, to puro, to cheio de todos os bens se deleita? No encontro eu outra coisa com que comparar a grande formosura de uma alma e a sua grande capacidade; na verdade, os nossos entendimentos, por agudos que sejam, mal podem chegar a compreend-la, assim como no podem chegar a considerar a Deus, pois Ele mesmo disse que nos criou Sua imagem e semelhana.

    Pois, se isto assim , como , no h razo para nos cansarmos a querer compreender a formosura deste castelo; porque, ainda que haja diferena dele a Deus como do Criador criatura, pois criatura, basta dizer Sua Majestade que a alma feita Sua imagem, para que possamos entender a grande dignidade e formosura da alma.

    2. No pequena lstima e confuso que, por nossa culpa, no nos entendamos a ns mesmos, nem saibamos quem somos. No seria grande ignorncia, minhas filhas, que perguntassem a algum quem era e no se conhecesse, nem soubesse quem foi seu pai, nem sua me, nem sua terra? Pois, se isto seria grande estupidez, sem comparao maior a que h em ns quando no procuramos saber que coisa somos e s nos detemos nestes corpos; e assim, s a vulto sabemos que temos alma, porque o ouvimos e porque no-lo diz a f. Mas, que bens pode haver nesta alma ou quem est dentro dela, ou o seu grande valor, poucas vezes o consideramos; e assim

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.1, C.1.

    se tem em to pouco procurar com todo o cuidado conservar sua formosura. Tudo se nos vai na grosseria do engaste ou cerca deste castelo; que so estes corpos.

    3. Consideremos agora que este castelo tem, como disse, muitas moradas: umas no alto, outras em baixo, outras aos lados; e, no centro e meio de todas estas, tem a mais principal onde se passam as coisas mais secretas entre Deus e a alma.

    mister que fiqueis esclarecidas por esta comparao; talvez seja Deus servido que eu possa por ela dar-vos a entender alguma coisa das mercs que Ele faz s almas e as diferenas que h entre elas, at onde eu tiver entendido que possvel; que, todas, ser impossvel entend-las algum, pois so muitas, e quanto mais quem to ruim como eu! Pois ser-vos- grande consolo, quando o Senhor vos fizer essas mercs, saber que coisa possvel e, a quem Ele as no fizer, para louvarem Sua grande bondade. Assim como no nos faz dano considerar as coisas que h no cu e o que nele gozam os bem-aventurados, antes nos alegramos e procuramos alcanar o que eles gozam, to pouco nos far dano ver que possvel, neste desterro, comunicar-se um to grande Deus a uns vermes to cheios de mau odor e am-los com uma bondade to boa e uma misericrdia to sem medida. Tenho por certo que, a quem fizer dano entender que possvel fazer Deus esta merc neste desterro, que estar muito falha de humildade e de amor do prximo; porque, se assim no , como podemos deixar de nos alegrar de que Deus faa estas mercs a um irmo nosso e de que Sua Majestade d a entender Suas grandezas seja a quem for, pois isso no impede que no-las faa a ns? Que algumas vezes ser s para as mostrar, como disse do cego a quem deu vista quando Lhe perguntaram os Apstolos se era cego por seus pecados ou de seus pais. E assim acontece fazer mercs, no por serem mais santos do que aqueles a quem as no faz, mas para que se conhea Sua grandeza, como vemos em S. Paulo e na Madalena e para que O louvemos em Suas criaturas.

    4. Poder dizer-se que parecem coisas impossveis e que bom no escandalizar os fracos. Menos se perde em que estes no o creiam, do que em deixarem de aproveitar aqueles a quem Deus as faz e de se consolar e despertar a amar mais a Quem faz tantas misericrdias, sendo to grande Seu poder e majestade; tanto mais que sei que falo com quem no corre este perigo, porque sabem e crem que d Deus ainda muito maiores provas de amor. Eu sei que

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.1, C.1.

    os que nisto no crerem, no o vero por experincia; porque Deus muito amigo de que Lhe no ponham taxa e medida a Suas obras, e assim, irms, nunca isto acontea s que o Senhor no levar por este caminho.

    5. Pois, voltando a nosso formoso e deleitoso castelo, temos de ver como poderemos entrar nele.

    Parece que digo algum disparate; porque, se este castelo a alma, claro que no se trata de entrar, pois se ele mesmo, pareceria desatino dizer a algum que entrasse num aposento estando j dentro. Mas haveis de entender que vai muito de estar a estar; que h muitas almas que ficam volta do castelo, onde esto os que o guardam, e que se lhes no d nada de entrar, nem sabem o que h naquele to precioso lugar, nem quem est dentro, nem mesmo que dependncias tem. J tereis visto, em alguns livros de orao, aconselhar a alma a que entre dentro de si; isto mesmo.

    6. Dizia-me h pouco um grande letrado, que as almas, que no tm orao so como um corpo paraltico ou tolhido que, embora tenha ps e mos, no os podem mexer; e so assim: h almas to enfermas e to habituadas s coisas exteriores, que no h remdio nem parece que possam entrar dentro de si mesmas; porque tal o costume de tratarem sempre com as sevandijas e alimrias que esto roda do castelo, que j quase se tornaram como elas e, sendo de natureza to rica e podendo ter a sua conversao nada menos do que com Deus, no tm remdio. E se estas almas no procuram entender e remediar sua grande misria, ficaro feitas em esttuas de sal por no voltarem a cabea para si mesmas, assim como ficou a mulher de Lot por voltar a cabea para trs.

    7. Porque, tanto quanto eu posso entender, a porta para entrar neste castelo a orao e reflexo, no digo mais mental que vocal; logo que seja orao, h-de ser com considerao; porque naquela em que no se adverte com Quem se fala e o que se pede e quem que pede e a Quem, no lhe chamo eu orao, embora muito meneie os lbios. E, se algumas vezes o for, mesmo sem este cuidado, ser porque se teve em outras; mas, quem tivesse por costume falar com a Majestade de Deus como falaria a um seu escravo, que nem repara se diz mal, mas o que lhe vem boca e decorou, porque j o fez outras vezes, no o tenho por orao e preza a Deus nenhum cristo a tenha desta sorte. Que entre vs, irms, espero em Sua Majestade no haver tal orao, pelo costume que h de tratardes de coisas

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.1, C.1.

    interiores, e que muito bom para no cairdes em semelhante bruteza.

    8. No falemos, pois, com estas almas tolhidas, que, se no vem o mesmo Senhor mandar-lhes que se levantem - como aquele que havia 30 anos que estava junto piscina-, tm muito m ventura e correm grande perigo; mas sim com outras almas que, por fim, entram no castelo; porque, ainda que estejam muito metidas no mundo, tm bons desejos e algumas vezes, ainda que de longe em longe, encomendam-se a Nosso Senhor e consideram quem so, ainda que sem muita demora. Alguma vez ou outra, num ms, rezam cheias de mil negcios, o pensamento quase de ordinrio nisso, porque, como esto to apegadas a eles, o corao se lhes vai para onde est o seu tesouro. Propem algumas vezes, para consigo mesmos, desocuparem-se, e j grande coisa o prprio conhecimento e o ver que no vo bem encaminhadas para atinar com a porta. Enfim, entram nas primeiras dependncias do rs-do-cho; mas entram com elas tantas sevandijas, que no lhes deixam ver a formosura do castelo nem sossegar: muito fazem j em ter entrado.

    9. Parecer-vos-, filhas, que estou impertinente, pois, por bondade do Senhor, no sois destas. Haveis de ter pacincia, porque, a no ser assim, no saberei dar a entender, como eu as tenho entendido, algumas coisas interiores de orao, e ainda assim preza ao Senhor que atine a dizer alguma coisa, porque bem dificultoso o que eu quereria dar-vos a entender, se no houver experincia. Se a houver, vereis que o menos que se pode fazer tocar no que, preza ao Senhor, no nos toque a ns por Sua misericrdia.

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.1, C.2.

    CAPTULO 2. Trata de quo feia coisa a alma que est em pecado mortal, e como quis Deus dar a entender algo disto a uma pessoa. Trata tambm alguma coisa sobre o prprio conhecimento. Diz como se ho-de entender estas moradas.

    1. Antes de passar adiante, quero dizer-vos que considereis o que ser ver este castelo to resplandecente e formoso, esta prola oriental, esta rvore de vida que est plantada nas mesmas guas vivas da Vida, que Deus, quando cai em pecado mortal. No h trevas mais tenebrosas, nem coisa to escura e negra que ela o no esteja muito mais. Basta saber que, estando at o mesmo Sol, que lhe dava tanto resplendor e formosura no centro da sua alma, todavia como se ali no estivesse, para participar d'Ele, apesar de ser to capaz de gozar de Sua Majestade, como o cristal o para nele resplandecer o sol. Nenhuma coisa lhe aproveita; e daqui vem que todas as boas obras que fizer, estando assim em pecado mortal, so de nenhum fruto para alcanar glria; porque, no procedendo daquele princpio que Deus, do qual vem que a nossa virtude virtude, e apartando-nos d'Ele, no pode a obra ser agradvel a Seus olhos; porque, enfim, o intento de quem faz um pecado mortal, no contentar a Deus, seno dar prazer ao demnio o qual, como as mesmas trevas, assim a pobre alma fica feita uma mesma treva.

    2. Eu sei de uma pessoa a quem Nosso Senhor quis mostrar como ficava uma alma quando pecava mortalmente. Diz aquela pessoa que lhe parece que, se o entendessem, no seria possvel que algum pecasse, ainda que se pusesse nos maiores trabalhos que se possam pensar para fugir das ocasies. E assim, deu-lhe um grande desejo de que todos o entendessem. Assim vo-lo d a vs, filhas, de rogar a Deus pelos que esto neste estado, todos feitos uma escurido, e tais so suas obras; porque, assim como duma fonte muito clara, claros so os arroiozitos que dela manam, assim uma alma que est em graa, pois daqui lhe vem serem suas obras to agradveis aos olhos de Deus e dos homens, porque procedem desta fonte de vida, onde a alma est como uma rvore plantada; nem ela teria frescura e fruto, se no lhe viesse dali; isto que a sustenta e faz com que no seque, e que d bom fruto. Assim a alma que, por sua culpa se aparta desta fonte e se transplanta a outra de uma negrssima gua e de muito mau odor, tudo o que dela sai a mesma desventura e sujidade.

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.1, C.2.

    3. de considerar aqui que a fonte e aquele Sol resplandecente que est no centro da alma, no perde seu resplendor e formosura, que est sempre dentro dela, e no h coisa que lhe possa tirar a sua formosura. Mas, se sobre um cristal que est ao sol, se pusesse um pano muito negro, claro est que, embora o sol d nele, a sua claridade no far o seu efeito no cristal.

    4. almas remidas pelo Sangue de Jesus Cristo! Entendei-vos e tende d de vs mesmas! Como possvel que, entendendo isto, no procureis tirar este pez deste cristal? Olhai que, se a vida se vos acaba, jamais tornareis a gozar desta luz. Jesus! O que ver uma alma apartada dela! Como ficam os pobres aposentos do castelo! Que perturbados andam os sentidos, que a gente que vive neles! E as potncias, que so os alcaides, mordomos e mestres-salas, com que cegueira, com que mau governo! Enfim, como onde est plantada a rvore o demnio, que fruto pode dar?

    5. Ouvi uma vez a um homem espiritual, que no se espantava do que fazia quem est em pecado mortal, mas sim do que no fazia. Deus, por Sua misericrdia, nos livre de to grande mal, que no h coisa, enquanto vivemos, que merea este nome de mal, seno esta; pois acarreta males eternos para sempre. disto, filhas, que devemos andar temerosas e o que temos de pedir a Deus em nossas oraes; porque, se Ele no guarda a cidade, em vo trabalharemos, pois somos a prpria vaidade.

    Dizia aquela pessoa que tinha aproveitado duas coisas da merc que Deus lhe fez: uma, um temor grandssimo de O ofender, e assim sempre Lhe andava suplicando no a deixasse cair, vendo to terrveis danos; a segunda, um espelho para a humildade, vendo que, coisa boa que faamos, no tem seu princpio em ns mesmos, mas naquela fonte onde est plantada esta rvore das nossas almas, e neste Sol que d calor s nossas obras. Disse que se lhe representou isto to claro que, em fazendo alguma coisa boa ou vendo-a fazer, acudia ao seu princpio e entendia como, sem esta ajuda, no podamos nada; e daqui lhe procedia ir logo a louvar a Deus, e, habitualmente, no se lembrava de si em coisa boa que fizesse.

    6. No seria tempo perdido, irms, o que gastsseis a ler isto, nem eu a escrev-lo, se ficssemos com estas duas coisas, que os letrados e entendidos muito bem sabem; mas a nossa ignorncia de mulheres de tudo precisa; e assim, porventura, quer o Senhor que

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    nos venham lembrana semelhantes comparaes. Praza a Sua Majestade dar-nos graa para isso.

    7. So to obscuras de entender estas coisas interiores que, a quem to pouco sabe como eu, foroso dizer muitas coisas suprfluas e at desatinadas, para que haja alguma em que acerte. necessrio terem pacincia quando isto lerem, pois eu a tenho para escrever o que no sei; e certo algumas vezes tomar o papel, como uma pessoa tonta, sem saber que dizer nem mesmo comear. Bem entendo que coisa importante para vs declarar-vos algumas coisas interiores, como puder; porque sempre ouvimos quo boa a orao e temos na Constituio t-la tantas horas. No se nos declara mais do que podemos e, de coisas que o Senhor opera numa alma, declara-se pouco, digo de coisas sobrenaturais. Dizendo-se e dando-se a entender de muitas maneiras, ser-nos- grande consolao considerar este artifcio celestial interior, to pouco entendido dos mortais, embora passem muitos por ele. E, ainda que em outras coisas que escrevi, o Senhor me tenha dado algo a entender, creio que algumas no as tinha entendido como de ento para c, em especial das mais dificultosas. O trabalho que, para as chegar a declarar - como disse -, ser preciso dizer muitas coisas muito sabidas, porque no pode ser por menos para meu rude talento.

    8. Pois voltemos ao nosso castelo de muitas moradas. No haveis de imaginar estas moradas uma aps outra, como coisa alinhada; mas ponde os olhos no centro que a casa ou palcio onde est o Rei, e considerai-a como um palmito, que, para chegar ao que de comer, tem muitas coberturas que cercam tudo quanto saboroso. Assim aqui, em redor desta morada, h outras muitas e tambm por cima. Porque as coisas da alma devem-se considerar com amplido, largueza e grandeza, e nisto no h demasia, pois tem maior capacidade do que ns poderemos considerar, e a todas as partes dela se comunica este Sol que est no palcio. Isto importa muito a qualquer alma que tenha orao, pouca ou muita: que no a tolha nem a aperte. Deixe-a andar por estas moradas, em cima, em baixo e aos lados, pois Deus lhe deu to grande dignidade; no se obrigue a estar muito tempo num s aposento! Oh! mas se no prprio conhecimento! E quo necessrio isto (vejam se me entendem), mesmo aquelas que o Senhor tem na mesma morada em que Ele est, pois - por mais elevada que esteja a alma -, no lhe cumpre outra coisa, nem poder, ainda que queira que a humildade sempre fabrica o seu mel, como a abelha na colmeia; sem isto, tudo vai

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    perdido. Mas consideremos que a abelha no deixa de sair e voar para trazer flores; assim a alma no prprio conhecimento: creia-me e voe algumas vezes a considerar a grandeza e a majestade do seu Deus. Aqui achar a sua baixeza, melhor que em si mesma, e mais livre das sevandijas, que entram nas primeiras moradas, que so as do prprio conhecimento; ainda que, como digo, grande misericrdia de Deus que a alma se exercite nisto, pois tanto se peca por excesso como por defeito, - costuma-se dizer-. E creiam-me que, com a virtude de Deus, praticaremos muito melhor a virtude do que muito presas nossa terra.

    9. No sei se fica bem dado a entender, porque coisa to importante este conhecermo-nos, que no quereria que nisso houvesse nunca relaxao, por muito subidas que estejais nos cus; pois, enquanto estamos nesta terra, no h coisa que mais nos importe que a humildade. E assim volto a dizer que muito bom e muito melhor tratar de entrar primeiro no aposento onde se trata disto, que voar aos demais, porque este o caminho; e, se podemos ir pelo seguro e plano, para que havemos de querer asas para voar? Mas procure-se como aproveitar mais nisto; e a meu ver, jamais acabamos de nos conhecer se no procurarmos conhecer a Deus; olhando Sua grandeza, acudamos nossa baixeza; e olhando Sua pureza, veremos nossa sujidade; considerando a Sua humildade, veremos como estamos longe de ser humildes.

    10. H dois proveitos nisto: o primeiro, est claro que uma coisa branca parece muito mais branca ao p duma negra e, ao contrrio, a negra ao p da branca. O segundo , porque o nosso entendimento e nossa vontade se tornam mais nobres e mais dispostos para todo o bem, quando, s voltas consigo mesmos, tratam com Deus. E se nunca samos do nosso lodo de misrias, coisa muito inconveniente. Assim como dizamos dos que esto em pecado mortal quo negras e de mau odor so seus cursos de gua, assim aqui (ainda. que no so como aqueles, Deus nos livre, que isto s comparao), metidos sempre na misria da nossa terra, nunca o curso sair do lodo de temores, de pusilanimidade e cobardia: de olhar a se me olham, se me no olham; se indo por este caminho, me suceder mal; se ousarei comear aquela obra, se ser soberba; se bom que uma pessoa to miservel trate de coisa to alta como a orao; se me ho-de ter por melhor no indo pelo caminho de toda a gente; que no so bons os extremos, mesmo em virtude; que, como sou to pecadora, ser cair de mais alto; no irei talvez por diante e farei dano aos bons; uma como eu no precisa de

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    singularidades.

    11. Oh! valha-me Deus, filhas, quantas almas deve o demnio ter feito perder muito por este meio! Tudo isto lhes parece humildade e outras muitas coisas que pudera dizer, vem de nunca acabarmos de nos entender; rende-se o prprio conhecimento, e, se nunca samos de ns mesmos, no me espanto, que isto e mais se possa temer. Por isso digo, filhas, que ponhamos os olhos em Cristo, nosso Bem, e ali aprenderemos a verdadeira humildade, e em seus santos, e enobrecer-se- o entendimento - como disse -, e no ficar o prprio conhecimento rasteiro e cobarde; pois que, embora esta seja a primeira morada, muito rica e de to grande preo e, se se escapa das sevandijas que nela h, no se ficar sem passar adiante. Terrveis so os ardis e manhas do demnio para que as almas no se conheam a si mesmas nem entendam Seus caminhos.

    12. Destas primeiras moradas posso eu dar sinais muito certos, por experincia. Por isso digo que no considerem poucos aposentos, seno um milho deles; porque, de muitas maneiras, entram aqui almas, umas e outras com boa inteno. Mas, como o demnio sempre a tem to m, deve terem cada um muitas legies de demnios a combater para que no passem de uns a outros. Como a pobre alma no o entende, por mil maneiras nos engana, o que no pode fazer j tanto s que esto mais perto onde est o Rei Aqui, porm, como ainda esto embebidas no mundo e engolfadas em seus contentos e desvanecidas com suas honras e pretenses, no tm fora os vassalos da alma (que so os sentidos e potncias naturais que Deus lhe deu), e facilmente estas almas so vencidas, embora andem com desejos de no ofender a Deus, e faam boas obras. As que se virem neste estado precisam de recorrer amide, como puderem, a Sua Majestade, tomar a Sua bendita Me por intercessora e a Seus santos, para que pelejem por elas, pois os seus criados pouca fora tm para se defender. E, na verdade, em todos os estados necessrio que ela nos venha de Deus. Sua Majestade no-la d por Sua misericrdia, amen.

    13. Que miservel a vida em que vivemos! Porque, em outra parte, disse muito do dano que nos faz, filhas, no entender bem isto da humildade e do prprio conhecimento, nada mais vos digo aqui, ainda que seja o que mais importa, e praza a Deus tenha dito alguma coisa que vos aproveite.

    14. Haveis de notar que, nestas primeiras moradas, ainda no chega

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    quase nada da luz que sai do palcio onde est o Rei; porque, embora no estejam obscurecidas e negras como quando a alma est em pecado, esto de alguma maneira obscurecidas para poderem ver quem est nelas e no por culpa do aposento - no me sei dar a entender -, mas porque entraram com a alma tantas coisas ms de cobras e vboras e coisas peonhentas que no a deixam reparar na luz. como se algum entrasse em um lugar aonde entra muito sol e levasse terra nos olhos, que quase os no pudesse abrir. O aposento est claro, mas ela no o goza pelo impedimento destas feras e alimrias que lhe fazem cerrar os olhos para no ver seno a elas.

    Assim me parece deve ser uma alma que, embora no esteja em mau estado, est to metida em coisas do mundo e to embebida com sua fazenda ou honra ou negcios - como disse - que, ainda que de facto e verdade queira ver e gozar da Sua formosura, no a deixam nem parece que possa desembaraar-se de tantos impedimentos. E convm muito, para entrar nas segundas moradas, que procure dar de mo s coisas e negcios no necessrios, cada um conforme seu estado; coisa que lhe importa tanto para chegar morada principal, que, se no comea a fazer isto, o tenho por impossvel; e at mesmo o estar sem muito perigo naquela em que est, embora j tenha entrado no castelo, porque entre coisas to peonhentas, uma vez ou outra impossvel que deixem de lhe morder.

    15. Pois que seria, filhas, se s que j esto livres destes tropeos, como ns, e entrmos j muito mais adentro de outras moradas secretas do castelo, se por nossa culpa tornssemos a sair para estas barafundas, como por nossos pecados deve haver muitas pessoas a quem Deus faz mercs, e por sua culpa se lanam nesta misria? Aqui estamos livres quanto ao exterior; no interior, praza ao Senhor que o estejamos e que Ele nos livre. Guardai-vos, filhas minhas, de cuidados alheios. Olhai que em poucas moradas deste castelo deixam de combater os demnios. verdade que em algumas tm fora os guardas para pelejar, que so as potncias - como creio ter dito -; mas muito necessrio no nos descuidarmos para entender seus ardis e no nos engane o demnio feito anjo de luz; pois h uma multido de coisas com que ele nos pode fazer dano, pouco a pouco, e, at que o faa, no o entendemos.

    16. J vos disse de outra vez que ele como uma lima surda, que preciso entend-lo nos princpios. Quero dizer alguma coisa para vo-lo dar melhor a entender.

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.1, C.2.

    D ele a uma irm vrios mpetos de penitncia, e a esta lhe parece que no tem descanso seno quando se est atormentando. Este princpio bom; mas, se a prioresa mandou que no faam penitncias sem licena e o demnio lhe faz parecer que a coisa to boa bem se pode atrever, e s escondidas se d a tal vida que vem a perder a sade e no poder fazer o que manda a sua Regra, j vedes em que vai parar tal bem.

    D a outra um zelo de perfeio muito grande. Isto muito bom; mas poder vir daqui, que qualquer faltita das irms lhe parea uma grande quebra e assim vir-lhe o cuidado de ver se as fazem, e de recorrer prioresa; e at, s vezes, poder ser ela no ver as suas prprias faltas pelo grande zelo que tem da Religio; como as outras no vem o interior, e vem o cuidado exterior, poderia ser que o no tomassem tanto a bem.

    17. O que aqui pretende o demnio no pouco; esfriar a caridade e o amor de umas para com as outras, o que seria grande dano. Entendamos, minhas filhas, que a perfeio verdadeira amor de Deus e do prximo e, com quanto mais perfeio guardarmos estes dois mandamentos, seremos mais perfeitas. Toda a nossa Regra e Constituies no servem para outra coisa, seno de meios para guardar isto com mais perfeio. Deixemo-nos de zelos indiscretos, que nos podem fazer muito dano. Cada uma olhe para si mesma.

    Porque noutra parte vos falei largamente sobre isto, no me alongarei.

    18. Importa tanto este amor de umas para com as outras, que eu nunca quereria que dele vos esquecsseis; porque, de andar olhando nas outras a umas ninharias que s vezes no ser imperfeio, mas, como sabemos pouco, talvez o lanaremos pior parte, pode a alma perder a paz e ainda inquietar a das outras. Vede como custaria caro a perfeio! Tambm poderia o demnio trazer esta tentao para com a prioresa e seria mais perigosa. Para isto mister muita discrio: porque, se forem coisas que vo contra a Regra e Constituio, preciso que nem sempre se lancem boa parte, mas sim avis-la; e, se no se emendar, ao Prelado: isto caridade. E tambm para com as irms, se fosse alguma coisa grave; deixar passar tudo com medo de que seja tentao, seria a mesma tentao. Mas preciso ponderar muito (no nos engane o

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.1, C.2.

    demnio) no o tratar umas com as outras, pois disso pode o demnio tirar grande proveito e comear o costume da murmurao; mas apenas trat-lo com quem h-de aproveitar, como j disse. Aqui, glria a Deus, no h tanta ocasio para isso, porque se guarda to contnuo silncio; mas bom que estejamos de sobreaviso.

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    SEGUNDAS MORADAS

    CAPTULO NICO. Trata do muito que importa a perseverana para chegar s ltimas moradas, e a grande guerra que d o demnio, e quanto convm no errar o caminho no princpio para acertar. D um meio que experimentou ser muito eficaz.

    1. Agora, vejamos quais sero as almas que entram nas segundas moradas e o que fazem nelas. Quereria dizer-vos pouco, porque j disse bastante em outras partes e ser impossvel deixar de tornar a dizer outra vez muito sobre isso, porque no me lembra nada do que j foi dito; se o pudesse guisar de diferentes maneiras, bem sei que no vos enfastiareis, como nunca nos cansamos dos livros que tratam disto, apesar de serem muitos.

    2. esta morada a dos que j comearam a ter orao e entendido quanto lhes importa no se ficarem nas primeiras moradas, mas no tm ainda determinao para deixar de estar nela muitas vezes, porque no deixam as ocasies, o que grande perigo. Mas j grande misericrdia que, mesmo por pouco tempo, procurem fugir das cobras e coisas peonhentas e entendam que bom deix-las.

    Estes, em parte, tm muito mais trabalho que os primeiros, ainda que no tenham tanto perigo; pois parece que j os entendem, e h grande esperana que entrem mais adentro. Digo que tm mais trabalho, porque os primeiros so como mudos que no ouvem, e assim passam melhor o trabalho de no falar; mas no o passariam assim, seno muito maior, os que ouvissem e no pudessem falar. Mas, nem por isso mais de desejar o trabalho dos que no ouvem, porque enfim, grande coisa entender o que nos dizem. Assim estes entendem os chamamentos que lhes faz o Senhor, porque vo entrando mais perto onde est Sua Majestade, muito bom vizinho e to grande a Sua misericrdia e bondade que, mesmo estando ns em nosso passatempo, negcios, contentamentos e bagatelas do mundo, e at caindo e levantando-nos em pecados (porque estas alimrias so to peonhentas e perigosa sua companhia e buliosas que, s por maravilha deixaro de tropear nelas para cair), com tudo isto, tem em tanto este Senhor nosso que O amemos e procuremos a Sua companhia que, uma vez ou outra, no deixa de nos chamar para que nos acerquemos d'Ele. E esta voz to doce,

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.2, C.1.

    que se desfaz a pobre alma por no fazer logo o que lhe manda; e assim - como digo - muito mais trabalho do que no O ouvir.

    3. No digo que estas vozes e chamamentos sejam como outros que direi depois, mas so com palavras que se ouvem a gente boa, ou sermes ou com o que se l em bons livros e outras muitas coisas que tendes ouvido, com as quais Deus chama; ou enfermidades, trabalhos e tambm com uma ou outra verdade que Ele ensina naqueles instantes em que estamos em orao que, seja quo frouxamente quiserdes, os tem Deus em muito. E vs, irms, no tenhais em pouco esta primeira merc, nem vos desconsoleis, ainda mesmo que no respondais logo ao Senhor. Bem sabe Sua Majestade aguardar muitos dias e anos, em especial quando v perseverana e bons desejos. Esta perseverana aqui o mais necessrio, porque com ela jamais se deixa de ganhar muito. Mas terrvel a violncia que aqui usam os demnios de mil maneiras, com mais tormento da alma que na morada anterior; porque ali, estava muda e surda, pelo menos ouvia muito pouco e resistia menos, como quem tem, em parte, perdida a esperana de vencer; aqui est o entendimento mais vivo e as potncias mais hbeis; e so os golpes e a artilharia de tal modo, que a alma no pode deixar de ouvir. Porque aqui o representarem os demnios estas cobras das coisas do mundo e fazerem os seus contentos quase eternos, a estima em que nele se tido, os amigos e parentes, a sade que se pode perder nas coisas de penitncia (pois sempre comea a alma que entra nesta morada a desejar fazer alguma), e outras mil maneiras de impedimentos.

    4. Jesus, que barafunda a que pem aqui os demnios e as aflies da pobre alma, que no sabe se h-de passar adiante ou voltar ao primeiro aposento! que a razo, por outra parte, representa-lhe o engano que pensar que tudo isto vale alguma coisa em comparao do que pretende. A f ensina-lhe o que que lhe cumpre fazer; a memria representa-lhe em que vo parar todas estas coisas, tornando-lhe presente a morte, e algumas sbitas, dos que muito gozaram destas coisas que viu; quo depressa so esquecidos de todos, como viu pisar debaixo da terra alguns que conheceu em grande prosperidade - e at mesmo ter ela passado sobre suas sepulturas muitas vezes - e pensar que naquele corpo esto fervilhando muitos vermes e muitas outras coisas que podem ocorrer; a vontade inclina-se a amar Aquele em quem tem visto to inumerveis coisas e mostras de amor, e quereria pagar alguma; em especial, pe-se-lhe diante como nunca se aparta dela este

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.2, C.1.

    verdadeiro Amador, acompanhando-a, dando-lhe vida e ser. Logo o entendimento acode dando-lhe a entender que no pode encontrar melhor amigo, ainda que viva muitos anos; que todo o mundo est cheio de falsidade, e estes contentos que lhe representa o demnio, esto cheios de trabalhos e cuidados e contradies; e lhe diz que est certo que, fora deste castelo, no encontrar segurana nem paz; que se deixe de andar por casas alheias, pois a sua est cheia de bens, se a quiser gozar; que ningum acha tudo que h mister seno em sua casa, em especial tendo tal Hspede, que a far senhora de todos os bens; se ela quiser no andar perdida, como o filho prdigo, comendo manjar de porcos.

    5. Razes so estas para vencer os demnios. Mas, Senhor e Deus meu! Os costumes das coisas de vaidade e o ver que toda a gente trata disso, estraga tudo! Porque est to morta a f, queremos mais o que vemos do que aquilo que ela nos diz. E, na verdade, no vemos seno excessiva m ventura nos que se deixam ir atrs destas coisas visveis. Mas isso fizeram estas coisas peonhentas que tratamos; como algum que mordido por uma vbora se empeonha e incha todo, assim aqui, se no nos acautelamos; claro est que para sarar so precisas muitas curas; e grande merc nos faz Deus, se no morremos disso. certo que a alma passa aqui grandes trabalhos, em especial se o demnio entende que ela tem disposies de sua condio e costumes para ir muito adiante: todo o inferno se juntar para faz-la tornar a sair para fora.

    6. Ah! Senhor meu!, aqui mister a Vossa ajuda, pois, sem ela, no se pode fazer nada. Por Vossa misericrdia no consintais que esta alma seja enganada para deixar o que comeou. Dai-lhe luz para ver como est nisto todo o seu bem e para se apartar das ms companhias. Grandssima coisa tratar com os que tratam disto e achegar-se, no s aos que vir nestes aposentos em que est, mas tambm aos que entender que j entraram nos mais interiores; porque lhe ser grande ajuda, e tanto poder conversar com estes, que ali a metam consigo. Esteja sempre de sobreaviso para no se deixar vencer; porque, se o demnio a v com uma grande determinao de que, antes perder a vida, o descanso e tudo o que ele lhe oferece, do que voltar ao primeiro aposento, muito mais depressa a deixar. Seja varo e no dos que se deitavam a beber de bruos, quando iam para a batalha, no me lembro com quem, mas determine-se: vai pelejar com todos os demnios e no h melhores armas do que as da Cruz.

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.2, C.1.

    7. Ainda que de outras vezes tenha dito isto, importa tanto, que o torno a dizer aqui; que no se lembre que h regalos nisto que principia, porque maneira muito baixa de comear a construir to precioso e grande edifcio; e, se comeam sobre areia, daro com tudo em terra; nunca deixaro de andar desgostosos e tentados. Porque no so estas moradas onde chove o man; esto mais adiante, onde tudo sabe ao que uma alma quer, porque no quer seno o que Deus quer. coisa muito engraada que ainda estejamos com mil embaraos e imperfeies e as virtudes que ainda no sabem andar, pois s h pouco comearam a nascer, e mesmo praza a Deus que estejam comeadas; e no temos vergonha de querer gostos na orao e de nos queixarmos de aridez? Nunca isto vos acontea, irms; abraai-vos com a cruz que vosso Esposo tomou sobre Si e entendei que esta deve ser a vossa empresa. A que mais puder padecer, que padea mais por Ele e ser a que melhor se liberta. O resto, como coisa acessria, se vo-lo der o Senhor, dai-Lhe muitas graas.

    8. Parecer-vos- que, para os trabalhos exteriores, estais bem determinadas, conquanto vos regale Deus no interior. Sua Majestade sabe melhor, o que nos convm; no temos de Lhe aconselhar o que nos h-de dar, poi. pode com razo dizer-nos que no sabemos o que pedimos. Toda a pretenso de quem comea a ter orao (e no vos esquea isto, pois importa muito) h-de ser trabalhar e determinar-se e dispor-se, com quanta diligncia puder, a fazer conformar a sua vontade com a de Deus; e - como direi depois -, estai bem certas que nisto consiste toda a maior perfeio, que se pode alcanar no caminho espiritual. Quem mais perfeitamente tiver isto, mais receber do Senhor e mais adiante estar neste caminho. No penseis que h aqui muitas algaravias nem coisas no sabidas e compreendidas: nisto consiste todo o nosso bem. Pois, se erramos no princpio, querendo logo que o Senhor faa a nossa vontade e que nos leve como imaginamos, que firmeza pode levar este edifcio? Procuremos fazer o que est em nossa mo e guardemo-nos das sevandijas peonhentas; que muitas vezes quer o Senhor que haja securas e nos persigam maus pensamentos e nos aflijam, sem os podermos afastar de ns, e at algumas vezes permite que nos mordam, para que ns nos saibamos melhor guardar depois e para ver se nos pesa muito de O ter ofendido.

    9. Por isso, no vos desanimeis, se alguma vez cairdes, para deixar de ir por diante; pois, dessa mesma queda, tirar Deus bem, como faz aquele que vende a mezinha que, para provar se boa, bebe o

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.2, C.1.

    veneno primeiro. Se no vssemos em outra coisa a nossa misria e o grande dano que nos faz o andarmos dissipados, s esta luta que se passa para nos tornarmos a recolher, bastava. Poder haver maior mal do que no nos acharmos em nossa prpria casa? Que esperana podemos ter de encontrar sossego em outras coisas, se nas prprias no podemos sossegar? Mas to grandes e verdadeiros amigos e parentes, com quem embora no o queiramos, sempre havemos de viver, como so as nossas potncias, parece fazerem-nos guerra, como que sentidas da que lhes fizeram os nossos vcios. Paz, paz, minhas irms, disse o Senhor e admoestou os Seus Apstolos tantas vezes. Pois, crede-me que, se no a temos e no a procuramos em nossa casa, no a acharemos na dos estranhos. Acabe-se j esta guerra; pelo Sangue que Ele derramou por ns o peo eu aos que no comearam a entrar em si; e os que j comearam, que nada seja bastante para os fazer voltar atrs. Olhem que pior a recada que a queda; j vem sua perda; confiem na misericrdia de Deus e nada em si mesmas, e vero como Sua Majestade leva a alma de umas moradas a outras e a mete naquela terra onde estas feras no a podem tocar nem cansar; mas ela as sujeita a todas e faz troa delas, e goza de muitos mais bens do que poderia desejar, ainda mesmo nesta vida, digo.

    10. Porque - como disse ao principio -, escrevi como vos haveis de comportar nestas perturbaes que aqui apresenta o demnio, e como comear a recolher-se no h-de ir fora de braos, mas sim com suavidade, para que o possais estar mais continuamente, s direi aqui que, a meu parecer, faz muito ao caso tratar com pessoas experimentadas; porque em coisas que necessrio fazer, podereis pensar que h grande quebra. Contanto que no se deixe este comeo de recolhimento, tudo guiar o Senhor em nosso proveito, embora no encontremos quem nos ensine; que para este mal de deixar a orao, no h remdio, se no se torna a comear, seno que, pouco a pouco, a alma vai perdendo cada dia mais, e ainda praza a Deus que o entenda.

    11. Poderia alguma pensar que, se to grande mal voltar atrs, melhor ser nunca comear, mas antes iscar-se fora do castelo. J vos disse ao princpio,- e o mesmo Senhor o diz que, quem anda no perigo, nele perece e que a porta para entrar neste castelo a orao. Ora, pensar que havemos de entrar no Cu e no entrar em ns, conhecendo-nos e considerando nossa misria e o que devemos a Deus e pedindo-Lhe muitas vezes misericrdia, desatino. O mesmo Senhor diz: Ningum subir a meu Pai, seno

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.2, C.1.

    por Mim. No sei se disse assim, creio que sim; e quem Me v a Mim v a Meu Pai. Pois, se nunca olhamos para Ele, nem consideramos o que Lhe devemos e a morte que sofreu por ns, no sei como O podemos conhecer nem fazer obras em Seu servio. Porque a f, sem elas, e sem irem unidas ao valor dos merecimentos de Jesus Cristo, nosso Bem, que valor pode ter? E quem nos despertar a amar este Senhor?

    Praza a Sua Majestade nos d a entender o muito que Lhe custmos e como o servo no mais que o Senhor; e que precisamos fazer obras para gozar da Sua glria; para isto necessrio orar para no andar sempre em tentao.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas2-1.htm (6 of 6)2006-06-01 15:00:26

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.1.

    TERCEIRAS MORADAS

    CAPTULO 1. Trata da pouca segurana que podemos ter enquanto se vive neste desterro, ainda que o estado seja elevado. E como convm andar com temor. Contm alguns temas muito bons.

    1. Aqueles que, pela misericrdia de Deus, venceram estes combates e com perseverana entraram nas terceiras moradas, que lhes diremos, seno bem-aventurado o varo que teme o Senhor? No foi pouco fazer Sua Majestade com que entenda eu agora, nesta altura, em que costumo ser rude nestes casos, o que quer dizerem vernculo este versculo. Por certo, com razo o chamaremos bem-aventurado, pois, se no volta atrs, ao que podemos entender, leva caminho seguro na sua salvao. Aqui vereis, irms, quanto importa vencer as batalhas passadas; pois tenho por certo que nunca deixa o Senhor de o pr em segurana de conscincia, o que no pequeno bem. Digo em segurana, e disse mal, pois no a h nesta vida, e por isso entendei sempre o que digo: se no voltar a deixar o caminho comeado.

    2. Muito grande misria viver em vida que sempre temos de andar como quem tem inimigos porta, que no pode comer nem dormir sem armas, e sempre em sobressalto, com receio de que, por alguma parte, possam arrombar esta fortaleza. meu Senhor e meu Bem! Como quereis que se deseje vida to miservel, se no possvel deixar de querer e pedir que nos tireis dela, se no com esperana de perd-la por Vs ou gast-la em Vosso servio, e sobretudo entender que Vossa vontade? Se o , Deus meu, morramos convosco, como disse S. Tom, porque no outra coisa seno morrer muitas vezes o viver sem Vs e com estes temores de que pode ser possvel perder-Vos para sempre. Por isso digo, filhas, que a bem-aventurana que temos de pedir estar j em segurana com os bem-aventurados; pois com estes temores, que satisfao pode ter aquele que a tem toda em contentar a Deus? E considerai que esta, e muito maior, tinham alguns santos que caram em graves pecados; e no temos a certeza de que nos dar Deus a mo para sair deles e fazer a penitncia que esses fizeram (subentende-se o auxlio particular).

    3. Certo , minhas filhas, que estou com no pouco temor

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-1.htm (1 of 5)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.1.

    escrevendo isto, pois no sei como o escrevo nem como vivo, quando disso me lembro muitas, muitas vezes. Pedi-Lhe, minhas filhas, que Sua Majestade viva sempre em mim; porque, se no for assim, que segurana pode ter uma vida to mal gasta como a minha? E no vos pese o entender que isto assim, como algumas vezes o tenho visto em vs, quando vo-lo digo, e procede de que quisreis que tivesse sido muito santa e tendes razo; tambm eu o quisera. Mas, que hei-de fazer, se o perdi somente por minha culpa?! E no me queixarei de Deus que deixou de me dar bastantes ajudas, para que se cumprissem vossos desejos. No posso dizer isto sem lgrimas e grande confuso de ver que escrevo para aquelas que me podem ensinar a mim. Dura obedincia tem sido! Praza ao Senhor que, pois se faz por Ele, seja para que vos aproveiteis de alguma coisa e para que Lhe peais que perdoe a esta miservel atrevida. Mas bem sabe Sua Majestade que s posso presumir da Sua misericrdia; e, j que no posso deixar de ser a que tenho sido, no tenho outro remdio, seno acolher-me a ela e confiar nos mritos de Seu Filho e da Virgem, Sua Me, cujo hbito indignamente trago, e vs trazeis tambm. Louvai-O, minhas filhas, pois verdadeiramente o sois desta Senhora; e assim no tendes de vos afrontar que eu seja ruim, pois tendes to boa Me. Imitai-A e considerai qual deve ser a grandeza desta Senhora, e o bem de A ter por Padroeira, pois no bastaram meus pecados e ser a que sou, para em nada deslustrar esta sagrada Ordem.

    4. Mas, duma coisa vos aviso: que nem por ser tal e ter to boa Me, estais seguras, que muito santo era David, e j vedes o que foi Salomo; nem faais caso do encerramento e penitncia em que viveis, nem vos assegureis por tratardes sempre com Deus e exercitar-vos na orao to continuamente e estardes to retiradas das coisas do mundo e t-las, a vosso parecer, aborrecidas. bom tudo isto, mas no basta - como disse para deixarmos de temer; e assim meditai este versculo e trazei-o na memria muitas vezes: Beatus vir, qui timet Dominum.

    5. J no sei o que dizia, pois distra-me muito e, em me lembrando de mim, quebram-se-me as asas para dizer coisa boa. E assim o quero deixar por agora.

    Voltando ao que comecei a dizer das almas que entraram nas terceiras moradas, e no lhes fez o Senhor pequena merc, mas sim muito grande em terem vencido as primeiras dificuldades. Destas, pela bondade do Senhor, creio que h muitas no mundo; so muito

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-1.htm (2 of 5)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.1.

    desejosas de no ofender a Sua Majestade, e at mesmo dos pecados veniais se guardam, e amigas de fazer penitncia; tm suas horas de recolhimento, gastam bem o tempo, exercitando-se em obras de caridade com os prximos, muito concertadas no falar e vestir e governo de casa, as que a tm. Decerto que estado para desejar, e parece que nada h para que se lhes negue a entrada at ltima morada, nem lha negar o Senhor, se elas quiserem. Que bela disposio esta para que lhes faa toda a merc.

    6. Jesus! e quem dir que no quer um to grande bem, em especial havendo j passado pelo mais trabalhoso? Ningum. Todas dizemos que o queremos; mas, como ainda mister mais para que de todo o Senhor possua a alma, no basta diz-lo, como no bastou ao mancebo quando o Senhor lhe perguntou se queria ser perfeito. Desde que comecei a falar destas moradas, trago-o diante de mim; porque somos assim ao p da letra, e o mais normal virem daqui as grandes securas na orao, ainda que tambm haja outras causas; e deixo uns trabalhos interiores intolerveis que tm muitas almas boas, e muito sem culpa sua, dos quais sempre o Senhor as tira com muito lucro, e das que tm melancolia e outras enfermidades. Enfim, em todas as coisas temos de deixar parte os juzos de Deus. Segundo tenho para mim, o mais habitual, o que disse; porque, como estas almas vem que por coisa alguma fariam um pecado, e muitas nem ainda venial deliberado, e que gastam bem sua vida e fazenda, no podem levar pacincia que se lhes cerre a porta para no entrar aonde est o nosso Rei, por cujos vassalos se tm e o so. Mas, c na terra, ainda que tenha muitos vassalos o rei, nem todos entram at sua cmara. Entrai, entrai, filhas minhas, no interior; passai adiante de vossas obrazitas, pois, por serdes crists, deveis tudo isso e muito mais, e vos basta ser vassalas de Deus. No queirais tanto, que vos fiqueis sem nada. Vede os santos que entraram na cmara deste Rei e vereis a diferena que h deles para ns. No peais o que no tendes merecido, nem havia de nos vir ao pensamento que, por muito que sirvamos, o havemos de merecer, ns os que temos ofendido a Deus.

    7. humildade! No sei que tentao me vem neste caso, que no posso acabar de crer a quem tanto caso faz destas securas, seno que um pouco falta dela. Digo que deixo aparte os grandes trabalhos interiores que disse, pois estes so muito mais que falta de devoo. Provemo-nos a ns mesmas, minhas irms, ou antes prove-nos o Senhor, pois bem o sabe fazer, embora muitas vezes no o queremos entender, e venhamos a estas almas to

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-1.htm (3 of 5)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.1.

    concertadas; vejamos o que fazem por Deus, e logo veremos como no temos razo de nos queixarmos de Sua Majestade. Porque, se lhe voltamos as costas e nos vamos tristes como o mancebo do Evangelho, quando nos diz o que havemos de fazer para sermos perfeitos, que quereis que faa Sua Majestade, se Ele h-de dar o prmio conforme ao amor que Lhe temos? E este amor, filhas, no h-de ser fabricado em nossa imaginao, mas sim provado com obras; e no penses que olha s nossas obras, seno determinao da nossa vontade.

    8. Parecer-nos- a ns, que temos hbito de religio, e o tommos por nossa vontade e deixmos todas as coisas do mundo e o que tnhamos, por amor d'Ele (ainda que sejam as redes de S. Pedro, pois parece que d muito quem d o que tem), que j est tudo feito. Muito boa disposio se persevera e no se torna a meter nas sevandijas dos primeiros aposentos, embora s com o desejo; pois no h dvida que, se persevera nesta desnudez e desprendimento de tudo, alcanar o que pretende. Mas h-de ser com a condio, e vede que vos aviso disto, que se tenha por servo sem proveito - como disse S. Paulo, ou Cristo, e no creia que obrigou assim a Nosso Senhor a fazer-lhe semelhantes mercs; antes, como quem mais recebeu, fica mais endividado. Que poderemos fazer por um Deus to generoso, que morreu por ns e nos criou e nos d o ser, que no nos tenhamos por venturosos em que se v descontando alguma coisa do que Lhe devemos pelo que Ele nos tem servido (disse esta palavra de m vontade, mas isto assim, pois no fez outra coisa enquanto viveu no mundo), sem que Lhe peamos de novo mercs e regalos?

    9. Olhai muito, filhas, a algumas coisas que aqui vo apontadas; ainda que atabalhoadas, porque melhor no as sei declarar. O Senhor vo-lo dar a entender, para que tireis das securas humildade e no inquietao, que o que pretende o demnio. E crede que onde h verdadeira humildade, ainda que Deus nunca d regalos, dar uma paz e conformidade com que andareis mais contentes do que outros com regalos. E muitas vezes - como tendes lido -, os d a Divina Majestade aos mais fracos; embora creia que eles no os trocariam pelas fortalezas dos que andam com securas. Somos amigos de contentamentos mais do que de cruz. Prova-nos, Tu, Senhor, que sabes a verdade, para que nos conheamos.

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.1.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-1.htm (5 of 5)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.2.

    CAPTULO 2. Prossegue no mesmo e trata das securas na orao e do que poderia suceder, a seu parecer, e como mister provar-nos e que o Senhor prova aos que esto nestas moradas.

    1. Eu tenho conhecido algumas almas, e creio que posso dizer bastantes, das que chegaram a este estado e vivido muitos anos nesta rectido e concerto, alma e corpo; ao que se pode entender. E depois disto, quando j parece haviam de estar senhores do mundo, ao menos bem desenganados dele, prova-os Sua Majestade em coisas no muito grandes, e andam com tanta inquietao e aperto de cotao, que a mim me trazem tonta e at muito temerosa. Pois, dar-lhes conselho, no remdio porque, como h tanto que tratam de virtudes, parece-lhes que podem ensinar a outros e que lhes sobra razo sentindo aquelas coisas.

    2. Enfim, eu no achei remdio nem acho para consolar semelhantes pessoas, a no ser mostrar grande sentimento da sua pena (e na verdade, tem-se pena de as ver sujeitas a tanta misria), e no contradizer suas razes; porque todas as concertam em seu pensamento, que por Deus que as sentem e assim no vm a entender que imperfeio. E outro engano para gente to aproveitada. Que o sintam, no de espantar, embora, a meu parecer, havia de passar depressa o sentimento de coisas semelhantes. Porque muitas vezes quer Deus que Seus escolhidos sintam essa misria e aparta um pouco o Seu favor e no preciso mais para que, de verdade, nos conheamos bem depressa. E logo se entende esta maneira de os provar: para que eles compreendam a sua falta muito claramente; e, s vezes, d-lhes mais pena ver que, sem estar na sua mo, sentem as coisas da terra e no muito pesadas, do que daquilo mesmo de que tm pena. Isto tenho-o eu por grande misericrdia de Deus; e ainda que falta, muito vantajosa para a humildade.

    3. Nas pessoas que digo, no assim, seno que canonizam - como disse - em seus pensamentos estas coisas, e assim quereriam que os outros as canonizassem. Quero dizer algumas delas, para que nos entendamos e nos provemos a ns mesmas, antes que nos prove o Senhor; pois seria bem grande coisa estarmos apercebidas e termo-nos entendido primeiro.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-2.htm (1 of 6)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.2.

    4. A uma pessoa rica, sem filhos nem para quem ela queira a fazenda, vem-lhe uma quebra de riqueza; mas no de maneira que, do que lhe fica, lhe possa faltar o necessrio para si e para sua casa, e ainda de sobra. Se esta andasse com tanto desassossego e inquietao como se no lhe ficasse um po para comer, como h-de pedir-lhe Nosso Senhor que deixe tudo por Ele? Aqui comea a dizer que o sente, porque o quer para os pobres. Por mim, creio que Deus mais quer que me conforme com o que Sua Majestade faz e, embora procure faz-la, aquiete a minha alma e no esta caridade. E j que o no faz, por no a ter elevado o Senhor a tanto, seja muito em boa hora; mas entenda que lhe falta esta liberdade de esprito e com isto se dispor para que o Senhor lha d, porque lha pedir.

    Tem uma pessoa bem de que comer, e at de sobra; oferece-se-lhe o poder adquirir mais fortuna: tom-la, se lha derem, seja em muito boa hora; mas procur-la, e depois de a ter, procurar mais e mais, tenha to boa inteno que quiser (e deve ter porque, como disse, so estas pessoas de orao e virtuosas), no haja medo que subam s moradas mais perto do Rei.

    5. Deste modo acontece, quando se lhes oferece alguma coisa, pela qual os desprezem ou lhes tirem um pouco na honra; pois, embora lhes faa Deus merc de que muitas vezes o sofram bem (porque muito amigo de favorecer a virtude em pblico, para que no padea a mesma virtude em que so tidos; e mesmo ser porque O tm servido, pois muito bom este nosso Bem), l lhes fica uma tal inquietao, que no se podem valer, nem acaba de se acabar to depressa. Valha-me Deus! No so estes os que, h tanto tempo, consideram como padeceu o Senhor e quo bom padecer e at o desejam? Quereriam a todos to concertados como eles trazem suas vidas, e praza a Deus que no pensem que a pena que tm pela culpa alheia e a faam meritria em seu pensamento.

    6. Parecer-vos-, irms, que falo fora de propsito e no convosco, pois estascoisas aqui no as h, porque nem temos fazenda, nem a queremos, nem a procuramos, nem to pouco algum nos injuria. Por isso as comparaes no aludem ao que se passa; mas tira-se delas outras muitas coisas que podem acontecer, as quais no seria bom assinalar, nem h para qu. Por estas entenderes se estais bem desprendidas do que deixastes porque se oferecem coisitas, ainda que no bem desta sorte, em que vos podereis muito bem provar e conhecer se estais senhoras das vossas paixes. E crede-me que no est o negcio em ter hbito de religio ou no, seno em

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  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.2.

    procurar exercitar as virtudes e render a nossa vontade de Deus em tudo e que oconcerto da nossa vida seja o que Sua Majestade dela ordenar e no queiramos que se faa a nossa vontade mas sim a Sua. Se no tivermos chegado at aqui, tenhamos - como disse - humildade, que o unguento para as nossas feridas; porque, se a temos deveras, ainda que tarde algum tempo, vir o cirurgio, que Deus, a sarar-nos.

    7. As penitncias que fazem estas almas so to concertadas como a sua vida. Querem-na muito para servir a Nosso Senhor com ela, e tudo isto no mau; assim tm grande discrio em fazer penitncias, para no causar dano sade. No tenhais medo que se matem, porque a sua razo est muito em si; no est ainda o amor para pr de parte a razo. Mas queria eu que a tivssemos para no nos contentarmos com esta maneira de servir a Deus, sempre passo a passo, que nunca acabamos de andar este caminho. E, como a nosso parecer sempre andamos e nos cansamos - porque crede que um caminho custoso -, j ser bem bom que no nos percamos. Mas, parece-vos, filhas, que se indo duma terra a outra pudssemos chegar em oito dias, seria bom andar um ano por ventos, neves, chuvas e maus caminhos? No valeria mais pass-lo de urna vez? Porque tudo isto h e perigos de serpentes. Oh! que bons sinais poderia eu dar disto. E praza a Deus que tenha passado daqui, que bastantes vezes me parece que no.

    8. Como vamos com tanto senso, tudo nos ofende, porque tudo tememos; e assim, no ousamos passar adiante, como se ns pudssemos chegar a estas moradas e outros estivessem a caminho. Pois, como isto no possvel, esforcemo-nos, irms minhas, por amor do Senhor; deixemos nossa razo e temores em Suas mos; esqueamos esta fraqueza natural que muito nos pode ocupar. O cuidado destes corpos tenham-no os prelados, e l se avenham; ns tenhamo-lo s de caminhar depressa para ver este Senhor; pois, embora o regalo que possais ter pouco ou nenhum, o cuidado da sade nos poderia enganar, quanto mais que no se ter mais por isso, eu o sei. E tambm sei que no est o negcio no que toca ao corpo, que isto o menos; pois o caminhar que digo, com uma grande humildade; porque, se bem e entendestes, creio estar aqui o mal das que no vo adiante e nos parea que temos andado poucos passos e assim o julguemos, e os que andam nossas irms nos paream muito pressurosos, e no s desejemos, mas procuremos que nos tenham pela mais ruim de todas.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-2.htm (3 of 6)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.2.

    9. E, com isto, este estado excelentssimo; e, se assim no , toda a nossa vida estaremos nele e com mil penas e misrias. Porque, como no nos deixamos a ns mesmas, muito trabalhoso e pesado, porque vamos muito carregadas com esta terra da nossa misria, que no levam os que sobem aos aposentos que faltam. Nestes, no deixa o Senhor de pagar como justo, e ainda como misericordioso, pois d sempre muito mais do que merecemos, dando-nos contentamentos muito maiores que os que podemos ter nos regalos e distraces desta vida. Mas no penso que d muitos gostos, a no ser alguma vez, para nos convidar a ver o que se passa nas demais moradas, para que nos disponhamos a entrar nelas.

    10. Parecer-vos- que contentamentos e gostos tudo o mesmo, para que eu faa esta diferena nos nomes. A mim parece-me que a h e muito grande; bem me posso enganar. Direi o que nisto entender nas quartas moradas que vm depois destas; porque, como se h-de declarar algo dos gostos que ali d o Senhor, fica melhor, e ainda que parea sem proveito, poder ser de algum, para que, entendendo o que cada coisa, possais; esforar-vos a seguir o melhor; e de muito consolo para as almas que Deus leva at ali, e confuso para quem lhe parece j ter tudo, e, se so; humildes, mover-se-o a dar graas. Se h alguma falta disto, dar-lhes- um desgosto interior fora de propsito; pois, no est a perfeio nos gostos, nem no prmio, seno em quem mais ama e em quem melhor opera com justia e verdade.

    11. Direis: Para que serve tratar destas mercs interiores e dar a entender como so, se isto verdade, como ? Eu no o sei; pergunte-se a quem mo mandou escrever que eu no estou obrigada a discutir com os superiores, mas a obedecer; nem seria bem faz-lo. O que vos posso dizer com verdade, que, quando eu no as tinha, nem ainda sabia por experincia, nem pensava sab-lo em minha vida (e com razo, que grande contentamento fora para mim saber ou por conjecturas entender que agradava a Deus em algum modo), quando lia em livros destas mercs e consolos que faz o Senhor s almas que O servem, isso me dava grandssimo prazer e era motivo para minha alma dar grandes louvores a Deus. Pois, se a minha, com ser to ruim, fazia isto, as que so boas e humildes O louvaro muito mais; e por uma s que O louve uma vez, est muito bem que se diga, a meu parecer, e que entendamos o contentamento e deleites que perdemos por nossa culpa. Quanto mais que, se so de Deus, vm carregados de amor e fortaleza, com que se pode

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-2.htm (4 of 6)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.2.

    caminhar mais sem trabalho e ir crescendo nas obras e virtudes. No penseis que importa pouco que isto no falhe da: nossa parte, pois, quando no nossa a falta, justo o Senhor, e Sua Majestade vos dar, por outros caminhos, o que vos tira por este, pelo que Sua Majestade sabe, pois so mui ocultos Seus segredos; pelo menos, ser isso o que mais nos convm, sem dvida nenhuma.

    12. O que me parece nos faria muito proveito quelas que pela bondade do Senhor esto neste estado (que, como disse, no lhes faz pouca misericrdia, porque esto muito perto de ir mais longe), exercitarem-se muito na prontido da obedincia. E mesmo que no sejam religiosos, seria grande coisa - como o fazem muitas pessoas - ter a quem recorrer para no fazer em nada a sua vontade, que o que habitualmente nos causa dano; e no buscar algum do seu humor, como dizem, que v sempre com muito tento em tudo, mas sim, procurar quem esteja muito desenganado das coisas do mundo, pois, de grande modo, aproveita tratar com quem j conhece o mundo para nos conhecermos e, porque algumas coisas que nos parecem impossveis vendo-se em outros to possveis e a suavidade com que as levam, anima muito e parece que, com seu voo, nos atrevemos a voar, como fazem os filhos das aves quando os ensinam. Ainda que no dem grande voo, pouco a pouco imitam os seus pais. De grande modo aproveita isto, eu o sei.

    Por mais determinadas que estejam em no ofender o Senhor, semelhantes pessoas procedero com acerto, no se metendo em ocasies de O ofender; porque, como esto perto das primeiras moradas, com facilidade podero voltar a elas, porque a sua fortaleza no est fundada em terra firme, como os que esto j exercitados em padecer; estes conhecem as tempestades do mundo, e quo pouco tm a temer ou a desejar seus contentamentos; e seria possvel, com uma grande perseguio, voltarem de novo a eles. O demnio bem as sabe urdir para lhes fazer mal, e poderia suceder que, indo com bom zelo, querendo impedir pecados alheios, no pudessem resistir ao que a isto sobreviesse.

    13. Olhemos as nossas faltas e deixemos as alheias, pois muito prprio de pessoas to concertadas espantarem-se de tudo; e porventura de quem nos espantamos, bem poderamos aprender no principal. Na compostura exterior e na maneira de tratar, levamos-lhe vantagem; e no isto o que tem mais importncia, embora seja bom, e nem h para qu querer logo que vo todos pelo nosso

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-2.htm (5 of 6)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.3, C.2.

    caminho, nem pr-se a ensinar o que do esprito quem porventura no sabe o que isso ; pois com estes desejos que Deus nos d, irms, do bem das almas, podemos cometer muitos erros. E assim melhor ater-nos ao que diz a nossa Regra: procurar viver sempre em silncio e esperana, que o Senhor ter cuidado de nossas almas. Desde que no nos descuidemos de o suplicar a Sua Majestade, faremos grande proveito com Seu favor. Seja para sempre bendito.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas3-2.htm (6 of 6)2006-06-01 15:00:27

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.4, C.1.

    QUARTAS MORADAS

    CAPTULO 1. Trata da diferena que h entre ternuras na orao e gostos, e diz o contento que lhe deu entender que coisa diferente o pensamento e o entendimento. de grande proveito para quem se recreia muito na orao.

    1. Para comear a falar das quartas moradas, bem necessrio o que fiz, que foi encomendar-me ao Esprito Santo e suplicar-Lhe que, daqui em diante, fale por mim, para dizer alguma coisa das que ficam por dizer, de maneira que o entendais; porque comeam a ser coisas sobrenaturais, e dificultosssimo d-las a entender, se Sua Majestade no o faz, como fez,: h catorze anos, pouco mais ou menos, quando escrevi em outra parte at onde eu havia entendido. Ainda que me parece que tenho agora um pouco mais de luz destas mercs que o Senhor faz a algumas almas, diferente o sab-las dizer. Faa-o Sua Majestade, se da h-de seguir-se algum proveito; e se no, no.

    2. Como estas moradas j esto mais perto de onde est o Rei, grande a sua formosura e h coisas to delicadas para ver e entender, que o entendimento no capaz de poder achar maneira de dizer sequer alguma coisa que venha to ajustada, que no fique bem obscura para os que no tenham experincia; pois, quem a tem, muito bem entender, em especial se j muita.

    Parecer que, para chegar a estas moradas, se dever ter vivido nas outras muito tempo; e embora o normal seja que se tenha estado na que acabamos de dizer, no regra certa, como tereis ouvido muitas vezes; porque o d o Senhor, quando quer e como quer e a quem quer, como bens Seus, e no faz agravo a ningum.

    3. Nestas moradas, poucas vezes entram as coisas peonhentas e, se entram, no fazem dano, antes deixam lucro. E tenho por muito melhor quando entram e do guerra neste estado de orao; porque poderia o demnio enganar, volta dos gostos que Deus d, se no houvesse tentaes, e fazer muito mais dano do que quando as h, e no ganhar tanto a alma, pelo menos apartando todas as coisas que a ho-de fazer merecer, e deixando-a num embevecimento habitual.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...bs%20Library/001%20-Da%20Fare/STeresaMoradas4-1.htm (1 of 6)2006-06-01 15:00:28

  • Santa Teresa de JesusCASTELO INTERIOR: L.4, C.1.

    Porque, quando o embevecimento habitual em um ser, no o tenho por seguro nem me parece possvel estar assim sempre num mesmo ser o esprito do Senhor neste desterro.

    4. Pois falando no que disse que diria aqui, da diferena que h entre contentamentos na orao e gostos, contentamentos, me parece a mim, se pode chamar aos que adquirimos com a nossa meditao e peties a Nosso Senhor, que procedem do nosso natural, ainda que, enfim, ajuda para isso Deus, pois h-de-se entenderem tudo quanto dissermos que nada podemos sem Ele; mas nascem da mesma obra virtuosa que fazemos e parece que o ganhamos com nosso trabalho, e com razo nos d contentamento o termo-nos empregado em coisas semelhantes. Mas se o considerarmos bem, os mesmos contentos teremos em muitas coisas que podem suceder na terra. Assim, numa grande fazenda que de repente advm a algum, o ver de sbito uma pessoa que muito amamos ter acertado num negcio importante ou numa coisa grande, de que todos nos dizem bem; se a alguma pessoa lhe disserem que morreu seu marido ou irmo ou filho e o v chegar vivo. Eu vi derramar lgrimas dum grande contentamento e at mesmo me tem acontecido algumas vezes. Parece-me a mim que, assim como estes contentamentos so naturais, assim nos que nos do as coisas de Deus; embora de linhagem mais nobre, ainda que aqueles tambm no eram de todo maus. Enfim comeam no que natural em ns e acabam em Deus.

    Os gostos comeam em Deus e sente-os a natureza, e goza tanto deles como gozam os que disse e muito mais. Jesus!, e que desejo tenho de saber declarar-me nisto! Porque entendo, a meu parecer, mui conhecida diferena e no alcana o meu saber o dar-me a entender; faa-o o Senhor.

    5. Agora me lembro dum versculo que dizemos em Prima, ao fim do ltimo salmo, que ao terminar o versculo diz: Cum dilatasti cor meum. A quem tiver muita experincia, isto lhe basta para ver a diferena que vai de um ao outro; a quem no a tiver, preciso mais. Os contentos que dissemos no dilatam o corao, antes habitualmente parece que o apertam um pouco, embora com grande contentamento de ver o que se faz por Deus; mas vm umas lgrimas de aflio, que de alguma maneira parece as move a paixo. Eu sei pouco destas paixes da alma - que talvez me desse a entender -, mas, como sou muito rude, no sei o que procede da sensualidade e o que procede do nosso natural. Saberia declar-lo

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    se, assim como passei por isso, o entendesse. Grande coisa o saber e as letras para tudo.

    6. O que tenho de experincia deste estado, digo destes regalos e contentos na meditao, que, se comeava a chorar por causa da Paixo, no podia acabar at que se me quebrava a cabea; se o fazia por meus pecados, era o mesmo. Grande merc me fazia Nosso Senhor, e no quero agora examinar qual melhor, se um se outro. Apenas quereria saber dizer a diferena que h entre um e outro. Para estas coisas vo algumas vezes estas lgrimas e estes desejos ajudados do natural e conforme est a disposio; mas enfim, como disse, vm a parar em Deus, ainda que sejam naturais. E so para ter em muito, se houver humildade, para entender que no se melhor por isso; porque no se pode entender se todos so efeitos do amor; e quando forem, so dados por Deus.

    Na maior parte tm estas devoes as almas das moradas anteriores, porque andam quase de contnuo com trabalho do entendimento, empregadas em discorrer com o entendimento e em meditao; e vo bem, porque no lhes foi dado mais, ainda que acertariam em ocupar-se um pouco em fazer actos e em louvores de Deus e em se alegrarem da Sua bondade e que seja Quem , e em desejar Sua honra e glria. Isto como puderem, porque desperta muito a vontade. E estejam de sobreaviso, quando o Senhor lhes der isto; no o deixem para acabar a meditao como se tem por costume.

    7. Porque me alarguei muito em dizer isto em outras partes, no o direi aqui. S quero que estejais advertidas que, para aproveitar muito neste caminho e subir s moradas que desejamos, no est a coisa em pensar muito, seno em amar muito; e assim, o que mais vos despertar ao amor, isso deveis fazer. Talvez no saibamos o que amar, e no me espantarei muito; porque no est no maior gosto, mas sim na maior determinao de desejar contentar a Deus em tudo e procurar, tanto quanto pudermos, no O ofender, e rogar-Lhe que v sempre por diante a honra e glria de Seu Filho e o aumento da Igreja Catlica. Estes so os sinais do amor, e no penseis que consiste em no pensar outra coisa, e que, se vos distras um pouco, vai tudo perdido.

    8. Eu tenho andado nisto, nesta barafunda do pensamento, bem apertada algumas vezes, e haver pouco mais de quatro anos que vim a entender, por experincia, que o pensamento (ou imaginao,

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    para que melhor se entenda) no o entendimento. Perguntei-o a um letrado e disse-me que, efectivamente, era assim, o que foi para mim grande contentamento. Por que, como o entendimento uma das potncias da alma, tornava-se-me duro estar ele to volvel, s vezes, pois normalmente voa o pensamento to rpido, que s Deus o pode atar quando assim nos ata, de maneira que parece estarmos de algum modo desatados deste corpo. Eu via, a meu parecer, as potncias da alma empregadas em Deus e estarem recolhidas com Ele e, por outra parte, o pensamento alvorotado: trazia-me tonta.

    9. Senhor, tende em conta o muito que passamos neste caminho por falta de saber! E o mal que, como no pensamos ser preciso saber mais do que pensarem Vs, nem sabemos perguntar aos que sabem, nem entendemos que haja que perguntar, e passam-se terrveis trabalhos, porque no nos entendemos; e o que no mau, seno bom, pensamos que grande culpa. Daqui procedem as aflies de muita gente que trata de orao e o queixarem-se de trabalhos interiores, pelo menos grande parte em gente que no tem letras, e vm as melancolias e o perderem a sade e at o deixarem-na de todo, porque no consideram que h dentro um mundo interior; e assim, como no podemos deter o movimento dos cus, que anda pressa com toda a velocidade, to-pouco podemos deter o nosso pensamento, e logo metemos todas as potncias da alma com ele e nos parece que estamos perdidas e mal gasto o tempo em que estamos diante de Deus. E a alma est porventura toda unida a Ele nas moradas muito prximas e o pensamento nos arredores do castelo, padecendo com mil animais ferozes e peonhentos e merecendo com este sofrimento; e assim, nem nos h-de perturbar nem o havemos de deixar, que o que pretende o demnio. E, na maior parte, todas as inquietaes e trabalhos vm deste no nos entendermos.

    10. Ao escrever isto, estou considerando o que se passa na minha cabea, o grande rudo que nela h, como disse ao princpio, pelo que se me tornou quase impossvel poder fazer o que me mandavam escrever. No parece seno que nela esto muitos rios caudalosos e, por outra parte, que estas guas se despenham; muitos passarinhos e silvos, no nos ouvidos, mas na parte superior da cabea, onde dizem estar a parte superior da alma. E eu estive nisto muito tempo, por me parecer que o grande movimento do esprito para cima subia com velocidade. Praza a Deus me lembre, nas moradas mais adiante, de dizer a causa disto, pois aqui no fica bem, e no ser muito que o Senhor haja querido dar-me este mal de

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    cabea para melhor o entender, porque, com toda esta barafunda que nela vai, no me estorvava a orao nem o que estou dizendo, mas antes a alma est muito inteira em sua quietude e amor e desejos de claro conhecimento.

    11. Pois, se na parte superior da cabea est a parte superior da alma, como no a perturba? Isso o que no sei, mas sei que verdade o que digo. D pena quando no orao com suspenso, pois ento, at que passe, no se sente nenhum mal; mas grande mal seria se, por este impedimento, eu deixasse tudo. E assim no bem que nos perturbemos com os pensamentos, nem deles nada se nos d, porque, se vm do demnio, cessar com isto; e se , como , da misria que nos ficou de pecado de Ado, com outras muitas, tenhamos pacincia e soframo-lo por amor de Deus, pois tambm estamos sujeitas a comer e dormir, sem nos podermos escusar, o que grande trabalho.

    12. Reconheamos a nossa misria, e desejemos ir aonde "ningum nos menospreze"; pois algumas vezes me lembro de ter ouvido isto que dizia a Esposa dos Cantares, e verdadeiramente no encontro em toda a vida coisa onde, com mais razo, isto se possa dizer; porque todos os menosprezos e trabalhos que pode haver na vida, no me parece que cheguem a estas batalhas interiores. Qualquer desassossego e guerra se pode sofrer. achando paz onde vivemos, - como j disse -; mas, que queiramos vir a descansar dos mil trabalhos que h no mundo, que queira o Senhor preparar-nos o descanso e que em ns mesmas esteja o estorvo, no pode deixar de ser muito penoso e quase insuportvel. Por isso, levai-nos Senhor, aonde no nos menosprezem estas misrias, que parecem algumas vezes estarem a fazer escrnio da alma!

    Ainda nesta vida a liberta disto o Senhor, quando chegar ltima morada, como diremos, se Deus for servido.

    13. Nem a todas daro