6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

download 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

of 152

Transcript of 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    1/152

    Humberto vilaTEORIA DOS PRINCPIOSda definio aplicao dos princpios jurdicos4a edio, revista,3a tiragemMALHEIROS EDITORES

    Teoria dos Princpios da definio aplicao dos princpios jurdicos

    HUMBERTO VILA/" edio, 04.2003; 2a edio, 09.2003; 3a edio, 03.2004; 4a edio, Ia tiragem, 08.2004; 4a edio, 2a

    tiragem, 03.2005.ISBN 85-7420-620-2

    Direitos reservados desta edio porMALHEJROS EDITORES LTDA.

    Rua Paes de Arajo, 29, conjunto 171CEP 04531-940 So Paulo SPTel: (Oxxll) 3078-7205 Fax: (Oxxll) 3168-5495Home: www.malheiroseditores.com.bre-mail:[email protected]

    Composio PC Editorial Ltda.CapaCriao: Vnia Lcia Amato

    Arte: PC Editorial Ltda.Impresso no Brasil

    Printed in Brazil08-2005

    Este livro dedicado aos ProfessoresAIMIRODO COUTOESILVAe RICARDO LOBO TORRES,Mestres pelo saber, e no pelo poder,exemplos de erudio, humanidade e generosidade.

    A GRADECIMENTOSTodo trabalho, por menor que seja em extenso, e maior em ambio, depende do apoio e do estmulo de vrias

    pessoas. Este estudo no foge regra:' por isso, quero - e me faz bem - agradecer:- minha esposa Ana Paula, tanto pelo suporte constante aos meus esforos acadmicos, como, em particular,

    pela leitura atenta e crtica dos originais deste estudo;- ao meu amigo e Mestre, Jos Souto Maior Borges, jurista imponente, que no abre mo da sua independnciae de suas convices em favor do xito fcil e superficial, pelo estmulo inicial e permanente;- minha pequena Gergia, "toquinho" maravilhoso de gente, que me inunda de felicidade, pelo sentido que

    confere aos meus esforos.- minha me, Teresa, exemplo de inteligncia e sensibilidade, pela f com que me oportunizou trilhar o meuprprio caminho do corao, com amor e gratido.

    NOTA A 4S EDIOEm pouco tempo, esgotou-se a 3a edio da Teoria, que passsou a incorporar dois novos captulos, um sobre aeficcia dos princpios e das regras e outro sobre a intensidade do controle dos outros Poderes pelo PoderJudicirio. Na 4- edio, limitei-me a efetuar alteraes pontuais relativas redao do texto.Agosto de 2004

    NOTA 3a EDIO

    com imensa satisfao que apresento aos leitores a nova edio da Teoria dos Princpios, cuja 2a

    edio, damesma forma que a Ia, esgotou-se em poucos meses.Esta edio foi devidamente revisada e ampliada com duas importantes partes.A primeira versa sobre a eficcia dos princpios e das regras, e foi inserida no final do segundo captulo (pp. 78e ss.). Trata-se de tema da mais alta relevncia, pois permite compreender melhor no s a diferente

    http://www.malheiroseditores.com.br/mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]://www.malheiroseditores.com.br/
  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    2/152

    funcionalidade dos princpios e das regras como verificar que as regras no so normas de segunda categoria.A segunda trata da intensidade do controle dos outros Poderes pelo Poder Judicirio, e foi posta no final doterceiro captulo (pp. 125-127). Novamente, por demais importante saber em quais situaes o grau decontrole do Poder Judicirio sobre as escolhas feitas pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo dever sermais intenso e em quais casos dever ser menos intenso, especialmente para demonstrar que, em qualquerhiptese, sempre haver controle.Maro de 2004 HUMBERTO VILA

    NOTA 2a

    EDIOE com imensa satisfao que apresento aos leitores a nova edio da Teoria, cuja Ia edio, lanada em abrildeste ano, para minha grata surpresa, esgotou-se em poucos meses. Nesta edio limitei-me a efetuar pequenasalteraes pontuais relativas redao do texto.Agosto de 2003.

    PREFACIOTelefonei ao HUMBERTO, imediatamente aps ter lido os originais deste livro, para dizer-lhe do meu sinceroencantamento pelo trabalho intelectual nele sintetizado.HUMBERTO nele produz uma contribuio extremamente importante para o que eu chamaria, moda francesa, denettoyage da doutrina. Uma das conferncias que assisti em um ainda recente congresso versava sobre a

    distino entre os mtodos de interpretao, gramatical, teleolgico etc. De repente percebi que quempalestrava tinha mais de duzentos anos, um autntico morto sem sepultura, fazendo ressoar oBolero, de Ravel...O HUMBERTO, como diria o JOS RGIO, ama o longe e as miragens, os abismos, as torrentes, os desertos. Quandoa alma no pequena -do RGIO ao PESSOA - gritamos o maravilhoso "no vou por a; s vou por onde me guiammeus prprios passos". isso - eu disse ao HUMBERTO - "teu livro um caminhar os teus prprios passos". umlivro pessoalmente dele.Por isso este livro essencial, rompendo, mesmo, a corrente da banalizao dos princpios e puxando o tapetedos "gnios-para-si-mes-mos". isso que eles temem: quando algum os questiona, eles reagem como quemluta por algo que os salve do afogamento. O problema que lhes aode apenas uma nica bia, costurada sobrea bibliografia do passado e, quanto mais recente, se compulsada, mal digerida. So uns Esteves, sem

    bibliografia...Permito-me contar uma histria. No ltimo dia do concurso que fiz para Professor Titular, no Largo de SoFrancisco, assim que anunciaram o resultado, um professor, que veio de outro Estado e passava por l, meabraou dizendo "Que bom! Agora voc j pode vender a sua biblioteca!". At hoje no sei se o colega faziagraa ou falava srio. Mas a impresso que tenho de que as bibliotecas de alguns deles j foram negociadas hanos, desfrutando, os que as adquiriram, por atacado ou no varejo, de livros antigos inteiramente virgens,

    jamais anteriormente consultados...O livro do HUMBERTO me encanta. Confirma as minhas convices de que a interpretao interpretao/aplicao dos textos e dos fatos e de que a ponderao um momento no interior dainterpretao/aplicao do Direito.Suas diretrizes para a anlise dos princpios - item 2.4.4 - me fazem ver, com nitidez maior, que no seinterpreta o Direito em tiras.A proposta de distino heurstica entre regra e princpio - e postulados - e de "alternativa inclusiva" extremamente rica. E o modelo tripartite (regra, princpio e postulado normativo aplicativo - item 3) ilumina astrevas tenebrosas nas quais se perdem sabemos bem quem. O exame do postulado da proporcionalidade simplesmente primoroso.O texto mltiplo e vrio, sempre positivamente. A exposio sobre o princpio da moralidade - item 2.4.5 -teria de ser lida como primeira lio de casa pelos "juristas" de meia-pataca, que pensam que ela, a moralidade,substitui a tica da legalidade por uma outra, adversa legalidade... E lastimvel ouvirmos o que tem sido dito aesse respeito.Da ter eu tomado a iniciativa de dizer ao HUMBERTO que gostaria imensamente de escrever o prefcio destelivro, porque, assim, indiretamente, participo da substancial contribuio que ele traz ao pensamento jurdico.

    Estar ao seu lado, isso me enobrece intelectualmente.EROS ROBERTO GRAU

    SUMRIONOTA 4- EDIO.................................................................................................................................. 5

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    3/152

    NOTA 3aEDIO.................................................................................................................................. 7NOTA2aEDIO.................................................................................................................................. 8PREFCIO-PROF. EROS ROBERTO GRAU............................................................................................... 9

    1. CONSIDERAES INTRODUTRIAS.................................................................................................. 15

    2. PRINCPIOSE REGRAS2.1 Distines Preliminares

    2.1.1 Texto e norma........................................................................................................................ 222.1.2 Descrio, construo e reconstruo................................................................................... 232.2 Panorama da Evoluo da Distino entre Princpios e Regras ................................... 262.3 Critrios de Distino entre Princpios e Regras2.3.1 Critrio do "carter hipottico-condicional"2.3.1.1 Contedo................................................................................................................................312.3.1.2 Anlise crtica.............................................. 322.3.2 Critrio do "modo final de aplicao"2.3.2.1 Contedo...................................................... 352.3.2.2 Anlise crtica.............................................. 362.3.3 Critrio do "conflito normativo"

    2.3.3.1 Contedo...................................................... 422.3.3.2 Anlise crtica.............................................. 432.4 Proposta de Dissociao entre Princpios e Regras2.4.1 Fundamentos2.4.1.1 Dissociao justificante............................... 552.4.1.2 Dissociao abstrata..................................... 562.4.1.3 Dissociao heurstica.................................. 602.4.1.4 Dissociao em alternativas inclusivas........ 602.4.2 Critrios de dissociao2.4.2.1 Critrio da natureza do comportamento prescrito....................................................... 632.4.2.2 Critrio da natureza da justificao exigida... 652.4.2.3 Critrio da medida de contribuio para a deciso......................................................... 682.4.2.4 Quadro esquemtico..................................... 702.4.3 Proposta conceituai das regras e dos princpios....... 702.4.4 Diretrizes para a anlise ds princpios.................... 722.4.4.1 Especificao dos fins ao mximo: quanto menos especfico for o fim, menos controlvel ser suarealizao..................... 732.4.4.2 Pesquisa de casos paradigmticos que possam iniciar esse processo de esclarecimento das condiesque compem o estado ideal de coisas a ser buscado pelos comportamentos necessrios sua realizao............................................ 732.4.4.3 Exame, nesses casos, das similaridades capazes de possibilitar a constituio de grupos de casos quegirem em torno da soluo de um mesmo problema central...... 742.4.4.4 Verificao da existncia de critrios capazes de possibilitar a delimitao de quais so os bens

    jurdicos que compem o estado ideal de coisas e de quais so os comportamentos considerados necessrios sua realizao............................................ 742.4.4.5 Realizao do percurso inverso: descobertos o estado de coisas e os comportamentos necessrios sua

    promoo, torna-se necessria a verificao da existncia de outros casos que deveriam ter sidodecididos com base no princpio em anlise ... 752.4.5 Exemplo do princpio da moralidade......................... 752.4.6 Eficcia dos princpios2.4.6.1 Eficcia interna2.4.6.1.1 Contedo..................................... 78

    2.4.6.1.2 Eficcia interna direta................ 782.4.6.1.3 Eficcia interna indireta............. 782.4.6.2 Eficcia externa2.4.6.2.1 Eficcia externa objetiva............ 802.4.6.2.2 Eficcia externa subjetiva........... 82

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    4/152

    2.4.7 Eficcia das regras2.4.7.1 Eficcia interna2.4.7.1.1 Eficcia interna direta................ 822.4.7.1.2 Eficcia interna indireta............. 832.4.7.2 Eficcia externa............................................ 863. POSTULADOS NORMATIVOS3.1 Definio de Postulado Normativo Aplicativo..................... 873.2 Diretrizes para a A nlise dos Postulados Normativos

    Aplicativos............................................................................. 903.2.1 Necessidade de levantamento de casos cuja soluo tenha sido tomada com base em algum postuladonormativo.................................................................... 913.2.2 A nlise da fundamentao das decises para verificao dos elementos ordenados e da formacomo foram relacionados entre si.............................. 913.2.3 Investigao das normas que foram objeto de aplicao e dos fundamentos utilizados para aescolha de determinada aplicao............................. 913.2.4 Realizao do percurso inverso: descoberta a estrutura exigida na aplicao do postulado, verificao daexistncia de outros casos que deveriam ter sido decididos com base nele................ 923.3 Espcies de Postulados3.3.1 Consideraes gerais................................................. 93

    3.3.2 Postulados inespecficos3.3.2.1 Ponderao................................................... 943.3.2.2 Concordncia prtica................................... 963.3.2.3 Proibio de excesso.................................... 973.3.3 Postulados especficos3.3.3.1 Igualdade...................................................... 1013.3.3.2 Razoabilidade3.3.3.2.1 Generalidades............................. 1023.3.3.2.2 Tipologia3.3.3.2.2.1 Razoabilidadecomo eqidade........ 1033.3.3.2.2.2 Razoabilidadecomo congruncia... 1063.3.3.2.2.3 Razoabilidadecomo equivalncia.. 1093.3.3.2.2.4 Distino entre razoabilidade e proporcionalidade... 1093.3.3.3 Proporcionalidade3.3.3.3.1 Consideraes gerais.................. 1123.3.3.3.2 Aplicabilidade3.3.3.3.2.1 Relao entre meio efim........................ 1133.3.3.3.2.2 Fins internos e fins externos................... 1143.3.3.3.3 Exames inerentes proporcionalidade3.3.3.3.3.1 Adequao.............. 1163.3.3.3.3.2 Necessidade............ 1223.3.3.3.3.3 Proporcionalidadeem sentido estrito.... 1243.3.3.3.4 Intensidade do controle dos outros Poderes pelo Poder Judicirio.................................... 1254. CONCLUSES.................................................................................... 129BIBLIOGRAFIA........................................................................................ 133

    1 CONSIDERAES INTRODUTRIASA idia deste trabalho deve-se repercusso que a publicao de artigos sobre os princpios jurdicos

    obteve no meio jurdico.1

    A essa somou-se uma outra razo: o constante relevo que a distino entreprincpiose regras vem ganhando nos debates doutrinrios e jurisprudenciais.

    1 Humberto Bergmann vila, "A distino entre princpios e regras e a redefinio do dever de proporcionalidade",RDA 215/151-179,e "Repensando o princpio da supremacia do interesse pblico sobre o particular",RTDP24/159-180.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    5/152

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    6/152

    instituio de condutas pelas regras tambm pode ser objeto de ponderao, embora o comportamentopreliminarmente previsto dependa do preenchimento de algumas condies para ser superado. Com isso,ultrapassa-se tanto a mera exaltao de valores sem a instituio de comportamentos, quanto a automticaaplicao de regras. Prope-se um modelo de explicao das espcies normativas que, ademais de inserir uma

    ponderao estruturada no processo de aplicao, ainda inclui critrios materiais de justia na argumentao,mediante a reconstruo analtica do uso concreto dos postulados normativos, especialmente da razoabilidade eda proporcionalidade. Tudo isso sem abandonar a capacidade de controle intersubjetivo da argumentao, que,normalmente, descamba para um caprichoso decisionismo.

    A distino entre princpios e regras virou moda. Os trabalhos de direito pblico tratam da distino,com raras excees, como se ela, de to bvia, dispensasse maiores aprofundamentos. A separao entre asespcies normativas como que ganha foros de unanimidade. E a unanimidade termina por semear no mais oconhecimento crtico das espcies normativas, mas a crena de que elas so dessa maneira, e pronto.

    Viraram lugar-comum afirmaes, feitas em tom categrico, a respeito da distino entre princpios eregras. Normas ou so princpios ou so regras. As regras no precisam nem podem ser objeto de ponderao;os princpios precisam e devem ser ponderados. As regras instituem deveres definitivos, independentes das

    possibilidades fticas e normativas; os princpios instituem deveres preliminares, dependentes daspossibilidades fticas e normativas. Quando duas regras colidem, uma das duas invlida, ou deve ser abertauma exceo a uma delas para superar o conflito. Quando dois princpios colidem, os dois ultrapassam oconflito mantendo sua validade, devendo o aplicador decidir qual deles possui maior peso.

    A anlise dessas afirmaes semeia, porm, algumas dvidas. Ser mesmo que todas as espciesnormativas comportam-se como princpios ou regras? Ser mesmo que as regras no podem ser objeto de

    ponderao? Ser mesmo que as regras sempre instituem obrigaes peremptrias? Ser mesmo que o conflitoentre regras s se resolve com a invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceo a uma delas? Estetrabalho no s responde a essas e outras tantas perguntas que surgem na anlise da distino entre princpios eregras, como apresenta um novo paradigma para a dissociao e aplicao das espcies normativas.

    Com efeito, enquanto a doutrina, em geral, entende haver interpretao das regras e ponderao dosprincpios, este trabalho critica essa separao, procurando demonstrar a capacidade de ponderao tambm dasregras. Enquanto a doutrina sustenta que quando a hiptese de uma regra preenchida sua conseqncia deveser implementada, este estudo diferencia o fenmeno da incidncia das regras do fenmeno da suaaplicabilidade, para demonstrar que a aptido para a aplicao de uma regra depende da ponderao de outrosfatores que vo alm da mera verificao da ocorrncia dos fatos previamente tipificados. Enquanto a doutrinasustenta que um dispositivo, por opo mutuamente excludente, regra ou princpio, esta pesquisa defendealternativas inclusivas entre as espcies geradas, por vezes, de um mesmo e nico dispositivo. Enquanto adoutrina refere-se proporcionalidade e razoabilidade ora como princpios, ora como regras, este trabalhocritica essas concepes e, aprofundando trabalho anterior, prope uma nova categoria, denominada decategoria dospostulados normativos aplicativos. Enquanto a doutrina iguala razoabilidade e proporcionalidade,este estudo critica esse modelo, e explica por que ele no pode ser defendido. Enquanto a doutrina entende arazoabilidade como um topos sem estrutura nem fundamento normativo, esta investigao reconstri decises

    para atribuir-lhe dignidade dogmtica. Enquanto a doutrina iguala a proibio de excesso e proporcionalidadeem sentido estrito, este estudo as dissocia, explicando por que consubstanciam espcies distintas de controleargumentativo. Tudo isso da forma mais direta possvel, e mediante a apresentao de exemplos no curso daargumentao.

    Assim procedendo, so criadas condies para incorporar a justia no debate jurdico, semcomprometimento da racionalidade argumentativa.

    Para cumprir esse desiderato, investiga-se, em primeiro lugar, o fenmeno da interpretao no Direito,com a finalidade de compreender que a atribuio do qualificativoprincpios ou regras a determinadas espciesnormativas depende, antes de tudo, de conexes axiolgicas que no esto prontas antes do processo deinterpretao que as desvela. Em segundo lugar, ser proposta uma definio de princpios, com o objetivo decompreender quais so as caractersticas que lhes so prprias relativamente a outras normas que compem oordenamento jurdico. Logo aps, ser investigada a eficcia dos princpios e das regras. Em terceiro lugar,sero examinadas as condies de aplicao dos princpios e regras, quais sejam, os postulados normativos

    aplicativos.

    2 PRINCPIOS E REGRAS2.1 Distines preliminares: 2.1.1 Texto e norma - 2.1.2 Descrio, construo e reconstruo. 2.2 Panorama da evoluo da distinoentre princpios e regras. 2.3 Critrios de distino entre princpios e regras: 2.3.1 Critrio do ''carter hipottico-condicionaT': 2.3.1.1Contedo - 2.3.1.2 Anlise critica - 2.3.2 Critrio do "modo final de aplicao": 2.3.2.1 Contedo - 2.3.2.2 Anlise critica - 2.3.3 Critrio

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    7/152

    do "conflito normativo": 2.3.3.1 Contedo - 2.3.3.2 Anlise critica. 2.4 Proposta de dissociao entre princpios e regras: 2.4.1Fundamentos: 2.4.1.1 Dissociao justificante - 2.4.1.2 Dissociao abstrata - 2.4.1.3 Dissociao heurstica - 2.4.1.4 Dissociao emalternativas inclusivas - 2.4.2 Critrios de dissociao: 2.4.2.1 Critrio da natureza do comportamento prescrito - 2.4.2.2 Critrio danatureza da justificao exigida - 2.4.2.3 Critrio da medida de contribuio para a deciso - 2.4.2.4 Quadro esquemtico -2.4.3 Propostaconceituai das regras e dos princpios -2.4.4 Diretrizes para a anlise dos princpios: 2.4.4.1 Especificao dos fins ao mximo: quantomenos especfico for o fim, menos controlvel ser sua realizao - 2.4.4.2 Pesquisa de casos paradigmticos que possam iniciar esseprocesso de esclarecimento das condies que compem o estado ideal de coisas a ser buscado pelos comportamentos necessrios suarealizao - 2.4.4.3 Exame, nesses casos, das similaridades capazes de possibilitar a constituio de grupos de casos que girem em torno dasoluo de um mesmo problema central - 2.4.4.4 Verificao da existncia de critrios capazes de possibilitar a delimitao de quais so osbens jurdicos que compem o estado ideal de coisas e de quais so os comportamentos considerados necessrios sua realizao - 2.4.4.5Realizao do percurso inverso: descobertos o estado de coisas e os comportamentos necessrios sua promoo, torna-se necessria averificao da existncia de outros casos que deveriam ter sido decididos com base no princpio em anlise 2.4.5 Exemplo do principioda moralidade -2.4.6 Eficcia dos princpios:

    A linguagem nunca algo pr-dado, mas algo que se concretiza no uso ou, melhor, como uso.5

    Essas consideraes levam ao entendimento de que a atividade do intrprete - quer julgador, quercientista - no consiste em meramente descrever o significado previamente existente dos dispositivos. Suaatividade consiste em constituir esses significados.6 Em razo disso, tambm no plausvel aceitar a idia deque a aplicao do Direito envolve uma atividade de subsuno entre conceitos prontos antes mesmo do

    processo de aplicao.7

    Todavia, a constatao de que os sentidos so construdos pelo intrprete no processo de interpretaono deve levar concluso de que no h significado algum antes do trmino desse processo de interpretao.Afirmar que o significado depende do uso no o mesmo que sustentar que ele s surja com o uso especfico e

    individual. Isso porque h traos de significado mnimos incorporados ao uso ordinrio ou tcnico dalinguagem. Wittgenstein refere-se aosjogos de linguagem: h sentidos que preexistem ao processo particular deinterpretao, na medida em que resultam de esteretipos de contedos j existentes na comunicao lingsticageral.8 Heidegger menciona o enquanto hermenutico: h estruturas de compreenso existentes de antemo oua priori, que permitem a compreenso mnima de cada sentena sob certo ponto de vista j incorporado ao usocomum da linguagem.9 Miguel Reale faz uso da condio a priori intersubjetiva: h condies estruturais

    preexistentes no processo de cognio, que fazem com que o sujeito interprete algo anterior que se lheapresenta para ser interpretado.10 Pode-se, com isso, afirmar que o uso comunitrio da linguagem constituialgumas condies de uso da prpria linguagem. Como lembra Aarnio, termos como "vida", "morte", "me","antes", "depois", apresentam significados intersubjetivados, que no precisam, a toda nova situao, serfundamentados. Eles funcionam como condies dadas da comunicao.11

    Por conseguinte, pode-se afirmar que o intrprete no s constri, mas reconstri sentido, tendo emvista a existncia de significados incorporados ao uso lingstico e construdos na comunidade do discurso.Expresses como "provisria" ou "ampla", ainda que possuam significaes indeterminadas, possuem ncleosde sentidos que permitem, ao menos, indicar quais as situaes em que certamente no se aplicam: provisriano ser aquela medida que produz efeitos ininterruptos no tempo; ampla no ser aquela defesa que no dispede todos os instrumentos indispensveis sua mnima realizao. E assim por diante. Da se dizer queinterpretar construir a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de

    partida os textos normativos, que oferecem limites construo de sentidos; a duas, porque manipula alinguagem, qual so incorporados ncleos de sentidos, que so, por assim dizer, constitudos pelo uso, e

    preexistem ao processo interpretativo individual.A concluso trivial a de que o Poder Judicirio e a Cincia do Direito constrem significados, mas

    enfrentam limites cuja desconsiderao cria um descompasso entre a previso constitucional e o direitoconstitucional concretizado. Compreender "provisria" como permanente, "trinta dias" como mais de trintadias, "todos os recursos'" como alguns recursos, "ampla defesa" como restrita defesa, "manifestao concretade capacidade econmica" como manifestao provvel de capacidade econmica, no concretizar o texto

    5 Friedrich Mller, "Warum Rechtslinguistik? Gemeinsame Probleme von Sprachwissenschaft und Rechtstheorie", in WilfriedErbguth, Friedrich Mller, e Volker Neumann (orgs.),Rechtstheorie und Rechtsdogmatik im Austausch. Ge-dchtnisschrift Jiir BerndJeand'Heur,p. 40; Manfred Herbert,Rechtstheorie ais Sprachkritik. Zum Einflufi Wittgensteins aufdie Rechtstheorie,p. 290.6 Eros Roberto Grau,Ensaio e Discurso sobre a Interpretao/Aplicao do Direito,pp. 20, 54,69, 71 e 73; Paulo de Barros Carvalho,Curso de Direito Tributrio, 14a ed., p. 8.7 Eros Roberto Grau,Ensaio...,pp. 73 e ss.; Arthur Kaufmann,Analogie und "Natur der Sache", 2a ed., pp. 37 e ss., e "Die ipsa resiusta", inBeitrge zur Jristischen Hermeneutik, 2'ed., p. 58.8 Ludwig Wittgenstein, Tratado Lgico-Filosfico -Investigaes Filosficas, p. 263; Aulis Aarnio, Reason and Authority. A Treatiseon the Dynamic Para-digm of Legal Dogmatics,p. 113.9 Cf. Marlene Zarader, Heidegger et les Paroles de l 'Origine,p. 54; Emildo Stein, "No podemos dizer a mesma coisa com outraspalavras", in Urbano Zilles (org.), Miguel Reale: Estudos em Homenagem a seus 90 Anos,p. 489.10Cinco Temas do Culturalismo,pp. 30 e 40.11Denkweisen der Rechtswissenschqft, p. 159.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    8/152

    constitucional. , a pretexto de concretiz-lo, menosprezar seus sentidos mnimos. Essa constatao explica porque a doutrina tem to efusivamente criticado algumas decises proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

    Alm de levar s mencionadas concluses, o exposto tambm exige a substituio de algumas crenastradicionais por conhecimentos mais slidos: preciso substituir a convico de que o dispositivo identifica-secom a norma, pela constatao de que o dispositivo o ponto de partida da interpretao; necessrioultrapassar a crendice de que a funo do intrprete meramente descrever significados, em favor dacompreenso de que o intrprete reconstri sentidos, quer o cientista, pela construo de conexes sintticas esemnticas, quer o aplicador, que soma quelas conexes as circunstncias do caso a julgar; importa deixar de

    lado a opinio de que o Poder Judicirio s exerce a funo de legislador negativo, para compreender que eleconcretiza o ordenamento jurdico diante do caso concreto.12

    Enfim, justamente porque as normas so construdas pelo intrprete a partir dos dispositivos que nose pode chegar concluso de que este ou aquele dispositivo contm uma regra ou um princpio. Essaqualificao normativa depende de conexes axiolgicas que no esto incorporadas ao texto nem a ele

    pertencem, mas so, antes, construdas pelo prprio intrprete. Isso no quer dizer, como j afirmado, que ointrprete livre para fazer as conexes entre as normas e os fins a cuja realizao elas servem. O ordenamento

    jurdico estabelece a realizao de fins, a preservao de valores e a manuteno ou a busca de determinadosbens jurdicos essenciais realizao daqueles fins e preservao desses valores. O intrprete no podedesprezar esses pontos de partida. Exatamente por isso a atividade de interpretao traduz melhor uma atividadede reconstruo: o intrprete deve interpretar os dispositivos constitucionais de modo a explicitar suas verses

    de significado de acordo com os fins e os valores entremostrados na linguagem constitucional.O decisivo, por enquanto, saber que a qualificao de determinadas normas como princpios ou como

    regras depende da colaborao constitutiva do intrprete. Resta saber como devem ser definidos os princpios equal a proposta aqui defendida.

    2.2 Panorama da evoluo da distino entre princpios e regrasVrios so os autores que propuseram definies para as espcies normativas, dentre as quais algumas

    tiveram grande repercusso doutrinria. O escopo deste estudo no investigar todas as concepes acerca dadistino entre princpios e regras, nem mesmo examinar o conjunto da obra dos seus mais importantesdefensores.13 O objetivo deste trabalho , primeiro, descrever os fundamentos dos trabalhos mais importantessobre o tema e, segundo, analisar os critrios de distino adotados, de forma objetiva e crtica.

    Para Josef Esser, princpios so aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinadomandamento seja encontrado.14 Mais do que uma distino baseada no grau de abstrao da prescrionormativa, a diferena entre os princpios e as regras seria uma distino qualitativa. 15 O critrio distintivo dos

    princpios em relao s regras seria, portanto, a funo de fundamento normativo para a tomada de deciso.Seguindo o mesmo caminho, Karl Larenz define os princpios como normas de grande relevncia para o

    ordenamento jurdico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretao e aplicaodo Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.16 Para esse autor os princpiosseriam pensamentos diretivos de uma regulao jurdica existente ou possvel, mas que ainda no so regrassuscetveis de aplicao, na medida em que lhes falta o carter formal de proposies jurdicas, isto , aconexo entre uma hiptese de incidncia e uma conseqncia jurdica. Da por que os princpios indicariamsomente a direo em que est situada - a regra a ser encontrada, como que determinando um primeiro passodirecionador de outros passos para a obteno da regra. 17 O critrio distintivo dos princpios em relao sregras tambm seria a funo de fundamento normativo para a tomada de deciso, sendo essa qualidadedecorrente do modo hipottico de formulao da prescrio normativa.

    Para Canaris duas caractersticas afastariam os princpios das regras. Em primeiro lugar, o contedoaxiolgico: os princpios, ao contrrio das regras, possuiriam um contedo axiolgico explcito e careceriam,

    por isso, de regras para sua concretizao. Em segundo lugar, h o modo de interao com outras normas*: osprincpios, ao contrrio das regras, receberiam seu contedo de sentido somente por meio de um processo

    12 Sobre essa questo, em pormenor: Humberto Bergmann vila, "Estatuto do Contribuinte: contedo e alcance", Revista daAssociao Brasileira de Direito Tributrio 7/73-104.13 Sobre essa questo, no Direito Brasileiro, v., especialmente: Eros Roberto Grau, Ensaio..., 2002; Walter Claudius Rothenburg,

    Princpios Constitucionais, 1999. No direito estrangeiro, v.: J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituio,3'ed., pp. 1.086 e ss.; Alfonso Garcia Figueroa,Princpios y Positivismo Jurdico, 1998.14Grundsatz und Norm in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts, 4atir., p. 51.15 Idem, ibidem.16Richtiges Recht,p. 26, e Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 6a ed., p. 474.17 Karl Larenz,Richtiges Recht,p. 23.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    9/152

    dialtico de complementao e limitao.18 Acrescentam-se, pois, novos elementos aos critrios distintivosantes mencionados, na medida em que se qualifica como axiolgica a fundamentao exercida pelos princpiose se predica como distintivo seu modo de interao.

    Foi na tradio anglo-saxnica que a definio de princpios recebeu decisiva contribuio.19 Afinalidade do estudo de Dworkin foi fazer um ataque geral ao Positivismo (general attack on Positivism),sobretudo no que se refere ao modo aberto de argumentao permitido pela aplicao do que ele viria a definircomo princpios (principles).20 Para ele as regras so aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), nosentido de que, se a hiptese de incidncia de uma regra preenchida, ou a regra vlida e a conseqncia

    normativa deve ser aceita, ou ela no considerada vlida. No caso de coliso entre regras, uma delas deve serconsiderada invlida. Os princpios, ao contrrio, no determinam absolutamente a deciso, mas somentecontm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros

    princpios.21 Da a afirmao de que os princpios, ao contrrio das regras, possuem uma dimenso de peso(dimension of weight), demonstrvel na hiptese de coliso entre os princpios, caso em que o princpio com

    peso relativo maior se sobrepe ao outro, sem que este perca sua validade.22 Nessa direo, a distinoelaborada por Dworkin no consiste numa distino de grau, mas numa diferenciao quanto estrutura lgica,

    baseada em critrios classificatrios, em vez de comparativos, como afirma Robert Alexy.23 A distino por eleproposta difere das anteriores porque se baseia, mais intensamente, no modo de aplicao e no relacionamentonormativo, estremando as duas espcies normativas.

    Alexy, partindo das consideraes de Dworkin, precisou ainda mais o conceito de princpios. Para ele os

    princpios jurdicos consistem apenas em uma espcie de normas jurdicas por meio da qual so estabelecidosdeveres de otimizao aplicveis em vrios graus, segundo as possibilidades normativas e fticas.24 Com basena jurisprudncia do Tribunal Constitucional Alemo, Alexy demonstra a relao de tenso ocorrente no caso decoliso entre os princpios: nesse caso, a soluo no se resolve com a determinao imediata da prevalncia deum princpio sobre outro, mas estabelecida em funo da ponderao entre os princpios colidentes, emfuno da qual um deles, em determinadas circunstncias concretas, recebe a prevalncia. 25 Os princpios,

    portanto, possuem apenas uma dimenso de peso e no determinam as conseqncias normativas de formadireta, ao contrrio das regras.26 s a aplicao dos princpios diante dos casos concretos que os concretizamediante regras de coliso. Por isso, a aplicao de um princpio deve ser vista sempre com uma clusula dereserva, a ser assim definida: "Se no caso concreto um outro princpio no obtiver maior peso". 27 dizer omesmo: a ponderao dos princpios conflitantes resolvida mediante a criao de regras de prevalncia, o quefaz com que os princpios, desse modo, sejam aplicados tambm ao modo tudo ou nada (Al-les-oder-Nichts)28.Essa espcie de tenso e o modo como ela resolvida o que distingue os princpios das regras: enquanto noconflito entre regras preciso verificar se a regra est dentro ou fora de determinada ordem jurdica (problemado dentro ou fora), o conflito entre princpios j se situa no interior desta mesma ordem (teorema da coliso).29

    Da a definio de princpios como deveres de otimizao aplicveis em vrios graus segundo aspossibilidades normativas e fticas: normativas, porque a aplicao dos princpios depende dos princpios eregras que a eles se contrapem; fticas, porque o contedo dos princpios como normas de conduta s pode serdeterminado quando diante dos fatos. Com as regras acontece algo diverso. De outro lado um processodialtico de complementao e limitao.30 Acrescentam-se, pois, novos elementos aos critrios distintivos

    18

    Claus-Wilhelm Canaris, Systemdenken und Systembegriff in derJurispru-denz,pp. 50, 53 e 55.19 Ronald Dworkin, "The model of rules", University ofChicago Law Review 35/14 e ss.20 Ronald Dworkin, "The model of rules", University of Chicago Law Review 35/22, e "Is law a system of rules?", in The PhilosophyofLaw,p. 43.21 Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, 6* tir.,p. 26, e "Is law a system of rules?", in The Philosophy ofLaw,p. 45.22Ronald Dworkin, Taking Righs Seriously, 6* tir., p. 26.23 "Zum Begriffdes Rechtsprinzips", inArgumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz, Rechtstheorie, Beiheft 1/65.24 Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechtsprinzips", in Argumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz, Rechtstheorie, Beiheft1/59 e ss.; Recht, Verfunft, Diskurs, p. 177; "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien",Archives Rechts und Sozial-philosophie, Beiheft25/19 e ss.; "Rechtssystem und praktische Vernunft", in Recht, Vernunft, Diskurs,pp. 216-217; e Theorie der Gmndrechte, 2a ed., pp.77 e ss.25 Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien",Archives Rechts und Sozialphilosophie, Beiheft 25/17.26 24. Idem, p. 18.27 Idem, ibidem.28 Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 2a ed., pp. 80 e 83, e "Zum Begriffdes Rechtsprinzips", inArgumentation und Hermeneutikin der Jurisprudenz, Rechtstheorie, Beiheft 1/70.29 Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts und Sozialphilosophie, Beiheft 25/19, e "Zum BegriffdesRechtsprinzips", inArgumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz, Rechtstheorie, Beiheft 1/70.30 Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien",Archives Rechts und Sozialphilosophie, Beiheft 25/21.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    10/152

    antes mencionados, na medida em que se qualifica como axiolgica a fundamentao exercida pelos princpiose se predica como distintivo seu modo de interao. Regras so normas, que podem ou no podem serrealizadas. Quando uma regra vale, ento determinado fazer exatamente o que ela exige, nada mais e nadamenos."31 As regras jurdicas, como o afirmado, so normas cujas premissas so, ou no, diretamente

    preenchidas, e no caso de coliso ser a contradio solucionada seja pela introduo de uma exceo regra,de modo a excluir o conflito, seja pela decretao de invalidade de uma das regras envolvidas.32

    A distino entre princpios e regras - segundo Alexy - no pode ser baseada no modo tudo ou nada deaplicao proposto por Dworkin, mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferena quanto coliso, na

    medida em que os princpios colidentes apenas tm sua realizao normativa limitada reciprocamente, aocontrrio das regras, cuja coliso solucionada com a declarao de invalidade de uma delas ou com a aberturade uma exceo que exclua a antinomia; diferena quanto obrigao que instituem,j que as regras instituemobrigaes absolutas, no superadas por normas contrapostas, enquanto os princpios instituem obrigaes

    prima facie, na medida em que podem ser superadas ou derrogadas em funo dos outros princpioscolidentes.33

    Essa evoluo doutrinria, alm de indicar que h distines fracas (Esser, Larenz, Canaris) e fortes(Dworkin, Alexy) entre princpios e regras, demonstra que os critrios usualmente empregados para a distinoso os seguintes:

    Em primeiro lugar, h o critrio do carter hipottico-condicional, que se fundamenta no fato de asregras possurem uma hiptese e uma conseqncia que predeterminam a deciso, sendo aplicadas ao modose,

    ento, enquanto os princpios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para futuramenteencontrar a regra para o caso concreto. Dworkin afirma: "Se os fatos estipulados por uma regra ocorrem, entoou a regra vlida, em cujo caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou ela no , em cujo caso ela emnada contribui para a deciso".34 Caminho no muito diverso tambm seguido por Alexy quando define asregras como normas cujas premissas so, ou no, diretamente preenchidas.35

    Em segundo lugar, h o critrio do modo final de aplicao, que se sustenta no fato de as regras seremaplicadas de modo absoluto tudo ou nada, ao passo que os princpios so aplicados de modo gradual mais oumenos.

    Em terceiro lugar, o critrio do relacionamento normativo, que se fundamenta na idia de a antinomiaentre as regras consubstanciar verdadeiro conflito, solucionvel com a declarao de invalidade de uma dasregras ou com a criao de uma exceo, ao passo que o relacionamento entre os princpios consiste numimbricamento, solucionvel mediante ponderao que atribua uma dimenso de peso a cada um deles.

    Em quarto lugar, h o critrio do fundamento axiolgico, que considera os princpios, ao contrrio dasregras, como fundamentos axiolgicos para a deciso a ser tomada.

    Todos esses critrios de distino so importantes, pois apontam para qualidades dignas de seremexaminadas pela Cincia do Direito. Isso no nos impede, porm, de investigar modos de aperfeioamentodesses critrios de distino, no no sentido de desprezar sua importncia e, muito menos ainda, de negar omrito das obras que os examinaram; mas, em vez disso, naquele de confirmar sua valia pela forma maisadequada para demonstrar considerao e respeito cientficos: a crtica.

    2.3 CRITRIOS DE DISTINO ENTRE PRINCPIOS E REGRAS

    2.3.1 Critrio do "carter hipottico-condicional"

    2.3.1.1 Contedo

    Segundo alguns autores os princpios poderiam ser distinguidos das regras pelo carter hipottico-condicional,pois, para eles, as regras possuem uma hiptese e uma conseqncia que predeterminam a deciso,sendo aplicadas ao modo se, ento; os princpios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador

    para, futuramente, encontrar a regra aplicvel ao caso concreto.Esser definiu os princpios como normas que estabelecem fundamentos para que determinado

    31 Robert Alexy, "Rechtssystem und praktische Vernunft", inRecht, Ver-nunft, Diskurs,pp. 216-217, e Theorie der Gnmdrechte, 2a ed.,

    p. 77.32 30. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien",Archives Rechts und Sozialphilosophie, Beiheft 25/20.33Takings Rights Seriously, 6a tir., p. 24: "If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answerit supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision".3435 "Rechtssystem und praktische Vernunft", inRecht, Vernunft, Diskurs,pp. 216-217, e Theorie der Grundrechte, 2a ed., p. 77.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    11/152

    mandamento seja encontrado, enquanto, para ele, as regras determinam a prpria deciso. Larenz definiu osprincpios como normas de grande relevncia para o ordenamento jurdico, na medida em que estabelecemfundamentos normativos para a interpretao e aplicao do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente,normas de comportamento.36

    2.3.1.2 Anlise crtica

    O critrio diferenciador referente ao carter hipottico-condicional relevante na medida em que

    permite verificar que as regras possuem um elemento frontalmente descritivo, ao passo que os princpios apenasestabelecem uma diretriz. Esse critrio no , porm, infenso a crticas.Em primeiro lugar porque esse critrio impreciso. Com efeito, embora seja correta a afirmao de que

    os princpios indicam um primeiro passo direcionador de outros passos para a obteno ulterior da regra, essadistino no fornece fundamentos que indiquem o que significa dar umprimeiro passopara encontrar a regra.Assim enunciado, esse critrio de distino ainda contribui para que o aplicador compreenda a regra como,desde j, fornecendo o ltimo passo para a descoberta do contedo normativo. Isso, no entanto, no verdadeiro, na medida em que o contedo normativo de qualquer norma - quer regra, quer princpio - dependede possibilidades normativas e fticas a serem verificadas no processo mesmo de aplicao. Assim, o ltimo

    passo no dado pelo dispositivo nem pelo significado preliminar da norma, mas pela deciso interpretativa,como ser adiante aprofundado.

    Em segundo lugar porque a existncia de uma hiptese de incidncia questo de formulaolingstica e, por isso, no pode ser elemento distintivo de uma espcie normativa. De fato, algumas normas queso qualificveis, segundo esse critrio, como princpios podem ser reformuladas de modo hipottico, comodemonstram os seguintes exemplos: "Se o poder estatal for exercido, ento deve ser garantida a participaodemocrtica" (princpio democrtico); "Se for desobedecida a exigncia de determinao da hiptese deincidncia de normas que instituem obrigaes, ento o ato estatal ser considerado invlido" (princpio datipicidade).37

    Esses exemplos demonstram que a existncia de hiptese depende mais do modo de formulao do quepropriamente de uma caracterstica atribuvel empiricamente a apenas uma categoria de normas. Alm disso, ocritrio do carter hipottico-condicionalparte do pressuposto de que a espcie de norma e seus atributosnormativos decorrem necessariamente do modo de formulao do dispositivo objeto de interpretao, como sea forma de exteriorizao do dispositivo (objeto da interpretao) predeterminasse totalmente o modo como anorma (resultado da interpretao) vai regular a conduta humana ou como dever ser aplicada. Percebem-se, a,uma manifesta confuso entre dispositivo e norma e uma evidente transposio de atributos dos enunciadosformulados pelo legislador para os enunciados formulados pelo intrprete.

    Em terceiro lugar, mesmo que determinado dispositivo tenha sido formulado de modo hipottico peloPoder Legislativo, isso no significa que no possa ser havido pelo intrprete como um princpio. A relaoentre as normas Constitucionais e os fins e os valores para cuja realizao elas servem de instrumento no estconcluda antes da interpretao, nem incorporada ao prprio texto constitucional antes da interpretao. Essarelao deve ser, nos limites textuais e contextuais, coerentemente construda pelo prprio intrprete. Por isso,no correto afirmar que um dispositivo constitucional contm ou um princpio ou uma regra, ou quedeterminado dispositivo, porque formulado dessa ou daquela maneira, deve ser considerado como um princpioou como uma regra. Como o intrprete tem a funo de medir e especificar a intensidade da relao entre odispositivo interpretado e os fins e valores que lhe so, potencial e axiologicamente, sobrejacentes, ele podefazer a interpretao jurdica de um dispositivo hipoteticamente formulado como regra ou como princpio. Tudodepende das conexes valorativas que, por meio da argumentao, o intrprete intensifica ou deixa deintensificar e da finalidade que entende deva ser alcanada. Para tanto, basta a simples conferncia de algunsexemplos de dispositivos formulados hipoteticamente que ora assumem a feio de regras, ora a de princpios.

    O dispositivo constitucional segundo o qual se houver instituio ou aumento de tributo, ento ainstituio ou aumento deve ser veiculado por lei, aplicado como regra se o aplicador, visualizando o aspectoimediatamente comportamental, entend-lo como mera exigncia de lei em sentido formal para a validade dacriao ou aumento de tributos; da mesma forma, pode ser aplicado como princpio se o aplicador,

    desvinculando-se do comportamento a ser seguido no processo legislativo, enfocar o aspecto teleolgico, econcretiz-lo como instrumento de realizao do valorliberdadepara permitir o planejamento tributrio e para

    36Richtiges Recht,p. 26, e Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 6a ed., p. 474.37 Katharina Sobota, Das Prinzip Rechtsstaat, p. 415; Manfred Stelzer, Das Wesensgehaltsargument und der Grundsatz derVerhltnismfiigkeit, p. 215.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    12/152

    proibir a tributao por meio de analogia, e como meio de realizao do valorsegurana, para garantir a previsibilidade pela determinao legal dos elementos da obrigao tributria e proibir a edio deregulamentos que ultrapassem os limites legalmente traados.

    O dispositivo constitucional segundo o qual se houver instituio ou aumento de tributos, ento spodem ser abrangidos fatos geradores ocorridos aps o incio da vigncia da lei que os houver institudo ouaumentado, aplicado como regra se o aplicador entend-lo como mera exigncia de publicao de lei antes daocorrncia do fato gerador do tributo, e pode ser aplicado como princpio se o aplicador concretiz-lo com afinalidade de realizar o valorsegurana para proibir o aumento de tributo no meio do exerccio financeiro em

    que a realizao do fato gerador peridico j se iniciou, ou com o objetivo de realizar o valor confianaparaproibir o aumento individual de alquotas, quando o Poder Executivo publicou decreto anterior prometendobaix-las.

    O dispositivo constitucional segundo o qualse houver instituio ou aumento de tributos, ento s podehaver cobrana no exerccio seguinte quele em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, aplicado como regra se o aplicador entend-lo como mera exigncia de publicao da lei antes do incio doexerccio financeiro da cobrana, ou comoprincpio se o aplicador concretiz-lo com a finalidade de realizar ovalorprevisibilidade para proibir o aumento de tributo quando o contribuinte no tenha condies objetivasmnimas de conhecer o contedo das normas que estar sujeito a obedecer, ou para postergar o reinicio dacobrana de tributo cuja iseno foi revogada no curso do exerccio financeiro.

    Os exemplos antes referidos atestam que o decisivo para uma norma ser qualificada como princpio no

    ser construda a partir de um dispositivo exteriorizado por uma hiptese normativa pretensamentedeterminada. De um lado, qualquer norma pode ser reformulada de modo a possuir uma hiptese de incidnciaseguida de uma conseqncia.38 De outro lado, em qualquer norma, mesmo havendo uma hiptese seguida deuma conseqncia, h referncia a fins. Enfim, o qualificativo de princpio ou de regra depende do usoargumentativo, e no da estrutura hipottica.39

    Alm disso, no correto afirmar que os princpios, ao contrrio das regras, no possuem nemconseqncias normativas, nem hipteses de incidncia. Os princpios tambm possuem conseqnciasnormativas. De um lado, a razo (fim, tarefa) qual o princpio se refere deve ser julgada relevante diante docaso concreto.40De outro, o comportamento necessrio para a realizao ou preservao de determinado estadoideal de coisas (Idealzustand) deve ser adotado.41 Os deveres de atribuir relevncia ao fim a ser buscado e deadoo de comportamentos necessrios realizao do fim so conseqncias normativas importantssimas.Ademais, apesar de os princpios no possurem um carter frontalmente descritivo de comportamento, no se

    pode negar que sua interpretao pode, mesmo em nvel abstrato, indicar as espcies de comportamentos aserem adotados, especialmente se for feita uma reconstruo dos casos mais importantes.

    O ponto decisivo no , pois, a ausncia da prescrio de comportamentos e de conseqncias no casodos princpios, mas o tipo da prescrio de comportamentos e de conseqncias, o que algo diverso.

    2.3.2 Critrio do "modo final de aplicao"

    2.3.2 .1 Contedo

    Segundo alguns autores os princpios poderiam ser distinguidos das regras pelo critrio do modo finalde aplicao, pois, para eles, as regras so aplicadas de modo absoluto tudo ou nada, ao passo que os

    princpios, de modo gradual mais ou menos.Dworkin afirma que as regras so aplicadas de modo tudo ou nada (all-or-nothing) no sentido de que, se

    a hiptese de incidncia de uma regra preenchida, ou a regra vlida e a conseqncia normativa deve seraceita, ou ela no considerada vlida. Os princpios, ao contrrio, no determinam absolutamente a deciso,mas somente contm fundamentos, que devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros

    princpios.42Segundo ele, se os fatos estipulados por uma regra ocorrem, ento ou a regra vlida, em cujo casoa resposta que ela fornece deve ser aceita, ou deve ser encontrada uma exceo a essa regra .43

    38 Frederick Schauer, Playing by the Rides. A Philosophcal Examination of Rule-BasedDecision-Making in Law and in Life, p. 23;Riccardo Guastini,Distin-guendo: Studi dei Teoria e Metateoria dei Diritto,p. 120.39 Manfred Stelzer, Das Wesensgehaltsargument...,p. 215.40 Torstein Eckhoff, "Legal principies", inPrescriptive Formality and Norma-tive Rationality in Modem Legal Systems. Festschrift forRobert S. Summers,p. 38.41 Georg Henrik von Wright, "Sein und Sollen", inNormen, Werte undHan-dhmgen, p. 36.42 Ronald Dworkin, Taking Righs Seriousfy, 6a tir., p. 26, e "Is law a system of rules?", in The Philosophy ofLaw,p. 45.43 Ronald Dworkin, Takings Rights Seriousfy, 6a tir., p. 24.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    13/152

    Alexy, apesar de atribuir importncia criao de excees e de salientar o seu distinto carterprimafacie, define as regras como normas cujas premissas so ou no diretamente preenchidas e que no podem nemdevem ser ponderadas.44 Segundo o autor, as regras instituem obrigaes definitivas, j que no superveis pornormas contrapostas, enquanto os princpios instituem obrigaes prima facie, na medida em que podem sersuperadas ou derrogadas em funo de outros princpios colidentes.45

    2.3.2.2 Anlise crtica

    O critrio do modo final de aplicao, embora tenha chamado a ateno para aspectos importantes dasnormas jurdicas, pode ser parcialmente reformulado. Seno, vejamos.Inicialmente preciso demonstrar que o modo de aplicao no est determinado pelo texto objeto de

    interpretao, mas decorrente de conexes axiolgicas que so construdas (ou, no mnimo, coerentementeintensificadas) pelo intrprete, que pode inverter o modo de aplicao havido inicialmente como elementar.Com efeito, muitas vezes o carter absoluto da regra completamente modificado depois da considerao detodas as circunstncias do caso. s conferir alguns exemplos de normas que preliminarmente indicam ummodo absoluto de aplicao mas que, com a considerao a todas as circunstncias, terminam por exigir um

    processo complexo de ponderao de razes e contra-razes.De um lado, h normas cujo contedo normativo preliminar estabelece limites objetivos, cujo

    descumprimento aparenta impor, de modo absoluto, a implementao da conseqncia. Essa obrigao, dita

    absoluta, no impede, todavia, que outras razes contrrias venham a se sobrepor em determinados casos.Vejam-se alguns exemplos.

    A norma construda a partir do art. 224 do Cdigo Penal, ao prever o crime de estupro, estabelece umapresuno incondicional de violncia para o caso de a vtima ter idade inferior a 14 anos. Se for praticada umarelao sexual com menor de 14 anos, ento deve ser presumida a violncia por parte do autor. A norma no

    prev qualquer exceo. A referida norma, dentro do padro classificatrio aqui examinado, seria uma regra, e,como tal, instituidora de uma obrigao absoluta: se a vtima for menor de 14 anos, e a regra for vlida, oestupro com violncia presumida deve ser aceito. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar um casoem que a vtima tinha 12 anos, atribuiu tamanha relevncia a circunstncias particulares no previstas pelanorma, como a aquiescncia da vtima ou a aparncia fsica e mental de pessoa mais velha, que terminou porentender, preliminarmente, como no configurado o tipo penal, apesar de os requisitos normativos expressosestarem presentes.46 Isso significa que a aplicao revelou que aquela obrigao, havida como absoluta, foisuperada por razes contrrias no previstas pela prpria ou outra regra.

    A norma construda a partir do inciso II do art. 37 da Constituio Federal estabelece que a investiduraem cargo ou emprego pblico depende de aprovao prvia em concurso pblico de provas ou de provas ettulos. Se for feita admisso de funcionrio pblico, ento essa investidura dever ser precedida de concurso

    pblico; caso contrrio essa investidura dever ser declarada invlida. Alm disso, o responsvel pelacontratao ter, conforme a lei, praticado ato de improbidade administrativa, com vrias conseqncias,inclusive o ingresso da ao penal cabvel. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal deixou de darseguimento ao cabvel ao julgar caso em que a prefeita de um Municpio foi denunciada porque, quandoexercia a chefia do Poder Executivo Municipal, contratou sem concurso pblico um cidado para a prestao deservios como gari pelo perodo de nove meses. No julgamento do habeas corpus considerou-se inexistentequalquer prejuzo para o Municpio em decorrncia desse caso isolado. Alm disso, considerou-se atentatrio ordem natural das coisas, e, por conseguinte, ao princpio da razoabilidade, exigir a realizao de concurso

    pblico para uma nica admisso para o exerccio de atividade de menor hierarquia.47 Nesse caso, a regrasegundo a qual necessrio concurso pblico para contratao de agente pblico incidiu, mas a conseqnciado seu descumprimento no foi aplicada (invalidade da contratao e, em razo de outra norma, prtica de atode improbidade) porque a falta de adoo do comportamento por ela previsto no comprometia a promoo dofim que a justificava (proteo do patrimnio pblico). Dito de outro modo: segundo a deciso, o patrimnio

    pblico no deixaria de ser protegido pela mera contratao de um gari por tempo determinado.A legislao tributria federal estabelecia que o ingresso no programa de pagamento simplificado de

    tributos federais implicava a proibio de importao de produtos estrangeiros. Se fosse feita importao, ento

    a empresa seria excluda do programa de pagamento simplificado. Uma pequena fbrica de sofs, enquadrada44 "Rechtssystem und praktische Vernunft", inRecht, Vernunft, Diskurs,pp. 216-217, e Theorie der Grundrechte, 2a ed., p. 77.45 Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien'', inArchives Rechts und Sozialphilosophie, Beiheft 25/20.46 2 Turma, HC 73.662-9, rei. Min. Marco Aurlio,DJU20.9.1996.47 2 Turma, HC 77.003-4, rei. Min. Marco Aurlio,DJU11.9.1998.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    14/152

    como empresa de pequeno porte para efeito de pagar conjuntamente os tributos federais, foi excluda dessemecanismo por ter infringido a condio legal de no efetuar a importao de produtos estrangeiros., De fato, aempresa efetuou uma importao. A importao, porm, foi de quatro ps de sofs, para um s sof, uma nicavez. Recorrendo da deciso, a excluso foi anulada por violar a razoabilidade, na medida em que umainterpretao dentro do razovel indica que a interpretao deve ser feita "em consonncia com aquilo que,

    para o senso comum, seria aceitvel perante a lei".48 Nesse caso, a regra segundo a qual proibida a importaopara a permanncia no regime tributrio especial incidiu, mas a conseqncia do seu descumprimento no foiaplicada (excluso do regime tributrio especial), porque a falta de adoo do comportamento por ela previsto

    no comprometia a promoo do fim que a justificava (estmulo da produo nacional por pequenas empresas).Dito de outro modo: segundo a deciso, o estmulo produo nacional no deixaria de ser promovido pelamera importao de alguns ps de sof.

    Os casos acima enumerados, aos quais outros poderiam ser somados, indicam que a conseqnciaestabelecida prima faciepela norma pode deixar de ser aplicada em face de razes substanciais consideradas

    pelo aplicador, mediante condizente fundamentao, como superiores quelas que justificam a prpria regra.Ou se examina a razo que fundamenta a prpria regra (rule's purpose) para compreender, restringindo ouampliando, o contedo de sentido da hiptese normativa, ou se recorre a outras razes, baseadas em outrasnormas, para justificar o descumprimento daquela regra (overniling). Essas consideraes bastam parademonstrar que no adequado afirmar que as regras "possuem" um modo absoluto "tudo ou nada" deaplicao. Tambm as normas que aparentam indicar um modo incondicional de aplicao podem ser objeto de

    superao por razes no imaginadas pelo legislador para os casos normais. A considerao de circunstnciasconcretas e individuais no diz respeito estrutura das normas, mas sua aplicao; tanto os princpios como asregras podem envolver a considerao a aspectos especficos, abstratamente desconsiderados. 49

    De outro lado, h regras que contm expresses cujo mbito de aplicao no (total e previamente)delimitado, ficando o intrprete encarregado de decidir pela incidncia ou no da norma diante do casoconcreto. Nessas hipteses o carter absoluto da regra se perde em favor de um modo mais ou menos deaplicao. O livro eletrnico um bom exemplo de que somente um complexo processo de ponderao deargumentos a favor e contra sua incluso no mbito da regra de imunidade permite decidir pela imunidaderelativa a impostos.50

    Todas essas consideraes demonstram que a afirmao de que as regras so aplicadas ao modo tudo ounada s tem sentido quando todas as questes relacionadas validade, ao sentido e subsuno final dos fatos

    j estiverem superadas.51 Mesmo no caso de regras essas questes no so facilmente solucionadas. Isso porquea vagueza no trao distintivo dos princpios, mas elemento comum de qualquer enunciado prescritivo, sejaele um princpio, seja ele uma regra.52

    Nessa direo, importa dizer que a caracterstica especfica das regras (implementao de conseqncia predetenninada) s pode surgir aps sua interpretao. Somente nesse momento que podem sercompreendidas se e quais as conseqncias que, no caso de sua aplicao a um caso concreto, serosupostamente implementadas. Vale dizer: a distino entre princpios e regras no pode ser baseada no supostomtodo tudo ou nada de aplicao das regras, pois tambm elas precisam, para que sejam implementadas suasconseqncias, de um processo prvio - e, por vezes, longo e complexo como o dos princpios - deinterpretao que demonstre quais as conseqncias que sero implementadas. E, ainda assim, s a aplicaodiante do caso concreto que ir corroborar as hipteses anteriormente havidas como automticas. Nessesentido, aps a interpretao diante de circunstncias especficas (ato de aplicao), tanto as regras quanto os

    princpios, em vez de se estremarem, se aproximam.53 A nica diferena constatvel continua sendo o grau deabstrao anterior interpretao (cuja verificao tambm depende de prvia interpretao): no caso dos

    princpios o grau de abstrao maior relativamente norma de comportamento a ser determinada, j que elesno se vinculam abstratamente a uma situao especfica (por exemplo, princpio democrtico, Estado deDireito); no caso das regras as conseqncias so de pronto verificveis, ainda que devam ser corroboradas pormeio do ato de aplicao. Esse critrio distintivo entre princpios e regras perde, porm, parte de suaimportncia quando se constata, de um lado, que a aplicao das regras tambm depende da conjuntainterpretao dos princpios que a elas digam respeito (por exemplo, regras do procedimento legislativo em48 2 Conselho de Contribuintes, 2a Cmara, Processo 13003.000021/99-14, sesso de 18.10.2000.49 Klaus Gnther,Der Sinn fiir Angemessenheit. Anwendungsdiskurse in Moral und Recht,p. 270.50 Humberto Bergmann vila, "Argumentao jurdica e a imunidade dos livros eletrnicos",RDTributrio 79/163-183.51 Sobre essa ressalva, tambm Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechtsprin-zips", in Argumentation und Hermeneutik in derJurisprudenz, Rechtstheorie, Beiheft 1/71.52 Riccardo Guastini,Distinguendo:...,p. 120; Afonso Figueroa,Princpios y Positivismo Jurdico,p. 140.53 Sobre o assunto, v. Alfonso Figueroa,Princpios y Positivismo Jurdico,p. 152.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    15/152

    correlao com o princpio democrtico) e, de outro, que os princpios normalmente requerem acomplementao de regras para serem aplicados.

    O importante que tanto os princpios quanto as regras permitem a considerao de aspectos concretose individuais. No caso dos princpios essa considerao de aspectos concretos e individuais feita semobstculos institucionais, na medida em que os princpios estabelecem um estado de coisas que deve ser

    promovido sem descrever, diretamente, qual o comportamento devido. O interessante que ofim, independenteda autoridade, funciona como razo substancial para adotar os comportamentos necessrios sua promoo.Adota-se um comportamento porque seus efeitos contribuem para promover o fim. Os princpios poderiam ser

    enquadrados na qualidade de normas que geram, para a argumentao, razes substanciais (substantivereasons) ou razes finalsticas (goal reasons).54Por exemplo, a interpretao do princpio da moralidade irindicar que a seriedade, a motivao e a lealdade compem o estado de coisas, e que comportamentos srios,esclarecedores e leais so necessrios. O princpio, porm, no indicar quais so, precisamente, essescomportamentos.

    J no caso das regras a considerao a aspectos concretos e individuais s pode ser feita com umafundamentao capaz de ultrapassar a trincheira decorrente da concepo de que as regras devem serobedecidas.55 a prpria regra que funciona como razo para a adoo do comportamento. Adota-se ocomportamento porque, independentemente dos seus efeitos, correto. A autoridade proveniente da instituioe da vigncia da regra funciona como razo de agir. As regras poderiam ser enquadradas na qualidade denormas que geram, para a argumentao, razes de correo (rightness reasons) ou razes autoritativas

    (authority reasons). Para seguir com um exemplo j utilizado, a violncia sexual s deixa de ser presumida sehouver motivos extravagantes com forte apelo justificativo, como a aquiescncia manifesta da vtima e aaparncia fsica e mental de pessoa mais velha. Enfim, no caso da aplicao de regras o aplicador tambm podeconsiderar elementos especficos de cada situao, embora sua utilizao dependa de um nus de argumentaocapaz de superar as razes para cumprimento da regra. A ponderao , por conseqncia, necessria. Issosignifica que o trao distintivo no o tipo de obrigao institudo pela estrutura condicional da norma, seabsoluta ou relativa, que ir enquadr-la numa ou noutra categoria de espcie normativa. o modo como ointrprete justifica a aplicao dos significados preliminares dos dispositivos, se frontalmente finalistco oucomportamental, que permite o enquadramento numa ou noutra espcie normativa.

    Importa ressaltar, outrossim, que tambm no coerente afirmar, como fazem Dworkin e Alexy, cadaqual a seu modo, que, se a hiptese prevista por uma regra ocorrer no plano dos fatos, a conseqncianormativa deve ser diretamente implementada.56 De um lado, h casos em que as regras podem ser aplicadassem que suas condies sejam satisfeitas. E o caso da aplicao analgica de regras: nesses casos, as condiesde aplicabilidade das regras no so implementadas, mas elas so, ainda assim, aplicadas s porque os casos noregulados assemelham-se aos casos previstos na hiptese normativa que justifica a aplicao da regra. E hcasos em que as regras no so aplicadas apesar de suas condies terem sido satisfeitas. o caso decancelamento da razo justificadora da regra por razes consideradas superiores pelo aplicador diante do casoconcreto.57 Isso significa, pois, que ora as condies de aplicabilidade da regra no so preenchidas, e a regramesmo assim aplicada; ora as condies de aplicabilidade da regra so preenchidas e a regra, ainda assim, no aplicada. Rigorosamente, portanto, no plausvel sustentar que as regras so normas cuja aplicao certaquando suas premissas so preenchidas.

    Costuma-se afirmar tambm que as regras so ou no aplicadas, de modo integral, enquanto osprincpios podem ser aplicados mais ou menos. Trata-se de proposio interessante, mas que pode seraperfeioada. Com efeito, quando se sustenta que as regras so aplicadas integralmente focaliza-se ocomportamento descrito como poder ser ou no cumprido; quando se defende que os princpios so aplicadosmais ou menos centra-se a anlise, em virtude da ausncia de descrio da conduta devida, no estado de coisasque pode ser mais ou menos atingido. Isso significa, porm, que no so os princpios que so aplicados deforma gradual, mais ou menos, mas o estado de coisas que pode ser mais ou menos aproximado, dependendoda conduta adotada como meio. Mesmo nessa hiptese, porm, o princpio ou no aplicado: ou ocomportamento necessrio realizao ou preservao do estado de coisas adotado, ou no adotado. Porisso, defender que os princpios sejam aplicados de forma gradual baralhar a norma com os aspectos54 Robert Summers, "Two types of substantive reasons: the core of a theory of common-law justification", The Jurispnidence of Law 's

    Form and Substance (Collected Essays in Law),pp. 155-236 (224); Neil MacCormick, "Argumentation and interpretation in law",Ratio Jris 6/17, n. 1.55 Frederick Schauer,Playing by the Rules....,pp. 38 e ss.56 Ronald Dworkin, Takings Rights Seriously, 6a tir., p. 24; Robert Alexy, "Rechtssystem und praktische Vernunft", in Recht, Verminft,Diskurs,pp. 216-217, e Theorie der Grundrechte, 2a ed., p. 77.57 Jaap. C. Hage,Reasoning with Ihtles. An Essay on Legal Reasoning and its Underlying Logic,pp. 5 e 118.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    16/152

    exteriores, necessrios sua aplicao.O ponto decisivo no , portanto, o suposto carter absoluto das obrigaes estatudas pelas regras, mas

    o modo como as razes que impem a implementao das suas conseqncias podem ser validamenteultrapassadas; nem a falta de considerao a aspectos concretos e individuais pelas regras, mas o modo comoessa consideraro dever ser validamente fundamentada - o que algo diverso.

    2.3.3 Critrio do "conflito normativo"

    2.3.3.1 Contedo

    Segundo alguns autores os princpios poderiam ser distinguidos das regras pelo modo como funcionamem caso de conflito normativo,pois, para eles, a antinomia entre as regras consubstancia verdadeiro conflito, aser solucionado com a declarao de invalidade de uma das regras ou com a criao de uma exceo, ao passoque o relacionamento entre os princpios consiste num imbricamento, a ser decidido mediante uma ponderaoque atribui uma dimenso de peso a cada um deles. Canaris, alm de evidenciar o contedo axiolgico dos

    princpios, distingue os princpios das regras em razo do modo de interao com outras normas: os princpios,ao contrrio das regras, receberiam seu contedo de sentido somente por meio de um processo dialtico decomplementao e limitao.58

    Dworkin sustenta que os princpios, ao contrrio das regras, possuem uma dimenso de peso que se

    exterioriza na hiptese de coliso, caso em que o princpio com peso relativo maior se sobrepe ao outro, semque este perca sua validade.59

    Alexy afirma que os princpios jurdicos consistem apenas em uma espcie de norma jurdica por meioda qual so estabelecidos deveres de otimizao, aplicveis em vrios graus, segundo as possibilidadesnormativas e fticas.60 No caso de coliso entre os princpios a soluo no se resolve com a determinaoimediata de prevalncia de um princpio sobre outro, mas estabelecida em funo da ponderao entre os

    princpios colidentes, em funo da qual um deles, em determinadas circunstncias concretas, recebe aprevalncia.61 Essa espcie de tenso e o modo como ela resolvida o que distingue os princpios das regras:enquanto no conflito entre regras preciso verificar se a regra est dentro ou fora de determinada ordem

    jurdica, naquele entre princpios o conflito j se situa no interior dessa mesma ordem.62

    2.3.3.2 Anlise crtica

    A anlise do modo de conflito normativo tambm se constitui em um passo decisivo no aprimoramentodo estudo das espcies normativas. Apesar disso, preciso aperfeio-lo. Isso porque no apropriado afirmarque a ponderao mtodo privativo de aplicao dos princpios, nem que os princpios possuem umadimenso de peso.

    Com efeito, a ponderao no mtodo privativo de aplicao dos princpios. A ponderao oubalanceamento (weighing and balancing, Abwagung), enquanto sopesamento de razes e contra-razes queculmina com a deciso de interpretao, tambm pode estar presente no caso de dispositivos hipoteticamenteformulados, cuja aplicao preliminarmente havida como automtica (no caso de regras, consoante o critrioaqui investigado), como se comprova mediante a anlise de alguns exemplos.

    Em primeiro lugar, a atividade de ponderao ocorre na hiptese de regras que abstratamente convivem,mas concretamente podem entrar em conflito. Costuma-se afirmar que quando duas regras entram em conflito,de duas, uma: ou se declara a invalidade de uma das regras, ou se abre uma exceo a uma das regras de modoa contornar a incompatibilidade entre elas. Em razo disso, sustenta-se que as regras entram em conflito no

    plano abstrato, e a soluo desse conflito insere-se na problemtica da validade das normas. J quando doisprincpios entram em conflito deve-se atribuir uma dimenso de peso maior a um deles. Por isso, assevera-seque os princpios entram em conflito no plano concreto, e a soluo desse conflito insere-se na problemtica daaplicao.58Systemdenken...,pp. 50, 53 e 55.59Taking Righs Seriously, 6a tir., p. 26.60 "Zum Begriff des Rechtsprinzips", inArgumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz, Rechtstheorie, Beiheft 1/59 e ss.;Recht,Verfunft, Diskurs,p. 177; "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", in Archives Rechts und Sozialphilosophie, Beiheft 25/19 e ss.;"Rechtssystem und praktische Vernunft", inRecht, Vernunft, Diskurs,pp. 216-217; e Theorie der Grundrechte, 2a ed., pp. 77 e ss.61 RobertAlexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien",Archives Rechts und Sozialphilosophie, Beiheft 25/17.62 Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts und Sozialphilosophie, Beiheft 25/19, e "Zum Begriff desRechtsprinzips", inArgumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz. Rechtstheorie, Beiheft 1/70.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    17/152

    Embora tentador, e amplamente difundido, esse entendimento merece ser repensado. Isso porque emalguns casos as regras entram em conflito sem que percam sua validade, e a soluo para o conflito depende daatribuio de peso maior a uma delas. Dois exemplos podem esclarecer.

    Primeiro exemplo: uma regra doCdigo de tica Mdica determina que o mdico deve dizer para seupaciente toda a verdade sobre sua doena, e outra estabelece que o mdico deve utilizar todos os meiosdisponveis para curar seu paciente. Mas como deliberar o que fazer no caso em que dizer a verdade ao pacientesobre sua doena ir diminuir as chances de cura, em razo do abalo emocional da decorrente? O mdico devedizer ou omitir a verdade? Casos hipotticos como esse no s demonstram que o conflito entre regras no

    necessariamente estabelecido em nvel abstrato, mas pode surgir no plano concreto, como ocorre normalmentecom os princpios. Esses casos tambm indicam que a deciso envolve uma atividade de sopesamento entrerazes.63

    Segundo exemplo: uma regra probe a concesso de liminar contra a Fazenda Pblica que esgote oobjeto litigioso (art. 1o da Lei 9.494/ 1997). Essa regra probe ao juiz determinar, por medida liminar, ofornecimento de remdios pelo sistema de sade a quem deles necessitar para viver. Outra regra, porm,determina que o Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que no

    puderem prover as despesas com os referidos medicamentos (art. 1 da Lei Estadual 9.908/1993). Essa regraobriga a que o juiz determine, inclusive por medida liminar, o fornecimento de remdios pelo sistema de sadea quem deles necessitar para viver.64 Embora essas regras instituam comportamentos contraditrios, umadeterminando o que a outra probe, elas ultrapassam o conflito abstrato mantendo sua validade. No

    absolutamente necessrio declarar a nulidade de uma das regras, nem abrir uma exceo a uma delas. No h aexigncia de colocar uma regra dentro e outra fora do ordenamento jurdico. O que ocorre um conflitoconcreto entre as regras, de tal sorte que o julgador dever atribuir um peso maior a uma das duas, em razo dafinalidade que cada uma delas visa a preservar: ou prevalece a finalidade de preservar a vida do cidado, ou sesobrepe a finalidade de garantir a intangibilidade da destinao j dada pelo Poder Pblico s suas receitas.Independentemente da soluo a ser dada - cuja anlise ora impertinente -, trata-se de um conflito concretoentre regras, cuja soluo, sobre no estar no nvel da validade, e sim no plano da aplicao, depende de uma

    ponderao entre as finalidades que esto em jogo. preciso, pois, aperfeioar o entendimento de que o conflito entre regras um conflito necessariamente

    abstrato, e que quando duas regras entram em conflito deve-se declarar a invalidade de uma delas ou abrir umaexceo. Trata-se de qualidade contingente; no necessria.

    Em segundo lugar, as regras tambm podem ter seu contedo preliminar de sentido superado por razescontrrias, mediante um processo de ponderao de razes.65Ademais, isso ocorre nas hipteses de relaodntre a regra e suas excees. A exceo pode estar prevista no prprio ordenamento jurdico, hiptese em queo aplicador dever, mediante ponderao de razes, decidir se h mais razes para a aplicao da hiptesenormativa da regra ou, ao contrrio, para a de sua exceo. Por exemplo, a legislao de um Municpio, aoinstituir regras de trnsito, estabelece que a velocidade mxima no permetro urbano de 60 km/h. Se algumveculo for fotografado, por mecanismos de medio eletrnica, trafegando acima dessa velocidade, serobrigado a pagar uma multa. A mencionada norma, dentro da tipologia aqui analisada, seria uma regra, e, comotal, instituidora de uma obrigao absoluta que independe de ponderao de razes a favor e contra suautilizao: se o veculo ultrapassar a velocidade-limite e se a regra for vlida, a penalidade deve ser imposta.Mesmo assim, o Departamento de Trnsito pode deixar de impor a multa para os motoristas, especialmente detxi, que comprovem, mediante a apresentao de boletim de ocorrncia, que no momento da infrao estavamacima da velocidade permitida porque conduziam passageiro gravemente ferido para o hospital. Nesse caso,embora tenha sido concretizada a hiptese normativa, o aplicador recorre a outras razes, baseadas em outrasnormas, para justificar o descumprimento daquela regra (overruling). As outras razes, consideradas superiores prpria razo para cumprir a regra, constituem fundamento para seu no-cumprimento. Isso significa, para oque se est agora a examinar, que o modo de aplicao da regra, portanto, no est totalmente condicionado

    pela descrio do comportamento, mas que depende do sopesamento de circunstncias e de argumentos.E a exceo pode no estar prevista no ordenamento jurdico, situao em que o aplicador avaliar a

    importncia das razes contrrias aplicao da regra, sopesando os argumentos favorveis e os argumentoscontrrios criao de uma exceo diante do caso concreto. O caso do estupro, antes referido, exemplifica

    63 Aleksander Peczenik, On Law and Reason,p. 61.64 Sobre a questo, v. o magistral voto do Des. Araken de Assis, relator do AI 598.398.600 na 4 a Cmara Cvel do Tribunal de Justiado Estado do Rio Grande do Sul (j- 25.11.1998, in Jurisprudncia Administrativa, Sntese Trabalhista 121/115-119, Porto Alegre,Sntese, julho/1999).65 Frederick Schauer,Playing by the Rules....,p. 14.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    18/152

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    19/152

    legislador, mesmo a mais precisa formulao potencialmente imprecisa, na medida em que podem surgirsituaes inicialmente no previstas.68 Nessa hiptese, o aplicador deve analisar a finalidade da regra, e somentea partir de uma ponderao de todas as circunstncias do caso pode decidir que elemento de fato tem prioridade

    para definir a finalidade normativa.69

    precisamente em decorrncia das generalizaes que alguns casos deixam de ser mencionados (underinclusiveness) e outros so mal-includos (over inclusiveness). A proibio de entrada de ces em restaurantesdeve-se ao fato de que os cidados normalmente possuem ces e que eles, via de regra, causam mal-estar aosclientes. Qualquer co est proibido de entrar. E se for um filhote recm-nascido, enrolado numa manta nos

    braos da dona? Um co empalhado? Um co utilizado pela Polcia para encontrar drogas ou um suspeito dotrfico de drogas? Nesses casos, o aplicador, em vez de meramente focalizar o conceito de "co", dever avaliara razo justificativa da regra para decidir pela sua incidncia. Sendo a razo justificativa da regra que probe aentrada de ces a proteo do sossego e da segurana dos clientes, poder decidir a respeito da aplicao daregra aos casos mencionados. Mas sendo possvel passar da hiptese da regra sua razo justificativa, abre-seao aplicador a possibilidade de proibir a entrada de pessoas que terminem com o sossego dos clientes, como

    bebs chorando, ou permitir a entrada de animais que no coloquem em risco a segurana dos clientes, comoum filhote de urso, ou mesmo ces mansos ou anestesiados.70

    O que importa que a questo crucial, ao invs de ser adefinio dos elementos descritos pela hiptese normativa, saberquais os casos em que o aplicador pode recorrer razo

    justificativa da regra (rulespurpose), de modo a entender oselementos constantes da hiptese como meros indicadores para adeciso a ser tomada, e quais os casos em que ele deve manter-sefiel aos elementos descritos na hiptese normativa, de maneira acompreend-los como sendo a prpria razo para a tomada de

    deciso, independentemente da existncia de razes contrrias.Ora, essa deciso depende da ponderao entre as razes que

    justificam a obedincia incondicional regra, como razes ligadas segurana jurdica e previsibilidade do Direito, e as razes que

    justificam seu abandono em favor da investigao dosfundamentos mais ou menos distantes da prpria regra. Essadeciso - eis a questo -depende de uma ponderao. Somentemediante a ponderao de razes pode-se decidir se o aplicadordeve abandonar os elementos da

    Perspectives,p. 183.68 Frederick Schauer,Playing by the Rules....,p. 35.69 Aleksander Peczenik, "The passion for reason", in The Law in Philosophical Perspectives,p. 181.70 Frederick Schauer,Playing by the Rules....,pp. 47 e 59.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    20/152

    50 TEORIA DOS PRINCPIOShiptese de incidncia da regra em busca do seu fundamento, noscasos em que existe uma discrepncia entre eles.69

    Em quarto lugar, a atividade de ponderao de regras verifica-se nadeciso a respeito da aplicabilidade de um precedente judicial aocaso objeto de exame. Como afirma Summers, os precedentes noso autodefinveis (self-defining) nem auto-aplicveis (self-applying).70Isso significa que o afastamento de uma nova decisodos precedentes j consolidados depende de uma ponderao derazes.Em quinto lugar, a atividade de ponderao de regras verifica-se na

    utilizao de formas argumentativas como analogia e argumentume contrario, cada qual suportada por um conjunto diferente derazes que devem ser sopesadas.71

    Todas essas consideraes demonstram que a atividade deponderao de razes no privativa da aplicao dos princpios,mas qualidade geral de qualquer aplicao de normas.72 No correto, pois, afirmar que os princpios, em contraposio sregras, so carecedores de ponderao (abwgungsbedrftig). A

    ponderao diz respeito tanto aos princpios quanto s regras, namedida em que qualquer norma possui um carter provisrio que

    poder ser ultrapassado por razes havidas como mais relevantespelo aplicador diante do caso concreto.73 O tipo de ponderao que diverso.

    Tambm no coerente afirmar quesomente os princpiospossuem uma dimenso de peso. Em primeiro lugar, h incorreoquando se enfatiza quesomente os princpios possuem umadimenso d~peso. Como demonstram os exemplos antes trazidos,a aplicao das regras exige o sopesamento de razes,cuja^mportncia ser atribuda (ou coerentemente intensificada)

    pelo aplicador. A dimenso axiologica no privativa dosprincpios, rrs 'eieraento integrante de quTquer norma jurdica,como comprovam os mtodos de aplicao que relacionam,

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    21/152

    ampliam ou restringem o sentido das regras em funo dos valorese69. Frederick Schauer,Playing by the Rules....,pp. 94 e ss.70. Robert Summers, "Two types of substantive reasons:...", The

    Jurispru-dence ofLaw s Form and Substance (Collected Essays inLaw),pp. 155-236 (231); Robert Alexy, "Rechtsregeln undRechtsprinzipien",Archives Rechts und Sozial-philosophie,Beiheft 25/28.71. Ateksander Peczenik, "The passion for reason", in The Law in

    Philoso-phical Perspectives,p. 181.72. Aleksander Peczenik, On Law and Reason,p. 80. 73.1dem,p.

    81.PRINCPIOS E REGRAS51fins que elas visam a resguardar. As interpretaes, extensiva erestritiva, so exemplos disso.74

    Em segundo lugar, h incorreo quando se enfatiza que osprincpiospossuem uma dimenso de peso. A dimenso de pesono algo que j esteja incorporado a um tipo de norma. Asnormas no regulam sua prpria aplicao. No so, pois, os

    princpios que possuem uma dimenso de peso: s razes e aosfins aos quais eles fazem referncia que deve seratribuda umadimenso de importncia. A maioria dos princpios nada diz sobreo peso das razes. a deciso que atribui aos princpios um peso

    em funo das circunstncias do caso concreto. A citada dimensode peso {dimension of weight) no , ento, atributo abstrato dosprincpios, mas qualidade das razes e dos fins a que eles fazemreferncia, cuja importncia concreta atribuda pelo aplicador.Vale dizer, a dimenso de peso no um atributo emprico dos

    princpios, justificador de uma diferena lgica relativamente sregras, mas resultado de juzo valor ativo do aplicador.15

    Dois exemplos talvez possam demonstrar que o aplicador, diantedo caso a ser examinado, que atribui uma dimenso de peso a

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    22/152

    determinados elementos, em detrimento de outros. O SupremoTribunal Federal analisou hiptese em que o Poder Executivo,depois de prometer, por decreto, baixar a alquota do imposto deimportao, decidiu, simplesmente, major-la. Os contribuintesque haviam contratado, com base na promessa de reduo daalquota, insurgiram-se contra o desembarao das mercadorias coma aplicao da alquota majorada, sob o fundamento de que teriasido violado o princpio da segurana jurdica. A questo posta

    perante do Tribunal poderia ser resolvida de dois modos: primeiro,com a atribuio de maior importncia ao princpio da segurana

    jurdica, para garantir a confiana do cidado nos atos do Poder

    Pblico e, por conseqncia, vedar a aplicao de alquotas maisgravosas para aqueles contribuintes que haviam celebradocontratos na expectativa de que a promessa fosse cumprida;segundo, com a atribuio de importncia apenas ao fato geradordo imposto de importao, que ocorre no momento dodesembarao da mercadoria, em razo do qu, tendo sido aalquota, dentro das atribuies do Poder Executivo, majoradaantes da data da ocorrncia do fato gerador, no teria havidoqualquer violao ao ato jurdico perfeito. O Tribunal adotou asegun-74. Klaus Gnther,Der Sinn ftir Angemessenheit....,p. 272; Claus-WilhelmICanaris,Die Feststellung von Liicken im Geselz, 1982.

  • 8/7/2019 6941801-Teoria-Dos-Principios-Da-Definicao-A-Aplicacao-Dos-Principios-Juridicos-Humberto-Avila (2)

    23/152

    52TEORIA DOS PRINCPIOSda hiptese de soluo.76 Mas o que isso significa para a questoora discutida? Significa que a dimenso de peso desse ou daqueleelemento no est previamente decidida pela estrutura normativa,mas atribuda pelo aplicador diante do caso concreto. Fosse adimenso de peso um atributo emprico dos princpios, o caso oraexaminado deveria ter sido necessariamente solucionado com baseno princpio da segurana jurdica e na garantia de proteo ao ato

    jurdico perfeito - e no foi. Isso porque no so as normasjurdicas que determinam, em absoluto, quais so os elementos que

    devero ser privilegiados em detrimento de outros, mas osaplicadores, diante do caso concreto.O Supremo Tribunal Federal analisou o caso de lei tributria, que,segundo a norma constitucional, deveria ter sido publicada at ofinal do exerccio, mas cujoDirio Oficialque a continha foi posto disposio do pblico na noite do dia 31 de dezembro, tendo aremessa dos exemplares aos assinantes s se efetivado no dia 2 de

    janeiro. Os contribuintes insurgiram-se contra a medida, alegandoviolao ao chamado princpio da anterioridade, em virtude de anorma constitucional exigir a publicao da lei at o final doexerccio como forma de garantir a previsibilidade dos atosestatais. A primeira vista, o caso deveria ser decidido com aatribuio de importncia ao princpio da anterioridade, nos seus

    dois aspectos: garantia de previsibilidade e exigncia depublicao da nova lei antes do final do exerccio. O Tribunal, noentanto, em vez de focalizar o valorprevisibilidade ou, mesmo, aexigncia de publicao da nova lei antes do final do exerccio,laborou uma dissociao, inexistente no contedo preliminar designificado