A descoberta da América

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Pesquisa FAPESP - Ed. 77

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ABGENE· ACATEC· AGA· AGILENT· AGTRON INSTRUMENTS· ALTMANN· ALLTEC ASSOCIATES· AMERICAN STROSS· ANACON· ANALYSER· ANO· APPlIEo BIOSYSTEMS· ARGAMON· ASTELL· BCQ CONSULTORIA =• BECKMAN· BEL EQUIPAMENTOS· BINOER· BIO CltNCIA· BIOLOGICAS· BIOLOG· BIOllFE· BIOFILCHEM· BIOMEIRA· BIOMETRA· BIOSYSTEMS· BtoTRIX • BIOVAL· BRABENOER· BRASEQ· BRUKER AXS ~BRASIL· BOC Edwards • BOECO • BUNKER • CAMAG • CARVALHAES POo.LAB.· CARL ZEISS· CEM CORPORATION • CtoLA &. GREGORI • CK LEICA • CLAISSE • CREDlPEnE· COMTEC • COPAN olAGNOSTlCS • iCRAL· CREoIPEnE· CROMACON· DAC· oAIRIX· oELTECH • oENVER INSTRUMENTS· oESIGNS LABORATORIO· DIGIMEO· OOMINICK HUNTER· OP INSTRUMENTOS· DP UNtoN· ECAFIX· EDITORA QD· ELGA· ""ElITTEC· ENoOWIN· EQUlLAB· EQUIPAR· ESKALAB· EXAUSHARMA· EXPOLABOR· FANEM· FEMTO· FGG· FINETlPS· FINNIGAN· FISATOM· FLOWSCIENCE· FLOWSERVICE· GASART· GBC SCIENTlFIC· iGEHAKA· GERLAB· GILSON· GRANOTEC· GRATICULES· GRUPOLUNo· GRUPOVIOY· HAAKE· HAMILTON· HANNA INSTRUMENTS· HELLMA· HERAEUSVECTRA· HEnICH· HEXIS· HI· HIGHTECH PROMOTION ~• HITACHI· HORIBA· HORST· HUNO ·IBRAM ·ICDo ·ICR3 ·IKA ·IMPRINT ·INCOTECH SUPPlIES ·INERTSIL ·INFORS HT ·INMETRO ·INSTRUCOM ·INSTRULAB ·INSTRUTHERM • INTEGRA BIOSCIENCES· IINTECROM ·IPAS ·ISMATEC ·ISOIET • IENCONS· JJR· 10UAN· I.PROLAB· IUN AIR· KN WAAGEN· LABCONTROL· LABINCO· LABNEWS· LABOQUIMICA· LABORGLAS· LABTRON· LACTEA· LATIN CHEMICAL• LAFAIHE· LECO· LoM • LGC· LP ITALIANA SPA· M.M.M.· MACHEREY NAGEL· MARCONI· MARTE BAlANÇAS· McWILL EDITORES· MEDIA CYBERNETlCS· MEMMERT • MERCK· MEl. LA PAZ· NEYTECH• MICRONAL· MICRO ÓPTICA· MILlIPORE· NIC· NOVA· NOVAANALíTICA· NOVA ÉTICA· NOVATECNICA· OEC· O-I ANALYTlCAL· OLYMPUS· OXFOROINSTRUMENTS· PEAK SCIENTIFIC· PENSALAB· PERKINELMER· PERMUTlON· PHllIps· POLAX· POLI MATE • POLYSCIENCE· PRECISA· PRECISION • PRECITECH • PRECITECH· PROLAB· PROMOLAB· QIAGEN· QUIMIS· RETSCH • REVIST ESTOQUEFARMA· RIGAKU• RUSKINN • SARSTEDT· SARTORIUS· SCS (SOVEREIGN BRASIL)· SCHOTT BRASIL· SELLEX • SERVA ELETROPHORESIS· SG • SHIMAoZU • SOLCAMP • SUPERLAB· SYN6ENE • SPECTRUN· TECAN • TECNAL •TEolA ·TEHNOHROMA· TEKMAR· TELEDYNE ENER6Y· TELSTAR· THERMO ELEMENTAL· THERMO IEC· THERMO-LABSYSTEMS· THERMO NESLAB· THERMO NICOLET· THOMAS SCIENTIFIC· TIME IN· TOLEoO• UNISCIENCE· ONICO· U.S.DEPARTMENT OF COMMERCE· U.S. Pharmacopéia· VARIAN· VHEC· VISOMES· VOTSCH 6MBH • ZAF • WATERS· WHITE MARTlNS· WITEG· YAMATO SCIENTIFIC

34Estudo com

base no DNAmitocondrial mostra

que os primeiroshabitantes das

Américas chegaramde um só vez,

há 21 mil anos

CARTAS .........•.....•.•.•..... 4EDITORIAL •......•.•....•...•... 7OPINIÃO 8MEMÓRIA .......•.•.•.....•.... 10

• POLÍTICA CIENTÍFICAE TECNOLÓGICA .•.•.•.•.•..•..• 12

ESTRATÉGIA .12CEPIDS INVESTEM NA DIFUSÃODO CONHECIMENTO 20CEBRID INTERROMPE PESQUISA 26

• CIÊNCIA .30LABORATÓRIO .30A DIVERSIDADEDE RELÓGIOS BIOLÓGICOS .44MARCADO R DE ARTÉRIASENTUPIDAS .48PEIXES E MITOS DO RIO NEGRO .50ILHAS DE CERRADOENTRE METRÓPOLES .......•.... .53TERREMOTOS NO BRASIL .54AVANÇOS NAS SU PERCO ROAS .58

• TECNOLOGIA •.......•.•....... 62LINHA DE PRODUÇÃO 62TÚNEL DO IPT 71PLATAFORMA INTEGRADA 76CERTIFICAÇÃO E CRIPTOGRAFIA 78

• HUMANIDADES •.•...•..•...... 84O ACERVO TOM JOBIM 88CARTAS DE VAN GOGH 90CENSURA NO BRASIL 93

LIVROS .......................•. 96LANÇAMENTOS •.•..•............ 97ARTE FINAL 98

Capa: Hélio de AlmeidaFoto: Rosa Gauditano/Studio R

16FAPESP faz 40 anos eganha de presente da Uniãoárea de 23 alqueires ondeestá instalada a Ceagesp

39Genomas recém-concluídoscriam alternativa decombate à esquistossomosee a pragas da agricultura

Embraer inaugura novafábrica e aposta emparcerias com institutos depesquisa para aperfeiçoara produção de aviões

72

66Nova técnica permitiráaumento de 30% naprodução de álcool e poderáservir como incentivadorada volta do Proálcool

84As relações bilateraisentre judeus e catál icosno século segundo

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Arnica e pós-doutoramento

Inicialmente gostaria de agrade-cer à revista Pesquisa FAPESP pela di-vulgação de nossas pesquisas realiza-das com a arnica da serra ou falsaarnica (Lychnophora ericoides), publi-cada na edição de nv 64 (de maio de2001). Nessa matéria, além dos estu-dos agronômicos, ecológicos e bio-tecnológicos, foram relatadas as açõesanalgésicas da lignana cubebina e dosácidos di-cafeoilquínicos e a ação an-tiinflamatória de uma flavanona C-glicosilada. Todas essas atividadesforam avaliadas em modelos experi-mentais in vivo realizados pela ProfsDr- Glória E. P. de Souza, professorade farmacologia na nossa unidade.Na oportunidade, os redatores apre-sentaram também nossa opinião so-bre os dados previamente publicadosem relação à ação antiinflamatória invitro das lactonas sesquiterpênicasque ocorrem na espécie L. ericoides,deixando de citar que esses resulta-dos foram frutos da pesquisa originaldo Prof. Walter Vichnewiski e de umgrupo de pesquisadores alemães. Nofinal da matéria foi destacado que,por ocasião de sua publicação, nos en-contrávamos em estágio de pós-dou-toramento no exterior, também fi-nanciado por essa agência. Esse estágiotinha como finalidade o aprendizadode novas metodologias analíticas, emespecial cromatografia líquida acopla-da à espectrometria de massas seqüen-cial com ionização por eletrospray.

Recentemente, na reunião anualda Sociedade Brasileira de Química,foi levantado que atualmente possuí-mos uma sociedade madura e comespecialistas renomados nas mais di-versas áreas de atuação da química.Isso é um reflexo do desenvolvimen-to da química no Brasil, nesses últi-mos anos, e sinal de que os financia-mentos empregados nesta área daciência renderam bons frutos. Mas aanálise do programa de pós-doutora-mento deve ter outro enfoque. Deter-minadas áreas importantes da pesqui-

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sa do Brasil possuem hoje especialis-tas em número reduzido. Nesse caso,os investimentos para a formação depesquisadores em centros fora dopaís muito podem contribuir para odesenvolvimento e a diversidade dacomunidade científica. No nosso caso,apesar de o estado contar com um ex-celente centro de estudos de espectro-metria de massas na Universidade deCampinas e um grupo que se dedicaao emprego de ionização de produtosnaturais por eletrospray em espectro-metria de massas na UniversidadeFederal de São Carlos, entre outros,ainda assim existem carências parauma área tão ampla. Quando solicita-mos o auxílio, este foi prontamenteaprovado, não tendo sido questiona-da a existência dos outros centros, in-dicando claramente que esta agênciaestá preocupada com a já citada di-versidade da comunidade científica.Essa visão da FAPESP tem contribuí-do muito para o desenvolvimento daciência do Estado de São Paulo.

NORBERTO PEPORlNE LOPES

Faculdadede Ciências FarmacêuticasdeRibeirão Preso

Universidadede São Paulo

Da redação: Efetivamente, duran-. te a entrevista do professor Norberto

Peporine Lopes ao repórter de Pesqui-sa FAPESP,foi feita referência a traba-lho anterior realizado pelo professorWalter Vichnewiski. A informaçãoconstava do texto final da reportagem,mas foi suprimida no processo de edi-ção, por falta de espaço.

Clonagem

Parabenizo toda a equipe que faza revista Pesquisa FAPESP pela extra-ordinária reportagem sobre a clona-gem, tema discutido mundialmente,que vem causando polêmicas pela suacomplexidade. A revista procurou es-clarecer com qualidade esse assunto,tão questionável neste milênio.

RAIMUNDA MORElRA DA FRANCA

Crato, CE

Mapa

Lendo a reportagem "A origemdos mamíferos", na revista PesquisaFAPESP 76, a ordem das localidadesrepresentadas no mapa "O passadodesenterrado" está trocada. Onde lê-se, da esquerda para a direita: SantaMaria, Faxinal do Soturno, Camo-bi, Agudo e Candelária; o correto é:Santa Maria, Camobi, Faxinal doSoturno, Agudo e Candelária. Façotal alerta por ter efetuado minhagraduação na Universidade Federalde Santa Maria e, portanto, conhe-cer a região .

GIOVANNI B. Rosso

Instituto de Química - UnicampCampinas, SP

Correções

Na edição nv 76, na reportagem"Três novas rotas de ataque à praga",sobre o seqüenciamento genético dasbactérias Xanthomonas citri e Xan-thomonas campestri, foi omitida invo-luntariamente a participação do Fun-do Paulista de Defesa da Citricultura(Fundecitrus), como parceira da FA-PESP no financiamento do projeto.

A pesquisa iconográfica sobreobras de artistas plásticos paulistasque ilustram a edição especial FA-PESP 40 anos foi feita por VladimirSacchetta.

J. Reis merecia ser clonado. Masaí entramos numa história que eleconhecia como ninguém: ética na ciên-cia e no jornalismo! O físico CesareMansuetto Giulio costumava citaruma frase nas entrevistas: "ciência semconsciência é a ruína da alma': Elembrava que "a sabedoria não entrade modo algum na alma malvada". J.Reis era uma boa alma. Que Deus otenha!

José Reis

Nossos cumprimentos pelo belotexto que faz jus à história de J. Reis.

A comunidade científica brasilei-ra e o jornalismo científico, em espe-cial, estão de luto pelo falecimento deJosé Reis, cientista e jornalista quedurante mais de meio século lideroua divulgação da pesquisa desenvolvidaprincipalmente no País. O seu exem-plo, o seu caráter e o seu desempenhodiuturno arrancaram o cientista doisolamento e provocaram a aberturade espaço na imprensa nacional paraas notícias do mundo da ciência. Oseu papel foi fundamental para a va-lorização do trabalho do cientistabrasileiro, não só pelo Estado e pelasinstituições, mas pela própria mídia,que privilegiava quase exclusivamen-te o conhecimento produzido no ex-terior, e, ainda assim, com destaquepara curiosidades e sensacionalismo.

A atuação de José Reis tambémfoi fundamental para o fortalecimen-to profissional dos pesquisadores e dosjornalistas, bem como para a aproxi-mação das duas categorias, diminu-indo os conflitos que ainda hoje difi-cultam o desafio da popularização daciência. J.Reis, como membro da So-ciedade Brasileira para o Progresso daCiência (SBPC), semeou a criação daAssociação Brasileira de JornalismoCientífico (ABJc). Em reconhecimen-to ao seu trabalho, o CNPq criou o Prê-mio José Reis,nas áreas de DivulgaçãoCientífica e de Jornalismo Científico.Trata-se de um estímulo que permitiuo crescimento contínuo da consciên-cia pública sobre a necessidade de in-vestir em pesquisa, ciência e tecnologia.

Vale destacar o seu empenhopara a criação e consolidação da FA-PESP, hoje, 40 anos depois, modelode fundação no País e exemplo dedivulgação e de jornalismo científi-co (que, aliás, conferiram à revistada entidade o Prêmio José Reis).

Para J. Reis, a redução da depen-dência científica de um país passavanecessariamente pela divulgação.

Também, na Universidade Federalde Santa Catarina (UFSC), o exemplode J. Reis apontou em 1988 o cami-nho para a implantação de uma polí-

40 anos da FAPESP

tica pública de comunicação, que pas-sou a olhar a ciência como sendo ati-vidade de interesse de toda a sociedade.A democratização do conhecimentoe a socialização do saber, como direi-tos do cidadão e deveres do cientistae do jornalista, direcionaram o traba-lho de comunicação da Universidade.O resultado desse trabalho de anos, ede equipe, deu à UFSC a maior dis-tinção dessa área: o Prêmio José Reisde Jornalismo Científico, entregue,em 1994, durante a Reunião Anualda SBPC em Vitória (ES).

Gostaria de transmitir meus sin-ceros cumprimentos a todos os res-ponsáveis por essa história de sucessoque permitiu à FAPESP, pioneira nogênero, contribuir de forma tão sig-nificativa para o desenvolvimento dapesquisa, da ciência e da tecnologiano Brasil.

MARCO MACIEL

Vice-Presidenteda República

Meus sinceros cumprimentos atodos profissionais dessa conceituadae tradicional Fundação pela passa-gem de tão expressiva data, auguran-do continuado sucesso em suas im-portantes atividades.

GERALDO MAGELA DA CRUZ QUINTÃO

Ministro de Estado da Defesa

Cumprimento efusivamente aFAPESP pelos 40 anos de decisivoapoio à ciência e à pesquisa no Brasil.Desde o primeiro ano em que ingres-

MOACIR LOTH

Jornalista da Editora UFSCFlorianópolis-SC

sei na docência universitária, faz 30anos, devo à FAPESP um continua-do e generoso apoio para a pesquisa.Além disso, durante 14 anos, a FA-PESP apoiou o Núcleo de Estudos daViolência, que dirigi como coordena-dor científico, transformado em Ce-pid desde 2000.

PAULO SÉRGIO PINHEIRO

Secretário de Estadodos Direitos Humanos

Expresso as nossas calorosas con-gratulações pelo transcurso do qua-dragésimo aniversário da Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado deSão Paulo, de assinalados serviços aodesenvolvimento da ciência, tecnolo-gia e inovação, essenciais à inserçãodo nosso país no mundo de profun-das transformações. De modo espe-cial, desejo destacar sua valiosa con-tribuição para a implantação danossa Fundação de Amparo à Pesqui-sa - FAPESB,que tem na FAPESP ummodelo de excelência a seguir.

loss FRANCISCO DE CARVALHO NETO

Secretário de Planejamento,Ciência e Tecnologiado

Estado da Bahia

Apresento meus cumprimentospelo 40° aniversário de criação daFAPESP.

ROBERTO ALLEGRETTI

Coronel-PM - Secretário-Chefeda Casa Militar

Governo do Estadode São Paulo

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Congratulo-me junto à diretoriada FAPESP pelos 40 anos significati-vos dedicados ao desenvolvimento eà excelência da pesquisa científica noBrasil e aproveito para agradecer oapoio da FAPESP à Universidade Fe-deral de São Paulo.

HELIO EGYDIO NOGUEIRA,

Reitor da UniversidadeFederalde São Paulo

Parabenizo pelo 40° aniversáriotoda a equipe que tem contribuídopara o desenvolvimento dessa Fun-dação e da ciência e da tecnologia donosso país.

ANíSIO ALMEIDA NEVES NETO

Secretárioda Indústria,Comércio, Ciência e Tecnologiado

Estado do Piauí

Quero parabenizar toda a funda-ção pelos 40 anos de relevantes servi-ços prestados à pesquisa, à cultura eao desenvolvimento do nosso estado.Que cada conquista da Fundação sir-va para renovar as energias dos seusservidores e para abrir portas paraavanços ainda mais expressivos.

VAZ DE LIMA

Deputado Estadual- São Paulo, SP

Realizações, conquistas, compe-tências, lutas e exemplos marcarama presença dessa Fundação em nos-so estado nesses 40 anos de existên-cia. Quero parabeniar a todos, fun-cionários e ex-funcionários, muitoêxito, sempre, e uma feliz e profícuacaminhada rumo às bodas de ouro.

CWA LEÃO,

Deputada Estadual- São Paulo, SP

Congratulações pelos 40 anos daFAPESP.

LUIZA ERUNDINA DE SOUSA

Deputada Federal PSB/SP

Desejo toda sorte de felicidades àFundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo.

OSWALDO PAULO FORATTINI

Coordenador do Núcleo de PesquisaTaxonômicae Sistemática

em Entomologia Médica (Nuptern)Faculdade de Saúde Pública/USP

São Paulo, SP

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Votos de pleno êxito a uma dasinstituições que têm contribuídopara o desenvolvimento da ciênciabrasileira.

JULIO MARCOS FILHO,

Diretor da EscolaSuperiorde Agricultura Luiz de Queiroz/USP

Piracicaba,SP

Em nome do Instituto de Quí-mica de São Carlos, saúdo a FAPESPem seu 40° aniversário e faço votospara seu sucesso cada vez maior nofomento à pesquisa e ao desenvol-vimento científico, tecnológico, eco-nômico e social de São Paulo e doBrasil.

MILAN TRSIC

Diretor

Parabenizamos a FAPESP pormais este aniversário, desejando quecontinue contribuindo para o desen-volvimento deste país.

Ioss GILBERTO JARDI E

Chefe-Geral da EmbrapaInformática Agropecuária

Campinas, SP

A FAPESP recebeu mais de umacentena de cartas e telegramas de fe-licitações pelos seus 40 anos.

Registramos e agradecemos en-tre elas dos ministros Pedro SampaioMalan, da Fazenda; Francisco Gomi-de, de Minas e Energia; Barjas Negri,da Saúde; Sérgio Silva do Amaral, doDesenvolvimento, Indústria e Co-mércio Exterior; dos governadoresItamar Franco, de Minas Gerais, eJosé de Abreu Bianco, de Rondônia;do reitor da Universidade Federal daParaíba, Iades Nunes de Oliveira; dosdeputados federais Ary Kara e Dui-lio Pisaneschi; do secretário de Jus-tiça e da Defesa da Cidadania do Es-tado de São Paulo, Alexandre deMoraes; da secretária Wanda Engel,de Assistência Social; de Fulvio IuliãoBiazzi, Conselheiro do Tribunal deContas do Estado de São Paulo; deAbílio Baeta Neves, presidente daFundação Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Nível Supe-rior (Capes); de Maurício OtávioMendonça Jorge, secretário de Polí-tica Tecnológica Empresarial do Mi-

nistério da Ciência e Tecnologia; dosdeputados estaduais Dorival Braga ePedro Mori; da vereadora MyryamAthie; dos prefeitos municipais Vi-tório Humberto Antoniazzi, de Vali-nhos; Jayme Gimenez, de Matão;Jorge de Faria Maluly, de Mirandó-polis; Luiz Antônio Braz, de CampoLimpo Paulista; José Machado, dePiracicaba; Dorival Raymundo, deItupeva; Adilson Donizete Mira, deSanta Cruz do Rio Pardo; e AlbertoPereira Moura, de Praia Grande; deCândido Ricardo Bastos, diretor doInstituto Agronômico de Campinas;de Flávio Fava de Moraes, diretorexecutivo da Fundação Sistema Es-tadual de Análise de Dados (Seade);de Cibele Isaac Saad Rodrigues, di-retora do Centro de Ciências Médi-cas e Biológicas da Pontifícia Uni-versidade Católica de São Paulo; deJosé Carlos Plácido da Silva, diretorda Faculdade de Arquitetura, Artes eComunicação da Unesp, campus deBauru; de Walter Borzani, diretor doInstituto Mauá de Tecnologia; deCarlos Antônio Gamero, diretor daFaculdade de Ciências Agronômicasda Unesp, campus de Botucatu; deNeri Alves, diretor da Faculdade deCiência e Tecnologia da Unesp, cam-pus de Presidente Prudente; MarcosAntônio Monteiro, diretor superin-tendente do Centro Estadual deEducação Tecnológica Paula Souza;Marcos da Cunha Lopes Virmond,diretor técnico do Instituto Lauro deSouza Lima e Roberto Schirmer Wi-lhelm, presidente da Sociedade Bra-sileira de Ortodontia.

O deputado estadual Iarnil Mu-rad, do Pc doB, falou na AssembléiaLegislativa, na sessão do dia 10 de ju-nho, sobre a comemoração do 40°aniversário da FAPESP e sobre im-portantes projetos por ela patroci-nados. Na sessão do dia seguinte, odeputado Vaz de Lima, do PSDB, co-mentou o evento realizado na SalaSão Paulo em homenagem aos 40anos da FAPESP, com a presença dopresidente Fernando Henrique Car-doso e do governador Geraldo Alck-min, ocasião em que foi repassada aárea da Ceagesp para a Fundação.

FAPESP

CARLOS VOGTPRESIDENTE

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADOVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORADILSON AVAN$I DE ABREUALAIN FLQRENT $TEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZCARLOS VOGT

FERNANOO VASCO LEÇA 00 NASCIMENTOHERMANN WEVER

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDAMARCOS MACAR!

NILSON DIAS VIEIRA JUNIORPAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO

RICAROO RENZO BRENTANIVAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVOFRANCISCO ROMEU LANOI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

JOSE FERNANOO PEREZDIRETOR CIENTíFICO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIALANTONIO CECHELLI DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRAZANOHO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA CDUTINHO,

FR~~gILSi~,~g~l~E~~~~lb~O~~~~~,i}í~~t~:~GODEOL~À5t~\~LOU~ilR~~~~~~~I~O~~~~g~ISNA[NTOS,

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MQURA

EDITORESSENlORESMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

NELDSON MARCOUN

EDITOR DEARTEHELIO DE AlMEIDA

EDITORESCARLOS FIORAVANTI (CIENCIAlCLAUDIA IZIQUE (POUTICA C&TI

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON UNE!

REPÓRTER ESPECIALMARCOS PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTESADILSON AUGUSTO, DINORAH ERENO

CHEFE OE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

, DJAGRAMAÇÃOJOSE ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORESALESSANDRO G RECO, ALEXANDRE AGABITI

FERNANDES, FRANCISCO BICUDO, RENATA SARAIVA,RICARDO DE SOUZA, RICARDO ZORZETTO,ROBINSON BORGES COSTA, SUZEL TUNES,

TÂNIA MARQUES, YURI VASCONCELOS

ASSINATURASTELETARGET

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FAPESPRUA PIO XI, N'1500, CEP 05468-901

ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SPTEL un 3838-4000 - FAX: {lll 3838-4181

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Osartigos assinados não refletemnecessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIALDE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIAE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITORIAL

Luzes sobre nossa origem

Quando o homem chegou àAmérica? A questão é polêmi-ca. E agora, os resultados de

um estudo genético feito por umaequipe de pesquisadores ligados a novecentros brasileiros e um peruano pro-metem esquentar o debate. A pesquisa,que tomou por base o perfil das muta-ções e a diversidade do chamado DNAmitocondrial de 30 índios nativos docontinente, a maioria pertencente a et-nias presentes no Brasil, propõe que oRoma sapiens atingiu o Alasca, vindoda Ásia, via estreito de Bering, há cercade 21 mil anos e numa única leva mi-gratória. Essa conclusão, como relataMarcos Pivetta na reportagem de capadesta edição, a partir da página 34, con-traria a teoria clássica de colonizaçãoda América, hoje bastante contestada,segundo a qual ocorreram três movi-mentos de entrada de grupos asiáticosno continente, o primeiro deles há cer-ca de 12mil anos. Mas ainda nos domí-nios da genética, e aqui mais especifica-mente da genômica, vale destacar areportagem (página 39) sobre novosavanços obtidos por diferentes projetosque fazem parte do Programa Geno-ma-FAPESP e de um de seus filhotes,os Genomas Agronômicos eAmbientais(AEG), em especial a identificação de200 novos genes do Schistosoma man-soni, causador da esquistossomose,doença típica do subdesenvolvimento,que afeta 200 milhões de pessoas em to-do o mundo e 10milhões no Brasil. Naseção de Ciência, com seu movimentopor entre pesquisas que examinam opresente, projetam o futuro ou ilumi-nam o passado, merece referência a re-portagem sobre estudos recentes queatestam a importância dos terremotosocorridos nos últimos 10 anos para aformação do relevo brasileiro.

A íntima articulação entre pesquisae possibilidades do desenvolvimentosócioeconômico do país aparece comforça em duas reportagens na seção deTecnologia desta edição de PesquisaFAPESP. Na primeira (página 66), YuriVasconcelos antecipa a pequena revo-lução que poderá ocorrer nas usinas de

açúcar e álcool do país se elas incorpo-rarem uma nova tecnologia que, valen-do-se do bagaço, e sem qualquer altera-ção na quantidade da cana in naturautilizada, assegura um aumento naprodução do álcool da ordem de 30%.Essa é, sem dúvida, uma bela notícia,quando se debate com seriedade aschances de reativação do Proálcool, oprograma dos anos 70 que continhauma boa promessa de auto-suficiêncianacional em um combustível renovávele pouco poluente, mas que sucumbiupor erros estratégicos em sua adminis-tração. A outra reportagem, aprovei-tando a oportunidade da recente inau-guração da primeira etapa da unidadeindustrial da Embraer em Gavião Pei-xoto, São Paulo, mostra em que pé seencontram os projetos de pesquisa quefazem parte do programa de Parceriapara Inovação em Ciência e TecnologiaAeroespacial (PICTA), apoiados pelaFAPESP,que representam uma contri-buição fundamental para a transfor-mação daquela região paulista numgrande pólo de desenvolvimento aero-náutico. Aliás, entre as razões pelasquais a Embraer situa-se entre as qua-tro maiores empresas fabricantes deaviões do mundo, a aposta na pesquisatecnológica não é, seguramente, a me-nor delas e isso fica claro a partir dapágina 72.

Para finalizar, vale destaque nestaedição, na seção de Humanidades, a re-portagem sobre uma pesquisa em ciên-cias da religião que revela que, mesmoapós a separação entre sinagoga e Igre-ja Católica, cristãos e judeus mantive-ram relações bilaterais até o século se-gundo da era cristã, numa comunhãoaté aqui praticamente desconhecida.

E no mais, ecoam nesta edição assonoridades do 40° aniversário da FA-PESP, quando a Fundação, depois deser brindada pela Orquestra Sinfônicado Estado, a OSESP,com um Villa-Lo-bos magnificamente executado, soubedo presidente da República que ga-nhara um presente que aumentará emmuito seu cacife para financiar pesqui-sas em São Paulo.

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 7

L

dual Paulista (Unesp), alinham-se 19 institutos de pes-quisa estaduais.

A atividade científica no Brasil está passando poruma importante transição; de uma atividade artesanal,a prática científica tem-se tornado algo mais estruturadoe profissional. O apoio estatal à pós-graduação permitiuum aumento sem precedentes no número de cientistascapacitados. A formação de uma comunidade científicabem qualificada criou as condições para que, nas boasuniversidades, grupos de excelência fossem implantados.A exístência de uma massa crítica de pesquisadores emvários ramos do conhecimento tem permitido que inicia-tivas ousadas, como o Programa Genoma, liderado pelaFAPESP, tenham sucesso altamente reconhecido.

A capacidade de transformar conhecimento em rique-za e desenvolvimento social é, talvez, o ponto mais frágil doatual estágio de desenvolvimento da ciência e tecnologiano Brasil. Falta-nos desenvolver a capacitação de realizarisso de maneira mais freqüente e sistemática. As crônicasdificuldades de natureza macroeconômica têm impedidoque a empresa no Brasil possa dar a atenção que deveria aodesenvolvimento de sua capacidade própria para gerarconhecimento e agregá-lo a suas atividades. Instabilida-de econômica, juros elevados, estrutura tributária têmsido alguns dos elementos que, em nosso país, desesti-mulam o investimento privado numa atividade de riscoe longo tempo de maturação como pesquisa e desenvol-vimento (P&D). Os órgãos de governo começam a aten-tar para a importância da ciência para o estabelecimentode políticas públicas efetivas. Mesmo com o desenvolvi-mento de interações entre empresa e universidade, que sãohoje muito mais intensas do que há dez ou 20 anos, a em-presa ainda desenvolveu pouco sua capacidade internapara P&D. Temos mais de 70% dos nossos cientistas tra-balhando em ambiente acadêmico, enquanto nos paísesmais desenvolvidos a maior parte trabalha em empresas.

Há muitos outros desafios à frente. A proposta do Mi-nistério da Ciência e Tecnologia para os Fundos Setoriaisé uma novidade a destacar. Com imaginação e conheci-mento sobre as mudanças em curso no país, o MCT trazum importante reforço ao financiamento das atividadesde P&D. O aporte previsto de mais de R$ 1 bilhão eleva-rá o investimento estatal em P&D da casa do 0,5% doPIE para 0,6 ou 0,7%. Crescimento expressivo, que cali-

, OPINIÃO

Ruv MARTINS ALTENFELDER SILVA

Conhecimento e podero apoio do Estado à pesquisa acadêmica é essencial e insubstituível

Oprofessor Carlos Vogt, escolhido pelo go-vernador Geraldo Alckmin, assumiu a presi-dência do Conselho Superior da FAPESP,sucedendo ao professor Carlos Henrique de

Brito Cruz, novo reitor da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp), que permanece integrando oColegiado.

Constituída em 1962, no governo Carvalho Pinto, aFAPESP tem se revelado um pólo de excelência com re-percussão internacional. Quando se discutia a sua criação,já se reconhecia a importância do conhecimento para odesenvolvimento.

No final do século 10, Portugal tornou-se a mais po-derosa nação do mundo, aplicando estudo sistemático,pesquisa e o conhecimento acumulado do problema da nave-gação oceânica, com o objetivo de chegar à Índia e domi-nar o comércio das especiarias.

No século 17, Francis Bacon cunhou o aforisma "Co-nhecimento é Poder'; destacando que "nenhuma obra dobom governo é tão importante como prover o mundocom conhecimento bom e fértil" (Prancis Bacon - O Avan-ço do Conhecimento).

A inclusão do conhecimento como variável de desta-que para o desenvolvimento econômico traz consigo,para a teoria econômica, a educação e a cultura comoparâmetros explicitamente determinantes do desenvol-vimento de uma nação.

No Brasil não tem sido diferente. Nos últimos qua-tro anos, pela primeira vez na história brasileira, oprincipal item da pauta de exportações é um produtocom alto valor agregado: aviões a jato fabricados pelaEmbraer. É um caso exemplar de ciência e tecnologiacriando o desenvolvimento.

O novo presidente da FAPESP tem sustentado queinvestir em inovação tecnológica é fazer investimentode risco, venture capital. Na alta tecnologia, por exem-plo, existe um desafio para o país no setor de compo-nentes para microprocessadores. É papel da FAPESP con-tinuar a política sustentada por Brito Cruz.

Instituições acadêmicas de nível internacional sãoessenciais para qualquer país, e no Brasil temos algumasque criaram as condições para o desenvolvimento, pormeio da educação: ao lado da FAPESP, da Universidadede São Paulo (USP), da Unicamp, da Universidade Esta-

8 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

brará os gastos estatais em P&D num nível comparávelcom o de países mais desenvolvidos (na Alemanha, o in-vestimento estatal em P&D é de 0,8% do PIB; nos EUA,0,9%; na Coréia do Sul, 0,7%).

O apoio do Estado à pesquisa acadêmica é essencial einsubstituível. É natural que assim seja, pois a ciência éum bem público, de difícil apropriação privada. Por isso,não é razoável esperarmos que o setor privado invista emciência. O setor privado deve, sim, investir em tecnologia.Duas são as razões fundamentais por que a ciência noBrasil deve ser ainda mais apoiada pelo Estado: porquehá pesquisadores excelentes e porque mais ciência serábom para o desenvolvimento do país. Mas, para que aciência traga mesmo desenvolvimento econômico e social,é preciso que a empresa possa se apropriar desse conhe-cimento, transformando-o em tecnologia, tornando-semais competitiva e gerando riquezas e empregos.

Issosó acontecerá se ela valorizar o conhecimento,empregando cientistas e engenheiros voltados à pes-quisa e ao desenvolvimento. Vale lembrar: enquan-to nos EUA há 800 mil cientistas e engenheiros fa-

zendo pesquisa e desenvolvimento em empresas e naCoréia há 75 mil, no Brasil há menos de 10 mil. Resulta-do: a Coréia registra nos EUA 3.500 patentes por ano, eo Brasil, cem.

Seria uma ilusão perigosa para a ciência e tecnologiaem São Paulo crer que o sistema paulista possa funcionarexclusivamente com os recursos proporcionados pelocontribuinte paulista para a FAPESP. O fato é que amaior parte dos recursos para pesquisa científica no Esta-do vem de agências federais, principalmente o ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-soal de Nível Superior (Capes).

Os números apresentados pela FAPESP no governoCovas - Alckmin (1995 - 2002) impressionam pelo ver-tiginoso crescimento. Muitos programas de grande im-pacto foram lançados. O Programa Genoma é um deles.Criado em 1997, seus diversos projetos já apresentaramou têm condições de apresentar resultados bastante ex-pressivos, do ponto de vista econômico e social. Entre elespodem ser citados: o mapeamento genético da bactériaresponsável pela "praga do amarelinho", que afeta 30%dos laranjais paulistas; o seqüenciamento da bactéria quecausa o cancro cítrico e um prejuízo anual da ordem deR$ 110 milhões para a citricultura de São Paulo, redu-zindo a produção de laranjas em 25%; o seqüenciamen-to de genes da cana-de-açúcar responsável pela resistên-cia da planta e teor de sacarose e o da bactéria que ataca astouceiras de cana. Mais recentemente, foi lançado o Ge-noma Eucalipto, para decifrar a origem dos problemasque comprometem o desenvolvimento do eucalipto.

Ainda dentro do Programa Genoma, podem-se des-tacar projetos com resultados significativos na área desaúde. É o caso do Genoma Humano do Câncer, lançadoem março de 1999, e que já mapeou mais de 1 milhão deseqüências de genes de tumores e colocou o Brasil emsegundo lugar no ranking internacional. Ou do Geno-ma Clínico do Câncer, projeto mais recente de pesquisa

em atividades clínicas e cirúrgicas relacionadas à onco-logia para o desenvolvimento de novas formas de diag-nóstico e tratamento do câncer com base nas informaçõ-es geradas pelo Genoma Humano do Câncer. Ou, ainda,do Genoma Schistosoma, visando a desenvolver novasterapêuticas, possibilidades de vacinas e uma compre-ensão mais ampla da biologia do microrganismo Schis-tosoma mansoni.

Na mesma linha de preocupação com a saúde estãoos programas Rede de Diversidade Genética de Vírus -que amplia o conhecimento das variedades genéticas dequatro vírus: o HIV-1, causador da Aids, o HCV, da he-patite C, o hantavírus e o vírus respiratório sincicial - ea Rede de Biologia Molecular Estrutural, que visa ao es-tudo de estruturas tridimensionais e das funções de pro-teínas associadas a genes seqüenciados nos projetosGenoma Humano do Câncer, Genoma Xylella, GenomaXanthomonas e Genoma Cana.

Ainda nesse período 1995 - 2002, a Fundacão lançouo Programa Biota - FAPESP, que inventaria, caracteriza eanalisa a biodiversidade do Estado de São Paulo. Lançou,ainda, o Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, quejá aprovou 103 projetos abrangendo as áreas de Saúde,Meio Ambiente, Educação, Administração e Gestão dePolíticas Públicas, Trabalho, Emprego e Renda, Agricul-tura e Pecuária, Patrimônio Histórico, Habitação, Trans-portes e Urbanismo, Direito e Segurança.

No campo da inovação tecnológica, o programa detransferência de conhecimento da área acadêmica para osetor produtivo - o Inovação Tecnológica em PequenasEmpresas (PIPE) - apóia a pesquisa para inovação tec-nológica diretamente na empresa com até cem emprega-dos. Atft 2001, o programa financiou 185 projetos, emempresas localizadas em 43 municípios do Estado deSão Paulo. Por sua vez, o Parceria para Inovação Tecno-lógica (PITE) apóia projetos de pesquisa em parceriacom empresas de qualquer porte para o desenvolvimen-to de novos produtos com alto conteúdo tecnológico ounovos processos produtivos. E o programa ConsórciosSetoriais para a Inovação Tecnológica (ConSITec), criadoem 2001, estimula a colaboração de grupos de pesquisacom aglomerados de empresas de um mesmo setor pararesolver problemas tecnológicos de interesse comum.

Por fim, cabe destacar um dos mais novos programas,o Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado deSão Paulo, que visa a dotar o Estado de uma modernarede de observação do tempo, clima e recursos hídricos.

A FAPESP vem crescendo sadiamente. Em 2000, in-vestiu R$ 550 milhões e, em 2001, quase R$ 600 milhões.O equilíbrio entre investimento em ciência básica, ciênciaaplicada e pesquisa tecnológica e o relativo à demanda dasáreas de exatas, humanas e biológicas tem sido mantido.

A FAPESP é vinculada à Secretaria de Estado da Ci-ência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turis-mo. É uma das estrelas que orgulham o governo do Es-tado de São Paulo e aumentam a nossa auto-estima.

RUY MARTINSALTENFELDERSTLVAé secretário de Estado daCiência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 9

Vôos sem motorHá 70 anos, o Brasildescobria o prazer de pilotarplanadores e começavaa criar as bases da indústriaaeronáutica brasileira

NELDSON MARCOLIN

Piloto experimentao EAY-IOl:

paixão por planadores

10 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

sem motores, levou o Institutode Pesquisas Tecnológicas(IPT) a receber, em 1934,encomendas do ClubePolitécnico de Planadores,criado por alunos do últimoano de engenharia civil daEscola Politécnica. A Seçãode Madeiras foi encarregadade reformar e fabricar hélicesde madeira dos planadoresalemães em uso no Brasil.Com o tempo, os alunos

passaram a construir seusplanadores no IPT. A Seção deMadeiras evoluiu para a pesquisa denovos materiais que pudessemsubstituir a madeira original e, logo,criou-se a Seção de Aeronáutica, quecomeçou a trabalhar no protótipo doprimeiro avião a motor. Em 1938, oIPT-O, chamado também de Bichinho,voou pela primeira vez, equipado commotor norte-americano. Foi oprimeiro de uma série de aviõesprojetados e construídos no instituto.As iniciativas do Mackenzie e do IPTforam um importante impulso parauma das maiores conquistastecnológicas já alcançadas no Brasil:a criação e posterior consolidaçãoda indústria aeronáutica nacional.

Pi loto pronto para voar (acima,à esq.), oficina do primeiro

planador (acima, à dir.) e osmodelos EAV-10l e 102

Nadécada de 30

do séculopassado, aaviação jáestava madura

e os aviões eram sempreaperfeiçoados, ganhandonovas tecnologias. Mas noBrasil, terra de Alberto Santos-Dumont, inventor do avião em 1906,faltava um curso superior quecontemplasse a aeronáutica. Em 1932,a então Escola de EngenhariaMackenzie (atual UniversidadePresbiteriana Mackenzie) decidiu quejá era hora de criar o primeiro cursode engenharia aeronáutica do Brasil.O curso acabou por dissolver-se e nãoformou nenhuma turma. Faltavamnormas para respaldá-lo, o que acaboutornando-o estranho à legislaçãovigente na época. Por trás dessatentativa de atender às necessidadesda aviação no país havia um grupo deengenheiros e estudantes fundadoresdo Clube Mackenzie de Planadores,

em 1931. Presidido pelo francêsGeorge Corbisier, formado na escolapaulista, e com Henrique Santos-Dumont, irmão de Alberto, nadiretoria, essa turma construiu umdos primeiros planadores brasileiros,de acordo com registro da Revistade Engenharia Mackenzie (junhode 1934). Embora tenha sido levadoa termo, não há registro fotográficodo avião voando, mas apenas de suaconstrução em um galpão. Em 1932,além da tentativa de se montar o cursode aeronáutica, o grupo fez a primeira"festa de planadores" de São Paulo, nocampo de Marte - o avião usado foi oEAY-101. Essa pequena febre pelo vôoa vela, como também é chamado o vôo

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS

Famílias ricas de portado-res de doenças incuráveisestão criando fundaçõespara financiar suas própriaspesquisas e testes de drogas,na esperança de encurtar ocaminho em direção à cura,informa The Wall Streetlournal. Esse crescente mo-vimento está gerando umanova esperança para víti-mas de doenças raras ousobre as quais ainda se co-nhece muito pouco, como,por exemplo, a esderose la-teral amiotrófica (ELA),uma doença neuromuscu-lar progressiva e fatal. Onorte-americano Fran De-laney, de 51 anos, pacientede ELA, conta que se sen-tia órfão dos laboratóriosde pesquisa. "Agora eu te-nho cientistas que estãotrabalhando para mim",diz. Um fundo que levaseu nome levantou cercade US$ 500 mil para a Fun-dação Terapêutica ELA,que,além de divulgar informa-ções sobre a doença, tra-balha agressivamente nabusca pela cura. A fundaçãofoi criada por [ames Hey-wood em 1999, depois queseu irmão de 33 anos, Ste-phen, recebeu o diagnósti-co da doença. No momen-to, a fundação desenvolveo maior programa in vivode testes de drogas, atrain-do cientistas de compa-nhias farmacêuticas e debiotecnologia com saláriosde mercado e a sedução detrabalhar diretamente parapacientes que não têm tem-po a perder. O laboratórioopera como uma fábrica,

Personal scientists

testando drogas em ratosmais rapidamente e de mo-do mais barato do que emum laboratório acadêmicoou de empresa. Os pesqui-sadores não estão tentan-do descobrir o que causa adoença e nem se preocu-pam em publicar suas des-cobertas. O único quesitousado para medir o suces-so é: a droga testada fez orato viver mais? "Não temoscinco anos para esperarpelo tradicional processode descoberta de drogas':diz Heywood. Outras or-ganizações fazem o mesmo.A Fundação de DoençasHereditárias, que financiapesquisa sobre doença deHuntigton, um grave dis-

túrbio do sistema nervosocentral, juntou-se à AuroraBiosciences, companhia debiotecnologia. A fundação,criada por Milton Wexlerdepois que sua esposa e ostrês irmãos dela foram atin-gidos pela doença, está in-vestindo US$ 1 milhão naAurora para o teste de subs-tâncias com potencial paradesenvolvimento de novasdrogas. O Instituto para oEstudo do Envelhecimentofoi mais longe. Em 2001,ajudou a empresa de bio-tecnologia Zapaq a se levan-tar e, agora, injetou US$500 mil na companhia, quese dedica a pesquisar dro-gas contra a doença deAlzheimer. •

12 • JUL~O DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

• Vacina contrabioterrorismo

Os Estados Unidos estão re-dobrando esforços para criaruma vacina contra o mortalvírus ebola. Dentro dos pró-ximos 18 meses, uma drogaexperimental já deverá entrarem testes. O medo do bioter-rorismo, nascido a partir dosatentados de 11 de setembro,explica a pressa. "Nós estamospreocupados com todos os ví-rus hemorrágicos. Sabemosque eles têm sido estudadoscomo potenciais armas dobioterrorismo", disse GaryNabel, diretor do Centro dePesquisas em Vacinas, de Wa-shington, em entrevista à re-vista New Scientist (25 demaio). A vacina está sendodesenvolvida por norte-ame-ricanos e para norte-ameri-canos, mas os pesquisadoresesperam que ela fique dispo-nível também para os paísesda África Central, onde temocorrido repetidos surtos dadoença. Apenas neste ano, 53de 65 pessoas infectadas mor-reram num surto de ebola noGabão. O desenvolvimentode uma vacina exigiu cuida-dos extras. Os métodos con-vencionais com o uso de ví-rus enfraquecidos ou inativosnão são seguros, por causa dorisco de algum vírus maisagressivo permanecer na va-cina. Ao invés disso, Nabel fezuma vacina de DNA apenascom os genes da coberturaprotéica do vírus. O protótipopassou nos testes iniciais commacacos. Por enquanto, a va-cina de DNA só foi testadacontra a cepa Zaire, uma dastrês conhecidas linhagens fa-tais do ebola. "Mas nós esta-mos otimistas quanto a pos-sibilidade de que ela também

funcione com as outras damesma maneira': diz Nabel.Segundo o pesquisador, a va-cina consiste de uma misturade genes da camada de glico-proteína de todas as três ce-pas. Ele espera, ainda, podertestar a vacina em epidemiasreais, embora geralmente levemeses para que um surto deebola em uma área remotaseja notificado, quando já étarde demais para vacinar. •

• Esgoto a céuaberto em Veneza

Em dias de enchente, esqueçao romantismo dos canais deVeneza. A cidade vira um marde água suja e malcheirosa.Mas, como dizem os otimis-tas, sempre existe uma espe-rança. Uma barragem estásendo construída para contera inundação na baía, informaa revista New Scientist (18 demaio). E recentes estudos devazão das marés indicam queela pode funcionar sem cau-sar danos ao ambiente, o quemuitos temiam. Em dezem-bro, o governo italiano deu si-nal verde para um contro-verso plano de construção debarragens em três canais queligam a lagoa de Veneza com

Veneza inundada: água suja e malcheirosa invade a cidade

o Mar Adriático. Na maiorparte do tempo, as 79 com-portas das barragens perma-necerão abertas, permitindoo fluxo de água entre a lagoa eo mar aberto. Mas quando asaltas marés ameaçarem, arcomprimido será bombeadopara dentro dos tanques deflutuação das comportas, for-çando-os para a superfície efechando a passagem de água.O trabalho de construção estápronto para começar, masainda havia dúvidas sobre aeficácia do projeto. Temia-se,principalmente, que, com ofechamento das barragens, oscanais de Veneza se tornassemum reservatório de água pa-rada e fétida, uma vez que elesrecebem esgoto não tratado da

cidade. Mas o pesquisador Mi-ro Gacic, do Instituto Nacio-nal de Oceanografia e Geofí-sica Experimental de Trieste,Itália, fez um estudo que ali-via essa preocupação. Ele cons-tatou que a taxa de vazão dasmarés para dentro da lagoa éimensa: o mar varre 550 mi-lhões de metros cúbicos da la-goa em um único dia. Assim,bastaria deixar a represa aber-ta por algumas horas para aágua do mar lavar a maioriada sujeira acumulada nos ca-nais durante o período emque a barragem estiver fecha-da. O que sugere uma per-gunta: não haveria tambémum meio de tratar o esgotoantes que ele fosse jogado noscanais de Veneza? •

• União Européiaajuda o Chile

O presidente chileno, RicardoLagos, assinou um acordo delivre mercado com a UniãoEuropéia no dia 17 de maio,tornando o Chile o primeiropaís da América Latina a seunir ao Sexto Programa deEstrutura da União Européia(Sixth Framework Program-me), que visa a fortalecer ossetores de ciência e tecnolo-gia dos países participantes,segundo a revista Nature (23de maio). A entrada do Chileno programa de US$ 14 bi-lhões impulsionará sua pe-quena, mas crescente, basecientífica. Segundo Eric Go-les, presidente da ComissãoNacional do Chile em Pesqui-sa Científica e Tecnológica, osrecursos serão investidos noscentros de excelência do país,dedicados à biologia molecu-lar, matemática, biotecnologia,ciência de materiais, oceano-grafia e astronomia. O acor-do, de cinco anos, que devecomeçar em 2003, poderáajudar o Chile na sua meta deduplicar os gastos em pesqui-sa e desenvolvimento de 0,6%para 1,2% de seu produto in-terno bruto. •

Ciência na webEnvie sua sugestão de site científico para [email protected]

~IO~EMAS Experimente livros

historia_demografica.tripod.comSite com trabalhos dos pesquisadoresdo Núcleo de Estudos emHistória Demográfica, da USP

www.arteletronica.cjb.netUm projeto que contém, na web,um banco de dados com informaçõessobre vídeos experimentais

http://intermega.globo.com/biotemas/Informações diversas sobre zoologia,genética, citologia, bioquímica,microbiologia, entre outras

;'::':~==~==.:f.-=:~~:;='::'::=•....,-In_ .•.•..•..••••.40.-._ ...~,_._'"'.....u...-.- ...__--- ..•----••••••••• ., __ • __ ok_ •••••••••• , •••••••••.••. Jn.__.............r_ ..~ .-- .. _ , __ ".

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 13

Duas universidades se uni-ram para mapear a Bacia doMédio e Baixo Paraíba doSul. A Universidade de SãoPaulo (USP) e a Universida-de Estadual do Norte Flu-minense (UENF) criarãoum banco de dados sobreas áreas de biogeoquímica,fluviometria, geoprocessa-mento, pluviometria, alémde pesquisar os aspectos so-cioeconômicos. O progra-ma será importante para ci-dades de três Estados - SãoPaulo, Minas Gerais e Riode Janeiro - porque deveráresultar em um diagnósticosobre uma região de 50 mil

Rio Paraíba do Sul: projeto conjunto da USP e UENF

quilômetros quadrados. Ci-dades importantes comoSão José dos Campos, Tau-

baté, Juiz de Fora, Barbace-na, Muriaé, Resende, BarraMansa, Volta Redonda, Pe-

trópolis, Teresópolis, NovaFriburgo e Campos, entreoutras, poderão utilizar obanco de dados como sub-sídio para políticas públicasem diversos setores, comotratamento de esgoto inte-grado e variações de vazãoda água, irrigação e uso dosolo. Pelas análises biogeo-químicas será possível obterdados sobre as propriedadesfísicase químicas da água dosrios. A Esso Brasileira de Pe-tróleo também participará doprograma disponibilizandoum laboratório de geopro-cessamento, utilizando ima-gens de satélite. •

União para mapear o Paraíba do Sul

• Senado estudaclonagem

Os problemas éticos deriva-dos dos avanços das técnicasde clonagem levou o SenadoFederal a estudar o tema coma ajuda de especialistas e inte-ressados no assunto, como lí-deres religiosos. O objetivo éter subsídios suficientes paraatualizar a legislação atual so-bre o tema, já considerada ul-trapassada. Em meados de ju-nho, o senador Sebastião Rocha(PDT-AP) organizou um se-minário em que foram deba-tidos vários aspectos da ques-tão. O presidente do ConselhoNacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico(CNPq), Esper Cavalheiro,participou do debate e afir-mou que milhões de pessoaspodem se beneficiar com osestudos e experiências envol-vendo células embrionárias.''A discussão com cientistas daárea de agropecuária, porta-dores de síndromes genéticas

14 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

e seus familiares é fundamen-tal", disse. Os representantesdo judaísmo, umbanda e es-piritismo concordaram coma liberação no Brasil da elo-nagem terapêutica, que nãovise fins reprodutivos. Mas orepresentante católico, freiAntônio Moser, da Conferên-cia Nacional dos Bispos doBrasil (CNBB), se opôs aoprocedimento por considerarque a vida começa com a fe-cundação do óvulo e, ao sedestruir o embrião, comoocorre nesse tipo de clona-

gem, está se destruindo a vi-da. Mayana Zatz, do Centrode Estudos do Genoma Hu-mano, também participantedo seminário, afirma que já épossível retirarem-se célulasembrionárias-a partir de cor-dões umbelicais, o que evita-ria a morte dos embriões.Daí a importância de se cria-rem bancos de cordões. A Or-ganização das Nações Unidasaprovou, em 1998, a Declara-ção Universal sobre o Geno-ma Humano, que autoriza aclonagem terapêutica. •

• Wever e Sardenbergganham prêmio

O ministro da Ciência e Tec-nologia, Ronaldo Sardenberg,e o ex-presidente do GrupoSiemens e integrante do Con-selho Superior da FAPESPHermann Wever são os ga-nhadores do Prêmio de Méri-to Tecnológico da AssociaçãoNacional de Pesquisa, Desen-volvimento e Engenharia dasEmpresas Inovadoras (An-pei), A premiação foi criadaem 1989 para demonstrarpublicamente o reconheci-mento de seus associados auma personalidade que tenhase destacado e contribua paraos avanços tecnológicos dopaís. Já ganharam o prêmioJosé Mindlin, em 1989, Ozi-res Silva, em 1990, Edson VazMusa, em 1991, Iacques Mar-covich, em 1992, José PauloSilveira, em 1994, Celso Foel-kel, 1996, Ronan de FreitasPereira, em 1998 e ErnestoHeinzelmann, em 2000. •

• Revista Ciência eCultura renasce

Publicação de vida longa,mas intermitente, Ciência eCultura volta a circular agora,em julho. A revista é uma feliziniciativa da Sociedade Brasi-leira para o Progresso da Ci-ência (SBPC), lançada um anodepois da criação da entida-de, em 1949. O pesquisador ejornalista José Reis foi o seuidealizado r e diretor em doisperíodos, de 1949 a 1954 e de1972 a 1985. Seus primeirosredatores poderiam comporo quadro de qualquer publi-cação de divulgação cientí-fica do mundo: MarcelloDamy de Souza Santos, Hein-rich Rheinboldt, Viktor Leinz,Carlos Arnaldo Krug e New-ton Freire- Maia. Em 1991,Ciência e Cultura passou a serpublicada em inglês, bimes-tralmente. Mas, em julho de2000, a SBPC decidiu que eladeveria adotar uma linha te-mática e voltar a ser escritaem português. Agora, no 54°ano de sua história, a revis-ta renasce com o apoio doConselho Nacional de De-senvolvimento Científico eTecnológico (CNPq), FAPESP,Instituto Uniemp e com o su-porte técnico do Laborató-rio de Estudos Avançados emJornalismo (Labjor), da Uni-versidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp). A SBPC e aImprensa Oficial do Estadode São Paulo são seus autoresinstitucionais. Agora editadapelo lingüista e poeta CarlosVogt (leia nota acima), a re-vista terá periodicidade qua-drimestral, sempre com arti-gos e notas originais. O temadeste primeiro número é Vio-lência, cuja coordenação deprodução de textos foi dele-gada a Sérgio Adorno, doCentro de Estudos da Violên-cia da Universidade de SãoPaulo (USP). •

Ciência (SBPC), coordenao Laboratório de EstudosAvançados em Jornalismo(Labjor), da Unicamp, é di-retor de redação da revis-ta eletrônica de jornalismocientífico Com Ciênciae edi-tor chefe da revista Ciênciae Cultura, da SBPC. Vogttem 19 livros, dos quais seisde poemas (um no prelo)e 56 artigos e ensaios emperiódicos. •

Carlos Vogt é O novo presidente da FAPESPO lingüista e poeta CarlosVogt foi nomeado pelo go-vernador, Geraldo Alckmin,no dia 12 de junho, presi-dente da FAPESP, depoisde eleito por unanimidade,com 12 votos, em primeiroescrutínio, pelo ConselhoSuperior da Fundação emsubstituição a Carlos Hen-rique de Brito Cruz, queassumiu a reitoria da Uni-versidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp) em maio.Com 59 anos, nascido emSales Oliveira (SP), Vogt jáera conselheiro da Funda-ção. Professor titular daUnicamp, da qual foi reitorentre 1990 e 1994, ele fezcursos de pós-graduação emSemântica Lingüística naFrança e nos Estados Uni-dos e passou por univer-sidades no Canadá e naArgentina. Coordenou oCentro de Lingüística Apli-cada e foi chefe do Depar-

• Brasil-Espanhavia internet

Encontro realizado em Mia-rni, Estados Unidos, dia 24 dejunho, reforçou as estratégiaspara estabelecer uma conexão

Vogt: eleito no primeiro escrutínio por unanimidade

tamento de Lingüística doInstituto de Filosofia eCiências Humanas da Uni-camp, além de ter partici-pado ativamente na criaçãodo Instituto de Estudos daLinguagem, tendo sido tam-bém um dos fundadoresdo Instituto Uniernp, doqual foi diretor executivo.Atualmente, é vice-presi-dente da Sociedade Brasi-leira paTa o Progresso da

Revista volta acircular: longafolha de serviçosprestadosà divulgaçãocientífica no Brasil

ibero-americana por meio dainterligação do NAP do Bra-sil, já em operação em SãoPaulo, e o NAP de Madri,portais mundiais de conecti-vidade de internet, que esta-rão em pleno funcionamento

até meados de 2003. Partici-param do encontro o gover-nador da Flórida, Ieb Bush,líderes políticos e corporati-vos dos Estados Unidos, doBrasil, da Espanha e da Amé-rica Latina e o diretor cientí-fico da FAPESP, José Fernan-do Perez. O NAP do Brasil,parceria entre a FAPESP e aTerremark Latin America, éum grande terminal de pres-tação de serviços para prove-dores e concessionárias de te-lecomunicações que inclui oPonto de Troca de Tráfego(PTT). O PTT é um pontoneutro de interconexão nainternet no qual provedoresde acesso, concessionárias egrandes clientes trocam dire-tamente tráfego de informa-ções de clientes comuns. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 15

Fernando Henrique:"A USP precisade espaço para museuse a FAPESP precisade recursos paraalavancar aindamais suas atividades"

consumar a transferência da área. "Isso poderesultar num funding muito grande para aFAPESP", previu o presidente. O valor do ter-reno é difícil de calcular, em função de suasamplas possibilidades de uso.

Acertada a transferência, a FAPESP deveráfazer um estudo para identificar a melhor for-ma de aproveitamento da área, já que, por sualocalização estratégica, exigirá uma "operaçãourbana complexa', na avaliação de José Fernan-do Perez, diretor científico da Fundação. "Temde ser uma intervenção inovadora, do ponto devista tecnológico, que agregue valor ao patri-mônio e, ao mesmo tempo, recupere a região",adianta Perez. A expectativa é ter um projetoconsolidado até o final de 2003, quando estáprevista a transferência da Ceagesp para umaárea próxima ao Rodoanel Mário Covas.

Desafios ousados - Na festa, os mais de milconvidados assistiram a uma apresentação daOrquestra Sinfônica de São Paulo, que, sob aregência do maestro Roberto Minczuk, exe-cutou o Hino Nacional, as Bachianas Brasilei-ras nO4 e, por insistência da platéia, tambémo Trenzinho Caipira, das Bachianas nO2, de

18 . JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Heitor Villa-Lobos. A Sinfônica, criada em1953, tem qualidade internacional e é umpatrimônio do Estado. Estiveram presentes àcomemoração, além do presidente da Repú-blica, a primeira-dama, Ruth Cardoso, o go-vernador Geraldo Alckmin e a primeira-damado Estado, Maria Lúcia Alckmin, os ministrosda Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg,e da Educação, Paulo Renato de Souza, o pre-sidente da Assembléia Legislativa, Walter Feld-man, o secretário de Ciência, Tecnologia, De-senvolvimento Econômico e Turismo, RuyAltenfelder Silva, além de deputados, empre-sários, pesquisadores, cientistas e represen-tantes da comunidade acadêmica.

O diretor-científico da Fundação, JoséFernando Perez, comemorou o presente. "Éuma maneira criativa e inovadora de finan-ciar a pesquisa e o desenvolvimento tecnoló-gico, muito compatível com a forma de atuarda FAPESP", disse, lembrando que o artigo 3°da Lei 5.918, que criou a Fundação, prevê quea instituição consolide um patrimônio rentá-vel. Enfatizou que o presente vem num mo-mento "mais que adequado'; uma vez que aintenção da Fundação é "apoiar iniciativas

Brito lembrou queFernando Henriquerealizou pesquisa sobreempresários industriaise o desenvolvimentono Brasil comapoio da FAPESP

cada vez mais ousadas", o que requer maiorcapacidade de financiamento. A parceria coma USP, que já recebe 45% dos investimentosda Fundação, ele garante, é automática. "Ainiciativa de integrar a comunidade acadêmi-ca poderia se viabilizar ao mesmo tempo emque a Fundação forma um patrimônio quegere rendimento': argumentou.

Bolsista ilustre - Durante as comemo-rações, o presidente da FAPESP e atual reitorda Universidade Estadual de Campinas (Uni-camp), Carlos Henrique de Brito Cruz, res-gatou a história da Fundação, desde 1947,quando um grupo de pesquisadores apre-sentou à Assembléia Legislativa proposta desua criação. Lembrou que, no primeiro ano desua fundação, a FAPESP concedeu bolsa aoentão professor Fernando Henrique, da USP,para a conclusão da pesquisa publica da nolivro Os Empresários Industriais e o Desen-volvimento Econômico do Brasil. ''Alguns me-ses depois ele pediu suplementação de verbapor conta da inflação", brincou.

Perez, em seu discurso, enfatizou o cará-ter moderno da Fundação e sua capacidade

de conciliar formas tradicionais de atuaçãoe, ao mesmo tempo, induzir o avanço de pes-quisas estratégicas e estimular o sistema deinovação no país.

À vontade entre seus pares, o presidenteFernando Henrique falou de improviso. Cha-mou atenção para o fato de as instituições bra-sileiras de apoio à pesquisa, como a FAPESP- concebida nos anos 40, mas efetivamentecriada nos 60 -, e as instituições cinqüentená-rias, como o Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ea Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-soal de Nível Superior (Capes), serem contem-porâneas da National ScienceFoundation (NSF),dos Estados Unidos, e do Conselho Nacionalde Pesquisa Científica, da França. "Não é sóagora que estamos à frente. Há 60 anos, está-vamos nos esforçando para criar um ambien-te favorável ao desenvolvimento científico etecnológico", afirmou. Sublinhou a capaci-dade do Brasil de institucionalizar a ciênciae afirmou que a tecnologia e a difusão de no-vos conhecimentos permitirão à sociedadebrasileira garantir melhor qualidade de vida ediminuir os níveis de desigualdade. •

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• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

DIFUSÃO

o desafio decompartilhar

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Política de divulgação dos Cepidsconsegue aproximarda sociedade o conhecimentocientífico, apoiar pol íticas públ icase formar recursos humanos

DezCentros de Pesquisa,Inovação e Difusão (Ce-pids), criados em setem-bro de 2000e financiadospela FAPESP, desenvol-

vem investigação de ponta na fronteirado conhecimento. Os diversos gruposmultidisciplinares buscam, desde aidentificação de genes expressos emdoenças, até o desenvolvimento de no-vos diagnósticos para a formulação dedrogas mais eficazes, passando pelaanálise das estruturas de proteínas, denovos materiais cerâmicos e até da vio-lência que assola a Região Metropolita-na de São Paulo. Mas um dos grandesdesafios desses pesquisadores é com-partilhar esse conhecimento com a so-ciedade, de forma a subsidiar políticaspúblicas, contribuir para o desenvolvi-mento de novas tecnologias e para aformação do cidadão. É por isso que,paralelamente às atividades de pesqui-sas, os Cepids implementam, de a suaconstituição, programas de difusão, quevão desde campanhas públicas até for-mação de professores de ensino médioe atividades educacionais desenvolvi-das diretamente com alunos.

No caso das campanhas, como asdo Centro de Pesquisa e Tratamento doCâncer, formado por dois institutos, oHospital do Câncer A. C. Camargo e oInstituto Ludwig de Pesquisa sobre oCâncer, a mídia é forte aliada. Ao longode dois anos, o centro veiculou, pormeio de outdoors, TVs, jornais e revis-tas de todo o país, peças publicitárias -produzidas gratuitamente pela agênciaJ.Walter Thompson - com o objetivode estimular mudanças de hábitos paraprevenir o câncer de pele, de colo deútero e de pulmão e, ao mesmo tempo,alertar a população para os benefíciosdo diagnóstico precoce. "O índice decura dessehospital é de 64%. Poderia sermaior se o paciente não nos procurassetarde demais", diz Daniel Deheinzelin,diretor clínico do A. C. Camargo.

A veiculação na mídia gerou umabusca de informação por conteúdo: onúmero médio de visitas mensais aosite do centro chegou a 740 mil. "Fomoso primeiro site de saúde mais visitadoem todo o mundo", conta Deheinzelin.E os resultados são surpreendentes: écada vez maior o número de pacientesque chegam ao hospital já com um am-plo conhecimento sobre a doença e atésobre os protocolos utilizados no seu

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tratamento. "Isso contribui para che-car a qualidade do atendimento e faci-lita o diálogo", afirma. A expectativa éacabar com o estigma em torno da do-ença, consolidar a idéia de que o câncertem cura e elevar o índice de remissãopara um patamar em torno de 75%.

Outro Centro que lançou mão decampanhas públicas foi o de Estudos doSono, vinculado ao Departamento dePsicobiologia da Universidade Federalde São Paulo (Unifesp). Os pesquisado-res estudam, desde a década de 70, osdistúrbios do sono, doença não identifi-cada como tal por grande parte da po-pulação, mas que é responsável, porexemplo, por grande parte dos aciden-tes de ônibus registrados no país. O in-teresse da mídia pelo tema contribuiupara que os pesquisadores participassem,nos últimos dois anos, de uma série deprogramas e entrevistas nos principaiscanais de televisão, jornais e revistas decirculação nacional. Roberto Frussa Fi-lho, coordenador de divulgação, estima,

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por exemplo, que algo em torno de 26milhões de pessoas receberam algumainformação sobre os problemas do so-no por meio da Tv.

Nocaso do Centro de Es-tudos em Óptica e Fotô-nica - que reúne pesqui-sadores do Instituto deFísica da Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp), doInstituto de Física da Universidade deSão Paulo (USP), em São Carlos, e doInstituto de Pesquisas Energéticas e Nu-cleares (Ipen) -, a televisão, o rádio e osjornais são utilizados como veículospara divulgação de conceitos e popula-rização da ciência. Em São Carlos, porexemplo, o centro montou um pequenoestúdio onde são produzidos, semanal-

mente, três programas de TV: Nota 10,Vida e Ciência e Aulas de Física, transmi-tidos diariamente na TV Educativa e naTV Universitária, cujos sinais são cap-tados também em Araraquara e Ibaté.Todos os programas têm caráter educa-tivo e temas atuais, como o uso da foto-terapia no combate ao câncer, do geo-processamento, além de notícias sobrenovas tecnologias, entre outros. "Já temosmais de 30 programas gravados", contaKleber Jorge Sávio Chicrala, assessor dedivulgação e imprensa desse Cepid. Issosem falar em um programa semanal derádio e nas colunas de ciência, tambémsemanais, publicadas em dois jornaisde circulação local.

O centro produz, também, vídeoseducativos para as escolas de 10 e 20 grausda rede pública, com o objetivo de suprir

a deficiência de material didático, comexplicações sobre ondas eletromagnéti-cas, uso de laser, holograma, entre ou-tros. O acervo já soma 50 vídeos. Outroprojeto desenvolvido nas escolas é o deEntomóptica, uma metodologia de en-sino que associa a óptica e a educaçãoambiental para explicar às crianças dapré-escola o mundo dos insetos. O ma-terial didático - microscópios, lâminas,ete. - é fornecido pelo Cepid.

Na Unicamp, os alunos e pesquisa-dores desse Cepid estão adaptando umkit desenvolvido pela Optical Society ofAmérica (OSA), que permite a demons-tração simples de elementos em óptica.O material será utilizado nas escolas deensino fundamental e de ensino mé-dio. "Constata-se que é cada vez menor avocação para a ciência. Nos Estados Uni-

de estratégias como a drama-tização, por exemplo, para tra-balhar e fixar conceitos relaci-onados a questões de difícilcompreensão, como clona-gem, transgênicos, entre ou-tros. O centro também edita,há um ano, o Jornal das Ciên-cias, dividido em três seções:o Espaço do Aluno, com no-tícias sobre a participação dosestudantes nas atividades es-colares; A Palavra do Profes-sor, com relatos sobre experi-ências em salas de aulas; e aseção Aula de Ciência, assi-nado por pesquisadores, cominformações sobre linhas depesquisas e sugestões de con-ceitos para serem trabalhadospelo professor. O jornal tam-bém é um canal de comunica-ção entre a escola e a Casa daCiência, mantida pelo Hemo-centro de Ribeirão Preto, umabase de apoio ao programa dedifusão do Cepid.

A divulgação da infor-mação científica para alunosdo ensino médio também é ofoco dos projetos desenvolvi-dos pelo Centro de BiologiaMolecular Estrutural, quereúne pesquisadores dos la-boratórios de Cristalografia deProteínas e Biofísica Molecu-lar do Instituto de Física daUSP, em São Carlos; do De-partamento de Química e doLaboratório de Síntese e Pro-

dutos Naturais da Universidade Fede-ral de São Carlos (UFSCar); e do Centrode Biologia Estrutural do LaboratórioNacional Luz de Síncrotron (LNLS), emCampinas. Os pesquisadores já produ-ziram um farto material didático parautilização dos professores em sala de au-las. Confeccionaram, por exemplo, mo-delos em plástico para a construção demoléculas de ácido nucléico e de proteí-nas que permitem a montagem de mo-léculas de DNA, de RNA e a construçãode diferentes tipos de estrutura de proteí-nas. Criaram também um disco deaminoácido que dá ao aluno acesso auma série de informações, inclusive decódigo genético. Esse material chamoua atenção da Amersham Bioscience,empresa com sede na Suíça, que templanos de distribuí-lo mundialmente

dos, existem programas agressivos paradespertar o interesse dos alunos já naescola primária. A nossa intenção é fa-zer o mesmo", explica Hugo Fragnito,diretor científico do centro.

Jovens talentos - O Centro de TerapiaCelular, em Ribeirão Preto, aposta altono desenvolvimento de jovens talentospor meio de um programa, batizado deCaça-Talentos, que reúne mais de 80 alu-nos, da sexta série de ensino fundamentalao terceiro ano do ensino médio. Os alu-nos são selecionados por seus professorespara, juntos, desenvolver atividades deiniciação científica fora da sala de aula.Já tiveram cursos sobre peixes de riacho,genética, paleontologia e evolução comprofessores da universidade. Nos cur-sos, muitas vezes, é preciso lançar mão

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como brinde aos clientes. Um especialis-ta em Pesquisa, Educação e Difusão deCiência está avaliando a aplicação domaterial e os resultados têm se mostra-do positivos: os alunos que manipula-ram um kit sobre respiração celular, porexemplo, tiveram um melhor aprovei-tamento da matéria que os demais. Paradifundir o uso do material didático, ocentro realizará, em julho, o 10 Curso deCapacitação de Professores de Biologia eCiência. "Entre os diversos temas, vamostratar de genômica e estrutura das molé-culas': diz Leila Maria Beltramini, coor-denadora de Difusão do Cepid.

Apoio didático - O apoio didático aosprofessores é uma das tônicas dos pro-gramas do Centro de Estudos do Ge-noma Humano, que já publicou umacoleção com três volumes sob o títuloConceitos de Biologia, dois livros para-didáticos sobre clonagem humana e se-qüenciamento do DNA e um guia deapoio didático para professores. Isso semfalar nos cursos para professores do en-sino médio, com aulas sobre seqüen-ciamento do DNA, biologia molecular,genética básica, entre outros. A maiordificuldade, na avaliação de José Maria-no Amabis, coordenador de Educação e

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Difusão do centro, está em ajustar omaterial didático às demandas dos pro-fessores e garantir a sua utilização em salade aula. "Os professores têm grande di-ficuldade em compreender procedimen-tos científicos e não dominam a visãofilosófica da ciência, o que impede quedesenvolvam a habilidade do aluno depensar e propor hipóteses."

~

. teração com professores ealunos também é a marca re-gistrada dos programas dedifusão do Centro Multi-disciplinar para o Desen-

volvimento de Materiais Cerâmicos,formado por pesquisadores da UFSCar,Universidade Estadual Paulista (Unesp/-São Carlos, a USP de São Carlos, o Cen-tro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/-CNPq) e o Ipen. Mas, o destaque são

Centro de Estudos da Metrópolerealiza o mosaicamentoda Região Metropolitanade São Paulo,a partir de fotos aéreas

para as ações desenvolvidas com artesãose indústrias de cerâmica. No ano passa-do, por exemplo, o Cepid participou doprojeto Artesanato e Geração de Renda,promovido pelo Conselho do Comuni-dade Solidária, em diversos estados bra-sileiros. Os pesquisadores avaliaram aqualidade do artesanato em regiões, co-mo o Vale do Jequitinhonha, em MinasGerais, conhecido pela habilidade de seusartesãos. Caracterizaram as argilas utili-zaram na confecção das peças, analisoucustos, observaram e avaliaram as con-dições de queima, recomendaram o usode aditivos - como o vidro moído - paraaumentar a resistência mecânica e atépropuseram novas técnicas de modela-gem. A intenção era melhorar a qualida-de do produto, ampliar mercado, res-gatar tradições populares e aumentar arenda das famílias. "As peças ganharam

Centro de MateriaisCerâmcos analisou

a qualidade doartesanato do Vale

do Jequitinhonha

mais qualidade': diz Elson Longo, dire-tor do Cepid.

Já o Centro de Toxinologia Aplica-da, além de assumir a responsabilidadedos cursos de formação de alunos eprofessores tradicionalmente promovi-dos pelo Instituto Butantan, desenvolveainda atividades voltadas para a forma-ção de pesquisadores, profissionais desaúde e estudantes selecionados. Realiza,desde o ano passado, um curso de dezdias com o tema Inovação Farmacêuti-ca e Propriedade Intelectual, ministradopor três especialistas: um brasileiro, uminglês e um norte-americano, com par-ticipação da indústria farmacêutica."Tratamos desde o desenvolvimento dainovação, no século 19, até das formasde proteção da propriedade intelectual':diz Antonio Carlos Martins de Camar-go, diretor do Cepid. O centro já publi-

cou o livro Guia de Serpentes da MataAtlântica, dirigido a um público maisespecializado, com 4 mil exemplares jáesgotado e que deverá, em breve, ter novatiragem, desta vez em inglês. No segun-do semestre deste ano, será lançado ou-tro livro, A Estação Ecológica[uréia, quereúne pesquisas realizadas na áreas nosúltimos 15 anos sobre clima, fauna, flo-ra, entre outras informações.

Políticas públicas - Noutra perspectivade atuação, os Centros de Estudos daMetrópole (CEM) e de Estudos da Vio-lência estão desenvolvendo pesquisascom vistas a subsidiar políticas públicas.O CEM reúne um conjunto de projetosde pesquisas desenvolvidas pelo Cen-tro Brasileiro de Análise e Planejamento(Cebrap) e pelo Laboratório de Urba-nismo da Metrópole (Lume), da Facul-

dade de Arquitetura e Urbanismo (FAU),da USP, nas áreas de organização espa-cial, meio ambiente, estrutura social, cul-tura, entre outras, sobre a Região Me-tropolitana de São Paulo (RMSP). Osprogramas de difusão se realizam pormeio de cursos de capa citação de pro-fessores do ensino médio, em parceria

com o Serviço Social do Comércio(Sesc). "Os temas estão vinculadosaos programas de História e Ge-ografia do ensino fundamental':conta Argelina Cheibub Figuei-redo, coordenadora do Cepid.As informações da pesquisa tam-bém estarão, em breve, disponí-veis no site do CEM e numa sériede documentários produzidospela Escola de Comunicação eArtes (ECA). O Lume tambémdeverá publicar, ainda este ano,

o livro São Paulo Metrópole, com40 mapas temáticos demonstran-

do a dinâmica do desenvolvimentourbano da região e que conterá, ain-

da, uma espécie de mosaico da RMSP,confeccionado a partir de fotos áreas de-vidamente trabalhadas para ajustar asimagens à base de logradouros georefe-renciados. "Será um grande inventáriode São Paulo, com enfase na transiçãoda metrópole industrial para a de ser-viços", explica Regina Maria ProsperiMeyer, coordenadora do Lume.

Está previsto que o Centro de Estu-dos da Violência divulgue os resultadosdas pesquisas a partir do próximo ano."Não podemos publicá-los antes sobo risco de intervir nos resultados", dizSergio Adorno, coordenador de pesqui-sa do Cepid. O centro desenvolve cincoprojetos integrados por meio dos quaisdeverá cruzar informações sobre a vio-lação dos direitos humanos com indi-cadores de direitos econômicos e sociais;analisar as bases da política de seguran-ça pública em São Paulo; analisar o pro-cesso de construção da impunidade nopaís, apontando pontos de estrangula-mento da Justiça Penal; testar o uso demodelos de contratos de segurança, emparceria com a comunidade de áreas se-lecionadas; e monitorar a violação dosdireitos humanos na região. "Nosso ob-jetivo é contribuir para a formataçãode políticas mais compatíveis e que ge-rem mais confiança do cidadão na Jus-tiça", diz Nancy Cardia, coordenadorade Transferência de Conhecimento eEducação do Cepid. •

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• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Pesquisadores liderados porElisaldo Carlini, diretor doCentro Brasileiro de Infor-mações sobre Drogas Psico-trópicas (Cebrid), da Univer-

sidade Federal de São Paulo (Unifesp),decidiram suspender o projeto de inves-tigação sobre a fitofarmacopéia Krahôque vinham desenvolvendo, com o apoioda FAPESP, em três aldeias da reservaindígena da etnia numa região de cerrado,no norte do Estado do Tocantins. A pes-quisa, conduzida pela bióloga ElianaRodrigues, uma doutoranda orientadapor Carlini, já tinha identificado 164 es-pécies vegetais usadas pelos pajés comfins medicinais, 138 das quais pareciamter potencial para atuar sobre o sistemanervoso central e possibilidade de virema ser aproveitadas no desenvolvimentode novas drogas. O projeto foi capa daPesquisa FAPESP nO 70, de novembro/-dezembro de 200l.

Apesar de um acordo firmado coma Vyty-Cati, associação que representaduas das 17 aldeias da Kraholândia, emfevereiro de 2001, garantindo, além doacesso ao material, a participação dos ín-

FITOTERÁPICOS

o preço daindefiniçãoPesqu isadores doCebrid interrompempesquisa com os I<rahô

CLAUDIA IZIQUE

Ahkrô: nome científicomantido em segredo

26 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Punhiejopihtu lI, umadas amostras do projeto

to Científico e Tecnológico (CNPq), pelaComissão Nacional de Ética e Pesqui-sa, e de ter sido encaminhado à Funda-ção Nacional do Índio (Funai). A apro-vação da Funai só saiu em julho de 200l."Enquanto isso, obtivemos autorizaçãodos índios para garantir a entrada na al-deia", ele lembra. Nesse período, os pes-quisadores e os representantes dos Kra-hô elaboraram várias minutas de umacordo finalmente assinado pela Vyty-Cati em fevereiro de 2001, que garantiaa todos os índios participação numaeventual patente, junto com a Unifesp.Nessa época, já havia entendimentopreliminar entre a Unifesp, os Krahô etrês laboratórios nacionais para explo-rar as plantas medicinais. Mas nenhumacordo foi firmado.

dios na distribuição de royalties decor-rentes de um eventual depósito de paten-te, a pesquisa foi desautorizada. Mem-bros de outra associação dos Krahô, aKapey, contesta a representatividade daVyty-Cati e reivindica a inclusão de todasas aldeias na repartição de eventuais be-nefícios decorrentes da pesquisa. Em do-cumento assinado por 29 caciques, pa-jés e membros da associação, a Kapeycobra da Unifesp uma indenização novalor estimado de R$ 5 milhões a títu-lo de danos morais e uma Taxa de Bio-prospecção no valor de R$ 20 milhões"pelo trabalho de coleta das plantas edo conhecimento a elas associado re-passados pelos pajés Krahô", para reto-mar a discussão sobre a continuidadeda pesquisa. "Foi um banho de águafria", lamenta Carlini.

O Ministério Público Federal, se-gundo sua assessoria, por solicitação daUnifesp, está verificando, há alguns me-ses, a regularidade do acordo firmadoentre a associação índigena Vyty-Cati ea universidade. "Entendo que a coleta derecursos naturais na referida área indí-gena não observou requisitos essenciais,

tais como consentimento prévio infor-mado de todos os índios da etnia Krahôe a distribuição equitativa de benefícios':comenta Maria Luiza Grabner, procura-dora da República que analisa o caso.

Participação na patente· A intençãode Carlini e seu grupo de pesquisadoresé recomeçar o projeto com outras plan-tas na região do pantanal ou da caatin-ga, longe de áreas de reservas indígenas."O Brasil tem 55 mil plantas", ele lem-bra. Mas a interrupção das pesquisas naKraholândia aborta uma experiência iné-dita no país: a de compartilhar os bene-fícios do conhecimento com as comu-nidades tradicionais onde eles tiveramorigem. "Os índios são autores de umtrabalho científico. Por ensaio e erro, des-cobriram os efeitos de uma planta sobredeterminada doença. O papel do cien-tista, nosso, no caso, é testar essa infor-mação", diz. Apesar do interesse na pes-quisa, a intenção sempre foi proteger astradições do grupo", afirma Carlini.

O projeto começou em 1998, de-pois de aprovado pela FAPESP, peloConselho Nacional de Desenvolvimen-

Hutticahãc parece atuarno sistema nervoso

Durante toda a pesquisa,o nome científico dasplantas e seu possível usoterapêutico foi mantidoem sigilo - elas foram

identificadas por seus nomes na lingua-gem timbira - e todas as amostras fo-ram guardadas no Instituto de Botâni-ca do Estado de São Paulo. "Além disso,o método de coleta utilizado não per-mitia sua análise fito química ou farma-cológica. Além de ter coletado apenastrês galhos de cada espécie, utilizei ál-cool nas plantas, o que impede que sejafeita a seleção de substâncias (screeningquímico)", conta Eliana.

Em novembro de 2001, pouco antesda defesa de tese que suscitou o estudo,os pesquisadores reuniram-se nova-mente com os representantes dos Krahô,em São Paulo, num encontro que con-tou com a participação de um advogadoespecialista em propriedade intelectual ede um antropólogo, assessor da Vyty-Cati,na tentativa de definir uma proposta deacordo e debater a partilha dos royalties.Uma nova reunião, em fevereiro de 2002,trouxe para o debate o Ministério Públi-co Federal, representantes da indústriafarmacêutica e da Funai. Uma série depontos estavam obscuros. Havia con-trovérsias, por exemplo, sobre a repre-sentatividade legal indígena para firmaracordos. "A reunião foi um banho deágua fria", lembrou Carlini. Foi sugeridoque a pesquisa fosse suspensa até que aquestão da repartição dos benefícios es-tivesse resolvida.

"Em maio a Kapey nos convidoupara um encontro em Tocantins, para

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maiores esclarecimentos sobre oprojeto, caso contrário eles nosprocessariam", lembra Carlini."Mas os índios da Vyty-Cati nosdisseram que eles preferiam dis-cutir o assunto entre eles. Nósnão fomos à reunião, mas man-damos uma carta colocando-nosà disposição para o entendimen-to." Foi exatamente nesse encon-tro que a Kapey decidiu cobrarindenização e uma taxa de bio-prospecção da Unifesp.

Marcos legais - A ausência demarcos legais de proteção da bio-diversidade no Brasil expõe gru-pos indígenas a ações de biopira-taria e, ao mesmo tempo, inibeminiciativas, como a da Unifesp,que buscam formas responsáveisde incorporar à ciência os conhe-cimentos tradicionais, comparti-lhando resultados. No Brasil, abiodiversidade e as culturas tradi-cionais são protegidas pela Medi-da Provisória 2.186, de 2001, edi-tada depois do início da pesquisae do acordo da Unifesp com a Vyty-Cati. A MP condiciona o acesso a re-cursos naturais à autorização da União,reconhece o direito das comunidadesindígenas e locais de decidirem sobre ouso de seus conhecimentos associadosaos recursos genéticos e prevê a reparti-ção de benefícios, se houver uso e co-mercialização. "Os benefícios resultan-tes da exploração econômica de produtoou processo desenvolvido a partir deamostra de componente de patrimôniogenético e de conhecimento tradicionalobtidos por instituição nacional ou ins-tituição sediada no exterior serão re-partidos, de forma justa e equitativa,entre as partes contratantes, conformedispuser o regulamento e a legislaçãopertinente': consta no texto da MP. Portratar-se de medida provisória, aindanão convertida em lei, o regulamento e alegislação pertinentes, aos quais se refe-re o texto, ainda não foram definidos.

A medida criou o Conselho de Ges-tão do Patrimônio Genético, com caráterdeliberativo e normativo, composto porrepresentantes de órgãos e entidades daadministração pública federal. Caberiaa esse Conselho estabelecer critérios pa-ra as autorizações de acesso e de remes-sa e diretrizes para a elaboração doContrato de Utilização do Patrimônio

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Genético e Repartição de Benefícios. Nes-te caso, a ausência de regulamentação jus-tifica a recomendação dos advogados,apresentada no encontro entre os pes-quisadores da Unifesp e os índios em fe-vereiro de 2002, de suspender a pesquisa."Infelizmente, a ausência de estratégiasde execução da MP afasta o interesse depesquisadores nacionais de se envolve-rem com pesquisas na área de conheci-

. mentos tradicionais. O conhecimentodas etnias brasileiras continuam à mercêde estrangeiros, que continuam se apro-priando do material oferecido pela bio-diversidade", lamenta Cristina Assima-kopoulos", advogada da Comissão dePropriedade Intelectual da Unifesp.

Eé com base nessa MedidaProvisória que a associaçãoKapey quer que a Unifesp pa-gue R$ 20 milhões, à guisa deTaxa de Prospecção, para

continuar a pesquisa No capítulo das san-ções administrativas está prevista aaplicação de multa "arbitrada pela auto-ridade competente, de acordo com a gra-vidade da infração e na forma do regula-mento", que pode variar de R$ 10 mil aR$ 50 milhões se a infração for cometidapor pessoa jurídica. Em caso de reinci-dência, a multa seria aplicada em dobro.

o caso aguaruna - Há oito anos,os índios aguarunas, do Peru, vi-veram situação semelhante. OGrupo Internacional de Biodiver-sidade Cooperativa (ICBG) im-plementou um programa de bol-sas - patrocinado pelo InstitutoNacional de Saúde, pela FundaçãoNacional de Ciência e pela Agên-cia Estadunidense para o Desen-volvimento - com a intenção de"pedir a conservação da biodiver-sidade e a promoção de ativida-des economicamente sustentadaspor meio da descoberta de drogasoriginadas de produtos naturais':Uma das cinco bolsas foi paraWalter Lewis, da Universidade deWashington, por trabalho basea-do na coleta de plantas medicinaisutilizadas pelos povos aguarunas,na Amazônia peruana. Participa-vam do convênio duas universi-dades peruanas e a Searle & Co.,braço farmacêutico da Monsan-to. As negociações começaram em1994 e uma carta de intenções foiassinada com os representantes

dos aguarunas. Até 1996, o povo agua-runa não participou formalmente doprocesso, até que, em maio daqueleano, eles foram até a sede da Searle, emSaint Louis, com uma proposta para re-negociar o convênio, que previa uma li-cença de know-how entre a empresa e ogrupo e compensação pela coleta de re-cursos e uso do conhecimento.

Como as organizações aguarunasrepresentavam menos da metade dopovo, o convênio foi inicialmente con-cebido como uma licença não exclusi-va: outros grupos ou povos não estariamimpedidos de utilizar seu direito de uso,compartilhamento ou venda de suasplantas medicinais ou conhecimento,em qualquer parte do mundo. Ficou es-tabelecido, no entanto, que o comparti-lhamento do benefício teria que levar emconta o interesse de todos os grupos -ainda que a coleta da plantas medici-nais se realizasse apenas nas comunida-des afiliadas à organização signatária doconvênio - e somente depois de decisãotomada por assembléia da comunidadeexpressando o seu desejo de participar.As pesquisas estão em andamento e oconvênio é considerado pela Organiza-ção Mundial da Propriedade Intelectual(Ompi) um modelo bem-sucedido deentendimento. •

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Opasso à frente do conhecimento

Físicos estão ajudando oshistoriadores a descobrirem que ano o cientista Gali-leu Galilei formulou a lei daqueda livre. A própria tintaque Galileu usava para es-crever está servindo de tes-temunha. Dentre várias des-cobertas geniais, o cientistaitaliano ficou famoso aodescobrir que objetos de di-ferentes massas caem com amesma aceleração em dire-ção ao solo. Historiadores daciência sempre desejaramsaber quando e como ele te-ve essa brilhante idéia, quefoi a primeira ruptura comas teorias aristotélicas de mo-vimento. A lei ainda não apa-

• CIÊNCIA

LABORATÓRIO

.------;-;;;~-:::--------::<III~---.r-J-----;----------,t vela a proporção de ferro,

:: cobre, zinco e chumbo natinta. A partir desses dados,os pesquisadores consegui-ram identificar mais de 20diferentes grupos de tintas.E descobriram que a tintausada na primeira formula-ção da lei de Galileu foi tam-bém empregada em regis-tros financeiros datados de1604. Agora, combinando asdatas das tintas com o quejá se sabe sobre a vida de Ga-lileu, os historiadores espe-ram pôr o restante dos pa-péis em ordem cronológicae, assim, traçar um quadroainda mais completo sobrea vida e obra do cientista. •

20Documento de Galileu: combinação da data de tintas

rece na obra Do movimento,escrita em 1590, mas estácompletamente formuladaem 1632,quando Galileu pu-blicou seu Diálogo sobre osDois Máximos Sistemas doMundo. Mas as notas escri-tas entre esses dois traba-

continua lá, bem guardada.Perdeu-se apenas a sintoniaentre as várias partes quecompõem a informação. Essaexplicação acerca do fun-cionamento da memória foidada pot pesquisadores nor-te-americanos ligados à Uni-

lhos não são datadas. Porisso, físicos do Instituto Na-cional de Física Nuclear deFlorença, Itália, estão bom-bardeando páginas das no-tas de Galileu com um feixede prótons e criando raiosX com um espectro que re-

versidade Iohns Hopkins eUniversidade do Arkansaspara Ciências Médicas. Segun-do os pesquisadores, o regis-tro das informações envolvesentidos diferentes (visão,tato, audição) e, portanto,partes diferentes do cérebro

A cronologia das teorias de Galileu

• Sintonia escondidada memória

Da próxima vez em que vocênão se lembrar de onde pôs aschaves do carro, console-se:essa preciosa informação nãofugiu de sua memória. Ela

Manipuladores de cérebrosNos últimos tempos, ocrescente desenvolvimentoda genética tem suscitadodiscussões acaloradas. Oscríticos descrevem um ce-nário aterrador: a criaçãode uma sociedade homo-gênea, a perda de privaci-dade, a ameaça à própriacondição humana. Masessa não é a única ciência aembutir esses perigos, aler-

ta a revista Economist (25de maio). Os avanços emneurotecnologia - que per-mitem manipular o cére-bro e modular as emoções-levantam questões éticas elegais da mesma natureza egravidade que os da gené-tica. Até recentemente, amaioria das experiênciascom cérebro humano nãoera considerada ética. A

para armazená-lo. Segundoo estudo, publicado na revis-ta Proceedings of the NationalAcademy of Sciences (abril de2002), a área responsável porfazer as conexões elétricas en-tre as várias partes do cérebroque estocam os fragmentos

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depositar o lixo da cidade. Adiferença com os lixões co-muns é que foram aplicadastodas as técnicas de engenha-ria para evitar problemas am-bientais e sanitários. Nessaárea de 38 hectares são aber-tas valas no formato de trapé-zio, de 5 metros na parte maisalta e de 3 metros na partebaixa. É cavado um buraco de3 metros de profundidade,que recebe um sistema dedrenagem. São construídosdutos com garrafas PET (deplástico) para liberar os gasesdecorrentes da decomposiçãodo material. Até a compacta-ção do lixo que vai para a va-la é feita com um rolo ma-nual muito barato, criadopela equipe da universidade.

de memória seria o tálamo. Seconfirmada, essa teoria podemudar radicalmente a formade tratar doenças como Al-zheimer, Parkinson e der-rame cerebral. •

• Ambientemarciano emsolo inglês

Enquanto os terráqueos nãochegam à Marte, cientistas doCentro de Pesquisas Espaciaisda Universidade de Leicester,Inglaterra, conseguiram tra-zer um pouco de Marte à Ter-ra. Eles construíram um si-mulador capaz de reproduziro ambiente marciano: ar com-posto, basicamente, por dió-xido de carbono, temperatu-ra entre -10 graus Celsius dedia e -80 graus à noite, pres-são do ar de 6 milibares (a daTerra é, em média, de 1 barou 1000 milibares). O Marti-an Environment Simulator(MES) - ou Simulador deAmbiente Marciano - seráutilizado para testar os equi-pamentos do veículo Beagle2, que deverá chegar a Marteem 2003, com uma impor-tante missão: descobrir se,além do gelo existente abaixoda superfície do planeta, há,também, indícios de vida. •

Marte:simulador paratestar máquinas

• Engenharia corretapara o lixo urbano

Nada como a simplicidadepara resolver problemas apa-rentemente insolúveis. O des-tino do lixo urbano, uma dasgrandes dores de cabeça dequalquer prefeito, recebeu al-gumas idéias criadas pela Es-cola de Engenharia da Uni-versidade Federal de MinasGerais (UFMG) que poderãoser imitadas por todos os pe-quenos ,municípios entre 20mil e 30 mil habitantes. Aequipe da professora LiséteLange, do Departamento de

Engenharia Sanitária dauniversidade, decidiu se

inscrever no Programade Pesquisa em Sa-neamento Básico(Prosab), vincula-

'" do ao Ministério~ da Ciência e Tec-

nologia, para criaralternativas de dis-

posição de resíduossólidos para pequenas

comunidades. "Resol-vemos fazer uma expe-

riência em escala real e con-seguimos um convênio coma prefeitura de Catas Altas,interior de Minas Gerais, de5 mil habitantes", diz Liséte,coordenadora do projeto. Otrabalho consistiu em usaruma área de 38 hectares para

Caminhão joga lixo na vala: 1,8 tonelada em cada buraco

tradição mandava que osneurocientistas se sentassemcom os braços cruzados, es-perando que um pacienteentrasse no consultório comum tumor ou outra lesãonuma parte do cérebro cujafunção ainda não fosse co-nhecida. Teoricamente, essepaciente apresentaria algumcomportamento estranhoque poderia ser relacionadocom a área lesada. Assim, aospoucos se poderia traçar ummapa funcional do cérebro.Ao longo da última década,

contudo, as máquinas paramedição da atividade cere-bral proliferaram e se sofisti-caram. Uma dessas novastécnicas é a imagem por res-sonância magnética funcio-nal, que emprega camposmagnéticos para monitorar ataxa de fluxo sangüíneo nocérebro e, assim, determinarque áreas estão mais ativas.Essa máquina permite moni-torar as emoções humanascomo nunca foi possível an-tes. Pesquisadores da Univer-sidade de Pittsburgh, por

exemplo, obtiveram uma es-pécie de marcador para de-pressão. O que mais assusta éa perspectiva de que a neuro-tecnologia possa ser usadapara "melhorar" seres huma-nos, abrandando as diferen-ças entre as pessoas e trans-formando a sociedade emalgo homogêneo. Ou o opos-to: criando castas de serescom upgrade, privilegiadosem relação a outros. Comona genética, a neurociênciaavança mais rápido do que oencontro das respostas. •

Na vala cabe 1,8 tonelada delixo (ela leva de três a quatromeses para ser preenchidacom essa quantidade). De-pois de cheia, a vala é cobertae são plantadas gramíneas."Os 38 hectares deverão estaresgotados em 15 anos." Quan-do a coleta seletiva de lixocomeçar a funcionar na cida-de, esse prazo deve aumen-tar para 20 anos. O projetocustou apenas R$ 45 mil àprefeitura de Catas Altas noprimeiro ano (2001), mas vaicair em 2002 porque a maiorparte do investimento em in-fra-estrutura já foi feito. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 31

Pesticidas como causa de câncerTudo indica que um tipo deagente cancerígeno extre-mamente perigoso conti-nua fazendo vítimas na árearural. Pesquisa realizada naparte serrana do Rio de Ja-neiro mostrou que entre1979 e 1998 os agricultoresdessa região morreram maisde câncer do que o resto dapopulação. O biólogo Ar-mando Meyer, da EscolaNacional de Saúde Pública,ligada à Fundação OswaldoCruz (Fiocruz), estudouuma área em que impera apolicultura, modo de pro-dução de produtos horti-frutigranjeiros, cujas cultu-ras exigem aplicação detipos diferentes de pesticidas.Ele comparou óbitos porcâncer em agricultores ho-mens entre 30 e 69 anos coma população urbana do Rio

nogênese química, no qualas moléculas de alguns pes-ticidas se ligam ao códigogenético das células desen-cadeando um processo demultiplicação descontrola-do. A outra hipótese é inte-ração entre as substânciasquímicas e o sistema endó-crino, o que pode causardistúrbios no seu compor-tamento. O maior proble-ma, no entanto, é o fato deos agrotóxicos serem utili-zados de modo errado esem a proteção necessáriapelas pessoas que estão emcontato direto com as la-vouras. Também usam-seos produtos em doses supe-riores às recomendadas. "Osimples uso dos pesticidasconstitui-se em grave pro-blema de saúde pública nomeio rural", diz Meyer. •

Pulverização com pesticidas: falta de informações

de Janeiro e de Porto Ale-gre. O número de mortesobservados, para determi-nados tipos de câncer, foiproporcionalmente maiorentre agricultores do quenos demais grupos. Entre 50e 69 anos, os trabalhadoresrurais morreram mais de tu-

mores no esôfago, estômago,laringe e pênis; entre 30 e 49anos foram mais atingidospor leucemia, câncer de tes-tículo, tecidos conjuntivos efígado, além de esôfago eestômago. Meyer tem duasexplicações para esses resul-tados. A primeira é a carci-

• Sobre homense ratos

para quem pagar. A Celera fi-cou famosa ao competir como consórcio público interna-cional de laboratórios - Esta-dos Unidos e a Inglaterra naliderança - pelo seqüencia-mento do genoma humano.Um dos fundadores da com-panhia foi o polêmico geneti-cista Craig Venter. Em mea-

dos de junho deste ano, me-ses depois de Venter ter sedesligado da empresa, seusdirigentes anunciaram queela pararia com o trabalho deseqüenciamento de genes hu-manos. O geneticista preten-dia concluir o genoma huma-no antes do consórcio públicopara vender os resultados

para laboratórios interessa-dos. Mas o consórcio apres-sou-se e conseguiu publicar otrabalho ao mesmo tempoque a Celera. Sem os lucrosesperados, a empresa decidiu,então, investir em medica-mentos e trabalhar apenascom os genes já seqüenciadosde seres humanos e ratos. •

A proximidade entre roedo-res e homens é maior do quese pensava, segundo indica aanálise do cromossomo 16 dorato. "Uma diferença de 2,5%é, provavelmente, uma esti-mativa razoável': afirma Ri-chard Mural, da empresa Ce-lera, que está trabalhando nacomparação do cromossomodo camundongo com oDNA humano. Dos 731genesachados, apenas 14 não fo-ram encontrados tambémem humanos. O trabalho foipublicado na revista Science(vol. 296, pág. 1661) e a em-presa disponibilizou a se-qüência completa na Inter-net. Mas o resto do genomado rato só estará disponível

• Achadas duas novasespécies de macaco

Pródiga em polêmicas e dis-putas, a Amazônia brasileiraproduziu mais uma surpresaem junho. Foram descobertasduas novas espécies de maca-cos sauá, o que eleva para 95o número de primatas nativosdo Brasil, o país com maiordiversidade em macacos. Pe-sando apenas 700 gramas,Rato: diferença de apenas 2,5% no cromossomo 16

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Callicebus bernhardi(acima)e C. stephennashi

com 80 centímetrosdo focinho à cauda,eles receberam os no-mes científicos deCallicebus bernhardi eCallicebus stephenna-shi. O primeiro viveentre a margem lestedo rio Madeira e par-

tes mais baixas do rioAripuanã, ao sul do rio Ama-zonas. O segundo não se sabeao certo qual o local em quevive porque foi levado aospesquisadores por pescado-res. As espécies foram descri-tas por Marc van Roosmalen,primatologista do InstitutoNacional de Pesquisas daAmazônia (Inpa), seu filhoTomas van Roosmalen eRussel Mittermeier, presi-dente da organização não-go-vernamental ConservationInternational (CI). Callicebusbernhardi, cujo nome popu-lar é sauá Príncipe Bernhard,é uma homenagem ao prínci-pe Bernhard dos Países Bai-xos' naturalista de 91 anosque criou a Ordem da ArcaDourada para reconhecer otrabalho de conservacionistasem todo o mundo. Callicebusstephennashi, por sua vez, ho-menageia Stephen Nash, ilus-trador técnico que contribuiupara a conservação de prima-tas por meio de seus desenhosem material educativo. Nashtrabalha hoje para a CI e naUniversidade do Estado deNova York. Van Roosmalen eMittermeier já haviam des-crito outras quatro espéciesde macacos. •

• Desodorantehigh-tech

Por mais caprichado que sejao banho pela manhã, a maio-ria das pessoas não conseguechegar perfumada ao final dodia. A culpa é das bactériasque vivem no suor e produ-zem moléculas malcheirosas.

Os desodorantes comunsusam álcool para matar asbactérias, mas algumas so-brevivem e multiplicam-se aolongo do dia. Agora, pesqui-sadores do Laboratório deDesenvolvimento e Pesquisada Unilever, na Inglaterra,acharam uma solução defini-tiva: matar as bactérias defome. É que o suor contémtraços de ferro, que a maioriadas bactérias necessita para semultiplicar. Assim, eles cria-ram um desodorante con-tendo DTPA (ácido dietile-no-triamino-pentacético ),substância que se liga ao ferrode tal forma que a bactéria

não possa usá-Io. Mas só issonão seria o suficiente. Partedo ferro existente no suorcombina-se com proteínas e abactéria que puder "quebrar"essas proteínas ainda conse-guirá o ferro. Assim, foi adi-cionado um outro ingredien-te, chamado hidroxitoluenobutilado (BHT), que libera oferro das proteínas para queele possa ser capturado peloDTPA. Um desodorante con-tendo essa combinação foitestado em 50 voluntários aolongo de duas semanas e re-duziu o número de bactériasem 90%, comparado com osprodutos convencionais. •

indivíduos com alto graude religiosidade, especial-mente entre os católicos, re-lataram os mais graves sin-tomas do distúrbio. Para apsiquiatra Lynne Drum-mond, do Hospital SaintGeorge, de Londres, o es-tudo é pouco esclarecedor.Ela acredita que o TOCocorre em quem tem pre-disposição genética paraisso. Mas diz que muitospacientes com o distúrbioadmitem ter tido educaçãoexcessivamente rigorosa. •

Distúrbio compulsivo e o temor a DeusEstudo publicado na revistaBehavior Research and The-rapy (julho de 2002) mos-trou que há uma aindainexplicada relação entrereligião e distúrbios de com-portamento. Pesquisadoresdas universidades de Par-ma e de Padova, ambas naItália, indicaram que, entreos grupos de pessoas comm~ior religiosidade, os ca-tólicos são mais propensosa ter transtornos obsessi-vos-compulsivos (TOC), es-pecialmente se tiveram umaeducação religiosa severana infância. O TOC carac-teriza-se por pensamentosobsessivos (idéias, ima-gens, sons, frases, lembran-ças, dúvidas ou impulsos)usualmente desagradáveise acompanhados de apreen-são e angústia. Mesmo asconsiderando absurdas, opaciente não consegue ig-norá-Ias. São clássicos oscasos em que a pessoa lavaa mão inúmeras vezes pordia, sem motivo. As causasdo problema, que afeta mi-

Educação religiosa rígida pode estar ligada a distúrbio

lhões em todo o mundo,ainda são obscuras. Sabe-se apenas que fatores gené-ticos, educação e traumasemocionais têm implica-ções no problema. A novi-dade do estudo é a desco-berta de que católicos têmmais sintomas de TOC -além de um conhecido sen-timento de culpa exacer-bado. Foram comparadasfreiras e padres com umacomunidade laica de cató-licos e com outros sem en-volvimento religioso. Os

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CIÊNCIA I CAPA

GENÉTICA

Bastou uma viagemEstudo sustenta que uma únicaleva de caçadores da Ásiacolonizou a América há 21 mil anos

MARCOS PrVETTA

ções e a diversidade do chamado DNAmitocondrial- um tipo de material ge-nético que, se devidamente trabalhado,é capaz de abrir uma janela para o pas-sado e fornecer estimativas aproxima-das de processos evolutivos, além de, doponto de vista clínico, estar potencial-mente relacionado à ocorrência de do-enças humanas. Para os defensores dateoria clássica de colonização da Amé-rica, hoje muito questionada por recen-tes achados arqueológicos e estudos ge-nômicos, houve três movimentos deentrada de grupos asiáticos no conti-nente, o primeiro tendo ocorrido hácerca de 12 mil anos.

Os resultados do novo trabalho su-gerem que todos os membros da he-terogênea população de ameríndiosanalisada - 25 índios brasileiros per-tencentes a oito etnias (Guarani, Kaia-pó, Katuena, Potururaja, Tirio, Waiampi,Arara e Yanomami) e cinco Quechua, doPeru - derivaram de um único grupoancestral, possivelmente os primeiros co-lonizadores da América. "Nossos dadosbiológicos apóiam a teoria de que aentrada do homem no continente é mais

AOlêmica sobre o momentoda chegada do homem àAmérica, um acaloradodebate científico, acabade ser reavivada por um

estudo genético com 30 índios nativosdo continente, a maioria pertencente aetnias presentes no Brasil. A análise deuma parte da molécula de DNA (ácidodesoxirribonucléico) desses descen-dentes dos povos primordiais que ocu-param o Novo Mundo reforça a tese deque o Homo sapiens atingiu o Alasca,vindo da Ásia, via Estreito de Bering,há cerca de 21 mil anos e em apenasuma leva migratória. Saída da Sibéria,

uma pequena população de caçado-res-coletores de traços mongolóides(orientais) teria atravessado, por voltadessa época, a Beríngia - uma vastaextensão de terra, hoje coberta pelaságuas oceânicas, que ligava os dois con-tinentes - em busca de comida e se ins-talado na América.

Uma equipe de pesquisadores denove centros do Brasil e um do Peru,coordenados por Marco Antônio Zagoe Wilson Silva [r., da Faculdade de Me-dicina de Ribeirão Preto da Universida-de de São Paulo (USP), chegou a essaconclusão depois de seqüenciar e estu-dar nos ameríndios o perfil das muta-

Amostra ampla:estudo apoiado noDNA mitocondrialde 30 ameríndios,a maioria de etniasque vivem no país,como os Yanomamis

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 35

lavras, a matriz dessas quatro linha-gens, aparentemente irmãs, é asiática.

Isso, por si só, não é uma evidênciaconcreta de que os quatro haplogruposse originaram simultaneamente e deuma mesma população. Para demons-trar esse tipo de correlação, o grupo deZago calculou quando cada um dos qua-tro haplogrupos de DNA mitocondrialse diferenciou de sua seqüência-mãe. Éalgo como tentar descobrir a data denascimento de cada linhagem. Os re-sultados foram muito semelhantes, su-gerindo a existência de um ancestralcomum às quatro linhagens em algummomento do passado. Pelas contas dospesquisadores, o haplogrupo A surgiuhá 20,S mil anos; o B, há 18,1 mil anos;o C, há 21,6 mil anos; e o D, há 23,8 milanos. "Essa diferença não é estatistica-mente relevante no tipo de metodolo-gia que usamos no trabalho", diz SilvaIr, "É como se todos os haplogrupos ti-vessem aparecido mais ou menos aomesmo tempo." E quando isso teriaocorrido? Cerca de 21 mil anos atrás,pois esse resultado equivale à idade mé-dia de todas as linhagens. Portanto, seos tipos de DNA mitocondrial encon-trados hoje em mais de 90% dos povosnativos da América remontam a umamesma época, isso provavelmente querdizer que todos os membros dessesgrupos descendem de uma única levamigratória vinda da Ásia.

Nesse tipo de estudo genômico, umdos grandes desafios é levantar subsí-dios que mostrem onde ocorreu a taldiferenciação do DNA mitocondrial

Em busca dos males da mitocôndria

antiga do que normalmente se pensa ede que esse processo se deu em apenasuma leva migratória': afirma Zago, eu-ja equipe contou com financiamentoda FAPESPe do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecno-lógico (CNPq). "Essas populações deameríndios provavelmente tiveramuma origem comum."

Para efeito de comparação e calibra-gem da metodologia empregada, os pes-quisadores analisaram o DNA mitocon-drial de dez brasileirosnão-ameríndios,quatro de origem africana (negros),três de ascendência branca e três des-cendentes de asiáticos (japoneses). Otrabalho da equipe de Zago foi publi-cado na edição de julho da revista nor-te-americana The American [ournal afHuman Genetics, uma das mais impor-tantes da área. Suas principais conclu-sões ratificam as idéias centrais de umamplo estudo europeu que ganhou, em2000, as páginas da revista Nature, etambém se baseara no uso do DNA mi-tocondrial como se fosse um relógiomolecular da evolução humana.

Apesar de terem analisado o mate-rial genético de um número relativa-mente pequeno de ameríndios, presentesem apenas dois países sul-americanos,os pesquisadores brasileiros estão con-vencidos de que seus dados são plena-mente confiáveis."Um estudo com umaamostra maior e mais diversificada che-garia substancialmente aos mesmos re-sultados", comenta o geneticista SilvaIr,Também o fato de terem seqüenciado eestudado apenas 50% dos pares de base

Além de ser uma espécie de ar-quivo molecular do passado, o DNAmitocondrial também pode fornecerpistas importantes sobre mutaçõespotencialmente associadas ao desen-volvimento de algumas doenças,como o mal de Parkinson, Alzheimere o diabetes melito do tipo 2. Numtrabalho publicado na edição demaio do The American [ournal af Hu-man Genetics, a mesma revista nor-te-americana que acolheu o estudodos brasileiros com os ameríndios,pesquisadores de uma empresa debiotecnologia da Califórnia, a Mito-

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(unidades químicas) do DNA mito-condrial dos ameríndios - e não 100%- não é visto como uma falha metodo-lógica do trabalho. Ao contrário. "Nossoartigo é o segundo no mundo a mostrarque, com metade do DNA mitocondrialmapeado, é possível chegar aos mesmosresultados do seqüenciamento comple-to dessa molécula", assegura Zago.

Dessemodo, como era es-perado, o material gené-tico dos 30 índios sul-americanos estudados seencaixou em uma das

quatro grandes linhagens de DNA mi-tocondrial que caracterizam os povosnativos da América, chamadas tecnica-mente de haplogrupos A, B, C e D. En-tre os dez brasileiros de origem não-ameríndia - pessoas que, obviamente,não são candidatas a serem descenden-tes das primeiras populações que che-garam ao continente -, somente o DNAmitocondrial de um indivíduo brancopertencia a um dos haplogrupos típicosdos nativos americanos. Cada linhagemde DNA mitocondrial apresenta umnúmero e padrão de mutações que lheconferem uma identidade própria, umadiversidade genética peculiar. É issoque as torna diferentes. Os quatro ha-plogrupos, no entanto, guardam muitasemelhança entre si - como irmãos deuma mesma família - e também éom oDNA mitocondrial dos habitantes atu-ais da Ásia, uma evidência de que osocupantes primordiais da América vie-

, ram daquele continente. Em outras pa-

Kor, revelaram que seqüenciaram ogenoma mitocondrial de 560 pes-soas de origem asiática, européia eafricana. O esforço da companhiaproduziu, possivelmente, a maior ba-se de dados com seqüências dessaregião do DNA humano, compostapor apenas 16.500pares de bases (uni-dades químicas).

O grande desafio dos cientistasagora é mapear todas as mutações dogenoma mitocondrial e descobrirquais dessas alterações podem ser fa-tores de risco para o aparecimento dasdoenças citadas. Para atingir esse ob-

jetivo, o que abriria caminho para odesenvolvimento de novas terapiascontra essesdistúrbios, as seqüênciasgenômicas de indivíduos sadios e deportadores de Alzheimer, Parkinsone diabetes vão ser comparadas emdetalhe. A tarefa não é fácilnem devetrazer resultados a curto prazo, masisso não desanima os pesquisadores."A questão central é que não há res-postas simples", afirma Neil Howell,principal autor do estudo. "Vamos terde caracterizar o genoma mitocon-drial de populações ainda maiorespara encontrar as respostas."

o

~ Mundo, ocorrido há milhares de anos?S Antes de tudo, é preciso compreender a

importância - e a especificidade - dessetipo de material genético em relação atodo o genoma humano. Cada célulahumana abriga DNA em duas estru-turas: o núcleo, que contém mais de99,9% de todo o material genético daespécie, e uma organela responsávelpela produção de energia, a mitocôn-dria. Enquanto o DNA do núcleo celu-lar apresenta mais de 3 bilhões de paresde bases, o DNA mitocondrial abrigasomente 16.500 pares de base e apre-senta algumas peculiaridades que otornam um bom marcador biológico.

o caminho da conquista. .

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/ B E R ÍJ G I AH~-21mil anos,havia'uma ligação'- ,

terrestre entre Asiae América, a B~í.jJ91a '- '-""'-- __

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que levou à disseminação maciça doshaplogrupos A, B, C e D apenas naAmérica. Que evidências existem deque esse processo se deu aqui e não naprópria Ásia? Afinal, as quatro linha-gens poderiam ter surgido antes daocupação do Novo Mundo e terem sidotrazidas para cá por mais de um movi-mento migratório, simultâneo ou não."A presença das linhagens A, B, C e D éminoritária na Ásia, onde predomi-nam outras variedades de DNA mito-condrial", comenta Sandro Bonatto,pesquisador da Pontifícia Universi-dade Católica do Rio Grande do Sul(PUC-RS), que também participou doestudo. "Se essa diferenciação tivesseocorrido antes da chegada à América,deveria haver hoje mais representantesdessas linhagens naquele continente."

Efeito gargalo - Para os autores do tra-balho com os ameríndios, a origemdesses haplogrupos está claramente li-gada a um processo de ocupação docontinente por uma única e reduzida

A Beríngia foi cobertapelas águas e deu origemao Estreito de Bering

leva migratória, levada a cabo, possivel-mente, por alguns poucos milhares deindivíduos. Se tivessem ocorrido outrasmigrações, argumentam eles, hoje deve-ria haver mais linhagens de DNA mito-condrial por aqui, mais antigas ou maisnovas do que os quatro haplogrupos.Como os ameríndios apresentam menosdiversidade genética do que os asiáticos,os pesquisadores acreditam que os na-tivos da América sejam o resultado deum processo evolutivo chamado de efei-to gargalo: a partir de poucos indiví-duos -leia-se baixa diversidade genéti-ca - origina-se uma população enormeque vai colonizar uma grande área - astrês Américas, no caso.

Quem não trabalha com genômicatem dificuldade em entender como ospesquisadores conseguem construirsuas hipóteses teóricas sobre a ocupa-ção da América a partir da análise dealguns milhares de pares de base doDNA mitocondrial. Como esse tipo dematerial genético pode jogar luz sobreo processo de colonização do Novo

Eleé independente do DNAnuclear e é passado para asgerações futuras apenas pe-la linhagem materna, semsofrer recombinação com

material genético proveniente da as-cendência paterna. Mas isso não querdizer que o DNA mitocondrial é imutá-vel e exatamente igual em qualquer pes-soa. Em razão de mutações aleatórias eerros no processo de cópia, os pares debase que formam a sua seqüência so-frem alterações de tempos em tempos.Muitos cientistas acreditam que as mu-tações do DNA mitocondrial ocorremnum ritmo mais ou menos constante ecriam modelos matemáticos para ten-tar estabelecer, com forma aproximada,quando duas populações distintas tive-ram um ancestral comum. "Esse tipode análise não traz respostas prontas,mas aponta fortes tendências", ressaltaSilva Ir, Foi, grosso modo, isso que ospesquisadores brasileiros e peruanosobtiveram em seu trabalho.

Depois de seqüenciar uma regiãocontínua de 8.800 pares de base doDNA mitocondrial dos 30 ameríndios(e também dos dez brasileiros de ori-gem não-indígena), a equipe deu inícioà tarefa de tentar decifrar as origens, notempo e no espaço, desse material ge-nético e inferir quando e em quantaslevas o homem chegou à América. Nãose trata de um trabalho que parte donada, do zero, mas sim de algumas pre-missas assumidas e difundidas em ou-tros trabalhos científicos. Para ampararseus cálculos matemáticos e compara-ções genômicas que os levariam a esti-mar o momento da chegada dos pri-meiros colonizadores do Novo Mundo,os pesquisadores tiveram, logicamente,

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 37

de adotar um ponto de partida pa-ra a existência das formas iniciaisde hominídeos na Terra: assumi-ram, como outros trabalhos tam-bém fizeram, que os hominídeosse diferenciaram dos chimpanzéshá cerca de 5 milhões de anos.

Emseguida, compara-ram o DNA mito-condrial desses bichoscom o dos ameríndiospara estabelecer com

que freqüência ocorrem altera-ções (mutações) nessa região dogenoma em humanos. Feitas ascontas, mostraram que há anual-mente 2.4 x 10-8 substituições(mutações) por par de bases notrecho estudado do DNA mito-condrial dos ameríndios. "Issoequivale a dizer que ocorre umamutação nessa região a cada 5 milanos", comenta Sandro Bonatto.Se essa taxa estiver correta e sea ocupação do Novo Mundo sedeu há cerca de 21 mil anos, osameríndios de hoje devem apre-sentar pelo menos quatro mutações amais em seu DNA mitocondrial doque seus ancestrais asiáticos.

Existem várias teorias que procuramexplicar a chegada do homem à Améri-ca a partir da análise de material paleo-arqueológico e, mais recentemente,com a ajuda de estudos do DNA huma-no. O trabalho dos pesquisadores daUSP de Ribeirão Preto e seus colabora-dores é mais um que se insere nessa cres-cente tendência de usar a informaçãogenética para tentar entender um pro-cesso de colonização cuja compreensão,até bem pouco tempo atrás, dependiabasicamente do resgate de ossos de hu-manos e animais, da análise de artefa-tos e desenhos feitos por ascendentesde nossa espécie, além de trabalhos so-bre a evolução lingüística dos amerín-dios e do clima no continente. O estudonão tem a pretensão de esgotar esse po-lêmico e apaixonante assunto, nem estáisento de críticas, sobretudo dos parti-dários de outras visões sobre a chega-da do Homo sapiens ao Novo Mundo."Mas nossa análise é fria e baseada emdados confiáveis", salienta Zago.

Até algumas décadas atrás, a visãodominante acerca da colonização era di-tada pelos norte-americanos mais tra-dicionalistas, que sempre difundiram a

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Pintura rupestre no Piauí: indícios dos colonizadores

tese de que houve três movimentos mi-gratórios de populações mongolóidesvindos da Ásia. A primeira leva de co-lonizadores teria chegado há cerca de12 mil anos anos. Essa linha de estudio-sos diz que a primeira cultura a sê esta-belecer aqui foi a de Clóvis, no NovoMéxico, Estados Unidos, onde, contu-do, nunca foram encontradas ossadas

, humanas, mas, sim, muitas pontas delança, prova da existência dessa civili-zação primordial.

Teorias alternativas - Outras correntespostulam que o desembarque inicial daleva de caçadores e coletores vindos daÁsia em direção ao Novo Mundo ocor-reu antes dessa data. Um estudo recente,feito por pesquisadores da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG),que analisaram o cromossomo Y -transmitido apenas pelo pai para os fi-lhos de sexo masculino - de 18 gruposde ameríndios, sustenta que houve ape-nas uma onda migratória, entre 15 mile 30 mil anos atrás - uma conclusão nalinha do artigo produzido agora pelosseus colegas da USP de Ribeirão Pretocom o DNA mitocondrial.

Há ainda quem, como a arqueólogaNiede Guidon, defenda a tese de que apresença humana na América é bem

mais antiga, remontando há cer-ca de 50 mil anos. Ela sustentaessa idéia a partir de dataçõesrealizadas em restos de uma fo-gueira (que teria sido feita porhumanos) encontrados em SãoRaimundo Nonato, no Piauí, on-de ainda foram localizadas pin-turas rupestres de mais de 10 milanos. O sítio arqueológico deMonte Verde, no Chile, tambémjá forneceu evidências de que ohomem está na América do Sulhá mais de 12 mil anos.

Perda de linhagens - Numa ou-tra linha de trabalho, o bioar-queólogo Walter Neves, do Ins-tituto de Biociências da USP,defende uma hipótese diferente.Baseado na anatomia de esquele-tos humanos achados em pontosda América do Sul, entre os quaisLuzia, o mais antigo crânio com-pleto de Homo sapiens encontra-do no continente (resgatado naregião míneira de Lagoa Santa edatado em 11 mil anos), Neves

diz que os primeiros ocupantes do No-vo Mundo chegaram aqui entre 13 mile 14 mil anos e não eram mongolóides,mas, sim, membros de uma populaçãoasiática similar aos atuais aboríginesaustralianos e negros africanos. O pro-blema é que esse suposto colonizadorprimordial pode ter se extinguido, sen-do suplantado pelos mongolóides.

Não seria possível, portanto, estu-dar o DNA mitocondrial dos descen-dentes de Luzia simplesmente porqueeles podem não existir. Isso, no entanto,não incomoda Neves. "Esse modelo deocupação da América defendido pelosgeneticistas a partir da análise do DNAmitocondrial de grupos indígenas atu-ais não bate com o que mostram osfósseis", afirma o bioarqueólogo. "Elesnão levam em conta que pode ter ha-vido perda de linhagens de DNA como passar do tempo, tanto na Ásia comona América." Os geneticistas admitemque, se Luzia e seus contemporâneosnão deixaram descendentes, não épossível negar ou provar sua existên-cia pela análise das populacões atuais."Mas nossos dados mostram que aocupacão da América por mongolói-des comecou há pelo menos 20 milanos, muito antes do período propos-to por Neves", afirma Zago. •

• CIÊNCIA

GENÔMICA

TerritórioampliadoSafra de genomas encerradosinclui novas formas decombate à esquistossomose

Pesquisadores da rede ONSA(Organização para Seqüen-ciamento e Análise de Nu-cleotídeos) identificaram 200novos genes associados aos

estágios de vida do verme Schistosomamansoni, causador da esquistossomose,doença típica de países pobres, queatinge no mundo todo 200 milhões depessoas e, só no Brasil, cerca de 10 mi-

lhões de habitantes. Com as conclusõesque emergem da análise do genoma doparasita, estudado também por gruposde pesquisa em Minas Gerais, abrem-senovas perspectivas de combate à doen-ça, hoje tratada com medicamentosque reduzem a quantidade de parasitasno sangue, mas não evitam a reinfecção- e há evidências de que os parasitas setornam resistentes às drogas em uso.

Casal: durante a reprodução, afêmea do Schistosoma

(verde) se instala dentro domacho. Acima, um ovo

Os achados sobre o Schistosomaocorrem num momento particularmen-te fértil do Programa Genoma-FAPESP,inaugurado em 1997 com o mapeamen-to da bactéria Xylella fastidiosa, uma daspragas dos laranjais. No mês passado,foi concluído o genoma de outra bacté-ria, a Leifsonia xyli subsp xyli, que atacaa cana-de-açúcar (Saccharum officina-rum) e reduz em até 27% a biomassa

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 39

-------------rl-aproveitável para produção deaçúcar e álcool. A Leifsonia é oprimeiro projeto inteiramentenacional no âmbito de um pro-grama filhote do Genoma-FA-PESP, o Genomas Agronômicose Ambientais (AEG), criado em2000 a partir do seqüenciamen-to de uma variedade de Xylellaque ataca as videiras, em con-junto com o Departamento deAgricultura dos Estados Unidos.

Chegam resultados importan-tes também do seqüenciamentode cloroplasto - uma estruturacelular - da cana-de-açúcar, queexibe uma impressionante seme-lhança com o milho (Zea mays),e está praticamente finalizado ode uma alga marinha, a Graci-laria tenuistipitata, produtorade ágar-ágar, um gel de largaaplicação industrial. O cloro-plasto possui seu próprio geno-ma, cuja manipulação permiti-ria criar plantas transgênicasmais seguras.

À medida que as informações seacumulam, é possível conhecer, num rit-mo cada vez mais acelerado, a função decada gene dos organismos estudados eos pontos mais vulneráveis dos causa-dores de doenças, seja em seres huma-

o Biomphalaria: em lagosde águas paradas,transmitindo o Schistosomamansoni (acima)

laria glabrata. As equipes de SãoPaulo e de Minas que trabalhampara deter seu avanço reforçamos projetos internacionais deidentificação e análise dos geno-mas de agentes de doenças típi-cas de países subdesenvolvidos,como os protozoários Plasmodi-um falciparum, causador da ma-lária, o Trypanosoma cruzi, res-ponsável pela doença de Chagas,e a Leishmania, da leishmaniose.

Em pouco mais de um ano,um grupo da rede ONSA coor-

denado por Sergio Verjovski-Almeida,do Instituto de Química da USP - emcolaboração com outros laboratóriosda própria USP, da Universidade deCampinas (Unicamp), e dos institutosButantan e Adolfo Lutz - produziu 130mil seqüências das regiões expressas

nos, seja em plantas, a partir dos quaisse estabelecem rotas de combate. É esseo principal objetivo do trabalho com oSchistosoma, verme de 6 a 10 milíme-tros de comprimento e 0,5 milímetrode diâmetro que chega aos seres huma-nos por meio dos caramujos Biompha-

A cana bem compreendidaO genoma das variedades de cana-de-açúcar mais cultivadas no Brasil nun-ca foi analisado sob tantas abordagensquanto nos 37 artigos científicos quecompõem a mais recente edição da re-vista brasileira Genetics and MolecularBiology, da Sociedade Brasileira de Ge-nética, dedicada aos resultados do pro-jeto Genoma Cana ou Sucest, financia-do pela FAPESP e Copersucar.

Os artigos - produzidos por cerca de200 pesquisadores de 39 equipes darede ONSA - discutem variados aspec-tos do projeto e dos mais de 43 mil clus-ters, regiões do genoma da cana que po-dem ter um ou mais genes, identificadospelo Sucest. "Esses trabalhos trazem infor-mações importantes não só para a com-preensão da biologia da cana, mas tam-bém de outras gramíneas cultivadas dealto valor comercial, como o milho, ar-

roz e sorgo", diz Paulo Arruda, da Uni-versidade Estadual de Campinas (Uni-camp), coordenador do projeto.

Alguns trabalhos abrem perspectivasrumo a uma possível manipulação gené-tica com o intuito de melhorar o rendi-mento do cultivo de cana, aumentar aresistência a doenças ou reduzir os cus-tos de produção. A equipe de AdrianaHemerly, da Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ) identificou umgrupo de genes que parece estar associa-do à relação simbiótica (benéfica) entreduas bactérias fixadoras de nitrogênio,Gluconacetobacter diazotrophicus e Her-baspirillum rubrisubalbicans, e a cana.Quando se instalam no interior da plan-ta, elas fixam o nitrogênio, o que natural-mente reduz a necessidade do uso deadubo nitrogenado. "Queremos aprimo-rar essa relação de simbiose", diz ela.

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Os primeiros resultados são anima-dores. Após inocular as duas espéciesde bactérias na cana, Adriana e seus co-legas (da Embrapa Agrobiologia, doRio, e também da Unicamp) medirama expressão (o nível de uso) dos genesda planta em várias situações. Viramque 274 genes da base de dados do Su-cest se expressavam apenas em plan-tas com a G. diazotrophicus, 198 eramusados somente quando a cana abriga-va a H. rubrisubalbicans e 62 se mos-travam ativos só quando esse cultivoapresentava simultaneamente as duasbactérias. "Antes do Sucest conhecía-mos quatro ou cinco genes relaciona-dos à simbiose."

Numa outra linha de trabalho, umaequipe coordenada por Marcelo Menos-si, da Unicamp, identificou 43 genes quepodem estar relacionados à tolerância da

-

(atuantes) dos genes - as chamadasESTsou etiquetas de seqüências expres-sas, que são os fragmentos de DNA(ácido desoxirribonucléico) com as in-formações para a produção de proteí-nas. Essas seqüências de genes refletemos diversosestágiosde vida do Schistoso-ma - adulto, ovo, miracídio, germball (afase em que vive dentro do caramujo),cercária e esquistossômulo. Mas repre-sentam apenas uma parte da bagagemgenética: enquanto o genoma da maio-ria dos parasitas tem de 10 a 30 milhõ-es de pares de bases (unidades químicasdo DNA), estima-se que o desse vermetenha 300 milhões de pares - e um nú-mero ainda indeterminado de genes.

Os pesquisadores paulistas identifi-caram seqüências completas de 200 no-vos genes, aos quais se atribui algumafunção, por apresentarem similaridadecom os de outros organismos, e outros1.500estão quase completos. Encontra-ram também cerca de 20 mil fragmen-tos totalmente novos, sem similaridadecom os de outros organismos. Entre osgenes de interesse, estão os ligados àprodução de proteínas da superfície doverme. A equipe da USP obteve a se-qüência completa de uma delas, queparece estar ligada ao escape do vermeàs defesas do organismo humano -pode, portanto, ser um caminho para a

produção de uma vacina. Contra essadoença, cujo impacto social só perdepara a malária, usa-se um medicamen-to à base de um fármaco chamado pra-ziquantel. Aplicado em larga escala noSenegal, gerou cepas (variedades) deparasitas resistentes, caracterizadas emoutubro de 2001 nos Annals of TropicalMedicine and Parasitology.

''A Organização Mundial da Saúderecomenda que se busque uma vacina,ainda que demore alguns anos': dizVer-jovski, "porque o remédio funciona so-mente depois que uma pessoa está in-fectada, mas não quebra o ciclo dadoença." Em dias ensolarados, o vermedeixa os caramujos e ganha a água delagos com águas paradas ou com poucacorrenteza. Entra pela pele nos sereshumanos, ganha a circulação sangüíneae se instala no fígado.Ali, transforma-seem adulto e se reproduz. Os ovos cau-sam a destruição do fígado, que impe-de a circulação do sangue e faz o ventreinchar - é quando se caracteriza a barri-ga d'água, o nome popular da doença.Os ovos chegam aos intestinos e, elimi-nados por meio das fezes,caem na águana qual circulam os caramujos - e o ci-clo recomeça.

Em Minas, um grupo coordenadopor Guilherme Oliveira, do Centro dePesquisa René Rachou, da Fundação

planta ao alumínio, cujo excesso reduza produtividade. "Esses genes talvezpossibilitem o controle da resistênciaaoalumínio na planta': diz Menossi.

Outro artigo da Genetics de rele-vância para a biotecnologia trata daidentificação de SNPs, um tipo de mu-tação, no genoma da cana, uma plantaaltamente complexa em cujo DNApode haver até 10 cópias de um mes-mo gene. SNPs é a sigla em inglês desingle nucleotide polymorphism, ou po-limorfismo de um único nucleotídeo, aunidade química que forma a seqüên-cia genética. O termo designa, portan-to, mutações em trechos de genes quesão causadas pela troca de apenas umnucleotídeo. A maioria dessas muta-ções tende a ser inofensiva, mas outraspodem afetar a aparência ou alterar ocomportamento da planta. Se bem co-nhecidos e mapeados, os SNPs podemser usados como marcadores molecula-res. Num trabalho com resultados ain-

da preliminares, pesquisadores da Uni-camp deram uma pequena prova de

. que os dados do Sucest são úteis para amontagem de um eventual mapa deSNPs da cana: analisaram dois genesque codificam a enzima álcool desidro-genase, já conhecidos em outras espéci-es, nos quais identificaram 40 SNPs. "Émuito difícil diferenciar os alelos (cópi-as) de um gene da cana", diz LaurentGrivet, pesquisador do Cirad, institutofrancês especializado em agriculturatropical, que trabalha hoje na Uni-campo"Acho que, na cana, não vai serpossível relacionar os SNPs ao seu fe-nótipo (aparência da planta), mas de-vemos usar esses polimorfirmos comomarcadores moleculares."

Analogias: estudo dosgenes da cana ajuda a

entender também a biologiado arroz e do milho

Oswaldo Cruz (Fiocruz), concluiu em2001 o seqüenciamento de 16.000 ESTs.Agora está em fase de implantação outroprojeto, realizado pela Fiocruz e por uni-versidades mineiras, com financiamen-to da Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais (Fapemig) edo Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq).Os pesquisadores almejam chegar a mais50 mil seqüências.

Avançam também as análises com-parativas da carga genética dos organis-mos. Dessas comparações surgem osindícios de processos evolutivos ocorri-dos ao longo de milhões de anos, quedefinem tanto as semelhanças quantoas diferenças entre as linhagens dos se-res vivos. Os grupos paulistas descobri-ram que, curiosamente, o Schistosoma égeneticamente mais similar à mosca-de-frutas (Drosophila melanogaster) doque a outro verme cujo genoma já foiseqüenciado, o Caenorhabditis elegans.

ais informações sur-preendentes vêm àtona com as compa-rações estabelecidasa partir da Leifsonia

xyli subsp. xyli, que causa perdas anuaisda ordem de R$ 50 milhões em apenasuma das variedades de cana suscetíveis."A Leifsonia é muito parecida comStreptomyces e Mycobacterium, dois gê-neros que abrigam espécies patogênicasde animais", comenta Luís Eduardo Ara-nha Camargo, pesquisador da EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Quei-roz (Esalq) e um dos coordenadores doseqüenciamento, co-financiado pelaCooperativa dos Produtores de Cana,Açúcar e Álcool do Estado de São Pau-lo (Copersucar).

A alta similaridade do genoma daLeifsonia - com 2.584.462 pares de ba-ses e cerca de 2.600 genes, tamanho se-melhante ao da Xylella - com a Strep-tomyces pode ter um valor comercialimediato: a Streptomyces é consideradauma biofábrica de antibióticos, muitosdos quais também são encontrados naLeifsonia. Daí se explica o interesse empatentear genes muito semelhantes aosque produzem dois antibióticos, a es-treptomicina e a nisina. Espera-se tam-bém chegar a novos paradigmas de in-ter ação planta-patógeno a partir daanálise do genoma de Leifsonia. "Talvezessa bactéria inicie o processo de infesta-

42 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

ção na cana-de-açúcar usando um sis-tema secretor (pelo qual a bactéria pa-togênica exporta suas toxinas para forada célula) semelhante ao da Mycobacte-rium, que causa tuberculose e lepra':

! cogita Camargo.As análises comparativas revelam

sutis distinções genéticas entre bactériasda mesma espécie, mas com vítimasdiferentes. É o caso das duas variedadesde Xylella fastidiosa, a que ataca a laran-jeira, num trabalho pioneiro encerradoem 2000, e a da videira - ou Xylella PD,assim chamada por causar a doença dePierce, que ataca a região de vinhos no-bres na Califórnia, nos Estados Unidos,e causa prejuízos estimados em US$ 40milhões por ano. Concluído em mea-dos do ano passado, o seqüenciamento daXylella PD estabelece interessantes pa-ralelos com a cepa da bactéria que in-fecta os laranjais do interior paulista,gerando a Clorose Variegada de Citrus(CVC), praga também chamada deamarelinho - responsável pela erradi-cação de 10 milhões de laranjeiras em

2001 e prejuízos estimados em R$ 650milhões pelo Fundo Paulista de Defesada Citricultura (Fundecitrus), co-finan-ciador do seqüenciamento.

Os pesquisadores identificaramuma seqüência de 70 mil pares de basesencontrados só na Xylella dos citros.Parte dessa seqüência também está naXanthomonas citri, causadora do cancrocítrico, mas não foi detectada nem naXylella da uva, nem na Xanthomonascampestris, que ataca repolhos. A cepade Xylella que ataca a uva é, aliás, menordo que a causadora da praga do amare-linho: com cerca de 2,5 milhões de pa-res de bases, tem 200 mil pares de basesa menos. "Essa distinção pode ser con-seqüência da história evolutiva da bac-téria, o resultado da interação da bac-téria na planta e desta com o meioambiente", deduz Marie-Anne Van Sluys,do Instituto de Biociências da USP euma das coordenadoras do seqüencia-mento da Xylella da uva.

Na área agrícola, abrem-se perspec-tivas de atuação com os projetos de se-

bem muitas diferenças devido aos pro-cessos evolutivos de cada espécie, osgenomas cloroplastidiais mostraram-se praticamente idênticos", afirma He-laine. A descoberta tem uma aplicação:qualquer diferença no cloroplasto podeservir de marcador nas pesquisas demelhoramento genético.

Mariana Cabral de Oliveira, do Ins-tituto de Biociências da USP, faz umtrabalho semelhante com a Gracilaria te-nuistipitata, alga marinha de origem asi-ática que produz ágar-ágar, gel utilizadonas indústrias alimentícia, farmacêu-tica e cosmética. A importância econô-mica desse organismo foi um dos mo-tivos que o elegeram como objeto deestudo, além do fato de essa espécie serde cultivo fácil em laboratório e fre-qüentemente empregada para estudosem fisiologia de organismos fotossinte-tizantes. "É quase um organismo mo-delo", diz Mariana. Iniciado em outubrode 2000, o seqüenciamento do cloro-plasto da alga, com 183.883 pares de ba-ses, revelou um grupo de genes relacio-nados à fotossíntese, cuja manipulaçãoampliaria a produtividade da alga.

Mariana dedica-se também ao se-qüenciamento de ESTs da Gracilaria,em colaboração com pesquisadores daUSP e da Suécia. Já foram seqüenciadas3.000 ESTs - uma pequena parte do ge-no ma do organismo, que possui de 24a 32 cromossomos, de acordo com a es-pécie. Não se sabe a que tamanho podechegar o genoma nuclear dessa alga,mas já se conhecem espécies de algascom genomas maiores do que o huma-no, que tem 3 bilhões de pares de bases.A garimpagem de genes promete ou-tras surpresas. •

qüenciamento do cloroplasto. Essa es-trutura, localizada no citoplasma dascélulas vegetais, contém um minigeno-ma: também possui informação genética, !

como os cromossomos do núcleo celu-lar. Pode ser possível criar plantas trans-gênicas alterando apenas o cloroplasto,e de uma forma mais segura para o meio

Gracilaria: organismo modeloe produtora de um gelde amplo interesse comercial

ambiente, pois mais de 95% das espéciesvegetais não têm cloroplastos nos grãosde pólen, nos quais se encontram as cé-lulas sexuais masculinas. As modifi-cações efetuadas nesse minigenoma,portanto, não seriam transmitidas paraoutras plantas via pólen.

Helaine Carrer, da Esalq, coordenaum dos trabalhos pioneiros no uso dessemétodo no Brasil: é o projeto do geno-ma do cloroplasto da cana-de-açúcar,com 141.182 pares de bases, no âmbitodo projeto Genoma Cana. Helaine jápode dizer que o genoma do cloroplas-to da cana tem maior similaridade como genoma do cloroplasto do milho doque o de outras gramíneas, como o ar-roz (Oryza sativa) e o trigo (Triticum vul-gare). "O conteúdo gênico observadono cloroplasto de cana é idêntico ao demilho, inclusive no arranjo posicionaldos genes', diz ela. Regiões intergênicasexclusivas do milho mostraram-sepresentes em cana com similaridademaior que 98%. "É a maior similarida-de entre cloroplastos já descrita até omomento", enfatiza.

O segredo dessa incrível semelhan-ça pode estar no mecanismo de fotos-síntese desenvolvido ao longo do pro-cesso evolutivo da planta. Tanto a canaquanto o milho são plantas de fotossín-tese C4 (isto é, o primeiro produto for-mado no processo de fotossíntese temquatro carbonos), enquanto arroz e tri-go são plantas C3. "Enquanto os geno-mas nucleares da cana e do milho exi-

OS PROJETOS

Genoma Xylellafastidiosa PD

INVESTIMENTOUS$ 1.150.841,14

Genoma Leifsonia xyli Genoma Cloroplastoda Cana-de-Açúcar

Genoma Schistosomamansoni

Genoma Gracilariatenuistipitata

MODALIDADESubprogramaGenornas Agronômicose Ambientais

MODALIDADESubprogramaGenomas Agronômicose Ambientais

MODALIDADEPrograma Genoma -FAPESP

MODALIDADELinha regular deauxíl ia a pesquisa

MODALIDADESUCEST - Projetode Seqüenciamentode EST deCana-de-Açúcar

COORDENADORASMARIE-ANNE VANSLUYS E MARIANACABRAL DE OLIVEIRA -USP

COORDENADORLUÍS EDUARDO ARANHACAMARGO E CLÁUDIABARROS MONTEIROVITORELLO - USP

COORDENADORSÉRGIO VERJOVSI<I-ALMEIDA - USP

COORDENADORAMARIANA CABRAL DEOLIVEIRA - USP COORDENADOR

H ELAINE CARRER -USP

INVESTIMENTOUS$ 925.181,84

INVESTIMENTOUS$ 1.244.697,50

INVESTIMENTOR$ 68.000,00 eUS$ 34.000,00 INVESTIMENTO

R$ 49.954,45e US$ 207.341)5

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 43

• CIÊNCIA

BIOLOGIA

Sob' o jugode CronosEquipe comprova a variedadede ritmos queorganizam a vida dos animais

FRANCISCO BICUDO

Houve uma época emque, durante quatromeses seguidos - nempensar em descansarnos finais de semana

ou feriados -, um grupo de biólogosdo Museu de Zoologia da Universida-de de São Paulo (USP) acompanhoudia a dia o crescimento e a reproduçãode colêmbolos, insetos primitivos semolhos nem pigmentação, que têm me-nos de um milímetro de comprimentoe habitam regiões profundas das caver-nas. Revezando-se em turnos de traba-lho, os pesquisadores perderam a con-ta das noites que passaram em claroou apenas com um cochilo num col-chonete estirado num canto da sala, jáque a cada oito horas era preciso ano-tar o que ocorria em cada um dos 486frascos, cada um com um único inse-to. Houve momentos de desconfortotambém quando seguiram o dia-a-diade abelhas solitárias da espécie Tetra-glossula anthracina, nos brejos do in-terior paulista, ou o desenvolvimentodo mosquito anófele, o transmissor damalária, desta vez na Mata Atlânticaparanaense.

As centenas de páginas de anotaçõesatestam que se deve considerar a exis-tência de uma complexa organizaçãotemporal para compreender o funcio-namento das atividades cotidianas dosseres vivos, como alimentação, sono,descanso e o trabalho de modo geral.Com o reforço de dados extras, obti-

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dos com as formigas saúvas (Ata sex-dens) e abelhas sociais sem ferrão (Fri-eseomelitta doederleini), as espécieshojeem estudo, o grupo coordenado porMirian David Marques descobriu queessa organização temporal envolve nãosó um relógio biológico, como se pen-sava, mas pelo menos dois outros ti-pos. De todos, o mais conhecido é ocircadiano - com uma duração aproxi-mada de 24 horas, é regido pela alter-nância entre claro e escuro e coordena,por exemplo, o sono dos seres huma-nos. Mas há ainda os ultradianos, que

. duram menos de 20 horas, como osbatimentos cardíacos e os ritmos res-piratórios, e os infradianos, que supe-ram as 28 horas, como acontece com atroca de pele de alguns insetos, queocorrem em períodos variáveis de doisdias a um ano.

"A tendência era considerar o cir-cadiano como uma espécie de relógi-co único", comenta Mirian. Seu traba-lho com ritmos biológicos, iniciado há18 anos, ganhou em 2000 a adesão deum grupo de físicos e de geólogos, queajudaram a interpretar o comporta-mento dos animais - um dos resulta-dos do trabalho conjunto é um novomodelo matemático que explica os rit-mos infradianos, publicado em no-vembro de 2000 no Journal of Theore-tical Biology. ''A consistência e a belezados projetos residem exatamente nodiálogo constante com outros grupos",diz a pesquisadora.

A equipe, se por um lado quebrouo monopólio do ritmo circadiano, poroutro reafirmou a importância dessaforma de organização temporal dosorganismos. O circadiano surpreendeuao mostrar que faz parte da vida degrilos de cavernas Strinatia brevipen-nis - sempre às escuras, pareciam nãoprecisar de um relógio desse tipo - e oquanto é precoce na vida humana. Umestudo publicado em fevereiro na Bio-logical Rhythm Research, que contoucom a colaboração da equipe da USP,comprova a manifestação do circadia-no em bebês prematuros: ao contráriodo que se imaginava, já que bebês ain-da não se relacionam com o claro e oescuro, a pesquisa exibiu uma variaçãoda temperatura dos recém-nascidos quese repete a cada ciclo de aproximada-mente 24 horas - indício evidente deregistro do circadiano.

Como explicar? Segundo Mirian,há uma espécie de memória ou registroprimitivo do circadiano em quase to-dos os seres vivos, como uma herançados ancestrais mais remotos de cadaespécie. Já se sabia que o controle doritmo biológico está associado aos ge-nes per (de period), identificados nosanos 70, e a outros, como o tim (time-less) e o cry (cryptochrome), descober-

o grilo Strinatia brevipennis:vive no escuro das cavernas, mas

a cada 24 horas fica mais ativo

ns:nasivo

A avaliação do compor-tamento do mosquito do gê-nero anófele, inseto de hábi-tos noturnos e responsávelpela transmissão da malária,reservava um desafio maior.Estavam em jogo, afinal, dis-tintos ritmos biológicos: odo parasita, do hospedeiro edo próprio transmissor dadoença. Não foi fácil separaressas variáveis. O trabalho decampo envolveu quatro me-ses de observações, de outu-bro de 1995 a janeiro de 1996,na encosta da Serra do Ma-rumbi, 6 quilômetros ao nor-te de Morretes, no Paraná.

Com imenso cuidado pa-ra eles próprios não pega-rem malária, os pesquisado-res concluíram que, na faseadulta, o relógio biológico domosquito está diretamente li-gado aos ciclos lunares: du-rante o quarto minguante, apopulação do inseto se tor-na cerca de cinco vezes maior.Em contrapartida, no estágiode larva, o anófele pode se-guir diferentes ritmos de de-senvolvimento, já que é umaespécie oportunista, que viveem águas acumuladas em bro-

mélias. Quando o inseto encontra umambiente propício e atraente, seu cres-cimento acelera, sem representar pro-blemas metabólicos ou fisiológicos à es-pécie. Em momentos adversos, quandoo anófele se encontra em locais secos ousob temperaturas baixas, por exemplo, odesenvolvimento é que é atrasado, tam-bém sem prejuízos para o mosquito.

o colêmbolo Folsomia: oviposição e troca de pele regulares

A saúva Ata sexdens: grupo social acerta o relógio biológico

tos há apenas alguns anos -juntos, formando o que sechama de genoma temporal.

Mirian amplia o debate:além dos relógios biológicosdos seres vivos, é a naturezaque apresenta um ritmo defuncionamento. "Todos os ci-clos, atuando de maneira har-moniosa, garantem a intera-ção dos organismos com omeio onde vivem", diz ela. Ociclo claro e escuro é uma re-ferência importante para pro-mover essa harmonia, por in-dicar o momento de comer,acordar e dormir. Os traba-lhos da USP estão ajudandoa ampliar os horizontes dacronobiologia, a área que es-tuda os ciclos biológicos, pormostrarem que outros ele-mentos cíclicos, como a dis-ponibilidade de alimento, asalternâncias entre quente efrio e úmido e seco, a repro-dução e as relações sociais po-dem ajudar a ajustar os pon-teiros da vida.

"Eu queria abrir novoshorizontes", confessa Mirian.Foi em 1987, após ter concluí-do o pós-doutorado nos Es-tados Unidos, que ela inaugu-rou o Laboratório de Cronobiologia doMuseu de Zoologia da USP. Já de iníciodecidiu estudar sistemas biológicos quefugissem dos modelos clássicos consa-grados - ratos, camundongos, algas, dro-sófilas e mariposas -, sempre estudadosapenas em laboratório. O tempo mostrouque o desafio era maior do que pensava.

Em1993, a tese de doutoradode Miriam Gimenes, umadas alunas de Mirian Mar-ques, inaugurou uma novaetapa da cronobiologia: mui-

to provavelmente, foi o primeiro estudodessa área desenvolvido em ambientenatural, longe dos laboratórios. MiriamGimenes trabalhou com as abelhas so-litárias do gênero Tetraglossula anthra-cina, acompanhadas em seu própriohábitat, os brejos próximos às cidadesde Campos do Iordão, na Serra da Man-tiqueira, e de Mairinque, também nointerior paulista. Os locais foram esco-lhidos por se encontrarem na mesmalatitude - era uma forma de garantir a

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semelhança entre as variações anuaisdo parâmetro claro e escuro.

Essas abelhas buscam exclusivamen-te a Ludwigia elegans, uma flor amare-

. Ia encontrada em brejos. Logo cedo,ao raiar do sol, antes ainda de as floresda Ludwigia se abrirem, o inseto apa-rece, ajuda a flor a se abrir e coleta opólen e, na seqüência, o néctar. Feito otrabalho, ela desaparece. Só ressurgeno dia seguinte, exatamente no mesmohorário. Forma-se um ciclo biológicoacionado pela variação entre escuro eclaro - o raiar do dia -, mas com a im-portante participação da disponibili-dade de alimento, que até então nãohavia sido valorizada. A Tetraglossulapercebe que em todo começo de ma-nhã encontra alimento em abundância- um néctar denso, rico em açúcares eaminoácidos. À tarde, ainda há lumi-nosidade, mas o inseto desaparece por-que coletou tudo de que precisava e,além disso, dificilmente encontraria maisalimento adequado às suas necessida-des naquele dia.

Segredos das cavernas - Os colêmbo-los Folsomia candida, insetos que habi-tam as profundezas de cavernas - e osmaiores responsáveis pelas noites mal-dormidas dos biólogos -, trouxeram ou-tras dúvidas. Acreditava-se que esse ani-mal considerado primitivo - sem olhosnem pigmentação - viveria completa-mente desregulado, numa espécie decaos temporal, já que não teria comocontar com as referências de claro ou deescuro. Mas não é assim. Os biólogos daUSP não identificaram nenhum indíciode um ritmo circadiano ativo, mas de-tectaram dois outros ciclos muito rígi-dos: o de oviposição, a cada sete dias, e

A Tetraglossula na Ludwigia: alimento rege o dia-a-dia

o de troca de cutícula (pe-le), a cada três dias e meio.

Mas era preciso confir-mar os resultados, funda-mentados na observaçãodos animais em salas escu-ras no laboratório que si-mulam seu ambiente natu-ral. A cronobiologia dispõedesde os anos 60 de ummétodo de trabalho que re-sulta em um gráfico cha-mado curva de resposta defase que mapeia o funcio-namento do circadiano. Ométodo funciona com baseem estímulos que adiantamou atrasam o relógio biológico. Se umagalinha, por exemplo, dorme às 17 ho-ras e em seguida é acordada com a luzde um holofote, ela se levanta e começaa ciscar, como sempre faz. Uma horadepois, está dormindo novamente. Seucérebro registra a alteração e faz comque a galinha, no dia seguinte, só caiano sono às 18 horas. Quando repetidas,essas interferências indicam, por meiode um gráfico, o que aconteceu duran-te as cerca de 24 horas.

}(

peSqUisadoras aplicaram essemétodo ao colêmbolo, estimu-lado por meio da variação

de temperatura. Confirma-ram, primeiro, a ausência

do circadiano. Descobriram tambémque essa metodologia não era eficientepara esse tipo de situação, pois a repos- .ta aos estímulos, avaliados por meio datroca de cutícula e na oviposição, nãoeram simultâneos. Conclusão: era pre-ciso construir outra abordagem mate-mática que desse conta também dosritmos infradianos, já nessa época evi-dentes, mas ainda pouco explicados.

Foi aí que Mirian pediu socorro aosfísicos. Por meio de uma aluna de dou-torado, Gisele Akemi Oda, chegou aIberê Caldas, do Instituto de Física (IF)da USP. Coordenador de um projetotemático sobre sistemas caóticos (vejaPesquisa FAPESP nO65) e co-orientadorde Gisele, Caldas observou atentamen-te as séries numéricas da equipe domuseu - anotações e gráficos sobre oritmo das atividades cotidianas dos ani-mais, colecionadas durante dez anos - eos interesses científicos se somaram deimediato, com base no princípio físicoda oscilação. "Entre uma onda causada

por uma pedra atirada na água e outraonda, de uma segunda pedra, há umainteração que não é aleatória", ensinaMirian. "O mesmo raciocínio vale paraos relógios biológicos."

Juntos, os pesquisadores do Museude Zoologia e do Instituto de Físicacriaram um modelo gráfico que detec-ta as respostas oferecidas a um mesmoestímulo, as organiza matematicamen-te e produz um retrato de um conjun-to de fenômenos, de forma abrangentee articulada. Gisele concluiu o douto-rado e em seguida assinou um artigosobre o novo método de avaliação dosritmos infradianos com Caldas e Mi-rian publicado em 2000 no [durnal ofTheoretical Biology.

Terremotos - Mas o modelo não semostrou capaz de explicar o ritmo bi-ológico do grilo Strinatia brevipennis,objeto da tese de outra aluna de Mi-rian, Sonia Hoenen. Considerado umaespécie que faz a transição da zona es-cura para a clara, já que habita espaçosabertos de cavernas da região do Valedo Ribeira, entre os Estados de São

o PROJETO

Ritmos de Atividades de Insetos.Implantação de Unidade comCondições Ambientais Constantes

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORAMIRIAN DAVID MARQUES - USP

INVESTIMENTOR$ 20.034,65

Paulo e do Paraná, o Strinatia é in-tensamente pigmentado e não emi-te sons. No laboratório, era manti-do em gaiolas com paredes feitas defilmes transparentes de acetato, quevibravam de acordo com o movi-mento dos grilos. Uma agulha, colo-cada em contato com cada uma dasquatro paredes da gaiola, indicavaquando o animal estava parado ouem atividade. O problema é que aquantidade de dados era tão grande- dezenas de páginas apenas paraos grilos - que não se sabia mais aocerto quais informações eram im-portantes e como poderiam ser in-terpretadas. A resposta, desta vez,

veio da sismologia.O geólogo alemão Martin Schim-

mel, atualmente no Instituto de Ciên-cias da Terra [aume Almera, na Espanha,fazia o pós-doutorado no Instituto deAstronomia, Geofísica e Ciências At-mosféricas (IAG) da USP quando ou-viu falar pela primeira vez dos Sttina-tia. O pesquisador havia desenvolvidouma maneira de diferenciar dois tiposde ondas sísmicas: as geradas no inte-rior da Terra, que podem provocar ter-remotos, das que não representam ne-nhum perigo. Convidado pela bióloga,Schimmel decidiu empregar o mesmométodo para interpretar de maneiraadequada os registros dos biólogos. Umdia, telefonou para ela e perguntou oque é que os grilos de cavernas faziam acada 24 horas. Ela exultou ao ver que ogeólogo havia conseguido separar osmovimentos importantes dos irrelevan-tes e detectado o ciclo circadiano nes-ses animais, que a cada 24 horas exibemsono, fome, enfim, uma atividade bio-lógica mais intensa.

"É uma informação antiqüíssima,que os biólogos chamam de caracte-rística relictual, provavelmente rema-nescente dos ancestrais do animal", ex-plica a pesquisadora, que conta comcolaboradores também em universi-dades da Inglaterra, Alemanha, Cana-dá e Argentina. O próximo desafio quese impôs é descobrir a plasticidade dosrelógios biológicos - até que pontopodem ser comprimidos ou esticados,sem perder suas propriedades. Mirianjá sabe que a própria natureza operacom os organismos como o regente deuma orquestra. "Desafiar o regente", dizela, "sempre acaba em desafinação, àsvezes fata!." •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 47

·CIÊNCIA

FARMÁCIA

A liberaçãodas artériasPesquisadores criam biomarcadorque detecta formação de placasde gordura em artérias e descobremno plasma um potente vasodilatador

Duas descobertas de umgrupo da Universidade deSão Paulo (USP) abremnovas possibilidades deprevenção e combate à

aterosclerose, doença que bloqueia a cir-culação nas artérias grandes e médias, epode provocar derrames e infartos. Emquatro anos de trabalho, a equipe da Fa-culdade de Ciências Farmacêuticas (FCF)coordenada por Dulcinéia Saes Parra Ab-dalla desenvolveu, primeiro, um mar-cador que facilitará o diagnóstico da en-fermidade, pois identifica a fração deuma lipoproteína - chamada LDL ne-gativa - que desencadeia a aterosclerose.Em outra frente do projeto, comprovoua existência no plasma humano de duasestruturas que funcionam como reser-vatórios de óxido nítrico - um podero-so vasodilatador -, como atesta o artigopublicado neste mês na revista Bioche-mistry. Caso essas substâncias apresentemo mesmo comportamento observadoem laboratório, poderão ser usadas notratamento da aterosclerose e na pre-venção de derrames e infartos.

Os dois avanços envolvem um dosmais sérios problemas de saúde pública:calcula-se que a aterosclerose afete cer-ca de 10% da população mundial commais de 50 anos, sobretudo homens. Ida-

48 . JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

de avançada, hiperlipidemia (alto nívelde gordura no sangue), hipertensão, di-abetes, tabagismo, sedentarismo e he-rança familiar são fatores de risco de de-senvolver a doença.

Marcador enganado . O trabalho co-meçou nos anos 90 e envolveu o desa-

. fio de estudar as lipoproteínas, partícu-las esféricas constituídas por proteínas nasuperfície e gorduras (lipídios) por den-tro. As lipoproteínas se formam em vá-rios lugares do organismo e assumemfunções distintas. Quando se originamno sangue, são chamadas LDL (proteí-na de baixa densidade, com baixa con-centração de triglicerídeos e altos níveisde colesterol) e distribuem colesterol paraos tecidos periféricos.

Já a LDL negativa - formada em pro-cessos oxidativos - é a responsável pelaaterogênese (formação de lesões arteri-ais), que faz surgir a aterosclerose. Issoacontece, entre outros motivos, porquecélulas imunológicas chamadas macró-fagos capturam partículas de LDL e for-mam células repletas de gordura, que seacumulam junto à parede das artérias,bloqueando progressivamente a circu-lação do sangue.

Embora os mecanismos de detlagra-ção fossem razoavelmente conhecidos,

havia uma pedra no caminho. Devidoà complexidade das lipoproteínas, osmarcadores até então existentes eramenganados: identificavam só a LDL to-tal, e não a fração negativa, o que nãopermitia afirmar que se tratava de umprocesso de aterosclerose.

Método não-invasivo . A equipe deDulcinéia desenvolveu, então, ensaiospara consolidar e validar um marcado rinequívoco: fabricou em laboratório umanticorpo monoclonal- produzido porclones de uma célula - que aponta a pre-sença exclusiva da LDL negativa. "Atu-almente o diagnóstico é feito por meiode exames como a cineangiocoronario-grafia, em que um cateter é introduzidonas artérias, e o contraste injetado per-mite visualizar as coronárias. Consegui-mos obter uma forma não-invasiva deavaliar a doença'; diz a pesquisadora. Porser um método mais simples, sensível enão-agressivo, ela espera que se torneum procedimento de rotina feito a par-tir de solicitação médica, como os exa-mes de hemograma.

Ao final do trabalho, Dulcinéia con-firmou que o marcado r é eficiente paradetectar a presença e a quantidade daLDL negativa, tanto na corrente sangüí-nea quanto nas lesões já presentes nas

artérias: "Ele é adequado para informara probabilidade de se desenvolver a do-ença e os estragos que ela já causou. E fazisso de uma forma simples, podendo seraplicado em escala ampliada':

A próxima etapa será aplicar o testeem estudos clínicos e de intervenção queenvolvam seres humanos. Para a pesqui-sadora, o trabalho é um grande avançopara avaliar a evolução da aterosclerose,e o marcador ajudará a definir o trata-mento para cada caso.

A equipe encaminhou ao InstitutoNacional de Propriedade Intelectual(INPI) um pedido de registro de paten-te que engloba o anticorpo monoclonale suas possíveis aplicações comerciais eterapêuticas. Durante os estudos, o gru-po da USP teve a colaboração de AlexSevanian, da Universidade do Sul da Ca-lifórnia, de pesquisadores da Universi-dad de Ia Republica, em Montevidéu, edo Instituto de Química da USP.

Poluente vital - Na outra parte do tra-balho, os pesquisadores demonstraram,pela primeira vez, que estruturas pre-sentes no plasma humano podem serreservatórios do potente vasodilatadorsintetizado pelo próprio organismo, oóxido nítrico - eleito em 1992 a molé-cula do ano pela revista Science.

"Uma das mais surpreendentes des-cobertas da última década", ressalta apesquisadora, "foi a demonstração deque gases poluentes como o óxido nítrico(NO) e o dióxido de nitrogênio (N02)

são produzidos no organismo humano:'Pesquisas confirmaram que, além de im-portante sinalizado r do sistema cardio-vascular, o óxido nítrico é sintetizadoem células nervosas e difunde-se rapida-mente, ativando células vizinhas. "Essegás pode modular muitas funções orgâ-nicas, desde a regulação da função hor-monal até o comportamento."

Estudos feitos no exterior haviamcomprovado que os pacientes com ate-

o PROJETOPossíveis Conexões entreHipertensão e Hipercolesterolemia,em Relação à Aterosclerose: Viasde Inativação do Óxido Nítricoe Oxidação de Lipoproteínas

MOOALIDADEProjeto temático

COORDENADORADULCINÉIA SAES PARRA ABDALLA-

USP

INVESTIMENTOR$ 1.028.474,02

Depósito degordura nointerior de umaartéria dopescoço: chancesampliadas dederrame

rosclerose têm capacidade menor devasodilatação. Havia uma forte suspei-ta de que isso ocorresse porque o óxidonítrico reagia com outros alvos, e nãocom as artérias. Um desses locais de re-ação poderia ser a própria LDL total.

Com base nessas premissas, e a partirde um ácido graxo - o linoléico -, ogrupo sintetizou em laboratório um mo-delo experimental que confirmou: quan-do entra na LDL, o óxido nítrico origi-na dois produtos - os lípides nitrados eos nitrosilados - que funcionam comoreservatórios do vasodilatador. Comessa referência em mãos, a equipe voltoua atenção para o plasma humano e ve-rificou que os dois produtos também semanifestam nele. ''A grande dúvida ésaber se, no sangue, eles também agemcomo reservatórios do óxido nítrico,já que o que acontece em laboratórionem sempre se repete na prática. É umdos próximos passos que pretendemosdar", revela Dulcinéia.

Se confirmada a hipótese, os médi-cos terão à disposição uma nova possi-bilidade de terapia: os dois produtos, quesão atóxicos, podem liberar o óxido ní-trico que acumularam. "Com isso, po-dem aliviar os sintomas da doença e evi-tar o risco de isquemias e infartos", diza pesquisadora. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 49

CIÊNCIA

ECOLOGIA

Durante dois anos, entre1850 e 1852, o natura-lista inglês Alfred RusselWallace percorreu o RioNegro, um dos principais

formadores do Amazonas. Foi uma dasprimeiras expedições científicas à re-gião e resultou na descrição - por meiode desenhos e anotações - de 212 espé-cies de peixes, só agora apresentadasem livro (veja quadro à pág. 52). Pelasmesmas águas cor de café, um séculoe meio depois, andou uma equipe daUniversidade Estadual de Campinas(Unicamp), que entrevistou as popu-lações ribeirinhas - no trecho entrePonta Negra, perto de Manaus, e o Rio[aú, na margem direita - e constatouos tabus alimentares que regulam o con-sumo de peixes.

Mulheres menstruadas e pessoasdoentes, por exemplo,não podem comercertos peixes carnívoros, provavelmenteporque, na avaliação dos pesquisado-

50 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

res, estão no topo da cadeia alimentare têm maior probabilidade de acumulartoxinas. Há também os peixes interdi-tados para consumo normal por teremprioridade para uso medicinal. A arraia,por exemplo, não é carnívora, e é umforte tabu alimentar: sua gordura é usa-da contra asma, tosse e pneumonia.

"A dieta é uma forma de tratar asdoenças", comenta Alpina Begossi, res-ponsável pelo projeto, que resultoutambém no livro Peixes do Alto Rio Ju-ruá (co-edição Imprensa Oficial, Eduspe FAPESP). "Há espécies de peixes re-comendadas para o consumo por pes-soas doentes e outras explicitamentemedicinais." Segundo ela, as proibiçõesalimentares - encontradas tambémentre os caiçaras da Mata Atlântica pau-lista, entrevistados em pesquisas fi-nanciadas pela FAPESP desde 1992-podem resultar da influência da colo-nização portuguesa: por meio dela, es-sas populações teriam assimilado anti-

gos preceitos sanitários derivados damedicina hipocrática e mesmo das re-gras de pureza que a Bíblia estabeleceno livro Levítico.

Carnívoros e frugívoros - Na região doRio Negro, entre os peixes carnívorosque são tabus alimentares para doentesdestaca-se o surubim (Pseudoplatys-toma fasciatum), enquanto o pacu(Mylosssoma rubripinnis) e a sardinhacará-açu (Astronotus ocellatus) estãono extremo oposto: comem invertebra-dos ou frutas e são altamente recomen-dados. Outros piscívoros evitados -vistos como carregados ou reimosospara o consumo humano - são a pira-nha (Serrasalmus spp), o mandi (Pime-lodus albofasciatus), o filhote (Brachy-platystoma filamentosum) e a pirarara(P hractocep halus hemeliopterus).

As descobertas no Rio Negro refor-çam dados obtidos em outras regiõesda Amazônia, como nos rios Araguaia,

[uruá e Tocantins, que os pesquisado-res da Unicamp percorreram enfocarí-do o relacionamento dos ribeirinhoscom os recursos aquáticos e vegetais emduas vertentes. A primeira é a etnobi-ologia, que trata da percepção e classi-ficação da flora e da fauna, e a segun-da, a ecologia humana, que define o usodo espaço, as táticas de obtenção derecursos e os modelos de subsistênciadas comunidades ribeirinhas.

A equipe da Unicamp pretendeusar as informações que obteve paraorientar projetos de desenvolvimentosustentado, numa região já ameaçada:segundo os moradores locais, a regiãodo Rio Negro acima de Barcelos, noEstado do Amazonas, é disputada porempresários para a exploração do eco-turismo em áreas fechadas, sem acessopara os pescadores locais. Nesse pon-to, o estudo reforça observações feitasem outras regiões pesquisadas. "Emáreas banhadas pelo Rio Araguaia, a

Pesca próxima a Manaus: consumo deuma grande variedade de peixes minimizao impacto da exploração por espécie

pesca esportiva, apoiada por agênciasambientais governamentais, contri-buiu para destruir a pesca artesanal,uma fonte de subsistência e renda local,com possibilidades de manejo e inte-grada ao ecossistema", comenta Alpi-na. Um dos objetivos do trabalho queela coordena é justamente demarcarlegalmente as áreas de pesca, como oJapão fez há anos.

A receita de manejo estava lá mes-mo - foi apenas reconhecida pelospesquisadores. O saber dos ribeirinhoscontém uma série de orientações queservem perfeitamente de receita para omanejo sustentado. Uma delas é o re-curso à maior diversidade possível deplantas medicinais, forma de minimi-zar o impacto da coleta por espécie.Na agricultura, os ribeirinhos do Ne-gro valorizam a diversificação e o apri-

moramento genético de cultivares - ocaso da mandioca (Manihot esculenta)é o melhor exemplo. Nivaldo Peroni,pesquisador do grupo, constatou a exis-tência na região de nada menos que88 variedades de mandioca, todas re-sultantes do manejo feito pelas popu-lações locais, provavelmente por he-rança do saber indígena.

No caso das plantas, procurou-seestimar com que intensidade a florestaé usada - parâmetro para a eventualcriação de uma reserva extrativista. Des-cobriu-se que ali se aproveita uma altadiversidade vegetal: os 73 entrevistados,correspondentes à metade dos mora-dores da boca dos igarapés da margemdireita do Rio Negro, citaram 99 espé-cies que conhecem e eventualmenteexploram para finalidades diversas. Es-tudo semelhante feito no médio Ara-guaia pela mesma equipe da Unicamprevelou uma diversidade ainda maior:151 espécies citadas por 96 entrevista-dos - certamente devido à maior ri-queza ambiental da região, que inclui

espécies do cerrado.Do mesmo modo, o

conhecimento e o con-sumo de uma grandevariedade de peixes mi-nimiza o impacto da ex-ploração por espécie. Aocorrência de tabus ali-mentares, justamentepor impor restrições, di-minui a pressão preda-tória. Finalmente, duaspráticas com implica-ções para o manejo: aexploração da diversi-dade ambiental comtecnologias de pesca di-ferentes, de acordo coma área e a espécie, e a di-visão informal de terri-tórios de pesca entregrupos de moradores,que impede a sobrepo-sição de pesqueiros.

Numa avaliação dedesembarque pesqueirona cidade de Barcelos,ponto focal da pesqui-sa, onde Andréa Lemedesenvolve tese de dou-torado, constatou-se quea tática de pesca maisusada (92%) é a zagaia,um tipo de lança deFarinha de mandioca, alimento básico: herança indígena

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 51

Realiza-se finalmente um sonho caixa de metal onde estavam os de- platystoma vaillantii), o filhote, a pes-do naturalista inglês Alfred Russel senhos de peixes e de palmeiras, que cada (Plagioscion squamosissimus) eWallace (1823-1913), que dividiu com guardou consigo durante 50 anos, o surubim. Mas Wallace ateve-se tam-o compatriota Charles Darwin (1809- sem conseguir publicar. Em 1905 bém às espécies pequenas, como o1882) a descoberta dos mecanismos doou desenhos e escritos ao Natural transparente candiru (Paravandellia)de evolução das espécies. O livro History Museum, na esperança de que e a outra que os índios chamavamPeixes do Rio Negro, organizado por fossem editados. Quase 90 anos de- de peixe-chuva (Rivulus tecminae),Mônica de Toledo-Piza Ragazzo, do pois, Mônica resgatou o material es- pois supunham que caía do céu comInstituto de Biociências da Universi- quecido (veja Pesquisa FAPESP n° 55). a chuva.dade de São Paulo (USP), e recém- "Por enquanto, todas as espécies Fascinado pela riqueza da faunalançado pela Edusp e pela Impren- ilustradas ainda podem ser encon- ictiológica amazônica, Wallace tam-sa Oficial, reúne as 212 ilustrações e tradas no Rio Negro", diz a pesqui- bém era acompanhado na viagem pe-anotações feitas por Wallace na via- sadora. Entre elas há variedades de los caboclos da época, que lhe traziamgem de 1850 a 1852 pelos rios Negro grande porte e importância comer- a cada dia novos peixes, conservadose Uaupés. São delicados desenhos a cial, como a piramutaba (Brachy- em cachaça. Das tribos indígenas dolápis, feitos muitas ve- .--- ---, c Rio Uaupés, o pesqui-zes sob condições bem ~ sador inglês obteve ar-adversas, sobretudo pa- ~ tefatos, igualmente per-ra um europeu. g didos no naufrágio.::l

Ao voltar para a In- ~c,

glaterra, Wallace perdeunum naufrágio todos osespécimes coletados. Sóconseguiu salvar uma

madeira. Praticada à noite,requer um conhecimentodetalhado do hábitat e docomportamento do peixe.Mantida a baixa densidade populacio-nal da região, a zagaia é uma práticanão-predatória: o pescador capturaapenas o exemplar que deseja. Os pei-xes mais apreciados para consumo,sem tabus, são o tucunaré (Cychla mo-noculus), aracu (Leporinus spp) , ma-trinxã (Brycon cephalus), pacu e sardi-nha cará-açu, chamados peixes decarne branca.

Para avaliar o conhecimento doscaboclos sobre os peixes, os pesquisa-dores recorreram a um procedimentosimples: montaram um conjunto de24 fotos de espécies, apresentadas acada entrevistado em ordem aleató-ria. Mostravam ao pescador e pediampara dizer que peixe era aquele, o quecomia, onde vivia e que parentes (nolinguajar local) tinham. "Foi espeta-cular o conhecimento demonstradoem relação à ecologia dos peixes", co-menta Renato Silvano, integrante daequipe. ''As respostas dos pescadoresforam a tal ponto condizentes com o

52 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Uma espera de 150 anos

que afirma a literatura científica quepoderiam servir de diretriz para apesquisa biológica."

Os pesquisadores se surpreende-ram por outra razão. "Nós usamos amorfologia para classificar as espécies",diz Alpina, "e os ribeirinhos usam tam-bém a ecologia." Para os cientistas,por exemplo, piranhas e pacus fazemparte da mesma família, a Serrasalmi-

o PROJETO

Uso de Recursos do Rio Negro:Etnoictiologia e Etnobotânicade Ribeirinhos

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORAALPINA BEGOSSI - Universidadede Campinas

INVESTIMENTOR$ 67.603,98

Surubim: um dosdesenhos salvos donaufrágio de Wallace

dae. Não é assim para osfilhos do Rio Negro, queseparam essas duas espé-cies levando em conta a

dieta delas: os pacus se alimentam deinvertebrados e de frutas - por issosão recomendados para o consumo dedoentes -, enquanto as piranhas sãocarnívoras.

As informações obtidas indicamaté que ponto os impactos externosmodificam a dieta dos ribeirinhos. Nocaso, a balança pende a favor das po-pulações do Negro, na comparaçãocom as do Araguaia. Enquanto na re-gião do Negro 75% da proteína ani-mal da dieta é obtida localmente, viapescado, no Araguaia a pesca artesa-nal praticamente acabou, substituídapela esportiva. Alpina enfatiza: "Qual-quer política de manejo deveria levarem conta os conhecimentos dessaspopulações e as regras de uso já exis-tentes sobre os recursos naturais". Masnão é o que acontece. A seu ver, a po-lítica ambiental do país ainda tende apartir do geral para o particular, embusca de soluções, mas ela acreditaque pode ser diferente. •

• CIÊNCIA

sor ÂN ICA

ArquipélagoameaçadoLevantamento descobre as riquezase os riscos das ilhasde Cerrado no Vale do Paraíba

Háséculos, o Cerradoocupava uma área con-tínua no Planalto Cen-tral, de onde se estendiana forma de penínsulas

ou manchas isoladas - algumas aindapersistem. É o caso dos enclaves encon-trados na Mata Atlântica no Vale do Pa-raíba, entre São Paulo e Rio de Janeiro.Como outros remanescentes paulistas deCerrado, os do Vale estão fortementeameaçados, mesmo as áreas de pro-priedade do Estado, conforme estudorealizado por Giselda Durigan e Geral-do Franco, do Instituto Florestal de SãoPaulo, e Marinez Ferreira de Siqueira,do Centro de Referência em Informa-ção Ambiental (Cria), de Campinas.

Eles percorreram cinco áreas deCerrado nos municípios de São José dosCampos, Caçapava e Taubaté, comoparte de um projeto do programa Bio-ta-FAPESP, e diagnosticaram 86 frag-

mentos, nos quais predominam as for-mas campestres desse tipo de vegeta-ção: campo sujo, campo cerrado e cer-rado stricto sensu. Identificaram 122espécies, das quais 15 são típicas daflora local, como Acosmium subelegans(perobinha-do-campo), Aegiphila lhotz-kyana (tamanqueira), Byrsonima coc-colobifolia (murici), Tabebuia ochracea(ipê amarelo), Cybistax antisyphilitica

Entre metrópoles: o Cerradodo Vale do Paraíba (ao lado, emregeneração, após incêndio) abrigaespécies típicas, como a Scheffleramacrocarpa (mandiocão, acima), eraras, como a Periandra mediterranea

(ipê verde), Scheffiera macrocarpa (man-diocão) e Erythroxylum suberosum(mercúrio-do-campo) .

A flora do Cerrado do Vale, de mo-do geral, é relativamente pobre, devidoà expansão das cidades e da rede viária,da poluição atmosférica ou ainda a fa-tores naturais ligados ao isolamento eàs condições ambientais locais. Há emmédia 60 espécies em cada fragmento,mas 17 delas não são encontradas emnenhuma outra região do Estado, co-mo a Alibertia elliptica (marmelada),Tabernaemontana laeta (leiteiro), Leu-cochloron incuriale, Periandra medi ter-ranea, Miconia ferruginata e Soroceajureiana. Algumas dessas são mais co-muns em Minas Gerais e outras emáreas de transição da Mata Atlânticapara o Cerrado. De fato, o Cerrado doVale assemelha-se mais ao de Minas doque ao do oeste paulista.

Como essas áreas estão distantes deoutras que permitam a entrada de no-vas espécies, a tendência é que a vegeta-ção fique cada vez mais pobre. Mas,para os pesquisadores, o elevado nú-mero de ocorrências únicas e a peculia-ridade das condições ambientais tor-nam essas áreas altamente prioritáriaspara a conservação do Cerrado no esta-do e para a compreensão dos processosecológicos que determinam a existên-cia desse tipo de vegetação. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 53

Noinício de maio, trêstremores de terra cha-coalharam Caruaru, emPernambuco. Foram aba-los de pequenas propor-

ções - o mais intenso atingiu magni-tude 3,1, numa escala que vai até 9 - enão assustaram tanto quanto os verifi-cados no final dos anos 80 em JoãoCâmara, no Rio Grande do Norte. Du-rante quatro anos, de 1986 a 1989, os30 mil habitantes dessa cidade senti-ram o chão balançar, em conseqüênciade uma sucessão de cerca de 40 mil ter-remotos. Nessa seqüência, a mais espe-

54 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

tacular registrada no país, dois tremo-res atingiram magnitude 5, liberandoenergia equivalente à da bomba atô-mica de Hiroshima, e danificaram cer-ca de 4 mil casas.

Essa série de tremores soterrou omito de que o Brasil está livre de terre-motos - ocorrem no país em média de80 a 90 tremores por ano, quase todoscom magnitude inferior a 4 - e origi-nou estudos que comprovam que ostremores - ou, como dizem os geólo-gos, os sismos - mais recentes, ocorri-dos nos últimos 10 mil anos, interfe-rem na definição de formas de relevo

de modo tão intenso quanto os fenô-menos climáticos, principalmente chu-va e vento, que causam erosão. Essessismos podem ter sido tão decisivospara a esculturação de serras, planal-tos e planícies do país quanto as inten-sas variações climáticas da época dasglaciações, no período geológico conhe-cido como Quaternário, iniciado há 1,8milhão de anos.

O trabalho mais recente sobre asconseqüências dos terremotos ocorri-dos no Brasil nos últimos tempos foipublicado em março na revista Geo-morphology. No artigo, três pesquisa-

dores paulistas - Claudio Riccomini,do Instituto de Geociências da Uni-versidade de São Paulo (USP), e MayModenesi-Gauttieri e Silvio Hiruma,ambos do Instituto Geológico de SãoPaulo - demonstram que os tremoresocorridos entre 10mil e 3 mil anos atráscontribuíram para dar as formas atuaisda região mais elevada do Estado deSão Paulo: a Serra da Mantiqueira, ca-deia montanhosa de 320 quilômetrosde comprimento que se estende pelo sulde Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

Na mesma época, os terremotos,causados pela movimentação dos blo-

cos rochosos que formam a crosta ter-restre - fina camada de 5 a 40 quilô-metros de espessura que constitui asuperfície do planeta -, originaramtambém um conjunto de 136 lagos nomédio Rio Doce, na região do ParqueEstadual do Rio Doce, em Minas. E, aolongo do litoral, numa faixa entre oRio de Janeiro e a foz do Rio Amazo-nas, elevaram ou rebaixaram em até 3metros as falésias - paredões de pedraque se erguem em frente ao mar.

As pesquisas sobre as causas e asconseqüências dos terremotos provo-caram ainda um abalo conceitual: le-

Efeito de tremores ocorridos entre8 mil e 5 mil anos atrás: blocosde rochas separados e uma cicatrizde 4 km na Serra da Mantiqueira

varam os especialistas a reavaliar aconcepção sobre a real atividade dasáreas consideradas geologicamenteestáveis,como a parte oriental da Amé-rica do Sul, onde está o Brasil. Acredi-tava-se que essas porções das placastectônicas - os blocos rochosos queformam a crosta terrestre - estivessemlivres de terremotos por estarem sub-metidas a pouca compressão. Não es-tão. O geólogo Francisco Hilário Be-zerra, da Universidade Federal do Rio

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 55

Grande do Norte (UFRN) ,recolheu evidências de quetremores de magnitude 7atingiram o Nordeste, justa-mente nas margens passi-vas dos continentes, de 10mil anos para cá, na últimaetapa do Quaternário, cha-mada Holoceno.

Foi Bezerra e um geólo-go inglês, Claudio Vita-Fin-zi, do University College, deLondres, que consolidarama idéia de que podem ocor-rer tremores nessas áreas dolitoral brasileiro num artigopublicado em julho de 2000em outra revista conceitua-da da área, a Geology. A da-tação de sedimentos no li-toral do Nordeste indicouque houve ali uma intensamovimentação da crostanuma fase mais remota, há5 milhões de anos, no finaldo período Terciário, e emoutra mais recente, entre6.700 e 2.900 anos atrás, jáno Holoceno.

Riscos - Desfeito o mito deque as margens passivas nãosão assim tão calmas, torna-se mais sustentável o riscode ocorrerem tremores in-tensos, embora o Brasil nemde longe se encontre em si-tuação comparável à do Japão ou à da .costa oeste dos Estados Unidos, áreas .de risco muito maior por se encontra-rem sobre margens ativas (área de coli-são) das placas tectônicas. "O perigo detremores mais intensos ocorrer noBrasil é estatisticamente baixo", tran-qüiliza o sismólogo Jesus Berrocal, doInstituto de Astronomia, Geofísica eCiências Atmosféricas (IAG) da USP,um dos centros de acompanhamentode sismos no país. Os dois abalos maisintensos já verificados no Brasil ocor-reram em 1955, um no Mato Grosso,com magnitude 6,2, e outro no litoraldo Espírito Santo, a 300 quilômetrosde Vitória, de magnitude 6,1 - ambosteriam sido catastróficos se atingissemregiões habitadas.

Mas nem os pesquisadores imagi-navam que a terra pudesse tremer tantopor aqui. "O risco de sismos é maiordo que acreditávamos", reconhece Be-

pela movimentação de blo-cos rochosos (tectonismo)justamente nessa região defalhas. Em 2000, no primei-ro levantamento nacionaldessas falhas, parte de ummapeamento das estruturastectônicas ativas do planeta,Saadi identificou 48 fissu-ras, algumas com centenasde quilômetros de extensãoe concentradas ao longo doRio Amazonas, no Nordestee no Sudeste.

Mas por que essas falhas,que se encontram numa re-gião de margem passiva, an-daram tão ativas? Riccomi-ni atribui a reativação defalhas geológicas muito an-tigas, formadas há mais de540 milhões de anos, numaépoca recente, de 10 milanos para cá, à movimenta-ção da placa tectônica sobrea qual está o Brasil. O fenô-meno se deve, segundo ele,ao empurrão da placa sul-americana - que contém ocontinente - para oeste,promovido pela aberturado assoalho do Oceano A-tlântico' que começou há 130milhões de anos, com a se-paração do continente da Á-frica, que ainda continua.

Nesses 10 mil anos, aborda leste do continente sul-america-no, que se estende quilômetros oceanoadentro, também ficou mais pesadapor causa do acúmulo de sedimentoscarregados para o mar por rios e ven-tos. No ponto onde a borda do conti-nente encontra o fundo do oceano, ocor-re ainda o contínuo resfriamento doasso alho do Atlântico, que aumenta adensidade da região. Juntos, esses doisfatores provocaram uma espécie de efei-to gangorra, que faz com que trechos damargem continental sob o oceano afun-dem e blocos da crosta na parte emersado continente subam.

Somados, esses fatores fizeram oplanalto de Campos do Iordão, entreas cidades de São Paulo e Rio de Janei-ro, tremer fortemente três vezes noHoloceno. Segundo Riccomini, a pri-meira das movimentações da crosta naregião foi há 10 mil anos. Os blocos derocha que formam o assoalho da Terra

Lagos de Minas: surgidos com os abalos da crosta há 9.500 anos

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zerra, que há mais de cinco anos estu-da o fenômeno no litoral nordestino, aregião mais suscetível a sismos: esti-ma-se que no Nordeste possa ocorrerum terremoto de magnitude 4 entre trêse dez anos, enquanto no Sudeste a pro-babilidade se dilui num prazo maior,entre dez e 15 anos. "Não há motivospara alarmar a população, mas as gran-des obras de engenharia devem levarem consideração o fato", alerta o pes-quisador. Dependendo da atividadesísmica de uma região, pode ser neces-sário planejar estradas ou hidrelétricascom estruturas reforçadas ou mesmoevitar a ocupação humana.

Allaoua Saadi, do Instituto de Geo-ciências da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG), verificou quenão são poucas no Brasil as regiões crí-ticas onde geralmente nascem os ter-remotos, as chamadas falhas ou fissurasgeológicas - os tremores são causados

geólogo Silvio Hiruma vi-ram-se com dados morfológi-cos abundantes, mas tendo deaprofundar os estudos em neo-tectônica. Foi quando procu-raram Riccomini, que consta-tara neotectonismo na baciasedimentar do Vale do Paraí-ba do Sul no final dos anos80. Ao analisar uma área de220 quilômetros quadrados,em São José dos Alpes, a lestede Campos do Iordão, as des-cobertas se somaram rapida-mente. Por meio da mediçãodas falhas geológicas, da de-terminação das direções dasforças que agem sobre elas -os chamados regimes de es-forços - e da datação de sedi-mentos, os pesquisadores ve-rificaram que esse fenômeno,finalmente confirmado, nãodeve se restringir ao planalto:segundo Riccomini, o tecto-nismo recente afetou umaárea bem maior, que inclui omédio Vale do Rio Doce, emMinas, o Rio de Janeiro euma faixa que vai até o sul deSão Paulo.

Mudou também a explicação dosurgimento dos lagos do Parque Esta-dual do Rio Doce, situados 20 metrosacima do nível do rio e sem conexãocom o sistema fluvial, vistos, até recen-temente, como resultado da influênciadas alternâncias climáticas do Quater-nário, que começou há 1,8 milhão deanos. O geólogo Cláudio Mello, daUniversidade Federal do Rio de Janei-ro (UFRJ), fez o levantamento dosabalos sísmicos e das falhas da região,juntou com os dados geomorfológicose concluiu: os movimentos da crostaocorridos há cerca de 9.500 anos fo-ram o principal fator que influenciouo represamento dos lagos mineiros."Foi a movimentação recente de fa-lhas da região que originou os lagos",afirma Mello. Nessa época ocorreu nolitoral nordestino uma ou duas se-qüências de tremores intensos que er-gueram ou afundaram em até 3 me-tros os paredões de rocha que fazemfrente ao mar. Bezerra, que caracteri-zou o fenômeno, não vê razão para crerque outras áreas da costa e até do inte-rior tenham sido poupadas pelas in-quietações da Terra. •

também se mexeram em algummomento entre 8 mil e 5 milanos atrás, enquanto a tercei-ra sacudida deve ter ocorridohá meros 3 mil anos. Esses tre-mores causaram deslocamen-tos no solo de até um metro.

Ação combinada - O trabalhodos pesquisadores paulistasconsolida a idéia de que essamovimentação de placas foitão essencial para definir o re-levo da região quanto as gran-des variações climáticas doQuaternário, nos últimos 1,8milhão de anos. Embora aconclusão pareça óbvia, nemsempre foi assim. "Houve umperíodo no qual se deu muitaênfase às mudanças climáticasdo Quaternário para explicar amodelagem da paisagem", diza geógrafa May Modenesi-Gauttieri, do Instituto Geológi-co, que estuda a região de Cam-pos do Iordão desde os anos80. "Os geomorfólogos não ig-noravam a tectônica, mas, nes-sa fase, esqueceram-se dela."

Geólogos e geomorfólogos,quando resolveram trabalhar juntos,concluíram que as formas de relevoatuais resultam da ação em conjuntodo clima e da movimentação da crostanos últimos milênios. No planalto deCampos do Iordão, tectonismo e climaajudaram a esculpir, por exemplo, asescarpas, inclinações no sopé dos mor- 'ros, alinhadas ao longo das falhas geo-lógicas, e os rios em forma de gancho,cujo curso sofreu um desvio abrupto,por causa de uma interrupção no rele-vo, e adquiriu uma trajetória que lem-bra a letra "u"

May observou há mais de 20 anosos primeiros indícios da ocorrência demovimentação recente de blocos na re-gião. O relevo exibia marcas próprias,como as estruturas semicirculares quese formam na encosta de morros e lem-bram os anfiteatros romanos - chama-dos, por isso, de anfiteatros suspensos.Cobertas por florestas de araucária(Araucaria angustifolia) e de pinheiro-bravo (Podocarpus lambertii), essasáreas distinguem-se da vegetação doscampos, que predomina nas porçõesplanas do terreno e no topo das eleva-ções. May encontrou também morros

BA

GO

MG

com encostas em forma de triângulo,conhecidas como facetas triangulares.Esses sinais, no entanto, eram insufici-entes para provar a suspeita de que otectonismo recente havia ajudado amodelar as formas do relevo, que po-deriam resultar tanto da ação de agentesclimáticos quanto da movimentaçãoda crosta. Um indício mais forte, a pre-sença de rios em forma de gancho, comoo Ribeirão Galvão, foi um elemento amais para sustentar a hipótese, mas fal-tava a prova cabal.

A comprovação só veio em mea-dos da década de 90, quando May e o

o PROJETO

Neotectônica no Planaltode Campos do Jordão

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORCLAUDIO RICCOMINI - Instituto deGeociências/U SP

INVESTIMENTOR$ 26.298,74

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• CIÊNCIA

FÍSICA

Supercordas sem nósEnfoque criadopor pesquisadorda Unesp faci Iitaos cálculos nateoria que buscaa unificação dasforças da natureza

ALESSA DRO GRECO

Umbebê emite os pri-meiros ruídos no pri-meiro mês de vida,com o tempo começaa dizer vogais e pala-

vras que mais parecem uma línguaestrangeira, até finalmente dizer ma-mãe e papai. Nas últimas três déca-das, a Teoria das Supercordas - umadas fronteiras da física,que perseguea unificação de todas as forças co-nhecidas e procura explicar fenôme-nos extremos, do interior do átomoaos confins do universo - passou poruma evolução semelhante.

Um dos mais recentes avançosnesse campo foi produzido por umgrupo de pesquisadores lideradopelo norte-americano naturalizadobrasileiro Nathan Iacob Berkovits,no Instituto de Física Teórica (1FT)da Universidade Estadual Paulista(Unesp). Consiste de uma nova lin-guagem matemática, destinada a re-solver um problema que atormentaos físicoshá mais de 25 anos: a com-plexidade de cálculos dentro da Teo-ria das Supercordas.

Berkovits, um físico de 41 anosque mantém o ar jovial e despojado,

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anos encara esses problemas. "Só mudeia forma de tratar as partículas."

O novo enfoque pode ter implicaçõesimportantes. Inicialmente, por economi-zar tempo: em vez de semanas, pode-segastar só alguns dias para desenvolver osraciocínios matemáticos; ou, em vez dedias, horas. O modelo simplifica, especi-ficamente, os cálculos que envolvem asupersimetria - conceito do mundo su-

batômico relacionado à ro-tação das partículas em tor-no delas mesmas, como sefossem pequenos planetas- e por isso facilita a resolu-ção de um dos problemasmais desafiadores da física:incluir a Teoria da Relativi-dade Geral no mundo quân-tico - o que é fundamentalpara unificar teoricamentetodas as forças e interaçõesda natureza. Além de sim-plificar os cálculos que envol-vem supersimetria, o mo-delo permite formular naTeoria das Supercordas al-guns cálculos que anterior-mente eram impraticáveis.Segundo Berkovits, os no-vos cálculos podem ser usa-dos, por exemplo, para tes-tar uma conjectura recentede Iuan Maldacena, talento-so físico argentino de 33 anos,que explica a interação entreos quarks - partículas queformam os prótons e os nêu-trons do núcleo atômico.

Publicado em abril de2000 no [ournal of HighEnergy Physics e apresentadoem julho do mesmo ano noStrings 2000, um congressode especialistas em super-cordas reunido na Universi-dade de Michigan, nos Es-tados Unidos - e desde entãoaprimorado numa dezenade artigos em revistas es-pecializadas -, o modelo deBerkovits gerou admiraçãoe surpresa. "É impressionanteque um físico trabalhandoquase sozinho tenha desen-

gravidade. O outro grupo é o dos férmi-ons, partículas que constituem a maté-ria: são os elétrons e os quarks. Quandobósons e férmions eram vistos de formadiferente, era bem mais difícil desen-volver as equações que procuram prevero comportamento das partículas suba-tômicas. "Os cálculos envolvendo fér-mions eram extremamente trabalhosos';diz o pesquisador da Unesp, que há 15

enxergou uma velha dificuldade comnovos olhos e criou um atalho que per-mite manipular com mais facilidade aTeoria das Supercordas: pela primeiravez, conseguiu fazer cálculos que tratamde forma igual dois grupos de partícu-las subatômicas. Um deles é o dos bó-sons, transportadores de forças: é for-mado pelos fótons, que conduzem a luz,e os grávitons, portadores da força da

... 'f.

Nova concepção de átomo: nãomais partículas, mas cordas quevibram como as de um violino

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Berkovits: abordagem permite que cálculos que tomavam semanas ocupem apenas alguns dias

volvido esse modelo", comen-ta um dos pioneiros da Teoriadas Supercordas, o físico nor-te-americano Iohn Schwarz,do Instituto de Tecnologia daCalifórnia (Caltech), nos Es-tados Unidos. "Esse trabalhomostra um grande talento edeterminação:'

Não foi um trabalho tãosolitário assim. Em 1994, Ber-kovits trocou o Kings Collegede Londres pelo 1FT,um lugarcom escassez de especialistas naárea. O trabalho que resolveuo problema do tratamento dosbósons e dos férmions incluiucolaboradores como CumrunVafa, da Universidade de Har-vard, Warren Siegel, da Uni-versidade Estadual de NovaYork em Stony Brook, ambosnos Estados Unidos, e alunose pós-doutores do 1FT comoBrenno Carlini Vallilo, CarlosTello Echevarria, Marcelo Leite, Osval-do Chandía e Vladimir Pershin.

Berkovits continua a pesqui-sar seu modelo, denomina-do Pure Spinor Formalism(Formalismo com SpinoresPuros - spinor é um recur-

so matemático usado para descrever aposição e o comportamento de partí-culas subatômicas). O pesquisador, queeste ano já publicou quatro artigos so-bre o assunto, desenvolve aplicações cadavez mais refinadas. "Fui convidado aapresentar os desdobramentos do mo-delo original no Strings deste ano, naInglaterra", diz.

A compreensão do modelo, em es-pecial para não-especialistas, exigeuma visão panorâmica da história, dosdefeitos, das qualidades e das dificul-dades da Teoria das Supercordas. Eladespertou sentimentos que foram dodescrédito total, em vista das dificulda-des que pareciam insuperáveis, à eufo-ria, dado seu potencial de resolver pro-blemas que de outro modo pareceminsolúveis. Desde que foi criada, no fi-nal da década de 60, mostrou ser umaconcepção revolucionária. Revolucio-nária porque mudou o conceito das par-tículas subatômicas: elas não seriammais pontos, mas pequenas cordas, aber-tas ou fechadas, que vibrariam como ascordas de um violino, e teriam um ta-

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manho calculado em 10-35 metro (onúmero 1 precedido de 35 zeros após avírgula). As aproximadamente 200 par-tículas hoje conhecidas nada mais se-riam que formas diferentes de vibraçãodessas microcordas, como as diferentesnotas musicais.

A teoria, considerada elegante pelospróprios físicos, tem implicações intri-gantes. Cordas podem vibrar de.incon-táveis maneiras, o que cria a possibili-dade de existirem infinitas partículas nouniverso. O físico austríaco Isidor IsaacRabi (1898-1988, Prêmio Nobel de 1944)se divertiria com a atualidade da per-gunta que fez quando lhe contaram quemais uma partícula, o múon, havia sidodescoberta: "Quem pediu essa partícu-la?" Detalhe: ele disse isso em 1936 e daíem diante dezenas de outras partículasforam descobertas.

A Teoria das Supercordas sustentaque tanto o comportamento quanto ascaracterísticas básicas das partículas,como massa e carga elétrica, são defini-das pelo modo de vibração das cordas.Provavelmente, as cordas nunca serãovistas: os microscópios de tunelamentosão capazes de enxergar átomos - emrecente façanha, um grupo de pesqui-sadores da IBM escreveu o nome daempresa com 35 átomos de xenônio -,mas não há meio de visualizar as cor-das, tão pequenas que, se um átomofosse do tamanho da Terra, elas seriam

do tamanho de um átomo. O conceitoé absoluto: tudo no universo - inclusivenós, seres humanos - nada mais seriado que cordas vibrando.

A Teoria das Supercordas foi usadapara entender, por exemplo, um tipo deradiação emitida pelos buracos negros,a radiação de Hawking, nome que ho-menageia o físico inglês Stephen Haw-king. A teoria é também um dos meiospelo qual os físicos procuram entendera explosão que teria originado o uni-verso, o Big Bang, e mesmo a possibili-dade de haver universos cíclicos, umdando origem a outros.

Do átomo aos planetas - O maior ob-jetivo da Teoria das Supercordas, que otrabalho do grupo da Unesp ajuda aconcretizar, é unificar nas mesmasequações - ou fazer com que conver-sem - as quatro forças da natureza:forte, fraca, eletromagnética e gravita-cional. As duas primeiras agem essen-cialmente no interior do átomo: a for-ça (ou interação) forte faz os quarks donúcleo permanecerem próximos e afraca é responsável pela radioatividade.Já num plano mais observável, a ele-tromagnética permite o uso da eletrici-dade e faz os motores funcionarem,enquanto a gravitacional faz os corposdo universo se atraírem - é a mais fra-ca de todas, mas a que mantém os pla-netas em órbita. As cordas poderiam

atar o mundo microscópico da mecâ-nica quântica - que integrou as trêsprimeiras forças - com o mundo ma-croscópico da relatividade geral, sus-tentado pela gravidade. Não é fácil, porcausa da própria definição da forçagravitacional: ela é o resultado da mul-tiplicação do valor de cada massa en-volvida, dividido pela distância ao qua-drado. No mundo subatômico, quandouma partícula está perto de outra, adistância é tão mínima, que, matemati-camente, a gravidade tende ao infinito- um resultado que perturba o mundoquântico e inviabiliza a integração dagravidade com as outras forças.

~

usca da unificação das for-ças derrotou o criador dasduas Teorias da Relativi-dade, a Especial e a Geral,o judeu alemão Albert

Einstein (1879-1955), e persiste comoum desafio para as maiores inteligên-cias da ciência. Desde seu nascimento, nadécada de 70, a Teoria das Supercordasprocura explicar tudo o que ocorria comas forças e interações da natureza. Masa primeira versão, elaborada por três fí-sicos - Iohn Schwarz, do Caltech, PierreRamond, da Universidade da Flórida,Estados Unidos, e André Neveu, da Uni-versidade de Montpellier II, França -,tinha um problema: suas ferramentasmatemáticas, seu vocabulário, enfim, erainadequado para descrever um concei-to-chave da Teoria das Supercordas, asupersimetria.

A Teoria das Supercordas prediz quea natureza tenha uma outra simetria,além da mais conhecida, a simetria doespaço-tempo - segundo a qual as leisda física são as mesmas, estejamos naTerra, em Marte ou em qualquer outroponto do universo. Essa nova forma deorganização da natureza, chamada su-persimetria, está relacionada à rotaçãodas partículas em torno do próprioeixo, do mesmo modo que a Terra giraem torno de si mesma a cada 24 horas- é o chamado spin, uma característicatão importante das partículas subatô-micas quanto a massa e a carga.

Mas, enquanto a Terra só conseguerodar em torno de si mesma de umaúnica forma, a natureza dividiu as par-tículas em dois grupos distintos, cadaum rodando de forma diferente - osbósons e os férmions. A supersimetriaimplica que para cada bóson existe um

férmion correspondente. Por exem-plo, o elétron, que é um férmion, teriaum parceiro supersimétrico, o selétron(s de super), que é um bóson. Os pró-prios físicos têm dúvida da existênciadessas partículas-gêmeas, chamadas su-perparceiros, pois nenhuma delas ain-da foi encontrada.

Schwarz, que fazia parte do primei-ro time de formuladores da teoria, nãodesistiu de achar um modo mais ade-quado de tratar a supersimetria. Em1984, em conjunto com o físico inglêsMichael Green, finalmente encontrouas ferramentas necessárias. Foi um mo-mento de euforia, que ficou conhecidocomo Primeira Revolução da Teoria dasSupercordas e atraiu centenas de físicospara a área. Mas o cobertor era curto.Ao cobrir a cabeça, criando um voca-bulário para descrever a supersimetria,as simetrias que tratam do espaço e dotempo começaram a se comportar deforma estranha e não se encaixavam di-reito no novo modelo. Os pés haviamficado de fora.

Contas possíveis - O modelo de Ber-kovits conserta esse problema, comoum bebê que, depois de aprender algu-mas palavras, consegue vocabulário su-ficiente para montar uma frase - o vo-cabulário que Berkovits criou permiteestudar supercordas de uma nova ma-neira, até então impossível com as des-crições anteriores. Um grupo que in-clui Berkovits, físicos do Instituto deTecnologia de Massachusetts e das uni-versidades de Harvard e de Carolina doNorte, nos Estados Unidos, além deWitten, Vafa e pós-doutorandos do 1FT,aplicou essa abordagem na análise daspropriedades da conjectura de Malda-cena, que abre caminho para entender,detalhadamente, o comportamento das

o PROJETO

Pesquisa e Ensino em Teoriade Cordas

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORNATHAN JACOB BERI<OVITS - Institutode Física Teórica da Unesp

INVESTIMENTOR$ 52.000,00

partículas no núcleo atômico - e o tra-balho andou. "Antes, era impossível rea-lizar alguns cálculos da conjectura deMaldacena", comenta Berkovits.

Aos poucos, surgem evidências deque esse enfoque consegue harmoni-zar a supersimetria e a simetria do es-paço-tempo dentro da Teoria dasSupercordas, simplesmente por elimi-nar as diferenças de tratamento mate-mático entre bósons e férrnions, antesvistos com fórmulas distintas e agorafazendo parte das mesmas equações.

Outra visão da Terra - Mas, para chegara essa solução, foi preciso mudar o pon-to de vista, como se o problema fosse en-contrar uma pessoa na Terra. Para des-crever a posição -latitude e longitude-,podemos usar dois tipos de coordena-das: a cartesiana ou a polar. A primeiratem três variáveis perpendiculares (al-tura, comprimento e profundidade) etrata a Terra como se fosse cúbica. A co-ordenada polar substitui a altura pelalatitude, o comprimento pela longitu-de e a profundidade pelo raio da Terra,agora vista como esférica. Foi basica-mente isso que Berkovits fez: usou umaforma mais adequada do que seus co-legas para descrever a supersimetria,como se tivesse achado um atalho.

O significado de seu trabalho pode-rá ser ainda maior. O modelo talvezconsiga uma descrição mais uniformedas cinco Teorias de Supercordas conhe-cidas. Sim, nada é simples nessa área,mas o físico norte-americano EdwardWitten, um dos mais importantes nessecampo, deu um belo empurrão ao mos-trar, em 1995, que essas teorias são ape-nas versões diferentes de uma outra porele chamada de Teoria M - letra quelembra tanto mother (mãe), membrane(membrana) ou matrix (matriz). Até essemomento, a Teoria das Supercordas pa-recia um animal que só se observavaparcialmente - ora a cabeça, ora o pé -,sem uma visão de conjunto. Wittenconseguiu enxergar o mosaico formadopor essas abordagens e gerou outromomento de euforia entre os físicos -foi a Segunda Revolução da Teoria dasSupercordas. Witten acompanha o tra-balho do grupo da Unesp há muitosanos. "O modelo de Berkovits é elegan-te e surpreendente", comentou. Podeser que estejamos perto da Terceira Re-volução da Teoria das Supercordas. Éesperar para ver. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 61

• TECNOLOGIA

param da disputa 39 equi-pes, com oito alunos cada."O grande diferencial davencedora foi criar uma pla-ca que funcionava como go-leiro", conta Getschko. Aplaca era ejetada do carro,abria-se em três partes e atua-va como obstáculo para ogol. O campeonato está inte-grado a um circuito interna-cional de campeonatos simi-lares, o Robocorn, vinculadoao Massachusetts Institute ofTechnology (MIT), nos Esta-dos Unidos. Seis alunos se-rão escolhidos para compor a

equipe que represen-tará a escola paulista

na disputa internacio-nal que será disputadaem Boston, em agosto,com alunos da Alema-nha, Coréia do Sul, Fran-

ça, Inglaterra e Japão. Elestêm de fazer parte das trêsprimeiras equipes mais bemclassificadas na Robocopa eapresentar um bom desem-penho acadêmico. •

Robôs disputam copa de futebol

depois utiliza o robô nacompetição." Esse tipo de es-tudo faz parte da metodolo-gia Hands of! (Mão na mas-

do em no máximo 48 horasapós a colheita. Esse foi oponto de partida da tese dedoutorado de Shirley Apare-cida Garcia Berbari, pesquisa-dora do Instituto de Tecnologiade Alimentos (Ital), defendidana Faculdade de Engenhariade Alimentos (FEA) da Uni-versidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp). Shirley que-ria obter uma tecnologia parafazer palitos de mandioca apartir de farinha que, reidra-tada, apresentasse caracterís-ticas muito semelhantes à da

Alunos da Policontrolamrobôs durantecampeonato

sa), que estimula o estudan-te a executar projetos nosquais coloca em prática o queaprendeu nas aulas. Partici-

polpa cozida. Para obter a fa-rinha, a primeira etapa é des-cascar e cozinhar a mandioca.Depois, ela é desidratada e tri-turada, em diferentes tamanhospara simular a polpa. A ter-ceira fase é a de preparação damassa que vai servir de basepara os palitos, feitos sempreno mesmo formato. Em segui-da, eles são pré-fritos e con-gelados. Shirley conta que essatecnologia é dominada por ou-tros países, mas apenas emrelação à batata. "Embora se-jam amiláceos (que contêm

LINHA DE PRODUÇÃO

Um animado campeonatode futebol foi disputado en-tre os alunos da Escola Poli-técnica (Poli) da Universidadede São Paulo no dia 8 de ju-nho. Só que os titulares dostimes eram robôs, construídospor alunos do segundo anoda Grande Área de Mecânicada Escola, que compreendeos cursos de Engenharia deProdução, Mecânica, Meca-trônica e Naval. A competi-ção, disputada desde 1990com o nome de Campeonatode Protótipos, este ano foirebatizada de Robocopa,porque aconteceu na mes-ma época em que estavasendo disputado o mundialde futebol na Ásia. A prova éparte da disciplina Introdu-ção ao Projeto de SistemasMecânicos, ministrada peloprofessor Nicola Getschko.O professor ressalta que acompetição familiariza o es-tudante com todo o proces-so de projetos em engenharia."O aluno idealiza, monta e

amido), são muito diferentesdo ponto de vista fisiológico.Não dá para reaproveitar a tec-nologia de uma para a outra",diz a pesquisadora. Já surgi-ram interessados na nova téc-nica de preparo da mandioca.Uma empresa norte-ameri-cana com sede na Bolívia fazpalitos com a polpa, mas querfabricá-los a partir da fari-nha. Uma cooperativa do in-terior paulista que trabalhacom produtos derivados demandioca também está dis-posta a produzir os palitos .•

• Palito de mandiocafabricado em série

Palitos de mandioca, homo-gêneos na forma e na textura,já podem ser feitos em escalaindustrial. Embora o Brasilseja o segundo maior produ-tor mundial, com 24 milhõesde toneladas anuais, o processode explorá-Ia industrialmenteainda se limita a poucos pro-dutos. O principal entrave parao seu aproveitamento é que,por ser um produto altamenteperecível, precisa ser trabalha-

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• De olho nasrachaduras

Um pequeno senso r, que qua-se cabe na palma da mão, po-derá se transformar em brevenum importante aliado paraavaliar a "saúde" estrutural deviadutos, pontes, túneis e edi-fícios. Dotado de uma tecno-logia inédita, ele será capaz demonitorar a fadiga de mate-riais, como aço e concreto,presentes em pilares, colunas,paredes e outras estruturas desustentação. A novidade doaparelho, desenvolvido peloLaboratório Nacional Sandia,ligado ao Departamento deEnergia dos Estados Unidos,é que ele funcionará sem ba-terias e nenhum tipo de ali-mentação elétrica externa. Osensor transformará a energiamecânica produzida pelasvibrações que atingem a cons-trução em eletricidade, alimen-tando assim seus componen-tes. Ao mesmo tempo, faráuma completa avaliação daestrutura, medindo o desgas-te que está sofrendo. As infor-mações coletadas ficarão ar-mazenadas no sensor, que serácolocado dentro dos pilares ouvigas no ato de sua construção,e poderão ser resgatadas pormeio de um leitor de radio-freqüência apontado para olocal onde ele se encontra. Opequeno instrumento é cons-tituído por materiais cerâmi-cos piezelétricos que produzemeletricidade quando subme-tidos a algum tipo de pressão.Os inventores do sensor acre-ditam que ele poderá ser ex-

tremamente útil para moni-torar a condição de edifícios,pontes e torres que se encon-tram em áreas atingidas porterremotos, vendavais e ata-ques por bombas. •

• Frango avaliadoem todas as etapas

Um software que avalia alter-nativas rentáveis para a pro-dução do frango de corte foidesenvolvido pelo professorÉcio de Farias Costa, do De-partamento de Economia daUniversidade Federal de Per-nambuco (UFPE). O progra-ma é uma planilha onde sãoinseridos dados sobre preçofinal do frango, rações e ins-talações. Com essas informa-ções, são fornecidos modelosde produção, destacando o tipode ração que deve ser usado,o espaço 'apropriado e a tem-peratura de galpões destina-dos à criação, além da melhorforma de vender o frango (empartes ou com a carcaça intei-ra). "Esse software foi desen-

volvido para uma indústria daGeórgia, nos Estados Unidos,mas é facilmente adaptávelpara a brasileira", diz Costa .•

• Materiais 2002na UFSCar

Dividir experiência é a propos-ta de um encontro que será rea-lizado em agosto, nos dias 8e 9, no Centro de Desenvolvi-mento e Caracterização deMateriais da Universidade Fe-deral de São Carlos (UFSCar).O Materiais 2002 - Encontrode Tecnologia e Inovação emMateriais terá oito cursos eduas conferências. Os cursosserão ministrados por profes-sores da UFSCar e profissionaisda iniciativa privada experien-tes nas áreas de cerâmica, po-límeros e metais. Uma das con-ferências, Novos Rumos daEngenharia de Materiais, seráproferida pelo professor nor-te-americano Franz RichardBrotzen, que participou dafundação do Departamentode Materiais da UFSCar. •

Programa faz controle minucioso da produção avícola

• Programa de célulaa combustível

Um programa nacional de Cé-lula a Combustível está em ges-tação no Ministério da Ciên-cia e Tecnologia (MCT), sob acoordenação do Fundo Seto-rial de Energia (CT-Energ) e doCentro de Gestão e EstudosEstratégicos (CGEE).A propos-ta do programa está aberto aconsultas e foi elaborada a par-tir de um encontro realizadonos dias 5 e 6 de junho, emBrasília, com 50 pessoas, entrepesquisadores, representantesde empresas e técnicos de ou-tros fundos setoriais envolvi-dos no tema. "Desenvolvemosas idéias preliminares e agoraestamos num processo de con-sulta ampla para direcionar oprograma", conta o professorGilberto de Martino Iannuz-zi, secretário-técnico do CT-Energ. As discussões no en-contro foram baseadas numrelatório preparado pela pro-fessora Helena Li Chum, pes-quisadora brasileira radicadano Laboratório Nacional deEnergia Renovável (NationalRenewable Energy Laborato-ry), que entrevistou váriospesquisadores e dirigentes deempresas que trabalham comcélula a combustível no Bra-sil. A importância das célulasa combustível está no fato deque esse equipamento podeproduzir energia elétrica apartir de hidrogênio extraídodo gás natural, gasolina e me-tanol com muito mais eficiên-cia energética, sem geração deresíduos poluentes. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 63

Manjericão pode ser base de perfumeo manjericão, conhecido in-grediente da culinária, po-de adentrar o universo res-trito dos perfumes finos eser produzido em grande es-cala. Estudos realizados pe-lo agrônomo Nilson Maia, doCentro de Análise e Pesqui-sa Tecnológica do Agrone-gócio de Horticultura, doInstituto Agronômico deCampinas (IAC), levaram àdescoberta de que é possí-vel extrair dessa erva aro-

Óleo extraído domanjericão temmúltiplos usos

ta Maia. No início da pes-quisa, Maia trabalhou comoutras plantas de potencialagrícola com linalol na com-posição, como louro e la-ranja. A escolha recaiu so-bre o manjericão porque, emapenas três ou quatro me-ses de cultivo, a planta estápronta para ser utilizada. Aprimeira fase da pesquisateve financiamento de R$9.500,00 do Conselho Na-cional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico~~-;J~:I"'__(CNPq). Agora, para

obter o linalol commaior índice depureza, o pesqui-

sador precisa deparcerias com a in-

z dústria. Por enquanto, a~ única proposta vem de uma~ empresa norte-americana;:; interessada em se instalari

no Brasil para obter o óleodo manjericão. •

mática o linalol, óleo essen-cial usado na composição dealguns perfumes. O Chanelnv 5, por exemplo, utiliza oóleo essencial do pau-rosa,árvore amazônica com altoteor dessa substância. "Oobjetivo do trabalho eraobter o linalol natural apartir do manjericão parasubstituir o sintético, usadoem produtos aromáticoscomo sabão, sabonete eprodutos de limpeza", con-

• Casa sob medidapara o século 21

Uma "casa inteligente'; equipa-da com sistemas de automaçãoe informatização, estará aber-ta à visitação pública no ExpoCenter Norte, em São Paulo,de 30 de julho a 3 de agosto.A construção terá 1.200 m2

divididos em ambientes comocozinha, sala de jogos, quartode serviço, home theater. Oprojeto de arquitetura é doescritório Sidônio Porto Ar-quitetos Associados. "Os ar-quitetos vão compor ambien-tes orientados por padrõesque estabelecemos", adiantaSidônio. A casa será feita commateriais pré-fabricados paraque possa ser construída no

64 . JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

menor tempo possível. A casainteligente será uma das atra-ções do Salão de Inovação Tec-nológica & Tecnologias Apli-cadas nas Cadeias Produtivas,promovido pelo Ministério daCiência e Tecnologia (MCT)e realizado pela Financiadora

de Estudos e Projetos (Finep).O evento tem como propostadivulgar as ações desenvolvi-das pela iniciativa privada, ór-gãos governamentais, institu-tos, fundações, universidades ecentros de pesquisas na áreatecnológica. •

• Compósito ganhacentro tecnológico

Os materiais compósitos, co-nhecidos popularmente como"plástico reforçado", são umacombinação de resina e fibrasplásticas ou naturais. Eles têmmais de 40 mil aplicações emsetores como agricultura, sa-neamento, transportes, indús-tria automobilística, aero-náutica, vestuário e construçãocivil. Mesmo assim, ainda sãopouco explorados no Brasil.Como esse mercado tem altopotencial de crescimento, aAssociação Brasileira de Ma-teriais Plásticos Compostos(Asplar) e o Instituto de Pes-quisas Tecnológicas (IPT) as-sinaram, em junho, um con-vênio para a incubação doCentro Tecnológico de Com-pósitos (Cetecom). O centrovai oferecer cursos de capaci-ração básica e de gestão doprocesso de inovação tecno-lógica. "Estamos expandindoo conceito de incubação paraum setor inteiro com o objetivode qualificar as empresas'; ex-plicou o professor GuilhermeAry Plonski, superintendentedo IPT. O Cetecom vai atingirtoda a indústria de compósi-tos, cuja linha de produção éampla e diversificada. Os com-pósitos podem ser produzidosde várias formas, tanto artesa-nalmente como em equipa-

Casa inteligenteterá sistemas deautomação einformatização emtodos os ambientes

Programa Rodando Limpo: utilidade a pneus abandonados

mentos de última geração.Segundo técnicos do IPT, ocompósito tem uma série devantagens. É leve, resistente àcorrosão, isolante, flexível eseus moldes são baratos. Alémdisso, também pode ser reei-dado. Seus resíduos são usa-dos como carga de asfalto ena geração de energia. •

• Pneus velhossão reciclados

A cidade de Londrina, no Pa-raná, lançou no mês de junhoum programa destinado a re-colher pneus velhos, que serãotransformados em gás e óleocombustível. Curitiba foi aprimeira a adotar o programachamado de Rodando Limpo,em novembro do ano passa-do. O programa foi criado pelopresidente da empresa para-naense BS Colway Pneus e daAssociação Brasileira da In-dústria de Pneus Remoldados,Francisco Simeão. A prefeitu-ra serve de intermediária noprocesso. Os pneus sem uso sãolevados ao aterro municipalde Londrina, onde são com-prados por R$ 0,20 (automó-vel) e R$ 0,35 (caminhonete).A BSColway, responsável pelopagamento, tritura-os e trans-porta-os até a unidade de pro-cessamento de xisto da Petro-bras na cidade de São Mateus,também no Paraná. Os pneus

picados são misturados aoxisto e transformados em gás eóleo combustível. Uma semanadepois de o programa estarem vigor, no dia 17 de junho,já haviam sido recolhidos 16mil pneus em Londrina, cida-de com 500 mil habitantes. Ameta é recolher de 100 mil a150 mil até o final do ano. EmCuritiba, em seis meses, fo-ram tirados de circulação 1,5milhão. O objetivo da inicia-tiva é mostrar que é possívelcumprir a resolução 258 doConselho Nacional do MeioAmbiente (Conama) , em vigordesde o início do ano, queobriga fabricantes e importa-dores a recolher e providenciardestino adequado a pneus semcondições de uso. Para cadaquatro pneus importados oufabricados, as empresas do se-tor devem destruir um usado.Essa exigência deve aumentarproporcionalmente a cada ano,até que se atinja a meta decinco pneus destruídos paracada quatro produzidos. •

• Experimentostestados a 550 krn

O foguete VS-30, que serálançado ainda este ano da basede Alcântara, no Maranhão,vai levar a bordo projetos cien-tíficos de universidades e insti-tuições de pesquisa para se-rem testados em ambiente de

microgravidade. Os experi-mentos têm o objetivo de ana-lisar processos físicos, quí-micos e biológicos difíceis deserem observados sob a in-fluência da gravidade terrestre.O foguete permanecerá emambiente de microgravidadepor cerca de 240 segundos, po-dendo atingir 550 quilôme-tros de altitude. Os equipa-mentos para realização dosexperimentos do Projeto Mi-crogravidade, da Agência Es-pacial Brasileira (AEB), fo-ram submetidos com sucessoaos primeiros ensaios ambien-tais, realizados no Instituto deAeronáutica e Espaço (IAE) ,em São José dos Campos (SP).Inicialmente programado paraseis projetos científicos, o VS-30 poderá levar até oito expe-rimentos. Entre eles estarão oda Universidade Federal deSanta Catarina (UFSC), quevai testar microtubos de calorpara controle térmico de com-

ponentes eletrônicos de saté-lites. Já a pesquisadora VeraMaura Fernandes de Lima, daAgência Nacional de Vigilân-cia Sanitária (Anvisa) e EscolaPolitécnica da Universidade deSão Paulo, que trabalha commodelos de auto-organizaçãodo cérebro, quer comparar osresultados obtidos em vôo pa-rabólico com os do foguete.Ela vai avaliar os efeitos da fal-ta de gravidade na propagaçãode ondas excitáveis do cérebro(veja reportagem na edição 74de Pesquisa FAPESP). •

• Vela cerâmicacontrola irrigação

Um senso r para o agricultordeterminar o momento certode irrigar a plantação foi de-senvolvido e patenteado pelaEmbrapa Hortaliças e estáprestes a ser lançado comer-cialmente. O sistema de con-trole de irrigação, denomi-nado Irrigas, consta de umacápsula porosa, semelhante auma vela utilizada em filtrosde água domésticos, ligada pormangueira flexível a uma pe-quena cuba transparente, co-locada em um frasco com águano momento da medição. Acápsula porosa é instalada nosolo próximo à raiz das plan-tas, a uma profundidade entre15 e 30 centímetros. Quandoo solo está irrigado, os porosficam cheios de água e imper-meáveis à passagem do ar e,quando a planta vai consumin-do a água, o solo seca e partedos poros fica aberta à passa-gem do ar. Assim, no solo secoo ar escapa quando a cuba éimersa em água. A cápsula po-rosa pode ser instalada tanto navertical quanto na horizontal.A posição horizontal é reco-mendada quando se quer con-trolar a umidade em camadaspróximas à superfície do solo.O preço de venda do sensor es-tá estimado em R$ 15,00. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 65

TECNOLOGIA

COMBUSTÍVEL

Não sobranem o bagaço

ÁlcoolComum

GasolinaComum

Novo processo pode aumentara produção de álcool em 30% e contribuirpara a reativação do Proálcool

YURI VASCONCELOS

Umapequena revoluçãopode acontecer nas usi-nas de açúcar e álcool dopaís. Se incorporaremuma nova tecnologia de-

senvolvida no Centro de Tecnologia(CTC) da Cooperativa de Produtoresde Cana, Açúcar e Álcool do Estado deSão Paulo (Copersucar), em Piracica-ba, elas serão capazes de elevar a pro-dução de álcool em cerca de 30% sem anecessidade de plantar um único pé decana a mais. O que parece mágica é, naverdade, resultado do aproveitamentototal da biomassa da cana, mais precisa-mente do bagaço. Estima-se que sejammoídos 300 milhões de toneladas decana por ano no país, resultando em 81milhões de toneladas de bagaço. Dessetotal, cerca de 70 milhões são queimadosem caldeiras para produção de energiaelétrica para abastecimento das própriasusinas. Com o aproveitamento de 50%da palha de cana, atualmente queimadaou deixada no campo, podem ser libe-

ÓÓ • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

rados 35 milhões de toneladas de baga-ço para a produção de álcool. Somadasaos 11 milhões que já sobram, será pos-sível produzir 5,4 bilhões de litros de ál-cool por ano, o que corresponde a cer-ca de 30% da oferta atual. A produçãode energia elétrica não ficaria prejudi-cada desde que grande parte das caldei-ras existentes fossem substituídas poroutras mais modernas e eficientes, queaproveitam melhor a queima do baga-ço e da palha.

A nova tecnologia é resultado deduas décadas de estudos, num traba-lho conjunto entre pesquisadores daCopersucar e do Grupo Dedini, umdos maiores fabricantes de máquinas eequipamentos para o setor sucroalco-oleiro. Eles conseguiram comprovarque é possível fabricar álcool etílico(etanol) carburante a partir do bagaçode cana, por meio de um processo ba-tizado de Dedini Hidrólise Rápida(DHR). Esse processo já se mostrou efi-caz em ensaios laboratoriais e num pro-

tótipo em escala piloto no CTC e estápronto para ser testado em escala in-dustrial. Se tudo der certo, a nova tec-nologia estará disponível para asusinas brasileiras a partir do segundosemestre de 2003.

"Estamos confiantes de que essanova técnica, até então inédita em ter-mos industriais, será bastante positivapara o país", conta o engenheiro quí-mico Carlos Eduardo Vaz Rossell, coor-denador do projeto na Copersucar."Todos os países desenvolvidos estãoperseguindo essa tecnologia, de trans-formar biomassa vegetal em combustí-vel," Para ele, o processo DHR poderáfornecer álcool a custos competitivos,utilizando uma matéria-prima já exis-tente e liberando mais caldo de canapara produção de açúcar. "A técnicapossibilitará o aproveitamento do ba-gaço com o máximo de sinergia com ascondições atuais: mesmo local de pro-dução, mesmo produto e mesmos em-presários investidores", diz Vaz Rossel1.

A inovação surge num momentoem que o governo federal, usineiros efabricantes de automóveis tentam no-vamente, depois de muitas tentativasao longo da última década, se entenderpara elaborar o renas cimento do Pro-grama Nacional do Álcool (Proálcool).Criado em 1975, para substituir, a pre-ços baixos, a gasolina fortemente impac-tada com a crise mundial de abasteci-mento de petróleo em 1973, o Proálcoolatingiu o sucesso entre 1984 e 1986,quando a porcentagem de automóveissaídos das montadoras de veículos commotor a álcool atingiu 96%.

O programa começou a fazer águano final dos anos 80, quando a cotaçãointernacional do petróleo começou abaixar e a relação vantajosa de preçoentre o álcool e a gasolina, de até 40%,reduziu-se até cair pela metade. Ao mes-mo tempo, os usineiros reduziram a fa-bricação de álcool e elevaram a de açú-car, cujos preços internacionais estavammais atraentes. O resultado, todo mun-do conhece: longas filas para abastecer,a perda de confiança do consumidor nocombustível e a conseqüente desacele-ração do Proálcool. Hoje, apenas 1%dos carros novos sai da fábrica com essecombustível.

Outro fator que prejudicou o Pro-álcool foram os excessivos subsídiosaos usineiros. O governo comprava ál-cool por um preço mais elevado doque vendia para os postos de combus-tível, mantendo assim o valor diferen-ciado em relação à gasolina. No iníciodos anos 90, os incentivos do governopara o setor sucroalcooleiro haviamconsumido cerca de US$ 11 bilhões,segundo números divulgados em re-portagens das revistas Carta Capital eIsto É Dinheiro, em edições do mês demaio deste ano.

"A manutenção da política de preços,ancorada em subsídios, durou muitotempo e foi um dos fatores limitantesdo programa', afirma o economista LuizGonzaga de Mello Belluzzo, professordo Instituto de Economia da Univer-sidade Estadual de Campinas (Uni-camp), ex-secretario de assuntos eco-nômicos do Ministério da Fazenda, eex-secretário estadual de Ciência e

Mais produção e oferta deálcool poderá trazer de voltaa confiança do consumidor

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 67

A maior oferta de carros a álcool,para os usineiros, é um fator essencialpara a revitalização do programa. "Ex-cesso de produção de etanol, nós te-mos. Precisamos retomar a produçãode carros a álcool a fim de utilizar ocombustível para o mercado interno",diz Eduardo Carvalho, presidente daUnião da Agroindústria Canavieira deSão Paulo. "O momento é ideal pararevitalizar o programa."

O governo federal tem também pla-nos ambiciosos de exportar o produtopara o resto do mundo. Segundo estudosfeitos pela Copersucar, a demanda deálcool no mercado externo é alta e tendea crescer ainda mais, impulsionada porproblemas relacionados ao suprimentode petróleo e à poluição nas grandes me-trópoles - como se sabe, o álcool é umcombustível com enormes vantagens am-bientais quando comparado à gasolina.

Na Europa, estima-se que o consu-mo chegue a 4,5 bilhões de litros por

Gasolina ou álcool? Os dois

Tecnologia, na década de 80. "O Proál-cool era bom, mas os subsídios dadosno início deveriam ter sumido ao longodo tempo para o programa tornar-secompetitivo. Eles eram muito onerosospara o governo': diz Belluzzo, que vêcom bons olhos a revitalização do pro-grama. "O Proálcool traz segurança pa-ra o país na eventualidade de ocorreremproblemas no mercado do petróleo."

Ogoverno federal já ace-nou com um sinal verdepara uma nova era do ál-cool como combustível,desde que os incentivos

fiscais, comuns no início do programa,sejam esquecidos. O ministro SérgioAmaral, do Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior, em nota à im-prensa após uma reunião com usinei-ros, em maio, disse que o Proálcool vaidepender do mercado e da garantia,dos usineiros aos consumidores, de que

Os veículos com motor flexívelou flex-fuel podem ser um importan-te aliado para a reativação do Proál-cool. Com ele, é possível abastecer oautomóvel com álcool e gasolina si-multaneamente, misturados em qual-quer proporção ou mesmo puros. Aocontrário dos sistemas antigos, queoperavam com sensores instaladosna linha de combustível do motor,antes da queima, ele utiliza um sen-sor de pós-combustão, que avalia onível de oxigênio resultante da quei-ma e realimenta o módulo de injeçãoeletrônica com informação sobre ocombustível disponível no tanque. Agrande vantagem para o consumidoré que ele poderá desfrutar o preçomais baixo do álcool com a garantiade também poder encher o tanquecom gasolina, no caso de desabaste-cimento do primeiro.

De olho nesse promissor nichode mercado, a Ford saiu na frente eapresentou, em maio passado, o pro-tótipo de um Fiesta com motor fle-xível gasolina -álcool, desenvolvidopela Visteon, uma empresa da Fordsediada nos Estados Unidos. Quatro

não faltará álcool. "É preciso que go-verno, usineiros e fabricantes de auto-móveis reúnam-se para estabelecermetas e condições que dêem sustenta-bilidade ao projeto, principalmente naquestão da oferta. Quem não cumprirsua parte, deve ser punido': diz o econo-mista Luciano Coutinho, professor do IEda Unicamp e primeiro-secretário-geraldo Ministério da Ciência e Tecnologiaquando de sua criação, em 1985. "Nãopode ser como no passado, uma políti-ca do oba-oba que foi acompanhada poruma expansão maluca da frota semplanejamento de oferta e demanda",completa Coutinho. Para ele, se os errosdo passado forem corrigidos, não hánenhum problema na revitalizaçãodo programa. O economista sugere,para o estímulo do uso do combustí-vel, que parte da frota seja equipada commotores flexíveis álcool-gasolina (vejaquadro abaixo) e que utilitários e lota-ções funcionem com álcool ou gás.

protótipos já estão sendo testadosnas ruas. Mas a direção da fábrica jáavisou: só produzirá o carro em esca-la industrial caso o novo Proálcooldeslanche. A GM também está de-senvolvendo um modelo flexível doVectra.

Apesar de estar ocupando agoraas manchetes de jornais, a tecnologiade motores flexíveis não é nenhumanovidade. Em 1992, engenheiros daindústria de autopeças Bosch, sedia-da em Campinas, iniciaram estudospara fabricação de um motor flexívele, dois anos depois, apresentaram oprotótipo de um Ómega, da GM. AMagnetti Marelli, empresa do grupoFiat que fabrica sistemas de injeçãode combustível, também domina atecnologia. ''A Bosch já investiu cercade R$ 2 milhões no desenvolvimentodesse novo motor", afirma BesalielBotelho, diretor de sistemas de inje-ção da empresa. Nas previsões elabo-radas na empresa, o motor flexívelnão adentrará ao mercado de um diapara outro, mas somente após um oudois anos após a aprovação da tecno-logia pelo governo. Será necessário,

afirmam os engenheiros da indústriaalemã, uma série de modificações noprocesso industrial, como a proteçãode componentes do motor contra acorrosão causada pelo álcool. Segun-do a Bosch, além da flexibilidade nahora do abastecimento, essa nova li-nha de motores tem outro benefício:a reduzida emissão de poluentes.

"O álcool é um combustível ex-tremamente benéfico do ponto devista ambienta!", diz a ex-diretora daCetesb Laura Tetti, atual coordena-dora da Câmara de Mudanças Cli-máticas do Centro EmpresarialBrasileiro para o DesenvolvimentoSustentável. "Trata-se de uma ener-gia renovável e muito menos polu-ente do que a gasolina. A poluiçãogerada pelo álcool, nas emissões quesaem dos escapamentos dos carros,é menor e menos reativa", assegura.Os carros a álcool emitem 50% a me-nos de monóxido de carbono (CO).Assim, o álcool não contribui paraagravar o chamado efeito estufa, ogradual aquecimento da Terra pro-vocado pela queima de combustí-veis fósseis.

68 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

I,II

oO

a

f

ano em 2005. Já nos Estados Unidos, ademanda atingirá 11,9 bilhões de litrosem dois anos - hoje, a produção ameri-cana de etanol, extraído do milho, estáem torno de 5 bilhões de litros. Lá, oconsumo crescerá em função da utili-zação do álcool como aditivo à gasolinae pelo seu uso em automóveis com mo-tores flexíveis a álcool e gasolina.

A estratégia do governo de exportarálcool também conta com o apoio dosdois economistas, embora eles creiam quenão será fácil. "Não acredito que, hoje,os Estados Unidos comprem nosso ál-cool", diz Coutinho. "É praticamenteimpossível vender para os americanos,já que o país tem fortes barreiras alfan-degárias para proteger o álcool deles,que é produzido a partir de cereais'; com-plementa Belluzzo. "A alternativa seriaexportar o combustível para Europa,China ou Índia", afirma o economista.

Apoio da FAPESP - O aquecimento domercado mundial é encarado com en-tusiasmo pelo governo e dirigentes dosetor. Além de ser o maior produtor deaçúcar do mundo, com 33% do merca-do, o Brasil domina como ninguém atecnologia de produção de álcool a par-tir da cana-de-açúcar. Dos 15,4 bilhõesde litros de álcool produzidos no paíspor ano, 9,7 bilhões são de álcool hi-dratado e 5,7 bilhões de álcool anidro,aquele que vai misturado à gasolina,hoje num patamar de 24%. São Paulo,com 57% do volume fabricado, é omaior centro produtor e a Copersucar,com suas 35 usinas filiadas, respondepor 22% da produção nacional.

Com um cenário favorável para aretomada no Brasil do uso do álcoolcomo combustível, a nova tecnologiacriada pela Dedini e Copersucar temtudo para ser um sucesso. No começodeste ano, elas obtiveram apoio finan-ceiro da FAPESP para implantar umaunidade de desenvolvimento de pro-cesso (UDP), que funcionará anexa àUsina São Luiz, em Pirassununga, per-tencente à Dedini. É nela que a novatecnologia DHR é testada em escala in-dustrial. O valor total do projeto, quefaz parte do programa Parceria para aInovação Tecnológica (PITE), chega a

Centro de Tecnologia: protótipocomprova a eficiência da novatécnica de fabricação de álcool

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 69

R$ 3,58 milhões, sendo que a FAPESPentrou com R$ 1,76 milhão; a Dedini,com R$ 1,32 milhão; e a Copersucar,com R$ 500 mil.

O desenvolvimento do processodemandou grande esforço por partedos pesquisadores. A Dedini começoua estudar a hidrólise (reação químicacom a água) do bagaço de cana no iní-cio dos anos 80 e desenvolveu o pro-cesso DHR em 1993. Mas somente em1997, quando assinou um acordo decooperação técnica com a Copersucar,que já vinha acompanhando vários es-tudos relacionados a novos usos do ba-gaço, a empresa atingiu resultados pro-missores. A partir daí, uma unidadepiloto da Dedini, com capacidade paraprocessar 20 quilos de bagaço por hora,foi transferi da para o CTC, em Piraci-caba. "Os resultados verificados nes-sa planta experimental foram muitoimportantes", conta o pesquisador VazRossel, que também é coordenador doprojeto do PITE. ''Agora, com a mon-tagem da unidade semi-industrial, fi-nanciada com recursos da FAPESP,po-deremos fazer a avaliação técnica eeconômica do processo."

Solventes orgânicos - A nova UDPampliará a fabricação para 5 mil litrosde álcool por dia, produzidos em regi-me contínuo, o que equivale a cerca de50 toneladas de bagaço. Ainda é poucoquando comparado a uma unidade in-dustrial final, que deverá fabricar 100mil litros por dia, mas será essencial ,para avaliar o comportamento dos ma- .teriais e dos equipamentos em proces-samento em condições reais de ope-ração. "A UDP é fundamental parademonstrar a confiabilidade do proces-so e sua viabilidade econômica", afirmaVazRossel.

A unidade de demonstração é rela-tivamente simples. Formada por umreator, que opera sob pressão de 25 a 27kg/cm- e temperatura próxima a 190graus, ela é continuamente alimentadapor bagaço e por um hidrossolvente or-gânico (etanol, preferencialmente, em-bora outros, como acetona, ácido acé-tico, metanol possam ser empregados)misturado a ácido sulfúrico. É essa mis-tura que fará a transformação da celu-lose presente no bagaço em glicose.Emseguida, o xarope de glicose é purifica-do, para retirada de substâncias indese-jadas, principalmente ácido sulfúrico, e

70 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

recebe a adição de nutrientes, resultan-do num mosto fermentável que serámisturado ao caldo e ao melaço usadonormalmente para a fabricação do ál-cool. O restante do processo - fermen-tação e destilação - é realizado nas ins-talações já existentes na própria usina.

"A grande vantagem do processoDHR é sua rapidez", afirma o engenhei-ro químico Antônio Hilst, o consultorda Dedini que inventou a técnica. ''Atransformação ocorre em apenas dezminutos, ao passo que os processos clás-sicosde hidrólise que recorrem a ácidosconcentrados ou diluídos demorampelo menos cinco horas:' Para entendercomo a mágica da transformação acon-tece, é preciso antes saber que o bagaçode cana é uma biomassa vegetal com-posta basicamente de três substâncias:celulose, hemicelulose e lignina, pre-sentes numa proporção aproximada de50%, 30% e 20%, respectivamente. Ofracionamento da celulose para produ-ção de açúcar é muito difícil por causada presença da lignina, que funcionacomo uma teia protetora, compactan-do e unindo os demais polímeros ve-getais. Graças a ela, a fibra da cana émuito resistente nos aspectos mecâni-cos e químicos.

No processo DHR, o bagaço per-manece dentro do reator o tempo ne-cessário para que ocorra a dissoluçãoda lignina e a hidrólise da celulose. "Nofinal do processo, pretendemos atingirum rendimento de cerca de 60% sobreo açúcar contido no bagaço", explica oengenheiro Hilst. Isso significa dizerque 60% da celulose presente no baga-ço deverá virar glicose. "Com esse teorde açúcar, temos condições de garantiruma fermentação e uma destilação

o PROJETO

completamente viável do ponto de vis-ta econômico", afirma o pesquisador daDedini.

A glicose é apenas uma das substân-cias resultantes do beneficiamento.Além dela, são extraídos do bagaço ou-tros subprodutos, como metanol, ácidoacético, lignina e furfural, cujo uso co-mercial poderá aumentar ainda mais arentabilidade do processo. "A lignina,por exemplo, poderá ser usada comopré-polímero em resinas e na fabrica-ção de aglomerados de madeira (comadesivos) ou empregada como com-bustível, graças ao seu alto valor calorí-fico",exemplificaVazRossel. Já o furfu-ral, que estará disponível em grandequantidade (15 quilos por tonelada debagaço), poderá ser utilizado na fabri-cação de náilon. Tudo vai depender dointeresse do mercado.

Processo DHR (Dedini HidróliseRápida) - Projeto, Implantaçãoe Operação da Unidade deDesenvolvimento de Processo

MODALIDADEParceria para InovaçãoTecnológica (PITE)

COORDENADORCARLOS EDUARDO VAZ ROSSELL-Copersucar

INVESTIMENTOR$ 1.822.100,00 (Codistil-Dedini)e R$ 1.751.487,00

Propriedade intelectual - Os pesquisa-dores avaliam que, para viabilizar essanova tecnologia, as usinas deverão in-vestir nos novos módulos industriaisDHR aproximadamente R$ 0,90 por li-tro por ano de capacidade instalada.Uma unidade com produção estimadade 100mil litros por ano custará em tor-no de R$ 9 milhões. Pelos cálculos daCopersucar e da Dedini, o investimentopara aproveitamento de todo bagaço queestará disponível quando a tecnologiafor introduzida no mercado será de cer-ca de R$ 4,9 bilhões. A estimativa é deque sejam criados pelo menos 5 mil em-pregos diretos com a nova tecnologia.

A Dedini já depositou vários pedi-dos de patente referentes ao processoDHR no Brasil, sendo que duas já fo-ram concedidas e outras se encontramsob análise. No exterior, foram solicita-das patentes em alguns países da Euro-pa e no Japão, sendo que nos EstadosUnidos a patente principal já foi conce-dida. ''A propriedade industrial perten-ce aos três parceiros e a repartição doslucros se dará na proporção da partici-pação de cada um deles no processo':afirma Vaz Rossell. "A Dedini receberácerca de 60% da receita líquida da ven-da da licença do processo, enquanto aCopersucar ficará com 30% e a FAPESP,com 10%",conclui. Assim, está firma-da mais uma parceria de desenvolvi-mento tecnológico de sucesso.Espera-se,agora, que a DHR possa ser um novo eimportante ingrediente para a retoma-da do Proálcool. •

• TECNOLOGIA

ENGENHARIA AMBIENTAL

Impactos do ventoe dos poluentesI PT constrói túnel paraestudos do movimento do ar nascidades e em áreas industriais

Umacâmarade 40 me-tro~decom-pnmen topor quase 4

de altura montada nu-ma estrutura de aço, vi-dro e madeira, onde umagrande hélice instaladaem uma das extremida-des faz movimentar o arem velocidades de até 90quilômetros por hora.Inaugurada no início dejunho no Instituto dePesquisas Tecnológicas(IPT), essa câmara rece-be o nome de Túnel deVento de Camada Limite Atmosférica.Em todo o mundo, existem cerca de 15outros equipamentos semelhantes. Otúnel é uma ferramenta para o estu-do da dispersão de poluentes geradospor chaminés, queimadas ou motoresa combustão. Também será útil naanálise dos efeitos do vento em torresde transmissão, plataformas de pros-pecção de petróleo, aeroportos e nasestruturas e coberturas de prédios resi-denciais e industriais.

O túnel foi projetado e desenvolvi-do no IPT e custou R$ 1 milhão, sendoR$ 300 mil do próprio instituto e qua-se R$ 700 mil da FAPESP.O projetotambém contou com a parceria da Com-panhia de Tecnologia de SaneamentoAmbiental (Cetesb) e do Instituto deAs-tronomia, Geofísica e Ciências Atmos-féricas da Universidade de São Paulo(USP).Antes mesmo de ser inaugura-

ra industrial na cidade deAmericana", conta Mar-cos Tadeu Pereira, chefedo Agrupamento de Va-zão do IPT, responsávelpelo equipamento. Inu-sitado para os pesquisa-dores, foi um pedido degravação de clipe musi-cal dentro do túnel, queserá atendido.

Complexo urbano - Ostestes no interior do tú-nel serão feitos com ma-quetes de ruas, edifícios,fábricas e carros. Os efei-tos dos gases serão mo-

nitorados por uma espécie de robôinstalado em uma armação metálicaque posiciona os instrumentos de me-dição nas maquetes. Com o resulta-do das medições será possível, se foro caso, fazer intervenções nos locaiscom a colocação de placas que favore-çam, por exemplo, a dispersão de po-luentes sobre as janelas de um hospi-tal ou ainda sugerir a construção dechaminés mais altas. A equipe do IPTtambém vai emitir laudos vetando aconstrução de edifícios em áreas ondecomprometa a dispersão de poluentese do vento.

No dia de inauguração do túneltambém ficou registrado, numa placaao lado do equipamento, uma homena-gem aos 40 anos da FAPESP.Agora, res-ta que bons ventos marquem a trajetó-ria do túnel no sistema de ciência etecnologia do país. •

Dentro do túnel: maquetes recebem gases aspirados pela hélice

do, o túnel foi sondado por empresasde telecomunicações, interessadas na in-fluência dos ventos nas estruturas dastorres de transmissão.

"Uma semana depois da inaugura-ção, recebemos uma consulta da EscolaPolitécnica da USP sobre a possibilida-de de fazer um ensaio de uma estrutu-

o PROJETO

Túnel de Vento de CamadaLimite Atmosférica

MODALIDADEPrograma de EquipamentosM ultiusuários

COORDENADORMARCOS TADEU PEREIRA - IPT

INVESTIMENTOR$ 697.781,33

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 7l

• TECNOLOGIA

AVIAÇÃO

Altosvôos daEmbraerEmpresa inaugura fábricae fortalece parcerias comcentros de pesquisa paradesenvolver ferramentasque vão facilitar osprojetos de novos aviões

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mbraer deu um novo passopara se firmar como uma dasquatro maiores empresasfabricantes de aviões domundo ao inaugurar, em

junho, a primeira etapa de sua unidadeindustrial na cidade de Gavião Peixoto, .localizada na região de Araraquara, a 300quilômetros da capital paulista. O localfoi escolhido porque dois fatores pesa-ram muito na decisão: a falta de grandetráfego aéreo na região, um facilitadorpara testes aeronáuticos, e a proximida-de de universidades e institutos de pes-quisa de São Carlos, Campinas, São Josédos Campos e São Paulo. O contato comesses centros está presente na história de33 anos da empresa marcada semprepelo desenvolvimento de tecnologia eformação de pessoal. No início das ope-rações, em 1969, o Instituto Tecnoló-gico da Aeronáutica (ITA) e o CentroTécnico Aeroespacial (CTA), criados nadécada de 50, foram os grandes forma-dores de engenheiros e fornecedores deassessoria tecnológica para a Embraer.

Para a nova unidade, a empresa vaitransferir de sua sede em São José dosCampos a montagem dos jatos executi-

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ce-presidente executivo industrial daEmbraer, no dia da inauguração.

A nova empreitada da Embraer estávinculada a um acordo com o governodo Estado, que cedeu por 35 anos o ter-reno de 17,5 milhões de m2

, incluindo aárea fabril de 3 milhões de m2

, mais pis-ta e as áreas de estacionamento de aviõese de reflorestamento. O acordo assinadopelo governador Mário Covas, em ju-nho de 2000, também abrangeu a insta-lação da infra-estrutura de redes de água,luz, esgoto e estradas até a porta da fá-brica. A previsão da Embraer é investir,até 2005, US$ 150 milhões em GaviãoPeixoto e contratar, nos próximos dezanos, 3 mil funcionários.

Túnel de vento no eTA: testes com modelo em escala reduzida do jato 170

vos Legacy e dos aviões militares AMXe Super Tucano ALX, além da moder-nização dos caças F-5 da Aeronáutica.Também está prevista para a nova uni-dade a montagem dos caças supersôni-cos Mirage 2000, caso a empresa, quepossui um acordo com as francesas Das-sault, Snecma e Thales, ganhe a concor-rência da Força Aérea Brasileira (FAB).

Ao lado das instalações da nova fá-brica, a empresa construiu a mais exten-sa pista de pouso e decolagem do hemis-fério sul do planeta. Ela já está em usonos testes do mais novo modelo da em-presa, o EMB-170, um jato comercial de70 lugares, que alçou vôo pela primeiravez em fevereiro deste ano. Com 5 qui-lômetros (km) de extensão (a do Ae-roporto Internacional de Cumbica, emSão Paulo, tem 3.700 km), ela serve comoapoio aos vôos e é essencial para os tes-tes em que os aviões devem decolar epousar com peso máximo, frear na pis-ta e abortar decolagens. "Além disso, aoredor da pista existem apenas mato eplantações, diminuindo os perigos de umacidente em terra, caso um avião tenhade fazer um pouso de emergência fora daárea prevista", disse Satoshi Yokota, vi-

Pólo de parcerias - No acordo que ogoverno do Estado fez com a Embraerestá implícita a transformação da regiãonum pólo de desenvolvimento aeronáu-tico. Para colaborar na implementaçãodesse pólo e dar continuidade as parceriasentre os centros de pesquisa e a Embraer,a FAPESP criou em 2000 (veja PesquisaFAPESP n° 55) um programa especialchamado de Parceria para Inovação emCiência e Tecnologia Aeroespacial (Pie-

minar uma tecnologia deponta na área de projetosaeronáuticos", afirma o en-genheiro do CTA. "Com eles,será possível reduzir os pra-zos de desenvolvimento denovos projetos e, ao mesmotempo, obter resultados con-fiáveis." Os ensaios transôni-cos, aqueles entre 500 km/he 1.200 km/h (a velocidadedo som), que simulam vôosem alta velocidade, continua-rão sendo feitos no exterior,porque o único túnel tran-sônico no país, localizadono CTA, é de pequenas di-mensões. "Um túnel desses,de porte industrial, custariaperto de US$ 80 milhões",informa Mello.

Simulações numéricas - Osegundo projeto do Picta-PITE também está associa-do às simulações de escoa-mento do ar para definiçãodo perfil aerodinâmico denovas aeronaves. Mas destavez, além dos túneis de ven-to, a ferramenta utilizada é a

mecânica dos fluidos computacional- ouComputational Pluid Dynamics (CFD).Esse sistema é uma sofisticada ferramen-ta que permite fazer simulações numé-ricas dos escoamentos em torno do avião.Por enquanto, poucas empresas usamessa tecnologia no país. A Embraer e aPetrobras (no estudo do escoamento deágua nos cabos e oleodutos nas plata-formas submarinas), provavelmente,são as únicas.

"Na Embraer, a CFD será uma fer-ramenta voltada principalmente para afase de concepção de novos aviões. Notúnel de vento e nos ensaios em vôo bus-caremos comprovar as tendências obti-das por meio das simulações em CFD':afirma Guilherme Lara de Oliveira, en-genheiro da Embraer e um dos coorde-nadores do projeto. "Seria muito caro edemorado fazer essas primeiras simula-ções em um túnel de vento': diz ele.

Segundo Oliveira, a Embraer já do-mina a metodologia de análise da CFD,mas dispõe de ferramentas limitadas paratrabalhar. A intenção dos pesquisadoresé desenvolver uma tecnologia calibradapara as necessidades atuais e futuras daempresa. Os benefícios serão inúmeros,

EM B-170: um dos quatro protótipos do jato para 70 passageiros realiza testes de vôo

ta). Ele funciona nos moldes do progra-ma Parceria para Inovação Tecnológica,que financia projetos entre universidades,institutos de pesquisa e empresas. Nototal, a Fundação destina R$ 18 milhõespor ano para o Picta.

Desde 2001, três projetos foram apro-vados entre a Embraer e o ITA e um emparceria com o Instituto Nacional de Pes-quisas Espaciais (Inpe). O primeiro, ini-ciado em junho de 2001, prevê a cons-trução de um laboratório de ensaiosaerodinâmicos, também chamado detúnel de vento, no ITA, em São José dosCampos. E ainda a modernização dotúnel de vento já existente no CTA, namesma cidade, e novos equipamentospara o túnel da Universidade de São Pau-lo (USP), em São Carlos.

Os túneis de vento são uma ferramen-ta essencial para a fabricação de novosaviões. São eles que determinam boaparte das características aerodinâmicasdas aeronaves. No lugar de fazer testescom modelos em escala real, o que se-ria extremamente custoso, são simuladasno túnel as diversas fases de vôo. "Paraisso, utilizamos um modelo em escalareduzida e geometricamente idêntico à

aeronave e o submetemos a uma cor-rente de vento, simulando o escoamentode ar em torno do avião. Os resultadosobtidos fornecem a melhor configura-ção do perfil aerodinâmico da aeronavee da asa, em particular de dispositivos desustentação como slats, flapes, aileronse winglets (componentes da asa e dacauda que ajudam na navegabilidade eno controle do avião), afirma OlympioAchilles de Faria Mello, engenheiro doCTA e coordenador do projeto que temtérmino previsto para maio de 2004.

uando o túnel do ITAestiver pronto e os ou-tros dois remodelados, aEmbraer poderá reali-zar até 90% dos ensaiosde vôo a baixa velocida-

de de suas novas aeronaves no Brasil.São vôos que atingem até 500 quilôme-tros por hora (km/h) e acontecem nadecolagem ou antes do pouso. Por en-quanto, boa parte desses ensaios é rea-lizada no exterior, causando demora nosprojetos e custos altos.

"Os novos laboratórios darão maisagilidade à Embraer e farão o país do-

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 73

desde a diminuição nos cus-tos e no ciclo de desenvol-vimento de produtos à in-dependência tecnológica esegurança de informaçõesem áreas estratégicas de a-cesso restrito. Isso implicamaiores garantias de confi-dencialidade dos projetosda empresa. A Embraer de-verá ter o núcleo de CFD emação dentro de três anos,período previsto para o fimdo projeto iniciado em ja-neiro deste ano. A equiperesponsável pelo projetotem a participação de cercade 50 pesquisadores, coor-denados por engenheirosdo CTA e da Embraer.

Vôo preciso - O terceiroprojeto prevê o desenvolvi-mento de uma tecnologiaque otimizará os ensaios emvôos para certificação dosaviões da empresa. Trata-sede um sistema GPS (Global PositioningSystem) Diferencial- sistema global deposicionamento composto de 24 satéli-tes, que indicam a posição de latitudee longitude, também chamado DGPS.Com ele, ao realizarem vôos de teste, ospilotos da empresa receberão na cabineinformações precisas sobre o posicio-namento da aeronave e não terão difi-culdades para percorrer trajetóriaspreviamente definidas, condição funda-mental para o sucesso dos ensaios. ODGPS é baseado em dois receptores GPS,um no avião e outro numa base fixa nosolo, que corrige os sinais enviados pelossatélites, reduzindo a margem de erro dosistema de 30 para 3 metros ou menos.

O uso do DGPS trará enormes ga-nhos à Embraer, reduzindo os custos deensaios e horas de vôo necessárias parahomologação de suas aeronaves. "Ahora de vôo para certificação é muitomais cara do que a de um vôo comumem função da parafernália envolvida,tanto a bordo quanto em terra, paramedições, telemetrias, antenas, pro-cessamentos em computador e análisespós-vôos", diz o engenheiro aeroespa-cial do Inpe Hélio Koiti Kuga, coorde-nador do projeto.

Com isso, estima-se que o DGPSpermitirá uma diminuição das horas detrabalho requeridas para a análise de da-

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Nova unidade da Embraer e a pista de 5 km recém-inauguradas em Gavião Peixoto

dos de vôo de pouso e decolagem, assimcomo uma redução significativa de re-petições de ensaios de ruído, necessáriaspara homologação dos aviões. Por exem-plo, nos ensaios de ruído, a aeronave devefazer pelo menos duas passagerts sobreo local onde são feitas as medições so-noras. Hoje, sem auxílio do DGPS, boaparte desses vôos é perdida, pois o pi-loto não consegue atingir a precisãonecessária. O novo sistema, por sua vez,fará os cálculos necessários para o pilo-to realizar a passagem com perfeição,disponibilizando os dados num displayna cabine do avião.

Oprojeto foi iniciado emmarço deste ano e seráfinalizado em setembrode 2003. Quando issoocorrer, a Embraer esta-

rá se equiparando aos seus concorren-tes, principalmente à canadense Bom-bardier, que parece usar um sistemasimilar. "O GPS diferencial traz enor-mes ganhos para os fabricantes e porisso essa tecnologia não é repassadade um para outro. Cada empresa de-senvolve seu próprio sistema DGPS",afirma o engenheiro Hélio Kuga, queconta com mais três pesquisadores emsua equipe, além dos engenheiros etécnicos da Embraer.

Modelos matemáticos - Os pesquisa-dores responsáveis pelo quarto projetotêm um enorme desafio pela frente:reproduzir numa simulação numéricatodos os parâmetros relacionados aocomportamento do avião em vôo. É achamada modelagem dinâmica, ou seja,a determinação dos parâmetros e dasderivadas aerodinâmicas de estabilida-de e de controle das aeronaves, a partirde ensaios em vôo. Com esses modelosmatemáticos, a Embraer disporá de maisdados de suas aeronaves e poderá reduzir onúmero de ensaios e acelerar o desenvol-vimento de seus projetos aeronáuticos.

''A modelagem dinâmica define ca-racterísticas relacionadas à qualidade devôo e ao desempenho do avião': afirmao professor Elder Hemerly, do ITA, umdos coordenadores do projeto. "Isso via-bilizará uma melhoria, em qualidade eredução de tempo, no projeto de diver-sos sistemas aeronáuticos, como pilotoautomático, amortecedor de derrapagem,simulador de vôo e sistemas para au-mento de estabilidade", diz ele.

Todos os projetos de pesquisa daEmbraer dentro do Picta- PITE tem oobjetivo de dotar a empresa de ferra-mentas para a concepção dos projetosde aviões e dos testes pré-operação co-mercial. Não há, portanto, pelo menosnesse momento, a preocupação de a em-

presa desenvolver peças mais sofisticadasno Brasil. Como as montadoras estran-geiras de carros que atuam no país, a Em-braer busca peças e sistemas para seusaviões em qualquer parte do globo. Se-gundo Yokota, o grau de nacionalizaçãode peças e sistemas dos aviões da Em-braer é variável, mas não passa dos 40%."Nós temos de ter conhecimento sobretodos os sistemas e peças do avião, masa sua produção não precisa ser feita aqui.Importamos muitos componentes, maso produto final, o avião, é brasileiro. Nos-sos engenheiros lideram as equipes quecuidam da concepção dos projetos dasaeronaves': diz Yokota.

vai vender mais aeronaves, e seu parcei-ro, produzir mais componentes para aempresa brasileira. Se for um fracasso,todo mundo perde.

Mercado externo - Não é por acasoque, além de ser a maior empresa ex-portadora do país (vendas de US$ 2,897bilhões em 2001), a Embraer é tambéma segunda maior importadora (com-pras equivalentes a US$ 1,843 bilhãono ano passado). Em termos de impor-tação, a empresa fica atrás apenas daPetrobras, com o petróleo. O mercadoexterno responde por 98% do fatura-mento da empresa. A internacionaliza-ção começou na década de 80, quandoo EMB-120, o Brasília, um turboélicepara 30 passageiros, se tornou o pri-meiro avião da Embraer a entrar dire-tamente em operação comercial no ex-terior, em 1985, antes de ser entregue a

uma companhia brasileira. A partir dasegunda metade dos anos 90, a Embraercolocou no mercado uma linha de pe-quenos jatos destinada à aviação regio-nal. Das mais de 600 unidades vendidasdo ERJ-145 (jato para 50 lugares), ape-nas 15 voam em céus nacionais.

Essa capacidade em projetar e mon-tar aviões a preços competitivos é, cer-tamente, um dos motivos do sucesso daEmbraer, que faz dela a quarta maior in-dústria de aviões comerciais do mundo,atrás apenas da norte-americana Boeing,da européia Airbus e da Bombardier.

Privatizada em 1994, a empresa in-veste atualmente de 7% a 8% de seu fa-turamento bruto em pesquisa e desen-volvimento, um alto percentual para umaempresa nacional que investe em tec-nologia, índice normalmente situadoentre 3 e 4%. Em valores, o investimen-to da Embraer nesse campo gira em

torno dos US$ 220 milhõespor ano. Por esse esforço epela capacidade de monta-gem apresentada pela em-presa, Yokota se orgulha de,entre os mais de 11 mil em-pregados da Embraer, ter 3mil engenheiros no quadrode funcionários.

A grandeza da Embraerdepende muito da conjun-tura política e econômicamundial. A crise na aviaçãocomercial pós-atentados ter-roristas nos Estados Unidos,em setembro do ano passado,atingiu também a empresade São José dos Campos, queviu diminuir o número depedidos. De um total de 161aviões entregues em 2001,haverá uma queda para135 neste ano. Um resulta-do que não parece assustara empresa. Segundo Botelho,as perspectivas de vendas sãograndes, por exemplo, na Chi-na, onde a empresa já possuiescritório. Também anima oanúncio, feito no final dejunho, da encomenda feitapela italiana Alitalia, de seisjatos ERJ -145, mais seisEMB-170 e seis EMB-190,um jato de 90 lugares, aindaem elaboração pela empre-sa, que tem sua primeira en-trega prevista para 2005. •

OS PROJETOS

Desenvolvimento deTecnologia de EnsaiosAerodinâmicos e Bi eTridimensionais para oProjeto de Aeronavesde Alto Desempenho

MODALIDADEParceria para InovaçãoTecnológica (PITE)

COORDENADOROLYMPIOACHILLESDE FARIAMELLO- ITA

INVESTIMENTOR$ 1.894.300,00 e US$948.479,42 (FAPESP) eR$ 3.704.000,00 (Ernbraer)

Aplicações Avançadasde Mecânica dosFluidos Computacionalpara Aeronaves de AltoDesempenho

MODALIDADEParceria para InovaçãoTecnológica (PITE)

COORDENADORJOÃOLUIZ FILGUEIRASDEAZEVEDO- ITA

INVESTIMENTOR$ 1.665.000,00 e US$1.150.000,00 (FAPESP) eR$ 3.572.800,00 e US$105.000,00 (Ernbraer)

Desenvolvimento de umSistema GPS Diferencialpara Posicionamento eGuiagem da Aeronaveem Tempo Real

MODALIDADEParceria para InovaçãoTecnológica (PITE)

COORDENaDORHÉLIO KOITl KUGA- Inpe

INVESTIMENTOR$ 67.935,00 eUS$ 218.117,00 (FAPESP)e R$ 583.586,00 (Embraer)

Identificação de Derivadosde Estabilidade e Controlede Aeronaves via FiltragemNão-Linear e OtimizaçãoEstocástica: Algoritmose Aplicações a Dadosde Ensaio em Vôo

MODALIDADEParceria para InovaçãoTecnológica (PITE)

COORDENADORLUIZ CARLOSSANDOVALGÓES- ITA

INVESTIMENTOR$ 121.995,00 e US$195.525,05 (FAPESP) e R$908.237,50 (Ernbraer)

Para Yokota, algumas partesdo avião, como os motores,provavelmente sempre serãoimportadas. Isso porque hátrês grandes fabricantes de

turbinas no mundo, a Gene-ral Electric (GE), a Rolls-Roy-ce e a Pratt&Whitney. Paradar suporte técnico aos seusclientes, esses fabricantesmantêm serviços de manu-tenção em vários cantos doglobo. Obviamente, o custodesse serviço técnico não énada desprezível.

A Embraer firmou 16parcerias de risco com em-presas do exterior para o de-senvolvimento de compo-nentes e sistemas para suanova família de jatos. Assim,em vez de a Embraer bancarintegralmente os custos deconcepção de todos os com-ponentes de um novo modelode avião, parte ou mesmotodos os gastos referentes aodesenvolvimento de certaspeças da aeronave são ban-cados por esses fornecedo-res-parceiros. "Se o parceirode fora vai ou não ganhardinheiro depende do sucessoda transferência de tecnolo-gia. Não é uma transferênciapor contato, é pela prática,onde conta muito a compe-tência do receptor': comentaMaurício Botelho, diretor-presidente da Embraer. Emresumo, se o novo avião forum sucesso comercial, todomundo ganha. A Embraer

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 75

• TECNOLOGIA

ENGENHARIA AEROESPACIAL

No rumo certoPlataforma integrada desensores vai tornar mais precisoo vôo dos aviões de pequeno porte

Osistema de navegação dosaviões de pequeno porteestá prestes a ganhar umnovo equipamento quevai unir dois tipos de sis-

temas hoje utilizados para determinar aposição, trajetória e atitude (posição an-gular) de aeronaves. A novidade é umaplataforma integrada de sensores iner-ciais e do Global Positioning System(GPS) - Sistema de PosicionamentoGlobal-, que vai dar mais segurança àclasse desses aviões, como já acontececom aeronaves de grande porte. Essaplataforma está em desenvolvimentofinal na empresa Navcon - Navegação eControle, de São José dos Campos.

Os sensores inerciais são considera-dos instrumentos primários de navega-ção e são independentes de sinais exter-nos para funcionar. Eles são formados, .principalmente, por dois instrumentos:os giroscópios e os acelerômetros. Osprimeiros registram todos os movimen-tos da aeronave durante o vôo e funcio-nam por meio de princípios mecânicos,com um rotor girando como um pião eregistrando os movimentos da aeronaveem relação à caixa em que está instala-do. Também funcionam com laser emi-tido por meio de fibras ópticas. O mo-vimento do avião é sentido na diferençade velocidade de recepção do laser quepercorre a fibra. Eles disponibilizampara os pilotos informações sobre a ati-tude do avião em três eixos: direção, ân-gulo do bico (inclinação para baixo ou

Módulos doSistema de Atitude e

Navegação da Navcon

76 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

para cima) e ângulo das asas (inclina-ção para os lados), mostrando se o aviãoestá voando paralelo ao solo. Os acele-rômetros fornecem dados relacionadosà velocidade do avião.

O GPS é um sistema secundário deauxílio à navegação - seu uso como sis-tema principal ainda está sendo testado.Ele é formado por uma constelação de24 satélites, na órbita de 20 mil quilô-metros de altitude, que enviam sinaiscaptados por aparelhos receptores nascabines dos aviões. Os sinais são usadospara determinar posição e trajetória dosaviões, por meio de coordenadas de la-titude e longitude, linhas imagináriasque cortam o planeta. A margem de er-ro dos sinais GPS, que no passado erada ordem de 100 metros, hoje fica entre1 e 3 metros, graças à correção das esta-ções de referência localizadas em terrachamadas de Differential Global Posi-tioning System (DGPS).

apoio do Programa de Inovação Tecno-lógica em Pequenas Empresas (PIPE),da FAPESP. "Vamos utilizar sensoresinerciais mais baratos e de baixa preci-são e, mesmo assim, graças à integraçãocom o receptor GPS, os resultados ob-tidos são bastante satisfatórios", afirmao engenheiro de eletrônica Valter Ri-cardo Schad, diretor da Navcon e umdos inventores do Sman.

~

orma modular é outra gran-de vantagem do Sman quefaz com que ele possa serutilizado por diferentesveículos. "O Sman é um

sistema de prototipagem (elaboração deprotótipos) rápida. Isso significa que paracada aplicação podemos definir o nívelde integração desejada", conta o enge-nheiro industrial do Instituto Nacionalde Pesquisas Espaciais (Inpe), OtávioSantos Cupertino Durão, coordenadordo projeto. Por causa dessa característi-ca, a plataforma pode ser usada por au-tomóveis, para navegação ou monito-ramento de frotas. Na Europa e EstadosUnidos, vários sistemas de navegaçãoveicular estão em uso. Eles têm a fun-ção de mostrar em uma tela no paineldo veículo a rua em que o carro estápercorrendo e mostrar o melhor ca-minho ou, ainda, mostrar o estado dotrânsito nas ruas e avenidas à frente."Nesse caso, o sistema não precisará sertão complexo como em aviões, já quena navegação veicular só estamos inte-ressados em projetar a posição do auto-móvel no mapa", afirma Durão.

Outra aplicação do Sman é em fo-guetes, satélites e mísseis, substituindoos caros componentes empregados atu-almente para controle de órbita e atitu-de. Por fim, o aparelho também poderáser usado em navios e plataformas pe-

o PROJETO

Vôo cego - A plataforma integrada me-lhorará o uso do GPS e dos sensores efoi concebida para suprir falhas quepossam existir nos dois sistemas. Os gi-roscópios podem ser pouco confiáveise imprecisos e podem precisar de cons-tantes correções ao longo do vôo. Emmodelos mais simples e baratos, a mar-gem de erro pode chegar a 10 graus porhora, o que levaria o avião a uma traje-tória completamente equivocada. Gi-roscópios de alta precisão, entretanto,têm desvio de apenas 0,01 grau porhora, mas são aparelhos que podem'custar por volta de US$ 300 mil.

O sistema GPS, por sua vez, só fun-ciona se o sinal de quatro satélites daconstelação for captado simultanea-mente pelo avião. Mas isso nem sem-pre é possível, o que pode levar a aero-nave a fazer um vôo cego por algunsinstantes. "Falhas na transmissão dosinal, restrições geométricas de posici-onamento e até mesmo uma manobrada aeronave podem fazer com que osinal do sistema GPS não seja captadopelas antenas localizadas no avião", ex-plica Schad.

Batizada de Sistema Modular deAtitude e Navegação (Sman), a plata-forma também poderá ser usada porfoguetes, mísseis, satélites, automóveise navios. Depois de três anos de pesqui-sas e desenvolvimento, os engenheirosda Navcon concluíram, em abril, umprotótipo do equipamento, que teve

Plataforma Integrada de SensoresInerciais e GPS

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOROTÁVIO SANTOS CUPERTINO DURÃO -Navcon

INVESTIMENTOR$135.374,OO e US$ 67.493,00

trolíferas, auxiliando no posiciona-mento de ambos.

Segundo Schad, o uso de uma pla-taforma integrada com GPS e sensoresinerciais de baixo custo é foco de pesqui-sa e desenvolvimento em todo o mundo.A Navcon é a única empresa no Brasilque conseguiu desenvolver um sistemamodular integrado com essas duas tec-nologias, incluindo determinação deatitude por GPS, e o uso de sensoresinerciais. Outras companhias até fize-ram a integração, mas focando em ape-nas uma aplicação.

O modelo mais complexo do Sman,para uso em aviões, será formado porseis módulos, além de um software. Aunidade mestre de sensores é compostapor giroscópios, acelerômetros e algunscircuitos necessários ao seu funciona-mento, enquanto a unidade de sensorese interfaces inclui bússolas, sensores develocidade (que medem os quilômetrosou milhas percorridas por hora) e sen-sores adicionais. A unidade GPS podeconter um ou vários receptores. Um te-clado e um display gráfico, que servemcomo interface para o usuário, serão abase da unidade de controle e visualiza-ção, Por fim, o software será responsávelpela operacionalidade do Sman.

Alta tecnologia - A Navcon entroucom um pedido de financiamento dapatente do protótipo ao Núcleo de Pa-tentes e Licenciamento de Tecnologia(Nuplitec), da FAPESP. Paralelamen-te, está fazendo algumas adaptações noSman visando a sua colocação no mer-cado. Algumas negociações já estão emcurso. "Conversamos com uma empre-sa que fabrica sistemas de navegação paraautomóveis e houve interesse por partedela em conhecer o produto melhor':diz Schad. O setor aeroespacial tambémestá sendo sondado.

Com apenas três anos de mercado,a Navcon se especializou no desenvolvi-mento de sistemas inerciais, auto maçãoe controle de processos industriais e la-boratoriais. Além do Sman, a empresatambém conta com outro projeto noPIPE, com a primeira fase concluída,para o desenvolvimento de um recep-tor GPS para aplicações espaciais. Comos dois projetos, novas perspectivas seabrem para a Navcon, que ganha, assim,mais visibilidade na indústria aeroes-pacial e se apresenta para outros seto-res, como o automotivo e o náutico. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 77

• TECNOLOGIA

SOFTWARE

Jj

~-~Jt)A chave paramanter segredosLaboratório catarinense dominatécnica de criptoqrafia que protegeas informações da rede virtual

Fazer uma compra com car- ,tão de crédito ou pagar con-tas via internet são duas si-tuações que exigem boasdoses de segurança. Tanto

do lado de quem acessa como de quemvende o serviço ou produto. Sempre épossível imaginar que existe um hackerem cada esquina da rede mundial à es-pera de uma oportunidade de roubar aconfiança e o dinheiro alheio. Por essemotivo, consumidores e empresas quequerem ter garantia da autenticidadede quem acessa seu site dependem cadavez mais da criptografia. Essa técnicapermite embaralhar os dados de modoa torná-los ilegíveis para aqueles quenão têm a chave decifradora. O domí-nio dessa tecnologia foi recentementeconquistado pelo Laboratório de Segu-rança em Computação (LabSec), doDepartamento de Informática e Esta-

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tística da Universidade Federal de San-ta Catarina. "Concluímos a captação doconhecimento sobre algoritmos (méto-dos de resolução de regras e operaçõesmatemáticas) existente nos sistemasnorte-americanos, os mais utilizados nomundo': conta Ricardo Felipe Custó-dio, supervisor do LabSec. "Com isso, jáconcluímos soluções para uso da crip-tografia na internet e nas redes internasde empresas e governos:'

Alguns dos mais importantes cam-pos de aplicação são a certificação digi-tal, a assinatura digital e o e-mail seguro.O certificado é um arquivo de compu-tador com informações - nome, ende-reço e chave criptográfica daquele queo detém, além de indicação do órgãocertificado r - que confirma a identida-de de pessoas e máquinas. É fundamen-tal, por exemplo, no acesso on-line aum extrato bancário ou no receptor de

informações financeiras nas áreas segu-ras das lojas virtuais, para pagamentode compras. A assinatura, que se baseiano certificado, pode ser utilizada na re-messa de documentos por e-mail, asse-gurando a autenticidade da origem e aintegridade do conteúdo, que chegaráao destinatário sem nenhuma alteração.Por fim, o e-mail seguro acrescenta umagarantia adicional: a de que ninguémpoderá abrir a mensagem, exceto seudestinatário original.

Concebida para proteger informa-ções confidenciais nos tempos do Im-pério Romano, a encriptação ganhoutamanha relevância com a comunica-ção entre computadores que o governonorte-americano a trata como questãode segurançanacional.Por décadas,proi-biu a exportação de produtos da chama-da criptografia forte, um conceito quevaria conforme a evolução tecnológica.Os Estados Unidos só relaxaram umpouco a legislação em 1999, por fortepressão da indústria de software, que co-meçou a perder mercado para paísescom sistemas criptográficos próprios,como Suíça e Israel.

Transferência tecnológica - O LabSecfoi montado em 1999,por iniciativa deseis professores antes ligados ao Labo-ratório de Computação Algébricae Sim-bólica, e, no final deste ano, terá forma-do cerca de 20 mestres. Tem projetosinovadores em todas as áreas nas quaiso uso da criptografia é intenso, e algunsdeles já foram adaptados às necessida-des do mercado.

Para dar conta dessas adequações,sempre voltadas para a simplicidade deimplementação e uso, a UFSC firmouum contrato de transferência de tecno-logia com a Bry, uma empresa de basetecnológica de Florianópolis, no finaldo ano passado. Desde então, a Bry pa-ga um valor fixo mensal à universida-de, a título de adiantamento de royalties,que corresponderão a 5% da receitabru-ta das vendas. "Nosso objetivo não é co-mercializar soluções para os usuáriosfinais,mas integrá-Ias,como componen-tes, em pacotes de produtos e serviçosdos nossos clientes potenciais'; anunciaCarlos Roberto De Rolt, diretor-presi-dente da Bry.

Do trabalho da empresa, faz partedo que De Rolt chama de "produti-zação": funções de marketing que en-volvem, além da divulgação das tec-

nologias do LabSec,a adaptação de do-cumentos técnicos, como manuais e ar-quivos de ajuda, o desenvolvimento deinterfaces gráficas e, nas soluções dehardware, também de protótipos. Fun-dada em meados de 2000 com o apoiode um investidor que financia os pri-meiros passos de um empreendimento,também conhecido como "anjo ou an-gel investors", a Bry está concluindo ne-gociações para um significativo aportede capital de risco que, se as expectati-vas de De Rolt se confirmarem, chega-rá em agosto. Seus estudos do mercadoprojetam receita superior a R$ 30 mi-lhões dentro de três anos e de mais deR$ 100 milhões no final desta década.

Umdos destaques entre astecnologias desenvolvidasno LabSec é uma proto-coladora de documentoseletrônicos que permite

estabelecer uma âncora temporal aodocumento, garantindo que o mesmonão foi alterado a partir de uma deter-minada data e horário, um dos maioresproblemas na transmissão de documen-tos oficiaisem rede."Essatecnologia,quebatizamos de "método da árvore sin-cronizada", está atraindo a atenção doMassachusetts Institute of Technology(MIT)", observa Custódio, da UFSC.Em vez de exigir que o relógio das má-quinas, tanto de quem recebe como doemissor do documento, opere em unís-sono - um objetivo muito improvável-, o método estabelece o conceito dedatação relativa, ou seja, os documen-tos são ligados uns aos outros, comonuma corrente, dotando-os de uma re-ferência comum: a âncora temporal.Sem esse diferencial, as protocoladorashoje disponíveis - fabricadas pela nor-te-americana Datum e pela alemãTime-Proof - têm preço em torno deUS$ 35 mil, fora imposto de importa-ção, frete e seguro.

Com o nome de Bry PDDE, a pro-tocoladora, que desde sua finalizaçãoem 1999 já incorporou aprimoramen-tos e novas versões, já tem um usuáriono setor privado e desde agosto estáem teste no Tribunal Superior do Tra-balho de Santa Catarina. "Trata-se deum produto de alto potencial nas áreasjurídica e tributária, pela confiabilidadeque seria agregada às atividades doscontabilistas na remessa eletrônica dedocumentos oficiais",afirma De Rolt.

O equipamento não se limita a re-gistrar a data e o horário da entrada demensagens na rede do usuário - tam-bém impede alterações de conteúdo ese autodestrói em face de qualquer ten-tativa de violação física.À parte a açãoda Bry, o LabSec tem mantido conver-sações com o governo federal para aadoção da protocoladora na prestaçãode serviços do governo eletrônico.

Outras tecnologias do LabSec quejá se transformaram em produtos co-merciais são o BryAC, sistema para au-toridades certificadoras - função que,no âmbito da iniciativa privada, podeser exercida por, digamos, uma empresaem comunicação com clientes, fornece-dores e parceiros e, no público, depen-de de concessão governamental e estáem fase de regulamentação -, e o Bry-Signer.Este último é um software de as-sinatura digital que realiza operaçõesbásicas, como autenticar a autoria e oconteúdo de documentos.

"Em sua intranet, a UFSC já atuacomo autoridade certificadora e utilizaassinaturas digitais",diz Custódio. Umaintranet, por definição, utiliza tanto arede interna do usuário quanto a inter-net para dar acesso a usuários autoriza-dos, dentro das instalações do usuárioou fora dela. Outro produto já disponí-vel é o BryDeal, que controla a votaçãoem eleiçõespromovidas por entidades declasse e em pesquisas promovidas porempresas, entre outras aplicações, paraevitar duplicidades.

Cartório virtual - E o LabSec tem mui-tos projetos prestes a render frutos. Ode maior escopo é um sistema de cartó-rio virtual que levaria para o mundodigital todos os serviços notariais domundo de tijolo e cimento. "Uma equi-pe de 30 pessoas está identificando to-dos os processos dos cartórios'; comentaCustódio. Uma das primeiras aplicaçõesdeve assegurar a emissão de certidões denascimento nos hospitais, contribuindopara reduzir o vergonhoso número debrasileiros sem registro.

Entre as outras promessas de ino-vação figuram ainda a aplicação daprotocoladora à comunicação de vozem centrais de atendimento, o uso decriptografia em telefonia fixa e móvelpara evitar o "grampo" e um sistema deconsulta de crédito que, exigindo aidentificação da pessoa objeto da análi-se, garantiria o direito ao sigilo. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO OE 2002 • 79

• TECNOLOGIA

MICROELETRÔNICA

Na trilhado futuroPrograma permite quealunos projetem e testemcircuitos integradosfabricados no exterior

TÂNIA MARQUES

Circuitos integrados, ouchips, estão por toda par-te. Sem fazer ruído, es-sas pequenas peças, quetêm o silício como base

e constituem o coração dos computa-dores, se multiplicam, embutidas nosmais variados tipos de equipamentos,de dispositivos high tech para telecomu-nicações a brinquedos infantis, de auto-móveis a eletrodomésticos e relógios.Com tamanha importância industrial,não é de estranhar que o domínio dafabricação de chips cause um impacto .direto sobre a competitividade de cadapaís. No Brasil, ainda não há consensosobre a necessidade de produção localde chips. Altos investimentos (cerca deUS$ 2 bilhões) e excesso de oferta dessesdispositivos no mercado mundial são osdois motivos mais importantes alegadospor aqueles que são contrários.

Em um ponto, porém, há unanimi-dade: a capacidade de projetar chips éfundamental, porque esse é o bem demaior valor na indústria eletrônica eaquele que pode gerar empregos quali-ficados. Essa proposição impulsionou,já em 1994, a FAPESP a criar o Progra-ma Especial para Fabricação de Circui-tos Integrados no Exterior, conhecidocomo multiusuário (PMU), com o ob-jetivo de oferecer aos alunos de pós-gra-duação nas universidades ou de qualqueroutra instituição de pesquisa paulista a

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Amostra de chipsprojetados no Centrode Componentespara Semicondutoresda Unicamp

chance de ver e testar os chips que pro-jetaram. O programa contribui assimpara a formação de recursos humanospara design de circuitos eletrônicos, umfator importante para a modernizaçãoda indústria de produtos de eletrônica,e também para a instalação de uma fá-brica desses produtos no país.

"Sem o PMU, não teríamos recursospara a produção dos chips, e o que de-termina o sucesso de um projeto são ostestes': afirma o professor Iacobus Swart,diretor do Centro de Componentes paraSemicondutores (CCS), da Universida-de Estadual de Campinas (Unicamp), ecoordenador do PMU. "A produção deum chip é também um fator de mobili-zação do interesse dos estudantes poruma área estratégica para o desenvolvi-mento econômico do país."

Longo tempo - O primeiro programaPMU nasceu na antiga Fundação CentroTecnológico para Informática (CTI),hoje Centro de Pesquisas Renato Archer(CenPRA), durante os anos 80, lembraWilhelmus Van Noije, chefe do Depar-tamento de Engenharia de Sistemas Ele-trônicos da Escola Politécnica da USP emembro do comitê assessor do PMU.Esse programa do CenPRA tinha umalcance nacional e adotava uma meto-dologia diferente da usada atualmente.Os projetos eram reunidos e enviados aoexterior em grandes lotes. Nesse mé-todo de trabalho, o prazo de envio dosdesenhos dos circuitos eletrônicos eramuito longo, resultando numa conse-qüente demora no retorno dos chips.Além disso, o programa era limitadoa uma única tecnologia de fabricação,Complementary Metal Oxide Semicon-ductor (CMOS). Dessa forma, o PMUda FAPESP veio somar os esforços dainiciativa original do CenPRA, oferecen-do flexibilidade na escolha da tecnolo-gia, reduzindo prazos e garantindo osrecursos financeiros necessários.

"No início dos anos 90, vivíamos umperíodo de inflação muito alta e a des-valorização da moeda entre a solicita-ção de verbas e sua liberação inviabili-zava muitos projetos': lembra Van Noije."Com o PMU, as coisas se tornaram bemmenos burocráticas:' Para a produção, asuniversidades que participam do pro-grama utilizam, basicamente, os serviçosde duas empresas européias - a Cir-cuits Multi-Projects (CMP), em Gre-noble, França, e a Europractice, na Bél-

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Usina gera projetos de chipstec, chegaram a exportar know-how.E aproveitou tão.bem que, hoje, a Cen-tra de 'Iecnologia de Semicondutoresda Motorola, desde 2000 instalada emJaguariúna, região. de Campinas, não.pode aceitar encomendas: está coma capacidade tornada até a final daano. O centro emprega mais de 100projetistas. Entre eles, afirma Calmon,há diversas doutores - e quase 90%são. mestres.

O executiva canta que dezenasde chips projetados na Brasil já estão.embutidas em produtos da Motorola."Desenvolvemos circuitos integradaspara comunicação móvel, automóveise redes, entre muitas outras aplicações:'Seu maior orgulho é, porém, a con-quista, para a subsidiária brasileira,da design de toda uma família de mi-

projetistas, entre mestres -e doutores",lembra Swart. Muitas destes estão. tra-balhando em universidades, centros depesquisa e empresas, cama na designhouse da Motorola (leia quadro). Muitasdas trabalhas desenvolvidos sob a pro~grama foram publicados em periódi-cos especializados internacionais, Entreeles, destaca-se, par exemplo, a desen-volvimento de uma técnica para au-mentar a vela cidade de processadoresCMOS digitais, de Ioão Navarro Iúnior,sob a orientação de Van Noije. Na iní-cio. de junho, a artigo. estava programa-da para a edição. daquele mês da revistada prestigiado Institute of Electrical andElectronics Engineers (IEEE), com sedeem New Iersey, nas Estadas Unidas.

Processador rápido - Partindo. da tec-nologia tradicional de true-single phaseclock (ou relógio. de real fase única), aestuda aponta a possibilidade de atingira dobro da freqüência da clock (da vela-cidade) na processamento de dadas parmeio. da aplicação. de novas estruturasformadas pela conexão. de algumas tri-lhas. Com isso, a consumo de energiada computador, por exemplo, registraqueda de 30%. "Há outros projetos in-teressantes em andamento, principal-mente em relação. à comunicação. mó-vel", revela Van Noije. "As áreas commaior concentração. de trabalhas em

croprocessadores, um grande sistemaque integra várias circuitos integra-do.s. "Nunca, em toda a trajetória da ,Motorola, a projeto de um chip cen-tral havia saída da matriz", revela.

Em abril de 2001, a.empresa ade-riu ao. Programa Nacional de Micro-eletrônica, assumindo. a comprornis-so de doar equipamentos na valor deaproximadamente R$ 10 milhões paraa Centro de Excelência Ibero-Ameri-cana de Eletrônica Avançada (Ceitec),cujo. objetivo é viabilizar a manufa-tura de protótipos de chips em PartaAlegre (RS). A Motorola tambémanunciou a doação de equipamentospara a Unicamp e estabeleceu parce-ria com essa universidade para a mon-tagem de um laboratório voltado à pes-quisa em microeletrónica.

A Motorola, gigante internacionalda setor de telecomunicações, cam fa-turamento global de US$ 30 bilhõesem 2001, começou a prestar atenção.na capacidade das projetistas brasi-leiros em 1997. "Naquele ano, ini-ciamos as projetos de circuitos inte-gradas na Brasil com um grupo. de14 pessoas', recorda Antônio. Cal-mon, diretor da empresa, que respan~de pela área de semicondutores naAmérica Latina.

Na início, a empresa aproveitou asconhecimentos acumuladas na paísno. período em que vigorava a reser-va de mercado. para bens de informá-tica, quando. a Vértice - design housedo.Grupo. Machline, que encerrou suasatividades em 1995 - e fabricantes dechips, coma Sid Informática e Itau-

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gica -, que atendem encomendas de di-versas centros de pesquisa, universida-des e empresas espalhadas pelo. mundo.,num período de dois a quatro meses.Essas foundries (fundições) oferecem di-versas processas de produção, para asmais variadas padrões de circuitos in-tegradas. Fortalece-se, hoje, a tendênciados systems on chip (Soes), que está le-vando à substituição. progressiva dasdiversas componentes antes necessá-rias para a operação de um equipamen-ta par circuitos integradas mais evoluí-das e multifuncionais,

oscoordenadores da PMUavaliam todos as projetosantes de autorizar a fa-bricação. das peças, paraanalisar a mérito. da tra-

balha prapasta e evitar que eventuaiserras co.mprometam as protótipos, ge~rando atrasas na desenvolvimento datrabalha do.mestrando ou doutorando.Afinal, as desenhas são. quase sempremuita complexos. "Hoje, um só chip pa~de concentrar uma quantidade de tri-lhas (ande ficam gravadas as informa-ções) suficiente para retratar a mapada Brasil, com todos as rias, todas asruas das cidades e todas as estradas quecortam a país", comenta Swart.

"Desde sua criação, a PMU contri-buiu para a formação de cerca de 100

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cursa são. a de telecomunicações, ins-trumentação e a de equipamentos mé-dicas': conta Swart.

Outro trabalha com circuitos inte-gradas desenvolvido na Unicamp podese transformar em uma inovação na in-dústria automotiva, contribuindo paraintroduzir controles eletrônicas e, dequebra, reduzir as custas de produção.O projeta, desenvolvido pelo. professarCarlos Alberto das Reis Filha, da Facul ~dade de Engenharia Elétrica e Compu-tação da Unicamp, e cinco orientandosentre 1996 e 1999, em uma parceria coma Magnetti Marelli, empresa de autope-ças da Grupo. Fiat, baseia-se na substi-tuição de fias de cobre par uma peque~na rede de comunicação sem fio. paradiagnosticar eventuais defeitos em, porexemplo, um farol, e avisar a proprietá-ria. Além disso, com o. auxílio. de umsoftware específica, será passível recu ~perar a histórica operacional da peça.''A solução não. foi adotada em função.de problemas internas da Magnetti Ma-relli'; canta Reis.A companhia abriu mão.de seus direitas de exclusividade sobrea produto, que pode ser abjeta de acor-do. com outra organização.

Na Brasil, diz Swart, pela menos 40pessoas concluem a mestra da em mi-croeletrônica a cada ano; e 20, a douto-rada. E, se a número ainda é pequena -na Suíça, exemplifica a pesquisador, 200

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o PNM, com previsão deinvestimento de cerca de R$200 milhões até 2005, elegeudois Estados-âncora em suasprimeiras iniciativas: SãoPaulo e Rio Grande do Sul. "Éimportante somar esforçosfederais aos que vêm sendodesenvolvidos pela FAPESP",avalia Vanda. Para trazer asempresas de maior porte, oMCT está disposto a apoiarsua instalação, contribuindopara o treinamento de equi-pes de projeto com contra-tação local e, eventualmente,bolsas para pesquisadorespor meio do Conselho Na-cional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico(CNPq), além de oferecer fa-cilidades de financiamento.Em contrapartida, as empre-sas terão de se comprometera operar no país por pelo me-nos o dobro do período du-rante o qual receberem be-

nefícios, trazer pelo menos um líder deprojetos de circuitos integrados paracada cinco projetistas recrutados no Bra-sil com o objetivo de difundir conheci-mentos de processos. Outra condiçãobásica é o respeito aos direitos de pro-priedade intelectual em negociações.

Circuitos integrados produzidos no exterior são testados pelos alunos que fizeram o projeto

doutores se formam anualmente -, boasnotícias são o que não falta na área. NaUSP, conta Van Noije, a procura por te-mas da microeletrônica por parte dosalunos de graduação em EngenhariaElétrica cresceu muito depois que asmatérias optativas passaram a abrangertambém conhecimentos em hardware,software e telecomunicações. "Na últimasemana de escolha de matérias optati-vas, 200 estudantes buscaram informa-ções sobre essas novas opções': anima-se.

Mudança de rumo - Outro ponto quefavorece a microeletrônica no país foi olançamento do Programa Nacional deMicroeletrônica (PNM), em agosto de2001, pelo Ministério da Ciência e Tec-nologia (MCT), com o objetivo de dimi-nuir a importação de chips. Em 2000, oscircuitos integrados geraram um déficitde R$ 1,7 bilhão na balança comercial dosetor de eletrônicos brasileiro, respon-dendo por nada menos que 57% do sal-do negativo total, de R$ 3 bilhões.

Para tentar reverter o déficit comer-cial nessa área, um dos alvos do PNM éatrair duas design houses ligadas a gran-des nomes do ramo de semicondutores,como lntel, AMD e Texas lnstruments,por exemplo, e estimular a criação de pe-quenas empresas nacionais especiali-zadas no desenho de circuitos. Design

houses são companhias que podem de-senvolver projetos sob encomenda, con-templando apenas alguns aspectos deuma iniciativa de desenvolvimento degrande envergadura, ou criam soluçõesinovadoras para oferecer ao mercado."Trata-se de semear o incremento docapital intelectual na microeletrônicabrasileira", afirma Vanda Scartezini, ti-tular da Secretaria de Política de In-formática (Sepin), do MCT. "A pro-priedade intelectual responde por nadamenos que 66% da receita de exporta-ção dos Estados Unidos, e o Brasil pos-sui um mercado interno enorme e devese mirar nos modelos adotados pelospaíses desenvolvidos."

o PROJETO

Programa Especialpara Fabricação de CircuitosIntegrados no Exterior Fase 4

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORJACOBUSSWART- Centrode Componentes paraSemicondutores - Unicamp

INVESTIMENTOR$ 161.687,50 e US$ 243.000,00

Produtos acabados - Na visão de Van-da, atrairuma fábrica de circuitos inte-grados é interessante para o país, masnão consiste em prioridade. "Quandoconseguirmos transformar os chips pro-jetados nas design houses em produtoscom boa aceitação mercadológica, a in-dústria virá naturalmente, sem fazermuitas exigências quanto ao tratamen-to fiscal': prevê. Ela acredita que a me-lhor estratégia para compensar a balan-ça comercial de eletrônicos não é a vendade chips, que, ao menos nas aplicaçõesmais correntes, já são commodities, masa exportação de produtos acabados, nosquais o projeto de circuitos integradosganha importância cada vez maior.

Com toda essa perspectiva em favordo desenvolvimento da microeletrô-nica no país, o PMU da FAPESP conse-guiu formar mão-de-obra competentee tem pela frente pelo menos mais 15meses de vigência, tempo para agruparnovos projetos de novos interessadosno design de chips. •

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Pesquisaindica que,mesmo apósa separaçãoda sinagoga daIgreja Católica,as duas religiõesmantinhamrelaçõesbilaterais

I HUMANIDADES

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ROBINSON BORGES COSTA

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esar de cristão, o provérbio "diga-me com quem andasque te direi quem és" não poderia ser aplicado nos pri-mórdios do cristianismo. Pesquisa desenvolvida na Uni-versidade Metodista de São Paulo (Umesp) mostra que,ao contrário do que muitos historiadores indicam, os

passos de judeus e cristãos continuaram a seguir trilhas comunsmesmo após a separação da Igreja Católica da sinagoga. O projeto,financiado pela FAPESP, revela que as duas religiões promoveramintercâmbios de símbolos, narrativas e tradições religiosas, pelo me-nos até o segundo século. Ou seja: continuaram a andar juntas, massendo de crenças distintas. "Nossa questão é saber se os elementoscontínuos entre o judaísmo e o cristianismo primitivo desempenha-ram um fator determinante apenas nos primeiros impulsos e elabo-rações cristãs ou se houve intercâmbio mesmo após o cristianismoconquistar autonomia e identidade, motivados por padrões de expe-riência e linguagem religiosa comum': diz Paulo Augusto de SouzaNogueira, coordenador do projeto temático Estruturas ReligiosasConvergentes no Judaísmo e no Cristianismo do Primeiro Século.

Constituído de sete pesquisadores que trabalham em torno detrês eixos, o estudo vai publicar os resultados em livro a ser editadono próximo ano. O ponto de partida é a compreensão de que o nas-cimento do cristianismo não é fruto de rompimento radical com ojudaísmo, versão difundida ao longo dos tempos. Com base em do-cumentos literários, em especial das tradições apocalípticas, os pes-quisadores identificaram intensas relações bilaterais do cristianismocom o judaísmo. Segundo Nogueira, a religião de Jesus, seus segui-dores e das gerações seguintes de cristãos tem de ser compreendidaa partir de práticas e crenças religiosas judaicas.

"Boa parte das análises de história pressupõe que o uso das tra-dições judaicas teria ocorrido nos estágios de formação da tradiçãoreligiosa cristã primitiva em via única. Ou seja, fica descartada apossibilidade de que os cristãos e judeus estivessem se influencian-do mutuamente por períodos maiores", afirma. A pesquisa cami-nha na contramão da visão hegemônica de que não houvesse maisinfluências após a separação.

"Perguntamos se as diferenciações institucionais implicaramum corte nos intercâmbios de tradições religiosas': diz. "Não pode-

A Epopéia da Civilização Americana, painel deJosé Clemente Orozco: para o pesquisador Paulo Nogueira, é precisoentender os textos do passado para compreender o presente

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riam esses ter coexistido em vários cír-culos mesmo após a separação dos cris-tãos da sinagoga?" Para responder àpergunta, os pesquisadores elaboraramestudo comparativo em textos apoca-lípticos nos Manuscritos do Mar Mor-to, na literatura judaica pseudepígrafa(produzida até 70 d.Cr), e na literaturado cristianismo primitivo (tanto do No-vo Testamento como dos apócrifos). Operíodo estudado vai desde o século .segundo a.e. até o segundo d.e. A es-colha desses textos ocorreu porque háindicações de que os primeiros cris-tãos eram judeus apocalípticos. "Tra-balhamos com uma compreensão dife-renciada de apocalíptica, para além daidéia de que o fim do mundo chegariaacompanhado de cataclismos cósmi-cos e da redenção dos justos", observa.

Os pesquisadores consideram que oelemento central da apocalíptica é a ex-periência religiosa visionária, provavel-mente de origem extática, que temcomo conteúdo principal visões sobreos céus, suas estruturas de poder, os an-jos e o culto místico ali desenvolvido. Oacesso a essas revelações é possível pormeio de viagens celestiais. "Em vez dedizer que Jesus era apocalíptico apenasporque acreditava no fim do mundo,apresentamos a religiosidade de Jesus ede seus seguidores como reflexo de uma

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complexa religiosidade visionana, naqual o próprio Jesus passou a ser com-preendido como alguém que revela ossegredos e os mistérios de Deus."

Para Paulo Nogueira, essaabordagem perrnite-recons-truir o quadro cultural e re-ligioso que torna possívelcompreender os parâmetros

religiosos dos primeiros cristãos e suasrelações com os judaísmo, assim comosincretismos com as religiões do Medi-terrâneo. Era por meio da experiênciavisionária que judeus e cristãos tinhamacesso às estruturas do cosmo, aos po-deres angelicais e ao mundo labirínticoem que Deus era imaginado. "A apoca-líptica é aqui interpretada como umaforma de misticismo judaico, muitoalém da sua tradicional compreensãocomo expectativa de fim do mundo ede crítica da história e do poder': afir-ma o professor. "O destaque dado aoaspecto extático-visionário permitecompreender a apocalíptica em relaçãoàs tradições populares e iletradas do ju-daísmo, representando os textos apoca-lípticos apenas o produto final de umacorrente mais ampla."

A acepção da apocalíptica como li-teratura de revelação visionária podeser encontrada, por exemplo, nas ela-

boradas descrições das hierarquias depoderes celestiais, tanto em textos ju-daicos como o Livro dos Vigilantes, daApocalípse de Enoque (Enoque Etíope),nos Cânticos do Sacrifício Sabático deQumran, assim como na Carta aos Efé-sios, nas disputas com anjos e seu cultoem Hebreus, e na busca por ascender àsmoradas celestiais e na preocupaçãocom a contemplação da glória de Deusno Evangelho de João, sem contar comsua recepção no Apocalipse de João e naAscensão de Isaías. Nogueira destacaque importa menos saber se essas expe-riências ocorreram de fato com Jesusou com Paulo de Tarso do que com-preender como esses grupos vivencia-vam esse modelo de religião visionáriaem seus cultos de êxtase.

"É muito possível que algumas nar-rativas atribuídas a Jesus tivessem sidoinclusive experiências posteriores deseus seguidores atribuídas a ele ou en-tão que tivessem sido narradas nas co-munidades cristãs primitivas de formaparadigmática, para serem imitadas emoutras ocasiões", diz o coordenador dapesquisa. "Isso não tira a importânciado tema, ao contrário, mostra certa li-gação entre os pressupostos religiososde Jesus com seus seguidores posterio-res, uma vez que procedem de um âm-bito comum: a apocalíptica judaica."

Gólgota, de EdvardMunch (à esq.), eCristo no Deserto,de Ivan Krarnskoy:estudo permitereconstruir quadrocultural e religioso

o pesquisador Luigi Schiavo, quedesenvolve sua tese de doutorado den-tro do projeto temático, tem se dedica-do a estudar justamente a tentação deJesus de Lucas, considerado um dostextos mais importantes do documentoQ, também chamado de Fonte dos Di-tos, por apresentar uma narrativa emque Jesus luta contra Satanás pelo do-mínio cósmico. "Os temas do julga-mento, da oposição dualística, da espe-ra messiânica, do reino de Deus e daapresentação de sua ética nos levam apensar num documento de forte cará-ter escatológico, com elementos apo-calípticos de visão e revelação", diz apesquisa. "Nesse contexto, o relato dastentações de Jesus é aqui interpretadocomo um relato de viagem celestial,uma forma literária bastante conhecidana literatura apocalíptica e pseudepi-gráfica a partir do segundo século a.c.,cujo objetivo era descrever a experiên-cia extática do visionário."

Essa interpretação se baseia em vá-rios aspectos, como o termo técnico davisão "levado em espírito", o transportepara fora do corpo e a viagem pelo céu,o anjo que acompanha o visionário, olugar deserto que, com o jejum, repre-senta a condição para que tal experiên-cia possa acontecer, etc.A pesquisa ado-ta como modelo para a compreensão de

Jesus no seu embate com Satanás nesserelato, o mito do combate entre o anjoMiguel e Satanás, tal como é retratado,por exemplo, na Regra de Guerra deQumran e refletido no Novo Testamentoem Apocalipse 12.A pesquisa de Schiavoestá inserida em um eixo do projeto queanalisa figuras messiânicas da apocalíp-tica judaica que podem ter influenciado

. as primeiras elaborações cristológicas,ou seja, as primeiras afirmações sobre adivindade de Jesus e sua origem celeste.

Outro eixo da pesquisa pretende re-lacionar esses textos apocalípticos cris-tãos primitivos com o culto celestial co-mo era idealizado por círculos judaicosmísticos do período. A hipótese, neste

o PROJETO

Estruturas Religiosas Convergentesno Judaísmo e no Cristianismodo Primeiro Século

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORPAULO AUGUSTO DE SOUZANOGUEIRA - UniversidadeMetodista de São Paulo

INVESTIMENTOR$ 83.871,00

caso, é que esse mundo místico se inse-re no culto das casas dos primeiros cris-tãos, permitindo formação de identida-de religiosa e organização social emtorno da experiência religiosa.

Além dessa discussão da relação docristianismo com judaísmo, o projetocontempla mais um eixo de pesquisaque analisa também a recepção de te-mas apocalípticos na religião populardo Mediterrâneo, mais especificamentenos papiros mágicos e nos amuletos etalismãs antigos. Afinal, judeus e cris-tãos estavam por sua vez inseridos nomundo religioso greco-romano.

Para o coordenador, os textos sele-cionados para a pesquisa estabelecemtambém conexões com os dias atuais,pois se referem a um novo milênio, aodesejo de mudança libertária, da reali-zação de utopias e sonhos. "Os estudosbíblicos são de relevância no Brasil,uma vez que se trata de um país comvertentes de sua cultura popular e deum grande número de grupos religio-sos que se alimentam de símbolos bí-blicos", justifica. "Em uma sociedadeplural cultural e religiosamente como anossa, análises estanques que não con-sideram também a complexidade dostextos fundantes correm o risco de nãocompreenderem o passado e, tampou-co, o presente", conclui. •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 87

• HUMANIDADES

MÚSICA

Chega de saudade

Acervo pessoalde Tom Jobimé organizado comapoio da Faperj

Está em andamento o projetoque permitirá a músicos, .pes-quis adores e fãs do mundo to-do entrar em contato com ouniverso íntimo e musical da-

quele que foi o compositor brasileiro maisinterpretado e gravado internacionalmente.Em funcionamento há pouco mais de umano, o Instituto Tom Iobim, presidido pelofilho do maestro, Paulo Iobim, está abrindoo baú de um dos papas da bossa nova. Comapoio financeiro da Fundação de Amparo àPesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Fa-perj), a instituição está há dois meses de-bruçada sobre o arquivo pessoal de TomIobim, que tem cerca de 60 mil itens.

São partituras, cartas, bilhetes, discos,objetos, fotografias, desenhos, fitas cassetese de vídeo, que serão rigorosamente classi-ficados e organizados, de forma que pos-sam ser consultados por todos os interessa-dos na vida e na obra de Tom. "Nossoobjetivo é preservar a obra de Iobim', dizVanda Klabin, diretora do instituto.

Para isso, a classificação é apenas o pri-meiro estágio de um processo de reprodu-ção de todo o material, para que os originais

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permaneçam protegidos na sede do institu-to, no Jardim Botânico, no Rio, perto da casade Iobim. O acesso à documentação, que in-clui letras de músicas inéditas, se dará pormeio da internet e de microfilmes.

"O processo é extremamente complexoe é justamente nessa fase de classificaçãoque se encontram coisas inimagináveis",comenta Vanda. A segunda etapa será a di-gitalização do material. Para manusear osdocumentos, foram contratados seis pes-quisadores da Casa Rui Barbosa especiali-zados em arquivos de personalidades. "ACasa Rui Barbosa guarda mais de 70 arqui-vos, entre eles o de Carlos Drummond deAndrade e o de Vinícius de Morais", diz.

É ao trabalho desses pesquisadores que aFaperj está dando suporte, por meio de bol-sas-auxílio. "O apoio total será de R$ 211mil. Até agora recebemos R$ 50 mil", contaVanda. A diretora também está levando oprojeto, que já foi aprovado pela Lei Rou-anet de incentivo à cultura, para aprecia-ção da Petrobras. A idéia é fazer parceriaspara a fase de digitalização.

"Além dos papéis, em que se incluempartituras escritas a lápis, há dezenas de

gravações sonoras e audiovisuais devalor incrível", descreve a diretora."Por exemplo, um ensaio da famíliaCaymmi com a família Iobim", diz ela.O acervo de partituras de Tom Iobimjá rendeu, no ano passado, o Cancio-neiro [obim, organizado por Paulo Io-bim. Ele acompanhou desde criança omodo como o pai costumava fazer seusarranjos. Assim, não foi difícil recupe-rar e reunir as partituras, dando àque-las que precisavam de reparo uma ver-dade musical jobiniana.

Em alguns casos, ele encontroupautas de músicas cujas gravações nãoestão localizadas. "Há um arranjo paraorquestra de Lenda que foi feito para oprograma de rádio Quando os Maes-tros Se Encontram. Eu nunca encontreia gravação. Nem sei se existe", contaPaulo, arranjador e também arquiteto.Outra surpresa do acervo foi a desco-berta de uma caixa de charutos comdezenas de notas fiscais da Plataforma,churrascaria freqüentada pela boemiacarioca. "Tom guardou todas as notasdurante anos", afirma Vanda.

Tom Jobim compondo:mais de 60 militens estarão disponíveispara consulta

Além disso, há centenas de cartastrocadas com músicos e cantores es-trangeiros, entre eles, claro, Frank Si-natra. "Os desenhos também impres-sionam", comenta Vanda. "Ele gostavamuito de desenhar pássaros. E tambémfez vários desenhos propondo comodeveria ser a divisão de sua casa, que foiprojetada por Paulo e Maria Elisa, filhade Lúcio Costa."

Segundo Vanda, percebe-se que Tomqueria a casa integrada com a natureza."O Jardim Botânico era praticamenteseu quintal", diz ela. "As posições doscômodos e móveis eram muito impor-tantes. Talvezele tenha sido o primeirobrasileiro a se preocupar com feng shui,a arte chinesa de criar ambientes har-moniosos." No acervo descobre-se tam-bém curiosidades de Tom, como a letrade Águas de Março escrita em um pa-pel de padaria. A organização do acer-

vo pessoal de Iobim não é a primeiraatividade desenvolvida por Paulo parapreservar a memória do pai. Há quatroanos está em andamento o projeto Tomda Mata, feito com apoio da FundaçãoRoberto Marinho e de Fumas CentraisElétricas. Trata-se de um trabalho comescolas de vários Estados, às quais sãolevados kits ecológicos que incluem umlivro, um vídeo e um CD com músicas"ecológicas" de Tom, como a própriaÁguas de Março e Borzeguim.

Ainda estão sendo preparados osprojetos Tom da Amazônia e Tom doPantanal. "Eu diria que esses projetossão até mais ecológicos que musicais':diz Paulo. "O instituto está muito liga-do às questões ambientais, pois esse erao assunto de que meu pai mais falava,depois da música", diz o arquiteto. Eleestá ansioso com a organização doacervo. "Não vejo a hora de disponibi-lizar essas informações para estudantesde todas as faculdades de música, comoaos da Universidade Livre de Música,de São Paulo, que recebeu o nome demeu pai",conclui. •

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• HUMANIDADES

ARTES PLÁSTICAS

Livro analisatrabalho do artistaholandês a partirde 262 cartasenviadas por ele,consideradas comouma obra paralela

Figura emblemática daarte moderna, VincentVan Gogh (1853-1890)libertou a cor na pintu-ra. Por meio dela, pro-

curou captar a essência dos seres edas coisas,traduzir emoções e intui-ções, sem os compromissos com averossimilhança que dominavam aarte acadêmica de seu tempo. Suaextensa obra - não reconhecida emvida - e existência trágica e intensaatraem, há décadas, estudiosos dosmais diversoscampos. Cerca de 900cartas que escreveu foram preser-vadas e constituem a mais impor-tante fonte documental sobre suavida e seu processo de criação. Cei-far, Semear - A Correspondência deVan Gogh, de Luciana Bertini Go-doy (Annablume/FAPESP, 2002,274 págs.), considera as cartas co-mo uma obra paralela, cujo exameilumina aspectos da vida, da arte edo imaginário do pintor.

a interesse de Luciana Bertinipelo pintor holandês data de 1992,quando começou seu projeto deiniciação científica. Atualmente,prepara uma tese de doutoramen-to no Laboratório de Estudos emPsicologia da Arte (Lapa) - coor-denado pelo professor João A.Frayze-Pereira -, do Instituto de

o Quarto do Artista em Arles:para pesquisadora, vida nãoexplica obra de Van Gogh

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Psicologia da Universidade de São Pau-lo (USP). A tese discutirá a auto-ima-gem de Van Gogh, que se delineia apartir das cartas, objeto de um primei-ro tratamento em Ceifar, Semear. Aloucura é um dos principais elementosque identificam o pintor, a ponto deter se convertido em um estereótipo."A associação entre arte e loucura tor-na insuficiente uma abordagem exclu-sivamente patológica do distúbio",afirma Luciana.

fl(esquisadoraescolheu 262

cartas, que trabalha sob umponto de vista inovador nodomínio da psicologia. Re-cusando as perspectivasda

psicanálise e da psiquiatria - que alen-tam numerosos estudos sobre o pintor,mais preocupados em dar diagnósticospara a sua loucura -, a autora escolheuum enfoque inédito, o da psicologia daarte. Essa abordagem tenta compreen-der o artista levando em conta sua ma-neira de ver o mundo - sua subjetivida-de - e o próprio mundo, que participana configuração dessa subjetividade.

o PROJETO Durante a realização do estudo, apesquisadora foi percebendo que nasanálises realizadas até agora as cartasservem para legitimar convicções dospesquisadores acerca do pintor, sem serum ponto de partida para indagações."A complexidade das cartas e seu cará-ter contraditório permitem que se vali-de qualquer teoria escolhida a priori ",afirma. O exame sistemático das cartaslevou-a a isolar três temas principais,que apareciam com grande freqüência:a vida, a arte e a doença. Cada um delescompreende alguns subtemas. Organi-zado a partir desses recortes, o materialé um instrumento de reflexão sobre aconfiguração da auto-imagem do artis-ta, tarefa atualmente em curso.

Os dramas existenciais do pintornão podem ser entendidos fora de suaépoca. Luciana mostra que Van Goghera um artista moderno com traços ro-mânticos - presentes na paixão, formaque o liga à vida, forma de estar nomundo, que o move e ao mesmo tem-po o abala. Essa paixão aparece no vis-ceral engajamento com que se entregouao fazer artístico e às outras atividadesque realizou, como pastor protestante,por exemplo. Os vínculos do pintorcom o modernismo aparecem na suatomada de posição diante do mundo,no comprometimento com transfor-mações políticas, sociais e culturais. Acarta em que comenta um de seus qua-dros mais conhecidos, Os Comedores deBatata (1885), deixa clara a consciênciaque tinha do que fazia, combinandoinovação estética e crítica social.

Para a pesquisadora, a vida não ex-plica a obra. ''A relação entre elas é maiscomplexa do que uma mera relação decausa e efeito. Essa é a minha linha aolongo do texto: manter a complexidade,o enigma': diz.VanGogh acreditava queas dificuldades enfrentadas eram umadecorrência de sua condição de artista,difícil de carregar. "Ele sustentava que avida de artista era incompatível com oque chamava de 'verdadeira vida': casare fundar uma família.A idéia de que, emVan Gogh, a doença se põe a serviço daarte, relaciona-se com a autonomia desua arte, com o equívoco de compreen-dê-Ia a partir da loucura", afirma. ''Aocontrário, com a idéia da loucura, isola-mento e sacrifício são atributos possí-veis a uma determinada identidade deartista - o artista moderno - totalmen-te assumida por Van Gogh," •

Ceifar, Semear-A Correspondênciade Van Gogh

MODALIDADEAuxílio à publicação

AUTORALUCIANA BERTINI GODOY -Universidade de São Paulo

INVESTIMENTOR$ 4.200,00

Van Gogh é considerado em seu ambi-ente físico,na realidade histórica de seutempo, que tinha um conjunto especí-fico de valores morais e culturais.

Luciana não busca uma resposta àquestão da loucura, preferindo valorizara multiplicidade de determinações, con-siderando "legítimos todos os caminhose descaminhos tomados por Van Gogh,sem a necessidade de imputar-lhes cau-sas, explicações, dissecações que trans-formam o artista no que queremos queele tenha sido, em algo diferente do queele foi, conforme os limites que a nossaincompreensão nos permite perceber",anota. O que dificulta a interpretaçãoda loucura do artista como evasão de simesmo "é a lucidez que ele revela emseu autoquestionamento, a precisão e aobsessão que orientam a construção desua obra, que aparecem constantemen-te na correspondência", observa.

Retrato doDoutor Gachet:cartas são amelhor fonte

• HUMANIDADES

HISTÓRIA

Coletânea de ensaios analisaa repressão à imprensa escrita doBrasil Colônia à ditadura militar

~

niqUilar o homem é tantoprivá-Io de comida quantoprivá-Io de palavra." Afrase de Walter Benjamintornou-se emblema da

indignação contra um dos grandes ma-les da história da humanidade: a impo-sição de limites à liberdade de pensa-mento, ao cerceamento da expressãoou, em apenas uma palavra, a censura.Muito já foi discutido sobre o tema, masquase sempre sob forma de estudosesporádicose distantesdo alcancedo pú-blico. Essa lacuna foi, agora, preenchidacom o lançamento do livro MinoriasSilenciadas: História da Censura no Bra-sil, organizado pela professora Maria

LuizaTucci Carneiro, com apoio da FA-PESP,e lançado pela Editora da Univer-sidade de São Paulo (Edusp).

O livro é uma coletânea de artigosapresentados no Simpósio Minorias Si-lenciadas, organizado pela Universida-de de São Paulo (USP) em 1997. Naocasião, Maria Luiza foi convidada arealizar um debate sobre a censura emum evento sobre direitos humanos."Ao tentarmos discutir a questão dosdireitos do cidadão, nada mais opor-tuno do que repensarmos o tema dasliberdades políticas sob o prisma dacensura e da repressão às idéias",argu-menta a pesquisadora na apresentaçãodo trabalho.

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As discussões sobre otema não se restringiramao livro. As pesquisas fo-ram tão produtivas quese desdobraram em umprojeto temático, dessavezfocalizando a imprensaclandestina brasileira atéos anos 50. IntituladaInventário Dops, a novapesquisa, organizada porMaria Luiza e por BorisKossoyo, da Escola deComunicações e Artes(ECAIUSP), partiu deaproximadamente 90 jor-nais, que serão publica-dos em quatro catálogos."Será a primeira listagemcompleta da imprensa po-lítica desse período", ga-rante a pesquisadora. Oslivros serão divididos portemas como iconografia,panfletos e mulheres sub-versivas. O trabalho, quedeve durar dois anos, temcomo objetivo entregar aoArquivodo Estadoum ban-co de dados com ISO milprontuários cadastrados.

Embrião desse novoprojeto, Minorias Silen-ciadas traça um amplo panorama sobreo tema, que abrange do Brasil Colôniaà ditadura militar e investiga as origensda censura no país. "O trabalho temuma proposta linear de avaliar essa re-pressão a partir do primeiro ato censoraté momentos de ruptura, como ocor-reu em 1968': diz Maria Luiza. Dentreos artigos que compõem o livro, um dáa dimensão da obtusidade dos órgãoscensores. Em Procura-se Peter Pan...,Márcia Mascarenhas Camargos e Vla-dimir Sacchetta relatam a perseguiçãoao escritor Monteiro Lobato pelo go-verno de Getúlio Vargas. Numa daspassagens mais impressionantes, os au-tores citam a proibição à leitura de Pe-ter Pan, história clássica da literaturainfantil, considerada pela censura uma"perigosa obra cripta comunista, quepregava às crianças que desobedeces-sem aos pais e fugissem de casa" A cen-sura baseava-se no fato de os livros deLobato chocarem-se contra os projetosdo Estado Novo, "empenhado em for-mar uma juventude saudável e patrióti-ca, unida em torno da tradição cristã':

Perseguição - De cristãosnovos a maçons, passan-do por estudantes "afran-cesados", jesuítas, anar-quistas e comunistas, osinimigos da censura al-ternaram-se no decorrerdos séculos, mas poucossofreram tanto quanto os"inimigos" dos governosmilitares. Escritores, jor-nalistas, músicos e todosque possuíam um míni-mo de discernimento esenso crítico foram dura-mente perseguidos peladitadura. No artigo En-

saio Geral de Socialização da Cultura: oEpílogo Tropicalista, Marcelo Ridenti, doDepartamento de Sociologia da Univer-sidade Estadual Paulista (Unesp), anali-sa o papel do movimento tropicalista noconturbado contexto político dos anos60.De acordo com Ridenti, o estudo nãoaborda especificamente os atos censo-res ao Tropicalismo, atendo-se ao am-biente cultural no período pré-censura."Houve uma aposta de mudança queprecedeu o golpe de 64 e ganhou vul-to com o envolvimento dos artistas natransformação radical da sociedade bra-sileira. O palco para isso seriam teatros,como o Oficina, festivais e espaços cul-turais': explica o professor. "Havia umaforte junção entre a vida cotidiana po-lítica e a cultural, que ganhou um sen-tido subversivo para os padrões da di-tadura. Os órgãos repressivos trataramde censurar essas idéias:'

Em sua análise do contexto políti-co-cultural dos anos 60, Ridenti tomaemprestado, como ponto de partida,uma expressão cunhada por WalniceNogueira Galvão em As Palas, os Silên-

Imprensa Amordaçada, de Granville (1833): repressão antiga

94 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

Contudo, o controle do li-vre pensamento foi se-meado no país muito an-tes da vigência do EstadoNovo. A gênese da cen-

sura no Brasil está estritamente ligada àatuação da Inquisição em Portugal. Emseu artigo Os regimes totalitários e a cen-sura, Anita Novinsky afirma que a cen-sura durou três séculos no Brasil colo-nial e foi muito mais rigorosa do que naAmérica espanhola. Segundo a autora,"o medo de que idéias heréticas pene-trassem no Novo Mundo foi o pesadelodos inquisidores portugueses. Proibia-se aos leigosa leitura da Bíbliae os agen-tesdo Santo Ofício(...) vigiavamcadana-vio que entrava nos portos brasileiros':

A censura intensificou-se com a pu-blicação, em Portugal, do Index Roma-no, lista de livros proibidos pela Igreja.Décadas depois, foi instituído o De-sembargo do Paço - órgão do poder ré-gio -, que impedia a publicação de li-vros mesmo que tivessem recebidolicenças do Santo Ofício e do TribunalOrdinário. Ou seja, foi criada uma trí-

plice censura: a Inquisi-ção, o Ordinário e o De-sembargo do Paço.Com achegada da família impe-rial ao país, ocorre umadas primeiras rupturas doprocesso de instalação dacensura. ''Avinda da Cor-te portuguesa trouxe jun-to a imprensa régia, quecontribuiu com idéiasabolicionistas e o aumen-to das tensões entre mo-narquistas e republica-nos", afirma Maria Luiza.

a

ao

Edição apreendida de O Pasquim, em 1975: a censura feroz

cios: "ensaio geral de so-cialização da cultura': OTropicalismo, diz o autor,marcou o fim desseensaio."Muitos acreditam que omovimento foi uma rup-tura radical com a cultu-ra política forjada naque-les anos. Na verdade, éapenas um de seus frutosdiferenciados."

EmMortos semSepultura,Maria Apare-cida de Aqui-no, da His-

tória Social da USP,esclarece que existiramdiferentes práticas censo-rasoBoa parte dos traba-lhos sobre o tema cons-trói uma imagem estereo-tipada do trinômio parti-cipante dos conflitos du-rante o regime militar: oEstado,a imprensa e a cen-sura. Maria Aparecida es-clareceque não houve um"Estado todo-poderoso,dotado de vontade única,ausente de contradiçõesinternas e de interessesdiferenciados, condutor dos destinosda nação': Ou "uma censura unilineare aleatória que age ao sabor das cir-cunstâncias e ao gosto do 'censor deplantão' ': "Tampouco uma imprensavítima do algoz censório que atua in-divisa na batalha pela restauração daplena liberdade de expressão", afirma aautora.

Anedotário - "A primeira imagem quese tem da censura é que ela é burra etem como função cortar o noticiário.Isso acaba se tornando parte de umanedotário", diz Maria Aparecida."Uma coisa é ler e ouvir as ordensemitidas aos jornais durante o regimemilitar, outra é conhecer a ação sobreo que foi escrito." Em sua pesquisa, aprofessora debruçou-se sobre a atua-ção dos órgãos censores nas redaçõesde jornais como O Estado de S. Paulo eO Movimento, que adotavam perfiseditoriais diferentes e, por isso, sofre-ram intervenções distintas. Se no pri-meiro o controle censorial atacou as-suntos políticos, no Movimento, que

focalizava causas sociais, a maioria doscortes tinham como alvo reportagenssobre as condições de vida de pessoascomuns.

Um dos legados deixados pelo regi-me militar foi a autocensura, que nãotem participação direta do Estado. Seuaparecimento remete ao período maisviolento da ditadura, quando foi edita-do o Ato Institucional n° 5, que criou acensura prévia, praticada por censoresenviados às redações. Muitos jornais

o PROJETO

Minorias Silenciadas: Históriada Censura no Brasil

MODALIDADEAuxílio à publicação

ORGANIZADORAMARIA LUIZA TUGGI CARNEIRO -Departamento de Históriada USP

INVESTIMENTOR$ 7.500,00

optaram por acatar as or-dens e não foram subme-tidos à censura prévia.Nesses casos, o próprioórgão de informação pas-sou a desempenhar o pa-pel de censor.A convivên-cia com essasituação crioua autocensura, praticadapelos próprios donos dasempresas jornalísticas, co-mo define Maria Apareci-da. Os jornais passarama publicar apenas o queinteressava aos seus do-nos e diretores. "Isso tor-nou pior uma caracterís-tica pré-existente."

Nova censura - MinoriasSilenciadas mostra, acimade tudo, que a censura émultiforme e camaleôni-ca. Ela nunca morre, ape-nas dorme. Um exemplorecente ilustra com clare-za essa afirmação: a proi-bição, por medida judici-al - em vigor desde o dia23 de maio - da publica-ção ou difusão de qual-quer notícia referente aocaso envolvendo um juiz

do TRT de São Paulo, acusado de en-volvimento em esquema de corrupção.A decisão, tomada pela desembargado-ra do Tribunal de Justiça de São Paulo,Zélia Marina Antunes Alves, impedeque jornais, rádios, TVs e provedoresde internet informem o fato. Meses an-tes, o candidato à sucessão presidencialAnthony Garotinho também utilizou aJustiça para impedir que uma revistapublicasse reportagem denunciandoum esquema de corrupção no qual opolítico estaria envolvido.

Novamente, a censura ganha novasformas e regenera o corpo destruí do,como certas espécies de vermes. Con-tudo, segundo o professor Renato [ani-ne Ribeiro,no texto O Direito de Sonhar,que abre o livro, a censura jamais con-seguirá reprimir a liberdade de pensa-mento e a imaginação. "Se quisermoscombater a censura, não será ridiculari-zando seus excessos, mas contestandoseu cerne. Não será zombando de seuserros, mas defendendo a capacidadeque tem o pensamento - e a fantasia -de criar mundos novos:' •

PESQUISA FAPESP 77 • JULHO DE 2002 • 95

RESENHA

Capital e trabalho na lavoura de canaAs relações sociais em uma das principais áreas de produção agrícola

WALTER BELlK Por trásdos canaviais,os "nós"da canapor trás dos

canaviais,os "nós" da canaa relação capital x trabalhoe o movimento sindical dostrabalhack>res na agroindústriacarevena paulista

Costuma-se apresen-tar o desempenho dalavoura canavieira em

São Paulo sempre com su-perlativos. Não é para me-nos, pois os 3 milhões dehectares plantados com ca-na-de-açúcar são, sem dú-vida alguma, a maior áreacontínua do planeta culti-vada com essa gramínea.Por trás desse mar de canaexiste gente e existem relações sociais. Hoje são maisde 270 mil trabalhadores ligados diretamente aocultivo e colheita da cana-de-açúcar.

O grande público interessado em conhecer o se-tor conta atualmente com muita informação eco-nômica, tendo em vista o processo de desregula-mentação a que este vem sendo submetido desde oinício dos anos 90. Todavia muito pouco tem sidopublicado sobre as mudanças que estão ocorrendonas relações de trabalho e no movimento sindicalno campo, que, por sua vez, estão relacionadas comesse mesmo processo de desregulamentação.

Tempos atrás, movida pelo interesse gerado pe-las lutas dos trabalhadores, como foram os episó-dios de Guariba (1984) e Leme (1986) contra a impo-sição do sistema de corte de cana em sete ruas,muita literatura foi produzida e a opinião públicapassou a conhecer os bóias-frias. Desde então tive-mos várias mudanças no setor, que passou por duascrises e vive um processo de reestruturação. Feliz-mente, agora o assunto extrapola os debates acadê-micos e volta para a discussão geral com a publica-ção do trabalho de pesquisa de Antonio ThomazIúnior, professor da Universidade Estadual Paulista(Unesp), câmpus de Presidente Prudente, chamadoPor trás dos canaviais, os "nós" da cana - A relaçãocapital X trabalho e o movimento sindical dos traba-lhadores na agroindústria canavieira paulista.

Como geógrafo, Thomaz [únior perpassa a suaobra com a preocupação de colocar em evidência aespacialidade das relações entre capital e trabalho ea força ou fraqueza das representações de interes-ses na produção canavieira paulista. O períodoanalisado é o da década de 90, fase de transiçãopara uma nova tecnologia e para a vigência de um

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novo aparato institucional.Nesse novo quadro são váriosos dilemas que se colocampara os trabalhadores, e asalianças e demandas locaisnão permitem que se possaassumir ou pressionar politi-camente a partir de uma po-sição hegemônica.

Um bom exemplo dessesdilemas colocados pelas novastecnologias está na mecaniza-ção do corte da cana. O cortemecânico contribui para de-

primir e regular a remuneração dos trabalhadoresnão só na atividade canavieira como também detodo o trabalho assalariado rural de São Paulo. Esti-ma-se que uma colheitadeira de cana possa substituirde 100 a 120 homens. Junte-se a isso as pressões porparte das prefeituras, Ministério Público e ambienta-listas, que vêm exigindo o corte mecânico e o fim dasqueimadas de cana, atividade essa primordial paraque o cortador possa desenvolver o seu trabalho.

Segundo os sindicatos, muito da competitivi-da de da agroindústria sucroalcooleira paulista, emtermos mundiais, se deve aos baixos salários pagosaos seus trabalhadores. Com isso a demanda pormelhores salários e benefícios sociais é uma cons-tante na pauta de negociações sindicais, mas a de-manda por terras e reforma agrária continua seapresentando também como fundamental. Desta-que-se que muitos desses direitos, inclusive o direi-to à terra não produtiva, já estavam garantidos peloEstatuto da Lavoura Canavieira, promulgado porGetúlio Vargas em 1941.

Embora não seja de leitura fácil, o livro é reco-mendado para o público interessado em conhecer ahistória recente do movimento sindical e das rela-ções sociais em uma das principais áreas de produ-ção agrícola no Brasil. A região canavieira paulista éuma espécie de laboratório que nos permite exami-nar os conflitos e os limites colocados para as lutasdos trabalhadores no campo.

Antonio ThomazJúnior

Annablume / FAPESP

390 páginas / R$ 30,00

WALTER BELIK é professor livre-docente e coordenadorde Economia Agrícola do Instituto de Economia daUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp)

LIVROS

Edward J. KonnondyDaniel E. BroWD

Ecologia HumanaAtheneu EditoraEdward J. I<ormondye Daniel E. Brown503 páginas / R$ 78,50

ECOLOGIA HUMANA

Obra versa sobre os fundamentosda ecologia e suas aplicaçõespor meio de uma abordagemintegrada à ecologia humana.

_~:~N= OS autores se baseiamem problemas reais, sejam eles

de origem ambiental ou antrópica. Entre as principaisquestões estudadas estão, por exemplo, os processosrelacionados ao crescimento populacional e suasrelações com os princípios gerais da ecologiade populações. O objetivo de Kormondy e Browné auxiliar na expansão dos estudos antropológicos.

Três Caminhos paraa Gravidade QuânticaEditora RoccoLee Smolin240 páginas / R$ 36,50

Certamente vai ganhar um Nobelquem conseguir fazer a força dagravidade, que rege o movimentodos planetas, entender-se comas outras, que controlam o

comportamento das partículas atômicas. Por enquanto,é impossível, e o autor - um físico norte-americano -explica por quê. Ele próprio destina a obra "ao leigointeligente, interessado em saber o que está acontecendonas fronteiras da física", que incluem dobras do espaço,buracos negros e novas formas de encarar o átomo.

As aventuras Científicasde Sherlock HolmesJorge Zahar EditorColin Bruce254 páginas / R$ 27,00

Um livro diferente - e divertido -sobre divulgação científica do físicoe escritor inglês Colin Bruce. Oautor pegou emprestado o mais

famoso personagem da literatura policial para explicartemas e conceitos da física moderna. Sherlock Holmese seu amigo Watson conversam sobre conversãoda energia no capítulo O caso da energia desaparecida,radioatividade, no Caso do cientista sabotado, ou ahipótese dos mundos múltiplos no Caso dos mundosperdidos. Essa inusitada combinação de ficção policialcom ciência tem cativado leitores em todo o mundo.

REVISTAS

Manuscrito - RevistaInternacional de FilosofiaVolume XXIV / número 2

Este último número destapublicação semestral do Centro deLógica, Epistemologia e Históriada Ciência da UniversidadeEstadual de Campinas traz textosem português, inglês, espanhole francês. A revista traz artigo

de Luiz Antônio Alves Eva (Montaigne: o ensaio comoceticismo), Amán Rosales Rodríguez (Tecnología yprogreso en el contexto de los "sistemas secundários"),Francisco Calvo Garzón (Reference, predication andindividuation), Daniel Laurier (Normes et contenus),Marcos José Müller (Reflexão estética e intencionalidadeoperante) e Silvio Pinto (Michael Beaney, Frege andthe paradox of analysis), entre outros.

São Paulo em PerspectivaVolume 15/ número 4

Revista da Fundação SistemaEstadual Análise de Dados (Seade)aproveita o período eleitoral peloqual o país passa para fazer uma

pOLIT'CA análise detalhada da políticaBRASILEIRA brasileira. O objetivo é contribuir

para acompanhar o debate acercada democracia brasileira. Alguns artigos presentes nestenúmero: A democratização brasileira: um balanço doprocesso político desde a transição, de Maria D'Alva G.Kinzo, Globalização, reforma do Estado e teoriademocrática contemporânea, de Eli Diniz, Democraciae escândalos políticos, de Vera Chaia e Marco AntonioTeixeira, A crise do paradigma neoliberal e o enigmade 2002, de Iuarez Guimarães.

Pulsional - Revistade Psicanálisenúmero 158

Os seis textos desta edição(todos bilíngües) tentam refletira tensão entre traduçãoe psicanálise. Textos de PauloOttoni (Tradução e desconstrução:a contaminação constitutiva

e a necessária das línguas), Iacques Derrida(Eu - a psicanálise), Élida Ferreira (...Entretanto, ainda,algumas palavras), Sarah Kofman (Traduttore, traditoreou: trata-se de uma letra), Nina Virginia Araújo Leite(Tradução, tradição, traição) e Zelina Beato (A traduçãoanassêmica como manifestação da différance).

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MAXX

98 • JULHO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 77

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Iniciado em 1997, SciELO é produto de projeto cooperativo entre aFAPESP,a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos.A partir de 2002 conta também com o apoio do CNPq