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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq 20 a 24 de outubro de 2014 A DESIGNAÇÃO DA EXPRESSÃO LÍNGUAJAR GAÚCHONA OBRA: O LINGUAJAR DO GAÚCHO BRASILEIRO Autora: Juliane Tatsch Titulação: Mestra em Letras Estudos Linguísticos Instituição de origem: Universidade Federal de Santa Maria/UFSM Endereço eletrônico: [email protected] Resumo: Este artigo apresenta uma breve concepção a respeito dos diferentes modos de designar a expressão “linguajar gaúcho” na obra de Dante de Laytano (1981) tendo como objetivo refletir sobre a noção de acontecimento, dentro da Semântica do Acontecimento desenvolvida por Eduardo Guimarães, possibilitando uma melhor compreensão dos processos de significação das palavras no acontecimento de linguagem. Buscamos destacar o modo como essa expressão significa pelo seu funcionamento. 1. Introdução Este trabalho é fruto de algumas reflexões que vêm sendo permeadas pelo trabalho desenvolvido no mestrado e que tem sua continuidade agora na tese de doutorado. Como tema de nossa proposta de discussão para o doutorado, partimos da possibilidade de apontarmos a constituição de uma discursividade sobre a linguagem gauchesca, isto é, um dizer do gaúcho. Com base nesse pressuposto, apresentamos um recorte sobre o estudo enunciativo da expressão linguajar gaúchona obra de Dante de Laytano (1981), de modo a especificar que significação é atribuída às diferentes designações utilizadas pelo autor para especificar e definir a língua falada no Rio Grande do Sul. Em nosso trabalho, desenvolvemos uma reflexão a partir do dispositivo teórico e analítico da Semântica do Acontecimento, conforme ela é trabalhada pelo linguista Eduardo Guimarães (2005) no livro: Semântica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designação. Tomando alguns dos conceitos trabalhados pelo autor nesse texto, compreendemos o modo como a designação da expressão linguajar gaúchoé construída e significada na obra que constitui o nosso corpus de pesquisa. O foco, então, está justamente no modo como a significação dessa expressão estão dividida e agenciada politicamente no acontecimento em que ocorre. Para verificar de que modo a significação é construída nas designações atribuídas ao linguajar gaúcho, a partir da obra de Laytano (1981), utilizamos como metodologia o funcionamento da reescrituração, procedimento analítico da Semântica do Acontecimento, de modo a recuperar alguns dos sentidos atribuídos a este linguajar.

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A DESIGNAÇÃO DA EXPRESSÃO “LÍNGUAJAR GAÚCHO” NA

OBRA: O LINGUAJAR DO GAÚCHO BRASILEIRO

Autora: Juliane Tatsch Titulação: Mestra em Letras – Estudos Linguísticos Instituição de origem: Universidade Federal de Santa Maria/UFSM Endereço eletrônico: [email protected]

Resumo: Este artigo apresenta uma breve concepção a respeito dos diferentes modos de designar a expressão “linguajar gaúcho” na obra de Dante de Laytano (1981) tendo como objetivo refletir sobre a noção de acontecimento, dentro da Semântica do Acontecimento desenvolvida por Eduardo Guimarães, possibilitando uma melhor compreensão dos processos de significação das palavras no acontecimento de linguagem. Buscamos destacar o modo como essa expressão significa pelo seu funcionamento.

1. Introdução

Este trabalho é fruto de algumas reflexões que vêm sendo permeadas pelo trabalho desenvolvido no mestrado e que tem sua continuidade agora na tese de doutorado. Como tema de nossa proposta de discussão para o doutorado, partimos da possibilidade de apontarmos a constituição de uma discursividade sobre a linguagem gauchesca, isto é, um dizer do gaúcho.

Com base nesse pressuposto, apresentamos um recorte sobre o estudo enunciativo da expressão “linguajar gaúcho” na obra de Dante de Laytano (1981), de modo a especificar que significação é atribuída às diferentes designações utilizadas pelo autor para especificar e definir a língua falada no Rio Grande do Sul.

Em nosso trabalho, desenvolvemos uma reflexão a partir do dispositivo teórico e analítico da Semântica do Acontecimento, conforme ela é trabalhada pelo linguista Eduardo Guimarães (2005) no livro: Semântica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designação. Tomando alguns dos conceitos trabalhados pelo autor nesse texto, compreendemos o modo como a designação da expressão “linguajar gaúcho” é construída e significada na obra que constitui o nosso corpus de pesquisa. O foco, então, está justamente no modo como a significação dessa expressão estão dividida e agenciada politicamente no acontecimento em que ocorre.

Para verificar de que modo a significação é construída nas designações atribuídas ao linguajar gaúcho, a partir da obra de Laytano (1981), utilizamos como metodologia o funcionamento da reescrituração, procedimento analítico da Semântica do Acontecimento, de modo a recuperar alguns dos sentidos atribuídos a este linguajar.

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Ao dizermos que um enunciado significa no texto, entendemos o texto como um acontecimento enunciativo. Em cada acontecimento, uma mesma palavra pode significar coisas diferentes. No funcionamento do texto temos algo que é reescriturado, algo que é retomado no texto, ou melhor, re-significado, re-dito. Neste sentido analisamos a designação “linguajar gaúcho” na obra O Linguajar do Gaúcho Brasileiro, elegendo como materialidade de análise o processo de designação, tomando como foco a questão do acontecimento.

2. Sentido, enunciação e acontecimento: perspectivas de abordagem a partir de Benveniste e Guimarães

Ao reconhecer a natureza da subjetividade, Benveniste percebe a necessidade de distinguir a língua como repertório de signos e como atividade manifestada nas instâncias de discurso. Benveniste coloca, então, a língua em uma nova extensão, a da significação, que só se dá na instância do discurso, isto é, na enunciação. E nessa teoria, a língua é vista na singularidade do sistema, ou seja, a língua passa a ser considerada pela sua subjetividade enquanto está em exercício pelo sujeito que a utiliza e a atualiza a partir da enunciação. “O discurso está sempre atravessado pela subjetividade; não há discurso neutro, todo discurso produz sentidos que expressam as posições sociais, culturais, ideológicas dos sujeitos da linguagem” (MICHELETTI, 2008, p. 31).

A língua é o instrumento de que se utiliza o locutor para enunciar e produzir o discurso. Pela enunciação a língua se converte em discurso. Guimarães (2006, p. 124), afirma que a enunciação é o acontecimento em que a língua funciona e assim constitui sentido. Entretanto, Benveniste ([1970]1, 2006), diz que a enunciação deve ser entendida como o ato mesmo de produzir o enunciado e não como o texto produzido. É esse ato de produzir um enunciado e não o texto produzido que elege como seu objeto de estudo. E é desse modo que, partindo de manifestações individuais, ele busca no interior da língua os caracteres formais da enunciação, isto é, a universalidade do processo de enunciação. Desse modo, Benveniste, através de seu Aparelho formal da Enunciação (1970), caracteriza a enunciação como um movimento vivo da língua e de seus sujeitos, que se realiza nas situações concretas de comunicação.

Gomes (2006, p. 169-170) aponta que

[...] subjetividade, na teoria da enunciação de Benveniste, emerge de um processo de intersubjetividade – de um homem falando com outro homem. Por isso, falar de subjetividade é falar de linguagem, uma vez que não atingimos nunca o homem (sujeito) separado da

1 A data entre colchetes corresponde ao ano de publicação da obra.

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linguagem [...]. A subjetividade de que ele trata é a “capacidade do locutor para se propor como sujeito”. E essa subjetividade é realizável pela categoria de pessoa. Os pronomes pessoais são o primeiro ponto de apoio para a revelação da subjetividade na linguagem.

Desse modo, a apropriação da língua pelo homem é algo fundamental: o processo dinâmico da língua, que permite inventar novos conceitos e, por conseguinte refazer a língua, sobre ela mesma de algum modo.

Benveniste ([1970], 2006) entende a língua como uma estrutura na qual subjazem elementos disponíveis ao sujeito para dela fazer uso. Com isso, tem-se que o sistema da língua se realiza a partir do sujeito falando. Portanto, a visão de língua defendida por Benveniste é social, na medida em que parte das causas sociais dos fatos linguísticos para construir sua teoria. Verifica-se, essencialmente, que, para Benveniste, a língua é vista enquanto enunciação. A língua é concebida como possibilidade, pois é o sujeito que dela se apropria e a atualiza.

Segundo Benveniste ([1970], 2006), o presente do acontecimento é o tempo no qual o locutor diz “eu” e enuncia. Para Guimarães (2005), no entanto, o acontecimento se apresenta diferente, na medida em que o mesmo afirma que ao considerar o acontecimento enunciativo, o faz por meio de uma perspectiva diferenciada de tempo. De acordo com o autor, não é o sujeito que temporaliza, mas o acontecimento, de forma que o sujeito é tomado na temporalidade do acontecimento. Assim, todo acontecimento de linguagem significa porque projeta em si mesmo um futuro. Esse presente e futuro funcionam por um passado que os faz significar e essa latência de futuro, que projeta sentido no acontecimento, significa porque o acontecimento recorta um passado como memorável.

Ao relacionar a enunciação ao acontecimento de linguagem, Guimarães (2005) recusa a posição benvenistiana, segundo a qual o tempo da enunciação se constitui pelo locutor ao enunciar. Para Guimarães (Ibid.) não é o sujeito que temporaliza, mas o acontecimento. O sujeito é tomado na temporalidade do acontecimento. Portanto, o acontecimento é sempre uma nova temporalização, um novo espaço de conviviabilidade de tempos, sem à qual não há sentido, não há acontecimento de linguagem, não há enunciação (Ibid., p. 12).

No acontecimento, a língua, e o sujeito que se constitui pelo funcionamento da língua na qual se enuncia algo, são, de acordo com Guimarães (2005), elementos decisivos para a conceituação deste acontecimento.

A noção de acontecimento que faremos funcionar neste trabalho é aquela que se liga ao corpo de teorizações feitas por Eduardo Guimarães (2005), na obra Semântica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designação.

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Inicialmente o autor explicita sua visão de semântica e de acontecimento:

É no espaço conformado por estas duas necessidades que procurarei configurar o que é para mim uma semântica do acontecimento. Ou seja, uma semântica que considera que a análise do sentido da linguagem deve localizar-se no estudo da enunciação, do acontecimento do dizer. (Ibid., p. 7).

Segundo esse autor, “algo é acontecimento enquanto diferença na sua

própria ordem” (Ibid., p. 11). Esse modo de tomar o acontecimento tem que ver com o fato de, nessa posição materialista de estudo da linguagem, a língua não ser tomada enquanto um puro sistema significante de signos linguísticos, ou, para retomar um dizer de Benveniste ([1970], 2006), a língua não é pensada enquanto sendo apenas do nível de um emprego de formas linguísticas. Ela é, antes de tudo, histórica, e somente enquanto tal é que ela é possível de semantizar.

De acordo, ainda, com Guimarães (2005, p. 11-12), [...] o que caracteriza a diferença é que o acontecimento não é um fato no tempo. Ou seja, não é um fato novo enquanto distinto de qualquer outro ocorrido antes no tempo. O que o caracteriza como diferença é que o acontecimento temporaliza.

Se o estudo do acontecimento se dá em um espaço, esse espaço deve ser simbólico, portanto, histórico, de disputa entre os falantes, que são sujeitos de linguagem interpelados pela ideologia e individuados pelo Estado (cf. Orlandi, 2005), e as línguas que falam. É, dito diferentemente, um espaço de funcionamento de línguas e falantes. Segundo Guimarães (Ibid., p. 18),

Os espaços de enunciação são espaços de funcionamento de línguas, que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante. São espaços “habitados” por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer.

Percebemos, na citação acima, como o espaço de enunciação é pensado na teoria da Semântica do Acontecimento. Não é um espaço apenas topográfico, mas é um espaço de disputas pela palavra e, em certo modo, pelos sentidos.

De tal modo, na perspectiva de Guimarães, a enunciação conserva o caráter de acontecimento e o caráter de relação com a língua, mas é proposta como um acontecimento de linguagem, perpassada pelo interdiscurso.

A língua está em constante movimento nesse espaço enunciativo, constituindo, mantendo e atualizando sentidos. Por isso o acontecimento faz surgir o novo, produzindo sentidos pelo funcionamento da língua. Funcionamento esse orientado por uma memória de dizeres sociais, a partir

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dos quais a língua passa a significar. Nessa perspectiva, o acontecimento enunciativo é permeado por determinações de sentido.

Ao trabalharmos o sentido como constituído pelo acontecimento, é necessário ressaltarmos que esse “acontecimento é constitutivo do sentido, mas enquanto configurado pela relação do presente com a memória do interdiscurso e as regularidades da língua.” (GUIMARÃES, 2005, p. 86). Regularidades essas, autônomas e históricas. Portanto, a relação entre o presente do acontecimento desse enunciado e as condições históricas que o sustentam dá lugar à enunciação. “Uma forma é na língua o que ela se tornou pela história de seus funcionamentos na enunciação. Deste modo, deve-se considerar que a língua tem em si a memória desta história, ou seja, a língua carrega na sua estrutura as marcas de um passado” (GUIMARÃES, 1996, p. 27).

Assim, “o acontecimento é sempre uma nova temporalização, um novo espaço de conviviabilidade de tempos, sem a qual não há sentido [...] não há enunciação” (Id., 2005, p.12). Dito de outra forma: acreditamos que a significação constitui-se discursivamente a partir de um acontecimento enunciativo.

Para a Semântica do Acontecimento a constituição dos sentidos depende, principalmente, das relações discursivas linguísticas. Para Guimarães (Ibid.), o acontecimento é a materialidade histórica do real. O acontecimento temporaliza, resgata algo que há faz parte do memorável e é esse memorável que vai caracterizando, demarcando o sentido. Isto significa que o funcionamento da língua está em aberto, pois a língua funciona no espaço da enunciação, que é configurado por acontecimentos enunciativos.

“O sentido deve ser tratado como discurso e definido a partir do acontecimento enunciativo” (Ibid., p. 66). Este acontecimento enunciativo, segundo o mesmo autor,

[...] cruza enunciados de discursos diferentes de um texto. A enunciação, então se dá como o lugar de posições de sujeito que são os liames do acontecimento com a interdiscursividade. Deste modo, aquilo que se significa, os efeitos de sentido, são efeitos do interdiscurso no acontecimento (Ibid., p, 68).

Neste sentido, a língua para o autor acima, funciona, enquanto acontecimento de linguagem, pela enunciação.

Como categorias analíticas, que revelam o funcionamento da expressão que estamos analisando, sob a perspectiva da Semântica do Acontecimento, destacamos a nomeação, a designação, a reescrituração e a referência, que caracterizam, conforme indicado por Guimarães (2005), modos diferentes de ocorrência de funcionamentos semânticos.

O processo de nomeação acontece quando se atribui um nome a algo/alguma coisa.

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A designação vai mais além, se refere à significação desse nome, em relação à historicidade produzida; assim, a nomeação é constitutiva da designação. A designação, segundo Guimarães (2005), pode ser compreendida como atribuição de um nome a algo que já é nomeado, ou seja, é renomear e, consequentemente modificar o sentido.

A designação é o modo de significar das palavras, já que não há uma única significação, não há sentidos unívocos, uniformes. Olhar para a designação é olhar para o modo como a linguagem significa em um acontecimento enunciativo, ou seja, é olhar para as relações de sentido dentro de um texto e não tomar os sentidos das palavras isoladamente.

A referência está voltada para o modo “[...] como o nome está relacionado pela textualidade com outros nomes ali funcionando sob a aparência da substituibilidade” (Ibid., p. 27).

A reescrituração diz respeito aos procedimentos pelos quais a enunciação de um texto rediz insistentemente o que já foi dito. É uma operação que significa, na temporalidade do acontecimento, o seu presente (Ibid., p. 28). Desse modo, os sentidos da expressão “linguajar gaúcho” se constituem pelo texto através da reescrituração infinita da linguagem.

Diante disso, procuramos apresentar o funcionamento da reescrituração e da designação como processos de significação.

3. Reescrituras para a expressão “linguajar gaúcho”

Na análise da expressão “linguajar gaúcho” utilizamos o mecanismo da

reescrituração a qual, segundo Guimarães (2005, p. 46) “[...] consiste em se redizer o que já foi dito. Ou seja, uma expressão linguística reporta-se a uma outra por algum aspecto que as relaciona no texto integrado pelos enunciados em que ambas estão”. Ainda, segundo este autor, trata-se de um modo de construir o sentido para uma determinada palavra. Os sentidos são produzidos pela constituição de discursos sobre a língua do gaúcho.

Para verificar de que modo os sentidos são construídos, nas designações atribuídas ao “linguajar gaúcho”, a partir da obra de Laytano (1981), utilizamos o procedimento da reescritura. Buscamos explicitar alguns dos sentidos atribuídos à expressão “linguajar gaúcho”, analisada segundo as designações sobre a língua que constitui este linguajar.

A reescrituração, desta forma, pode ser considerada como um dos procedimentos de interpretação, quando o acontecimento enunciativo é posto em funcionamento, na língua. O quadro a seguir evidencia este procedimento, na obra analisada:

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Quadro 01: Reescrituras para o “linguajar gaúcho”.

O LINGUAJAR DO GAÚCHO BRASILEIRO (1981)

“dialeto gaúcho” (p. 13, 178, 181, 183)

“falar do gaúcho brasileiro” (p. 21)

“linguagem do gaúcho” (p. 24, 45, 98)

“nosso dialeto” (p. 41)

“linguajar (do) gaúcho” (p. 41, 46, 51, 52, 117, 121)

“língua (agem) popular gaúcha” (p. 46, 47)

“linguagem gaúcha” (p. 61, 96)

“linguajar do gaúcho brasileiro” (p. 18, 49)

“fala (r) do gaúcho” (p. 63, 75,119, 144)

“dialeto sul-rio-grandense” (p. 182)

“língua atual do gaúcho” (p. 42)

“português falado no Rio Grande” (p. 50)

“linguagem do Rio Grande” (p. 96)

“linguajar rio-grandense” (p. 120)

“linguagem do gaúcho brasileiro” (p. 75)

“falar dialetal do gaúcho brasileiro” (p. 109)

“língua portuguesa falada no Rio Grande do Sul” (p. 16)

Fonte: Elaborado pela autora, com base na pesquisa realizada.

Observamos que estas formas linguísticas se configuram diferentemente: língua, linguagem, dialeto, fala(r) e linguajar – e fazem surgir outras designações, por meio de predicações diferentes. Tais predicações, quando retomadas, aparecem para reafirmar a procedência do linguajar do gaúcho brasileiro. Em realidade, essas designações de Laytano remetem a um período mais histórico que reflete a pesquisa sobre o falar do gaúcho desenvolvida por este regionalista e que assumem um caráter precursor a respeito dos estudos sobre as variedades da língua portuguesa.

Consideramos as sequências enunciativas a seguir, pelo fato de cada uma formar um conjunto de significação, ou seja, cada sequência enunciativa é uma enunciação nova e constitui um acontecimento na linguagem. Dentre as designações apontadas na obra de Laytano, foram selecionadas seis

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reescrituras para a expressão “linguajar gaúcho” que consideramos mais recorrentes na obra.

SE 01: “Quando se fala da influência brasileira no linguajar gaúcho,

temos em vista salientar aspectos históricos de grande importância: a penetração, a conquista e a colonização [...]. Claro que estávamos em pleno começo da vida do Rio Grande, para já se falar em influências, uma vez que esses elementos foram os primeiros, cabendo a eles a tarefa do desenvolvimento do território, mas sua presença deixou marcas precisas e definitivas, que se refletiram na progressiva formação do linguajar gaúcho”. (1981, p. 41). [grifo nosso]

Nesta sequência enunciativa a expressão “linguajar gaúcho” aparece reescriturada por meio da repetição, que remete as influências sobre a procedência desse linguajar a um conjunto de variáveis sócio-históricas, que reforçam a origem e a constituição desse linguajar. Elementos que remetem ao início do povoamento do Rio Grande do Sul.

SE 02: “As relações entre os vocábulos arcaicos e a linguagem dos

gaúchos tem sido aqui e ali apontadas [...]. Walter Spalding, num interessante trabalho – Arcaímos portugueses na linguagem popular do Rio Grande do Sul defende, em detalhado estudo, a tese de que os arcaísmos da linguagem do gaúcho são provenientes dos Açores e argumenta” (1981, p. 45). [grifo nosso]

Aqui, a reescritura “linguagem dos gaúchos” faz referência à influência açoriana conservada no linguajar gaúcho e a relaciona ao estudo sobre a língua dialetal desenvolvido por Walter Spalding ao pesquisar o modo de falar e expressar-se do gaúcho, o que resultou na produção e divulgação do conhecimento através de uma obra de referência para o quadro da língua portuguesa falado no Rio Grande do Sul.

SE 03: “A influência espanhola, vinda pelo Rio da Prata, no linguajar do

gaúcho brasileiro, é uma consequência sociológica, não só de áreas comuns, fronteiras geográficas e tipo idêntico de atividades econômicas, mas de relações humanas e históricas muito intensas” (1981, p. 49). [grifo nosso]

A designação “linguajar gaúcho” é reescrita por “linguajar do gaúcho brasileiro” aludindo a elementos de natureza historiográfica que indicam uma forte vinculação platina e que referem à influência espanhola, mais precisamente, a hispano-rio-platense no linguajar do gaúcho. A língua significa, portanto, na sua relação com a história (Orlandi, 1996). Evidencia-se a formação sócio-histórica do Estado marcada pelo território de fronteira.

Essa reescrituração produz uma especificação que determina esse linguajar.

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SE 04: “Apreciando, em síntese, os elementos que formaram o dialeto gaúcho, além do português arcaizado ou dialetal, encontramo-nos diante do castelhano, língua espanhola da América, e do guarani, linguagem dos nossos habitantes pré-colombianos” (1981, p. 178). [grifo nosso]

A reescritura “dialeto gaúcho” caracteriza esse linguajar por observação das influências registradas na constituição do linguajar gaúcho, dando ênfase para o espanhol e para o guarani em relação à formação inicial do gaúcho.

SE 05: “Afirma que o falar do gaúcho constitui uma linguagem notável,

pelo cunho original e pitoresco que a distingue da empregada nos outros Estados do Brasil” (1981, p. 119). [grifo nosso]

O “falar do gaúcho” reescreve o “linguajar gaúcho” por substituição, designando-o e caracterizando-o. O que remete ao leitor para que se conheça e aprecie melhor a notável linguagem gaúcha. Há outros sentidos derivando desse linguajar.

SE 06: “A pesquisa do falar do gaúcho brasileiro abebera-se nas mais

variadas fontes escritas ou orais, que, entretanto jamais foram sistematicamente reunidas ou examinadas em conjunto” (1981, p. 21). [grifo nosso]

Ao designar “falar do gaúcho brasileiro”, Laytano (1981) indica a identidade e a procedência desse linguajar, justificada pelo estudo de fontes orais ou escritas, que, reunidas na obra, abrem uma nova perspectiva em relação à problemática da análise do falar gaúcho, o que permite ao autor apresentar um quadro da Língua Portuguesa falada no Rio Grande do Sul.

As reescriturações para o “linguajar gaúcho” produzem uma especificação que determina esse linguajar. Nesse sentido, a designação desse linguajar, caracterizado por Laytano (1981) no espaço de enunciação da língua portuguesa estabelece uma relação de poder com esta, resultando nas reescrituras anteriormente recortadas. Portanto, o “linguajar gaúcho” significa por aquilo que designa. Uma significação particular e regional.

As designações expressas nas sequências enunciativas significam no acontecimento de linguagem em que funcionam na medida em que abrem novas perspectivas, consubstanciam hipóteses, imprimem outros sentidos para os estudos dialetológicos que então começavam a surgir no Rio Grande, trazendo subsídios para os registros da própria língua portuguesa falada no Brasil.

Conforme já afirmado, a significação constitui-se discursivamente a partir de um acontecimento enunciativo. A entrada do acontecimento produz no campo da semântica uma concepção histórica da linguagem, de modo a fazer com que se pense a atuação da história no interior desse acontecimento. Enfim, analisar o acontecimento como afetado pela história é analisá-lo como estando afetado pelos cruzamentos de discursos, ou falas e dizeres diversos,

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em uma relação com as condições sociais que definem a existência de todos esses dizeres.

Este espaço procura se apresentar a partir da consideração de que a significação é histórica, não no sentido temporal, historiográfico, mas no sentido de que a significação é determinada pelas condições sociais de sua existência. Sua materialidade é essa historicidade. A construção desta concepção de significação se faz para nós na medida em que consideramos que o sentido deve ser tratado como discursivo e definido a partir do acontecimento enunciativo (GUIMARÃES, 2010, p. 66).

As reescrituras observadas nas sequências enunciativas destacadas

configuram o espaço de enunciação em que a significação é produzida pela constituição de discursos sobre o linguajar gaúcho. Essas reescrituras produzem um dizer que se instaura no acontecimento enunciativo da linguagem.

4. Considerações finais

A análise da designação da expressão “linguajar gaúcho” na obra de Dante de Laytano (1981) teve por objetivo destacar o modo como essa expressão significa no acontecimento enunciativo, pelo seu funcionamento.

A obra em questão afeta a língua na medida em que organiza um conhecimento e propõe uma nova perspectiva de pensar esse linguajar. Assim, a obra de Laytano rompe com a produção que até então havia sido feita na área da dialetologia regional e produz um conhecimento novo sobre a língua, a partir da organização dos espaços de produção linguística da época. Essas designações, pelos estudos de Laytano, produzem um acontecimento para a linguística no Sul do Brasil. Tem-se então, a origem de uma produção de conhecimento linguístico a respeito do falar regional.

Desta maneira, podemos dizer que este “linguajar” caracteriza-se por inaugurar um novo modo de dizer e significar o Rio Grande do Sul, resultando na produção de diferentes modos de dizer que foram constituindo outra materialidade linguística com seus diferentes discursos e diferentes modos de significar. Diríamos, assim, que cada palavra tem um sentido a priori, mas o que vai determiná-lo é como se coloca para funcionar e, por esse modo de funcionar, significa.

Este linguajar, que designamos por linguagem gauchesca, é constitutivo da identidade desse sujeito gaúcho e o significa a partir de sua existência e de seu funcionamento. Relação identitária que é significada na língua. Língua que é constitutiva deste sujeito nas suas relações sociais.

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Neste sentido, as palavras são afetadas pelo acontecimento onde se inscrevem num constante movimento de sentidos. Pelo que podemos inferir que:

→ As palavras significam somente quando funcionam; →Para Guimarães o sentido não está na língua, mas seu

funcionamento; → O sentido é produzido pelo acontecimento de linguagem; O linguajar gaúcho, tal como se representa nos estudos de Laytano

(1981), é dizer e significar o Rio Grande do Sul, especialmente pela língua, resultando em um conhecimento sobre a variedade linguística do português brasileiro, caracterizado pelo tom regional a ele agregado. Deste ponto de vista, percebe-se que as reescrituras demarcadas no presente artigo significam pela história e pela língua, atreladas a um sentimento de pertencimento a um lugar, a uma cultura, a um modo de ser.

Referências

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LAYTANO, Dante de. O linguajar do gaúcho brasileiro. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brides, 1981. MICHELETTI, Guaraciaba. Enunciação e gêneros discursivos. São Paulo:

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NUNES, R. C.; NUNES, Z. C. Dicionário de Regionalismos do Rio Grande

do Sul. 2. ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1984.

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