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    A diplomacia multilateraldo Brasil

    Um tributo a Rui Barbosa

    Celso Amorim

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    M INISTRIO DASRELAESEXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso Amorim

    Secretrio-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimares

    FUNDAO ALEXANDRE DE G USMO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    INSTITUTO DE PESQUISA DE RELAES INTERNACIONAIS

    Diretor Embaixador Carlos Henrique Cardim

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    Fundao Alexandre de GusmoInstituto de Pesquisa de Relaes Internacionais

    Braslia, 2007

    Palestra do Ministro das Relaes

    Exteriores, Embaixador Celso Amorim, porocasio da II Conferncia Nacional dePoltica Externa e Poltica Internacional - OBrasil e o Mundo que vem a

    Rio de Janeiro, Palcio Itamaraty,5 de novembro de 2007

    A diplomacia multilateraldo Brasil

    Um tributo a Rui Barbosa

    Celso Amorim

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    Direitos de publicao reservados

    Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411 6033/6034/6847/6028Fax: (61) 3411 9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    CapaRUI BARBOSA - SEGUNDA CONFERNCIA DA PAZ DA H AIA 1907

    Impresso no Brasil 2007

    Equipe Tcnica

    Coordenao:ELIANE M IRANDA PAIVA

    Assistente de Coordenao e Produo:ARAPU DE SOUZA BRITO

    Diagramao:PAULO PEDERSOLLI

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    Foi com muita satisfao que aceitei o convite paraparticipar desta Segunda Conferncia Nacional de PolticaExterna e Poltica Internacional.

    Estive aqui no ano passado, na primeira edio daConferncia, e posso dizer que me sinto muito vontade emestar entre professores e intelectuais que integram a comunidadeacadmica brasileira na rea de poltica externa.

    Ns no Itamaraty e eu particularmente valorizamosmuito o dilogo com as universidades. O contato dos diplomatascom o mundo acadmico sempre traz uma viso que nosenriquece e vai alm do dia-a-dia de nossos afazeres.

    Este ano comemoramos o centenrio da participao do Brasilna Segunda Conferncia da Paz da Haia. Por uma feliz coincidncia,

    5 de novembro tambm o dia de nascimento de Rui Barbosa.Tive a oportunidade de servir na Embaixada do Brasil na

    Haia, no incio da dcada de 1980. Ao longo de minha carreira,sempre me senti atrado pela fascinante contribuio de RuiBarbosa s relaes internacionais de nosso Pas.

    Como afirmei em meu discurso perante a 48a AssembliaGeral das Naes Unidas em 1993, quando fui Chanceler doGoverno Itamar Franco, Rui Barbosa foi um pioneiro dadiplomacia multilateral no Brasil. Contemporneo do Baro doRio Branco, o patrono da nossa diplomacia, Rui inaugurou umalinha de atuao que perdura at hoje: a defesa da igualdade entreos Estados e da democratizao das relaes internacionais.

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    Em 1907, Rui Barbosa foi escolhido como chefe dadelegao do Brasil Segunda Conferncia da Paz. O objetivoda Conferncia era discutir mecanismos de preservao dapaz e de soluo pacfica dos conflitos internacionais. O focoera dirigido sobretudo ao direito internacional, mas ostrabalhos no se limitavam a questes jurdicas em sentidoestrito. Temas politicamente sensveis tambm afloravamdurante os debates.

    A participao do Brasil na Conferncia da Haiarepresentava simbolicamente o ingresso do Pas na cenainternacional. Era o primeiro encontro verdadeiramente universalcom a presena do Brasil. At ento, a experincia multilateralbrasileira se restringia s conferncias pan-americanas.

    Durante a Conferncia, Rui tratou de vrias questesimportantes, entre elas as normas aplicveis durante a guerra e odireito martimo. Tambm teve repercusso o debate sobre a

    Doutrina Drago, que rejeitava o uso da fora nos casos decobrana de dvidas contratuais.

    Mas a proposta de reorganizao da Corte Permanentede Arbitragem foi o ponto que mais marcou sua atuao na Haia.A idia que ento se aventava era transformar a CortePermanente em um tribunal com poderes muito mais amplos,uma espcie de rgo supranacional de justia e soluo de

    controvrsias entre os Estados.O plano das grandes potncias previa uma representao

    seletiva dentro dessa nova Corte, discriminando pases por nvelde importncia, sem critrios claros nem consensuais. O projetonaturalmente desagradou o Governo brasileiro.

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    Respaldado por Rio Branco, que acompanhava de pertoo assunto e enviava do Rio de Janeiro instrues delegaobrasileira, Rui Barbosa defendeu com vigor o princpio daigualdade entre os Estados. Insistiu no direito das potnciasmenores de se verem condignamente representadas no projetadotribunal.

    Ao final, as prprias contradies do projeto seencarregaram de inviabilizar a criao, durante a Conferncia,de uma nova Corte internacional na forma excludente comohavia sido concebida. Mas a mensagem brasileira havia sidodeixada, diga-se de passagem, com brilho inquestionvel econseqncias duradouras. Isso nos leva a refletir sobre a polticamultilateral do Brasil nos dias de hoje.

    Temos conscincia de que a afirmao dos valores einteresses brasileiros no mundo e sempre ser global emseu alcance. Sem entrar no mrito de saber se isso uma vantagem

    ou uma desvantagem, o Brasil no um pas pequeno. No teme no pode ter uma poltica externa de pas pequeno.

    Reconhecemos que o destino do Brasil est ligado a seusvizinhos da Amrica do Sul. A vertente regional vital para ns.A integrao sul-americana e continuar a ser uma prioridadedo Governo brasileiro. O aprofundamento do Mercosul e aconsolidao da Unio Sul-Americana de Naes so parte desse

    processo. Uma poltica pr-integrao corresponde ao interessenacional de longo prazo.

    Ao mesmo tempo em que nos percebemos latino-americanos, e mais especificamente sul-americanos,reconhecemos a singularidade brasileira no contexto mundial.

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    No h nisso incompatibilidade alguma. A posio do Brasil comoator global consistente com a nfase que damos integraoregional e vice-versa. Na realidade, a capacidade de coexistir pacificamente com nossos vizinhos e contribuir para odesenvolvimento da regio um fator relevante da nossa projeointernacional.

    O Brasil defensor intransigente de solues pacficas etem manifesta preferncia pela via multilateral para resolver osconflitos. No h modo mais efetivo de aproximar os Estados,manter a paz, proteger os direitos humanos, promover odesenvolvimento sustentvel e construir solues negociadaspara problemas comuns, como bem disse o Presidente Lula naabertura da 61 Assemblia Geral das Naes Unidas, em 2006.

    O multilateralismo encontra nas Naes Unidas sua maislegtima expresso. A ONU tem vocao universalista, deincluso dos povos e de respeito soberania de seus Estados-

    membros. Sua maior legitimidade deriva de sua vocao universale da representatividade da sua composio.

    A autoridade moral da ONU fundamenta sua aotransformadora e fortalece seu papel como foro privilegiado paradisseminar idias e valores em benefcio de toda a humanidade.Mesmo quando as aes da ONU parecem no ter resultadosimediatos, como nas grandes conferncias sobre meio ambiente,

    desenvolvimento social e direitos da mulher, entre outras, a ONUajuda a formar a conscincia do mundo.

    Nosso histrico de colaborao com as Naes Unidasremonta poca da Segunda Guerra Mundial. O Brasil teveposio de liderana na Amrica Latina e participou ativamente

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    com os Aliados da campanha contra o fascismo na Europa.Foi nesse contexto que o Brasil se tornou um dos 51 membrosfundadores das Naes Unidas.

    Muitos aqui sabem que na Conferncia de DumbartonOaks, que preparou o primeiro projeto da Carta de SoFrancisco, em agosto de 1944, a delegao dos Estados Unidos,por instruo do Presidente Roosevelt, props o acrscimo deum sexto assento permanente no Conselho de Segurana. Comonos conta em suas memrias o ex-Secretrio de Estado CordellHull, esse assento permanente caberia ao Brasil devido a seutamanho, populao, recursos e participao ativa na guerra.

    A configurao geopoltica do ps-guerra no permitiu quea proposta norte-americana avanasse. Mas o fato de que o Brasiltivesse sido lembrado naquele momento por si s expressivo.

    Eleito pela primeira vez membro no permanente do

    Conselho de Segurana em 1946, o Brasil se tornou o pas quemais vezes esteve presente naquele rgo para ocupar mandatoseletivos: nove no total, nmero igualado apenas pelo Japo.

    O Brasil participa tradicionalmente de operaes de paz,uma das atividades mais visveis e importantes das Naes Unidas.Na primeira grande operao de paz da ONU, a UNEF-I, queseparou israelenses e egpcios no Suez, entre 1957 e 1967,

    colaboramos com um batalho de infantaria de 600 soldados.No total, o Brasil j participou de mais de 30 misses e cedeucerca de 17 mil homens.

    Atualmente, participamos de 10 das 18 operaes de pazda ONU. Estamos no Haiti, dando nossa contribuio para o

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    xito da MINUSTAH, juntamente com outros pases latino-americanos. O Brasil detm o comando militar da Misso desdesua criao, em junho de 2004. Possui 1.200 soldados no terreno,alm de oficiais de Estado-Maior.

    A Misso tem um carter multidimensional que envolve,entre outros aspectos, a segurana do pas, a reconciliao oucoexistncia entre as diversas foras polticas e o apoio aodesenvolvimento econmico e social do Haiti. O maisimportante para ns dar condies ao povo haitiano para queencontre seu prprio caminho e supere os entraves de pobrezae desigualdade que ainda enfrenta.

    Os resultados tm sido muito positivos. Visitei PortoPrncipe vrias vezes. A cada ocasio, notava-se melhoracrescente nas condies de segurana. A vida no bairro/favelade Cit Soleil, outrora dominado por gangues e bandidos, aospoucos volta ao normal. Pude comprovar isso pessoalmente

    na minha ltima passagem pelo Haiti, no final de setembrodeste ano.

    No ainda o cenrio ideal, mas houve, sem dvida, umaevoluo. Estamos fortalecendo a polcia nacional e as demaisinstituies do Estado haitiano. Continuamos engajados emprojetos de cooperao, bilateralmente ou em parceira comterceiros pases e instituies.

    O xito da operao de paz no Haiti e em Angola,Moambique, Timor Leste, em que tambm participamos nosignifica que a ONU deva continuar como est. O sentimentopreponderante entre os Estados-membros de que a Organizaonecessita de uma reforma urgente.

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    Desde o primeiro momento, apoiamos a criao doConselho de Direitos Humanos. O Brasil teve participao derelevo nas negociaes para sua constituio. Confiamos em queo Conselho contribuir para a efetiva promoo e a proteo dosdireitos humanos em todo o mundo, e que ponha fim seletividadee politizao que tanto caracterizaram a antiga Comisso deDireitos Humanos. Uma idia que temos defendido a de que asituao dos direitos humanos no mundo seja objeto de umRelatrio Global. Afinal, nesse campo, mais do que em nenhumoutro, talvez, aplica-se o dito bblico de que mais fcil enxergar a farpa no olho do prximo do que a trave no seu prprio olho.

    Tambm apoiamos o estabelecimento da Comisso deConstruo da Paz. A maioria dos conflitos no mundo ocorre empases fragilizados econmica e socialmente. Seria um erro ignorar aligao entre elementos socioeconmicos e situaes de insegurana.

    Para o Brasil, o aperfeioamento da estabilidade e da

    segurana est diretamente vinculado criao de condies dedesenvolvimento para a maioria dos pases. Privilegiamos umsistema de segurana coletiva verdadeiramente multilateral. Afora militar s deve ser usada como ltimo recurso, nascondies claramente estabelecidas pela Carta da ONU, umavez esgotados todos os esforos diplomticos.

    No processo de reforma das Naes Unidas, os avanos

    obtidos at o momento so louvveis, mas insuficientes. AAssemblia Geral, que representa a vontade coletiva dos Estados-membros, deve ser revitalizada.

    Tambm o Conselho Econmico e Social, o ECOSOC,deve recobrar seu papel de foro de deliberao e inspirao para

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    outras agncias e rgos do sistema internacional, inclusive aschamadas instituies de Bretton Woods (o FMI e o Banco Mundial).

    A reforma da ONU no estar completa tampouco sem aexpanso e a atualizao do seu Conselho de Segurana, cujosmembros permanentes seguem sendo os mesmos de seis dcadas atrs.Desde 1945, o nmero de Estados-membros quase quadruplicou,com acentuado aumento no nmero de pases em desenvolvimento.

    Naturalmente, difcil conciliar o ideal democrtico em suaforma mais pura, que inspirava o pensamento de Rui Barbosa, e anecessidade de um rgo com capacidade de deciso rpida e eficazem temas que exigem solues muitas vezes em carter de urgncia,como so os da paz e segurana internacionais. No creio que hajarespostas absolutas ou irrefutveis para essa contradio intrnseca.

    O que podemos almejar no atual estgio de evoluo darelao entre os Estados um sistema que busque equilibrar da

    melhor forma critrios de representatividade e de eficcia. Amudana que buscamos para o Conselho de Segurana tem, anosso ver, esta caracterstica. Tampouco devemos ter a pretensode legislar para a eternidade. necessrio que a reforma por quevenha a passar o Conselho de Segurana esteja sujeita a uma revisosem pr-julgamentos, dentro de um perodo razovel. Obviamente,novos membros permanentes no devem dispor do direito de veto,mecanismo por cuja eliminao gradual e/ou atenuao

    continuaremos a militar, dentro dos limites do realismo.A Organizao precisa se adaptar aos novos tempos. A

    inoperncia do Conselho de Segurana ficou evidente na guerrado Iraque e no conflito no Lbano em 2006. Tal como existehoje, o Conselho incapaz de articular uma viso equilibrada e

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    inclusiva da ordem internacional, que reflita de forma satisfatriaas percepes do mundo em desenvolvimento.

    Juntamente com seus parceiros do G-4, o Brasil apiauma reforma que torne o Conselho de Segurana maisrepresentativo e suas decises mais legtimas e eficazes.

    Em setembro ltimo, o Brasil se somou ndia, frica doSul, Nigria e outros pases no co-patrocnio de projeto deresoluo para o lanamento imediato de negociaes. J no hora de seguir apenas debatendo. preciso decidir.

    * * *

    O Brasil foi uma das 23 partes contratantes que firmaramo Acordo-Geral sobre Tarifas e Comrcio (GATT), criado pararegular o sistema multilateral de comrcio com base,teoricamente ao menos, nos princpios de reciprocidade, no-

    discriminao, transparncia, livre acesso aos mercados e direitodos Estados defesa comercial.

    Em 1948, o Brasil participou da Conferncia de Havana,onde defendeu medidas especiais em favor do desenvolvimentodos pases de economia jovem, como se dizia na poca.

    A partir da dcada de 1950, participamos da fundao das

    agncias especializadas, fundos e programas das Naes Unidasna rea econmica. Contribumos ativamente para os trabalhosdo ECOSOC.

    Historicamente, a diplomacia brasileira tem feito daquesto do desenvolvimento um tema central da nossa poltica

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    multilateral. Em 1964, o Brasil participou da fundao daUNCTAD e do Grupo dos 77, que articula o conjunto de pasesem desenvolvimento na ONU.

    Foi uma poca de grandes embates e tambm de muitasexpectativas em relao nossa capacidade de reformar a ordemeconmica internacional. Recordo, por exemplo, a incluso noGATT graas ao do G-77 da Parte IV do texto do AcordoGeral, relativa a comrcio e desenvolvimento.

    Defendamos um comrcio internacional mais justo eequitativo, que atendesse melhor aos interesses dos pases doento chamado Terceiro Mundo. Essa batalha continua a ser travada at hoje.

    Como Embaixador em Genebra e como Ministro dasRelaes Exteriores, acompanhei o final da Rodada Uruguai e acriao da OMC pela Ata de Marraqueche, em 1994.

    Apesar dos desequilbrios herdados do GATT e, em certamedida, agravados pelas idias dominantes na poca do chamadoConsenso de Washington, a OMC representou avanoinstitucional em direo a um sistema pautado por normas maisclaras e universais.

    Os acordos de Marraqueche permitiram tambm que a

    agricultura, praticamente deixada de fora do antigo GATT,passasse a integrar, ainda que timidamente, o conjunto das regrasmultilaterais sobre o comrcio.

    Isso permitiu, inclusive, que, j no Governo Lula,tenhamos acionado com sucesso o rgo de Soluo de

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    Controvrsias. Obtivemos vitrias importantes, para citar doisexemplos, nos contenciosos do algodo com os Estados Unidose do acar com a Unio Europia. Cabe frisar que, em ambosos casos, os pedidos de consulta j haviam sido feitos noGoverno anterior, mas a deciso politicamente mais difcil depassar ao estgio dos panels foi adotada na atualadministrao.

    Continuamos empenhados em uma concluso exitosa dasnegociaes na Rodada de Doha, para que faa jus a seu nomede Agenda para o Desenvolvimento.

    Sem nenhum triunfalismo, posso afirmar com convicoque o Brasil tem estado no centro do processo negociador. Em2003, criamos o G-20 em Cancn, quando os Estados Unidos ea Unio Europia tentavam impor um acordo injusto, quedeixava virtualmente intocados os subsdios agrcolas, e poucaou nenhuma abertura oferecia a produtos de interesse dos pases

    em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que exigiam destesconcesses desproporcionais.

    O G-20 mudou o padro das negociaes no sistemaGATT/OMC. Graas a um esforo constante de coordenaoe mobilizao poltica e busca permanente de entendimentocom outros grupos de pases em desenvolvimento pases demenor desenvolvimento relativo, pases dependentes de

    preferncias, economias pequenas e vulnerveis, etc. foipossvel alterar o rumo das negociaes.

    A principal expresso dessa nova dinmica foi a deciso,na Reunio Ministerial de Hong Kong de 2005, aps forteresistncia de pases desenvolvidos, de fixar-se uma data para a

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    elimnao dos subsdios e outras formas distorcivas sexportaes de produtos agrcolas.

    Se bem-sucedidas, as negociaes na OMC ajudaro a tirar milhes de pessoas da pobreza. Agricultores que no podemcompetir com os recursos milionrios dos tesouros dos pasesricos finalmente tero uma chance. Pases que hoje no exportamprodutos agrcolas podero comear a faz-lo.

    Estamos em um momento crucial. As negociaes estoperto de completar seis anos. Lderes mundiais continuam amanifestar apoio concluso da Rodada. essencial que os pasesem desenvolvimento mantenham sua coeso. Ao mesmo tempo,temos que mostrar viso positiva e disposio de negociar.

    Vamos continuar trabalhando para obter resultados quesejam ambiciosos e satisfatrios aos nossos interesses. Ossubsdios que distorcem o comrcio agrcola exportam fome e

    misria. Os pases desenvolvidos precisam reconhecer que essasquestes no podem ser adiadas indefinidamente.

    Na ONU, na OMC e em outros foros, o Brasil temprocurado sensibilizar a comunidade internacional para os gravesproblemas dos pases mais pobres. De grande importncia foi olanamento, em 2004, da Ao contra a Fome e a Pobreza. Ainiciativa, liderada pelo Presidente Lula em parceria com seus

    colegas da Frana e do Chile, contou com o apoio do Secretrio-Geral das Naes Unidas. Outros pases aderiram mais tarde aessa mobilizao. Ao todo, foi apoiada por 110 Estados.

    As propostas brasileiras contra a fome so discutidas emtodos os foros relevantes. So amparadas pelo amplo

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    reconhecimento internacional a programas sociais do Governobrasileiro, como o Bolsa-Famlia. A criao da UNITAID aCentral Internacional para a Compra de Medicamentos contraAIDS, malria e tuberculose foi uma conseqncia direta dainiciativa do Presidente Lula.

    A ONU e a OMC so os dois pilares que sustentam aordem mundial.

    Um mundo sem as Naes Unidas seria impensvel. Oencaminhamento de solues para muitos problemas teria sidomuito mais rduo, lento e complicado ou, em alguns casos,mesmo impossvel.

    Do mesmo modo, o comrcio internacional, sem a OMC,ficaria refm do unilateralismo e das polticas nocivas que norespeitam regra alguma e tendem a favorecer os mais fortes eprivilegiados. No exagero dizer que, sem a OMC, o comrcio

    internacional ficaria sujeito a uma verdadeira lei da selva.O Brasil tem todo interesse na manuteno de um

    ordenamento jurdico internacional mais igualitrio, que leve emconta os desnveis no padro de desenvolvimento entre os pases.

    Isso se reflete nas aes de cooperao Sul-Sul querealizamos. Criamos o IBAS com a ndia e a frica do Sul. Somos

    trs grandes democracias multitnicas, multiculturais, cada umaem um continente do mundo em desenvolvimento, com desafiossemelhantes.

    Para implementar iniciativas trilaterais de cooperaointernacional, institumos o Fundo IBAS. Os projetos

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    desenvolvidos com o auxlio do Fundo, no Haiti e na Guin-Bissau, receberam prmios da ONU e tm sido consideradoscomo exemplos em processos de construo da paz. O FundoIBAS um testemunho de que no preciso ser rico para ser solidrio e ajudar os mais pobres.

    O Brasil, sem perder de vista seus interesses e afinidades,prprios de uma nao democrtica multi-racial e emdesenvolvimento, procura sempre que possvel contribuir parasolues de consenso nos foros multilaterais. Credibilidade,coerncia e capacidade de articulao so atributos indispensveispara poder conversar com todas as partes envolvidas.

    As organizaes internacionais so, no fundo, mais doque simples espaos de cooperao e dilogo. Podem ter suaslimitaes, mas so a via institucional mais adequada para realizar as aspiraes de justia e bem comum nas relaes entre osEstados.

    Existem tambm mecanismos informais que tratam dostemas afetos governana mundial. Um deles o G-8.

    Desde a Cpula de Evian, na Frana, em 2003, tem sidousual convidar lderes do mundo em desenvolvimento paraparticipar de segmentos das reunies do Grupo. Na Cpula de2005, realizada em Gleneagles, Esccia, comeou a ganhar corpoo dilogo ampliado com os pases do G-5 Brasil, frica do Sul,

    China, ndia e Mxico.Cresce a percepo entre os pases ricos de que os grandes

    temas globais no podem ser devidamente tratados sem aparticipao de pases em desenvolvimento. E aqui me refiro auma participao real e concreta, no apenas figurativa, usada para

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    legitimar decises tomadas por outros. Recordo as palavras doPresidente Lula na recente Cpula do IBAS em Pretria: De poucovale ser convidado para a sobremesa no banquete dos poderosos.

    Desde a ltima Cpula do G-8, em Heiligendamm, temhavido sinais de avano nesse processo. Esboa-se um mecanismode consultas entre os Chanceleres do G-8 e do G-5. O Presidenteda Frana, Nicolas Sarkozy, recentemente falou da necessidadede ampliar logo tanto o G-8 quanto o Conselho de Segurana daONU para incluir novos pases, entre os quais o Brasil.

    difcil prever se haver um G-11, G-12, G-13 ou outroG. Mas duas coisas so certas. Uma que esses mecanismos,embora teis, no substituem as instncias multilaterais formais.A outra que no existe ordem ou governana no planointernacional sem que a maioria esmagadora da humanidadeparticipe de sua gesto.

    Mais uma vez se pe em evidncia a necessidade dademocratizao das instncias decisrias internacionais, o quetambm nos remete a Rui Barbosa. Em 1907, o prprio Rui feza seguinte avaliao dos resultados da Conferncia da Haia:

    Se os resultados visveis da Segunda Conferncia ficam,entretanto, aqum das esperanas dos entusiastas da paz, osseus resultados invisveis, quero dizer a sua obra de insinuao,

    de penetrao, de ao moral, foram muito mais longe. (...) Ela mostrou aos fortes o papel necessrio dos fracos na elaboraodo direito das gentes.

    Mutatis mutandis , algo parecido poderia ser dito a respeitoda Conferncia da OMC em Cancn, em 2003.

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    Essa reflexo de Rui Barbosa reveladora de seupensamento sobre a poltica internacional. Rui se empenhavana defesa de relaes internacionais menos assimtricas,fundamentadas na igualdade e na justia. Opunha-se a visesconservadoras da ordem mundial, que pretendiam fechar o acessoe calar a voz dos pases de fora do crculo do poder.

    Rui foi um visionrio. Apenas com o poder da palavra,ajudou a construir as bases da doutrina que conduziria aceitaouniversal do princpio da igualdade jurdica dos Estados, um dospilares do multilateralismo contemporneo.

    Em 1949, San Tiago Dantas, que era um admirador deRui Barbosa, registrou suas impresses sobre uma caractersticamarcante do ilustre baiano: a de acreditar que o momento deredeno da sociedade brasileira haveria de chegar um dia.Durante uma conferncia que fez na Casa de Rui Barbosa, disseSan Tiago Dantas:

    Quando refletimos na perenidade de sua presena entre ns, vemos que a lio de Rui Barbosa no reside apenas nas idias quepropagou em seus livros e discursos, nem nas atitudes que assumiuem fidelidade aos valores com que comps o seu credo doutrinrio.Reside, tambm, nessa confiana que ele depositou nas foras vivasdo nosso povo, na capacidade que elas teriam de construir uma sociedade nova, vencendo a estagnao, o compromisso e o

    privilgio da sociedade antiga, fadada a desaparecer.

    * * *

    Como assinalei no incio, Rui inaugurou uma tradioque ainda inspira a diplomacia brasileira no plano multilateral.

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    Minha vinda aqui hoje, neste Palcio que tantas memriasnos traz, um pequeno gesto para expressar a estima que ns,diplomatas e autoridades da rea de poltica externa, continuamosa ter por esse mestre do saber jurdico. Por esse homem cujaauto-estima e sentido de nacionalidade nunca foram abaladospor presses dos mais poderosos.

    Nos foros multilaterais, somos constantemente chamadosa defender causas que exigem de ns muita perseverana. Nopodemos nos deixar abater diante da primeira dificuldade. Ummundo mais justo e pacfico certamente no se constri em umdia.

    Rui Barbosa, um dos maiores brasileiros de todos ostempos, lutou com fervor pelas causas em que acreditava. Essadeterminao, aliada ao preparo intelectual e refinadaeloqncia, fez dele um batalhador e um idealista. Que seuexemplo possa inspirar a todos ns, sempre.

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