A HISTÓRIA SOCIAL E OS HISTORIADORES
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LA HISTÓRIA SOCIAL Y LOS HISTORIADORES
RESUMO DA OBRA DE JULIÁN CASANOVA1
Natania Aparecida da Silva Nogueira
1. Las reacciones frente al impulso historicista: los origenes de la história social
O século XIX ficou marcado pela profissionalização dos historiadores. A História
passou a ser considerada como uma ciência independente, capaz de proporcionar um
conhecimento verdadeiro. Casanova chama, por esse motivo, o século XIX de século do
esplendor da história. A história e a profissionalização do historiador estavam muito
conectados ao desenvolvimento geral do pensamento, dadas as mudanças nas estruturas
institucionais e políticas nos países europeus desde a Revolução Francesa e a era Napolônica .
Casanova, ao analisar a historiografia do século XIX acha necessário estabelecer uma
diferenciação entre historiografia alemã, historicismo e história positivista. O historicismo é
um paradigma de pensamento e prática histórica que enfatiza a singularidade e
individualidade dos fenômenos históricos. Na medida do possível, os historiadores deveriam
compreender esses fenômenos de acordo com os critérios de seu próprio tempo, em lugar de
analisar a partir de leis gerais e dos princípios morais presentes. Visto assim, o historicismo
representa uma ruptura com as concepções do homem e da história.
A conexão entre a evolução da sociedade alemã no século XIX e o próprio
historicismo é muito complexa. Desde Leopold von Ranke, o historicismo conheceu cenários
muito distintos. O seu desenvolvimento pode se mapeado em dois momentos.
1. O historicismo legitima a estagnação alemã que inaugura a época da Restauração e
estabelece como contraposição as tendências revolucionárias presentes na Europa
Ocidental.
2. Os historiadores exaltam, com sua ideologia individualizadora, o fracasso da
revolução burguesa na Alemanha e de um autêntico sistema parlamentar e
constitucional. A política na Alemanha, que passa a ser qualificada como autoritária,
militarista, burocrata e prussiana.
Com Ranke, temos esse primeiro momento do historicismo. É o início da era
científica. Esse historiador se opõe à filosofia hegeliana e afirma que a filosofia em si é
inimiga da história. Para Ranke a história e a filosofia tem uma diferencia essencial. A história 1 Trabalho apresentado em outubro de 2013, ao Professor Dr. Francisco Falcon, na disciplina Teoria e Historiografia II, Seminário Teoria e Método em História, matéria do curso de mestrado em História do Brasil, oferecido pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), de Niterói, Rio de Janeiro.
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versa sobre o particular e a filosofia sobre o geral. A história compreende e a filosofia explica.
O caráter científico da história está na imparcialidade com que o historiador trata sua fonte, na
reconstrução as intenções dos atores e do curso dos acontecimentos, na percepção intuitiva de
um contexto histórico mais amplo.
Na teoria historicista de Ranke, a individualização transforma o Estado e seus
servidores em indivíduos. A Alemanha é uma protagonista de sua própria história política. O
Estado possuía personalidade própria e uma ideia que guiava suas ações e seu
desenvolvimento (CASANOVA, 1997: 12). E foi nessa crença de um poder uno que os
historiadores alemãs apoiaram para elaborar seu discurso histórico, dentro de um contexto de
mudanças que assolava a Europa pós 1848. É nesse momento que os métodos críticos de
interpretação deram ênfase aos documentos escritos ocorrendo um abandono das perspectivas
sociais e cosmopolitas que caracterizaram os historiadores da Ilustração.
Recorre-se muito mais aos estudos monográficos, com a valorização do local, sob a
perspectiva de que só o “pequeno” poderia ser estudado cientificamente. Os historiadores
dessa nova orientação científica se afastam da sociologia. Onde os sociólogos positivistas
buscam as explicações para a história em termos de generalização e leis de desenvolvimento,
os historicistas insistiam em que a história versava sobre intenções e objetivos humanos que
não podiam ser reduzidos a fórmulas abstratas (CASANOVA, 1997: 14).
O surgimento da consciência e ciência histórica acompanhou a promoção e
implementação do Estado Nacional, um processo gradual e conjunto de centralização
administrativa e participação gradual da burguesia. A história se torna fundamental para o
processo de unificação, utilizada para construir um ideal nacional e, ao mesmo tempo, ocultar
os interesses antagônicos das diversas classes sociais.
É também o momento em que surge e se divulgam as ideias marxistas, que defendiam
uma concepção menos determinista das fases da evolução social, onde a história da sociedade
incluía todos os âmbitos da atividade humana. Se no início as discursões a teoria marxista
ainda se encontrava à margem da academia, isso não impediu que ela tivesse um impacto
duradouro nas ciências sócias, especialmente a Sociologia e a Economia. Na década de 1890,
o marxismo já encontrava espaço nas universidades e, mas adiante passa a influencias o
Direito, a História e a Antropologia (na Alemanha e na Áustria). Na primeira década do
século XX, antes da I Guerra Mundial, o marxismo já era amplamente debatido tanto no
movimento socialista quanto nos círculos acadêmicos.
Muitos dos trabalhos de historiadores marxistas tiveram influencia de obras
produzidas por historiadores que seguiam outras linhas, como Jules Michelet e Georges
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Lefebvre e seus estudos sobre a Revolução Francesa. O marxismo chega à França e Inglaterra
e se apresenta como uma forma de resistência à historiografia dominante, mas não foi a única.
Desenvolveu-se na academia uma rica literatura de história social e econômica.
Embora não se tenha resultado em uma ruptura com os modelos vigentes, foi possível
identificar novas abordagens que se distanciavam da história indivializante. Casanova destaca,
nesse sentido, a obra de Karl Lamprecht que, utilizando de uma narrativa clássica e
abordagem cronológica, a tentativa de formular leis do desenvolvimento histórico. Para isso
Lamprecht recorreu à filosofia de Hegel, combatida pelos historiadores historicistas. Para ele,
Hegel estava certo me assumir que existia uma conexão causal necessário na história
universal a partir da qual era possível descobrir e formular leis de desenvolvimento histórico
(CASANOVA, 1997: 22).
Fora da Alemanha outras iniciativas demostravam que Lamprecht não era o único a
questionar os métodos do historicismo. Outros historiadores argumentavam que a história
deveria ser mais compreensiva em seu campo de ação, incluindo os diversos aspectos da vida
econômica, cultural e social. A narração pura, centrada na vida e nas ações das elites não era
suficiente. Questões relacionadas á natureza do conhecimento histórico adquirem especial
relevância na França e nos Estados Unidos.
Nos Estados Unidos era atraente a opinião de que a história como ciência social
deveria contribuir para o descobrimento das leis de desenvolvimento humano. Com um
currículo mais flexível, nos Estados Unidos ocorreu uma aproximação maior entre a história e
outras ciências sociais e o entendimento da importância de se fazer uma história geral,
universal. Casanova aponta o fato de haver diferenças significativas entre o contexto
acadêmico e político dos Estados Unidos e dos países europeus. Nesses últimos a história era
concebida como um mecanismo de justificativa do poder.
Ao conceber a história como um ramo das ciências sociais os historiadores norte-
americanos tentavam interpretar o passado com as mesmas ferramentas que essas utilizavam
(CASANOVA, 1997: 23). Muito antes dos franceses, historiadores americanos como James
Harvey Robinson, F. J. Turner e Charles Beard, rechaçavam a premissa de que a história
tradicional deveria ser essencialmente política e que a forma natural da escrita era a narrativa.
Em 1900, Henry Berr publicou o primeiro volume da Revue de Synthèse Historique,
convencido de que se os historiadores usassem em suas investigações resultados apontados
por outros campos científicos seriam capazes de montrar um modelo de evolução humana
desde o início da civilização. Em 1929, os Annales iniciam na França um trabalho de reação à
história tradicional, opondo-se à história política, a história narrativa e a história
événementiele. Pretendia-se entender o passado dos indivíduos e grupos em seu contexto
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geográfico, social e cultural. Casanova defende a tese de que nas formulações inicias dos
Annales encontram-se o cerne da sua desintegração, uma vez que seus herdeiros não levaram
em conta circunstancias e condições externas que diferenciavam-se daquelas que marcaram a
produção e Bloch e Febvre.
Os fundadores dos Annales tinham a ambição de revelar a as condições estruturais
profundas e os mecanismos da sociedade a partir do diálogo com as ciências sociais o que
gerou uma gama interminável de discussões acerca de qual método se utilizar. Essa história
social caminhou para se tornar uma história econômica e social, compreendendo-se que havia
uma relação estreita entre ambas e que era necessário que fossem estudas em conjunto. No
entanto, o casamento entre história social e econômica resultou, nas palavras de Casanova,
numa brusca separação (CASANOVA, 1997: 28).
O autor ressalta que, mesmo havendo grupos de historiadores, em países distintos, que
se levantaram contra a historiografia historicista e positivista, a maioria dos historiadores
acadêmicos não via razão para alterar os métodos e conteúdos da história. E mais, aumentava
a dependência dos historiadores pelas fontes, uma consequência da profissionalização da
história. Assim, é possível concluir que paradigmas e tendências diferentes conviveram lado a
lado na primeira metade do século XX, mas não necessariamente em pé de igualdade.
2. La edad de oro
O fim da segunda guerra abre caminho para tendências insatisfeitas com os métodos e
enfoques tradicionais. Em países como França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos elas
vinham ganhando força. Os argumentos defendidos por Ranke, um século antes, estavam
sendo retomados. A invasão do social era vista por muitos como uma idade do ouro da
historiografia. Se passava de uma história historizante para uma história sociológico-cultural.
A historiografia tradicional, calcada em uma concepção elitista das sociedade humana
não era capaz de compreender os complexos processos sociais e econômicos pelos quais a
sociedade ocidental vinha passando. Na década de 1970, com o rápido desenvolvimento da
educação nos países ocidentais, emerge uma nova geração de professores, ocupando os postos
de historiadores tradicionais possibilitando o surgimento de movimentos estudantis e o
enfretamento dos enfoques mais arcaicos do ensino.
Ao mesmo tempo a história social proposta pelos Annales sofre um processo de
fragmentação, dividindo-se em várias especialidades. Segundo Casanova, a vitalidade inicial
da história social estava em seu caráter opositor. Ela propunha alcançar rodas as esferas da
atividade humana (uma história totalizante), o que incluía a demanda por sua democratização.
Ao acabar com o domínio da história política, ela impregnou a história social de um sentido
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negativo: a história que omite a política; por fim dirige-se contra as práticas historicistas,
incitando os historiadores a se aproximaram das outras ciências sociais (CASANOVA, 1997:
40).
Essa história social, que se entende ou se pretende uma história totalizante, global
Hobsbawm prefere chamar de “história da sociedade”. Duas propostas historiográficas
convivem nesse momento, uma de influencia marxista, outra dos Annales. Para Casanova, as
duas apresentam problemas. A primeira por conduz de forma rígida e determinista o modelo
base-superestrutura; a segunda por sua incapacidade de identificar os fatores essências que
produzem as mudanças na sociedade (CASANOVA, 1997: 42).
Mediante á apreensão histórico social da histíoria em geral, surgem os primeiros
obstáculos, Considerando-se a história social como um campo de estudo parcial, comparado a
outros, como econômica, demografia e política. Para Casanova era difícil de definir a história
social por conta da ausência de um núcleo intelectual sólido. Os problemas de descrição e
explicação surgem da dificuldade de estabelecer o que é a sociedade e como se pode abordar
sua história. Nesse interim, Casanova destaca opções, embora não as considera suficientes:
1. A partir de uma história residual, sem política, de atividades sociais mistas;
2. Como história da sociedade
3. Como história da experiência dos indivíduos.
A medida em que os enfoque tradicionais vão sendo superados também vão se
enfraquecendo os argumentos que apresentam a história social como uma disciplina
independente. Ela passa a ser entendida não mais como uma classe específica da história, mas
como uma dimensão que deve estar presente em qualquer forma de se abordar o passado.
No que diz respeito à aproximação da história com outras ciências surgem vários
problemas, resultado de confusões e desavenças, tanto por parte de historiadores quanto por
parte de sociólogos e antropólogos. Esses problemas giram em torno da ausência de uma
teoria da história e o uso inapropriado de teorias e métodos da sociologia e da antropologia.
Embora esse entrelaçamento com outras ciências tenha trazido novas perspectivas para
a história, que ansiava por uma renovação, a história social acaba entrando em uma crise. Essa
crise foi causada justamente pela dependência da disciplina de métodos e conceitos que, ao
serem introduzidos aos estudos históricos não adequadamente historicizados. Temos, a partir
dos anos de 1950 uma história social e uma sociologia histórica, onde sociólogos e
historiadores passam a adotar métodos divergentes ao traçar suas estratégias de investigação.
No caso da história social, essa mudança é marcada por um período de consolidação,
uma fase de fragmentação, especialização e crise. Já a sociologia histórica encontra-se em
plena expansão num momento que os historiadores sociais de emanciapação da metodologia
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frente á sociologia e um abandono do modelo estrutural-sociológico que havia sido dominante
nas últimas décadas (CASANOVA, 1997: 55).
Cabia à sociologia oferecer aquilo de que a história social carecia: uma teoria sobre as
mudanças sociais elaboradas por meio de investigação empírica de dados históricos e
contemporâneos, submetidos à crítica e revisão a partir de diferentes perspectivas. O papel do
historiador residia em estudar a mudança social aplicada a estruturas sociais concretas e
definitiva, contribuindo com dados empíricos que permitam o contraste destas abordagens
com as transformações sociais de se produziram com o tempo. Alguns dos principais mal-
entendidos que sugiram ente história e sociologia se devem a considerações da literatura
sociológica por parte de alguns historiadores que se apropriam de ferramentas teóricas por
vezes inadequadas para o estudo e análise de determinados objetos históricos.
Segue-se uma busca de modelos explicativos que possam ser utilizados para estudos
históricos. Deles Casanova destaca o marxista e o funcionalista (este último, dedicado a
reviver as teorias evolucionistas na sociologia do século XX), em busca de mudanças nas
estruturas sociais. Mas há limites para esses modelos. No final dos anos de 1950, o panorama
teórico da antropologia girava em torno de três paradigmas:
1. O funcionalismo estrutural britânico
2. A antropologia cultural e psicocultural norte-americana
3. A antropologia evolucionista norte-americana
Dentro da antropologia, a falta de um tratamento sociológico do material histórico
impôs entre os antropólogos a concepção de que antes da dominação europeia todas as
sociedades eram estáticas. Assim, os antropólogos acabaram reduzindo o problema da história
à dualidade primitivo-moderno, um raciocínio presente também no conceito de mentalidade
dos fundadores dos Annales, tomado da obra antropológica de Lucien-Levy Bruhl, nos anos
de 1920 (CASANOVA, 1997: 66). Os antropólogos subestimavam a história se se distanciam
das análises históricas.
Casanova chama, no entanto, a atenção para o fato de que, no momento em que os
métodos e teorias da antropologia estão passando por uma autocrítica, os historiadores sociais
resolvem adotá-los. Como resultado temos a produção de uma história de baixa qualidade,
que reduz a história a uma condição passiva de quem vive de empréstimos, eximindo os
historiadores de incidirem sobre as questões intelectuais de sua época e mesmo de se
responsabilizar pela produção de uma metodologia (CASANOVA: 69).
Se a história procurou nas ciências sociais a solução para alguns de seus problemas, o
resultado não foi exatamente o esperado. Houve por parte de historiadores a adoção acrítica e
indiscriminada de métodos e teorias que serviam para explicar a evolução, funcionamento e
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transformação das sociedades humanas, sem a preocupação em se elaborar premissas próprias
e se refletir sobre os problemas históricos.
Analisando a historiografia na Alemanha e na Inglaterra, Casanova faz alguns
paralelos. A começar pelo caso alemão, temos uma historiografia que avança e cresce durante
todo o século XIX, aliada ao ideal de construção e unificação da nação, mas que sofre
influencia do contexto sócio-político alemão após a derrota na primeira Guerra Mundial. No
período entre-guerras essa historiografia, basicamente política, encontra-se estagnada, distante
das mudanças ocorridas em outros países, no que diz respeito à história disciplina.
Apenas após a II Guerra Mundial a historiografia alemã reencontra o caminho para
novas perspectivas de análise. A partir dos anos sessenta, vários paradigmas tradicionais
passaram a ser questionados. Era necessário, naquele momento, estabelecer a relação entre
passado e presente e para isso fez-se o uso sistemático das ciências sócias, tendência que se
consolida nos anos setenta. Nesse momento temos fundação da revista História e Sociedade
(Geschichte und Gesellschaft) e o interesse pelos problemas relacionados às mudanças sociais
nas sociedades industriais modernas. Destaque para historiadores como Wehler, Kocka e
Wolfgang J. Mommsen.
Assim como na Alemanha, a história ocupou um lugar de destaque na cultura do
imperialismo britânico, estando a serviço da consolidação do poder do Estado. A
historiografia inglesa nas primeiras década dos século XX era marcada pelo empirismo, o
trato das fontes primárias e pela depreciação da teoria e aversão às ciências sociais. Mas a
segunda metade do século XX traz a descolonização e fragmentação do Império Britânico e
uma nova sociedade, novas perspectivas e a história passa a assumir um novo papel onde seu
compromisso está com a sociedade, em seu todo.
Assim, se consolida na Inglaterra, nos anos sessenta uma história social de influencia
marxista, cuja origem pode ser encontrada na versão liberal-radical da história popular do
século XIX. Ao mesmo tempo, ocorre uma renovação da sociologia britânica e os
historiadores sociais buscam novas vias de emancipação frente á sociologia. Uma
historiografia renovada, aproximada com as ciência sociais traria uma geração de
historiadores socioculturais e socioeconômicos preocupados com uma história de baixo, em
contraposição à história das elites e dos grande acontecimentos. Eles destacam-se E. P.
Thompson. Hill, Raymond Willians, Hilton, Hobsbawn e Perry Anderson. Uma historiografia
sólida que soube elaborar premissas flexíveis onde, segundo Casanova, “cabem coisas
diferentes”.
Essa história da gente simples não consiste unicamente em um desprezo às elites e
classes dirigentes, mas em uma valorização das práticas, ações e experiências da maioria da
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população. Há sempre uma clara intenção de ampliar o alcance da história, que se limitava à
política tradicional, em utilizar novas fontes e oferecer novos âmbitos de conhecimento.
Com relação à historiografia inglesa neste período, Casanova tem particular admiração
por Geroges Rudé, a quem considera um dos maiores representantes dessa geração de
historiadores britânicos. Um historiador, segundo Casanova, que combina investigação
criteriosa de arquivos, análise quantitativa detalhada, com elaborações de categorias teóricas,
estudos historiográficos e exposições gerais escritas de perspectiva comparada (CASANOVA,
1997: 98). Ao analisar a multidão na história, do ponto de vista metodológico, Rudé combina
um minucioso exame empírico com uma estrutura teórica comparada que caracteriza o
modelo “rudéano”. Um marxismo flexível, humano e livre, que Rudé compartilha com
Hobsbawn, Hill, Thompson, J Gareth Stedman Jones e outros historiadores britânicos.
3. La crisis
As críticas mais enérgicas com relação à situação atual da história social procedem
daqueles autores que rejeitam ou abominam aproximação entre história e ciências sociais,
especialmente a sociologia, durante as décadas centrais do século XX. Os historiadores
conservadores seguem insistindo, com um discurso nada novo, embora agora ao fim de alguns
desencantos, na autonomia da história frente ás ciências sociais. De todas as frentes surgiram
críticas acerca da intromissão de sociólogos e outros profissionais (CASANOVA: 114). Para
Casanova, uma coisa é corrigir excessos, outra é repudiar toda interpretação social da história
e retornar à situação tradicional, conservadora. Segundo ele, não é necessário abandonar as
ciências sociais para ser fazer uma profunda revisão na história disciplina.
O autor cita um artigo publicado por Lawrence Stone, n a revista Past and Present
onde versa sobre a superação do modelo sociológico-estrutural e atribuía isso três fenômenos:
1. Uma desilusão ante o determinismo econômico-demográfico do modelo e sua
relegação dos fatores intelectuais, religiosos, psicológicos e políticos tidos como
meramente superficiais.
2. A necessidade de reconhecimento das variáveis existentes no tempo e espaço dos
vínculos entre cultura e sociedade pela história social. Qualquer intenção de
reduzi-los a um esquema único falhou em suas aplicações práticas de investigação
histórica.
3. Os fatores políticos e militares emboram não devam constituir o centro do relato
histórico tampouco podem ser tão depreciados pela história social.
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Stone não poupa de críticas, também, o abuso das técnicas quantitativas. Considera
ainda que o movimento de regresso dos novos historiadores à narrativa marca o fim de uma
época em que desejava com uma explicação científica do passado.
Contra suas alegações levantaram-se algumas vozes como Hobsbawn que apensar de
não negar os problemas apontados por Stone minimiza sua importância e os interpreta de
modo diferente. Para ele não é a narrativa que ressurge. O que ocorre é que a maioria dos
historiadores têm ampliado os instrumentos utilizados, e adotando uma visão micro, mas sem
rejeitar o macro. Essa nova história deve servir para complementar e suplantar a análise das
estruturas socioeconômicas. As mudanças identificadas por Stone não significam
necessariamente uma rejeição da história estrutural.
Dentro das novas tendência e da ampliação dos campo de interesse da história, a
narrativa se converte em um novo veículo do discurso historiográfico. O que acontecia não
siginicava um retorno ao historicismo ou a história narrativa positivista, ao político. Não se
trata de um retorno à história tradicional, mas a construção de uma história onde a política e a
narrativa também encontrem seu espaço sob novas perspectivas, novos olhares. De fato, uma
das críticas recebidas pela história social nos últimos anos está no fato de não se preocupar
suficientemente com as questões políticas.
O ecletismo teóricos e a ausência da política resultam, para os críticos marxistas, em
um dos pecados fundamentais originados pelo contágio sociológico a que tem estado
submetida a história social nas últimas décadas. Para Tony Judt, os principais defeitos da
história social, e que contribuíram para sua crise, foram:
1. o entusiasmo pela teoria de modernização;
2. ter esquecido a política;
3. a obsessão pelos números e a ausência de uma ausência problemática ou questão.
Outra característica que define o estado recente da história social é a ausência de uma
verdadeira problemática ou questão. O desejo de obter status científico tem cativado os
historiadores dos anos sessenta e setenta, tal como a obsessão de seus antepassados dos século
XIX. Mas essa exigência não alcança todos os fenômenos, pois nem todos podem ser
explicados cientificamente. Assim, se a história social pretende ser uma verdadeira ciência
social tem que fazer todo o possível para evita-los.
Ao não se considerar a dimensão política da história, importantes áreas da experiência
humana tornam-se incompreensíveis e se priva aos protagonistas do passado de sua identidade
ideológica e política. O poder é, contudo, é o conceito chave para o estudo da sociedade e sua
rejeição cria a ilusão de examinar as classes sócias sem referencia algum ao poder econômico
e ao controle político. Segundo Judt, essa é uma das razões primordiais pelas quase muitos
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historiadores sociais são incapazes de proporcionar uma explicação rigorosa e útil das
revoluções.
Judt é categórico: A história versa sobre a política. Assim, não se refere aos debates ou
aventuras eleitorais dos parlamentares, mas aos instrumentos e objetios pelos quais a
sociedade civil se organiza e governa (CASANOVA, 1997: 131).
Estamos de novo ante a questão fundamental do nexo de causalidade – um problema
empírico e epistemológico – e da relação entre a teoria e a evidência, os dois fios condutores
dos três grandes debates sobre a explicação marxista que que houve no mundo de língua
inglesa nas últimas três décadas. Para Jones, a história como qualquer outra ciência social é
uma operação totalmente intelectual, que se desenvolve no presente e na mente do historiador.
Sua tarefa é um exercício intelectual ativo que consiste em construir os problemas históricos
avaliando o significado de tais resíduos (CASANOVA, 1997: 134).
A ausência de um conceito organizador fundamental, lógica pela indefinição e
complexidade do social, alimentava também dentro de si as sementes de uma desintegração
inevitável que tornaram-se um enxame de especializações, onde, ao lado de histórias sob a
análise despossuídos ou de Estruturas de longo prazo encontram excessos ridículos cultura
medíocre, mesa de café preiodismo , em que a história social é identificado com escândalos
sexuais ou nostélgicas evocações de costumes e morais.
Para Casanova não parece pertinente ressucitar o discurso acerca das relações da
história com a ciencia seja uma forma de resolver esses problemas.
4. La Salida del Túnel o el cruce de caminos: sociologia histórica e História Teórica
A sociologia histórica presenciou seu primeiro renascimento na década de 1950 com a
publicação Work and Authority in Indrustry, tendo crescido consideravelmente na década
seguinte. Conquistou seu pleno reconhecimento nos anos setenta com a obra de Barrigton
Moore, que significou uma mudança de rumo nas ciências sociais e o início dos estudos
históricos comparativos de mudança macroestrutural. A partir daí a sociologia histórica
levantou a bandeira da luta contra as teorias sociológicas que depreciam sistematicamente o
tempo histórico e reclamou o retorno da tradição clássica da ciência social.
Segundo Victoria Bonnell, historiadores e sociólogos têm perspectivas diferentes ao
tratar de fontes e na forma de efetuar suas análises comparativas. Existe um tipo de sociologia
que usa uma teoria ou modelo para selecionar, organizar e interpretar a evidencia história e
uma segunda categoria cujas generalizações analíticas tendem a ser mais indutivas do que
dedutivas e em nenhum caso utiliza proposições casuais nomotéticas (que advém de relações
significativas e constantes) para encontrar leis gerais nas quais inclua casos individuais. A
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teoria que determina a investigação pode modificar-se mas, se se mantem os fundamentos
metodológicos dessa valse de sociologia histórica, as dúvidas sobre a arbitrariedade de aplicar
modelos gerais à analise histórica se mantem.
Um segundo tipo de enfoque sociológico-histórico, o investigador supõe que pode
encontrar-se na história regularidades casuais por meio da confrontação enrtre duas ou mais
teorias e a evidência histórica. Essa sociologia histórica analítica dirige sua atenção para os
estudos comparados, onde encontrar os meios apropriados para contratar os diferentes casos e
destacar as características particulares de cada contexto individual. Esse tipo de sociologia
histórica possui importantes semelhanças com a história teórica.
Por teoria deve-se entender aqui, segundo Casanova, um sistema explícito e coerente
de conceitos utilizados para organizar e explicar os dados históricos que não podem derivar
apenas do estudo das fontes materiais nem se originam de um processo de raciocínio
puramente dedutivo sem relação alguma com o trabalho empírico (CASANOVA, 1997: 147).
As teorias são, por conseguinte, ingredientes fundamentais para a investigação histórica que
oferecem significações aos processos e relações sociais que, dependendo do campo de
aplicação, ajudam o historiador a examinar e compreender casos particulares ou construir
amplas sínteses históricas onde se encaixam os estudos específicos de itens limitados
(CASANOVA, 1997: 148).
As teorias devem valorizar-se pelos seus usos sociais, por suas funções ou tarefas que
necessariamente deveriam satisfazer nos estudos históricos. Elas têm que proporcionar
critérios para delimitação do objeto e para seleção dos dados relevantes. O historiador precisa
de teorias que ofereçam hipóteses para relacionar os diversos fatores de fenômenos
complexos e evitar assim o que Arthur M. Schlesinger chama de “método sanduíche”, a mera
adição de dimensões independentes da realidade sem mostrar suas interconexões
(CASANOVA, 1997: 148). As teorias tem que ser úteis para fornecer sistemas conceituais de
comparação e designar os elementos de análise comparativa.
Durante os anos sessenta e começo dos setenta a nova história social buscou a solução
científica nas ciências sócias mais próximas. Buscava-se formas mais flexíveis de combinar as
teorias com as fontes. Era o momento de crise da história social. A insatisfação vinha de todos
os lados, com relação as tendências dominantes. Não se desejava nem uma sociologia abstrata
sem história, nem uma história social sem teoria.
A partir deste ponto, a principal contribuição da sociologia histórica analítica estava
precisamente no seu compromisso característico com a análise das estruturas e
acontecimentos através de sua dimensão espacial e temporal, além de uma aberta defesa de
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uma história orientada teoricamente e o desejo de alcançar uma maior compreensão do
significado, organização e limites do vocabulário conceitual utilizado (CASANOVA, 151).
O sociólogo histórico, ao examinar de forma comparada as diversas variações na
história com a intenção de estabelecer regularidades casuais, tem uma tarefa enorme que
requer também um conhecimento profundo dos fenômenos e a formulação explícita de uma
teoria causal. O trabalho do historiador não pode estar dissociado do trabalho do sociólogo.
Eles se completam e tem igual importância no processo de construção do conhecimento
histórico.
Considerações sobre a obra
Julian Casanova estabelece em sua obra um resumo crítico sobre o percurso da
historiografia ocidental desde o século XIX. Começa com o historicismo tem em Ranke um
de seus expoentes privilegiados. Analisa as reações contra o historicismo e a história a
aproximação da história com as ciências sociais, em especial a sociologia e a antropologia.
Ao fazer isso, assume uma postura crítica no sentido de apontar tanto aquilo que pode
ser considerado um sucesso quanto os fracassos justificados na tentativa de se fazer uma
historiografia renovada no decorrer do século XX. Ele acredita que o diálogo entre as ciências
sociais e a história é fundamental, mas não concorda com alguns procedimentos que foram
adotados tanto por historiadores quanto por sociólogos.
Alerta para a necessidade da história de ter sua teoria e não depender apenas das
teorias cunhadas pelas outras ciências. É possível assimilar e aplicar conceitos das ciências
sociais mas o historiador deve estar ciente de como essas ferramentas devem e podem ser
usadas. Ele critica os excessos não apenas daqueles que usam e abusam dos modelos e
métodos da sociologia, antropologia, demografia, etc., quando aqueles que rejeitam as
contribuições que podem advir do bom uso desses instrumentos.
Para o autor um dos caminhos seria conceber a história como uma zona de interrelação
entre ações, teorias das diversas disciplinas. Para ele, alguns dos melhores trabalhos de
história social nas últimas décadas foram engendrados nessa encruzilhada. Tanto a boa
sociologia histórica como a história social crítica tem situado sua investigação empírica
particular dentro de um quadro de questões teóricas acerca da natureza da sociedade e dos
processos de evolução social.
Ao finalizar seu livro, coloca em um apêndice um balanço da historiografia esponhola,
que se desenvolver à margem desses grandes movimentos, como ocorreu com o Brasil, mas
que tem buscado se alinhar às novas tendências e construir uma historiografia moderna, no
sentido de atual e alinhada com os interesses da sociedade em seu todo.
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Bibliografia
CASANOVA, Julian. La História Social y los Historiadores. Barcelona: Crítica, 1997, 179 p.
Sobre Julián Casanova
Julián Casanova é atualmente catedrático no Departamento de Historia Moderna y
Contemporánea, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Zaragoza. Ele foi professor
visitante na prestigiada britânico , EUA e universidades latino-americanas , incluindo o Queen
Mary College ( Londres) , Harvard , Notre Dame e New School for Reserarch Social ( em os
EUA) e da Universidade Central Europeu ( Budapest) .
Atua no conselho editorial de várias revistas científicas e contribui com artigos para o
jornal El País, tendo escrito para muitos outros jornais e, também participado de
documentários para a TVE (2006).
É autor de vários livros, dos quais podemos destacar: La Iglesia de Franco, Temas de
Hoy, Madrid (2001); Anarchism, the Republic and Civil War in Spain: 1931-1939 (2004);
Segunda República y guerra civil (2007) Historia de España en el siglo XX (2009).