Actas VI Jornadas de Toponímia de Lisboa / CML

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Câmara Municipal de Lisboa SEXTAS JORNADAS DE TOPONÍMIA DE LISBOA LUGARES DE MEMÓRIA DA REPÚBLICA

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A toponímia evoca a memória de factos e seus protagonistas como evoca lugares e espaços onde decorreram acontecimentos marcantes da história da cidade e da história do país. A presente edição das Jornadas de toponímia integrada nas Comemorações do Centenário da Implantação da República, visa, também, aprofundar o conhecimento dos factos, dos lugares e das pessoas ligadas ao movimento republicano e, por extensão, atestar a sua importância como meio de difusão dos ideais e seus protagonistas na cidade de Lisboa. (Catarina Vaz Pinto, Vereadora da Cultura / CML)

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Câmara Municipal de Lisboa

SEXTASJORNADAS DE TOPONÍMIA DE LISBOALUGARES DE MEMÓRIA DA REPÚBLICA

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sextasJornadas

de Toponímia de Lisboa

Lugares de MeMória

da repúbLica

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Edição Câmara Municipal de Lisboa

Pelouro da Cultura Catarina Vaz Pinto

Direção Municipal de Cultura Francisco Motta Veiga

Departamento do Património Cultural Jorge Ramos de Carvalho

Comissão Científica Professora Doutora Maria Calado

Professora Doutora Irene PimentelProfessor Doutor António Reis

Comissão Organizadora DPC/Núcleo de Toponímia

Título 6ªs Jornadas de Toponímia

Lugares de Memória da República

Recolha e Revisão de Textos Isménia Neves

Seleção de ImagensAna Homem de Melo

Desenho do livroJoão Rodrigues

Tiragem 200 exemplares

Ano 2013

Execução gráfica Imprensa Municipal de Lisboa (capa e montagem)DGMEAAS - Reprografia do Campo Grande (Impressão)

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5 Sessão de Abertura Vereadora Catarina Vaz Pinto

7 Lá Vão Mudar os Nomes das Ruas… Appio Sottomayor

15 A visibilidade histórica das mulheres nas cidades. Os Roteiros Feministas da cidade de Lisboa Manuela Tavares e Manuela Góis

21 A República Brasileira na Toponímia Lisboeta José Esteves Pereira

27 O Beco e a Reconquista Salete Salvado

37Ler a Toponímia… no Bairro Alto, Capital do Jornalismo na I República Álvaro Costa de Matos

55 Conhece a Travessa dos Voluntários da República? A Toponímia inexistente Ana Homem de Melo

61 Memórias toponímicas da economia da I República Maria Fernanda Rollo

75 Da Travessa do Guarda-Mór à Rua do

Grémio Lusitano António Lopes

83 O Mundo pelos Ecrãs das Placas Toponímicas

da Lisboa Republicana Paula Machado

89 Da Mística Republicana à sua Expressão Toponímica António Reis

93 Um Contributo para a Memória Histórica da

Ditadura: a recuperação do edifício da antiga prisão do Aljube, em Lisboa Irene Pimentel

97 Toponímias da República José-Augusto França

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Sessão de abertura

Catarina Vaz PintoVereadora da Cultura

6as Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República

É com o maior orgulho e honra que participo na qualidade de Vereadora da Cultura e de Presidente da Comissão Municipal de

Toponímia na Sessão de Abertura das 6.ªs Jornadas de Toponímia, LUGARES DE MEMÓRIA DA REPÚBLICA, cujo interesse e importância

nos são revelados, quer pela notabilidade e saber dos seus oradores, quer pela riqueza e diversidade de conteúdo das diversas comunicações.

As presentes Jornadas de Toponímia resultam do trabalho conjunto da Câmara Municipal de Lisboa e da Comissão Municipal de Toponímia, dando continuidade a uma

já longa tradição da Câmara Municipal de Lisboa que visa promover e chamar a atenção pública para a importância e valor da toponímia como fonte viva da nossa história comum.

A toponímia evoca a memória de factos e seus protagonistas como evoca lugares e espaços onde decorreram acontecimentos marcantes da história da cidade e da história do país.

É por isso uma responsabilidade institucional para a Câmara Municipal de Lisboa valorizar e difundir a toponímia, enquanto testemunho público do fortalecimento da consciência colectiva.

Consciência colectiva e identidade esclarecida constituem justamente a base de uma cidadania activa, essencial na sociedade em que vivemos e na qual importa que façamos parte activa.

A presente edição das Jornadas de toponímia integrada nas Comemorações do Centenário da Implantação da República, visa, também, aprofundar o conhecimento dos factos, dos lugares

e das pessoas ligadas ao movimento republicano e, por extensão, atestar a sua importância como meio de difusão dos ideais e seus protagonistas na cidade de Lisboa.

Com efeito, a memória republicana está amplamente inscrita no espaço público de Lisboa e no próximo dia 5 de Outubro irão ser descerradas as placas toponímicas de

Augusto Monjardino, Francisco Ferrer, Jaime Batalha Reis, João Chagas, Luz de Almeida, Machado Santos e Mário de Azevedo Gomes, cerimónia pública que encerrará as

Comemorações Municipais do Centenário da Implantação da República.Se por um lado, o património memorial da cidade fica reconhecidamente enriquecido,

por outro, ampliam-se as fontes da narrativa histórica de Lisboa, tornando vivo o legado de quem pela sua vida, acção e obra marcou a história da cidade, num permanente

movimento de ligação do passado com a contemporaneidade e o futuro. Termino, saudando todos os oradores e participantes das 6ªs

Jornadas de Toponímia – Lugares de Memória da Republica.Felicito a Comissão Municipal de Toponímia bem como os Serviços

implicados na organização das presentes Jornadas.

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celerados no dia seguinte. Num estado de espíri-to só atingível por quem já viveu muito e viu um pouco de tudo, filosofava ela, sem tomar qualquer partido:” agora são estes que mandam? Por quanto tempo será?” Habitando em Lisboa e deslocando-se com alguma frequência pela cidade, considera-ria certamente como uma terrível maçada o facto de já não ir à sua sapataria na Rua do Príncipe e ter agora que se deslocar exactamente ao mesmo esta-belecimento – mas na Rua Primeiro de Dezembro.Tenhamos o desassombro de dizer que, em maté-ria de mudanças de topónimos que tanto afligiam a minha familiar, a Primeira República levou a pal-ma a todas as alterações políticas que se seguiram. Compreende-se: tratava-se de uma mudança ra-dical de regime e de maneira de encarar toda uma série de realidades. Os novos detentores de um poder ainda vacilante sentiram a necessidade de, sem tibiezas nem demoras, instaurar nova nomen-clatura em muitas instituições – e também nos no-mes dos arruamentos. Seria praticamente absurdo que antes de 1910 houvesse, espalhadas pelo País, avenidas ou largos “da Monarquia”. Em quase oito séculos, quase ninguém sonharia que havia outra forma de governar os povos. Mas a transformação tinha de chegar a todos os lados. E assim não es-panta que, logo no dia seguinte à proclamação do novo regime, tenha sido proposto na Câmara Muni-cipal de Lisboa que a Avenida Ressano Garcia pas-sasse a denominar-se Avenida da República e que uma paralela a esta, a Rua António Maria Avelar ganhasse o novo nome de Avenida Cinco de Ou-tubro. Esta proposta, prontamente aceite, alastrou depois pelo País, não havendo praticamente cida-de ou vila onde não existam os topónimos “Repú-blica” ou “Cinco de Outubro”, muitas vezes em duo.Coligando as novas políticas com um activo an-ti-clericalismo, a filosofia toponímica passou a nortear-se por um princípio simples: afastar dos letreiros os nomes que tivessem odores a Mo-

Vou começar por pedir, humildemente, desculpa por motivo duplo. Em primeiro lugar, porque não me fiz acompanhar pela agora habitual parafernália dos powerpoints e engenhos afins, vindo assim, a seco, dizer a meia dúzia de despretensiosas palavras de que fui incumbido. Não porque me atreva a pôr em causa a utilidade dos acompanhantes electrónicos, mas porque as ruas que vou citar são sobejamen-te conhecidas e não precisam de ser mostradas em postal ilustrado através do computador. E, como o tema se relaciona com a primeira República, será preferível usar dos mesmos meios de que dispu-nham os tribunos e demais oradores de 1910, utili-zando só as palavras. É uma espécie de homenagem.O segundo motivo desta minha contrição tem a ver com o autor que citarei em primeiro lugar e que deu azo ao título desta prelecção. Podia (e certamente de-via) ter escolhido um daqueles oradores que faziam vibrar o Parlamento no advento da República ou en-tão um verdadeiro especialista em toponímia. Em vez disso, ignorei Gomes de Brito, Vieira da Silva, Ma-tos Sequeira, Pastor de Macedo, Norberto de Araújo ou outros mestres e resolvi quedar-me, num impul-so caseiro e cómodo, por citar uma das minhas avós. Se me for relevado este despropósito, tentarei ex-plicar as razões da escolha. Quando se deu a revi-ravolta de 25 de Abril de 1974, a minha antepassa-da ia já para além dos 90. Assistiu, pela televisão, a alguns dos acontecimentos e ficou consciente de que a alteração fora a sério. Pronunciou então um único comentário, que, para ela, resumia talvez toda a situação: “lá vão mudar os nomes das ruas!” Tentei compreender aquela síntese: a idosa senho-ra tinha vivido a época do regicídio, a proclamação da República, a ascenção e a morte de Sidónio Pais, a noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921, as revoluções férteis num dado período, o movimen-to do 28 de Maio de 26… Assistira a trocas de po-líticos e dirigentes, vira muitos dos que eram bons na véspera passarem à condição de verdadeiros

Appio Sottomayor

Lá vão mudar os nomes das ruas...Jornalista e Olisipógrafo.

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gnação para casos semelhantes: chamámos-lhe “sín-droma do funeral”. Explicando melhor esta noção, dir-se-á que, mais ou menos em todos os tempos se apodera dos familiares, dos amigos, às vezes dos

simples conhecidos de um defunto que em vida te-nha saído de alguma vulgaridade, a ideia de lhe per-petuar a memória. Ora o que haverá de melhor do

que dar o seu nome a uma rua? E, sejamos francos, muitas vezes não houve coragem de explicar aos

peticionários que talvez fosse melhor esperar um tempo, a dar azo a que a memória assentasse e que o prestígio do homenageado se mantivesse intacto

passados uns anos. Felizmente, as normas que nor-teiam a Comissão Municipal passaram a contar com o estabelecimento de um período mínimo entre a

morte de uma personalidade e a atribuição do seu nome a um arruamento.Que têm estas considera-ções a ver com a Avenida Almirante Reis? Por amor

de Deus, não me interpretem mal. Longe de mim a ideia de pôr em causa o espírito republicano do ma-

rinheiro nem o facto de ao seu prestígio na Armada levar muitos oficiais a solidarizarem-se com o novo movimento. Só que, na véspera da revolução, supôs

tudo perdido e suicidou-se. Este drama, mais do que todos os aspectos positivos, terá tocado os senti-mentos dos novos governantes. Insisto: não se está a menosprezar Cândido dos Reis. A ideia é apenas chamar a atenção para o facto de também na topo-nímia ser preciso ter sorte. O almirante suicidou-se e passou a ter avenida importante em Lisboa e o seu nome a ser consagrado em ruas e largos de muitas terras do País. Em contrapartida, Machado Santos, outro marinheiro, acreditou até ao fim na vitória. Postou-se na Rotunda, acompanhado por outros idealistas, entre os quais umas dúzias de civis que nunca tinham manejado uma espingarda. Venceu. Ora serão certamente muitos os lisboetas que não farão ideia do local onde fica a Rua Machado Santos, artéria que só tardiamente foi aberta e que esteve depois submetida a numerosos incidentes, pelo que

narquia ou a quase todas as invocações religiosas. Os exemplos poderiam ser muitos. Mas vamos limitar-nos a alguns, escassos mas significativos, remetendo a consulta à sua totalidade para um trabalho elabo-rado há uns 15 anos e apresentado também numas Jornadas de Toponímia pela minha amiga e investiga-dora da Câmara Municipal, Dra. Teresa Sancha Pereira.Refira-se pois o caso do conselheiro José Luciano, que foi apagado das placas para dar lugar a Elias Garcia, que fora jornalista, oficial de engenharia, presiden-te da Câmara e, sobretudo, organizador da política republicana. A Rua Correia Guedes, em Alcântara,

cedeu o nome a Gilberto Rola, propagandista da Re-pública e membro do Partido Republicano mesmo em plena Monarquia. Ainda em Alcântara, o até aí estimável Conselheiro Nazaré foi também apeado e substituído pelo médico Leão de Oliveira, devota-do republicano e um dos fundadores do jornal “O Século” cujas tendências eram conhecidas. Por falar em jornais, cite-se também o caso de Alves Correia, fundador e redactor de vários jornais de apoio à mu-dança de regime e que veio a tomar o lugar, nas es-quinas da rua nada menos do que de S. José. E, já agora, um apontamento curioso, demonstrativo de como muitas palavras servem para o fim que cada um lhes destinar: entre os jornais fundados ou redi-gidos por este nosso Alves Correia, figura um cha-mado “O Debate”, verdadeiro baluarte republicano. Pois este mesmo título foi o de um jornal estrutu-ralmente monárquico, dirigido pelo Prof. Jacinto Ferreira, muito vigiado porque fazia ostensiva opo-sição ao Estado Novo. Subtilezas da nossa História!Mas a esta sucessão de substituições não podia, evi-dentemente, escapar a última rainha, D. Amélia, que tinha uma avenida com o seu nome em sítio central da cidade, artéria que dava acesso a uma das saídas mais utilizadas de Lisboa. Deu-se com esta avenida um dos fenómenos mais correntes nesta actividade de dar nomes a ruas. Nas Comissões Municipais de Toponímia a que pertenci, inventámos uma desi-

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na prática durante anos não existiu. Ganhar não dá para provocar culto. A propósito – e se me perdoam mais um devaneio – tenho pensado muitas vezes em como a data de 9 de Abril está glorificada um pouco por todo o País e não só em Lisboa. Lembro-me de que na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, onde prestei serviço militar, o principal corredor, onde for-mávamos para escutar a ordem do dia, se chamava de “La Lys”, nome da localidade onde, nesse dia 9 de Abril, em 1918,o Exército português, embora portan-do-se com reconhecido heroísmo, foi alvo de gran-de derrota. Em contrapartida, peço encarecidamen-te a quem me possa informar se conhece alguma rua 14 de Agosto (data de Aljubarrota) ou outro dia glorificado por termos vencido. Onde estão as ruas ou as memórias de Atoleiros, Valverde, Montes Cla-ros, que sei eu?... Paris, por exemplo, está cheia de invocações de vitórias, sobretudo as napoleónicas. Encontram-se facilmente Austerlitz, Wagram, Ma-rengo… Não conheço nenhum local que fale de Waterloo ou de outras desgraças gaulesas. Feitios!...Mas regressemos às nossas ruas e à I República. Teve esta, nos seus cuidados toponímicos, especial aten-ção com jornais e jornalistas que haviam propagan-deado e servido os seus ideais. Já referimos Alves Correia ou Leão de Oliveira. Mas também ligado ao jornalismo (embora com acção directa noutros campos, como deputado republicano e um dos ho-mens cujo nome esteve conotado com o 31 de Ja-neiro no Porto) esteve Rodrigues de Freitas. Assim, com naturalidade, o antigo largo de Santo André deixou de ostentar o nome do apóstolo e passou a nele figurar o propagandista da República. E, entre outros e para abreviar, citemos Feio Terenas, Au-gusto José Vieira, Carrilho Videira, Borges Grainha (todos estes enviados para a Penha de França) ou o próprio José Fontana, que ocupou o antigo Lar-go do Matadouro. Todos eles colaboraram em jor-nais diversos, pugnando pela causa republicana.Mas não se ficou o fervor toponímico pelos escre-

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ventes. Os próprios jornais que se tinham portado à altura, demonstrando nas respectivas colunas o seu republicanismo, foram também inscritos nos le-treiros das esquinas das ruas. Ora o primeiro jornal a anunciar a proclamação do novo regime, em 5 de Outubro de 1910, foi “O Mundo”, periódico dirigido por França Borges (e é bom não confundir este jor-nalista, como já tenho visto, com o seu familiar que foi presidente da Câmara lisboeta). Este jornal tinha as suas instalações na então Rua Larga de São Ro-que, estendendo-se para trás até à Rua das Gáveas. Por estranhos caprichos do destino, o edifício onde se albergava “O Mundo” serviu depois para a redac-ção e oficinas do “Diário da Manhã”, jornal oficioso do Estado Novo, e a uma efémera “Época”. Hoje é a sede da Associação 25 de Abril. Desaparecido o jornal e mudados os tempos, a rua deixou de ser do Mun-do e passou a ter o nome actual: da Misericórdia.

Mas as mudanças estavam quase na massa do san-gue de quem as podia utilizar. Assim, ainda em tem-pos da Monarquia, a Rua do Outeiro passara a cha-mar-se Paiva de Andrade e a do Ferragial de Cima mudara para Vítor Córdon, por força das explorações africanas. Entretanto, a artéria que ligava estas duas ruas ganhou o nome do Duque de Bragança, cer-tamente por passar em terrenos que pertenciam à Casa de Bragança. Evidentemente, o regime repu-blicano não toleraria esse nome. Logo em Novem-bro de 1910, um edital riscava o duque e punha em seu lugar o jornal “A Luta”, homenageando o órgão de comunicação que fora fundado por Brito Camacho. Novos tempos vieram e “A Luta” desapa-receu dos letreiros. Esteve para ser António de Sou-sa Macedo – mas este acabou por ir para a base da Calçada do Combro, substituindo o Largo do Poço Novo. E os Duques de Bragança (agora no plural) voltaram a figurar nas esquinas da sua antiga rua.A este hábito de consagrar os jornais republicanos escapou – e não sei as razões - o vespertino “A Ca-pital”, que, na sua primeira série, publicada curio-

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samente entre 1910 (em Julho, ou seja três meses antes da proclamação do novo regime) e 1926, sem-pre se apresentou como jornal republicano. Desta forma, dos jornais desaparecidos resta na toponímia lisboeta “O Século”, que permanece no comprido corredor em declive a que se chamou outrora Rua Formosa. Também o nome deste jornal foi atribuído pela I República, reconhecendo o papel desempe-nhado pelo periódico na democratização do povo.Mas deixemos os jornais e os jornalistas e façamos uma necessariamente breve reflexão sobre esta flor delicada que é a toponímia, envolta em fenómenos difíceis de explicar. Lisboa, com o seu hábito antigo de mudar os nomes, arranjou alguns casos que não serão facilmente repetíveis noutra cidade. Por exem-plo: imaginemos um sujeito a apanhar o metro para o Jardim Zoológico; outra personagem mete-se num autocarro com destino a Sete Rios; um tercei-ro comparsa entra num táxi e manda seguir para a Praça Marechal Humberto Delgado. Se não forem lisboetas, grande será a surpresa por verificarem que chegam os três exactamente ao mesmo local.Há também um jardim em Santos, junto da Avenida 24 de Julho, no qual uma vereação antiga e os po-deres públicos resolveram colocar uma bela estátua de Nun’ Álvares. Mas depois as opiniões mudaram e o monumento ao Condestável iria afinal para o alto do Parque Eduardo VII. Acabou a estátua por ir parar à Batalha e devo confessar que, quando a vi, fiquei muito orgulhoso: é que a estátua foi oferecida pelo povo de Lisboa. Não fazia a mínima ideia de ter sido um dos ofertantes, mas achei que os habitantes da Batalha me deviam tratar com alguma gratidão. E o Jardim de Santos? Não se desistiu da ideia de lá pôr um vulto importante. Assim, foi ali colocada uma estátua representando o escritor Ramalho Or-tigão. Mas o jardim continuou oficialmente a cha-mar-se de Nun’ Álvares, mesmo que seja duvidoso que o Santo Condestável ali parasse alguma vez. Indiferentes a todas essas alterações, os habitantes

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regras esse princípio de não alteração de nomes. Claro que tudo era mais fácil nas eras passadas quan-do eram os próprios habitantes a dar o nome ao ar-ruamento onde edificavam as suas casas. Conheciam como ninguém as características, a geografia, os vizi-nhos. Hoje, por mais brilhantes que sejam as verea-ções e as Comissões de Toponímia, perdoar-me-ão por crer que ninguém teria a imaginação e a ousadia de dar a ruas da cidade nomes como o “Pé de Ferro”, o “Quebra Costas”, a “Triste Feia”… Sobretudo, talvez ninguém criasse um nome de uma rua usando esse misterioso complexo, fenómeno ao mesmo tem-po químico e lírico, que se chama a “Água da Flor”.Em resumo, tenho hoje a satisfação de sossegar a minha avó, cuja frase me deu o mote para es-tes desabafos: pode ela estar descansada, lá no assento etéreo aonde subiu; de facto, não é pro-vável que mudem outra vez os nomes das ruas.Muito obrigado pela vossa atenção.

mais antigos da Madragoa conservaram o nome pelo qual sempre conheceram o pequeno mas convida-tivo espaço verde: chamam-lhe Jardim dos Gatos.Estes casos levam-nos a uma conclusão fácil de tirar: quando um nome cai no goto e nos hábitos do povo, não há editais que lhe mudem o nome tradicional. Sem sair das imediações de Santos, vejamos a Avenida que foi de D. Carlos, que a República crismou de Presi-dente Wilson e depois voltou a ser de D. Carlos, Posso garantir que mesmo alguns indefectíveis republica-nos sempre lhe chamaram de Avenida das Cortes.Parece que, em muitos casos, não vale a pena re-mar contra a maré. Os exemplos mais clássicos se-rão certamente os das Praças do Comércio ou de D. Pedro IV. Na primeira, mesmo com o Marquês a chamar-lhe Praça do Comércio, assistiu-se a um passar de gerações, de mudanças de regime… e o Terreiro do Paço continua a ser assim chamado. O rei soldado, mesmo colocado no alto daquela colossal vela de estearina, como lhe chamou Eça de Queiroz, não pôde apagar o nome do Rossio.Algumas tentativas bem mais recentes de alteração de topónimos não foram também triunfantes. Que o digam o Areeiro (assim conhecido apesar de Sá Carneiro, ou o Largo do Caldas, apesar de Amaro da Costa. O hábito da mudança de nomes chegou um dia ao apagamento do poeta Bocage, tendo sido usado o argumento de que já havia uma ave-nida Barbosa du Bocage – sem que os decisores se tenham dado ao cuidado de verificar que se tratava de pessoas distintas, embora familiares. O trabalho que me deu – e mais do que mim ao senhor ve-reador do pelouro – para descobrir outra rua onde fosse posto o nome de Bocage, antecedido ago-ra da palavra “poeta” para evitar mais equívocos.As Comissões Municipais de Toponímia de que fiz parte tomaram como ponto de honra desaprovar qualquer mudança de topónimo. Deu trabalho às vezes, mas conseguiu-se. Soube entretanto que a actual Comissão fez questão de fixar entre as suas

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Almanach d’O Mundo. 1910

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As cidades são espaços de encontro de culturas, de memória histórica nem sempre valorizada, de redes que se tecem quando a proximidade existe, de per-cursos partilhados e de processos emancipatórios.

Lisboa foi sempre palco de múltiplos acontecimentos que marcaram a História do país.

Mas também se faz História das vivências quotidia-nas, dos pregões das vendedeiras de peixe ou de fru-ta, das costureiras e ajuntadeiras que se reúnem nos primeiros anos do século XX para reclamar a Igualda-de salarial, das republicanas que reivindicam o direito ao voto e à educação para as mulheres, que ensinam nos centros republicanos, que organizam congres-sos feministas, que de forma gratuita e solidária dão consultas médicas, que escrevem para jornais, que fazem greves e se manifestam nas ruas de Lisboa.

Uma História, que no dizer de Michelle Perrot1 nem sempre soube dar a voz às mulheres e que silenciou as vivências de muitas delas, ignorando o seu papel na vida política e social. Despercebida e ignorada foi a passagem da escritora feminista inglesa Mary Wollstonecraft por Lisboa no Outono de 1785 para assistir na doença a uma sua amiga Fanny Blood, que acabaria por falecer. Mary Wollstonecraft é conside-rada a fundadora simbólica do movimento feminista pelo seu livro A Vindication of the Rights of Women publicado em 1792, três anos após a eclosão da Re-volução Francesa, da qual foi testemunha nas ruas de Paris. Mary Wollstonecraft foi apresentada à elite britânica que vivia em Lisboa, mas desconhecem-se outros contactos. Das suas impressões sobre esta viagem ficou registada na sua obra a ideia de uma terra estranha, mas onde conseguiu “mergulhar o pincel num arco-irís de beleza”.2

Há ainda muito por investigar sobre as marcas dei-xadas por muitas mulheres na cidade de Lisboa. Mas não se creia que este é apenas um mero exercício de memória. A invisibilidade das mulheres na História tem os seus reflexos directos no défice democrático em termos de equilíbrio de mulheres e homens no poder político. Tem, ainda, os seus reflexos na cons-trução de mentalidades onde a ausência de uma imagem valorizada das mulheres no espaço público reproduz estereótipos de género.

A dimensão de género aplicada às cidades suscita um debate novo, que pode permitir novas escolhas, inclusive em matéria de planeamento e de gestão urbanística. A análise da vida quotidiana, tendo em conta os olhares atentos das mulheres e as suas preo-cupações, tem como vantagem abordar de maneira qualitativa e holística as questões da mobilidade, da segurança, da habitação e dos espaços públicos.

O espaço público, do ponto de vista simbólico e con-creto foi durante muitos séculos vedado às mulhe-res.

Os passeios, as praças, os cafés, não eram lugares considerados convenientes para quem tinha como “missão” única da sua vida cuidar da família. Ana Vi-cente, no seu livro As mulheres portuguesas vistas por viajantes estrangeiros3 refere um texto de Jo-seph François Carrère onde este afirma, em 1796, não serem necessários passeios em Lisboa: “Há que convir que esta espécie de logradouros públicos são inúteis em Lisboa: os portugueses não passeiam e as portuguesas ainda menos. Esta particularidade pro-vém, provavelmente, do velho ciúme dos maridos e do tradicional hábito de aferrolhar as mulheres e impedir que sejam vistas”. 4 Elisabeth Colman, tam-bém referida por Ana Vicente5, escreve dois séculos depois, em 1944 que os cafés da Avenida da Liberda-de estavam repletos de homens.

* Doutorada em Estudos sobre as Mulheres. Investigadora no CEMRI- Universidade Aberta. Membro da direcção da UMAR. ** Vice-Presidente da UMAR. Pós-Graduação em Estudos sobre as Mulheres pela Universidade

Nova de Lisboa. Co-autora de Roteiros Feministas na Cidade de Lisboa.

1 PERROT, Michelle (2008), “L’Histoire des Femmes: le silence rompu”, in CASTRO, Zília Osório, dir., Falar de Mulheres, História e Historiografia, Lisboa, Livros Horizonte, pp.141-150.

2 WOLLSTONECRAFT, Mary, A Short Residence in Sweden, Cartas Oito e Quinze, apud Roteiros Feministas, UMAR, Faces de Eva, Lisboa, 2010, p.71.3 VICENTE, Ana (2001), As Mulheres Portuguesas Vistas por Viajantes Estrangeiros, Lisboa, Editora Gótica.

4 CARRÈRE, Joseph-Barthélemy-François, (1797), Tableau de Lisbonne en 1796, H.J.Jansen Imprimeur Librarie, Paris, p.31.5 VICENTE, Ana (2001), op.cit., pp.244-245.

A visibilidade histórica das mulheres nas cidades.Os Roteiros Feministas da cidade de Lisboa. Manuela Tavares* / Manuela Góis**

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6 COLMAN Elisabeth (1944), Portugal, Wharf of Europe, New York, Charles Scribner´s Sons, pp.42-43.7 Cristina Duarte, Danielle Capela, Isabel Lousada, Joana Sales, João Esteves, Luisa Boléo, Manuela Góis, Maria Augusta Seixas, Maria José Remédios, Natividade Monteiro, Teresa Sales.

Março de 1974, onde uma outra rua assume o nome da escritora Maria Pimentel Montenegro, apenas 43 mulheres davam nome às ruas de Lisboa.

Apesar da importância de uma presença mais mar-cante das mulheres na toponímia da cidade, uma re-flexão feminista que iniciámos quando do Centená-

rio da República levou-nos a uma outra dimensão da presença das mulheres nas ruas de Lisboa - procurar identificar os locais onde as mulheres republicanas faziam reuniões, realizavam debates, congressos fe-

ministas, participavam nos salões literários, nas ter-túlias, nos centros republicanos, nas associações fe-ministas, nos teatros, nos jornais, nos cafés, nos seus

consultórios de advocacia ou de medicina.

Quais seriam os seus percursos nesta nossa cidade? E daí nasceu a ideia dos Roteiros Feministas na cida-de de Lisboa, um projecto da UMAR e das Faces de Eva da Universidade Nova, que integrando também

a Agenda Feminista 2010 sobre as mulheres Republi-canas mereceu o apoio da 1ª edição do Prémio Mu-nicipal Madalena Barbosa. Foi uma excelente equipa

que de forma voluntária colocou os seus saberes e as suas pesquisas históricas ao serviço deste projecto.7

O primeiro número dos Roteiros Feministas integra 4 itinerários por quatro colinas. O primeiro parte da Graça, com os seus pátios e vilas, onde moravam mu-lheres que, em 1918 formaram a Associação de Clas-se das Operárias de Engomadorias de Lisboa, passa pela casa de Angelina Vidal, pelo Grémio Excursionis-ta Civil do Monte, onde Maria Veleda proferiu diver-sos discursos entre 1906 e 1908, pelo Convento das Mónicas, visitado muitas vezes por mulheres da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, chegando a acolher na Obra Maternal crianças de mulheres pre-sas. Este primeiro roteiro evoca, ainda, na Rua da Voz de Operário, não só esta associação, onde Angelina Vidal e Maria Veleda marcaram presença, como tam-

“É como se houvesse uma lei não escrita proibindo as mulheres de irem a estes locais cheios de encanto e perfeitamente respeitáveis. Todas as mesas estão ocu-padas por homens a tomarem as suas bebidas mas é muito raro ver uma mulher entre eles. E, nunca, nunca uma mulher sozinha. (…) Em todas as classes da so-ciedade patriarcal portuguesa, talvez com excepção das auto-suficientes varinas, as peixeiras, as mulheres portuguesas nunca são independentes”.6

Nos tempos actuais, Lisboa vive as suas noites com rapazes e raparigas ocupando os mesmos espaços. Praças e jardins são frequentados por idosas e idosos. As esplanadas nos quiosques e jardins têm dado vida à cidade, onde as pessoas conversam, tecendo redes de vizinhança e de amizade.

Contudo, apesar desta grande evolução na conquista do espaço público por parte das mulheres, elas con-tinuam, do ponto de vista do poder simbólico e real, a serem quase ignoradas e a ocupação dos espaços ainda se faz, muitas vezes, de forma genderizada. No livro A Mulher na Toponímia de Lisboa de Luiz Silvei-ra Botelho publicado em 1998 pela Câmara Munici-pal de Lisboa, Maria Barroso Soares, escreve no pre-fácio: “E tal como no percurso da nossa história – da história afinal da humanidade – são os nomes dos homens que marcam uma maior presença na topo-nímia, a dizer do relevo que sempre lhes foi dado, em detrimento de quantas mulheres deveriam ser recordadas por feitos e acções que tanto dignificam as sociedades”.

Se analisarmos as datas dos editais que deram ori-gem à atribuição de nomes de mulheres a ruas da cidade de Lisboa, concluímos que 56% desses no-mes foram atribuídos apenas nas últimas 3 décadas, ou seja, após o 25 de Abril de 1974. Para trás, em 8 décadas de História, desde 1892, em que o nome da Viscondessa dos Olivais é atribuído a uma rua, até 4

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8 Outras mulheres republicanas participaram neste congresso: Adelaide Cabete, Amélia Levy de Sousa Lobo, Ana Maria Gonçalves Dias, Judite Pontes Rodrigues, Lucinda Tavares, Maria Clara Correia Alves, Rosalina Ferreira e Sofia Quintino.

ainda, a recordar o papel de valorosas mulheres ma-çónicas na implantação da República ao passarmos junto ao Palácio Maçónico na Rua do Grémio Lusita-no: Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo e Maria Veleda que adoptaram sim-bolicamente os nomes de Louise Michel, de Leonor da Fonseca Pimentel, de Lígia e de Angústias.

Na Rua de S. Pedro de Alcântara inicia-se o quar-to itinerário, passando pela Rua Nova da Trindade, onde no teatro do mesmo nome se estreou em 1914 a peça de teatro “Único Amor” de Maria Veleda em benefício da Obra Maternal, matinées em prol da Cruzada das Mulheres e conferências de Ana de Cas-tro Osório.

Se descermos a actual Rua da Misericórdia, chega-mos ao edifício onde hoje se situa a Associação 25 de Abril e onde funcionou o jornal o Mundo que, em 1906, abriu uma secção designada por Jornal da Mu-lher tendo publicado artigos de diversas feministas republicanas, assim como notícias das suas activida-des. O Largo Camões foi local de encontro de femi-nistas republicanas, que participaram na manifes-tação da Associação do Registo Civil a 2 de Agosto de 1909 pela extinção das ordens religiosas. Na Rua Ivens, no Centro Republicano Democrático foi lança-da, a 3 de Janeiro de 1916, a Associação Feminina de Propaganda Democrática.

Foi na Rua do Ouro, nº 101, que funcionou o consul-tório de advocacia de Aurora de Castro, a segunda mulher a licenciar-se em Direito, que pertenceu ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e par-ticipou no I Congresso Feminista e da Educação em 1924. Também no nº 266 da mesma rua a Liga Repu-blicana das Mulheres Portuguesas teve uma outra das suas sedes. Na Rua Augusta 50, 52 e 54 funcio-nou o Almanaque das Senhoras tendo sido sua di-rectora literária Maria O’Neill entre 1910 e 1925.

bém a Caixa Económica Operária, local de realização de importantes eventos com a participação de femi-nistas republicanas, como o I Congresso do Livre Pen-samento (Abril de 1908), onde foi apresentada uma tese sobre “Feminismo” da autoria de Ana de Castro Osório e de Maria Veleda.8

Os Centros Republicanos Botto Machado e Maga-lhães Lima, na Rua do Paraíso em S. Vicente de Fora e no Largo do Salvador em Alfama, foram palco de de-bates com Maria Veleda sobre Feminismo, do ensino de raparigas, de cursos nocturnos para mulheres. No Centro Escolar Republicano António José de Almei-da, na Travessa da Nazaré, foi realizada a sessão de lançamento da Liga Republicana das Mulheres Por-tuguesas, a 28 de Agosto e 1908 e em 1909 um ciclo de conferências de Ana de Castro Osório a favor do divórcio.

No segundo itinerário, podemos destacar várias se-des da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas na Rua dos Anjos, na Rua Andrade, na Rua de Arroios, na Rua dos Castelinhos, as residências de Maria Vele-da no nº 78 da Rua dos Açores e de Carolina Beatriz Ângelo na Rua António Pedro, assim como o Clube Estefânia onde esta feminista republicana foi pro-tagonista do primeiro voto de uma mulher, não só em Portugal, como em quase toda a Europa, a 28 de Maio de 1911.

No terceiro roteiro, ao passarmos pela Rua do Século evoca-se Virgínia Quaresma, a primeira jornalista re-pórter portuguesa, que começou a trabalhar neste jornal em 1908, assim como trazemos à memória o importante Certame das Mulheres Portuguesas or-ganizado por Maria Lamas nas instalações do jornal O Século, em 1930.

Este itinerário leva-nos a casa da artista plástica Ofé-lia Marques (1902-1952), na Rua Pereira da Rosa e,

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Aurora de Castro

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construir uma cidade onde todas as pessoas sem hierarquizações opressoras tenham voz e protago-nismo.

Fazer parte deste turbilhão de vontades e de saberes diferenciados pela construção de uma cidade mais igual e inclusiva é algo que nos motiva a continuar, apesar de todas as dificuldades dos tempos. É este o exemplo que recolhemos de todas aquelas mu-lheres que souberam desafiar a sua época e sonhar mais alto.

Na Praça dos Restauradores nº 13, 1º teve Adelaide Ca-bete o seu consultório médico, que também serviu de local a muitas reuniões feministas e foi sede do Con-selho Nacional das Mulheres Portuguesas, local que devia merecer a colocação de uma placa quando do centenário da formação do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, daqui a dois anos em 2014, associação feminista de que Adelaide Cabete foi fun-dadora.

Outros locais de grande interesse e de valorização da história das mulheres surgem na Rua das Portas de Santo Antão: a Sociedade de Geografia de Lisboa onde diversas feministas promoveram conferências, com destaque para Olga Morais Sarmento que, em 1906, sobre o tema “O problema feminista”, deu cor-po ao primeiro episódio público feminista; o Ateneu Comercial onde foram promovidas várias sessões de propaganda sufragista e o Teatro Politeama que foi palco para reconhecidas actrizes como Amélia Rey Colaço e para concertos como o de Guilhermina Su-ggia (1855-1950), a 25 de Janeiro de 1937.

A UMAR, através da equipa de investigação do Cen-tro de Documentação e Arquivo Feminista Elina Gui-marães e o núcleo de investigação Faces de Eva da Universidade Nova de Lisboa estão a avançar para o segundo livro dos Roteiros Feministas. Este é um tra-balho apaixonante que nos desafia a cada momen-to, perante cada rua, cada edifício, cada novo docu-mento que encontramos, cada memória individual e colectiva que recolhemos.

Dos próximos Roteiros fará parte o Centro de Cultu-ra e Intervenção Feminista da cidade de Lisboa, que hoje inauguramos pelas 18h em Alcântara Rio.É dos quotidianos, subindo e descendo colinas, da intervenção cultural e social inclusiva, que aproxima gerações e etnias, da participação cidadã em igual-dade que projecta futuros diferentes, que se pode

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Proclamação da República. (detalhe)Benedito Calixto, 1893. Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.

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1 Existe um blogue que tem dado relevo à toponímia lisboeta relacionada com o Brasil. Ruas de Lisboa com alguma história: http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.com/

2 Ver José Miguel da Silva Fernandes e Tavares Duarte, A diplomacia presidencial. As visitas de estado luso-brasileiras (1910-1974), Lisboa, Universidade NOVA de Lisboa, 2009, pp.26-29 (Dissertação de Mestrado).

3 Cumpre-me agradecer as informações toponímicas sobre Afonso Pena e Rui Barbosa que figuram neste texto à Dr.ª Ana Homem de Melo, do Gabinete de Estudos Olissiponenses e minha colega na Comissão de Toponímia da CML.

4 Foi substituído, interinamente, pelo Vice-Presidente Nilo Peçanha de 14 de junho de 1909 até 15 de junho de 1910, data de posse de Hermes da Fonseca.

A Appio Sottomayor e a Salete Salvado, Mestres da toponímia olisiponense

Na toponímia lisboeta não é muito significativa a pre-sença de vultos marcantes do Brasil. Em todo o caso, surgem-nos os nomes de Pedro Calmon, Afrânio Peixoto, João do Rio, Cecília Meireles, entre outros. Mais recentemente consagrados, temos Machado de Assis, Gilberto Freire e Jorge Amado1.O objetivo desta minha evocação tem a ver, essen-cialmente, com duas personalidades decisivas da República Brasileira, uma consagrada antes de 1910, outra em 1918. Mas, no clima resgatador do 5 de Outubro, cumpre lembrar que a Câmara Municipal de Lisboa substituiria as designações de Rua do Rato por Praça do Brasil e de Praça do Príncipe Real por Praça do Rio de Janeiro. Era uma das várias homena-gens que se tributavam ao Brasil a viver em regime republicano desde 15 de novembro de 1898. Porém, entre 1948 e o ano seguinte, os dois topónimos se-rão substituídos pelas designações anteriores. A for-ça da designação tradicional do lugar, como aconte-ce muitas vezes, persistiria embora surgissem, entre-tanto, as Avenidas do Rio de Janeiro e a do Brasil, em 1948, em arruamentos novos.Sabemos que a realidade política brasileira posterior a 15 de novembro de 1898 entusiasmava aqueles que sonhavam com a República em Portugal, ao mesmo tempo que permaneciam tradicionais la-ços de amizade política para além das circunstân-cias diversas de regime. Em 1 de outubro de 1910, o presidente eleito do Brasil Marechal Hermes da Fonseca foi recebido e saudado por D. Manuel II que se deslocou ao couraçado S. Paulo. Milhares de pessoas assistiram ao cortejo entre o cais e o palácio de Belém. Nos dias seguintes sente-se a iminência da revolução. Hermes da Fonseca abandonará o Tejo a 5 de Outubro. Em 22 de outubro, o Brasil re-conhece, oficialmente, o novo regime que passou a

vigorar em Portugal e, a partir do dia 6 de fevereiro de 1911, António Luís Gomes será o nosso represen-tante diplomático2 substituído, no ano seguinte, por Bernardino Machado natural do Brasil. Todavia, a re-presentação, a nível de embaixadores, por parte dos dois países, só virá acontecer em 1913 (Portugal) e 1914 (Brasil). Antes da implantação da República e da presença física em Portugal de um seu Presidente já existia, porém, uma presença simbólica, de caráter toponí-mico, a de Afonso Pena, Chefe de Estado que ante-cedeu o Marechal Hermes da Fonseca. Este último, teria como adversário na campanha eleitoral Rui Barbosa, igualmente objeto desta minha comunica-ção.Na sessão de 1 de outubro de 1908, ainda antes da vitória republicana da Câmara Municipal de Lisboa, o vereador Augusto César Clara da Rica, professor li-ceal que viria a falecer no ano seguinte, propôs que se passasse a chamar Largo Afonso Pena ao Campo Pequeno. O fundamento da proposta era de ho-menagem e agradecimento aos Estados Unidos do Brasil na pessoa do seu Presidente. Aceite a propos-ta, o vereador alvitrou, ainda, que se telefonasse, de imediato, ao Presidente brasileiro informando-o da deliberação camarária3.Afonso Pena, natural de Minas Gerais, candidato do Partido Republicano Mineiro, foi Presidente do Brasil, entre 1906 e 1909, não tendo completado o manda-to4. Teve como opositores nas eleições Lauro Sodré e Rui Barbosa. Não obstante terem sido adversários, a amizade e a admiração mútuas de Pena e Barbosa serão uma constante.Na altura em que Augusto César da Rica apresenta a proposta toponímica o Brasil assume-se como país respeitado na cena internacional. Rui Barbosa par-ticipara, em 1907, na Segunda Conferência de Paz, em Haia, e ficara célebre a sua defesa do princípio da igualdade das nações perante o Direito Internacional. Por terras de Santa Cruz vive-se um surto económico

José Esteves Pereira

A República Brasileira na Toponímia Lisboeta Vice-Reitor da Universidade NOVA de Lisboa. Comissão Municipal de Toponímia

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5 Américo Jacobina Lacombe, Afonso Pena e sua época, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, p.386.6 Epíteto atribuído a Rui Barbosa pelo seu brilhante desempenho na II Conferência de Paz, realizada em Haia.

7 Atas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa. Comissão Executiva e Comissão Administrativa. Ano de 1918. Lisboa: [Oficinas Gráficas da CML], 19408 Criada em 1 de maio de 1913 substituindo a denominação de Santa Engrácia que foi mais tarde reposta.

tempo eram de molde a entender-se como justa a homenagem ao Brasil, independentemente da cir-cunstância de regimes políticos diferentes. O outro político brasileiro que escolhi para esta mi-

nha comunicação é Rui Barbosa. Nunca chegou a ser Presidente do Brasil, embora tivesse sido candidato por duas vezes. No entanto, a influência que teve na

marcha dos acontecimentos brasileiros, antes e de-pois, do 15 de novembro de 1898 é incomensurável.

Mas vejamos, antes de mais, a razão da escolha do “Águia de Haia”6 para figurar numa rua de Lisboa.A deliberação é de 25 de novembro de 1918. Na ses-

são camarária foi tomado conhecimento de que “Os Srs. Manuel José Martins Contreiras, Dr. João José da Silva e Fernão Boto Machado, proprietários da

Quinta das Marcelina, na Rua Vale de Santo António, 30, requereram a esta Câmara que lhes fosse dado ao Bairro que ali estão construindo, a denominação

de Bairro da América, a exemplo do que já foi feito para os bairros da Bélgica e da Inglaterra e que os

arruamentos tivessem as seguintes denominações:

O nº 1: Rua FranklinO nº 2: WashingtonO nº 3: Rui BarbosaO nº 4: BolívarO nº 5: dos Cortes ReaisO nº 6: de Fernando de MagalhãesO nº 7: de Álvaro Fagundes”7

Com sucintas justificações para cada um dos nomes selecionados para o Bairro América, situado na en-tão designada Freguesia de Monte Pedral8, no que respeita a Rui Barbosa apontava-se o facto de ser jurisconsulto e juiz do tribunal da Haia, consideran-do-o, pelos vistos, como referencia mais adequada para ser um dos vultos históricos para simbolizar o continente americano. E embora a pretensão dos in-teressados antecedesse a sua municipalização, a ar-gumentação de Abílio Raul Frazão fez vencer a pro-

notável com a pujança cafeeira paulista, não obstan-te previsíveis conflitos sociais e a intranquilidade dos quartéis. Mas, o que mais marcará 1908 será a emble-mática Exposição Nacional comemorativa do primei-ro centenário da abertura dos portos do Brasil5. No início de uma mensagem ao governo, a 3 de maio de 1908, Afonso Pena lamentou, sentidamente, os acon-tecimentos ocorridos em Portugal por altura do regi-cídio. Estivera prevista, aliás, a presença de D. Carlos, no seguimento de convite, muito especial, que lhe tinha sido formulado para que visitasse a Exposição onde estava instalado um pavilhão de Portugal. O Brasil de então era, igualmente, o destino de milhares de portugueses, na sua maior parte do Norte do país, obrigados a tomar o duro caminho da emigração.Quanto aos portugueses a quem foi possível ven-

cer na vida será visível a sua capacidade de partici-pação na sociedade brasileira em inúmeras institui-ções, nomeadamente, de beneficência. Mas, entre as muitas agremiações figuravam, também, as de cariz político com destaque para o Grémio Republicano Português, fundado em 1908, que procurava in-centivar o ideal republicano entre a emigração lusa, genericamente apoiante da monarquia. É neste con-texto que, a partir de outubro de 1910, se agudiza-rão as tensões entre simpatizantes republicanos e monárquicos, reforçados, estes últimos, pela presen-ça de alguns exilados. Contudo, as relações entre os governos não serão, de modo algum, afetadas por esse facto mas, pelo contrário, naturalmente reforça-das. Entretanto, verificar-se-á a visita de conhecidos republicanos portugueses ao Brasil, depois do 5 de Outubro, para mostrarem a justeza da regeneração nacional em curso.A consagração toponímica do Presidente Afonso Pena, em 1908, não me parece ter constituído um simples impulso de admiração do vereador e pouco terá a ver com propaganda ou o ideário republica-no em Portugal. A facilidade com que foi aceite pelo coletivo camarário e a realidade luso-brasileira do

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9 Rui Barbosa passou por Lisboa a caminho de Haia. Era o retorno a uma cidade onde, em 1894, no tempo da ditadura florianista, não pôde permanecer muito tempo devido a posições públicas que tomou acerca da prisão de militares brasileiros que tinham

pedido refúgio em embarcações portuguesas.Com passaporte emitido pelo cônsul do Brasil seguiu para Londres onde escreverá Cartas de Inglaterra, Agora, em 1907, passava em Lisboa como Ministro Plenipotenciário tendo sido dignamente recebido.

10 Ver Rejane M. Moreira de A, Guimarães, Presença de Rui Barbosa em Haia. (http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/sobre_rui_barbosa/FCRB_RejaneMagalhaes_PresencaRuiBarbosa_em_Haia.pdf, p. 4.

11 Idem, p.11.

Haia. O Ministro das relações Exteriores, Barão do Rio Branco, tinha-se inclinado para Joaquim Nabuco, embaixador em Washington, mas a pressão pública e o conhecimento aprofundado dos aspetos jurídi-cos que seriam esgrimidos em Haia justificariam a presença de Rui Barbosa. Chegou a ser posta a hipó-tese de irem os dois mas Nabuco teve a grandeza de afirmar: “Por mais que eu deseje dar a Rui essa prova de amizade e confiança, por mais que me custe não estar com ele na Europa...não posso ir a Haia como segundo e ele só poderá ir como primeiro”10.Em todo o caso, Nabuco foi fundamental na prepa-ração da missão como não foi menos importante o apoio de Afonso Pena. Seria deslocado nesta confe-rência, puramente evocativa de duas personalida-des e de dois topónimos de Lisboa, dar conta do que representou a ação do jurista e político brasileiro. A frontalidade das suas intervenções que punham em causa a Realpolitik das potências daquele tem-po mereceu o respeito de quase todos. Em discurso de 5 de setembro de 1907 diria que “o argumento em favor das potências pode tornar-se uma arma de dois gumes, impossibilitando o aperfeiçoamento da arbitragem internacional. Pois, se os grandes não confiam na imparcialidade dos pequenos, os peque-nos de sua parte podem apresentar razões para des-confiar da imparcialidade dos grandes”11.Muitas das deliberações da Segunda Conferência de Paz seriam letra morta confrontadas com a comple-xa situação internacional subsequente e o eclodir da primeira Grande Guerra. O apregoado eco e sucesso das intervenções de Rui, também parecem, atual-mente, sujeitas a alguma revisão. Em todo o caso, ficavam lançados os alicerces para o que viria a cons-tituir as tentativas de resolução pacífica dos conflitos através da ONU (e da Corte Internacional de Justiça, como seu principal órgão judiciário).Rui voltou em triunfo. Durante a cerimónia em que Presidente Afonso Pena, perante o Corpo Diplomático, lhe entregou uma medalha de ouro,

posta, na reunião da Câmara, tanto mais que nos no-vos bairros da Estefânia, de Camões, o Bairro Operário se tinha optado, igualmente, por designações prévias à própria delimitação viária. A escolha de Rui Barbosa para uma das ruas do Bairro América correspondia à ressonância da sua atividade em Haia a que já me referi. O funcionamento daquela instância internacional tinha antecedentes oitocen-tistas. Em 1899, o Czar Nicolau II tomara a iniciativa de convocar para capital dos Países Baixos uma reunião em que se discutisse a possibilidade de serem diri-midas questões relativas à paz através de uma ação diplomática internacional, apoiada em processos de arbitragem. Foi, então, criado o que, a partir daque-la data, se veio a denominar a Corte Permanente de Haia. A segunda Conferência de Paz9 teve lugar de 15 de junho a 18 de outubro de 1907 com a presença de 175 delegados de 44 estados o que contrastava com a primeira tentativa de 1899 em que apenas foi pos-sível congregar 26 estados. Para o Brasil seria a estreia do país ao mais alto ní-vel da cena internacional, depois da instauração do regime republicano. É certo que o Brasil fora convi-dado para a primeira conferência mas não compa-receu. Agora, a situação era diferente tanto mais que já se tinham realizado conferências pan-americanas, tendo uma delas ocorrido no Rio de Janeiro, na pre-sidência de Rodrigues Alves (1902-1906), com o os-tensivo respaldo da doutrina Monroe, da “América para os Americanos”, reassumida por Theodore Roosevelt, trazendo para a política internacional o

início de uma política norte americana de forte pro-tagonismo, particularmente, na sua área mais próxi-ma de influência geopolítica.Rui Barbosa, derrotado nas eleições a que con-correu com Afonso Pena, como já antes referi, era em junho de 1907, Vice-Presidente do Senado da República. A Afonso Pena caberia, em definitivo, corroborar a escolha do representante brasileiro em

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Rui Barbosa, que percorre o Brasil em intensa cam-panha, embora tivesse alcançado mais votos que Hermes em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador não consegue ser eleito. Ainda no decurso da cam-

panha, no Teatro Politeama, na capital baiana, o in-transigente liberal insurgira-se contra as oligarquias, pugnara por uma reforma constitucional e eleitoral

e chamara, acima de tudo, a atenção para a defesa da legalidade. Mas, embora derrotado, não desistiu.

Na campanha de 1919, para a presidência da República de que sairá vencedor Epitácio Pessoa, a posição civilista antimilitarista e anti- oligárquica de

Rui Barbosa não sai desmentida apontando o dedo “aos que inutilizaram os órgãos vitais do governo representativo, as válvulas do seu aparelho respira-

tório e o centro do seu sistema capilar (...) aos que comercializaram a pena dos jornalistas e o voto dos legisladores”15.

Rui Barbosa morre em 1923 tendo recusado, no fim da vida, o lugar de juiz do Tribunal de Haia. Para

além da vida esgotante da política e da defesa das suas ideias ficaria a obra colossal de polígrafo, reuni-da em 50 volumes, a inspiração de uma voz livre que

o forçara ao exílio tendo desembarcado em Lisboa, em 1894, em pouco seguro, e breve, porto de abrigo. Mas já em 1907, pelo contrário, a capital portuguesa será o auspicioso porto de chegada da viagem para a Europa antes de seguir para o seu triunfo em Haia. A iniciativa dos que decidiram consagrar Rui Barbosa como um dos principais vultos das Américas e incluí--lo na toponímia lisboeta fazia, portanto, todo o sen-tido. Quanto a Afonso Pena, apesar de estar hoje apaga-do na memória toponímica lisboeta, foi uma perso-nalidade que protagonizou uma encruzilhada muito importante da vida brasileira como era, também, a de Portugal e teve nome de rua na nossa capital durante toda a I República e ainda durante Estado Novo até 1948.Depois de Afonso Pena, nenhum outro Presidente

o influente político brasileiro Pinheiro Machado teria afirmado que “ O Pena acaba de contrair solenemente com o Rui o compromisso de que será ele o seu su-cessor”12.Não quiseram os fados políticos que assim fosse e Pinheiro Machado seria, aliás, o grande apoiante de Hermes da Fonseca. A Rui Barbosa coube, com a pujança do seu verbo, em junho de 1909, enaltecer Afonso Pena e deixar nas entrelinhas, também, fortes preocupações:“Nos quase noventa anos de nação independente que já contamos, é a primeira vez, entre nós, que a morte colhe no seu posto a um chefe de Estado e de tal modo, o fez, em circunstâncias tais, neste momen-to, que todos o sentimos com angústia de uma ver-dadeira calamidade nacional. Em o período em que

o povo encetava novos costumes políticos, e de cuja salutar provocação nos prometemos uma era nova na vida constitucional, vimos desparecer com esse imprevisto, uma garantia de ordem, paz e liberdade, em que o Brasil ultimamente punha os olhos com toda a confiança”.Rui Barbosa, paladino da luta anti-esclavagista no fim do Império, compelido a exilar-se, em 1893, du-rante a conturbada presidência de Floriano Peixoto, sabia do que falava. Havia, desde 1898, três corren-tes políticas no Brasil: uma liberal, que era a sua, uma outra positivista e a militar. A Constituição de 1891, que muito deve às propostas de Rui Barbosa, daria ensejo ao que Nelson Saldanha considerou ser a expressão de pensamento político oficial conjugan-do a vertente federalista e presidencialista. Todavia, como nos diz António Paim, a “prática do regime era francamente autoritária”13. Foi contra essa corrente, precisamente, que Rui Barbosa lutou em 1910, no momento em que na opinião do grande historia-dor da República José Maria Bello “mais uma vez re-nasciam em torno de um general certas aspirações crónicas de uma ditadura militar, embora revestida de formalidades legais”14.

12 Cit, in Américo Jacobina Lacombe, ob.cit., p.397, nt. 31.13 António Paim, Leonardo Prota, Ricardo Velez Rodriguez, O liberalismo brasileiro, vol. III (O liberalismo na República Velha), Londrina, Edições Humanidades, 2002, p.4.

14 Idem, p.19.15 Idem, p. 31.

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do Brasil, julgo saber, foi inscrito nas ruas de Lisboa. Mais recentemente, houve uma proposta para atri-buir a uma artéria lisbonense, o nome de Juscelino Kubitschek de Oliveira mas que não teve seguimento. Em todo o caso, restará sempre o sonho de JK, trans-formado em realidade, no Planalto Central, simboli-camente assinalado, em Lisboa, através da Avenida de Brasília, inaugurada no ano da fundação da tercei-ra capital do Brasil:1960.

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Planta da Cidade de Lisboa contendo o aterro da Bôa Vista, estações dos caminhos-de-ferro, circunvalação e todos os melhoramentos posteriores a 1843: dividido em bairros e freguesias: publicado em Lisboa em 1864 / por [Frederico] Perry Vidal; des. A. R. Costa.

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1 Beco de D. Máxima (desapareceu com a urbanização do Campo Pequeno)2 Vinha do Beco (idem)3 Existe ainda uma no Algarve e outra nos Açores

Quando tomei conhecimento de que a Jornada de To-ponímia seria incluída nas Comemorações do I Cen-tenário da República, e de que este seria o seu tema central, afastei a ideia de participar pela simples razão de não ser uma estudiosa da República e não dispor de tempo suficiente para iniciar qualquer tipo de in-vestigação em terreno desconhecido. Mas, ao receber o amabilíssimo convite da Sr.ª Vereadora Dra. Catari-na Vaz Pinto, senti-me na obrigação de corresponder, mesmo de uma forma muito modesta. Mais do que sobre os nomes que damos às ruas, nestes últimos anos o meu interesse tem-se voltado predominantemente para, digamos, princípios me-todológicos e, sobretudo, para a origem, evolução e preservação de designações tipológicas a que gos-to de chamar “nomenclatura”. Destas, há muito que destaquei a palavra beco, que considero uma so-brevivente entre as mais antigas designações ainda existentes em Lisboa, embora a sua utilização esteja restringida a arruamentos do casco antigo, ou dos vários cascos antigos da cidade de Lisboa. Aqui co-meçou por significar uma rua estreita, por vezes pe-quena e estreita, e ainda pequena, estreita e sem saída, sendo especificamente designada neste caso como beco sem saída, cujo significado se tem de entender como rua estreita em que se entra e sai pelo mesmo lado. A sua utilização era maioritariamente urbana, mas na ruralidade que rodeava Lisboa a palavra beco aplicava-se, por exemplo, a um arruamento que, partindo de um largo ou de uma azinhaga, desse acesso a uma quinta1 ou a uma parte de uma quin-ta2. A circunstância de se tratar de uma rua estreita, sem saída e situada em zonas pobres e/ou habitada por gente pobre foi corroendo o sentido original da palavra, emprestando-lhe um sentido depreciativo. Podemos perguntar como é que a República lidou com esta palavra e com a realidade que ela repre-senta. Em consciência, creio que a República não se ocupou deste assunto. Em matéria de toponímia, tanto quanto sei, a principal acção da República foi

a habitual em caso de revoluções: a eliminação dos “heróis” indesejados e a sua substituição pelos “he-róis” revolucionários. Este fenómeno não atingiu as designações tipológicas de cariz tradicional. Tudo o que era beco, travessa, regueirão, boqueirão, caracol, etc. permaneceu nos locais onde estava, não sendo repetido, evidentemente, nas áreas da recente ex-pansão urbana. Com efeito, a República continua os grandes projectos de expansão urbana herda-dos dos finais do séc. XIX, em que as designações tipológicas se limitam a avenida, como arruamento principal estruturante, e a rua como arruamento se-cundário, com a função da antiga travessa. Em vez de largos fazem-se praças e posso dizer que é clara a intenção de nobilitação dos novos espaços a partir das designações toponímicas consideradas como expressão de status. Assim, permanecem e sobrevi-vem as designações antigas, nomeadamente o beco, sobre cuja etimologia, significado e natureza se po-derá dizer mais do que é habitual. Por outro lado, verifiquei que no Norte de Portugal existem umas dezenas de povoações que se cha-mam simplesmente Beco3, com a sua rede viária e mancha construída estruturadas e mais ou menos elaboradas. É evidente que não estamos diante de “uma ruazinha estreita”, mas duma realidade muito diferente. Quando tentava pôr alguma ordem nas informações que me iam surgindo – e também nos meus pensa-mentos – dei por mim, mais uma vez, a ler a narração da reconquista de Lisboa pela mão do cruzado an-glo-normando Raul de Glanville. Ao cotejar o texto em baixo latim com a tradução portuguesa de José Augusto Oliveira (2ª edição, 1936), deparei-me vá-rias vezes com a palavra latina VICUS, ora traduzida como “rua estreia”, ora como “bairro”. Há muito tempo que penso que a palavra beco não necessita de ser explicada a partir de etimologias complicadas porque o étimo que lhe dá origem é a palavra latina vicus, que em italiano dá vico, signifi-

Grupo Amigos de Lisboa. Comissão Municipal de Toponímia

O Beco e a ReconquistaSalete Salvado

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4 Em Roma o vicus tem expressão religiosa própria. Nos cruzamentos existe um sacellum dedicado aos lares do vicus, local de reunião dos habitantes para as festas ditas compitalia, dedicados à reconfirmação dos limites do vicus. Além de prestar culto aos seus Lares pessoais, os habitantes faziam-no também aos Lares dos vici.

cando um arruamento, e um outro Vico que é nome de uma cidade, assim como a espanhola Vigo. Os di-cionários mais recentes (Houaiss - 2005) querem ver na origem de beco um diminutivo construído a partir de via, a saber: VIA + ECU (que é um sufixo diminutivo) > VIECO > VEECO > VECO = BECO (considerando, em português, a troca do V por B). Por seu turno, o “Lexicon” de Francisco Pedro Brou (1909) prefere uma etimologia a partir do diminutivo de VICUS – VICULUS, a partir da qual se poderia ter formado um VICOO*/VECOO* > VECO* > BECO* (sen-do minhas as hipotéticas formas derivadas). A grande dificuldade em aceitar a primeira destas eti-mologias é a de que nenhuma das formas intercala-res apresentadas se encontra registada em qualquer

documento. Apesar de pensar que não é necessário ver a origem da palavra beco a partir do diminutivo

viculus, foi para mim muito gratificante ver que um lexicógrafo considerava vicus como a origem. Para se perceber as diferentes traduções que têm sido feitas de vicus, quando mencionada no texto de Raul de Glanville, será primeiro necessário saber a que realidade a palavra se reportava em latim, mes-mo que duma forma sumária.

I – Em contexto urbano

1) Em primeiro lugar vicus designa uma rua urbana, espaçosa (entre 4,5 – 6,5m), que podia desembocar numa via, uma rua muito mais importante, ou num espaço de fruição pública. Embora pudesse desig-nar apenas o arruamento em sentido lato, em sen-tido concreto significava a rua com os edifícios que a ladeavam. Em Roma os vici tinham nomes que os distinguiam e poderiam formar quadrículas regula-res. 2) Designa também uma subdivisão da regio, sen-do esta comparável ao nosso bairro administrativo, constituindo assim uma unidade territorial que se

estende de um lado e do outro do vicus = rua, de que toma o nome. Quando se procedia ao Censo, o habi-tante de Roma, para sua identificação local, indicava o nome do vicus que habitava. Com todas as dife-

renças possíveis, este vicus lembra um embrião da freguesia, sobretudo se tomarmos em conta a sua componente religiosa4.

3) Em terceiro lugar pode ainda designar um edificio de habitação, construído em terreno privado, pluri-

familiar, em que as várias habitações têm entradas individuais. Seria, assim, fisicamente uma realidade diferente da insula, embora esta também se desti-

nasse a um grande número de inquilinos. Esta utili-zação de vicus não nos interessa.

II – Em contexto rural

1) Vicus pode significar um estabelecimento huma-no campesino, uma quinta, diferente da villa que é

uma unidade fundiária de um só proprietário, em que os vários habitantes confluem para um certo lu-gar onde constroem as suas habitações para maior

segurança e defesa. 2) Pode constituir uma aldeia, ou seja, uma povoa-ção com regras de convívio que pressupõem uma certa organização subjacente, mas constituindo um espaço aberto sem defesa constituída. 3) Pode ainda aplicar-se a povoações que coincidem com um local formalizado para troca de produtos, consequentemente necessitando de estar próximos de vias de escoamento das mercadorias. Muito fre-quentemente este tipo de vicus situa-se de um lado e doutro de uma via não urbana. No contexto destes três vici podemos falar dos ca-minhos vicinais e vias secundárias que garantiam o acesso a estas realidades e a comunicação entre elas, desempenhando uma função muito semelhante às não menos famosas azinhagas. Posto isto, vejamos o que Raul de Glanville nos diz

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4 – Urbs, a cidade, era a palavra aplicada à cidade de Roma. Quando ainda hoje referimos a especial bên-ção papal como “urbi et orbi” estamos ainda a referir-nos a essa outra Roma, como centro do Mundo. O termo significa uma cidade física mas também uma cidade ideal, com arquitectura privada e pública, monumental e não-monumental, organizada, com rede viária suficientemente regular, transmitindo a imagem de um alto grau de civilização. A sua com-ponente militar, se bem que não excluída, não sur-ge como a sua principal característica. Quando um homem culto do séc. XII chama urbs a uma cidade, mesmo que só conheça Roma a partir de relatos e fontes literárias, está a estabelecer com ela elemen-tos de comparação mentais, se não mesmo ideais. Nesta cidade que contém em si todas as caracterís-ticas dos conteúdos das quatro palavras que acabei de referir, com excepção das fortificações repetida-mente mencionadas, nada há no tecido construído intra-muros – salvo a rua dos Mercadores, que é em si mesma uma excepção – que impressione ou sur-preenda o narrador. Dos aedificia conglobata nada ressalta que ele refira: nem um templo, nem um pa-lácio, nem um edificio que se destaque do apertado casario circundante O mesmo, porém, não aconte-ce com as construções extra-muros, os arrabaldes, sobretudo a Ocidente, em relação aos quais ocorre com muita frequência a palavra vicus. Retirei da narração em latim os casos em que a pala-vra ocorre e procurei as correspondentes traduções nos três autores que no séc. XX e XXI publicaram as suas leituras acompanhadas de notas, textos com-plementares e estudos de terceiros que muito con-tribuíam para a qualidade científica dos respectivos trabalhos. São esses autores: 1º Dr. José Augusto Oliveira - Conquista de Lisboa aos

Mouros (texto em latim, tradução, relato de Arnulfo e notas do Autor), prefácio do Eng.º A. Vieira da Silva, 2ª edição, 1936 2º Professor Doutor Charles Wendell David - The

do vicus e dos vici no seu relato, tendo em considera-ção a cidade que os cruzados pretendiam conquistar. É evidente o fascínio que a cidade exerce sobre o nar-rador desde o momento em que a avista. Sobre ela irá mencionar factos provenientes de fontes literárias; outras vezes comunica-nos factos que, obviamen-te, lhe são contados por terceiros, como o topóni-mo Campolet (Campolide) e as ruínas de uma igreja dedicada aos mártires de Lisboa; e refere ainda rea-lidades e características por ele observadas. Usa re-petidamente quatro palavras latinas para se referir à cidade: civitas, castrvm, oppidvm e urbs. Há ainda uma palavra usada uma única vez, villa, que os tradutores portugueses traduzem como cidade e Wendell David traduz como town e não como city, estando aplicada a um arrabalde conquistado pelos anglo-normandos comandados inevitavelmente por Sahério de Ar-chelles. As palavras que inequivocamente significam Cidade são as que já referi, mas os seus conteúdos não são justaponíveis, como iremos ver.

1 – Civitas aplica-se a um estabelecimento humano em território de limites definidos, no qual os compo-nentes fixaram regras de convívio, com obrigações e direitos reconhecidos, estabelecidos e aceites pela comunidade. A palavra civitas tem como principal objectivo realçar as qualidades dos habitantes como uma comunidade de homens livres, de cidadãos. 2 – Castrvm significa, em primeiro lugar, um acam-pamento militar, com o seu espaço organizado ba-lizado com defesas formalizadas, significando por extensão uma cidade rodeada por muralhas ou fortificações, independentemente de se situar num lugar alto ou baixo. 3 – Oppidvm é a palavra para designar um estabele-cimento humano, organizado, construído em lugar alto e ostensivamente defendido por muralhas ou outras defesas formalizadas.

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c) Aires do Nascimento

A norte do rio, no topo de um monte redondo, fica a cidade de Lisboa, cujas muralhas descem em socalcos

até à margem do rio Tejo, dele ficando separadas ape-nas por um pano de muralhas que assentam no chão.

Comentário O narrador descreve a situação física da cidade (ci-

vitas) no alto de um monte redondo, na margem do rio e com muralhas que descem até ao rio em linha não contínua, estando separada do rio apenas pela

muralha. Curiosamente, neste passo, não refere nem torres nem portas.

2ª Primeira referência a vicus Cingitur autem muro rotundo cacumen montis, dextra

levaque descendentibus muris urbis per declivum us-que ad Tagi ripam. Dependentibus sub muro suburbiis

vicorum vice in rupibus excisis ut unusquisque vicus pro castro haberetur munitissimo, tot enim difficulta-

tibus cingitur.

Tradução a) J. A. Oliveira O alto do monte é cingido de uma muralha circular, e os muros da cidade descem pela encosta, à direita e à esquerda, até à margem do Tejo. Ao sopé dos muros existem arrabaldes alcandorados nos rochedos a pi-que, e são tantas as dificuldades que os defendem, que se podem ter em conta de castelos bem fortificados. b) Wendell David The hilltop is girdled by a circular wall, and the walls of the city extend downward on the right and left to the bank of the Tagus. And the suburbs which slope down beneath the wall have been so cut out of the rocks that each of the steep defiles which they have in place of ordinary streets may be considered a very well fortified stronghold, with such obstacles is it girt about.

Conquest of Lisbon (texto em latim, tradução e notas), introdução e bibliografia por Jonathan Phillips, Ed. Co-lumbia University Press, 2000 (1ª edição 1936) 3º Professor Doutor Aires do Nascimento - A Conquista de Lisboa aos Mouros (texto em latim, tradução e tex-tos adicionais), Editora Vega 2001 Iremos ver como estes três autores traduzem e inter-pretam a palavra vicus nas obras citadas. O texto em latim que utilizo como base é o de José Augusto Oli-veira, não porque o considere nas suas opções de lei-tura cientificamente mais aconselhável, mas porque muito simplesmente foi o primeiro texto com que contactei a nível profissional há mais de 50 anos. Per-doem-me todos, por favor, esta pequena fraqueza. Deste modo passarei a reproduzir as frases em que aparece a palavra vicus, passando às traduções dos

especialistas mencionados e, conforme os casos, adi-cionando um pequeno comentário. Antes, porém, de o fazer, não resisto à tentação de reproduzir o que o autor escreve sobre o aspecto geral da cidade, em que refere com particular cuidado a morfologia das muralhas.

1ª Descrição da cidade ... A septemtrione fluminis est civitas Lyxibona in cacu-mine montis rotundi; cuius muri gradatim descenden-tes ad ripam fluminis Tagi solum muro interclusi perti-gunt.

Tradução a) J. A. Oliveira Ao norte do rio está a cidade de Lisboa, no alto dum monte arredondado e cujas muralhas descendo a lan-ços, chegam até à margem do Tejo.

b) Wendell David On the north of the Tagus is the city of Lisbon; situa-ted on the top of a round hill; and its walls, descending by degrees, extend right down to the bank of the river, which is only shut out by the wall.

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c) Aires do Nascimento

O cimo do monte é cingido por uma muralha em redon-do e tanto da esquerda como da direita as muralhas da cidade descem em declive até à margem do Tejo. Os arrabaldes ficam albergados sob as muralhas, a modo de bairros recortados nas rochas, de tal forma que cada bairro se toma por castelo bem fortificado, tais são os obstáculos de que está rodeado.

Comentário Das três traduções detaco a de Wendell David, que distingue claramente os vici como bairros suburba-nos ou arrabaldes e os vici que designam ruas mui-to estreitas e íngremes. Aliás a sua nota (op. cit. pg. 94), que reproduzo em tradução, esclarece o seu pensamento: “Uma tradução literal desta frase parece impensável. Vicus, no segundo caso, pode ser aproxi-madamente equivalente à palavra portuguesa cal-çada pois se aplica a uma rua íngreme e estreita, na moderna cidade de Lisboa”. Contrariamente ao que o Wendell David pensava, a palavra calçada tem como principal característica ser uma rua pavimentada ou calcetada, independentemente de outras caracte-rísticas. De qualquer modo, são sempre arruamen-tos íngremes, nos quais a pavimentação garante as boas condições de circulação. Acresce que os vici referidos, além de estreitos e íngremes, tinham um

chão muito estável pois eram cortados na rocha da encosta.

3ª Referência a vicus Edificia vero eius artissime conglobata, ut vix nisi in vi-cis mercatoriis vicus inueniri quiuerit amplioris quam VIII pedum latitudinis.

Tradução a) J. A. Oliveira Os seus edifícios estão aglomerados tão apertada-mente que, a não ser entre as dos comerciantes, difi-

cilmente se achará uma rua com mais de oito pés de largura.

b) Wendell David c) The buildings of the city were so closely packed to-gether that except in the merchants’ quarter, hardly a street could be found which was more than eight feet wide.

d) Aires do Nascimento Os edifícios formam aglomeração tão apertada que dificilmente se conseguirá encontrar ruas com mais de oito pés de largura a não ser nas dos mercadores.

Comentário Este é um caso em que vicus pode ser sempre tradu-zido como rua.

4ª Referência a subúrbiosNostris subinde paulatim arma capientibus, imfra su-burbium se hostes concludunt, prohibentes nostros ab introitu jactu lapidum a tectis domorum quae ad instar muri circumquaque septa erant. Nostri vero undique patulos, si qua forent, querentes aditus, usque ad me-dium suburbii, quo in devexo montis muro cingebatur,

eos perturbant.

Tradução a) J. A. Oliveira

Tomam os nossos pouco a pouco as armas, e os inimi-gos entrincheiram-se na parte inferior dum arrabalde,

impedindo-nos o avanço com as pedras atiradas dos terraços das casas, as quais eram ligadas em volta à

maneira de muralhas. Os nossos, porém, buscando por todos os lados as entradas abertas, onde quer que as

havia, perseguem-nos até meio do arrabalde, onde este se cinge à muralha escarpada do monte.

b) Wendell David Then, as more and more of our forces took up arms, the

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enemy shut themselves within the suburb and hindered our entrance by hurling stones from the roofs of the hou-ses, which were enclosed all around with parapets. But our men, seeking everywhere for open approaches, if any should exist, pushed them back as far as the middle of the suburb where it was enclosed on the hillside by a wall. c) Aires do Nascimento Seguidamente, e a pouco e pouco, os nossos pegam em armas enquanto os inimigos se vão infiltrando nos arra-baldes, travando aos nossos a entrada com pedras ati-radas do telhado das casas que formavam uma cerca à maneira de muralha em toda a extensão. Os nossos, por sua parte, procuravam por todos os lados aberturas acessíveis, se é que as havia por algum sítio, e rechaçam

os inimigos até meio do arrabalde no lugar em que ele se cinge ao declive do monte na muralha.

Comentário Neste caso, para designar arrabalde nunca é usada a palavra vicus, mas sim a palavra suburbium (subúr-bio), o que parece indicar mais a intenção de desig-nar um aglomerado habitacional fora das muralhas, perto de uma porta, e com características defensi-vas, do que ruas ou construções em local íngreme e alcantilado.

5ª Referência a vicus Tum demum in fugam versi sunt; nam a prima unde superius fuga, cum se acrius imfestari non posse, pre vicorum quantitate, vel nostrorum lassitudine, compe-ruissent, leviter raparati fuerant.

Traduçãoa) J. A. Oliveira Com efeito, após a primeira fuga, tinham-se ali refeito um pouco, entendendo que não poderiam ser ataca-dos violentamente, não só por causa da quantidade das ruas, como ainda por causa da nossa fadiga.

b) Wendell David Then the enemy finally turned in flight; for they had ea-

sily recovered from their first discomfiture above men-tioned when they had discovered that we could not

attack them more fiercely on account of the number of the streets or because of our weariness.

c) Aires do Nascimento Só então se puseram finalmente em fuga, pois, a seguir

à primeira vez, referida acima, tinham-se ido refazendo algum tanto, ao darem-se conta de que não poderiam

ser atacados com muita violência devido à multiplici-dade das ruas e ao cansaço dos nossos.

Comentário

O combate desenvolve-se no arrabalde referido em 4, e a palavra vicus designa exclusivamente as ruas numerosíssimas.

6ª Última referência a vicus ... Ipse quoque Saherius cum quibus habere potuit ex

nostro temptorio vel ex suo proprio, nam sociorum pars major jam in conflictum ierat, ut ceteris succur-

sum praestaret armatus urbem ingreditur. Jam vero inter vicorum angustias, procet hostium vel nostrorum majora suppetebant per loca praesidia, varia victoria advincem erat.

Tradução a) J. A. Oliveira O próprio Sahério, com quantos pode reunir, quer do nosso acampamento quer do seu, por quanto a maior parte dos nossos avançava já para o combate, entrou armado na cidade, para levar auxílio aos outros. Já a vitória se inclinava ora para um ao para outro lado, por entre as ruas estreitas, conforme nos diferentes locais era maior o número de combatentes ou nossos ou dos adversários.

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b) Wendell David And Saher himself with all the men he could get from our own tent and from his own (for the greater part of our associates had entered the conflict) took arms and went into the city in order that he might be at hand to succor the others. And now in the narrow defiles of the streets fickle victory leaned by turns to one side and to the other, according to our forces or those of the enemy were at hand whit greater number in one place or ano-ther.

c) Aires do Nascimento O próprio Saério juntamente com quantos pode conse-guir quer no nosso pavilhão quer no seu, entrou tam-bém armado na cidade com o fim de socorrer os outros, pois a maior parte dos nossos companheiros avançara já para o combate. Já, porém, por entre as ruas estrei-tas, a vitória se inclinava ora para um lado ora para o outro, segundo eram maiores os apoios que se faziam em cada sítio aos inimigos e aos nossos.

ComentárioDois tradutores coincidem traduzindo vicus por rua estreita. O Prof. David não usa a palavra “street” mas sim “defile” (desfiladeiro, garganta) acentuando a ideia de estrema estreiteza.

Como acabámos de ver, as traduções não são sem-pre coincidentes, entendendo os tradutores a pala-vra vicus ora como rua, ora como rua muito estreita,

ou como rua muito estreita e íngreme e ainda como um conjunto de habitações tradutível como bairro, embora o conteúdo da palavra portuguesa se não possa aplicar completamente. Enquanto para o pro-fessor Wendell David as características das ruas são tão claras que por vezes lhes chama defiles – que significa garganta, passagem estreita, etc – nenhum tradutor português chamou beco ao vicus. Creio que haverá algumas razões para isto. No séc.

XX, a palavra beco usada literariamente ou como designação tipológica passou a significar quase ex-clusivamente rua sem saída e nada há no texto do narrador que tal sugira. Em segundo lugar, a palavra beco como designação tipológica ganhou um senti-do pejorativo, pelo que os tradutores não a quiseram utilizar, pois no texto também nada há que tal sugira. Dado o duplo significado da palavra vicus, os medie-valistas portugueses, sobretudo nos documentos ta-beliónicos, preferem traduzi-la como bairro, embora nem sempre seja a tradução mais acertada. Talvez ainda se possa admitir que de tal forma se instalou a ideia de que beco, como rua, derivava de um dimi-nutivo, quer de via quer de vicus, que se não admitiu a hipótese de uma passagem directa para o portu-guês. No entanto, Beco como nome de povoação di-ficilmente se poderia explicar se se admitisse derivar de um diminutivo. É muito curioso constatar que o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (Tomo XVIII, pg. 8169) regista a palavra vico, explicando-a como “bairro de uma cidade”, e ainda, entre outras coisas, como “povoação”, “propriedade rural”, “prédio rústico”. Atribui-lhes a etimologia latina de vicus, “bairro de uma cidade, povoação, aldeia”. Assim, retomando o conteúdo do mesmo dicionário, temos:

1º) BECO cuja origem é VIA + ECO, sendo um dimi-nutivo 2º) VICO cuja origem é VICUS Restará acrescentar ainda que vico nunca designa uma realidade portuguesa, embora a obra citada

o não refira, mas aplica-se a realidades romanas e italianas, constituindo uma forma erudita de que o

beco é a forma popular produzida por uma longa uti-lização, em contextos humanos diversos. Para concluir resta-me ainda chamar a atenção para um ponto um tanto esquecido. O português que se falava no séc. XII (e mesmo antes e depois) não se assemelhava foneticamente ao português que fa-

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lamos no Sul, nomeadamente em Lisboa. Podemos dizer, com alguma ligeireza, que se falava um tanto “à moda do Porto”, ou à maneira da Beira Alta e das ter-ras de Entre Douro e Minho. A tendência para fechar as vogais e a habitual introdução de um e mudo a se-guir às vogais explicam facilmente a passagem de i de

vicus em ê, sobretudo se admitirmos que a primeira transformação terá sido a do v em b, que na lingua-gem popular não constituiu necessariamente uma alternância. É minha convicção ter conseguido demonstrar que a palavra latina vicus se transformou na palavra por-tuguesa beco, tendo sido usada para designar uma povoação, como topónimo, ou alguns tipos de arrua-mentos como designação tipológica. Em ambos os casos a sua fixação é antiga e não há tendência para

que seja repetida fora dos locais onde se encontra fixada. Admitamos como uma interessante curiosi-dade que, embora com pequenos acertos, passados que são quase três mil anos continue a significar a mesma coisa.

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Bibliografia Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2005) Instituto António Houaiss de Lexicografia - Portugal Ed. Temas e Debates

Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea (2001) Academia de Ciências de Lisboa Ed. Verbo

Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (1986) José Pedro Machado Editorial Confluência, Lisboa

Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romaines (1887-1919) Ch. Daremberg et Edm. Saglio

The Conquest of Lisbon (2000) Tradução: Charles Wendell David Columbia University Press New York

Conquista de Lisboa aos Mouros (1936) Tradução: Dr. José Augusto de Oliveira Ed. CML A Conquista de Lisboa aos Mouros (2001) Tradução: Aires do Nascimento Ed. Vega

Festivals and Ceremonies of the Roman Republic (1981) H. H. Scullard

Ed. Thames and Hudson

Lexicon Latino-Português (1909) Francisco Pedro Brou Porto, 2ª Edição

Rome Impériale et l’Urbanisme dans l’Antiquité (1971) Leon Homo

Editions Albin Michel, Paris

Vitruvio – Tratado de Arquitectura (2006) Tradução: M. Justino Maciel

Ed. IST Press

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INTRODUÇÃO

A imprensa periódica teve um papel duplamente im-portante na implantação da República em Portugal: por um lado, na doutrinação republicana, na divulga-ção dos programas, propostas e protagonistas repu-blicanos; por outro, funcionando como contrapoder, função plasmada na crítica política, na denúncia da ini-quidade, ou na recusa do status quo. Contribuiu, assim, para a formação duma opinião pública hostil à Monar-quia Constitucional, sobretudo no último quartel do século XIX e início do século XX.

Como escreveu Rui Ramos, a “Imprensa era a demo-cracia, a nova medida de todas as coisas”. Juntamente com as outras publicações periódicas, como as revis-tas, representava o quinto poder do Estado.

Depois do 5 de Outubro de 1910, esta força manteve-se, ou melhor, reforçou-se, devido ao quadro de gran-de instabilidade política e partidária. Resultou daqui uma maior diversidade editorial e política na impren-sa periódica. Não havia partido político, ou corrente doutrinária, ou mesmo literária ou estética, que não tivesse o seu jornal ou revista, o seu órgão de infor-mação.

Em Lisboa, os jornais concentraram-se no Bairro Alto, acentuando uma tendência que vinha de trás. As ra-zões foram várias, como veremos. E transformaram o Bairro Alto numa espécie de capital do jornalis-mo durante toda a I República. Consequentemen-te, este bairro adquiriu um ambiente muito peculiar, que contrastava com o dos outros bairros da cidade. Coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa. Investigador do Centro de Investigação Media e Jor-nalismo, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.Era marcado pelo “afã dos homens da informação, da notícia da noite, da tipografia à espera a altas horas

da noite do acontecimento de última hora”, do que resultava, portanto, uma animada vida noctívaga, de-sordenada, que trouxe novas funcionalidades às an-tigas cocheiras, lojas e tabernas, agora transformadas em casas de comida e bebida, bordéis, ou mesmo em redacções, composições ou impressões dos jornais.

Hoje, cem anos depois, um único jornal resiste ainda no Bairro Alto, o diário desportivo A Bola! Mas, dada importância daquela história, que marcou indelevel-mente as ruas do Bairro Alto, a toponímia consagrou na memória colectiva da cidade de Lisboa, alguns daqueles títulos, como o do centenário Diário de No-tícias, ao mesmo tempo que reescreveu a história do jornalismo lisboeta.

Para partilhar este legado com os mais jovens e, si-multaneamente, cooperando com a missão pedagó-gica das escolas, a Hemeroteca Municipal de Lisboa (HML) tem no terreno, desde 2007, dois projectos: “As Ruas têm nome: Ler a Toponímia”, e “Bairro Alto: Capi-tal do Jornalismo Português”; cujos resultados serão igualmente tratados neste texto apresentado às 6.ªs Jornadas de Toponímia de Lisboa – Lugares de Me-mória da República.

1. OBJECTIVOS

Em primeiro lugar gostaria de agradecer à Dr.ª Cata-rina Vaz Pinto, Vereadora do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, e à Dr.ª Teresa Gil, asses-sora do gabinete da Sr.ª Vereadora da Cultura, o con-vite que me dirigiram para participar nesta iniciativa com uma comunicação; de seguida, felicitar a CML e a sua Comissão Municipal de Toponímia, pela reali-zação destas 6.ªs Jornadas de Toponímia, subordi-nadas ao tema “Lugares de Memória da República”, integrando-as assim nas comemorações municipais, e nacionais, do centenário da implantação da Repú-blica em Portugal.

Coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa. Investigador do Centro de Investigação Media e Jornalismo, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.Álvaro Costa de Matos

Ler a toponímia... no Bairro Alto, capital do jornalismo na I República

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1 V. Gráfico 1.2 V. deste autor Movement de la presse périodique en Portugal de 1894 à 1899, Lisboa, Imprensa Nacional, 1900, p. 23.

3 Sobre a evolução histórica da imprensa periódica na Inglaterra e em França V. DONAIRE, Francisca Garrido, “O jornalismo na Grã-Bretanha e na Irlanda”, in História da Imprensa (coord. de QUINTERO, Alejandro Pizarroso), Lisboa, Planeta Editora, s.d., pp. 208-273; REBOLLO, María Antonia Paz, “O jornalismo em França”, in Ibidem, pp. 153-207; WHEELER, Mark, Politics and the mass media, Oxford, Balckwell, 1997; CAZENAVE, Élisabeth, Presse, radio et télévision en France: de 1631 à nos jours, Paris, Hachette, 1994; DELPORTE, Christian, Histoire du journalisme et des journalistes en France: du XVIIe siècle à nos jours, Paris, Presses Universitaires, 1995.

década de 60. Esta vitalidade continuaria nos anos seguintes: em 1900 o número subira para 543 e em 1930 chegaria aos 6621.

No início do século XX, e segundo cálculos do jor-nalista Brito Aranha, Portugal tinha mais títulos por habitante (1 para 6500) do que a França e a Inglater-

ra (1 para 23000), para não falar da Turquia e da Rús-sia (onde a proporção era de 1 para 300000 e para

350000, respectivamente)2. Isto não representava mais venda de jornais, mas apenas uma diferente estrutura de mercado jornalístico. Na Inglaterra e

em França, países dos mais centralizados da Europa em termos culturais, os jornais de Paris e de Londres circulavam por todo o território, havendo poucos

títulos, mas com tiragens gigantescas. Na maior par-te dos outros países havia muitos jornais, e por isso com tiragens mais pequenas - era o que se passava

em Portugal3.

Esta explosão da imprensa periódica remete natu-ralmente para a seguinte questão: que factores ou causas explicam este crescimento extraordinário

do número de jornais em Portugal na transição do século XIX para o século XX? Não há uma causa ou factor, como iremos ver, mas uma multiplicidade de razões que, combinadas, criaram um clima cultural muito favorável ao desenvolvimento e expansão da imprensa periódica portuguesa. A saber:

1.ª A expansão dos jornais durante a Regeneração, quer nos grandes centros urbanos, quer na província (ainda que aqui com diferenças significativas, como iremos ver), está indissoluvelmente ligada à eleva-ção do nível de cultura das populações, resultante dos progressos verificados na luta contra o analfabe-tismo. Alarga-se, assim, a massa de leitores por todo o país. O hábito de ler jornais espalha-se e radica-se no público.

Um agradecimento também à Dr.ª Ana Homem de Melo, investigadora do Gabinete de Estudos Olisipo-nenses, à Dr.ª Elisabete Rocha, colaboradora do Servi-ço de Actividades Culturais e Educativas da HML, pe-las informações e dados estatísticas que me faculta-ram, e ao Dr. João Carlos Oliveira, pelas digitalizações que me disponibilizou.

Quanto aos objectivos desta comunicação procura-rei, por um lado, tratar da relevância da evolução dos jornais e do jornalismo na estruturação do Republi-canismo na cidade de Lisboa, e, consequentemente, na implantação da República em Portugal; por outro, analisar o reconhecimento da importância histórica da imprensa na toponímia da cidade, concretamen-te no Bairro Alto; e, por último, apresentar o traba-

lho que está a ser desenvolvido pela HML na partilha da memória jornalística lisboeta com os munícipes, escolas do município, colectividades, associações lo-cais e juntas de freguesia, criando, para o efeito, ins-trumentos de descodificação e leitura da toponímia na cidade de Lisboa.

2. A EXPLOSÃO DO PERIODISMO NACIONAL

Na segunda metade do século XIX assiste-se à explo-são do periodismo em Portugal. Com efeito, durante este período a criação de jornais e revistas conhece uma expansão notável, contrastando fortemente com o que se passara nos primeiros cinquenta anos do século. O salto começa logo a dar-se na década de 60, que quase duplicara o número de jornais em relação à década de 50, acentua-se nas décadas seguintes, nomeadamente nos anos oitenta, para atingir o pico na década de 90, a época de oiro da imprensa periódica portuguesa oitocentista com a criação de 416 periódicos. Só nos primeiros seis meses de 1891, o Boletim Comercial do Porto contou 86 novos jornais, isto é, quase tantos títulos como os publicados na década de 70 e mais do que na

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4 Para um inventário mais completo da imprensa político-partidária do início da Regeneração, da sua distribuição geográfica, cronológica e partidária, V. SARDICA, José Miguel, “A vida partidária portuguesa nos primeiros

anos da Regeneração”, in Análise Social, Lisboa, Vol. XXXII (143-144), 1997, pp. 767-774.5 Uma análise mais detalhada do conceito de opinião pública e dos limites que devem assacar-se a este conceito nos meados

do século XIX encontramo-la no interessantíssimo estudo de MACEDO, Jorge Borges de, “A opinião pública na História e a História na opinião pública”, in Estratégia. Revista de Estudos Internacionais, Lisboa, N.º 1, 1986, pp. 47-59.

6 In VASCONCELOS, António Augusto Teixeira de, O Sampaio da Revolução de Setembro, Paris, Tipografia Guiraudet, 1859, p. 26.7 Cf. TENGARRINHA, José, “Imprensa”, in Dicionário de História de Portugal (dir. de Joel Serrão), Porto, Livraria Figueirinhas, 1984, Vol. III, pp. 266-272,

4.ª O aumento da procura estimulou em contra-partida a importação de tecnologia, facilitando igualmente a fundação de periódicos. Os jornais equipam-se com as melhores máquinas para satisfa-zer uma procura que não pára de crescer. Aparecem as máquinas rotativas de grande tiragem: primeiro as Marinoni, seguindo-se-lhes as potentes Augsburg, de duas bobinas. A composição mecaniza-se, com a introdução da máquina Linotype. Cada uma destas máquinas executava o trabalho de cinco composi-tores manuais. Consequentemente, as tiragens dis-param: em 1900, as máquinas do diário Novidades, de Lisboa, permitiam que se imprimisse um exem-plar cada três segundos; a partir de 1903 o Diário de Notícias passou a ser impresso na grande máqui-na rotativa Augsburg, com uma tiragem de 24.000 exemplares por hora (4 ou 6 páginas). Consequente-mente, os preços baixam: o preço dos grandes jor-nais desce de 20 a 30 réis para 10 réis. A imprensa entra, assim, na sua fase industrial, acompanhan-do o crescimento geral da nossa indústria, que se acelera no último quartel do século XIX7.

5.ª Mas não é só a organização da imprensa que muda, começa a mudar também, ainda que len-tamente, o seu estilo. Durante a segunda metade do século XIX, e nomeadamente a partir de 1865, ve-mos desenvolver-se entre nós a imprensa popu-lar, sem filiação partidária, por oposição à impren-sa de opinião. Baixados os preços, importava agora dirigir o jornal a uma mais vasta camada de leitores, não como um jornal de opinião mas meramente no-ticioso. Abandona-se a discussão, a polémica, o com-bate, e privilegia-se o entretenimento, a notícia, a informação - principal preocupação e objectivo do novo jornalismo. Um dos exemplos mais flagrantes deste novo jornalismo popular é o Diário de Notícias: fundado em 1 de Janeiro de 1865 por Eduardo Coe-lho, tinha como objectivo central “interessar a todas as classes, ser acessível a todas as bolsas (custava

2.ª Mas aquela expansão está também relacionada com o alargamento da politização da opinião pú-blica. Este fenómeno, por sua vez, resulta do novo entendimento que os diferentes partidos políticos actuantes têm do papel da imprensa. Esta transfor-ma-se no mais importante instrumento de acção e no principal veículo de afirmação dos partidos políticos. Consequentemente, a maior parte dos jornais que foram fundados ao longo das primeiras décadas da Regeneração foram-no explicitamente como órgãos de determinadas parcialidades políti-cas ou a elas vieram a aderir de maneira oficial. A mí-tica A Revolução de Setembro, por exemplo, defendia os interesses da família progressista regeneradora, a maior potência jornalística com 19 periódicos entre 1851 e 1861; O Portuguez, outro jornal igualmente importante no panorama da imprensa político-parti-dária portuguesa deste período, era o periódico ofi-cial do Partido Histórico; A Lei, o famoso Rei e Ordem e o Imprensa e Lei representavam os pontos de vista do cartismo conservador; A Nação, o segundo mais duradouro jornal oitocentista, depois de A Revolução de Setembro, apoiava claramente o Partido Legiti-mista4. Eram os jornais, portanto, quem marcava a agenda política e pressionava ou defendia os governos. Eram eles os grandes formadores da opinião pública5. E era neles que se formavam os futuros quadros políticos do país, criando “a nova e importante classe dos jornalistas, na qual entraram, ou nela se formaram, poetas, historiadores, críticos, filósofos e homens de grande valia nas ciências e nas letras e dela saíram para as cadeiras das câmaras ou dos ministérios e para os mais altos lugares do Estado”.6

3.ª A melhoria das vias de comunicação e das re-lações postais é outro factor a ter em conta na ex-pansão dos jornais durante a Regeneração. Os jor-nais são distribuídos com mais facilidade e rapidez, dos centros (Lisboa e Porto) para as periferias.

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8 Sobre este jornal, diz-nos RAMOS, Rui: “O Século, o segundo maior jornal de Lisboa, órgão republicano desde 1881 até cerca de 1895,

lançou então as edições dominicais de oito páginas, com gravuras. Quebrando tradições, O Século adoptou para a sua primeira página

o aspecto que tinham os cartazes de publicidade e as proclamações, destacando a principal ocorrência com um título em letras

garrafais”. E mais adiante acrescenta: ”Na década de 1880, O Século prosperou, tornando-se o campeão do sentimento anti-inglês. Em

11 de Janeiro de 1890, numa atitude característica, electrizava os seus leitores sugerindo-lhes que Lisboa estava na iminência de ser

bombardeada pela esquadra inglesa. O Século, mais do que da propaganda da República, prosperou no ataque à Inglaterra e no tom

sensacionalista e irreverente. Isso era tão evidente, que, em 1895, Silva Graça pôde neutralizá-lo politicamente sem lhe afectar a clientela”.

In A Segunda Fundação, 1890-1926, 6.º vol. da História de Portugal (dir. de MATTOSO, José), Lisboa, Editorial Estampa, 1994, p. 50-51.9 A este propósito, diz-nos TENGARRINHA, José: “Prefere-se cada vez mais a informação objectiva à discussão e à opinião, as notícias

sensacionais aos editoriais reflectidos. Na necessidade de encontrar um público mais largo, o jornal procura manter uma atitude

imparcialmente objectiva, dirigindo-se assim a todos, e não a um grupo de leitores ideologicamente afins, necessariamente muito mais

restrito. Nesse período, portanto, os jornais não ficam apenas reservados à classe relativamente pouco numerosa de eleitores censitários,

mas pretendem dirigir-se a todos os que sabem ler, cujo número vai crescendo gradualmente. Embora sem esquecer a camada mais

te de propaganda, mas também fortemente sen-sacionalista. O êxito da imprensa republicana deve-se menos ao republicanismo do que ao facto de te-rem sido alguns dos seus títulos mais radicais a fun-

dar em Portugal a imprensa sensacionalista12. Que o sucesso desta imprensa pouco tinha a ver com a sedução do ideário republicano prova-o o facto

de que os jornais republicanos mais austeramente doutrinários e menos sensacionalistas tinham muito

pouca leitura e viviam com dificuldades. É o caso de jornais como A Justiça, redigido por José Falcão, Au-gusto Rocha e Alexandre da Conceição (publicou-se

em Coimbra, em 1878), A Tribuna do Povo (Lisboa, 1879), O Suplemento (Lisboa, 1879), A Vanguarda, fo-lha federalista inspirada por Teófilo Braga e dirigida

por Carrilho Videira (Lisboa, 1880), A Folha Nova, diri-gida pelo jornalista Emídio de Oliveira, (Porto, 1881), a Marselhesa, de João Chagas (Lisboa, 1896), A Luta,

dirigido por Brito Camacho (Lisboa, 1906), entre muitos outros. Pelo contrário, os jornais republica-

nos mais sensacionalistas, como O Mundo de França Borges (fundado em Lisboa, em 1900), ou o Povo de

Aveiro de Francisco Homem Cristo, ou a Justiça Por-tuguesa de Henrique Santos Cardoso, um dos che-fes da revolta de 31 de Janeiro de 1891, jornais que não hesitavam em publicar todo o tipo de calúnias, insinuações e escândalos, eram lidos por milhares de pessoas13. Alguns destes jornais, como a Justiça Portuguesa, que tinha sido publicado no Porto, fun-cionavam como autênticas armas de chantagem social, ameaçando revelar segredos, lançar boatos e arruinar reputações. Para este tipo de imprensa, só o que pudesse ser dramatizado e serializado interessava. A política era escândalos; as relações internacionais, guerras e ameaças; a vida nacional, desastres e crimes sangrentos; a economia, desfal-ques e fraudes; a vida social, casamentos e funerais. Os seus principais destinatários eram as camadas mais baixas da população, embora com predomínio da média e pequena burguesia.

apenas 10 réis) e compreensível a todas as inteligên-cias”, como anunciava o seu número-programa de 19 de Dezembro de 1864. A partir de 1895, quando Silva Graça transforma O Século numa empresa “respeitá-vel”, este jornal suaviza a sua tendência republicana e envereda igualmente pelo jornalismo popular8. O jornal é assim dirigido a um novo público, consti-tuído essencialmente pela pequena e média burgue-sia, que manifesta uma preferência pela informação objectiva, mais rigorosa, e mesmo pelo pendor sen-sacionalista que a informação começa a tomar, em vez do tradicional artigo de fundo9. A actualidade ganha uma importância crescente, assim como a informação completa. E a tecnologia favorece isto, nomeadamente com o aparecimento do telégrafo e da sua utilização pela imprensa. Contudo, e ape-

sar dos avanços deste tipo de jornalismo no último quartel do século XIX, a maior parte dos jornais ainda se encontrava alinhada partidariamente. Com excepção do Diário de Notícias e d’O Século, “todo o resto da imprensa servia uma política. Tal servidão não queria significar apenas parcialidade. Significava também que o jornal vivia da política, de um grande editorial e de extractos do Parlamento e da legislação”10. Coexistindo com os jornais exclusi-va e preponderantemente noticiosos, ainda em mi-noria, tínhamos os jornais de opinião (isto é, os jor-nais tradicionalistas, conservadores, monárquicos, progressistas, republicanos, socialistas, anarquistas, etc.) ou simultaneamente de informação e opinião e publicações de todas as espécies, que em geral viviam pouco por falta de público. Por outro lado, estas transformações de estilo na imprensa não eram um fenómeno exclusivamente português. Pelo contrário, Portugal acompanhava uma tendên-cia que se manifestava na imprensa da Europa, sen-sivelmente desde 188011.

6.ª É também durante esta altura que se assiste ao crescimento da imprensa republicana, claramen-

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instruída, que fornece ainda o grosso dos assinantes, dirigem-se também ao novo público, menos abastado e instruído, com gostos menos exigentes e requintados”. In História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2.ª ed. revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, p. 219.

10 RAMOS, Rui, Op. Cit., p. 50.11 Para uma análise mais detalhada destas transformações na imprensa mundial V., entre outros, QUINTERO,

Alejandro Pizarroso (coord), História da Imprensa, Lisboa, Planeta Editora, 1996.12 Esta é a posição de Rui Ramos, que partilhamos. Ibidem, p. 50-51.

13 O Mundo, “o jornal republicano de maior projecção e mais larga influência no período de propaganda”, teria nos primeiros anos de existência, segundo notas de João Chagas, apenas 3000 leitores, para em 1906 já ser lido por 40000 a 50000. V.

TENGARRINHA, José, Op. Cit., p. 237, 239, nota 1. O Povo de Aveiro, com os seus excitantes ingredientes, atingiria uma divulgação extraordinária. Só a Tabacaria Mónaco, no Rossio de Lisboa, vendia 3000 exemplares. O jornal vendia-se em 74 localidades e em Lisboa em 26 quiosques e tabacarias. A Justíça Portuguesa teve igual sucesso. V. RAMOS, Rui, Op. Cit., p. 51.

14 In Op. cit., p. 241.

tes Que Trabalham em Cabedal, também em Lisboa; em 1856 foi a vez dos professores, com o seu Jornal da Associação dos Professores, igualmente publicado em Lisboa; dois anos mais tarde, aparece a Associa-ção Fraternal dos Fabricantes de Tecidos e Artes Corre-lativas, jornal defensor dos interesses dos tecelões, também publicado na capital. Outro jornal que teve considerável sucesso e influência, como suporte da acção de natureza mutualista, foi o Jornal do Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, associação que representava o papel de central das organizações congéneres. Em 1868 surge no Porto o jornal Emancipação da Mulher, um dos primei-ros jornais, senão o primeiro, que saiu em defe-sa dos direitos da mulher. No início dos anos 70 a imprensa operária ganha uma nova feição, abando-nando a sua fase mutualista. Segundo José Tengarri-nha, passa a estar orientada “por duas preocupações fundamentais: a doutrinação em torno da libertação operária e o apoio às lutas operárias, quer defen-dendo a sua justeza quer lançando campanhas de ajuda material e moral aos grevistas”. Com efeito, “só agora os operários se apercebem da importância fundamental dos jornais como instrumentos da sua organização e da sua luta”14. É neste contexto, por-tanto, que vão aparecer uma série de novos jornais que vão ter uma influência mais directa, mais longa e mais ampla sobre as lutas operárias que vão atra-vessar o último quartel do século XIX: destacamos, pela importância que tiveram, O Pensamento Social, publicado em Lisboa em 1872, jornal que teve como redactores José Fontana, Antero de Quental, Oliveira Martins, Teófilo Braga, entre outros; O Protesto, igual-mente publicado em Lisboa, três anos depois, jornal que se tornaria órgão do Partido Socialista; A Voz

do Operário, também publicado em Lisboa no ano de 1879, e talvez o mais importante de todos. Este jornal era o órgão da associação de tabaqueiros de Lisboa e teve tiragens que atingiram as 50.000 uni-dades, o que nos mostra a sua larga audiência. Com

Esta imprensa sensacionalista não deixou de contri-buir para a formação de uma opinião pública repu-blicana, hostil à monarquia. Mas tratava-se, pelas ra-zões acima apontadas, de uma opinião pública pouco doutrinada, muito instável. A relação que mantinha com o jornal era uma relação frágil, movediça. O que lhe interessa é o escândalo, a calúnia, o mexerico, o rumor, a insinuação, o boato, numa palavra, o entre-tenimento. E o jornal, que não queria perder leito-res, dava-lhe tudo isso. A imprensa transforma-se numa indústria. O jornal passa a ser, portanto, uma mercadoria. Perde quase por completo o seu valor formativo.

Mas todos estes jornais republicanos, fossem eles mais doutrinários ou mais sensacionalistas, acaba-ram por ter um papel duplamente importante na implantação da República em Portugal: por um lado, na doutrinação do republicanismo, na veicu-lação e disseminação dos programas, propostas e protagonistas republicanos; por outro, funcionando como contrapoder, função plasmada na crítica políti-ca, não raras vezes bastante contundente, na denún-cia da iniquidade, e na recusa do status quo. E, desta forma, lentamente, foram minando os alicerces do velho Portugal monárquico.

7.ª Com o aparecimento das primeiras estruturas industriais e com o desenvolvimento do associati-vismo operário surgem os primeiros jornais ope-rários. É o caso, por exemplo, do Eco dos Operários, publicado nos meados do século e com uma orien-tação claramente doutrinária. Coexistindo com es-tes jornais de conteúdo mais teórico tínhamos os órgãos jornalísticos de alguns sectores profissio-nais: em 1850, os metalúrgicos publicam em Lisboa o Eco Metalúrgico; três anos depois, foi a vez dos ti-pógrafos, com A Tribuna, igualmente publicado em Lisboa; no mesmo ano os sapateiros dão à estampa o Jornal da Associação Fraternal dos Sapateiros e Ar-

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15 A primeira “Lei das Rolhas” tinha sido promulgada por D. Maria a 3 de Agosto de 1850 e constituiu um dos mais violentos ataques à imprensa periódica durante a Monarquia Constitucional.

16 Estas violentas palavras haviam sido publicadas no jornal O Popular de Outubro desse ano. Cit. por TENGARRINHA, José, Op. Cit., p. 256, nota 1.17 Para um estudo mais detalhado de toda esta legislação V., por ordem cronológica, COUTINHO, António Borges, “Breve comparação dos regimes jurídicos da imprensa em Portugal - últimos tempos da Monarquia, República, Estado Novo”, in Teses e Documentos, II Congresso Republicano de Aveiro, Vol. II, Seara Nova, 1969; TENGARRINHA, José, Op. Cit., IV. A Fase Industrial da Imprensa, Cap. 14. A repressão sobre a Imprensa no final da Monarquia, pp. 245-259; FRANCO, Graça, A Censura à Imprensa (1820-1974), s. l., Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993; SARDICA, José Miguel, “Poderes políticos e liberdade de expressão no século XIX: censuras à imprensa durante a Monarquia”, in História, III Série, Ano XXII, N.º 23 (Março 2000), pp. 28-37.

nietar vilmente a liberdade de pensamento”16. Esta lei fixava uma mais severa classificação dos delitos e das penas, o alargamento da censura preventiva e das facilidades de apreensão, suspensão e proibição

de jornais, e uma tramitação de julgamento mais sumária, preparada pelos chamados “gabinetes ne-gros”, na prática comissões de censura governamen-

tais, compostas por agentes do Ministério Público. O ramalhete ficaria completo com o Decreto de 20 de Junho de 1907, que proibia a circulação ou publici-

dade a escritos “atentatórios da ordem ou segurança pública”, estabelecia a autorização prévia para todos os periódicos, e entregava a imprensa ao arbítrio

dos governadores civis17.

Perante este rol de leis e decretos, não podemos deixar de colocar a seguinte questão: porquê esta súbita actividade legislativa contra a imprensa? A Monarquia enfrentava agora, na transição para

o século XX, graves problemas: a desagregação económica, política, social, ideológica até, do siste-ma político; um forte descontentamento social; a

crescente oposição do republicanismo, que fez da imprensa uma das melhores armas de combate ao sistema vigente; o afastamento de muitos monár-quicos. O novo jornalismo, popular, sensacionalista, noticioso, era claramente dominado pelos republi-canos ou pelos monárquicos críticos do status quo político. Da parte do poder, optou-se então por uma estratégia de defesa, que implicava silen-ciar as vozes da oposição. Um dos domínios mais atingidos foi, naturalmente, a imprensa. Apesar dos inúmeros protestos ao novo quadro legal, prota-gonizados por figuras destacadas da época, muitos foram os jornais apreendidos ou suspensos, muitos foram os jornalistas presos ou desterrados, muitos foram os jornalistas obrigados a fugir do país. A im-prensa de feição republicana foi a mais visada. A res-tante não escapou igualmente da fúria da lei: vários foram os jornais monárquicos que foram suspensos,

uma expressão muito menor tínhamos a imprensa anarquista. Os jornais anarquistas, em geral, tinham uma expansão restrita (urbana) e não duravam mui-to tempo. A explicação talvez se encontre na imatu-ridade ideológica que quase sempre mostraram e nas perseguições de que foram alvo, nomeadamente com a lei de 13 de Fevereiro de 1896, chamada “dos anarquistas”. Como títulos mais importantes temos O Revoltado (Lisboa, 1887), a Revolução Social (Porto, 1887), A Revolta (Lisboa, 1889) e A Obra (Lisboa, 1895).

8.ª A ausência de censura facilitava igualmente a expansão dos jornais. Só nos finais de Oitocentos se verifica um maior controlo da imprensa, criando-se então um quadro legal mais complicado para os jor-nais, nomeadamente para os hostis ao sistema políti-co vigente. Em 1890, surge o Decreto de 29 de Março, referendado por Lopo Vaz. Este decreto, apelidado pela oposição de “2.ª Lei das Rolhas”15, suprimia o júri, entregando os delitos de imprensa à alçada da polícia correccional, alargava a responsabilidade por abusos, solidarizando autor e editor, e admitia a sus-pensão da venda, ou mesmo a supressão definitiva do jornal. A 13 de Fevereiro de 1896, era publicada outra lei geral, chamada pelos contemporâneos de lei “dos anarquistas” por incidir com inusitada vio-lência contra as suas publicações e doutrinas. Mas esta lei podia atingir qualquer indivíduo, se este “por escrito de qualquer modo publicado”, incitas-se a “actos subversivos”, como se lia no seu artigo 1.º. O castigo era a deportação. Dois anos depois, em 1898, era publicada a Lei, mais liberal, de 7 de Julho, diploma que, segundo José Tengarrinha, não impediu que se continuassem a cometer as maio-res arbitrariedades contra a imprensa e a praticar-se mesmo a censura prévia, apesar de expressamente proibida no artigo 2.º. O culminar deste processo chegou pela mão de João Franco, através da Lei de 11 de Abril de 1907, considerada pelo monárquico Júlio de Vilhena, como um “ignóbil ferrolho para ma-

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18 Op. cit., p. 52.19 Ver Gráfico 2.

nestas cidades, no continente, havia jornais diários e jornais com tiragens superiores a 3000 exempla-res. Havia mesmo, repartido entre elas, nove jornais que extraíam mais de 10000 exemplares cada um. Dispunham também da imprensa mais variada (em Lisboa, apenas 28% das publicações eram políticas, seguindo-se-lhes os órgãos das associações de clas-se, a imprensa literária e a imprensa agrícola e cientí-fica). Os seus jornais circulavam por todo o país: em 1910, O Mundo de Afonso Costa, distribuía 50000 exemplares por dia, dos quais metade era espalha-do por agentes no país, 30% eram vendidos avulso em Lisboa e 15% satisfaziam assinaturas.

Na periferia, Braga, Coimbra, Ponta Delgada, Vi-seu, Aveiro e Viana do Castelo aparecem como distritos com mais jornais publicados, com uma percentagem de 28%. Os distritos menos dotados eram os de Castelo Branco, com 8 publicações, Beja e Funchal, com 7 cada um, e Bragança, com apenas 6 - constituíam 5% dos periódicos que circulavam nes-ta altura19. Na periferia domina claramente o jornal semanal (64% do total dos jornais), que tirava entre 200 e 800 exemplares (67%) e tinha índole “política” (48%). Semanalmente, este género de imprensa de-via pôr à venda cerca de 150000 exemplares no seu conjunto, muito menos do que a imprensa diária de Lisboa e do Porto. O cruzamento do número de exemplares com o número de habitantes de alguns distritos, permite-nos obter os seguintes dados: Bra-ga, que publicava aproximadamente 23000 exem-plares por semana, tinha 1 exemplar para 17 habi-tantes; Beja, com 13000 exemplares semanais, tinha 1 para 148 habitantes. Por outro lado, a população masculina capaz de ler era muito maior em Braga e no noroeste em geral do que em Beja e Alentejo e Algarve em geral: as taxas de alfabetização da po-pulação masculina com mais de 7 anos eram em Braga de 43% e em Beja de 23%. Mas não era só o analfabetismo que limitava a imprensa. Havia outras

o mesmo se passando com a imprensa operária, hu-morística, de província e mesmo alguma imprensa de grande informação.

No entanto, este cenário não impediu, como vimos, que a imprensa conhecesse uma notável expansão no final da Monarquia. Num período de intensa actividade legislativa contra a liberdade de im-prensa, assistimos a um ritmo impressionante de criação publicações periódicas. Como explicar este paradoxo? Como explicar a proliferação de jornais num ambiente de repressão da imprensa? A resposta talvez se encontre na facilidade com que se criavam jornais. Muitos foram os jornais que desapareceram por motivos políticos ou por falta de público. Mas rapidamente apareciam outros jornais, feitos pelas mesmas pessoas, com títulos diferentes (embora muitos deles continuassem os títulos extin-tos) e a mesma linha editorial. A perseguição de que eram alvo testemunhava o seu poder. Como susten-ta Rui Ramos, “nunca se compreenderá o que foi a imprensa desde meados do século XIX se se julgar que os jornais eram apenas algo que se acrescentara ao mundo tal como existia antes deles. A imprensa era o principal mecanismo de um universo em que os negócios públicos tinham saído do segredo das cortes para a praça pública por onde passava o povo soberano. A imprensa era a “democracia”, a nova medida de todas as coisas”18. A imprensa era o “quinto poder” do Estado. Apesar da censura, a imprensa afirmou-se como “a maior força social” da época.

3. LISBOA, CAPITAL DO JORNALISMO NA I REPÚBLICA

Lisboa era a cidade onde era publicada a maior parte dos jornais e revistas. Entre 1894 e 1900, Lisboa con-centrava 32% de todas as publicações periódicas editadas em Portugal. Juntamente com o Porto, o número disparava para os 47%, e praticamente só

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20 Ver Decreto de 26 de Novembro de 1885.21 História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2.º ed. Revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, p. 224.

22 Nesta incursão pela história da imprensa periódica portuguesa, é da maior utilidade o Guia de História da 1.ª República, de OLIVEIRA MARQUES, A. H. de, Lisboa, Editorial Estampa, 1981.23 Idem, Ibidem, p. 24.

homens de negócios acabariam por reconhecer as vantagens de confiar aos jornais a publicidade dos seus produtos. Como nos diz José Tengarrinha, “o aumento da publicidade na Imprensa está, assim,

directamente relacionado com a intensificação das actividades comercial e industrial no século XIX e, de uma maneira geral, com o maior dinamismo da vida

moderna”21.

3.1. A IMPRENSA EM 1910

Antes de aprofundarmos a evolução da imprensa em Lisboa, desde o 5 de Outubro de 1910 até ao 28 de Maio de 1926, olhemos para a sua situação à data da proclamação da República22: existiam, no Portu-

gal continental e insular, 35 jornais diários. Destes, 18 publicavam-se em Lisboa, 8 no Porto e os restan-tes nas províncias e nas ilhas.

Com os seus 435000 habitantes, “a capital estava servida por um grande número de folhas diárias, de carácter noticioso ou político. O jornal que preten-dia ser mais imparcial e objectivo nas suas informa-

ções era o Diário de Notícias, que remontava a 20 de Dezembro de 1864 (…). Dirigiram-no, durante a 1.ª República, Brito Aranha, Alfredo da Cunha, Augus-to de Castro e Eduardo Schwalbach. Perto dele, em preocupação de objectividade, achava-se o Jornal do Comércio, cuja antiguidade era ainda maior, visto datar o seu primeiro número de 17 de Outubro de 1853”23. Incluía sobretudo notícias de carácter eco-nómico e financeiro, e estava muito ligado aos inte-resses da média e grande burguesias.

Os jornais monárquicos contavam, em Lisboa, 10 diários: o Correio da Noite, órgão do Partido Progres-sista, fundado em Abril de 1881; O Liberal, igualmen-te progressista, fundado em 1896; o Novidades, ór-gão do Partido Regenerador, criado em Janeiro de 1885; o Diário Popular, também regenerador, funda-

razões, como a ausência, entre os alfabetizados, de in-teresse pela leitura de jornais ou a inexistência de uma tradição de publicar. Aparentemente, Braga mostrava o contrário.

Toda esta imprensa, a que se publicava fora de Lisboa, era considerada de “província”, mesmo um jornal como o Comércio do Porto. A publicidade mostra isto, recebendo Lisboa a maior parte dos anúncios introduzidos nos jornais. A publicida-de mostra ainda outra coisa, que os jornais eram cada vez mais uma referência quotidiana, como se pode deduzir do aumento do número de anún-cios nos jornais que se verifica durante a segunda metade do século XIX. Isto é particularmente notó-rio nos grandes títulos, nomeadamente no Diário de

Notícias: 14402 anúncios no ano de 1865, 178078 em 1885 e 182428 em 1889. Estes anúncios cobriam uma parte ou a totalidade dos custos de produção de um jornal. Eram, portanto, a principal fonte de receita da imprensa. Como dizia Émile de Girardin, direc-tor do jornal francês Presse, “aos anúncios compete pagar o jornal”. No entanto, em Portugal, a publica-ção de anúncios na imprensa não fora um processo fácil e rápido. Foi necessário lutar contra o elevado imposto sobre os anúncios (cada anúncio inserto em qualquer publicação era sujeito ao selo de 10 réis)20 e vencer duas grandes resistências; a falta de dinamismo da nossa vida económica, que estava a dar os primeiros passos sustentados no caminho da modernização, e a limitada visão da maior parte dos nossos homens de negócios, que, ao contrário dos seus contemporâneos ingleses, não reconheciam facilmente as vantagens dos anúncios como factor importante nas operações de oferta e de procura. Há, portanto, problemas administrativos e atitudes mentais que têm que ser tidas em conta quando estudamos as relações entre a imprensa e o mundo dos negócios. Aquelas resistências não deixaram, ainda que lentamente, de ser vencidas: os nossos

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sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República

24 Ibidem, p. 25.25 Disponível em linha na Hemeroteca Digital, a biblioteca electrónica da Hemeroteca

Municipal de Lisboa, em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/26 Continua por fazer o estudo do fim destes jornais, das causas que levaram ao seu encerramento, e

naturalmente das implicações na estrutura da imprensa criada após o 5 de Outubro de 1910.27 A lista dos outros títulos ligados aos partidos políticos está na página 26, do Guia de História da 1.ª República, (…).

suspenderam a publicação O Liberal, O Imparcial, o Correio da Manhã e O Dia, embora este tenha volta-do à liça um mês mais tarde (2 de Fevereiro de 1911), ficando a ser o único jornal monárquico de impor-tância, já que A Nação, porta-voz dos legitimistas, pouca audiência alcançava nesta altura.

Pelo contrário, no campo dos triunfadores, surgi-ram novos jornais republicanos: A República Por-tuguesa (1910-1911), diário republicano radical da manhã; O Intransigente (1910-1911), órgão oficioso da Carbonária até Fevereiro de 1911, para depois se converter em diário radical; A Democracia (1910-1911), matutino que durou muito pouco tempo; Re-pública, fundado em 15 de Janeiro de 1911, órgão de António José de Almeida e dos seus futuros evo-lucionistas; O Tempo (1911), diário da manhã afecto ao grupo de Afonso Costa; e A Pátria (1911-1912), vespertino de curta duração. Extinguiu-se, em con-trapartida, a Vanguarda, em 5 de Março de 1911.

Até à revolução Sidonista de 1917, outros diários lisboetas foram aparecendo, quase todos eles ligados aos partidos políticos existentes. Foi o caso, por exemplo, do jornal A Manhã, de Mayer Gar-ção, porta-voz da ala direita do Partido Democráti-co27. Entre os jornais monárquicos, O Dia manteve-se à frente da causa, com interrupções, mas foram cria-dos outros títulos, todos de curta duração, de que é exemplo o Jornal da Noite, de Rocha Martins, publi-cado entre 1914 e 1915. 1919, 1920 e 1921 foram anos de intensa actividade jornalística que, no que toca a Lisboa, vieram renovar toda a estru-tura da imprensa diária, criando, nesses 3 anos, nada menos de 19 jornais, vários deles duradou-ros. Alguns exemplos: do lado dos republicanos, apareceu o Radical (1920-1926); da causa monárqui-ca, o Correio da Manhã, desde 7 de Abril de 1921; dos grupos católicos, a Época, a partir de 25 de Março de 1919; do lado operário, A Batalha (1919-1927); de

do em Dezembro de 1907; o Notícias de Lisboa, igual-mente regenerador, surgido em 1905; o Imparcial, ou-tro título regenerador, criado em Janeiro de 1910; o Correio da Manhã, órgão do Partido Regenerador – Li-beral (franquista), criado em Março de 1910; o Diário Ilustrado, franquista dissidente, existente desde Julho de 1872; O Dia, porta-voz da dissidência Progressista, fundado em Dezembro de 1887; e A Nação, órgão dos legitimistas (partidários de D. Miguel), criado em 1847. Além destes títulos, tínhamos ainda o Portugal, jornal nacionalista e órgão oficioso da Igreja Católica, aparecido em 1907.

Os jornais republicanos contavam apenas com 6 tí-tulos diários: O Século, “de longe o mais importante de todos eles, uma vez que assumia as característi-cas de bom jornal noticioso também, concorrendo com o Diário de Notícias em tiragem e venerado igualmente pela antiguidade, visto remontar a 4 de Janeiro de 1881”24; Vanguarda, diário republicano da manhã, órgão oficioso da Maçonaria desde 1907, fundado em Outubro de 1898; O Mundo, órgão dos republicanos radicais, de grande tiragem, criado em 16 de Setembro de 1900; A Lucta, mais moderado e mais bem redigido, destinado à intelectualidade do PRP, fundado em 1 de Maio de 1906; O Paiz, republi-cano conservador, existente desde 21 de Dezembro de 1905; e A Capital25, diário da noite, moderado, re-cém-fundado a 1 de Julho de 1910.

3.2. A IMPRENSA DIÁRIA DE LISBOA DESDE 1910

O panorama acima descrito alterou-se profunda-mente com a proclamação da República, pois a maior parte dos jornais monárquicos desapare-ceu26, enquanto se multiplicava a imprensa repu-blicana. Logo em Outubro, em Lisboa, extinguiram-se o Correio da Noite, o Novidades, o Diário Popular, o Notícias de Lisboa, o Diário Ilustrado e o Portugal. Nos fins de 1910 e primeiros meses do ano seguinte

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28 Sobre as mutações políticas dos restantes jornais, ver Guia (…), p. 29.

tes, como, por exemplo, o Palácio Marim e Olhão, onde se instalou a Revolução de Setembro, ou o Palá-cio dos Viscondes de Lançada, ocupado pelo jornal

O Século.

Na I República, dos 20 títulos mais importantes que então se publicavam, 13 tinham as suas re-

dacções no Bairro Alto, isto é, cerca de 65%. Eram eles (sublinhados):

> IMPRENSA NOTICIOSA:Diário de Notícias (1864 - ): Rua do Diário de Notícias,

110Jornal do Comércio (1853-1976): Rua do Belver, 1

O Século (1881-1978): Rua do Século, 43 (depois de 31 de Outubro de 1910)

Diário de Lisboa (1921-1990): Rua Luz Soriano, 44

> IMPRENSA REPUBLICANA:O Mundo (1900-1927): Rua do Mundo, 95 (depois de

28 de Outubro de 1910)A Lucta (1906-1923): Rua da Anchieta, 5 (depois de 26 de Dezembro de 1907)

A Capital (1910-1938): Rua do Norte, 5 (depois de 2 de Janeiro de 1911)O Rebate (1922-1930): Travessa da Água da Flor, 33República (1911-1927): Largo da Trindade, 17 (depois de 3 Janeiro de 1917)A Vanguarda (1912-1929): Rua do Mundo, 17 (até 3 de Setembro de 1914)O Intransigente (1910-1915): Rua do Carmo (até 10 de Maio de 1911)

> IMPRENSA MONÁRQUICA:O Dia (1887-1927): Rua Garrett, 48 (até 20 de Outu-bro de 1913)A Nação (1847-1917): Rua da Luta, 30 (depois de 21 de Dezembro de 1912)Correio da Manhã (1921-1928): Rua da Barroca, 59 (até 7 de Fevereiro de 1927)

grupos independentes, o Diário de Lisboa, com início a 7 de Abril de 1921; entre tantos outros.

Nos últimos anos da I República, o número de jornais diários lisboetas diminuiu um pouco, mo-dificando-se também o espectro partidário da imprensa. Alguns dos jornais alteraram o seu po-sicionamento ideológico, em função das novas circunstâncias políticas. A título de exemplo: a par-tir de 1922 O Mundo deixou de se identificar com a ortodoxia do Partido Democrático, assumindo cada vez mais posições de desvio esquerdista da linha ofi-cial do Partido28.

À data da revolução de 28 de Maio de 1926 eram 17 os diários publicados na capital, quase o mes-

mo número do que no começo do regime republi-cano: noticiosos e imparciais, o Diário de Notícias, o Jornal do Comércio, o Diário de Lisboa, e o Diário da

Tarde; democrático, O Rebate; nacionalista, A Tarde; liberal, A Noite; esquerdistas democráticos, O Mundo e A Capital; radical, O Radical; partidário da União dos Interesses Económicos e noticioso, O Século; monár-quicos, o Correio da Manhã, o Correio da Noite e Ac-ção Realista; católicos, A Época e o Novidades; operá-rio-anarquista, A Batalha.

3.3. O BAIRRO DOS JORNAIS: O BAIRRO ALTO

Dentro de Lisboa, o Bairro Alto era o bairro por exce-lência dos jornais, ou melhor, o bairro onde se loca-lizava a maior parte das redacções e administrações dos principais jornais que se publicavam na I Repú-blica, bem como a quase totalidade das suas ofici-nas de impressão, estivessem ou não as redacções dos jornais no Bairro Alto. Isto não era uma novida-de, antes o corolário duma tendência que vinha de trás, designadamente desde a segunda metade do século XIX, quando os jornais começaram a ocupar um número significativo das grandes casas existen-

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29 As palavras são de Hélder Carita, in Bairro Alto. Tipologias e Modos Arquitectónicos, 2.ª Edição, Lisboa, CML, 1994, p. 43.30 Idem, Ibidem, p. 43.

31 Ibidem, p. 44.

3.ª Surge, tal como sucede actualmente, uma in-tensa vida nocturna: a azáfama acontece tanto de dia como de noite, proliferando ainda o negócio da prostituição;

4.ª A nova centralidade do Bairro Alto, mas também o seu isolamento, propicia a criação de uma popu-lação de jornalistas, tipógrafos, livreiros, políti-cos, ardinas, comerciantes, fadistas e prostitutas, que se alimenta destas novas dinâmicas urbanísti-cas e alterações sociais e mentais;

5.ª O debate, a polémica e a luta política emanam do Bairro Alto, graças à acção de jornais como O Mundo, O Século, o Diário de Notícias, o República, entre outros títulos.

Resultou daqui a criação de um ambiente e quo-tidiano muito particulares, marcado sobretudo pela vida noctívaga, “atribulada e desordenada de horas”,29 com características, algumas, que ainda hoje perduram.

Por comparação com o dia, “a noite não perdia a dinâmica”, pois “era preciso escrever as notícias de última hora; prepará-las para a tipografia para no outro dia os ardinas espalharem por toda a cidade as notícias dos grandes acontecimentos”30 políticos e culturais que faziam a actualidade.

Eram, portanto, os jornais que forneciam uma nova tonalidade à vida do Bairro Alto, mas, as-pecto não menos importante, sem desorganizar o seu equilíbrio social: “os pequenos artífices per-manecem nas suas lojas ligadas por sua vez aos an-dares superiores de habitação; tal como o pequeno comércio de bairro – ambos constituíram o suporte económico e social de todo o conjunto urbano”31.

Correio da Noite (1924-1927): Rua do Norte, 37 (depois de 2 de Maio de 1924)

> IMPRENSA CATÓLICA:A Época (1919-1927): Rua do Século, 43 (depois de 4 de Julho de 1919)A Voz (1927-1971): Rua da Luta, 30Novidades (1923-1974): Rua Garrett, 29 (até 14 de De-zembro de 1927)

> IMPRENSA OPERÁRIA:A Batalha (1919-1927): Calçada do Combro, 38 (até 30 de Dezembro de 1921)

> IMPRENSA HUMORÍSTICA:Os Ridículos (1905-1963): Rua da Barroca, 131

Os restantes títulos (não sublinhados), num total de 7 (35%), tinham as suas redacções nas “fron-teiras” do Bairro Alto, sobretudo na zona do Chiado, nas ruas da Anchieta, do Carmo, Ivens, Garrett e na rua da Luta, hoje Rua dos Duques de Bragança.

Porquê esta concentração de jornais no Bairro Alto? Adiantamos aqui algumas das causas possí-veis:

1.ª O Bairro Alto ganha, neste período, novas dinâ-micas, para além da sua condição popular: as velhas e decadentes construções foram adaptadas a novos usos, passando, muitas delas, a funcionar como re-dacções, administrações e oficinas de impressão de jornais;

2.ª Estas adaptações, por sua vez, motivam o apa-recimento e a multiplicação de tascas, casas de pasto, tabernas, carvoarias, botequins, prostíbu-los, etc.;

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32 Ver MELO, Ana Homem de, “I República, cultura e toponímia em Lisboa”, in A Vida Cultural na Lisboa da I República (1910-1926). Actas do Colóquio Nacional, Lisboa, CML/DMC/GT – CMCR, 2011, pp. 129-148.

33 Ver figura 1.34 Ver figura 2 e 3.35 Resultou daqui ainda outra alteração toponímica: a Rua Duque de Bragança passou a designar-se Rua da Luta, retornada ao nome inicial, embora no plural (Rua Duques de Bragança), com o edital de 28 de Maio de 1956, e mantendo-se este topónimo até aos dias de hoje.

36 In Actas das Sessões da CML no ano de 1910, 44.ª Sessão (Sessão de 27 de Outubro de 1910), p. 700. Disponíveis em linha, na Hemeroteca Digital, em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

37 Ver figura 4.

1) Rua do Mundo33, na antiga Rua de São Roque, para perpetuar o nome do jornal republicano que estava sediado neste arruamento, dirigido por Fran-ça Borges. A alteração foi feita pela deliberação ca-

marária de 27 de Outubro de 1910 e edital de 18 de Novembro de 1910. Como sabemos, esta rua sofre-ria nova alteração toponímica, passando a designar-

se Rua da Misericórdia a partir de 1937, já em pleno Estado Novo, por deliberação camarária de 12 de

Agosto e respectivo edital de 19 de Agosto de 1937, para homenagear a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, cuja sede se localizava no largo que encima

esta rua, hoje Largo Trindade Coelho.

2) Rua de “O Século”34, na antiga rua Formosa, para homenagear o jornal fundado em 1881 por Maga-lhães Lima, que foi o seu primeiro director e um ardente paladino republicano. Foi igualmente con-

siderada a importância da sua propaganda para a democratização do povo português e, consequen-

temente, para a implantação da República em Portu-gal. A alteração aconteceu também por deliberação camarária de 27 de Outubro de 1910 e edital de 18

de Novembro de 1910. Este topónimo ainda se man-tém…

Mais alguns dados: a proposta para a criação destas duas novas ruas foi feita pelo vereador Augusto Viei-ra, na referida sessão camarária de 27 de Outubro de 1910, que, como fundamentação, defendia a ne-cessidade de homenagear O Mundo, O Século e mais um terceiro jornal, A Lucta35, de Brito Camacho, pelo contributo que, através da sua “propaganda”, teriam dado para a “democratização do povo português, de que resultou a implantação da República em Portu-gal”36.

Quanto à Rua do Diário de Notícias37, a I República não mexeu neste topónimo, criado pela CML, atra-vés do edital de 31 de Dezembro de 1885, para ho-

Esta vitalidade e efervescência política e cultural terminariam a 28 de Maio de 1926, com o início da Ditadura Militar. Pouco depois, com a sua instalação, a censura passou a condicionar violentamente a vida dos jornais, e, com isso, do próprio Bairro Alto e do país, entrando-se numa lenta e progressiva de-cadência.

O carácter fechado e popular do Bairro Alto acen-tuou-se. Os jornais resistiram como puderam amor-daçados pela censura. A prostituição proletarizou-se. O fado acabou transformado em “canção nacional”, e nas travessas estreitas e mal iluminadas, de dia e de noite, jogava-se às 5 pedrinhas…

Hoje, cem anos depois, um único jornal resiste ainda no Bairro Alto, o diário desportivo A Bola! Mas, dada a importância dos jornais, que marcou indelevelmen-te as ruas deste bairro, a toponímia consagrou na memória colectiva da cidade de Lisboa alguns dos títulos que fizeram a história da imprensa e do jorna-lismo lisboeta e nacional, como o centenário Diário de Notícias e o republicano O Século.

4. OS JORNAIS NA TOPONÍMIA DE LISBOA (BAIRRO ALTO)

A revolução republicana trouxe, como era previ-sível, alterações ao nível da toponímia na cidade de Lisboa. Segundo Ana Homem de Melo, entre 6 de Outubro de 1910 e 1 de Julho de 1926 (data de dissolução da última vereação republicana), foram atribuídos pela CML 197 novos topónimos. Destes, 126 eram antropónimos, isto é, topónimos que ho-menageiam pessoas individuais (63%)32.

No que toca ao Bairro Alto, e a topónimos relacio-nados com os jornais e o jornalismo, foram atribuí-das duas novas denominações:

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38 Ver mapa desta visita guiada, com o respectivo itinerário. 39 Sobre as estatísticas desta visita guiada, entre 2008 e 2011, ver os gráficos 3 e 4, por número de visitas e por público-alvo.

40 Ver mapa deste passeio literário, com o respectivo itinerário.

Ponto de partida: Hemeroteca Municipal de Lisboa

Travessa da Queimada;Rua da Atalaia;Travessa dos Inglesinhos;Rua da Rosa » Travessa do Poço da Cidade;Rua da Rosa » Travessa do Fiéis de Deus;Travessa das Mercês;Rua da Trombeta;Rua da Atalaia » Rua das Salgadeiras;Rua das Salgadeiras » Rua da Barroca;Rua Diário de Notícias » Travessa da Espera;Rua Diário de Notícias » Travessa dos Fiéis de Deus;Rua do Norte;Travessa do Poço da Cidade » Rua as Gáveas;Travessa do Poço da Cidade » Rua da Misericórdia;Largo Trindade Coelho.

Ponto de chegada: Hemeroteca Municipal de Lisboa

Trata-se, como já se disse, duma actividade desen-volvida no âmbito do PNL, e que tem como público--alvo o 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, o ensino secundário e os respectivos professores39.

O passeio “Bairro Alto: capital do jornalismo por-tuguês” inclui um passeio pelo Bairro Alto enquan-to espaço urbano onde estavam localizados e con-centrados os principais jornais portugueses, com um percurso pedonal pelas ruas das redacções ou tipografias de jornais já extintos, ou que tenham en-tretanto mudado de instalações40:

Ponto de partida: Hemeroteca Municipal de Lisboa

Rua de São Pedro de Alcântara;Jardim de São Pedro de Alcântara (actual Jardim de António Nobre): aqui é visitado o busto de Eduar-do Coelho, fundador do Diário de Notícias. O monu-

menagear o jornal que estava sediado na antiga Rua dos Calafates.

5. LER A TOPONÍMIA NO BAIRRO ALTO…

Para partilhar com os munícipes (jovens, adolescen-tes, adultos e sénior) o legado jornalístico existente na colecção da Hemeroteca Municipal de Lisboa, e, simultaneamente, cooperar com as escolas, a CML, através desta biblioteca especializada em jornais e revistas, tem no terreno, desde 2007, 2 projectos pe-dagógicos, ou melhor, 2 instrumentos de descodifi-cação de leituras, que considera muito importantes:

1) “As Ruas têm nome: ler a toponímia” – visita guiada (este integrado no Plano Nacional de Leitura, vulgo PNL;

2) “Bairro Alto: capital do jornalismo português” – passeio literário.

Enquanto o primeiro tem por objectivo desvendar junto das escolas a toponímia do Bairro Alto, o se-gundo mergulha no Bairro Alto enquanto capital do jornalismo lisboeta e português na fase final da Mo-narquia Constitucional, na I República e no Estado Novo, com um percurso pedonal pelas ruas das an-tigas instalações de jornais, a maior parte já extintos ou deslocados para outras zonas da cidade de Lis-boa: O Século, o Diário de Notícias, o Diário Popular, a República, O Mundo, A Capital, o Diário de Lisboa, entre outros.

A visita guiada “As Ruas têm nome: ler a toponí-mia” é precedida de uma apresentação que inclui um breve contexto histórico do Bairro Alto, cuja fun-dação remonta a 1513, seguida de uma visita às se-guintes ruas, com uma explicação histórica de cada um dos respectivos topónimos (origem, data de atri-buição, motivos, curiosidades, etc.)38:

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41 Sobre as estatísticas deste passeio, entre 2007 e 2011, ver os gráficos 5 e 6, por número de visitas e por público-alvo. Para ter uma comparação da frequência destes dois “produtos” educativos, no que toca ao número total de visitas e público-alvo, ver os gráficos 7 e 8.

nal, em 1864, a redacção e a administração do Diário de Noticias. Este título, fundado por Eduardo Coelho e Tomás Quirino Antunes, iniciou em Portugal, como já se disse, o jornalismo noticioso, por oposição ao

jornalismo de opinião, que prevalecia nos jornais pu-blicados na segunda metade do século XIX, a gran-de maioria ligados aos interesses dos partidos políti-

cos de então. Em 1940, o Diário de Notícias, muda-se para a Avenida da Liberdade, onde ainda permane-

ce, no n.º 266. O edifício da antiga Rua dos Calafates viria mais tarde a ser ampliado para a Rua do Norte e para a Travessa do Poço da Cidade, ocupando um

quarteirão: é aqui que funcionará a segunda série do jornal A Capital (1968-2005);Rua da Misericórdia: no n.º 95 funcionou O Mundo

(1900-1927), jornal republicano (democrático) dirigi-do por França Borges; as instalações seriam depois reutilizadas pelo Diário da Manhã, e, mas tarde, pelo

jornal A Época, ambos defensores do Estado Novo (eram uma espécie de órgãos oficiosos do regime).

Actualmente, estão ocupadas pela Associação 25 de Abril; no n.º 116 deste arruamento esteve outro jor-nal republicano, o República (1911-1975), de Antó-

nio José de Almeida, que desapareceu pouco depois do 25 de Abril de 1974, por questões políticas.

Ponto de chegada: Hemeroteca Municipal de Lisboa

Este itinerário histórico tem como público-alvo as escolas, respectivos professores, e o público em ge-ral41.

6. BREVES CONCLUSÕES

Se calhar, por uma feliz coincidência histórica, com-binaram-se no Bairro Alto 3 dinâmicas que o mar-caram indelevelmente, dando-lhe uma identida-de urbanística e cultural muito peculiar:

- por um lado, o acolhimento que a partir da se-

mento foi erguido em 1904, e é uma obra do arquitec-to Álvaro Machado e do escultor Costa Mota (tio). De destacar ainda a presença do pequeno ardina, figura que aquele jornal tanto acalentou;Rua D. Pedro V » Jardim do Príncipe Real (actual Jar-dim França Borges): aqui é visitado outro monu-mento, dedicada a França Borges, erguido em 1925 pelo escultor Maximiliano Alves, em resultado duma homenagem ao jornalista e republicano que fundou O Mundo, jornal também conhecido em Lisboa pelo “mundo imundo”, devido aos boatos e insinuações que publicava, lançando o pânico nos visados;Rua de O Século: aqui é visitada a antiga sede do jor-nal com o mesmo nome;Rua João Pereira da Rosa: topónimo que resulta da homenagem a João Pereira Rosa que, durante 36

anos, colaborou no jornal O Século;Rua Luz Soriano: neste arruamento temos o Palácio Almeida Araújo, sede do Diário Popular, de 1942 a 1991, jornal que teve como director José Hermano Saraiva, entre outros; no n.º 48 da Rua Luz Soriano funcionou ainda o Diário de Lisboa (1921-1990), jor-nal fundado por Joaquim Manso, e que teve como director o escritor José Cardoso Pires; no n.º 44 fun-cionou a Renascença Gráfica que, entre outros, im-primiu o Correio da Manhã e o jornal humorístico Sempre Fixe;Rua da Barroca: no n.º 49-59, no Palácio da Barone-sa, esteve o Correio da Manhã, inicialmente (1979); no n.º 131 funcionou desde 1905 a sede do bissema-nário humorístico Os Ridículos;Travessa da Queimada: nesta está localizada a sede do único jornal que ainda resiste no Bairro Alto, o diário desportivo A Bola, criado em 1945. Ao cimo, na Rua da Atalaia, e durante bastante tempo, esteve o rival Record, fundado em 1949;Rua do Diário de Notícias: o n.º 78 deste arruamen-to é um local histórico na história dos jornais diários portugueses, pois foi aqui que funcionou (na antiga Rua dos Calafates), desde o aparecimento deste jor-

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gunda metade do século XIX deu aos jornais po-líticos e noticiosos, fazendo com que durante uma grande parte da história contemporânea da cidade de Lisboa o Bairro Alto funcionasse como uma espé-cie de capital do jornalismo e dos jornalistas;

- por outro lado, o reconhecimento e consagração da história e memória dos jornais no Bairro Alto na sua própria toponímia, com a atribuição de to-pónimos a alguns dos mais importantes jornais por-tugueses, como o Diário de Notícias e O Século;

- finalmente, a instalação no Bairro Alto, a partir de Outubro de 1973, duma hemeroteca munici-pal, isto é, duma biblioteca de jornais destinada a preservar e a difundir um património jornalístico lo-cal (e mesmo nacional), que é o reflexo da evolução histórica da cidade de Lisboa e do seu município, nas suas múltiplas valências (administrativas, urbanísti-cas, políticas, culturais, económicas e sociais).

Três dinâmicas que, em nosso entender, deram/dão um contributo, entre outros, para a dinamização cultural do Bairro Alto, para a sua coesão interna e para a definição duma identidade própria des-te “notável documento histórico da cidade” de Lisboa.

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Gráfico 1Média aproximada da criação de periódicos em Portugal nos séc. XIX e XX (por decénios)

Gráfico 2Jornais em circulação nos distritos de Portugal entre 1894 e 1900

Gráfico 3As Ruas têm nome: Ler a Toponímia

Gráfico 4As Ruas têm nome: Ler a Toponímia

Gráfico 5Bairro Alto: Capital Jornalismo Português

Gráfico 6Bairro Alto: Capital Jornalismo Português

Gráfico 7BA versus LT

Gráfico 8BA versus LT

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sextas Jornadas de Toponímia de Lisboa Lugares de Memória da República

Figura 1Rua do MundoActual Rua da Misericórdia)

Figura 3Rua de O Século

Figura 2Rua de O Século

Figura 4Rua do Diário de Notícias

Mapa 1As Ruas têm nome: Ler a Toponímia

Mapa 2Bairro Alto: Capital Jornalismo Português

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Batalhão dos Voluntários da República

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e de 1 de Julho de 1926, data da última reunião da Câmara Republicana, encontramos 30 topónimos propostos mas não executados. Nesta comunicação apenas apresento os que são mais representativos da I República.Logo a 13 de Outubro de 1910, o vereador Ventura Terra refere-se a uma Esplanada dos Heróis da Re-volução, localizada atrás do actual Monumento ao Marquês de Pombal, em terrenos do Parque Eduar-do VII, para onde ele propunha a realização do mo-numento da República. “ No meu projecto do Parque Eduardo VII que esta Câmara já aprovou existe logo a seguir à praça do Marquês de Pombal [cuja 1ª pedra já fora lançada em 1882; e será relançada em 1917] uma esplanada de dimensões muito superiores às daquela praça, que contem ao fundo o projectado palácio destina-do a exposições e festas, ao lado e por detrás do qual começa o Parque Eduardo VII propriamente dito.Essa esplanada, cujo espaço também foi utilizado no movimento de 4 e 5 de Outubro, e que foi, por assim dizer, o limite mais elevado aos campos de batalha, é no meu entender o mais apropriado para perpetuar os heróis da revolução.”Apresenta depois uma proposta formal “Que seja dado o nome de Esplanada dos Heróis da Revolução ao espaço que no meu projecto de Par-que Eduardo VII fica compreendido entre o limite norte da Praça do Marquês de Pombal, as ruas Fon-tes Pereira de Melo e António Joaquim de Aguiar e o Palácio de exposições e festas onde começa o par-que propriamente dito.Nesse vastíssimo espaço, de formas regulares, deve-rão ser dispostos além de outros elementos de em-belezamento como balaustradas, lagos, maciços de verdura, etc., as estátuas e bustos dos heróis da revo-lução, bem como outros elementos que possam elu-cidar e enaltecer a gloriosa vitória de 5 de Outubro.A entrada para essa esplanada deverá compor-se de um arco de triunfo monumento, constituindo uma

A atribuição de topónimos durante a vigência da I Re-pública é marcada pela alteração de nomes de arrua-mentos da Cidade de Lisboa, fazendo substituir no-mes de políticos monárquicos, de figuras da Casa Real e de santos por datas, ideais, instituições e antropóni-mos republicanos. A mudança de Avenida D. Amélia, para Almirante Reis, de Largo de S. Carlos para Largo do Directório, de Largo da Abegoaria para Largo Ra-fael Bordalo Pinheiro, entre centenas de outras são por demais conhecidas.As propostas provinham da própria vereação, de as-sociações cívicas, de juntas de paróquias, de cidadãos, e eram entregues, quer pelos canais oficiais, quer por contacto directo com os vereadores, os quais, em várias sessões, afirmam ser abordados por cidadãos à porta dos Paços do Concelho. As propostas eram apresentadas e debatidas em sessão de Câmara e pedido o parecer de uma comissão que teve os no-mes de nomenclatura ou de denominação de ruas, ou de toponímia, conforme os anos. Esta comissão era formada por 3 vereadores que se constituíam em grupo de trabalho e que emitiam o seu parecer, o qual regressava à Câmara e era sujeito à delibera-ção da mesma. Mas nem sempre este processo era cumprido, como veremos, omitindo-se muitas vezes a passagem pela comissão de toponímia, deliberan-do a Câmara directamente sobre a atribuição (ou não) do topónimo. Outra das dificuldades sentidas por quem trabalha este tema é o desconhecimento da documentação (se existiu) desta comissão o que nos impede de conhecer a totalidade dos argumen-tos utilizados para a decisão final. Nas Actas das Ses-sões da Câmara, porém, conseguimos obter muita informação. Lê-las com a atenção virada para as pro-postas, apresentadas entre os anos de 1910 e 1926, que não chegaram a conhecer a forma de placa to-ponímica, saber quem as propôs e tentar perceber porque não foram realizadas eis o que me proponho fazer.Entre as datas extremas de 5 de Outubro de 1910

Conhece a Travessa dos Voluntários da República? A Toponímia inexistente

Ana Homem de Melo Gabinete de Estudos Olisiponenses. Comissão Municipal de Toponímia

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1 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: s.ed., s.d., pp. 664-6652 A presença de praças da marinha entre os signatários, e em lugar de destaque, validava, de certo modo, o pedido para que os “marinheiros” fossem removidos da toponímia em prol do nome do Grémio.

3 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: s.ed., s.d., pp. 674.4 Destaquemos dos seus objectivos: “(...) ensinar a ler, escrever e contar, pelo método de admirável rapidez do Sr. Dr. João de Deus, os indivíduos que o solicitarem, até onde permitam os seus meios económicos, enviando nesse intuito às diversas formações da Nação portuguesa professores devidamente habilitados não se envolvendo em assuntos políticos ou quaisquer outros alheios ao seu fim (...)”In: www.joaodeus.com [consultado em Agosto 2011]

a proposta para apreciação da comissão de deno-minação de ruas. Desconhecemos se existiu algum parecer mas a tão cobiçada Rua Correia Guedes, aca-baria por ter o seu nome mudado para Gilberto Rola logo na Sessão de 27 de Outubro, nome que man-tém até aos nossos dias.

Ainda em 1910, na Sessão de 24 de Novembro, é apresentado um pedido da Junta de Paróquia da Freguesia de Santo Estêvão para atribuição de qua-

tro topónimos na freguesia: Rua Alberto Costa ao Largo de Santo Estêvão (atribuído em 1926 ao jar-dim do adro da Igreja de Santo Estêvão), Rua Ale-xandre Braga à Calçadinha de Santo Estêvão (atri-buído em 1926 à Rua de Santa Marta), Rua Ernesto

da Silva às Escadinhas de Santo Estêvão (atribuído em 1926 à Rua do Espírito Santo em Benfica) e para um arruamento não identificado, o topónimo Esco-las Móveis. Lembremos aqui que a Associação das

Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, fora fundada em 1882 por iniciativa do republicano Casi-miro Freire (nome de rua a partir de 1926), apoiado por Bernardino Machado, Jaime Magalhães Lima e Ana de Castro Osório entre outros, para combater a

elevada taxa de analfabetismo do país. O seu êxito ficou a dever-se ao carácter inovador da mobilidade de ensino, levando a “escola” (isto é os professores e os métodos) ao encontro dos que dela necessi-tavam, e realizando entre os anos de 1882 e 1920, 479 missões de alfabetização ensinando mais de 20 000 pessoas a ler e escrever4. Era pois justo o pedi-do da Freguesia de Santo Estêvão. Porém, a Câmara não deliberou de imediato e fez o processo seguir os trâmites legais enviando-o para a comissão especial encarregada da denominação das ruas, desconhe-cendo-se se chegou a ser redigido algum parecer. Nos anos seguintes o topónimo não regressou à Câ-mara e a ideia de homenagear a Associação que deu origem à Escola João de Deus já fora ultrapassada pela construção do próprio edifício na Avenida Al-

verdadeira apoteose ao triunfo da República.”1

Para a construção do arco propunha que a Câmara lançasse um concurso, sujeito a prémio, entre os ar-tistas portugueses, e para o qual seria criada uma co-missão especial.Posta à votação a proposta foi aprovada.A 1ª pedra deste monumento foi lançada no âmbito das Comemorações do 1º aniversário da implantação da República, a 5 de Outubro de 1911, porém, à seme-lhança de outros grandes projectos de monumentos deliberados nesta época, a proposta de Ventura Ter-ra seria ultrapassada pelos acontecimentos políticos e pela falta de verba para a sua realização. Quando o Parque Eduardo VII foi finalmente reordenado em 1945, os tempos já não estavam para Monumentos aos Heróis da Revolução.

Na mesma Sessão uma outra proposta de origem bem diferente é apresentada com o pedido de mo-radores da Rua Correia Guedes para que fosse muda-do o nome da sua rua para Grémio Republicano de Alcântara, associação fundada em 1908, que aqui funcionava no ano de 1910, onde aliás se mantém, desenvolvendo uma intensa acção político-cultural junto do operariado de Alcântara. Ora nessa mesma data a Câmara aprovara a proposta do vereador Mi-randa do Vale para que a Rua Correia Guedes passas-se a Rua dos Marinheiros. António Júlio Correia Gue-des tinha sido vereador da Câmara de Lisboa desde 1882 e a sua acção enquanto edil levara a autarquia a homenageá-lo, em 1893, quando ainda exercia funções, atribuindo o seu nome à antiga Rua Velha.(Deliberação de 6 de Novembro). Uma semana mais tarde, a 20 de Outubro, portanto, é lida uma “representação de uma Comissão com-posta por praças da marinha2, e na qual os morado-res da rua Correia Guedes sócios do Grémio Republi-cano de Alcântara, protestam contra a denominação de Rua dos Marinheiros”3 e renovam o pedido feito anteriormente. A Câmara não deliberou, enviando

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5 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: s.ed., s.d., pp. 373-374. A Rua da Lucta passaria a Rua dos Duques de Bragança por edital de 28 de Maio de 1956.

6 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: , 1915: s.ed., s.d., pp. 430.

para fazer desaparecer a Lucta duma das esquinas da nossa Capital. Sou e fui sempre contrário às con-sagrações em vida, e por isso vi com desprazer que a uma das ruas de Lisboa fora dado o nome do jornal que dirijo, há quase nove anos. Porque não há-de a rua da Lucta passar a chamar-se rua de Bruxelas? Desta forma se prestaria homenagem ao valente povo que o mundo inteiro hoje admira, e eu ficaria satisfeito por também ter colaborado, de alguma forma, nessa justíssima homenagem.”5

Ficamos assim a saber que nem sempre as homena-gens eram bem aceites pelos homenageados…

A emoção com os acontecimentos da Guerra au-menta consoante a progressão dos combates e os avanços e ataques alemães.A 9 de Novembro o vereador Ernesto Navarro propu-nha para uma das ruas ou avenidas em construção no Bairro de Campo de Ourique o nome do General Joffre “figura preeminente e consagrada na Direc-ção Suprema dos exércitos aliados, que valorosa-mente combatem pela Liberdade contra a tirania e a opressão”6. A proposta seguiu para a Comissão Exe-cutiva da Câmara cuja deliberação desconhecemos. Porém na Sessão de 20 de Novembro é lida uma car-ta do Conselho Municipal de Paris agradecendo a homenagem feita ao General. A avenida, que saiba-mos, nunca chegou a conhecer a placa toponímica.

No fim do mês, a 23 de Novembro, nova proposta associada ao desenrolar da Guerra. A Junta de Paró-quia dos Mártires propõe um conjunto de topóni-mos para ruas da sua área: Praça dos Aliados ao Largo do Corpo Santo; Rua de Liége à Rua do Corpo Santo; Rua do Marne à

Travessa do Corpo Santo; Rua Namur à Travessa do largo do Corpo Santo e Calçada do Burgo-Mestre à Calçada Nova de S. Francisco. Recordemos aqui que Liége e Namur, cidades belgas, tinham sido cerca-das pelo exército alemão em Agosto, em Setembro

vares Cabral.

Em 1911, a 24 de Agosto, é apresentada uma proposta dos moradores da Travessa de Santa Quitéria pedindo que se atribua a esta travessa o nome de Travessa dos Voluntários da República. Sem apresentar ar-gumentos para a escolha do novo topónimo apenas podemos supor que se tratava de uma homenagem aos muitos voluntários civis que aderiram aos Bata-lhões de Voluntários da República criados em 1910, o primeiro dos quais em Lisboa para defesa do novo regime, na antevisão de uma reacção monárquica. Mais uma vez após a decisão de ser enviado para a comissão de nomenclatura das ruas perde-se o rasto deste topónimo. Por curiosidade diga-se que ele foi atribuído e ainda existe pelo menos nos concelhos de Oeiras e Tomar.

Mas nem só de República viviam as propostas de toponímia durante estes anos. A partir de 1914, a si-tuação internacional agravou-se profundamente. A Europa entrou em Guerra e as hostilidades iniciadas em Junho de 1914 emocionaram todo o Continente. Assim, não é de estranhar que a Toponímia reflicta essa emoção.A 2 de Novembro desse ano surge a proposta para atribuição do nome da Cidade de Bruxelas à então designada Rua da Luta, jornal republicano dirigido por Brito Camacho cuja sede funcionava na antiga rua do Duque de Bragança, que vira o seu nome mu-dado para o do jornal em 1911. É uma proposta do vereador Ferreira de Mira em “justa homenagem ao povo belga”. E acrescenta que a proposta em nada ofendia o Dr. Brito Camacho o qual lhe escrevera uma carta que lê:“Meu prezado amigo – Depois de me ter dito que tencionava propor, na Câmara, que a uma das ruas, praças ou avenidas de Lisboa, em homenagem ao heróico povo belga, fosse dado o nome – Bruxelas – lembrei-me de que seria excelente oportunidade

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7 A Bélgica e a França. In: Ilustração Portuguesa.Lisboa. S. 2, vol. 18, nº 451 (12 Out. 1914), p. 4778 Actas das Sessões da Câmara Municipal. Lisboa: Imprensa Municipal, 1922, pp. 709

9 Em resposta àquilo que o vereador Nunes Loureiro caracterizou numa Sessão de Câmara já do ano de 1911 (a 3 de Agosto): “(...) após a proclamação da República notou-se uma verdadeira febre de pedidos de mudanças de nomes de ruas, e que, juntas de paróquia, colectividades e simples particulares enviaram a tal respeito numerosos alvitres à Câmara, mas a vereação tinha resolvido adoptar na nomenclatura das vias públicas, nomes de individualidades falecidas há mais de dez anos e que se tivessem notabilizado nas ciências, nas artes, nas letras ou que houvessem prestado relevantes serviços à Pátria ou à cidade de Lisboa, resolução essa que fora ditada por um alto sentimento de justiça, como não podia deixar de ser, tratando-se de uma comemoração evidentemente muito elevada para poder ser conferida a qualquer e que devia ter um cunho de fixidez para que não se sujeitasse às flutuações da opinião pública, que hoje venera os que amanhã deprime (...)”.Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: s. ed., s.d., p. 468.

10 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: Imprensa Municipal, 1922, p. 356.11 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: Imprensa Municipal, 1922, p. 168.

ter morrido há menos de 10 anos, regra que a Câma-ra procurava cumprir desde a sua aprovação em Ses-são de 17 de Novembro de 19109. Ou como afirmou o vereador Rodrigues Simões:

“ (…) não queria pôr em dúvida as qualidades e feitos de Gonçalves Portelinha, mas a verdade é que se, por acaso, não estivesse de acordo ele não podia estar

a apreciá-las, quando a família se encontrava ainda coberta de luto. Nestas condições estava coacto. En-

tendia que só decorrido bastante tempo se poderia a sangue frio, apreciar a História e fazer justiça aos fei-tos das individualidades que nela tinham lugar. Um

facto histórico recente como era o movimento do 14 de Maio, ainda hoje não era apreciado a sangue frio e se uns o aplaudiam outros não estavam de acordo

com ele.”10

Sujeita a votação, a Câmara resolveu não atender este pedido por maioria.

A rua acabaria por ser denominada Rua Capitão Afonso Pala por deliberação de 29/12/1922, isto é,

sete anos após a sua morte.

Outra das propostas não executadas foi apresenta-da pela Associação do Registo Civil. Esta associação pediu à Câmara que atribuísse os topónimos “Registo Civil” à Rua Direita dos Anjos (o que de facto acon-teceu entre os anos de 1920 e 1937) e Livre Pensa-mento a uma nova avenida que se estava projectan-do entre o sítio do Vale Escuro e a Rua Morais Soares e que terminaria frente ao Cemitério do Alto de S. João, o mais republicano dos cemitérios de Lisboa. Esta proposta recebeu o parecer favorável da Comissão de Toponímia, lido na Sessão de 9 de Abril de 1920:“O Livre Pensamento é uma sublime aspiração da alma e uma altiva aquisição de alguns espíritos su-periores; merece logo ser aposto o seu nome a uma Avenida esplêndida como a que se indica”11. Foi aprovado a 24 de Maio de 1920, porém a esplên-dida Avenida não se chegou a realizar e o topónimo acabou por ficar esquecido.

ocorrera a 1ª Batalha do Marne na qual os exércitos aliados resistiram ao avanço das tropas alemãs, assun-tos largamente tratados na imprensa da época.Em Lisboa, nas palavras do repórter da Ilustração Portu-guesa, organizara-se “uma manifestação grandiosa e comovedora (…) que exprimiu (…) o seu veemente protesto contra as atrocidades alemãs. (…) A tirania imperial, por mais atenuada que se finja, revolta já também o povo português”7. Confesso que não con-sigo encontrar explicação objectiva para a última escolha (Burgomestre) excepto que seria uma home-nagem aos Burgomestres das cidades belgas devas-tadas pela Guerra. Todas estas propostas aqui referidas associadas ao início da Grande Guerra foram enviadas à Comissão Executiva, não voltando a ser debatidas e sem se

chegar a nenhuma deliberação.

A 14 de Maio de 1915 o vitorioso movimento revo-lucionário que depôs o Governo ditatorial de Pimen-ta de Castro deixava atrás de si cerca de 2 centenas de mortos e um milhar de feridos. Entre as vítimas o 1º cabo artilheiro Gonçalves Portelinha. Logo a 3 de Junho a Junta de Paróquia Civil de Alcânta-ra apresentou à Câmara o pedido para a atribuição dos topónimos 14 de Maio e Gonçalves Portelinha respectivamente à Rua do Livramento e à Rua das Cavalariças do Infante. O nome 14 de Maio seria aprovado, em 9 de Junho, para um outro arruamento junto à linha férrea de Al-cântara Mar. Porém, para o nome de Gonçalves Por-telinha a Câmara solicitou à Junta mais informações. O assunto regressaria a 28 de Outubro através de um ofício da Junta de Alcântara insistindo na atribui-ção dos dois nomes e definindo Portelinha como “o heróico marinheiro, 1º cabo artilheiro nº 2583, revo-lucionário do 5 de Outubro que, por ocasião do mo-vimento de 14 de Maio, foi traiçoeiramente morto”8. É já em 1916, a 17 de Abril, que a Câmara reaprecia o nome levantando-se a questão do homenageado

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12 Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: Imprensa Municipal, 1924, p. 206.13 Porém, este nome tornou-se, no entender de muitos, demasiado sugestivo e pouco feliz e em 1924 novo pedido de alteração é apreciado na

Câmara proveniente de todos os moradores e lojistas dessa rua. A Comissão de Toponímia referiu-se ao anterior nome da Rua (Serpa Pinto) e aos “graves acontecimentos sangrentos em que perderam a vida um grande número de republicanos (…) acontecimento tão repugnante como

tirano, que ainda perdura e perdurará por largos anos no espírito da população.” E prosseguiu a Comissão: “Sucedendo porém que a denominação Leva da Morte é uma expressão deveras forte (…) causando arrepios aos moradores (…) e às pessoas que por ali tenham de passar (…) que

é um nome enervante, bem triste e inspirando terror” mas querendo manter a homenagem, “para que fique gravado para sempre a data de tão vergonhoso e triste acontecimento” propõe a própria data como topónimo, acompanhada pela legenda “Homenagem aos republicanos

vítimas da Leva da Morte, 1918”. A proposta foi aprovada. Actas das Sessões de Câmara. Lisboa: Imprensa Municipal, 1925, pp. 491-492 .

E assim os Mártires da República foram substituídos pela Leva da Morte13.

Estes são apenas alguns dos exemplos por mim escolhidos para ilustrar o que poderia ter sido a to-ponímia republicana caso estas propostas tivessem sido executadas. A variedade de proveniência es-tende-se desde a sugestão de cidadãos, particulares ou organizados, à intervenção dos vereadores e de órgãos de administração local. As razões para a sua exclusão prendem-se, na maioria dos casos, com a demora de análise da proposta fazendo-a perder a actualidade e com a não execução dos projectos ur-banos para as quais estavam destinados. Mas o seu conhecimento permite-nos por um lado reflectir sobre a importância da participação cívi-ca no processo de decisão da Câmara Municipal de Lisboa e, por outro, entender a importância da Toponímia da Cidade enquanto reflexo da história política de um dos mais conturbados períodos da nossa história.

Neste mesmo ano de 1920 os vereadores Magalhães Peixoto e Manuel Martinho apresentaram a 19 de Abril, uma proposta para que a parte da Rua Serpa Pinto entre o Largo do Directório (S. Carlos) e a Rua Vítor Cordon, se atribuísse o nome de Rua dos Már-tires da República em memória das vítimas do tiro-teio ocorrido a 16 de Outubro de 1918. Nesse dia uma transferência de presos, aprisionados na sequência de uma intentona de revolta contra Sidónio Pais, do Governo Civil para outras prisões de Lisboa e arredo-res, redundou num ataque a essa coluna de prisionei-ros que ia escoltada, e que provocou sete mortos e vários feridos.

O parecer da Comissão de Toponímia afirmava e su-geria“(…) merece toda a simpatia desta Comissão. De fac-to, onde o coração fala com o fervor com que neste caso se exprime cala-se o cérebro, mesmo quando tenha razões. No caso presente, entretanto, nem muito terá ele que argumentar, pois pode perfeita-mente desanexar-se a parte inferior da Rua Serpa Pinto e o maior prejuízo será, pois, o que sempre pro-vém da mudança de nomes e números. Útil prejuí-zo é contudo quando, como neste caso, serve para manter indelével na mente popular um facto como o da “Leva da Morte” que nos ensina que não é pela iniquidade que a força perdura e se robustece.Preferiria a Comissão que se procurasse este nome, tão sugestivo e evocativo, de “Leva da Morte” para a dita rua, tanto mais que o de Mártires da República mais facilmente se confundirá com o de Mártires da Pátria, noutro ponto da cidade; mas não propõe esta outra nomenclatura ao Senado sem que os autores da primitiva proposta se manifestem sobre ela.”12

Discutida esta sugestão na Sessão de 24 de Maio, perante os seus autores originais, é aprovada afir-mando o vereador Manuel Martinho que achava a ideia da Comissão “muito feliz” pois o nome era “muito mais sugestivo”.

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Operárias da indústria têxtil a caminho de São Bento.Benoliel, Joshua. Início de séc. XX

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Este texto procura identificar, contextualizar e inter-pretar os reflexos da realidade económico-social vivi-da em Lisboa no tempo da I República na toponímia da Cidade.Trata-se, assim, de procurar contribuir no sentido do aprofundamento do conhecimento e da divulgação das motivações da escolha e da realidade a que re-portam os registos toponímicos de Lisboa, por um lado, assumindo essa contribuição no contexto do estudo da actividade económica e das dinâmicas so-ciais e a sua inter-relação, por outro.Esta abordagem permite-nos captar outras dimen-sões da história de Lisboa e da I República, da sua representação, da sua memória e da sua avaliação coeva ou posterior, para além das expressões e mo-tivações de natureza política que de forma mais evi-dente e imperativa surgiram e assumiram imediato reflexo toponímico; procura-se apreender e apreciar outras mutações e, particularmente, a presença de elementos e situações que condicionaram e marca-ram a vida da Cidade, sendo eles reflexo da activi-dade de protagonistas individuais, como Alfredo da Silva, Grandela ou Bensaúde, ou colectivos, como a Voz do Operário, ou a expressão de políticas, iniciati-vas ou outras circunstâncias ocorrentes.

A I República não instituiu uma política económica própria. Os objectivos avançados pelos republica-nos neste domínio, dominados pelos desígnios do fomento económico e do equilíbrio das contas pú-blicas, eram bastante idênticos aos contemplados no modelo económico da Regeneração. A natureza e o comportamento do tecido produtivo não se al-teraram, quanto à sua essência, ao longo do perío-do, embora o forte impacto de algumas conjuntu-ras, em particular a I Guerra Mundial, ou o recurso a determinados instrumentos, mesmo no campo financeiro, cujos efeitos acabaram por se esbater no conjunto.De referir, para o conjunto da I República, a instabili-

dade política, económica e social que marcou a reali-dade portuguesa e o enquadramento internacional, caracterizado por sucessivas e profundas perturba-ções, registadas em vários espaços e ao nível geral, que tiveram impactos evidentes, embora variáveis em termos de natureza e intensidade, na economia portuguesa. Situação em que se destaca, pela di-mensão da ruptura à escala planetária, pelo carácter e durabilidade dos seus efeitos e pelo envolvimento directo de Portugal, a I Guerra Mundial.Podemos dizer que, no seu conjunto, a I República constituiu um período genericamente caracterizado por uma evolução económica desequilibrada, irre-gular e níveis modestos de crescimento. Devendo porém referir-se que essa tendência se alterou no final do período, sendo de registar sinais de cres-cimento significativo, sobretudo a partir de 1923, definindo uma conjuntura que registou um relativo reequilíbrio da situação financeira do País, e conhe-ceu a presença ou surgimento de um conjunto de actividades económicas bem sucedidas, em particu-lar industriais, que tenderiam a afirmar-se nos anos seguintes. De acordo com os dados disponíveis, o crescimento do PIB para o período da I República terá estado pró-ximo dos 2% ao ano, registando-se 1% para a taxa anual de crescimento do PIB per capita, conside-rando um crescimento da população na ordem dos 0,6% ao ano. De referir, também para o conjunto do período, os níveis elevados de emigração, envolven-do cerca de 600 mil indivíduos. Importa ainda desta-car o cenário de estagnação da população activa e o aumento registado nos níveis de produtividade do trabalho, tanto para o sector agrícola como para o industrial, na ordem dos 2% ao ano. A evolução da economia portuguesa no tempo da I República conheceu conjunturas muito distintas, definindo claramente três períodos. Um primeiro, inscrito no contexto de crise que se manifesta no início da década de 90 do século XIX, acentuando-se

Memórias toponímicas da economia da I República

Maria Fernanda RolloHistoriadora. Instituto de História ContemporâneaFaculdade de Ciências Sociais e Humanas -Universidade Nova de Lisboa

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Quanto à memória da realidade económico-social do tempo da I República, reflectida, apropriada, re-gistada na toponímia da cidade de Lisboa, identifi-cam-se como elementos mais significativos os cons-

tantes do quadro seguinte. Distinguem-se dois gru-pos, um relativo a nomes de personalidades que se

destacaram nos anos da I República, outro, incluindo os topónimos que reflectem aspectos da actividade económica da cidade nesses anos.

Incluem-se neste texto breves referências aos to-pónimos mais emblemáticos, privilegiando os re-lativos a personalidades e destacando alguns dos poucos referentes a instituições efectivamente ca-rismáticas do ideário e da realidade específicas da I República, tendo sempre em consideração, é claro, que o universo deste observatório se circunscreve à esfera da actividade económica.Assim, o primeiro caso a referir é o da Rua de Barros

na primeira década do século XX e que se prolonga durante os primeiros anos que sucederam à implan-tação do regime, até à deflagração da Guerra. Perío-do que caracterizado por um cenário de estagnação, sobretudo se comparado com a dinâmica registada ao nível dos países europeus economicamente mais avançados. Entre 1900 e 1913 a taxa de crescimento anual do PIB terá andado pelos 0,5% e a do PIB per capita andou em linha negativa, nos -0,3%. O segundo ciclo corresponde grosso modo ao tempo da Guerra. Entre 1913 e 1919 os valores das taxas de crescimen-to anual do PIB, da população e do PIB per capita, foram respectivamente -1,7%, 0,2% e -1,9%.Por fim, o período que se inicia em 1919

corresponde a uma última conjuntura que, em termos económicos, se prolonga até 1929. Para estes anos o PIB apresentou uma taxa de crescimento anual de 4,6%, a popu-lação 1,0% e o PIB per capita 3,5%.Se, quanto ao ideário prosseguido, a I Repú-blica foi, ou pretendeu ser, no campo da eco-nomia, um tempo e um espaço de reforma, é certo que, entre vicissitudes de toda a nature-za, que vão desde a agitação política às im-possibilidades financeiras, fizeram prevalecer como ideia geral, que o regime republicano se limitou a ser uma espécie de entreacto entre a Monarquia politicamente esgotada e arruinada e o Estado Novo, tendendo a esquecer o impacto da Ditadura Militar. O potencial modelo económico e social, marcado por um assi-nalável conjunto de propostas inovadoras e consis-tentes que sempre fez parte dos ideais republicanos e que constituiria um elemento distintivo da I Repú-blica ficou quase totalmente frustrado ou anulado, embora se tenha imposto nalgumas matérias, com repercussões duradouras, tendo nesses casos, visto a sua concretização adiada para o Estado Novo.

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Queirós (Santa Justa). O topónimo, substituindo a de-signação Travessa de S. Domingos (entre a Rua de D. Duarte e o Largo de São Domingos), foi atribuído em 1926, tendo então a legenda «Ilustre Cidadão, Verea-dor da 1ª Câmara Municipal Republicana de Lisboa». Tomé José de Barros Queirós nasceu a 2 de Fevereiro de 1872, em Quintãs, concelho de Ílhavo. Começou a trabalhar aos 8 anos, em Lisboa. Fez estudos noc-turnos na Escola Elementar de Comércio, ao mesmo tempo que trabalhava como caixeiro na Casa José de Oliveira (candeeiros e canalizações), da qual veio a tornar-se proprietário em 1911. Entretanto aderira, em 1888, ao Partido Republicano Português. Fun-dou a Associação dos Caixeiros Nocturnos e A Voz do Caixeiro, e integrou os órgãos das companhias do Boror e Mutualidade Portuguesa. Colaborou n’O Cai-xeiro e foi vogal do Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro Portugueses (desde Dezembro de 1910 até 1926). Foi co-director do Centro de Fra-ternidade Republicana em 1889 e membro das co-missões de instalação do Centro Republicano de S. Carlos e municipal de Lisboa.A sua carreira política iniciou-se na administração lo-cal, presidindo à Junta de Freguesia de Santa Justa e integrando, entre 1908 e 1911, a vereação republica-da da CML. Em 1911 foi eleito deputado por Lisboa às Constituintes, para a Câmara dos Deputados, por Torres Vedras entre 1911 e 1915, pela Horta, em 1922, e novamente por Lisboa, entre 1922 e 1924. Foi vice--presidente da Câmara dos Deputados. Representou o Partido Republicano Português, o Partido Unio-nista (entre 1911 e 1919, integrando o directório), o Partido Liberal (a partir de 1919, no qual presidiu ao directório) e, finalmente, o Partido Nacionalista (depois de 1923, chefiando a bancada parlamentar). Pertenceu à Maçonaria, onde se iniciou, em 1912, na loja Acácia, sob o nome de Garibaldi.A sua actividade governativa começou no Ministé-rio das Finanças, no governo saído da revolução de 14 de Maio de 1915. Já tinha então desempenhado

os cargos de presidente do Conselho Disciplinar, presidente da Comissão de Reforma Aduaneira e Serviços Fiscais, secretário-geral e director-geral da Fazenda Pública, sendo responsável pela reforma tributária de 1911. Refira-se, a propósito, a sua publi-cação, em 1917, de Impostos. Apontamentos para o Estudo dos Impostos Proporcional e Progressivo.Entre 24 de Maio e 30 de Agosto de 1921 chefiou o Governo, acumulando com a pasta das Finanças. O seu mandato ficou marcado pelo fracasso do re-curso ao crédito externo que Afonso Costa havia prometido. Em 1925 foi convidado a candidatar-se à Presidência da República. Faleceu em Lisboa, em 5 de Maio do ano seguinte.Foi ainda em Ditadura Militar que a edilidade, em Março de 1932, entendeu homenagear dois repu-blicanos, ambos com actividade muito significa-tiva na esfera do pensamento e acção no domínio da economia, embora em campos muito distintos, dedicando-lhes um topónimo: Rua Basílio Teles e Rua Álvaro de Castro. A primeira, sita em Campolide, São Domingos de Benfica, a segunda na fregresia de Nossa Senhora de Fátima. Basílio Teles nasceu e faleceu no Porto, em 14 de Fevereiro de 1856 e em Março de 1923, respectivamente. Iniciou os estudos superiores em Medicina, curso que abandonou por se ter envolvido num conflito com um professor. Estava já filiado no Partido Republicano quando se envolveu na luta política, colaborando nos jornais republicanos. A sua participação no 31 de Janeiro de 1891 obrigou-o a exilar-se só voltando do estrangei-ro depois de lhe ter sido concedida uma amnistia. Depois da implantação da República chegou a ser indigitado para fazer parte do Governo Provisório (pasta da Fazenda), mas não chegou a integrá-lo, sendo substituído por José Relvas. Afastou-se da po-lítica, dedicando-se ao ensino da Literatura, Filosofia e Ciências Naturais e à escrita em jornais. Refiram-se, como principais obras, Estudos Históricos e Eco-

nómicos (1901), Do Ultimato ao 31 de Janeiro (1905),

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realidade económica do período da I República, não tendo necessariamente a sua acção ficado circuns-crita a esses anos ou que, caso de Vitorino Damásio, viram a sua acção reconhecida através da atribuição

do seu nome a um topónimo: Largo Manuel Emídio da Silva, Largo Vitorino Damásio, Rua Alfredo da Silva, Avenida Doutor Alfredo Bensaúde e Rua José

Relvas, sendo evidentemente o último, que ocorreu já sob o marcelismo, o caso de maior relevância e

significado políticos.

O primeiro caso ocorreu em 1936, ano em que fale-ceu Manuel Emídio da Silva, nome que ficou dado ao Largo sito em São Domingos de Benfica. Manuel Emídio da Silva nasceu em Lisboa, em 10 de Outu-

bro de 1858, onde faleceu em 15 de Julho de 1936. Foi jornalista e deputado. Começou a sua actividade profissional na Companhia dos Caminhos de Ferro

da Beira Alta, onde trabalhou como desenhador, foi chefe de lanço de construção e chefe de secção de

via e obras e, de 1882 a 1885 chefiou a repartição técnica dos Caminhos de Ferro de Salamanca à fron-teira portuguesa. Neste ano transitou para a Com-

panhia Nacional dos Caminhos de Ferro, assumindo o cargo de secretário-geral da construção das linhas de Mirandela e Viseu, participando na sociedade empreiteira da construção da linha da Beira Baixa desde então até 1891. Ainda no âmbito da sua acti-vidade ferroviária, assumiu, a partir de 1895, o cargo de administrador da Companhia de Caminhos de Ferro Meridionais (Santarém a Vendas Novas). A sua actividade política inicia-se no âmbito do Partido Progressista, pelo qual foi eleito deputado na legis-latura de 1900 pelo círculo de Sintra. Foi jornalista, como acima referido, mantendo, desde 1879, uma colaboração regular no Diário de Notícias, onde veio a ficar responsável pela secção de caminhos de ferro e, a partir de 1900, pela secção financeira. Um dos aspectos que mais o notabilizou foi a sua campanha sistemática em prol da promoção e desenvolvimen-

As Ditaduras (1907), O Regime Revolucionário (1911) e Memórias Políticas (1969). O topónimo Rua Doutor Álvaro de Castro foi atribuí-do por Edital de 12 de Março de 1932 ao arruamento até então designado por Rua A, do Bairro da Bélgica, na Freguesia de Nossa Senhora de Fátima. Homenagem a Álvaro Xavier de Castro, nascido na Guarda em 9 de Novembro de 1878 e falecido em Coimbra a 29 de Ju-nho de 1928. Presidente do Ministério, ministro e governador-ge-ral de Moçambique, Álvaro de Castro nasceu na Guar-da a 9 de Novembro de 1878 e faleceu em Coimbra a 29 de Junho de 1928. Cursou Infantaria na Escola do Exército que terminou em 1901, depois fez o curso de Direito (1908) e o Colonial (1911). Republicano, envolveu-se em diferentes conjuras, tendo feito par-

te do grupo denominado de “jovens turcos”. Colabo-rou na Revista Nova e na Arte e Vida, foi deputado na Assembleia Constituinte de 1911, Ministro da Justiça no governo de Afonso Costa, em Janeiro de 1913 e Ministro das Finanças no governo de Azevedo Cou-tinho, em Dezembro de 1914. Entre 1915 e 1918 as-sumiu as funções de Governador Geral de Moçam-bique, tendo então assumido o comando das forças expedicionárias no período da Grande Guerra. De-mitiu-se na sequência do golpe vitorioso de Sidónio Pais e veio a assumir um papel importante na Revol-ta de Santarém, de Janeiro de 1919. Fundou o Parti-do Reconstituinte e chefiou o Governo entre 20 e 30 de Novembro de 1920 e de 18 de Dezembro de 1923 a 6 de Julho de 1924. Na sequência do 28 de Maio e a instalação da Ditadura Militar foi preso como cons-pirador e internado em Elvas, de onde conseguiu es-capar e fugir para Paris. Gravemente doente, pediu permissão para regressar ao País, vindo a falecer em Coimbra poucos dias depois.

Refere-se, para o período do Estado Novo, a atribui-ção de cinco topónimos alusivos a personalidades que, de formas muito distintas, se salientaram na

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to do turismo em Portugal, tendo sido responsável pelo famoso primeiro Congresso Internacional de Turismo, realizado em 1911, e pela coluna “Coisas e Loiças” que manteve até falecer no mesmo Diário de Notícias. José Vitorino Damásio, oficial do Exército e enge-nheiro, celebrizou-se, entre outros aspectos, pela sua acção no campo da telegrafia em Portugal, tendo sido, aliás, Director-Geral dos Telégrafos. O reconhe-cimento da sua actividade, através da dedicação de um topónimo na cidade de Lisboa, em Santos-o-Ve-lho, chegou em 1947. José Vitorino Damásio nasceu em Vila da Feira, em 2 de Novembro de 1806 e fale-ceu em Lisboa em 19 de Outubro de 1875. Iniciou o seu percurso académico em meados da década de 20 (1826-27), quando ingressou na Faculdade de Matemática e Filosofia da Universidade de Coimbra. Na sequência do golpe absolutista, simpatizante da causa liberal, alistou-se no Batalhão dos Voluntários Académicos de Coimbra. Em plena Regeneração, e na sequência das primeiras experiências de telegra-fia eléctrica realizadas no Porto, redigiu inúmeros pareceres acerca da instalação do telégrafo eléctrico em Portugal. Foi Lente da Academia Politécnica do Porto e engenheiro-director das Obras Públicas do Distrito, reconhecendo-se a sua acção pioneira na utilização do processo de cilindragem. Ficou ainda a dever-se-lhe a construção da primeira draga a va-por, conhecida no País. Como industrial, saliente-se a constituição, com Faria de Guimarães, da Fundição do Bolhão, onde se fabricou a primeira louça esta-nhada nacional. Foi membro da comissão de reforma da instrução pública (1857), no âmbito da qual foi introduzido o curso de Telegrafia Eléctrica no Instituto Industrial de Lisboa, de que aliás foi Reitor. Foi ainda Director da Companhia das Águas. Em 1864 passou a integrar o corpo de Engenharia Civil do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria e foi nomeado Direc-tor Geral Interino dos Telégrafos do Reino. Dirigiu

efectivamente essa instituição durante três anos. À frente da Direcção Geral liderou a participação por-tuguesa na Conferência Telegráfica Internacional, realizada em Paris em Março de 1865, e foi um dos principais responsáveis pela subscrição da Conven-ção fundadora da União Telegráfica Internacional. Nos últimos anos da sua vida publicou uma série de artigos na recém criada Revista de Obras Públicas e Minas, que constitui uma referência para a engenha-ria portuguesa.Em 1948 a CML entendeu homenagear Gugliemo Marconi, electricista, cientista e inventor italiano que foi Prémio Nobel da Física em 1909, associando o seu nome a uma rua da freguesia São João de Deus. Assume-se a integração deste topónimo no quadro deste texto, com a intenção de recordar e salientar alguns aspectos que remontam, precisamente, ao tempo da I República. Desde logo, as quatro visitas, frequentemente esquecidas, que Marconi realizou a Portugal - três a Lisboa, em 1912, 1920 e 1929, e, em 1922, à cidade da Horta, ilha do Faial, onde em ce-rimónia realizada em 18 de Julho, recebeu honras de cidadão honorário. O propósito das visitas relaciona-va-se, evidentemente, com o debate em curso e o processo que conduziriam à criação da Companhia Portuguesa Radio Marconi no nosso País, fundada em 18 de Julho de 1925 e que assumiu as nossas ligações intercontinentais por quase oito décadas.

O processo remontava ao 1912, quando, passados quase dois anos de negociações entre os represen-tantes da Marconi’s Wireless e a Administração-Geral dos Correios e Telégrafos, sob direcção de António Maria da Silva, foi assinado um contrato provisório para montagem de estações de telegrafia sem fios. O contrato foi aprovado pelo Senado em 9 de Julho de 1912 e tornado definitivo pela Lei de 10 de Ju-lho, prevendo a construção de estações em Lisboa, Madeira, S. Miguel e Cabo Verde, deixando de parte os restantes territórios coloniais por limitações de ordem financeira. A crescente tensão internacional

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lações pessoais que foi tecendo, desde cedo, ao lon-go da sua vida). À sua vida ficaram indelevelmente ligadas a CUF, o Barreiro, a Carris, a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, a Tabaqueira,

a Seguradora Império... e um rol quase inumerável de ramificações e actividades que abrangeram to-dos os sectores da realidade económica nacional, e

se encontravam, de alguma forma, articulados en-tre si – expressão de uma estratégia e de uma lógica

inovadoras em Portugal e que o tornaram o criador do principal e mais poderoso grupo económico en-tre os «sete magníficos» que economia portuguesa

conheceu antes do 25 de Abril de 1974. Apresenta-se, em muito breves linhas, uma sínte-se que salienta o seu percurso mais pessoal, privi-

legiando o periodo da I República, ficando muito aquém de espelhar o que foi a actividade industrial e empresarial de Alfredo da Silva. Nasceu em Lisboa,

no dia 30 de Junho de 1871, no seio de uma famí-lia abastada. O seu pai, regenerador, faleceu cedo,

em 1885, deixando a Alfredo da Silva, com 14 anos, as funções de administrador dos bens da família. Alfredo da Silva frequentou o Liceu Francês e fez o

Curso Superior do Comércio no Instituto Comercial e Industrial de Lisboa. Começou a participar, jovem e desde muito cedo, nas assembleias gerais do Ban-co Lusitano e da Companhia dos Caminhos de Ferro, de que era accionista, e da CCFL de que a sua mãe era obrigacionista, intervindo frequentemente. Assi-nale-se, aliás, o papel que Alfredo da Silva terá de-sempenhado na decisão da adopção do sistema de tracção eléctrica com condutor aéreo por parte da Carris, concretizado em 1901. Alfredo da Silva viria a ser director da Companhia entre 1896 e 1899, com Zófimo Consiglieri Pedroso e Carlos Krus. Ascendera entretanto a director do Lusitano, com-prando então ao Banco de Portugal acções da Alian-ça Fabril, em que assumiu a posição de administra-dor-gerente. Não tardou muito para levar a cabo o propósito de fusão da Aliança Fabril com a sua

e a dificuldade do governo português em cumprir os compromissos financeiros estabelecidos contratual-mente, acabariam por adiar a construção desta rede por alguns anos, ao mesmo tempo que o período da I Guerra Mundial viria introduzir importantes ino-vações nas comunicações sem fios, nomeadamente com o desenvolvimento da onda curta e da radiote-lefonia. O projecto de estabelecimento da rede por-tuguesa de comunicações sem fios só foi retomado em Agosto de 1922 realizando-se um novo novo con-trato em que foram incluídas as colónias de Angola e Moçambique. Foram então promulgadas as bases da concessão entregue à Marconi’s Wireless ficando pre-vista a constituição de uma companhia portuguesa de telegrafia e telefonia sem fios a sediar em Lisboa. A Marconi portuguesa, constituída no ano seguinte,

passaria então a explorar a rede colonial e intercon-tinental de TSF, inaugurando os primeiros circuitos com os Açores, Madeira, Inglaterra e América do Norte em 15 de Dezembro de 1926 e estabelecendo, alguns meses depois, as primeiras radiocomunica-ções coloniais. A decisão da Comissão de Toponímia em atribuir uma Rua a Alfredo da Silva surgiu em 1960, satisfazendo o pedido apresentado pelo Sindicato Nacional dos Comerciantes. O nome do industrial veio substituir a Rua D à Quinta do Almargem, na Ajuda. Alfredo da Silva, o primeiro grande industrial português, «O Co-mercialista nº1», o industrial mais empreendedor em toda a Península Ibérica, o grande patrão da econo-mia portuguesa da primeira metade do século, assim, entre outros epítetos, como foi e tem sido designa-do ao longo dos anos. Porventura o exemplo mais bem acabado de capitão da indústria em Portugal, associou-se durante algum tempo ao seu percur-so a ideia do self made-men mais exemplar e bem sucedido do nosso País. Inegáveis, o importante ascendente e a poderosa influência que detinha e que exerceu a todos os níveis na história da primeira metade do século XX (gerindo uma vasta rede de re-

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De assinalar, no que respeita à actividade da CUF a impressionante dinâmica em termos de diversifica-ção de actividades, e a estratégia prosseguida por Alfredo da Silva no sentido de conquistar e impor-se em novos mercados fora do País. Entretanto de-flagra a Grande Guerra na Europa, trazendo alguns dissabores a Alfredo da Silva e aos seus negócios. Os escolhos maiores que a Guerra lhe trouxe foram por-ventura os que resultaram do facto de ser apontado germanófilo e de algumas entidades britânicas acu-sarem a União Fabril de manter relações de expor-tação com a Alemanha. Entretanto, Alfredo da Silva apareceria de novo na política active, saudando a chegada de Sidónio Pais ao poder e tendo mesmo sido senador durante o seu consulado. A seguir ao assassinato de Sidónio, Alfredo da Silva foi objecto de dois atentados, de que saiu ileso, decidindo en-tão sair de Portugal e fixar residência em Madrid. A par de tudo isso, a CUF consolidava e expandia o seu vasto empório industrial e entrava no mun-do bancário. Alfredo da Silva continuava a gerir os seus negócios a partir de Madrid, viajando amiúde até Lisboa. Foi aliás num dos regressos de comboio a Madrid, dois dias depois da «noite sangrenta», que na passage por Leiria, em 21 de Outubro de 1919, Alfredo da Silva foi de novo alvo de um atentado a tiro de que saiu ferido. Alfredo da Silva assistiu ao golpe militar de 28 de Maio de 1926 no mesmo ano em que adquiriu a fá-brica metalúrgica «Promitente». Por essa altura, os tentáculos da sua actividade chegavam a todos os sectores e a todo o lado. Em 1927 criaria A Tabaquei-ra, pondo fim ao monopólio do tabaco na mão da Companhia Portuguesa de Tabacos. Entusiasta da Campanha do Trigo, lançada pelo Governo da Dita-dura, da qual terá sido um dos grandes beneficiários na medida em que a campanha incentivou a utili-zação de adubos, Alfredo da Silva assistiu à ascen-são de Salazar ao poder, compartilhando com ele a vontade de ver um governo forte capaz de repor os

congénere e concorrente União Fabril, concretizada em 1898 assumindo Afredo da Silva a função de ad-ministrador gerente da nova Companhia. Em poucos anos a CUF impôs-se como uma referência no âmbi-to do panorama produtivo nacional, crescendo tam-bém a importância e o respeito pelo industrial que se foi impondo nas diversas esferas da sociedade por-tuguesa; não apenas pela sua actuação na CUF mas pelo dinamismo e relevância com que participava na vida pública: intervindo junto dos poderes públicos através de representações junto da Câmara dos De-putados e encontros com o ministro da Fazenda ou participando na actividade da Associação Industrial Portuguesa. Regenerador, como fora seu pai, Alfredo da Silva acompanhou João Franco que contou com o seu inequívoco apoio quando D. Carlos o chamou ao po-der na sequência da demissão de Hintze Ribeiro (em 19 de Maio de 1906). Em Agosto de 1906, Alfredo da Silva estava presente na inauguração do Centro Mar-ques Leitão em Alcântara, acontecimento tumultuo-so no decurso do qual Franco, que vinha prometen-do liberdades e eleições «à inglesa», proferiu a céle-bre frase «o partido republicano está precisado de uma data de sabre como de pão para a boca», tendo sido vítima dos apupos e apedrejamentos dirigidos a Franco à saída da sessão. Alfredo da Silva, tendo ainda sido eleito deputado franquista, terminaria esta sua experiência política com o termo da dita-dura franquista. Por essa altura já a CUF dera alguns passos muito significativos, salientando-se, entre tudo, a decisão da sua instalação no Barreiro, que, num ‘ápice’ se transformou num autêntico pólo industrial cuja acti-vidade ficaria pontuada, salientando-se mesmo, por instantes e crescentes manifestações e greves ope-rárias, inscrevendo-se aliás no contexto geral, con-formando a tendência no sentido de agravamento das relações com o operariado que genericamente caracterizou o periodo da I República

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nível do ensino superior através da criação do Insti-tuto Superior Técnico em Maio de 1911 por Manuel

de Brito Camacho (a que adiante se fará referência), então à frente do recém-criado Ministério do Fo-mento do Governo Provisório. A partir de então, os percursos entre a engenharia civil e militar foram formalmente cortados e do recém-criado IST surgi-ria uma engenharia moderna aberta a novos proces-sos e técnicas. Tratou-se, sem dúvida, de um projec-

to inovador, quer pela forte componente de articula-ção entre o ensino e a actividade económica, como, numa vertente pedagógica, pela introdução de alte-rações curriculares importantes, nomeadamente os dois anos preparatórios nas ciências fundamentais seguidos por outros em que se leccionavam as mais modernas especialidades de engenharia – mecâni-ca, electrotécnica, química, civil e minas. Para seu di-

rector, Brito Camacho convidou o professor Alfredo Bensaúde, mineralogista e engenheiro, tendo feito boa parte da sua formação na Alemanha, que anos antes publicara, em 1892, um “Projecto de Reforma do Ensino Technologico para o Instituto Industrial e Comercial”. Alfredo Bensaúde nasceu a 4 de Março de 1856 em Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, onde faleceu em

2 de Janeiro de 1941. Estudou em Hanover, Claus-thal, e Gotinga, tendo-se doutorado em Mineralogia, em 1881. Bensaúde assumiu a direcção do recém-criado instituto aplicando algumas ideias que há muito vinha defendendo, procurando inserir na es-cola a concepção da indispensabilidade do desen-volvimento da investigação, do experimentalismo praticado em laboratórios e oficinas conveniente-mente apetrechados, e da necessidade de estreitar a colaboração com o sector industrial. Tratava-se da concretização de uma reforma que traduzia uma óptica de formação científica integral. O IST configu-rava-se assim como instituição do ensino superior orientada para o desenvolvimento prático da inves-tigação e para a colaboração com o sector industrial,

princípios basilares da ordem e da disciplina financei-ra, entre outros. Institucionalizado o Estado Novo, Al-fredo da Silva foi procurador à Câmara Corporativa na I Legislatura (1934-1938), fazendo parte da secção das Indústrias Químicas e Metalúrgicas). Em meados dos anos 30 decidiu lançar-se em mais um projecto arrojado e de importante impacto para a indústria nacional ao concorrer ao arrendamento do Estaleiro Naval do Estado, com a exploração das ofici-nas e das docas do Porto de Lisboa: entrara no ramo da construção naval. No ano seguinte estavam em construção no estaleiro naval da CUF os bacalhoeiros Creoula e Santa Maria Manuela.A II Guerra Mundial começou, quando, no Barreiro, se montava um novo forno para aços eléctricos e esta-vam em vias de conclusão as obras para o fabrico de

sabão por meio do vapor. A guerra provocou, como já acontecera no passado, dificuldades de abaste-cimento, mas sem prejudicar de facto a actividade da CUF, cuja independência económica e financeira era crescente. Aliás, aos proveitos habituais juntar-se-iam os gerados pelos «negócios de guerra» e as oportunidades agarradas de aumentar o seu impé-rio industrial. Foi ainda por essa altura, que, em 1942, Alfredo da Silva entrou no ramo dos seguros fun-dando a Companhia de Seguros Império no que terá contado com a participação do seu genro Manuel de Mello que lhe sucederia na chefia da CUF a partir da data da sua morte, em 1943.Particularmente emblemático, no quadro da história da I República, por ter tido a ver com um dos seus desígnios e legados mais significativos, foi o papel de Alfredo Bensaúde, a quem a CML prestou home-nagem anuindo dedicar-lhe uma Avenida na fre-guesia da Santa Maria dos Olivais, entre a Praça José Queirós e a Avenida Cidade do Porto.O período da I República ficou marcado pelos pro-pósitos, longe de serem alcançados, e pelas inicia-tivas realizadas no campo do ensino. Uma das rea-lizações mais significativas e duradouras ocorreu ao

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dívida e desvalorização da moeda), o Governo Pro-visório lançou ainda um conjunto de ideias-base de uma reforma fiscal, entendida de forma global, mas que, na sequência da participação portuguesa na Grande Guerra, ficaria reduzida ao pacote legislativo promulgado em Maio de 1911. O projecto só seria retomado em 1922. A reforma visava modernizar o sistema fiscal português, promover a justiça fiscal entre os contribuintes e a arrecadação eficiente e ampliada das colectas. Entre outros efeitos, concre-tizou-se a alteração da contribuição predial rústica em imposto por quota com o agravamento signifi-cativo das suas taxas, assim como as da contribuição predial urbana. A reforma fiscal alargou a contribui-ção de registo às heranças para descendentes e tor-nou-as progressivas, à imagem do que se praticava noutros países europeus e que aumentava a colec-ta. A intenção consistia em exigir uma maior taxa de imposto a quem podia pagar mais, esbatendo a contribuição dos menos abastados, tendendo para um maior democratização do sistema fiscal através da progressividade.Desde o 25 de Abril de 1974 até à data da interven-ção que está na origem deste texto, no quadro das Jornadas de Toponímia realizadas em Setembro de 2011, destacam-se entre os seguintes topónimos atribuídos em Lisboa relacionados com a temática em análise: Rua Francisco Grandela, Avenida Afonso Costa, Rua Professor Moisés Amzalak Largo Azeredo Perdigão e Rua Brito Camacho.O topónimo que consagra Francisco de Almeida Grandella situa-se em Benfica, tendo sido atribuído em 1976. Francisco de Almeida Grandela nasceu em Aveiras de Cima no dia 23 de Julho de 1852 e faleceu na Foz do Arelho em 20 de Setembro de 1934. Com-pletados os estudos primários começou a trabalhar como marçano em Lisboa. Aos 18 anos era caixeiro tendo entretanto trabalho em várias casas de rou-pas e acessórios da Baixa de Lisboa. Aos 27 resolveu

na linha do pensamento de Bensaúde, fortemente influenciado pelo modelo alemão de organização do ensino técnico-profissional superior.Por fim, neste contexto, o caso da Rua José Relvas, que se reveste de uma singularidade significativa. É que, na realidade, a decisão de atribuir um topónimo a Relvas datava de 1929… ano, aliás, em que faleceu. A deliberação camarária tinha acontecido em 7 de Novembro de 1929, mas o arruamento a que foi atri-buído o nome Relvas não chegara a ser executado. Foi, pelos vistos, necessário esperar pelo ano de 1971 para que os serviços da edilidade se apercebessem do sucedido. Foi então, em 15 de Março de 1971, que o Edital municipal recuperou a decisão perdida e determinou que a Rua Municipal (ao Alto dos Tou-cinheiros, no Beato) passasse a designar-se Rua José Relvas, com a legenda «Diplomata / 1858 – 1929». José Mascarenhas Relvas nasceu na Golegã em 5 de Março de 1858 e faleceu em Alpiarça em 31 de Outubro de 1929. Fez o Curso Superior de Letras tendo como tese “O Direito Feudal”. Foi Membro do Directório do Partido Republicano Português cons-tituído em 1909 com a incumbência de fazer a Re-volução. Foi Relvas que, em 5 de Outubro de 1910, proclamou ao país a instauração da República da va-randa da Câmara Municipal de Lisboa. Foi ministro das Finanças do Governo Provisório de 1910-1911, ministro de Portugal em Madrid (1911- 1914) e de Chefe do Governo em 1919. De salientar, no âmbito deste texto, a estratégia que prosseguiu e a acção de grande relevância que teve à frente da pasta das Finanças. Poucos dias após a implantação da Repú-blica, a 17 de Outubro de 1910, Relvas anunciou vá-rias disposições relacionadas com o financiamento do défice para, meses mais tarde, a 22 de Maio de 1911, promulgar a reforma monetária, substituindo o real pelo escudo. Sublinhe-se que, para além des-ta preocupação com a resolução da denominada “questão financeira” (entendida nos seus três aspec-tos principais: equilíbrio orçamental, montante da

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Avenida João XXI”. Na economia do presente texto, salienta-se quando à biografia de Afonso Augus-to da Costa, porventura o político mais ‘célebre’ da I República, nascido em Seia, no dia 6 de Março de

1871 e falecido em Paris, no exílio, em 11 de Maio de 1937, apenas a sua acção no campo económico-fi-

nanceiro, recordando dois aspectos fundamentais: a sua actividade como professor, sobretudo no tempo que leccionou na Universidade de Coimbra, e a sua

acção como ministro das Finanças. Afonso Costa concluiu a licenciatura de Direito na Faculdade de Direito de Coimbra em 1894, dou-

torou-se no ano seguinte e concorreu a lente na mesma faculdade. Leccionou em Coimbra de 1896

a 1903 e de 1908 a 1911. Em Lisboa, docente da Escola Politécnica de Lisboa de 1911 a 1913, da re-cém-criada Faculdade de Direito de Lisboa (de que

também foi Diretor), entre 1913 e 1915, e no novo Instituto Superior de Comércio, em 1915. Salienta-

se, neste plano, as suas lições de Economia Social, ou como ficam registadas, as Prelecções sobre Ciência Económica e Direito Económico Português publica-

das a partir dos apontamentos dos seus alunos em 1896, José Emídio Soares Costa Cabral e José Dias, reflectindo a actualidade das suas leituras e a incor-poração interpretada da descoberta dos novos con-ceitos, o conhecimento das correntes e escolas mais recentes e das propostas dos principais teóricos con-temporâneos. Em Janeiro de 1913 Afonso Costa assumiu pela pri-meira vez a chefia de um governo republicano, pre-dominantemente «democrático», reservando para si a pasta das Financas. Saliente-se a estratégia pros-seguida, visando, a todo o custo, o equilíbrio finan-ceiro; recordem-se os instrumentos utilizados, no-meadamente a política de restrições financeiras por intermédio da imposição da Lei Travão (que impedia os deputados de aprovarem medidas que exigissem despesas sem que fossem previstas as respectivas receitas para o seu financiamento), que suscitou

estabelecer-se por conta própria, abrindo uma casa de fazendas na Rua da Prata. O negócio prosperou de tal forma que passdo pouco tempo lhe permitiu abrir uma loja maior, sita no Rossio, e a partir daí um conjunto de filiais a par da expansão do negócio em termos fabris. Em breve deixou o Rossio para abraçar um projecto de maior arrojo e ‘modernidade’, a cons-trução de um grande armazém que inauguraria em 1891 cujo sucesso rapidamente se fez notar. A Guer-ra, porém, interromperia esse percurso… entre difi-culdades financeiras e um percurso que já ia longo, Grandella cedeu a exploração dos Grandes Armazéns a uma sociedade por quotas constituída por um dos filhos e alguns dos seus antigos empregados retiran-do-se do mundo dos negócios. Uma nota, para referir que, para além da importân-

cia, presença incontornável e memória duradoura e património inestimável representado pelos Grandes Armazéns, Grandella se notabilizou pela sua acção cívica e, de alguma forma, política. Destacam-se, nes-se sentido, a sua intervenção na defesa e implemen-tação do descanso semanal, da instrução e apoio social aos trabalhadores (sendo emblemática a construção do Bairro Grandela para os operários das suas fábricas de fiação, tecidos e móveis de ferro), e a sua aproximação à causa republicana, através do financiamento de iniciativas do Partico Republica-no e chegando a fazer parte, em 1908, da Comissão Distrital Republicana de Lisboa e feito parte da pri-meira vereação republicana, que venceu as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa em 1908. Maçon, pertencendo à Loja O Futuro, fundada em 1905, foi também tesoureiro da Comissão de Resistência da Maçonaria, criada em Junho de 1910, para a prepa-ração da Revolução do 5 de Outubro.O topónimo Avenida Afonso Costa foi atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa, através de edital de 30 de Dezembro de 1976, ao “arruamento que partindo da Praça do Areeiro segue para nascente e é vulgarmente designado por prolongamento da

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mara Corporativa, fundador e presidente da Aliança Francesa em Portugal, para além de ter sido o Pre-sidente da Comunidade Israelita em Lisboa, tendo tido uma acção muito importante na recepção de refugiados judeus durante a II Guerra Mundial. Esta sequência de notas relativas aos topónimos que evocam personalidades de alguma forma envolvidas com o contexto histórico-económico da I República termina com a referência a um dos seus expoentes, Manuel de Brito Camacho, homeageado com a atri-buição do seu nome a uma Rua sita no Lumiar. Manuel de Brito Camacho exerceu a profissão de médico-militar, dedicando-se também ao jornalis-mo político, e empenhando-se na propagação dos ideais republicanos. Escreveu em vários jornais, como A Pátria, de Lisboa, Intransigente, que fundou e dirigiu, de Viseu. Fundou, a 1 de Janeiro de 1906, em Lisboa, A Luta, que se tornou um dos principais baluartes da propaganda que conduziu à proclama-ção da república, empenhando-se particularmente em algumas campanhas antimonárquicas e anticle-ricais. Brito Camacho exerceu os cargos de deputado pelo partido republicano, Ministro do Fomento, ten-do ainda sido chefe da União Republicana, procu-rando, em 1919, a ligação entre este partido político e o Partido Evolucionista, formando assim o Partido Liberal Republicano.Brito Camacho nasceu em Aljustrel a 12 de Fevereiro de 1862, no seio de uma família de lavradores abas-tados. Os primeiros anos de escolaridade passou-os em Aljustrel, onde completou o ensino primário, ru-mando a Beja, já mais tarde, em 1876, para frequen-tar o Liceu. Quatro anos depois, e numa altura em que a capital portuguesa celebrava o tricentenário da morte de Camões, Camacho chegava a Lisboa, matriculando-se na Escola Politécnica. Aluno media-no, formou-se em Medicina pela Escola Médico-Ci-rúrgica de Lisboa em 1884, apresentando uma tese de licenciatura que intitulou: A herança mórbida: apontamentos de hygiene.

veementes protestos dados os seus efeitos politicos e sociais, a remodelação do sistema monetário, e, claro, os resultados superavitários alcançados nas contas públicas nos anos económicos de 1912-13 e 1913-14.Brevíssima nota, a propósito do topónimo Largo Aze-redo Perdigão, sito na Freguesia de Nossa Senhora de Fátima no sentido de recordar como José Henrique de Azeredo Perdigão, nascido no dia 14 de Setembro de 1896, em Viseu, tendo falecido no dia 10 de Setembro de 1993 em Lisboa, notável pela sua carreira de su-cesso na advocacia e, especialmente, pela sua acção como Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian esteve presente no tempo da I República. Participou na fundação, com Raul Proença, Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, Raúl Brandão e outros, a revista Seara Nova, onde publi-cou vários estudos e comentários sobre economia, tendo escrito uma peça notável de caracterização da indústria portuguesa publicada pelos Arquivos da Universidade de Lisboa em 1916.Foi já em 1989 que a CML entendeu atribuir o nome do Professor Moisés Amzalak a um troço da antiga Rua B da Urbanização da Quinta de Stº António a Te-lheiras. Economista e professor universitário, Moisés Bensalat Amzalak nasceu e faleceu em Lisboa, a 4 de Outubro de 1892 e 6 de Junho de 1978. Publicamen-te activo, desde muito jovem, tendo aliás promovido e liderado, no periodo após a I Guerra Mundial, uma tertúlia de economistas, na qual terá participado Oli-veira Salazar.Formou-se no Instituto Superior de Ciências Eco-nómicas e Financeiras, do qual foi professor até se jubilar e director entre 1933 e 1944. Deixou uma ex-tensissíma obra publicada sobre economia política, história das doutrinas económicas em Portugal, Bra-sil e nas antigas Grécia e Roma e ainda sobre história económica e social, destacando, no âmbito deste texto, Do Estudo e da Evolução das Doutrinas Econó-micas em Portugal, de 1929. Amzalak foi ainda reitor da Universidade Técnica de Lisboa, procurador à Câ-

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Avenida António Maria de Avelar a Avenida Cinco de Outubro, a Avenida Hintze Ribeiro a Avenida Miguel Bombarda entre outros casos.Já o segundo caso, com que se termina este texto, é

particularmente significativo. Trata-se, precisamen-te, de uma homenagem concretizada em pela Repú-blica, no anos de 1915, e que reporta a um realidade

indelevelmente ligada ao ideário republicano, a Rua da Voz do Operário, na Graça, São Vicente de Fora.

Consagração da vereação republicana dedicada à «Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário», fundada em 1879 e sediada na rua que

recebeu o seu nome a partir de 1913. A Sociedade «Voz do Operário» foi fundada em 1879, por iniciati-va dos operários dos Tabacos, com a publicação de

um semanário com aquele título, criando-se pouco depois uma cooperativa e logo depois, a instituição de beneficência e instrução que ainda hoje existe.

Tinha por propósitos fundamentais promover a ins-trução e a assistência. Ganhou expressão e dimen-

são, ajustando a sua actividade às novas realidades e oportunidades que a República lhe aportara. Foi então que se lançou o projecto de construção de

uma nova sede em cerimónia realizada em Outubro de 1912 com a presença do primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga.

Referiu-se, no início deste texto, que a I República não enunciou, no campo económico, uma política ou uma estratégia que a tenha distinguido do mo-delo e até do enunciado que herdou da Monarquia Constitucional, tendo, de resto, prosseguido em boa parte os mesmos objectivos nos domínios econó-mico e financeiro. Foi, porém, portadora de um pro-pósito de fomento e modernização e acabou por introduzir alguns instrumentos ou medidas nalguns casos consequentes e duradouros. Foi, com certe-za, arrojada em muitas das propostas, que em boa medida ficaram por concretizar, sobretudo no do-

Brito Camacho manteve-se afastado da política até 1893, ano em que concorreu, nas listas republicanas, à Câmara dos Deputados em representação do círculo eleitoral de Beja. Quase em simultâneo fez publicar - no jornal Nove de Junho - um conjunto de artigos em que tecia duras críticas à monarquia e às suas insti-tuições, inaugurando uma longa e bem sucedida car-reira na imprensa, destacando-se, é claro, a fundação, em 1906, do jornal A Lucta. Implantada a República, Manuel de Brito Camacho, assumiu a pasta do Fomento do Governo Provisório, a partir da qual prosseguiu projectos, teceu estraté-gias e implementou medidas do maior significado e repercussão em termos de realidade económica do País, entre as quais a criação do Instituto Superior Técnico.

Fundou o Partido Republicano Unionista, protago-nizando um das primeiras dissidências no interior do velho Partido Republicano Português. Quando a I Guerra eclodiu, deixou clara a sua posição crítica quando à intervenção portuguesa e viria a recusar integrar o Governo de União Sagrada, composto por Democráticos e Evolucionistas, em Março de 1916. Entre Março de 1921 e Setembro de 1923, Brito Ca-macho desempenhou funções como Alto Comissá-rio da República em Moçambique. Morreu em Lis-boa a 19 de Setembro de 1934.

Quanto aos topónimos relativos a outras realidades, uma breve nota relativa apenas aos dois que efecti-vamente assumem um significado especificamente relacionado com a I República. O primeiro, sem mais história do que a actividade que o nome evoca, é o da Rua do Comércio, antiga Rua de El Rei, que surge no quadro do primeiro edi-tal da vereação republicana da CML, datado de 5 de Novembro de 1910, através do qual se substituiam os topónimos relacionados com a Monarquia por re-ferências republicanas – foi então que a Avenida Rai-nha Dona Amélia passou a Avenida Almirante Reis, a

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mínio dos métodos apontados para alcançar o desen-volvimento. Porém, foram lançadas e incorporadas novidades bastante significativas, nomeadamente no campo da difusão da instrução, da exploração ra-cional das colónias, do aumento do crédito agrícola e, claro, salientando o indiscutível êxito republicano nesse domínio, as medidas introduzidas na gestão das contas públicas, visando o aumento das receitas e diminuição das despesas do Estado.De assinalar, ainda, na sequência desta breve iden-tificação e análise das memórias toponímicas que suscitou, o contributo moderno e inovador deixado por um conjunto de protagonistas, políticos, auto-res, como Basílio Teles, Alfredo Bensaúde, ou Azere-do Perdigão, aqui referidos, entre tantos outros, que, numa série de escritos dispersos, procuraram enqua-drar algumas temáticas relacionadas com o desen-volvimento económico nacional, nomeadamente: a especialização do País na produção agrícola, a valori-zação do solo, o planeamento regional, entre outras diversas matérias que, no seu conjunto, reflectindo a consciencialização quanto ao estudo da realidade, que sobrevém de forma acentuada à luz do impacto da I Guerra Mundial, visavam o desenho e a projec-ção dos caminhos a seguir no sentido do desenvolvi-mento e valorização da economia nacional.

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Rua do Grémio Lusitano. Início do séc. XX.

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Todas as ruas deste secular bairro, alto de seu nome, transpiram História e histórias que marcam o tempo, as pessoas ou as instituições. Por aqui passou a Severa na Travessa do Poço da Cidade, aqui viveram Bocage, na Travessa André Valente, Eça e Oliveira Martins na Rua dos Caetanos, por aqui se ouviu Luisa Todi no Teatro do Bairro Alto, situado no antigo Palácio dos Condes de Soure, aqui nasceram João Domingos Bomtempo na Rua Larga de S. Roque, Sebastião de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, na Rua de O Século, ou Camilo Castelo Branco na Rua da Rosa, e por aqui também passaram Vieira Lusitano ou Silva Porto, entre muitos nomes da nossa vida cultural, política e económica, já para não falar num grande comerciante e maçon do início do século XIX, Jáco-me Raton, que ali construiu o seu Palácio, que é hoje o edifício do Tribunal Constitucional, ou nos muitos títulos da imprensa que deram uma alma muito es-pecial ao bairro Alto.

A urbanização do espaço fez nascer um conjunto de ruas marcadas por um traçado perpendicular, sa-bendo-se que foi elevada a paróquia em 1698 por intervenção da Condessa de Pontével, Dª Elvira de Vilhena. A sua localização debruçada sobre o Tejo e o fato de não ter sido significativamente afetada pelo terramoto fez nascer um conjunto de edifícios per-tencentes a famílias nobres ou da burguesia comer-cial, que se estendiam até às Chagas ou até ao Largo do Barão de Quintela, que não se misturavam com a popular Bica dos aguadeiros, das varinas e dos pes-cadores, com uma separação que era marcada pela atual Calçada do Combro, que se sobrepõe à anti-ga estrada de Santos. O terramoto encarregou-se de acentuar estes dois pólos sociais, que em época mais distante haviam sido uma única propriedade, ao fazer abater uma parte das escarpas das Chagas sobre a atual Bica. Por outro lado, no Bairro Alto, as ruas largas e direitas adequavam-se a novos hábitos do século XVIII, como o uso do coche, de que ain-

da restam vestígios junto a S. Roque, e permitiu que muitas famílias nobres se mudassem para o bairro ou porque as suas casas foram preservadas pelo terramoto ou pelos “bons ares” de que gozava. Foi só no século XIX, com o declíneo de uma nobreza desajustada de novas realidades sociais e económi-cas, que o panorama social do Bairro Alto se alterou, juntando os elementos populares á boémia nobre e burguesa ainda subsistente do século XVIII.

Poderíamos pois começar esta nossa história pela antiga Travessa do Guarda Mór que em épocas re-cuadas e recorrendo às palavras de Júlio de Castilho fazia parte de “uns matagaes e pastios silvestres”, pon-teados por casais e herdades ermas. O espaço hoje delimitado pelo Bairro Alto ficava fora das muralhas da cidade e a sua criação, porque se trata efetiva-mente de uma criação é decorrente da expansão da cidade a partir do século XVI, cujo loteamento ocor-re a partir de 1513. Para chegar aos seus primeiros proprietários temos de mergular na História numa altura em que o local era propriedade de Guedelha Palaçano, cuja esposa, já viúva, em 1487, procede ao aforamento em nome de Filipe Gonçalves, cuja con-cretização não é certa. A verdade é que, anos mais tarde, local é vendido a Luis de Atouguia cujo filho, Lopo de Atouguia, acorda um subaforamento com Bartolomeu de Andrade e Francisca de Cordovil, por sua vez filha de Filipe Gonçalves. Consequên-cia do loteamento então feito, em 1551 já se refe-rem as ruas das Gáveas, dos Calafates, da Atalaia, da Rosa e da Salgadeira (singular). É esta aproximação à genealogia dos Andrade que leva a que o local também venha a ser conhecido por Vila Nova dos Andrades, designação que com o tempo vai sendo substituída por uma outra, a de Bairro Alto de S. Ro-que, consequência do estabelecimento dos jesuítas nesta zona e da proximidade á antiga ermida de S. Roque. Aliás, é esta proximidade que faz com que a Travessa do Guarda Mór também tenha sido conhe-

Da Travessa do Guarda Mór á Rua do Grêmio Lusitano

António LopesMestre em História do século XX. Diretor do Museu Maçónico Português.

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1 Itinerário Lisbonense ou Directorio Geral de todas as ruas, travessas, becos, calçadas, praças, etc. que comprehendem no recinto da cidade de Lisboa, com seus próprios nomes, principio, e termo, indicados os lugares mais conhecidos, e geraes, para utilidade, uso e commudidade por estrangeiros, e nacionaes, 3ª edição, Lisboa, tip. Rollandiana, 1824;

2 CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antiga – O Bairro Alto de Lisboa, 2ª edição, Lisboa, Ed. Antiga Casa Bertrand – José Bastos, 1902, p. 102.

A instalação da estrutura maçónica neste espaço foi gradual, abandonando-se as instalações espalhadas por Lisboa, na Rua do Carmo 43, até então tam-bém designado de Palácio Maçónico, na Travessa

da Queimada ou no Largo Barão de Quintela, entre outras e seguiu uma prática da Maçonaria europeia

da época onde há a tendência para a ocupação de espaços mais estáveis que possibilitaram um ritual maçónico mais exigente, não apenas na prática,

mas também sob o ponto de vista simbólico e de-corativo. O espaço foi comprado a Carlos Relvas, rico

proprietário da Golegã e pai do republicano e ma-çon José Relvas, sendo a assinatura da escritura de venda efetuada num cartório da Rua do Ouro nº 50,

em Lisboa, em 17 de novembro de 1879, assinando pelo Grémio Lusitano, Miguel Batista Maciel, Jesuíno Ezequiel Martins, Eduardo Augusto Craveiro e João

de Atouguia França Neto. A Maçonaria instalava-se no antigo palácio pertencente aos Condes da Ata-

laia, do qual ainda se conservam hoje um conjunto de azulejos do séc. XVII, provavelmente oriundos da capela que Júlio de Castilho refere em Lisboa Antiga.

A escritura é elucidativa do espaço dizendo-nos que a propriedade “sita na rua d’Atalaya (...) numeros anti-gos cento e trinta e trez a cento e trinta e quatro, e mo-dernos cento e cincoenta e com esquina e frente tam-bém para a travessa do Guarda Mór, numeros quinze e dezesseis antigos e trinta e cinco a quarenta e cinco modernos, a qual propriedade (...) é de pavimento no rés do chão com duas lojas, com quintal no fundo, dois andares e água furtada.” Sabe-se que foi autorizado, em Assembleia Geral do Grémio Lusitano, o levanta-mento de verbas e o empréstimo de um total de 14 mil reís, destinados não apenas à compra do imóvel, mas também a obras de restauro, já que o espaço se encontrava bastante degradado. Aliás, anos mais tar-de, Júlio de Castilho lembrando as palavras de Carlos Relvas lembra isso mesmo, tendo as obras tido início logo em 1879 e prolongando-se até ao ano seguin-

cida por Travessa do Relógio até ao início do século XIX, por desembocar junto à torre do relógio de S. Ro-que, bastante danificada pelo terramoto de 1755. Um guia de 1824 localiza-a claramente ao referir que “ (...) he a terceira á esquerda, entrando pela Rua da Torre de S. Roque, vindo da Igreja deste nome, e termina na Rua da Atalaia.” 1

Segundo Júlio de Castilho a designação de Guarda Mór parece ser proveniente de um Guarda Mór a quem fora aforado um chão naquele sitio, durante o reinado de D. Afonso VI 2. Marcantes na estrutura do Bairro Alto seriam os campos no seu topo, com refe-rência aos moinhos da Cotovia e daí a atual Rua D. Pedro V se ter chamado Rua do Moinho de Vento ain-da durante o século XIX, a colina que hoje se debruça

sobre a Avenida da Liberdade, a própria muralha fer-nandina e naturalmente as portas de Santa Catarina e a antiga estrada de Santos.

Na antiga Travessa do Guarda Mór ficava a resi-dência de Batalha Reis, ali tendo início as reuniões do Grupo de Cenáculo, constituído por Antero de Quental, Augusto Fuschini, Carlos Mayer, João de Deus, José Fontana, Mariano Machado, Manuel Ma-chado, Ramalho Ortigão, Eça de Queiróz e Salomão Saragaa, grupo onde o debate cultural e político esteve sempre presente e que constituíu um ponto de apoio para a realização das célebres Conferên-cias do Casino, em maio de 1871.

Referência incontornável nesta rua é o chama-do Palácio Maçónico, situado na antiga Travessa do Guarda Mór, hoje Rua do Grémio Lusitano. A mudança da sede da Maçonaria portuguesa para estas instalações ocorre como consequência da unificação das várias Obediências maçónicas por-tuguesas, ocorrida em 1869, sob a égide do Conde de Paraty, constituindo-se então o Grande Oriente Lusitano Unido.

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ta principal apresenta decoração mais elaborada, sendo emoldurada a cantaria e rematada com fri-so triangular trabalhado. A fachada possui janelas de sacada guarnecidas por grades de ferro de varas verticais com anéis a meia altura. Todas estas jane-las se encontram alinhadas na vertical com os vãos existentes no piso térreo. À exceção das entradas, o alçado correspondente à rua da Atalaia é idêntico à da fachada principal. O encontro dos alçados efetua-se por meio de um cunhal de cantaria de feição ma-neirista, o qual a partir do terceiro piso se prolonga em alvenaria.

A entrada pela rua do Grémio Lusitano teria a possi-bilidade de ser simultaneamente uma entrada para um logradoro ou para carruagens, o tal quintal em fundo que chegou a ter um poço até há poucos anos, a acreditar em algumas colunas encontradas no interior de algumas paredes, provavelmente le-vantadas nos finais do século XIX. As obras efetua-das neste espaço foram graduais e constituiram não apenas um acrescento ao edifício já existente, como lhe conferiram uma entrada apalaçada, ao gosto da burguesia de finais do século XIX e, olhando para imagens da época existentes no Arquivo Fotográfi-co da Câmara Municipal de Lisboa, devem ter con-tribuído para a requalificação da rua em termos ur-banísticos.

Recuando novamente aos finais do século XIX, sa-bemos que a instalação do Grande Oriente Lusitano neste espaço ocorreu em maio de 1880 já depois de grandes debates internos sobre a localização do Palácio Maçónico, constituindo-se como alternativa o Páteo do Pimenta. O valor de compra é registado em doze contos e oitocentos e sessenta mil réis, significativo para a época, que obrigou mesmo à emissão de ações junto dos associados do Grémio Lusitano, ou seja dos maçons do Grande Oriente Lusitano Unido. A ocupação dos espaços variou ao

te. O espaço não era uma propriedade única, já que se sabe que Carlos Relvas lhe juntou partes que haviam pertencido a outros proprietários. De qualquer das formas é de sublinhar o facto de se referir sempre que a entrada principal se situava na Rua da Atalaia, algo que mudará com as sucessivas obras que viriam a ser efetuadas. O edifício hoje ocupado embora sendo um edifício único denota uma diferenciação decorrente dessas obras, tendo as primeiras ocorrido no corpo que fica virado para a Rua da Atalaia, como se disse em 1879-80. Nessa altura foi terminada a construção do primeiro Templo e o Grémio Lusitano instalou-se no local em maio de 1880. Por isso hoje parece ser constituído por dois corpos distintos, o que não é verdade, ainda que a parte virada para a Rua do Gré-mio Lusitano seja uma ampliação a partir de uma estrutura de dois andares e àguas furtadas existente com frentes para a Rua da Atalaia e Rua do Grémio Lusitano. As obras, que mantiveram a estrutura base até hoje, prolongaram-se até cerca de 1901, adap-tando-se às necessidades de crescimento da Maço-naria em Portugal, sabendo-se que este espaço já teria a configuração atual por descrições feitas em 1910, quando da revolução republicana. O segundo grande momento de adaptação do edifício ocorreu em 1897-99, que implicou um novo empréstimo de 13 500 réis, ao Crédito Predial Português, em 1898. Em 1901 terminaram as obras no chamado Templo grandes, hoje denominado de José Estevão, e é por esta altura que o Palácio ganha a traça arquitetónica que mantém hoje.

Segundo o registo existente na Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, classificando--o como monumento, o palácio destaca-se do seu meio envolvente pela sua monumentalidade. De volumetria sensivelmente paralelepipédica e plan-ta quadrangular com três pisos, fachada principal é caracterizada por fenestração distribuída a um ritmo regular com preocupações de simetria. A por-

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Congressos maçónicos realizados nos primaeiros anos do século XX em diferentes pontos do país. Acresce e não é de menor importância, a proximi-dade da imprensa instalada no Bairro Alto, algu-

ma dela de tradição republicana, que potencia um ambiente de debate político significativo. Neste período aqui se cruzaram ideias repubhlicanas,

carbonárias, socialistas, anarquistas, monárquicas, católicas, anticlericais ou outras de menor expres-

são.

Em 1910 aqui se constituíu a chamada “Comissão de Resistência”, estrutura destinada a consultar as Lojas maçónicas da opção monarquia ou república enquanto regime preferencial, para além de cons-

tituir uma forma de auxiliar os maçons persegui-dos pelos últimos governos da monarquia. Este foi um dos locais por onde Machado Santos passou

antes de dar início às movimentações revolucioná-rias e aqui se esconderam as bandeiras arvoradas

na Rotunda e noutros locais de Lisboa durante a revolução republicana.

Como espaço de referência dos ideais da Repúbli-ca de 1910, o Palácio Maçónico sofreu com as vicis-situdes da política e do ambiente social da época. Em 9 de dezembro de 1918, foi assaltado o que levou à destruição da biblioteca e dos arquivos das lojas, então situados no terceiro andar (àguas furtadas) do edifício e de algumas salas de reu-nião, no segundo andar. Também não escaparam à destruição o restaurante e a secretaria, situados no primeiro andar e a sala de bilhar, situada no rés do chão. Segundo a descrição da época foi vandaliza-da grande parte do mobiliário, sendo visíveis nas fotografias da época vidros e candeeiros partidos, portas arrombadas e inúmeros documentos espa-lhados pelo chão.

As razões destes acontecimentos radicam na dita-

longo dos últimos anos do século XIX e inícios do XX. Existiram grandes debates internos sobre como ocu-par o edifício, sabendo-se que as salas do rés do chão estiveram alugadas a entidades exteriores á Maçona-ria, chegando mesmo ali a nascer uma das primeiras coorporações de bombeiros voluntários de Lisboa, a Associação do Serviço Voluntário de Ambulâncias de Incêndio, fundada na década de 1880-1890, ainda que esta possa ter sido uma entidade para-maçónica. É também no rés do chão do edifício que oficialmen-te se instala o Grémio Lusitano, razão pela qual, ainda hoje, se considera este espaço como aberto aos pro-fanos. Refira-se que no piso térreo, virado para a Rua da Atalaia, esteve até à clantestinidade instalada um tipografia, a Tipografia Minerva Peninsular, proprie-dade do Grémio Lusitano. Refira-se também que na

entrada da Rua do Grémio Lusitano havia duas pe-quenas salas, uma por cima das instalações do por-teiro e a outra, em frente, onde se situava a redação do jornal A Luz.

Em janeiro de 1888 a Travessa do Guarda Mór vê a sua designação alterada para Rua do Grémio Lusi-tano, por ação de Elias Garcia junto da Câmara de Lisboa, então Grão Mestre da Maçonaria. Recorde-se que Elias Garcia, em 1878, e Rosa Araújo, entre 1878 e 1886, exerceram o cargo de presidente da Câmara Municipal de Lisboa, sendo ambos desta-cados maçons, e no caso particular de Elias Garcia de ter sido Grão-Mestre do Grande Oriente Lusita-no Unido. Juntemos a isto o importante papel da Maçonaria na sociedade portuguesa com homens como D. Fernando II, Fontes Pereira de Melo, Rafael Bordalo Pinheiro, Veloso Salgado e muitos outros.

Na realidades, neste período que vai do final do século XIX aos primeiros anos do século XX, no Grémio Lusitano e nas Lojas maçónicas portugue-sas, vive-se uma intensa atividade política, bem expressa nos inovadores temas apresentados nos

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ficência, o que implicou uma redução drástica da atividade. A reabertura do Palácio apenas ocorreu em março do ano seguinte, ao sabor do livre arbí-trio do Governo Civil de Lisboa e com a imposição de que não se efetuassem reuniões com mais de dez pessoas, ou que em todo o Palácio não exis-tissem mais de vinte pessoas presentes. Para a Maçonaria foi um período conturbado e difícil em termos logísticos tendo, por isso, sido novamen-te encerrado de dezembro de 1930 a fevereiro de 1931, vindo as suas portas a serem seladas em 18 de maio de 1931, por ordem de Lopes Mateus, mi-nistro do Interior do regime e maçon.

A Maçonaria viria a ser duramente atingida pela Lei nº 1901 de 21 de maio de 1935, nascida do Projeto Lei nº 2, iniciativa do deputado José Cabral, entre-gue na mesa da Assembleia Nacional na sessão nº 4, de 19 de janeiro desse ano. O projeto-lei proibia a existência de associações secretas, determinando que todos os seus bens fossem arrolados e vendi-dos em hasta pública, ao mesmo tempo que tam-bém proibia qualquer cidadão de fazer parte delas, sob pena de prisão e exílio forçado. Estava aberta a porta á ilegalização da Maçonaria argumentando o deputado José Cabral que a Maçonaria havia decla-rado uma guerra implacável à Revolução Nacional, constituindo-se uma organização política que seria revolucionária se as circunstâncias o permitissem e incompatível com os princípios do Estado Novo.

A pressão das autoridades sobre o Grande Oriente Lusitano Unido não era apenas política mas tam-bém administrativa, financeira e até simbólica. O facto das instalações do Grémio Lusitano terem sido encerradas e seladas em 1935, constitui o anúncio público do fim das esperanças para muitos republi-canos. Era o encerrar de um período, a Primeira Re-pública, onde a Maçonaria tinha sido a sua força e apoio. Por outro lado, o facto de o Palácio Maçónico

dura sidonista, a qual teve como consequência a per-da generalizada de apoio político, mesmo por parte daqueles que inicialmente apoiaram a ascenção ao poder de Sidónio Pais, incluindo boa parte do opera-riado urbano. Sidónio Pais foi alvo de uma tentativa de atentado em 6 de dezembro de 1918, por parte de um jovem de nome Luis Maria Batista, cujos boa-tos referiam estar ligado à Associação Pró-Pátria, pró-xima da Maçonaria e da então já extinta Carbonária. O resultado desses boatos traduziu-se no assalto às instalações do Grémio Lusitano no dia 9. Dias depois, a 14 de dezembro, Sidónio Pais foi assassinado na Es-tação do Rossio, em Lisboa, por José Júlio da Costa que, segundo a imprensa da época, padecia de pro-blemas mentais graves. Porque Costa havia tentado contactar Magalhães Lima, então Grão-Mestre da Maçonaria, esta foi acusada de ligações ao atentado o que levou à detenção de Magalhães Lima entre 17 de dezembro de 1918 e 14 de janeiro de 1919. Algu-mas Lojas espalhadas pelo país viram as suas instala-ções destruídas, nomeadamente em Braga, Vila Real, Coimbra, Mafra, Viana do Castelo e Porto.

Foi também este Palácio motivo para a repressão das liberdades surgida na sequência do golpe mi-litar de 1926. Na noite de 16 de abril de 1929, a Guarda Nacional Republicana e a Policia, sob as ordens de José Vicente de Freitas, então Ministro do Interior, dão ordem de prisão a alguns maçons que se encontravam no Palácio, que são levados para as instalações do Governo Civil. A exceção vai para os militares presentes, que à saída do Palácio são apenas identificados. Em rigor não se tratou de uma invasão do Palácio, ainda que alguns es-tudos publicados o afirmem. De qualquer forma, foi particularmente negativa esta ação das forças policiais, de tal forma que, em 1 de maio de 1929, uma circular do Conselho da Ordem determinou o encerramento do Palácio Maçónico, mantendo nele apenas os serviços de solidariedade e bene-

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regista-se a publicação de um comunicado na im-prensa assinado por Simões Coimbra, Dias Amado e Adão e Silva dando conta da efetiva propriedade do Palácio e da pretensão ao mesmo manifestada por

parte do Partido Popular Democrático, para aí insta-lar a sua sede, o qual, depois de desfeitos os equí-vocos sobre a propriedade do espaço viria a desistir

das suas pretensões. Entretanto, a Lei nº 1901 foi re-vogada pelo decreto-lei 594/74 de 7 de novembro

de 1974, que permitiu que o Grémio Lusitano reto-masse legalmente as suas atividades.

A seguir á revolução o Palácio foi assaltado e des-truído, sendo de seguida ocupado por uma força do exército que assumiu a guarda do Palácio e recolheu

fardas, armas, munições e material de comunicações pertencente á legião Portuguesa. O Palácio foi de-volvido num estado de degradação acentuado e

a par dos esforços de reorganização de Adão e Sil-va, Dias Amado e Simões Coimbra, há que referir o

nome do construtor civil e maçon Amadeu Gaudên-cio quem providenciou as primeiras obras de emer-gência e que permitiram a reinstalação da Maçona-

ria no seu espaço. Destaque também para o nome do Professor Oliveira Marques que fez os primeiros levantamentos de bens do Grémio Lusitano e junta-mente com Simões Coimbra, tratou de localizar to-dos os bens móveis da Maçonaria espalhados pelo Museu da PIDE em Sete Rios, pelo Ministério das Finanças em Lisboa e por armazéns um pouco por todo o lado, incluindo na Amora, onde estavam inú-meros documentos. Em 1975 o Palácio esteve para ser ocupado pela Comissão de Moradores mas “tudo acabou em bem” nas palavras de Simões Coimbra.

Em 1978 a antiga Travessa do Guarda Mór volta a de-signar-se de Rua do Grémio Lusitano, na sequência de um pedido do Grémio Lusitano à Câmara Muni-cipal de Lisboa. Sabe-se da iniciação na Maçonaria de um novo Irmão que, ao lhe ser perguntado o que

ter sido encerrado desarticulou os serviços adminis-trativos e causou grandes dificuldades financeiras ao Grande Oriente Lusitano Unido e de funcionamento das Lojas maçónicas.

Um edital de 19 de novembro de 1937 faz substituir o nome de Rua do Grémio Lusitano por Travessa do Guarda Mór. Consequência da Lei nº 1901 de 21 de maio de 1935 o Grémio Lusitano é dissolvido por por-taria de 21 de janeiro de 1937, dando origem á Lei 1950, de 18 de fevereiro de 1937, que determinou que todos os bens do Grémio Lusitano fossem en-tregues à Legião Portuguesa, entrega autorizada por despacho do ministro das Finanças de 20 de março de 1937 e que se tornou efetiva em 16 de abril desse ano, o que motivou a adaptação do edifício para aí

se instalarem os serviços de Ação Social e Politica da Legião Portuguesa, inaugurados em dezembro de 1937. É a imprensa da época afeta ao regime que faz a descrição do interior do Palácio e da sua ocupação.

Durante o período que esteve ocupado pela Legião Portuguesa foram grandes as alterações no seu in-terior, especialmente no aspeto decorativo, com a retirada de estatuária nos templos, alterações arqui-tetónicas, anulando os aspetos da simbologia ma-çónica então existentes, sendo disso exemplo o cha-mado Templo José Estevão transformado em sala de cinema ou alguns outros Templos, mais pequenos, transformados em salas de escritório e até a retirada de elementos decorativos gerais no edifício, disso sendo exemplo as esculturas de dois grandes leões existentes nas escadas de entrada, cuja discrição é feita pela imprensa da época e que desapareceram.

O Palácio viria a ser restituído ao Grémio Lusitano logo após o 25 de Abril, em 7 de maio de 1974, após um declaração da Junta de Salvação Nacional reco-nhecer a propriedade do palácio ao Grémio Lusita-no. Pelo meio, entre 25 de abril e 7 de maio de 1974

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3 Acontecimento relatado por um Irmão que assistiu à cerimónia de iniciação. Naturalmente, por ser ainda vivo, é omitido o nome do Irmão em causa.

Bibliografia

CARVALHO, Gabriela, Bairro Alto (História do Urbanismo) in Diccionário da História de Lisboa, dir. Francisco Santana e Eduardo Sucena, Lisboa, Ed. Carlos Quintas e Associados – Consultores Lda, 1994;

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Escritura celebrada entre Carlos Augusto de Mascarenhas Relvas e Campos e o Grémio Lusitano, Lisboa, 17 de novembro de 1879;

Itinerário Lisbonense ou Directorio Geral de todas as ruas, travessas, becos, calçadas, praças, etc. que comprehendem no recinto da cidade de Lisboa, com seus próprios nomes, principio, e termo, indicados os lugares mais conhecidos, e geraes, para utilidade, uso e commudidade por estrangeiros, e nacionaes, 3ª edição, Lisboa, tip. Rollandiana, 1824;

MARQUES, A. H. de Oliveira, A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo, 3ª edição, Lisboa, Ed. Publicações D. Quixote, 1995;

MARQUES, A. H. de Oliveira, Dicionário de Maçonaria Portuguesa, vol. II, Lisboa, Ed. Editorial Delta, 1986;

SUCENA, Eduardo, Bairro Alto (Evolução Social) in Diccionário da História de Lisboa, dir. Francisco Santana e Eduardo Sucena, Lisboa, Ed. Carlos Quintas e Associados – Consultores Lda, 1994;

faria se soubesse que a Travessa do Guarda Mor já se tinha chamado Rua do Grémio Lusitano, se predispôs a desencadear o processo de mudança do nome da rua. E assim foi em 1978.3

Hoje o designado Palácio Maçónico, alberga o Gré-mio Lusitano e o Grande Oriente Lusitano – Maçona-ria Portuguesa, além do Museu Maçónico Português, considerado um dos melhores museus maçónicos a nível europeu.

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1 De acordo com OLIVEIRA MARQUES: 1986, em 1911, Portugal contava 75,1% de analfabetos (taxa total) e desses 77, 4% eram mulheres maiores de 7 anos. O censo de dezembro de 1911 indicava que a grande maioria da população habitava o campo e menos de 20% eram de condição urbana,

dos quais muito mais de metade vivia em Lisboa e Porto. Desta situação nascia a preocupação da propaganda republicana anterior a 1910 em insistir na necessidade urgente de resolver o problema cultural do país e após a República, em difundir uma escola pública para ambos os sexos.

2 Suicidou-se na madrugada de dia 4 de outubro, convencido de que a revolução fora vencida.3 Foi assassinado na manhã de 3 de outubro por um seu paciente, o tenente Aparício Rebelo dos Santos.

4 Corresponde ao actual Largo do Rato.5 Corresponde ao actual Campo Pequeno e homenageia o 6º Presidente da República Federativa do

Brasil, cujo mandato decorreu de 15 de novembro de 1906 a 14 de junho de 1909.6 Corresponde à actual Praça do Príncipe Real.

7 Situação que se manteria até 21 de abril de 1960 quando a capital passa a ser Brasília.

No tempo da I República quando a rádio era ainda um conjunto de experiências, a televisão um sonho e o único meio de comunicação social existente, o jornal, servia apenas a minoria da população que sabia ler – cerca de 25% 1, os topónimos de cada lugar conver-teram-se num veículo de difusão da República e dos seus ideais por todo o país. Os nomes dos arruamen-tos principais de cada terra e da morada de cada um foram um veículo de divulgação dos valores republi-canos em Portugal.

Como no primeiro parágrafo de uma notícia quere-mos nesta comunicação responder à pergunta que mundo foi referenciado pela I República na toponí-mia da cidade de Lisboa., quando, como e porquê. Pelos editais que instituem as placas toponímicas da cidade de Lisboa referentes a países e cidades estran-geiras, bem como pelos antropónimos de persona-lidades estrangeiras, vamos descortinar as relações internacionais da novíssima República Portuguesa que foram então impressas na capital do país.

E embora o período da I República seja regularmen-te considerado de 5 de outubro de 1910 a 28 de maio de 1926, para efeitos deste estudo considera-mos o tempo em que os republicanos detiveram o poder na Câmara Municipal de Lisboa, ou seja de 30 de novembro de 1908 até 3 de julho de 1926. Assim, registamos um total de 20 topónimos oficiais: 2 de países, 5 de cidades e 13 antropónimos referentes a personalidades estrangeiras.

O primeiro edital de 5 de novembro de 1910

O primeiro edital de toponímia lisboeta após a pro-clamação da República, data de 5 de novembro de 1910 e procurou fixar na memória da cidade esse acontecimento, quer através da Avenida da Repúbli-

ca e da Avenida 5 de Outubro, quer através dos che-fes militar e civil republicanos - Cândido dos Reis2

e Miguel Bombarda3 - também em Avenidas. Aliás, a República, a data da sua implantação e os seus heróis Cândido dos Reis e Miguel Bombarda foram reproduzidos pela toponímia de cada cidade e vila portuguesa apresentando Lisboa a singularidade de ser a única que ao Almirante Carlos Cândido dos Reis deu a denominação Almirante Reis e logo na artéria que havia sido antes de Dona Amélia e que entre 1908 e 1910 era o lugar habitual de ajuntamentos e manifestações dos Republicanos.

É também logo neste primeiro edital que encontra-mos os 2 topónimos que perpetuam países estran-geiros : a Praça do Brasil4 e a Avenida dos Estados Unidos da América.

O Brasil era uma República há quase 21 anos (desde 15 de novembro de 1889) e a primeira Constituição Republicana portuguesa, de 1911, era sobretudo inspirada na brasileira. Isto sem invalidar a cordiali-dade que habitualmente pautava as relações entre Portugal e o Brasil, patentes até no facto toponímico de ainda antes das eleições de novembro que con-duziram a uma vereação republicana na Câmara de Lisboa, ter a edilidade lisboeta em 8 de Outubro de 1908 atribuído o Largo Doutor Afonso Pena5 «em

homenagem à grande nação brazileira e ao seu actual illustre Presidente». Acresce ainda que o mesmo edi-tal de 5 de novembro de 1910 que atribuiu a Praça do Brasil reforçava a relação com essa república ao dar também a Praça do Rio de Janeiro6 que era então a capital da Federação brasileira7.

Se somarmos a estes 2 topónimos os referentes a personalidades brasileiras fixadas nas placas toponí-micas lisboetas no período da I República – Rua Luís Fernandes (Edital de 6 de fevereiro de 1923) e Rua Rui Barbosa (Edital de 17 de outubro de 1924) – fica-

O Mundo pelo ecrãs das placas toponímicas da Lisboa Republicana

Paula MachadoTécnica do Departamento de Patrimómio Cultural Núcleo de Toponímia - CML

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8 Luís Fernandes (Baía/30.11.1859 – 06.02.1922/Paris).9 Ruy Barbosa (Salvador/05.11.1849-01.03.1923/Petrópolis).

10 Thomas Woodrow Wilson (Virgínia/28.12.1856- 03.02.1924/Washigton).11 Benjamin Franklin (Boston/17.01.1706-17.04.1790/Filadélfia).12 George Washington ( 22.02.1732-14.12.1799).

13 Isaac Newton (Woolsthorpe-by-Colsterworth /25.12.1642-1727/Londres).14 John Milton ( 1608-1674).

mos com um total de 4 registos brasileiros.

Luís Fernandes8 afirmou-se como um colecionador de arte que ao retirar-se para Paris, em 1886, legou património seu ao Museu Nacional de Arte Antiga, coleções essas que foram agrupadas numa sala com o seu nome, assim como foi o organizador e principal doador da Secção Portuguesa do Museu e Bibliote-ca da Grande Guerra em Paris enquanto Rui Barbosa9 era um político, jornalista e orador que lutou na cam-panha abolicionista, contra a ditadura e na defesa do princípio da igualdade das nações nas instâncias in-ternacionais.

Os Estados Unidos da América que encontramos também neste 1º edital fixam uma outra federação

republicana: a que saiu da monarquia inglesa para construir uma federação de estados republicanos as-sente nos valores da liberdade, ainda no século XVIII (4 de julho de 1776).

Depois, em 1918, por Edital de 24 de setembro, ou seja, no ano seguinte ao da entrada dos EUA na I Guerra Mundial (haviam declarado guerra à Alema-nha em abril de 1917), juntou-se a Avenida Presiden-te Wilson10, perpetuando aquele que foi o presiden-te dos EUA de 1911 a 1921, Prémio Nobel da Paz em 1919 e que instituiu o sufrágio feminino.

E seis anos depois somam-se mais 2 antropónimos de americanos, dados pelo Edital de 17 de outubro de 1924, no então constituído Bairro América: a Rua Franklim e a Rua Washington. Refira-se no entanto que este Edital resulta de uma deliberação de câma-ra de 25 de novembro de 1918, isto é 14 dias após a assinatura do armistício de Compiègne que põe fim à I Guerra Mundial.

Franklim11 foi o estadista preponderante na inde-pendência das 13 colónias norte-americanas em

1783 enquanto porta-voz dos colonos junto dos in-gleses, membro da Comissão Redatorial da Declara-ção da Independência e da Convenção para redigir a Constituição Nacional (1787) e que ainda celebrou

com a Grã-Bretanha o Tratado de Versalhes que reco-nhecia a independência das 13 colónias norte-ame-ricanas. Por sua vez, Washington12 foi o 1º Presiden-

te dos Estados Unidos da América, unanimemente eleito na convenção de Filadélfia de 13 de maio de

1787 e que desempenhou o cargo até 1797 porque se recusou a aceitar um 3º mandato, sendo o seu nome dado à capital federal dos EUA em 1790.

Assim, o Brasil e os Estados Unidos da América totali-zam 4 topónimos cada, o que demonstra a primazia

dada a países que como Portugal eram repúblicas. Esta dedução pode ainda ser corroborada por este mesmo primeiro edital republicano de 5 de novem-

bro de 1910 atribuir também a Rua de Berne, capital da Suíça desde 1848 (pela constituição federal desse

ano), país que com a França e Portugal eram na Eu-ropa daquela época as únicas repúblicas. Refira-se ainda que no ano seguinte, por Edital de 7 de agos-

to, esta Rua de Berne viu a sua categoria rectificada para Avenida.

O Reino Unido

O Reino Unido é o país que mais topónimos conta, com 5 referências, todas no Bairro de Inglaterra, to-pónimo instituído pelo mesmo edital que os arrua-mentos, datado de 29 de agosto de 1916: Rua Cidade de Cardiff, Rua Cidade de Liverpool, Rua Cidade de Manchester, Rua Newton e Rua Poeta Milton. Todas as cidades homenageadas são marcos da indústria do Reino Unido, Newton13 é o cientista que desco-briu a universal lei da gravidade e o Poeta Milton14 para além de escritor do século XVII, foi apoiante de Cromwell, durante o período republicano inglês.

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15 No dia 10 de Agosto de 1914, a França declarou guerra ao Império Austro-Húngaro dando início à I Guerra.16 Edith Louisa Cavell (4.12.1865 – 12.10.1915/Bruxelas).

17 Desiré Joseph Mercier (Braine-l’Alleud /21.11.1851-23.01.1926/Bruxelas).18 Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios (Caracas-Venezuela/24.07.1783 – 17.12.1830/Santa Marta-Colômbia).

19 Francesc Ferrer y Guàrdia (Espanha - Alella/14.01.1859 – 13.10.1909/Barcelona – Espanha).

germanica fuzilada em Bruxellas em 13 de Outubro de 1915», e esta denominação foi oficial 17 dias após a sua execução. Nove anos depois, pelo edital de 17 de outubro de 1924, homenagearam-se todas as en-fermeiras que prestaram serviço durante a Guerra. E, finalmente, surgem 2 registos relativos à Bélgica, ambos de 30 de junho de 1926, atribuídos no deno-minado Bairro da Bélgica e que perpetuam figuras ligadas à resistência aos alemães: o arcebispo de Malines e primaz da Bélgica, Cardeal Mercier17 que em 1915 publicou uma Carta Pastoral incitando ao patriotismo e o General Leman, militar que defen-deu Liége contra o invasor alemão e acabou prisio-neiro de guerra, cuja imagem foi usada nos postais dos maços de tabaco ingleses em 1916.

Casos singulares: Estados Unidos do Sul e Espanha

Pelo Edital de 17 de outubro de 1924 foi também atri-buída no Bairro América a Rua Bolívar, em homena-gem ao venezuelano Simon Bolívar18 que combateu o domínio espanhol na América do Sul, comandan-do as revoluções que promoveram a independência da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Foi o 2º Presidente da Venezuela, o 1º da Grã-Colômbia (Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá), o 1º da República da Bolívia e tentou ainda implantar a Re-

pública dos Estados Unidos do Sul, com a junção da Bolívia, Venezuela e Colômbia. Todavia, este arrua-mento em que se fixou mais um republicano nun-ca chegou a ser executado. Algo parecido sucedeu com Francisco Ferrer19, desta feita um republicano catalão que se destacou como fundador da Esco-la Moderna e que 12 dias após ser executado pela monarquia espanhola recebeu, por unanimidade, a atribuição de uma rua em Lisboa pela deliberação de câmara de 21 de outubro de 1909, tal como foi feito na mesma altura em Paris e acompanhando o grau de consternação que então percorreu a Europa

Neste conjunto de topónimos de bairro e arruamen-tos atribuídos em plena época da I Guerra Mundial se reafirmou a aliança anglo-portuguesa.

Bernardino Machado defendera que o ponto nevrál-gico da diplomacia da nova república portuguesa deveria ser Londres e foi o seu ponto de vista que prevaleceu. Em 3 agosto de 1914, o governo britâni-co pediu ao governo português que não declarasse neutralidade nem participação na 1ª Guerra Mundial assegurando que reconheceria o direito de Portugal às colónias africanas contra as pretensões ou iniciati-vas da Alemanha e Portugal acedeu para defesa do seu espaço colonial. Portugal tornou-se um elemen-to fundamental para o estabelecimento da rede de comunicação inglesa e, assim, Lisboa, Açores, Madei-ra e Cabo Verde, converteram-se em pontos militar-mente estratégicos, e posteriormente, em alvos mi-litares dos submarinos alemães durante o conflito o que levou a que em 23 de fevereiro de 1916 o Gover-no português ordenasse a apreensão de 70 navios alemães e de dois austro-húngaros que se encontra-vam em águas territoriais portuguesas, acção que levou a Alemanha a declarar formalmente guerra a Portugal, em 9 de março de 1916, ou seja 6 meses antes da capital perpetuar os topónimos ingleses.

Os topónimos da I Guerra

Deparamos ainda com 4 topónimos que home-nageiam figuras que se destacaram na I Guerra Mundial15 como é o caso da Rua das Enfermeiras da Grande Guerra, e mais 3 que concretamente se distinguiram no combate aos alemães: a Rua Edith Cavell, a Rua General Leman e a Rua Cardeal Mercier.

Cronologicamente, foi primeiro perpetuada Edith Cavell16, enfermeira da Cruz Vermelha que conforme narra o edital municipal foi uma «Victima da tirania

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Bibliografia

Actas das sessões de Câmara

Editais municipais

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OLIVEIRA MARQUES, A.H. de, História de Portugal, Lisboa: Palas Editores, 1986, vol.III

PEREIRA, Teresa Sancha, «A Toponímia durante a I República» in II Jornadas de Toponímia de Lisboa, Lisboa: CML, 1997

Portugal Contemporâneo, dir. António Reis, Lisboa: Selecções do Reader’s Digest, 1990, vol. 2

e a América do Sul. Como o Governo Civil de Lisboa anulou o efeito prático da deliberação da edilidade lisboeta, após a implantação da República, o execu-tivo lisboeta voltou a dar o nome de Francisco Ferrer na sua reunião de 4 de setembro de 1913, desta feita à antiga Rua da Conceição da Glória, embora não se encontre o subsequente Edital.

Na toponímia de Lisboa a República substituiu todos os símbolos da monarquia e muitos hagiotopónimos pelos que emitiam na memória da cidade os valores republicanos e, concretamente, pelas análise destas 20 placas toponímicas da Lisboa republicana refe-rentes a países e personalidades estrangeiras vemos transmitida a história da diplomacia portuguesa da época:- a valorização das outras Repúblicas existentes na época, como a Suíça, os Estados Unidos da América

e particularmente, o Brasil;- a valorização das figuras republicanas internacio-nalmente reconhecidas no tempo da I República Portuguesa, como Simon Bolívar ou Francisco Ferrer;- a tradicional aliança com o Reino Unido, que no contexto da I Guerra Mundial se inscreve também na defesa e manutenção do património colonial português;- a exaltação de todos os heróis e mártires que con-tribuíram na I Grande Guerra para a derrota da Ale-manha e, por conseguinte, para a vitória do Reino Unido e dos seus aliados.

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Menina vestida de República durante o carnaval.Benoliel , Joshua. 1911.

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Cerca de 5% dos 4000 topónimos da cidade de Lisboa (197 em 4 000) evocam acontecimentos, instituições e figuras da Iª República, atribuídos entre 6 de Outu-bro de 1910 e 1 de Julho de 1926 (cf. Ana Homem de Melo, comunicação no colóquio A Vida Cultural na Lis-boa da Iª República, 7.8 de Maio de 2010). Trata-se de um peso muito significativo no universo toponímico da cidade, e que se vê ora reforçado com a próxima inauguração de novas placas toponímicas em home-nagem a outros vultos republicanos.Este peso considerável levou-me a interrogar-me so-bre as razões que o podem explicar, tanto mais que soube resistir às quatro décadas do Estado Novo, à semelhança, aliás, do que aconteceu com outras rup-turas simbólicas operadas pela Iª República, como a bandeira, o Hino, a moeda e a ortografia. Em todos estes casos, manifestou-se a força do ideal republica-no, apesar da sua prática ter ficado muito aquém dos seus propósitos. Ora, como explicar uma tal força, qual afinal a sua origem? É aqui que radica a hipótese subjacente ao título desta comunicação, que decerto surpreendeu e intrigou muitos dos presentes. Com efeito, penso que a latitude da ruptura toponímica operada pelo novo regime, só pode ser compreendida à luz da di-mensão mística que o caracteriza. De facto, mais do que um simples regime político alternativo à monar-quia, a República encarnava para os republicanos e o seu partido o desenlace fatal e pré-determinado da própria História, e o republicanismo, mais do que uma simples doutrina política sobre a forma de legi-timação do poder político, pretendia ser toda uma visão do cosmos, da vida e do homem potenciadora de opções éticas profundamente idealistas. A Repú-blica mais do que um regime era, pois, um ideal, e, mais do que um ideal, era mesmo toda uma mística. Uma mística inspirada na filosofia da história positi-vista com a sua teoria dos três estádios (teológico, metafísico e científico), a sua religião laica da Huma-nidade, fiel ao culto dos “Grandes Homens”, intérpre-

tes privilegiados da evolução histórica, uma espécie de santos laicos. Trata-se de uma filosofia da His-tória, que seculariza o providencialismo teológico no molde de um humanismo prometeico, fundado num optimismo simultaneamente determinista na sua base científica e messiânico no seu impulso afec-tivo de expressão nacionalista, com o consequente culto da Pátria. Assim se explica a importância atri-buída pelo Partido Republicano às comemorações dos centenários de Camões e Pombal. A força de atracção desta filosofia profundamente optimista, que se opunha ao decadentismo pes-simista das elites intelectuais monárquicas, era imensa. Desde logo no campo da formação de uma opinião pública trabalhada incessantemente pela imprensa e pelos comícios. Mas também no próprio povo miúdo, na plebe urbana, que cada vez mais vê a República de uma forma verdadeiramente vi-sionária, como o novo Messias. É o que transpare-ce no depoimento de um soldado no Conselho de Guerra do julgamento da revolta do 31 de Janeiro no Porto: “Eu, meu senhor, não sei o que é a Repú-blica, mas não pode deixar de ser uma coisa santa. Nunca na igreja senti um calafrio assim. Perdi a ca-beça, então, como os outros todos. Todos a perde-mos. Atirámos então as barretinas ao ar. Gritámos, então, todos: Viva! Viva, viva a República!...” (in Ma-nifesto dos Emigrados da Revolução do Porto de

31 de Janeiro de 1891). Mas é também o que está patente numa curiosa adaptação do Credo católico, da autoria de um colaborador do jornal republicano portuense A Nova Pátria, no número comemorativo da Revolução de 5 de Outubro): “Creio na Deusa Na-tureza, toda poderosa, criadora da terra Lusitana; e na República, uma só sua filha, nossa Senhora; a qual foi concebida por Espírito Revolucionário: nasceu na cidade de Lisboa, padeceu sob o poder da monar-quia tirana; foi crucificada, morta e sepultada em trinta e um de Janeiro de mil oitocentos e noventa e um; desceu às masmorras do jesuitismo; em cin-

Da mística republicana à sua expressão toponímica

António Reis Professor de História Contemporânea na FCSH da UNL e Investigador no IHC.

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co de Outubro de mil novecentos e dez ressurgiu do martírio; subiu ao poder; está sentada à mão direita do Povo soberano, todo poderoso, de onde julgará os vivos e os mortos, mártires e traidores da Pátria. Creio na República Portuguesa. Na Igreja da Honra e da Mo-ralidade. Na comunicação do Povo. Na remissão da dívida. No arrependimento de trânsfugas e farsantes. Na ressurreição da Pátria. Na vida eterna da Ordem e Trabalho. Amen. Porto, V-X-MCMX. António Joaquim Pereira” (citado por João Medina in Oh! A República!.., p.45)Estamos perante dois exemplos flagrantes daquilo a que chamei “mística republicana”, ela própria reflexo de uma filosofia da História com uma enorme força de atracção tanto entre as elites como na plebe ur-bana. É uma tal mística que opera toda uma série de rupturas simbólicas irreversíveis, entre as quais a toponímica, com a sua permanente visibilidade no quotidiano citadino.

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Prisão do Aljube.

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A memória da ditadura que vigorou em Portugal, desde 1926, tem sofrido mudanças, ao longo dos úl-timos trinta anos de democracia. Numa primeira fase, caracterizada pelo estilhaçar violento do espelho do próprio regime ditatorial, procurou-se destruir os alicerces do passado muito recente, através de uma torrente informativa algo obsessiva e ideologicamen-te marcada. No decurso dos anos oitenta, houve um segundo período, marcado pelo discurso do duplo legado da democracia e por um certo recalcamento da memória da ditadura, devido às clivagens então produzidas na sociedade portuguesa, durante e na sequência do chamado «Verão Quente de 1975».Nos últimos dez anos, tem havido um levantamento progressivo dos recalcamentos, muito devido à pers-pectivação e hierarquização da massa de informa-ções perspectivação e hierarquização da massa de informações, possibilitadas pelo trabalho historio-gráfico e a narrativa histórica. Este processo não dei-xa, porém, de ser por vezes entrecortado por acessos esporádicos de memória traumática, reveladores de que as feridas nem sempre sararam e que, por vezes, o passado tem relutância em «passar».Segundo o filósofo francês Paul Ricoeur, há duas ati-tudes que contribuem para o desenvolvimento de uma memória patológica. Há, por um lado, a «insu-ficiência» de memória; ou seja, a atitude de fuga e negação dos momentos traumáticos do passado, através da qual se está incessantemente condenado a revivê-lo de forma doentia. A outra face da mes-ma memória traumática, ou infeliz, é o «excesso» de memória, que substitui a recordação verdadeira, através da qual o presente se reconcilia com o pas-sado, por uma atitude de repetição compulsiva e de passagem ao acto.Contra a míngua e o excesso de memória, Paul Ri-coeur deu como solução o «trabalho da memória», que identificou ao «trabalho de luto». Trata-se na realidade do «trabalho da História», que tem de do-minar tanto a arte da memória, como a arte do es-

quecimento, que permita dar lugar ao presente. O esquecimento não pode, no entanto, ser irreversível, mas deve ser, sim, um esquecimento de «reserva», que, como os museus e os arquivos (condição, tanto da memória pacificada, como da análise e narrativa histórica), tem a capacidade de preservar e possibili-ta a luta, quer contra a amnésia destrutiva, quer con-tra a recordação permanente e obsessiva.

Ausência de locais de memória da ditadura

Ora, Portugal é talvez dos poucos países da Europa onde há uma quase total falta de locais de memó-ria física dos tempos da repressão e da ditadura de Oliveira Salazar e Marcello Caetano, devido à quase inexistência de museus. Só para dar um exemplo do abandono e da alienação dos locais onde se exercia a repressão ditatorial, refira-se o da transformação do edifício sede da antiga polícia política - PIDE/DGS - em condomínio privado sem que o(s) poder(es) e a opinião pública tivessem tomado qualquer inicia-tiva para o impedir ou, pelo menos, para impor con-dições à sua transformação de modo a preservar a memória.Para se erguer contra este estado, surgiu a vontade, da parte do Movimento Cívico Não Apaguem a Me-mória, do Instituto de História Contemporânea da FCSH/UNL e do Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares, de propor à Comissão para as Come-morações do Centenário da República e á Câmara

Municipal de Lisboa a realização de uma exposição, intitulada «A Voz das Vítimas». A ideia era ainda reali-zar essa exposição no espaço da antiga prisão do Al-jube, em Lisboa, entretanto entregue pelo Ministé-rio da Justiça à autarquia de Lisboa, para ali se erguer a prazo um museu da Repressão e da Resistência à Ditadura.A cadeia do Aljube é hoje provavelmente o local mais simbólico para todos aqueles que, até Abril de

Um contributo para a memória histórica da Ditadura: a recuperação do edifício da antiga

prisão do Aljube, em LisboaIrene Pimentel

Historiadora. Comissão Municipal de Toponímia.

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ços Prisionais/Ministério da Justiça, onde cumpriam normalmente a pena de prisão maior a que tinham sido condenados.

As presas ficavam sempre no forte de Caxias, cárcere privativo da PIDE/DGS, quer durante o período de prisão preventiva, quer para cumprir as penas a que

eram condenadas, bem como as medidas de segu-rança de internamento. Embora na cadeia no Aljube

estivessem estado encarcerados ocasionalmente presos políticos e sociais durante a I República, não

parece ter sido então uma prisão destinada a «cri-mes» de natureza política até ao golpe de estado

que instaurou a ditadura, em 28 de Maio de 1926. Dois anos depois, segundo os dado hoje conheci-

dos, o Aljube transformou-se em cadeia política para presos do sexo masculino, em cumprimento de pe-nas ou sem processo, às ordens das várias polícias

políticas, que se foram sucedendo na Ditadura mili-tar e depois no Estado Novo.

Os «delitos políticos e sociais» e a sua punição foram definidos, pelo então novo regime salazarista, em 5

de Dezembro de 1932, e sofreram nova sistematiza-ção através do DL n.º 22 203, de 6 de Novembro de 1933, onde se referia que o cumprimento de penas para esses «crimes» deveria ocorrer em «prisões es-peciais». Em 29 de Junho de 1934, o DL n.º 24 112 criou a Secção de Presos Políticos e Sociais da PVDE, polícia política criada no ano anterior que ficou a tu-telar todos os edifícios prisionais de encarceramento de presos políticos.Nos anos 40, o Aljube recolhia os presos políticos durante a fase de interrogatórios, que ficavam con-finados nos chamados «curros» em regime de total isolamento, apenas entrecortado pelas idas à sede da PVDE/PIDE, onde os métodos policiais de «inves-tigação» utilizados eram utilizados os espancamen-tos e as torturas da estátua e do sono. Ao descrever o «curro» ou «gaveta» do Aljube onde esteve encarce-rado, o padre angolano Joaquim Pinto de Andrade contou que se tratava de uma «enxovia estreitíssima,

1965, sofreram a prisão pela PIDE, polícia política à qual esse edifício prisional ficou adstrito, desde 1936. Por esta prisão passaram, em regime mais ou menos longo de isolamento nos «curros» ou nas «gavetas», inúmeros presos do sexo masculino, desde republi-canos históricos e “reviralhistas”, a comunistas, pas-sando por sindicalistas e anarquistas, que resistiram ao regime ditatorial que vigorou em Portugal, entre 1926 e 1974.

As prisões políticas e a cadeia do Aljube

Durante a Ditadura militar e Nacional (1926 a 1932/33) e no período do Estado Novo, eram prisões privativas da polícia política portuguesa – Polícia de

Informações/ Polícia Internacional/Polícia de Defesa Política e Social (PDPS)/ Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), antecessora da Policia Internacio-nal e de Defesa do Estado (PIDE) e da Direcção Geral de Segurança (DGS) – a cadeia do Aljube, em Lisboa, o forte de Caxias e as cadeias das delegações do Por-to e de Coimbra. O forte de Peniche e a “colónia pe-nal” do Tarrafal ficaram, a partir de 1945, sob a tutela da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais do Minis-tério da Justiça. No período de prisão preventiva, os presos políticos podiam ficar nas prisões das dele-gações da PIDE/DGS, no Porto e em Coimbra, mas o mais habitual é que fossem transferidos para Lisboa.Até meados dos anos 60, quando o edifício prisional foi encerrado, os presos do sexo masculino ficavam em regime de prisão preventiva no Aljube ou no re-duto norte de Caxias, onde também permaneciam as detidas políticas. Todos os presos, até aos anos setenta, eram chamados a interrogatórios à sede da PIDE/DGS, na rua António Maria Cardoso, embora também tivesse havido interrogatórios no próprio Aljube, até esta cadeia ser encerrada. Depois de condenados, os presos (homens) eram remetidos para o forte de Peniche, cadeia gerida pelos Servi-

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gios arqueológicos; O parlatório, Utilização do Alju-be durante a Ditadura, Loja;

- 1.º andar - Estrutura e organização da polícia po-lítica; Principais instrumentos de Repressão; A Utili-zação sistemática da tortura; Tribunais políticos; 48 casos exemplares (fichas com a fotografia e um bre-ve currículo de cada preso escolhido e das violências exercidas sobre eles) e Sala multimédia;

- 2.º andar - Reconstituição dos Curros; Fugas do Al-jube;

Após o fecho da Exposição «A Voz das Vítimas», em 31 de Dezembro de 2012, falta agora preservar o próprio edifício do Aljube e transformá-lo num mu-seu para ser deixado às próximas gerações. O já re-ferido «trabalho de História» é um duplo trabalho de recordação e de luto, que, ao dar uma «sepultu-ra» aos mortos, cumpre a «dívida» que temos para com estes. Assegura, por outro lado, a ligação entre o passado e o futuro, bem como a relação entre as gerações, ao contribuir para transformar a memória infeliz, em justa memória.

de um metro de largura por dois de comprimento, onde a luz e o ar entravam por um postigo de 15 x 20 cm., filtrados através de duas férreas portas, postigo, aliás permanentemente fechado». Quando o preso estava sentado na tarimba, que lhe servia de cama, os joelhos roçavam a parede. O Aljube foi encerrado como prisão politica no verão de 1965, mas ainda durante o período ditatorial, na vigência de Marcello Caetano, em 1969/70, já sob tutela do ministério da Justiça, o edifício teve obras para servir novamente como prisão, embora não conste que assim tenha acontecido.

«A Voz das Vítimas». Da Exposição ao Museu?

Patente ao público na antiga cadeia do Aljube, em Lisboa, entre os meses de Maio e de Dezembro de 2011, a Exposição «A Voz das Vítimas», realizada pe-las já referidas três instituições, em estreita colabo-ração com a Comissão para as Comemorações do Centenário da República e com a Câmara Municipal de Lisboa, foi visitada por muitos portugueses e es-trangeiros que, no geral, manifestaram o seu interes-se e o seu apreço pela iniciativa no Livro de Visitan-tes. Do antigo edifício, foi aproveitada a parcela do piso térreo susceptível de utilização, devido a alguns condicionamentos decorrentes das escavações ali realizadas, enquanto o 1.º andar foi recuperado sem alterações significativas na organização do espaço, tal como se encontrava em 2009, quando foi cedido pelo ministério da Justiça à CML.Finalmente, foi possível proceder a uma intervenção parcial no 2.º andar, para ali serem recriados seis das celas de isolamento («curros») das catorze anterior-mente existentes. Nos três pisos do edifício, a expo-sição «A Voz das Vítimas», desenhada por Henrique Cayatte, apresentou os seguintes módulos:

- R/C - História patrimonial do edifício; Peças e vestí-

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Sede do Jornal O Mundo.c. 1911

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Instaurada, a República tomou conta dos espaços públicos do país— e logo dos paços reais que de-ram, em Belém, a residência ao presidente da Repú-blica e nas Necessidades sede ao Ministério dos Ne-gócios Estrangeiros, quando o do Reino se tornou do Interior, mas num Terreiro do Paço que manteria o nome popular apesar do oficial que era Praça do Comércio desde a Lisboa Pombalina.A mudança das designações foi, na mudança do regime, sinal linguístico e simbólico da maior im-portância.Universidades e Museus (no Porto, instalado no paço real local que era o palácio dos Carrancas) foram instituições criadas ou reclamadas então ou que perderam no nome a designação “Real” que cabia, por distinção, à Academia das Ciências ou à Academia de Belas Artes. A principal de todas, vinda da monarquia constitucional de 1820 e de 1834, com nova gente majoritária, passou a ser as Cortes da República mantidas no antigo espaço de São Bento, onde uma estátua foi encomenda para substituir a que não chegou a ser realizada, do úl-timo rei. Os teatros, esses deixaram de ser de D. Maria II, de D. Amélia ou do Príncipe Real, para se tornarem em Almeida Garrett, República ou Apo-lo, mantido, porém, S. Carlos por esquecimento da D. Carlota Joaquina que evocara. Nas fachadas, o brasão de D. Afonso III foi colocado sobre a esfera armilar de D. Manuel I, em novas armas nacionais que passaram à bandeira aprovada, e perdeu a co-roa real, nos piores dos casos substituída por uma pequena esfera armilar, em improvável equilíbrio.Se o primeiro espaço público do país era obvia-mente constituído pelas cidades e vilas, que não perderam a classificação de “real” que coubera às Vilas Reais de Trás-os-Montes ou de Santo António, o mais numeroso espaço utilitário era sempre o das ruas, e aí a toponímia imediatamente ofereceu simbólicas substituições em todo o país. Na capi-tal, a principal artéria não teve que alterar o nome

de Avenida da Liberdade com que, no fim do sécu-lo monárquico, fora suficientemente batizada, mas no seu topo não era possível repor o nome inicial do Parque da Liberdade, sem perigosa ofensa di-plomática a Eduardo VII da Grã-Bretanha que o ba-tizara sete anos atrás, vindo em visita de Estado à Lisboa de D. Carlos I.Mas duas recentes vias que marcaram o desenvol-vimento duplo da cidade, em novas urbanizações planeadas nos fins do século anterior e no início do século XX, do sítio das Picoas para o Campo Pe-queno e a partir dos Anjos, na direção do Areeiro, deram ocasião para dois novos rebatismos históri-cos. A principal passaria a ser Avenida da Repúbli-ca, substituindo o nome do engenheiro (e político monárquico) Ressano Garcia, que assegurara a sua ordenação urbanística (e que, felizmente, falecera em 1909); a segunda passaria a evocar o Almiran-te Cândido dos Reis, que se suicidara no início da revolução republicana, trocando o nome indesejá-vel da Rainha D. Amélia que lhe fora inicialmente dado. Conduzindo às Cortes, a Rua D. Carlos I per-deu também o nome para uma toponímia simples-mente funcional (Avenida das Cortes), antes que logo no após guerra, recebesse o nome do Presi-dente Wilson (19 de Setembro de 1918). O Estado Novo reporia o nome do monarca, mas não o da rainha, na “Almirante Reis”…A data inicial destas mudanças toponímicas (que contemplaram também Miguel Bombarda na ex-

-rua Hintze Ribeiro) foi o 5 de Novembro de 1910, a um mês certo da proclamação da República, mas, por reação emocional que bem se compreende, o nome do Almirante Reis (que teve solene funeral comum com Miguel Bombarda) fora decidido já em 13 de Outubro.Outras vias de tradicional homenagem monár-quica trocaram também então de nome, como as pombalinas Rua Nova da Rainha (esposa de D. José I; que foi da Prata) e da Princesa (a futura D.

Toponímias da RepúblicaJosé-Augusto França Mestre em História de Arte.

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duques de Loulé e de Ávila, marquês de Tomar, e Rodrigo da Fonseca, Rodrigues Sampaio e António Augusto de Aguiar, ou João Crisóstomo e António de Serpa, batismos de 1902, ano toponimicamen-

te fecundo, mas não os de José Luciano de Castro e de Hintze Ribeiro, do mesmo ano, os dois últi-mos chefes dos partidos “ rotativistas”, que passa-

ram a ser dos dirigentes republicanos Elias Garcia e, como vimos, Miguel Bombarda, logo em 5 de

Novembro de 1910; ou de Pinto Coelho, o chefe le-gitimista que cedeu oportunamente o nome, em 23 de Setembro de 1912, aos republicanos Defen-

sores de Chaves, nas guerrilhas monárquicas desse ano. Ressano Garcia, esse foi justamente relembra-do nas Avenidas Novas que planeara, mas só em

1929, dezanove anos após a eliminação que sofre-ra politicamente em 1910; e o seu colaborador An-tónio Maria de Avelar também, bem tardiamente,

em 1971, ele que cedera, em 5 de Novembro de 1910 igualmente, o seu nome à Avenida Cinco de

Outubro, como vimos. Topónimo este que veio a caber, duplicadamente, como jardim, a um peque-no espaço a par da Basílica da Estrela, que toda a

vizinhança prefere, porém, designar por Jardim da Burra, graças a um medíocre grupo escultórico, de evocação bíblica lá levantado.Em 18 de Novembro de 1910, dois jornais republi-canos de grande e discutível ação partidária após a Revolução, deram nomes às ruas em que tinham instalação: O Mundo à Rua da Misericórdia, que retomou a designação anterior em 1937, por in-fluência festejada do Diário da Manhã que viera a tomar conta dos seus bens imóveis, como quo-tidiano do Estado Novo, e A Lucta à rua dos Du-ques de Bragança que recuperou o topónimo em 1956. No jornalismo republicano ainda, Heliodoro Salgado substituíra o nome da Calçada do Monte Agudo em 21 de Outubro de 1909 (numa Câmara já republicana), Angelina Vidal o do Forno de Tijolo em 1924, em fins da I República, e Cecílio de Sousa

Maria I; que foi dos Fanqueiros), a Praça do Príncipe Real (que se referia inicialmente ao futuro D. Pedro V, mas depois também a D. Carlos, a D. Luís Filipe ou, por último, ao Infante D. Afonso) tornou-se Praça do Rio de Janeiro, antes de voltar ao primeiro nome, em 1948, com o sabor que cabia ao jardim român-tico plantado em meados de Oitocentos. A Rua do Príncipe, a par do Rossio (que se referira, na altura pombalina, a D. José, neto malogrado de D. José I) foi de Primeiro de Dezembro, mas só em 7 de Agos-to de 1918, em situação sidonista. Esquecida, po-rém, ficou até hoje uma Rua da Princesa que evoca, em Alcântara, ao que parece, D. Francisca, filha de D. João VI.De monarcas comemorados, a República manteve conscienciosamente os nomes de D. Pedro IV, o rei

liberal e “dador”, embora a sua praça seja sempre conhecida e correntemente nomeada por Rossio; e de D. Pedro V, por romântica simpatia, desde 1885. A primeira toponímia lisboeta de homenagem pessoal, além das de uso local ou de vizinhança, mais antigas, foi a Rua (Nova) d’ El-Rei, referida a D. Afonso V, pelo menos desde 1466, que subsistira ao Terramoto de 1755, com as suas consequentes alterações urbanísticas (( mesmo que conhecida pelo nome das (antigas) Capelistas do local )), to-mou o nome de Rua do Comércio em 5 de Novem-bro de 1910.O primeiro Itinerário Lisbonense ou Directório Geral “de todas as ruas, travessas, becos, calçadas, praças, etc. ” existentes em 1804 registou a área urbana de Lisboa, após terramoto comportando todos os nomes de então, para necessária infor-mação do “respeitável público”, a que foi anonima-mente oferecido.Quanto a figuras da monarquia constitucional fi-nal, a República conservou, nas Avenidas Novas que então necessariamente se batizavam, os no-mes dos falecidos Fontes Pereira de Melo (com monumento previsto e primeira pedra posta),

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o da Rua da Procissão, curiosamente já três semanas depois do 28 de Maio, certamente por distração dos poderes públicos.… Assim mais ou menos se processaram as substi-tuições e arranjos toponímicos no espaço histórico republicano de Lisboa, com confusões e esqueci-mentos (ou desforras) que sempre e inevitavelmen-te assistem a todas as toponímias.

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