Análise Estilística

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Análise estilística da música "Alagados", dos Paralamas do Sucesso.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE

CURSO DE LETRAS

ANLISE ESTILSTICA DA MSICA ALAGADOS

ISTEFERSON ROSA DE MELO

FORTALEZA

2015

ISTEFERSON ROSA DE MELO

ANLISE ESTILSTICA DA MSICA ALAGADOS

Trabalho apresentado ao Curso de Letras da Universidade Estadual do Cear UECE -, como requisito parcial para aprovao na disciplina de Estilstica, ministrada pelo Prof. Jos Haroldo Nascimento.

FORTALEZA

2015

RESUMO

O presente trabalhoanalisaa msica "Alagados", da banda Os Paralamas do Sucesso,a fim de compreender e assimilar as mensagens presentes em seu denso ncleo. Para tal, investigaratravsdo contexto musical em que a cano surgiu, o contexto socioeconmico, a identificao e classificao das rimas presentes e por fimfaz uma anlise estilstica da cano. Apesar de existir uma vasta gama de possibilidades analticas, centraliza a ateno apenas nas mais pertinentes. Demonstra como o mundo da arte fecundo atravs daconstatao de que mesmo em poucos versos, dezessete ao total incluindo o refro, possvel inferir conceitos diversos acerca de temas como desigualdade social, f e individualismo.Apesar daforte capacidade expressivada cano e de seu grande sucesso na poca, nota-se que seus efeitos no foram muito relevantes para uma conscientizao maior por parte da sociedade brasileira, pois quase duas dcadas depois de seu lanamento, o pas ainda encontra-se em situao parecida no que diz respeito situao dos maisdesfavorecidos, apenas com uma leve atenuada nos sintomas mais graves.

Palavras-chave: Alagados; anlise estilstica; cano.

SUMRIO

INTRODUO.....................................................................................................01O ESTILO............................................................................................................02Breve conceito...................................................................................................02MSICA...............................................................................................................03Dados da msica...............................................................................................03Contexto do cenrio musical.............................................................................03Contexto socioeconmico..................................................................................04RIMAS.................................................................................................................05Posio no verso...............................................................................................05Tonicidade.........................................................................................................07Sonoridade........................................................................................................08Valores morfolgicos.........................................................................................09ANLISE ESTILSTICA.......................................................................................10Estilstica lxica..................................................................................................11Figuras de linguagem........................................................................................11CONCLUSO......................................................................................................16REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....................................................................17

1

INTRODUO

O corrente trabalho ter como cerne a anlise estilstica da msica "Alagados", da banda Os Paralamas do Sucesso, lanada no incio da segunda metade da dcada de 80 e que teve enorme repercusso tanto comercial quanto para o enriquecimento da abordagem social da poca que, diga-se de passagem, continua bem atual.

Ns seres humanos, assim como todos os outros entes da natureza que se manifestam atravs da vida, atuamos tanto de forma individual como de forma coletiva. No mbito coletivo, podemos ressaltar as desigualdades sociais como um dos aspectos basilares para uma anlise mais panormica das mazelas que atrasam o desenvolvimento humano enquanto sociedade. Outro aspecto que nos precioso a capacidade de criar e desenvolver arte atravs do nosso incrvel dom de apreendermos pelos "poros" - leia-se sentidos - e representarmos atravs da criatividade e subjetividade que nos particular no somente o que vem de fora, mas o que vem de dentro tambm. A msica, uma das partes constituintes desse infindo mosaico que a arte, h muito aborda e denuncia de forma muito notvel as desigualdades sociais referidas acima, fazendo-se fundamental a traduo desse dilogo msica/sociedade seja em que poca for.

Sero apresentados aspectos introdutrios acerca das categorias estilsticas, assim como tambm apresentarei informaes relevantes sobre a msica e o contexto histrico em que foi composta, tipos de rimas que foram utilizadas e concluirei com uma anlise do estilo da msica.

2 O ESTILO

2.1 Breve conceito e suas categorias

A palavra estilo advm do latim stilus, que designava originalmente uma pequena haste usada para escrever, um tipo de caneta antiga e que, em associao com essa ideia de escrita, passa a designar a maneira especfica de escrever ou falar de uma pessoa ou de um grupo.

Ainda no sculo XIX, a palavra estilstica j era utilizada, mas foi to somente nas primeiras dcadas sculo XX que ela surge como disciplina veiculada lingustica. Charles Bally (1865-1947) e Leo Spitzer (1887-1960) so os percussores da estilstica da lngua e estilstica literria, respectivamente, e que foram de suma importncia para o estabelecimento da estilstica como cincia ao invs de arte, como era tratada a retrica para os gregos. Aps Bally e Spitzer, outros estudos foram desenvolvidos por tericos como Enkvist (1974), Guiraud (1970), Riffaterre (1971) e Mattoso Cmara Jr. (1978), em que apareceram numerosas definies acerca de estilo, tanto que cada um procura classific-las de acordo com os critrios em que se fundamentam especificamente.

Em suma, a estilstica uma cincia moderna que busca analisar os recursos afetivo-expressivos de uma determinada lngua e sua capacidade de emocionar atravs do estilo que, por sua vez, entende-se no somente como uma forma de escrever, mas tambm, como a maneira de produzir de um escritor, de uma escola artstica, de uma poca, de um gnero ou de um sistema cultural em que o mesmo est inserido. Temos ento que: A estilstica [] no mais que o estudo da expresso lingustica; e a palavra estilo, reduzida a sua definio bsica, nada mais que uma maneira de exprimir o pensamento por intermdio da linguagem. (GUIRAUD, 1970, p.11).

3 - MSICA "ALAGADOS"

3.1 Dados da msica

"Alagados" uma cano composta por Herbert Viana, Bi Ribeiro e Joo Barone, atuais membros da banda Os Paralamas do Sucesso. A msica est inserida no lbum "Selvagem?", lanado em 1986. Possui um vdeo clipe que contm imagens que casam perfeitamente com a letra, onde aparecem moradias em condies irregulares e precrias, catadores de lixo e todas as formas de condies degradantes desses "passageiros da agonia" retratados na letra, possibilitando assim uma relao intersemitica entre msica e vdeo. Por ter se destacado no somente no mbito comercial, mas tambm, pelo tom crtico e bem elaborado, a msica ficou classificada em 63 lugar na lista das 100 maiores msicas brasileiras publicada pela revista Rolling Stone.

3.2 Contexto do cenrio musical

A dcada de 80 certamente ser eternamente lembrada como a ano do "estouro" do rock nacional brasileiro, ou como conhecido na literatura histrica da msica brasileira, o "BRock". inegvel que especificamente o ano de 1982 foi o estopim para essa popularizao do rock nacional e o consequente surgimento de inmeras bandas desconhecidas como Legio Urbana, Ultraje a Rigor, Blitz, RPM, Tits dentre outras que tambm merecem destaque, mas que colocariam definitivamente suas digitais na certido do rock tupiniquim. Fundamental para esse impulso no citado ano foram as criaes do espao de cultural Circo Voador (janeiro de 1982), que no incio era apenas uma estrutura modesta coberta por uma lona (circo) voltada para a apresentao das ento bandas desconhecidas, a criao da Rdio Fluminense (maro de 1982), que era voltada para a execuo de msicas de muitas bandas que tocavam no Circo Voador e que foi fundamental para a divulgao das mesmas, e por fim, mas no menos importante, o Festival Punk de So Paulo (novembro de 1982) intitulado "O Comeo do Fim do Mundo", que teve como figuras ilustres bandas como Clera, Os Inocentes, DZK e os Excomungados.

Eis uma frase que poderia ser vista como um tratado revolucionrio do Punk Rock brasileiro proferida por Clemente, vocalista da banda Os Inocentes:

"Ns estamos aqui para revolucionar a msica popular brasileira, pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandr e fazer da Amlia uma mulher qualquer."

O cantor deixa bem claro que estava na hora de tirar o foco da msica brasileira preponderantemente da MPB e criar novos movimentos com novos ideais e caractersticas, da o tom "depreciativo" com que aborda as referencias musicais utilizadas na citao, no que no tivessem o seu valor, mas era necessrio criar algo como uma anttese no cenrio musical.

3.3 Contexto socioeconmico

O cenrio social no Brasil ainda tinha como pano de fundo a Ditadura Militar, mas era algo que mudaria at a primeira metade da dcada. Com a posse do presidente Joo Figueiredo houve uma inteno de redemocratizao brasileira lenta, gradual e segura. Logo em seu primeiro ano de mandato, Figueiredo decreta a Lei de Anistia, denominao popular dada lei n 6.6831, promulgada aps uma ampla mobilizao social. O cenrio poltico ento comea a mudar aos poucos, porm, economicamente a situao no nada favorvel. Notadamente conhecida como dcada perdida da economia brasileira, apresentou forte retrao do PIB, aumento do dficit pblico por causa do crescimento da dvida externa e interna, o que certamente ocasionou um sofrimento extremamente maior nas camadas sociais mais inferiores do que nas mais favorecidas.

Em 1983-1984 houve um movimento civil que reivindicava eleies diretas para o cargo de chefia maior do estado que baseava-se na Emenda Constitucional Dante de Oliveira, porm, foi rejeitada pelo congresso frustrando os planos da sociedade brasileira que militava. Entretanto, em janeiro de 1985 pode-se dizer que houve uma vitria parcial da sociedade, pois o Colgio Eleitoral elegeu Tancredo Neves para Presidncia da Repblica, ato que no se consolidou, pois ele morreu antes de assumir o cargo, quem assumiu em seu lugar foi o famigerado Jos Sarney.

Enfim, aps tanta represso e mortes que nunca sero apagadas dos anais da memria brasileira, surge enfim no horizonte a possibilidade do "grito" contestador e denunciador da classe artstica, da imprensa e da sociedade como um todo. Todo esse contexto serviu como germinador para a composio da msica "Alagados", mas certamente o mago do teor crtico dessa msica no se deu apenas por esses anos, a histria de desigualdade e crueldade para com os mais desfavorecidos secular, apenas estvamos readquirindo a possibilidade de nos expressar livremente, e assim o fizemos.

4 RIMAS

A rima pode ser entendida como uma conformidade ou coincidncia de fonemas, geralmente a partir da ltima vogal tnica de cada verso. A rima um artifcio utilizado por estudiosos das letras ao longo dos sculos e presente em vrias escolas literrias e, portanto, sempre foi material de investigao de inmeros linguistas e poetas que buscavam uma categorizao cada vez mais refinada. Por se tratar de algo presente em inmeros contextos e vertentes, sempre foi impossvel coloc-la em uma grade categorizada e fixa devido ao grande poder de criao e recriao da mente artstica humana. Tendo em vista esses conceitos, exporei algumas rimas encontradas na cano em questo.

4.1 Posies no verso

Rima externa: acontece no final do verso.

Ex.: No tm faltado bocas de serpentes,

(Dessas que amam falar de todo o mundo,

E a todo o mundo ferem, maldizentes)

Que digam: Mata o teu amor profundo!

(Olavo Bilac)

Rima interna: acontece dentro do verso.

Ex.: Outubro

No fim da alameda

h raios e papagaios

de papel de seda.

(Guilherme de Almeida)

- Anlise da letra nesse quesito:

1 ESTROFE - SEXTILHA Todo dia o sol da manh A) Vem e lhes desafia - externa Traz do sonho pro mundo A) Quem j no o queria - externa Palafitas, trapiches, farrapos A) Filhos da mesma agonia - externa

2 ESTROFE - QUINTILHA

E a cidade que tem braos abertos A) Num carto postal - externaA) Com os punhos fechados da vida real - externa Lhes nega oportunidades A) Mostra a face dura do mal - externa

REFRO

A) Alagados, Trenchtown, Favela da Mar - externa A esperana no vem do mar B) Nem das antenas de tev - externaA) A arte de viver da f - externaB) S no se sabe f em qu - externaA) A arte de viver da f - externaB) S no se sabe f em qu - externa

Como podemos ver a letra da cano no possui rimas internas, apenas externas.

4.2 Tonicidade

Agudas ou masculinas: Quando a rima acontece entre palavras oxtonas ou monossilbicas.

Ex: valor / amor; s / vis

Graves ou femininas: Quando a rima acontece entre palavras paroxtonas.

Ex: santa / planta; mala / sala; toque / choque.

- Anlise da letra nesse quesito:

1 ESTROFE - SEXTILHA Todo dia o sol da manh A) Vem e lhes desafia - grave Traz do sonho pro mundo A) Quem j no o queria - grave Palafitas, trapiches, farrapos A) Filhos da mesma agonia - grave

2 ESTROFE - QUINTILHA E a cidade que tem braos abertos A) Num carto postal - agudo A) Com os punhos fechados da vida real - agudo Lhes nega oportunidades A) Mostra a face dura do mal - agudo

REFRO

A) Alagados, Trenchtown, Favela da Mar - agudo A esperana no vem do mar B) Nem das antenas de tev - agudo A) A arte de viver da f - agudo B) S no se sabe f em qu - agudo A) A arte de viver da f - agudo B) S no se sabe f em qu - agudo

Na primeira estrofe da msica temos rimas graves, mas na segunda estrofe e no refro temos rimas agudas.

4.3 Sonoridade

Perfeitas (consoantes, soantes): H uma perfeita identidade dos sons finais, assim como uma semelhana entre as ltimas vogais e consoantes.

Ex: tento / vento; peso / teso

Imperfeitas (assonantes , toantes): Quando, ou h identidade apenas entre as vogais finais, no havendo necessariamente identidade entre os sons finais, ou quando a sonoridade semelhante, mas a grafia das palavras diferente.

Ex: mbar / amar; estrela / vela

- Anlise da letra nesse quesito:

2 ESTROFE - QUINTILHA

E a cidade que tem braos abertosA) Num carto postal - perfeita A) Com os punhos fechados da vida real - perfeita Lhes nega oportunidades A) Mostra a face dura do mal - perfeita

REFRO

A) Alagados, Trenchtown, Favela da Mar - perfeita A esperana no vem do mar B) Nem das antenas de tev - perfeitaA) A arte de viver da f - perfeita B) S no se sabe f em qu - perfeitaA) A arte de viver da f - perfeita B) S no se sabe f em qu - perfeita

4.4 Valores morfolgicos

Pobres: Quando a rima acontece entre palavras da mesma classe gramatical

Ex: Falar / amar; o calor / o sabor; bonito / bendito

Ricas: Quando a rima acontece entre palavras de classes gramaticais diferentes.

Ex: Cantando / bando; mar / navegar; vagos / lagos; quem / tem.

- Anlise da letra nesse quesito:

1 ESTROFE - SEXTILHA Todo dia o sol da manh 2) Vem e lhes desafia - pobre Traz do sonho pro mundo 4) Quem j no o queria - pobre Palafitas, trapiches, farrapos 6) Filhos da mesma agonia - rica

2 ESTROFE - QUINTILHA E a cidade que tem braos abertos 2) Num carto postal - pobre3) Com os punhos fechados da vida real - pobre Lhes nega oportunidades 5) Mostra a face dura do mal - rica

As estrofes variam seus versos em rimas pobres e ricas. Na primeira estrofe, os versos 2 e 4 possuem rimas pobres, enquanto versos 4 e 6 possuem uma rima rica. Na segunda estrofe os versos 2 e 3 possuem rima pobre, enquanto os versos 3 e 5 possuem rima rica, o que demonstra uma irregularidade entre as rimas dos versos nesse quesito.

5 - ANLISE ESTILSTICA

5.1 Estilstica lxica

Trata da investigao dos inmeros processos de expresso das palavras ligados aos seus aspectos morfolgicos, semnticos e sintticos de acordo com suas formas de uso com um todo, no sendo possvel a anlise de uma expresso isolada sem antes analisar o contexto em que foi utilizada, como a carga emotiva ou sentimental que o autor quis imprimir. Analisa as formas comumente aceitas pela gramtica normativa, o uso de grias, estrangeirismos ou linguagem figurada, explorando o vasto campo das diferenas entre denotao e conotao.

Apontarei a seguir as figuras de linguagem mais relevantes presentes na letra da msica em questo.

5.2 Figuras de linguagem

So as figuras de linguagem as responsveis por realar a mensagem que se quer passar ao receptor de forma conotativa, o que por consequncia acaba valorizando o texto em que est inserida. um recurso que expressa experincias comuns de formas distintas atribuindo emotividade, originalidade e poeticidade ao discurso promovendo criatividade lingustica. Os pensamentos empregados em sentido figurado pertencem ao campo da significao mais ampla e produz um estado de graa a expresso utilizada que, de acordo com sua escolha, pode inferir muito da inteno ou at mesmo traos da personalidade do autor.

Existem as figuras de palavras, que servem para empregar algum sentido diferente a um termo convencionalmente estabelecido passando a empregar uma mudana de denotativo para conotativo, ou serve tambm para generalizar um termo comum que ento passa a representar algo genrico atravs de uma ampliao de sentido. Fazem parte dessa categoria a metfora, comparao, metonmia, perfrase, sinestesia ou catacrese.

Existem as figuras de construo, que dizem respeito aos desvios em relao concordncia, causando modificao na estrutura da orao atravs de repeties ou omisses. Fazem parte dessa categoria a silepse, anfora, anacoluto, onomatopeia, repetio, aliterao, quiasmo, elipse, zeugma, pleonasmo, assndeto, polissndeto e hiprbato.

Existem as figuras de pensamento, que consistem numa alterao deliberada a fim de tornar a expresso mais lancinante e provocar um maior impacto no receptor. Porm, esse desvio d-se mais das ideias que esto por trs desse desvio, da elaborao mental da expresso, do que pela construo da frase ou norma gramatical. Constituem essa categoria a anttese, paradoxo, ironia, eufemismo, hiprbole, gradao, prosopopeia, preterio e prolepse.

PROSOPOPIA (PERSONIFICAO) - Atribui caractersticas humanas (sentimentos, linguagens e aes humanas) a seres inanimados ou abstratos.

Todo dia o sol da manh Vem e lhes desafia Traz do sonho pro mundo Quem j no o queria

Palafitas, trapiches, farrapos Filhos da mesma agonia

Acima, nessas estrofes pinadas, podemos notar a personificao dos elementos sol e agonia. O sol que lana todos os dias um desafio aos pobres e que os deslocam do mundo onrico para o material, e a agonia que acaba por se tornar me dos miserveis atravs da generalizao das mazelas sociais em que esto inseridos cotidianamente. Afim de expandir mais a rea de compreenso dos dois ltimos versos negritados, irei me utilizar de dois trechos de outras obras afim de promover uma intertextualidade elucidativa.

Primeiro utilizarei um trecho da msica "Relampiano", composio de Lenine e Paulinho Moska. O primeiro lanou a cano em seu lbum "Na Presso", de 1999, enquanto o ltimo regravou em seu lbum "Contrassenso", de 2002.

" mais uma boca dentro do barraco Mais um quilo de farinha do mesmo saco Para alimentar um novo Joo Ningum"

Agora utilizarei um trecho da abertura do poema "Morte e Vida Severina", do poeta Joo Cabral de Melo Neto, lanado em 1955.

"E se somos Severinos

iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

mesma morte Severina"

Nos dois trechos possvel perceber que seus autores utilizam-se da generalizao da pobreza para tentar ressaltar a planificao das condies subumanas em que esto inseridos os miserveis. Para tal efeito nota-se a utilizao da palavra mesma nos fragmentos "...farinha do mesmo saco" e "mesma morte Severina". Fica claro, pois, que no existem excees quando o assunto misria e a quase impossibilidade de escapar dela, so todos "farinha do mesmo saco que compartilham da mesma vida e morte Severina".

ANTTESE - Consiste no uso de expresses de sentidos opostos numa mesma sequncia de ideias.

E a cidade que tem braos abertos

Num carto-postal

Com os punhos fechados da vida real

Aqui a utilizao da anttese consiste na inteno do autor em expor de forma visceral a contradio em que vivemos, no apenas no Rio de Janeiro, mas no Brasil e no mundo. Enquanto ostentamos orgulhosos e cheios de si uma das sete maravilhas do mundo moderno, com toda a carga representativa religiosa e poltica que carrega a figura do Cristo, damos com os punhos fechados na cara dos que mais precisam, e que seguramente seriam muito mais assistidos por ele do que por seus "enferrujados" seguidores que j apresentam, h muito tempo, sintomas de algo que pode parecer com um caso de esquizofrenia coletiva crnica ornada de hipocrisia e egosmo.

Agora utilizarei-me de uma livre interpretao textual dos versos que compem o refro da cano.

Alagados, Trenchtown, Favela da Mar

O primeiro verso do refro comea citando as favelas de Alagados situada na Bahia, Trenchtown situada em Kingston, capital da Jamaica, e Favela da Mar situada no Rio de Janeiro. Aqui o autor visa a universalizao da situao em que encontram-se um sem fim de indivduos aprisionados em seus guetos alternativos, o que demonstra que a pobreza no deve ser tratada como problema apenas local, mas geograficamente geral.

A esperana no do mar

Como as favelas citadas situam-se em localidades litorneas, o autor quis mostrar que a esperana para que eles saiam desse contnuo estado de degradao no vir do imenso mar que os banham, de forma aleatria ou de modo a esmo, mas que deve ser bem trabalhada e organizada por seus integrantes.

Nem das antenas de tev

Percebe-se de forma clara que h uma crtica sobre as emissoras de tev que h muito entorpece e manipula seus telespectadores, ao invs de agir de forma idnea e engajada socialmente para o bem comum das populaes que fazem usufruto.

A arte de viver da f

S no se sabe f em qu

A arte de viver da f

S no se sabe f em qu

O autor lana uma questo: como podem viver da f em algo que nem sequer tm em mente de forma clara? A f presente em um sorriso, em momentos de pura alegria e descontrao mesmo vivendo na mais pura e crua necessidade. Creio que esse questionamento seja um dos pontos mais tocantes da msica, posto que o autor, por nunca ter vivido em tal contexto social, no consegue compreender como podem esses alagados ainda conseguirem acessar em seus coraes as sutilezas transcendentes da felicidade em meio a tantas adversidades, mesmo que por curtos espaos de tempo.

No foram encontrados na letra musical quaisquer erros gramaticais, assim como estrangeirismos ou grias, fazendo com que no haja a necessidade de uma interpretao contextual de expresses locais.

CONCLUSO

Neste trabalhoabordei a msica "Alagados", da banda Os Paralamas do Sucesso, que fez um tremendosucesso nos anos 80 do ponto de vista comercial e cultural, mostrando-se um produto fonogrfico plenamente consistente e enriquecedor para diversasanlises sociolgicas no somente de uma poca, pois como funda-se no tema misria, continua a ser extremamente contempornea. Para abarcar os diversos aspectos e nuances da msica, utilizei-me de uma gama de anlises que prestigiarama perspectiva histrica musical da poca, o contexto socioeconmico em que surgiu, a categorizao das diferentes espcies de rimas encontradas em seus versos, assimcomo uma anlise estilstica da obra enquanto portadorade uma mensagem densa, porm necessria para uma mnima compreenso do seu enfoque. Atravs desses enfoques pude concluirque as artes como um todoexercem fortes dilogos que contribuem de forma eficaz para a exposio de problemas sociais, psicolgicos e at mesmo espirituais. Porm, infelizmente asresultantesdesses dilogos com o real ainda nose tornaramreflexes crticase ponderadas pela maioria, algo que s tende a piorar, posto que a reproduo cultural artstica encontra-se cada vez mais rasa e carente de significao. Ainda existem inmeros artistas de grande qualidade, mas esto encobertos e escondidos pela engrenagem do lucro obtido pela ignorncia, o que faz com que a arte de valor encontre grandes dificuldades em exercer seu papelhumanizador, filosfico e potico. Considero que este trabalho foi de enorme valia para meu desenvolvimento crtico e cultural, pois me confrontou com assuntos que exigiram certo esforo para aprofundamento e que certamente levarei para toda a minha vida acadmica e pessoal.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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