ANTÓNIO DE VIEIRA O FAVORITO PORTUGUÊS DE PEDRO, O … · A política externa de Pedro I...

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JOSÉ MILHAZES ANTÓNIO DE VIEIRA O FAVORITO PORTUGUÊS DE PEDRO, O GRANDE

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E M B U S C A D O S V I E I R A N A R Ú S S I A

J O S É M I L H A Z E S

A N T Ó N I O D E V I E I R A

O FAVORITO PORTUGUÊS DE

PEDRO, O GRANDE

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O F A V O R I T O P O R T U G U Ê S D E P E D R O , O G R A N D E

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E M B U S C A D O S V I E I R A N A R Ú S S I A

Í N D I C E

PARTE ICapítulo 1 António de Vieira e a «janela para a Europa» . . . . .

de São Petersburgo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Capítulo 3 Ascensão e queda de António de Vieira . . . . . . . . .Capítulo 4 As aventuras de Vieira na Sibéria . . . . . . . . . . . . . . .

PARTE IICapítulo 1 Ramos genealógicos de Vieira na Rússia . . . . . . . . .Capítulo 2 Descendentes heroicos dos Vieira . . . . . . . . . . . . . .Capítulo 3 O ramo artístico dos Vieira . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Capítulo 4 Em defesa de Tolstoi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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E A J A N E L A PA R A A E U R O PA

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Não devem ter sido muitos os portugueses que deixaram um rasto tão forte na história de países estrangeiros como o que António Manuel Luís de Vieira e alguns dos seus descendentes conseguiram nos destinos da Rússia. Apesar da sua modesta origem social e de ter contra si o facto de ser um judeu de ori-gem portuguesa, conseguiu uma carreira brilhante no Império Russo e deu origem a toda uma dinastia que prestou grandes serviços nesse país longínquo.

Não se sabe ao certo em que terra portuguesa e em que ano nasceu António de Vieira, mas não há dúvida de que é um judeu de origem portuguesa. O Dicionário Enciclopédico Brockhaus e Efron aponta 1682 como a data de nascimento, mas alguns historiadores russos falam do ano de 1673 ou 1674. A primeira fonte parece estar mais perto da verdade porque, em 1697, quando ocorre o

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primeiro encontro entre o judeu de origem portuguesa e o czar russo Pedro I, Vieira, como veremos, era ainda muito jovem. O historiador Piotr Petrov escreve que o português tinha 71 anos quando morreu, em 1745, e por isso teria nascido em 16741.

Os dados são igualmente poucos e não conclusivos quanto à terra natal de António de Vieira. O barão Mardefeld, embaixa-dor prussiano na corte russa, considerava que Vieira tinha nas-cido em Nápoles; para o historiador russo Bantych-Kamensky era português, mas tinha nascido em Amesterdão. No contacto com outros portugueses em São Petersburgo, nomeadamente com João da Costa, bobo da corte russa, ninguém duvidava da sua origem portuguesa. O abade Tomás da Silva de Avelar, que visitou a Rússia por ordem do rei D. João V, escreveu uma car-ta de Danzingue (atual Gdansk), datada de 26 de setembro de 1724, em que consta: «Em São Petersburgo fui logo visitar o nosso famoso português António Manuel de Vieira.»

Além disso, quando morreu, a Gazeta de Lisboa, de 31 de agos-to de 1745, fazia referência à região onde poderia ter nascido: «O conde Vieira, António Manuel de Vieira, português, natural da província do Minho, que pelo seu valor e distinto procedi-mento foi valido do imperador Pedro, o Grande...»2

Também não se sabe ao certo onde o czar Pedro I (1672-1725) o encontrou, em Inglaterra, ou na Holanda, mas não há dúvida de que António de Vieira só foi para a Rússia graças à política do czar russo de abertura de «uma janela para a Euro-pa» e de modernização do seu país. Por isso, é necessário, antes de mais, analisar a sua política no contexto das relações inter-nacionais na Europa dessa época.

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A política externa de Pedro I perseguia o sonho dos seus antepassados de conquistar portos marítimos que fossem na-vegáveis durante todo o ano e garantissem relações mais in-

czar decidiu enviar uma grande embaixada a vários países com objetivos importantes: encontrar aliados para a guerra contra o Império Otomano e o canato da Crimeia, que nessa época impediam a saída da Rússia para o mar Negro, a sul, e contra a Sué cia, que lhe cortava o caminho para o mar Báltico, a noroes-te. Além disso, a delegação russa tinha objetivos mais práticos: procurar e contratar no estrangeiro especialistas em diversos ra-mos da ciência, adquirir diferentes materiais e armamentos que a Rússia não produzia. A embaixada russa era constituída por cerca de 250 pessoas: três embaixadores plenipotenciários, 36 voluntários, ou seja, jovens enviados ao estrangeiro para estuda-rem construção naval e artes de navegação, quase 140 auxiliares e 70 soldados do regimento de Preobrajenski. O czar russo ia entre eles, disfarçado de guarda do regimento.

A embaixada partiu de Moscovo a 9 de março de 1697 e vi-sitou numerosos países, mas a nós interessa-nos especialmen-te a Holanda e a Inglaterra por ter sido num desses países que Pedro I encontrou o jovem António de Vieira.

Chegado à Holanda, o czar russo dirigiu-se com um gru-po de voluntários para a cidade de Saardam, centro impor-tante de construção naval, de que mercadores holandeses já lhe tinham falado em Moscovo. Instalado em casa do ferrei-

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ro Herrit Kist, um velho conhecido holandês que trabalhara na Rússia, Pedro dedicava-se à construção naval, mas quan-do tinha tempo livre visitava fábricas de têxteis, serralharias e outras empresas. Por vezes, pedia autorização para executar alguma operação e mostrava curiosidade pelos pormenores do processo produtivo.

Para se disfarçar, o czar russo comprou roupas semelhantes às dos barqueiros locais: camisa vermelha, jaqueta sem gola e com grandes botões, calças largas e um chapéu de feltro cóni-co. Munido das ferramentas de carpinteiro, inscreveu-se num estaleiro com o nome de Pedro Mikhailovitch. Começava a tra-balhar de manhã cedo, almoçava em qualquer taberna ou, às vezes, visitava alguma família de carpinteiros locais que tinham trabalhado na Rússia.

Mas, numa cidade tão pequena como Saardam, era pratica-mente impossível esconder durante muito tempo a verdadeira identidade daquele trabalhador que se escondia sob o nome de Pedro Mikhailovitch e, por isso, o czar russo decidiu rumar a Amesterdão, a principal cidade da Holanda.

No dia 17 de agosto, o czar e os membros da sua comitiva visitaram o edifício da câmara municipal, instituições de caridade e de correção, e, à noite, foram ao teatro, acompanhados pelas autoridades da cidade. No dia seguinte, foram ver os armazéns e estaleiros da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, um dos instrumentos principais da colonização holandesa e uma das grandes fontes de riqueza desse país.

A nós, interessa-nos mais o dia 22 de agosto, quando as auto-ridades de Amesterdão organizaram no Golfo uma encenação

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de um combate naval com a participação de 40 navios ligeiros. Pedro I foi comandante de um deles e soube manter-se à altu-ra do cargo. Pode ter sido nesta batalha que o czar russo co-nheceu António de Vieira. Esta é a versão do estudioso russo S. Chubinsky, que escreve:

Quando comandava um navio, Pedro I prestou atenção a

-

cos hebraicos, um rosto bastante belo e bem feito. Movimen-

tava-se agilmente pelo convés e esticava as velas, e, em geral,

cumpria todas as ordens de forma rápida e correta. Quando

terminaram as manobras, o czar mandou chamá-lo, elogiou

a sua habilidade, deu-lhe um táler, perguntou-lhe quem era e

de onde vinha. O marinheiro respondeu rapidamente que se

que emigrara para a Holanda, e que aí se convertera ao catoli-

cismo, que o seu pai tinha morrido deixando-o sem quaisquer

meios de subsistência, e que, por não ter encontrado ocupação

mais fácil, se tornara marinheiro. O imperador gostou tanto

das respostas do jovem e do seu ar agradável, que lhe propôs

que o passasse a servir, prometendo-lhe cuidar dele em troca 3.

Há relatos romanceados do primeiro encontro entre Pedro e António de Vieira. E.A. Salias de Turnemir, conhecido es-critor russo do século XIX, descreve essa cena de forma muito pitoresca, mas talvez muito afastada da verdade:

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Nos últimos anos do século XVII, quando o reformador da

Rússia deixou a sua pátria, numa pequena localidade na Ho-

landa, em Saardam, apareceu um carpinteiro de origem russa

chamado Piotr Mikhailovitch.

Nos estaleiros, à volta deste simples operário, apareceu todo

o género de estrangeiros de países europeus.

Os estaleiros estavam cheios de pessoas de todo o mun-

do e de todo o tipo de lixo humano. Aí apareciam alemães,

franceses, italianos, espanhóis, para não falar de dinamarque-

ses e ingleses.

O estatuto de incógnito do carpinteiro não se manteve

durante muito tempo. Embora não quisesse ser reconhecido,

comportava-se de forma muito precipitada e infantil, e não

demorou a desmascarar-se.

Vivia num quartinho de uma casa minúscula, alimentava-

-se de modo simples, trajava calças brancas de pano de vela,

usadas pelos marinheiros, e um colete de lã vermelha, trazia

um chapéu de palas enormes desarranjado na cabeça, bebia

muita cerveja e fumava muito. Num dia, gastava mais consigo

do que todos os trabalhadores dos estaleiros.

Ao mesmo tempo, comprou um bote para se divertir, pelo

qual pagou, sem regatear, 450 guildens. Paralelamente, tirou

do buraco das dívidas o marido de uma mulher que tinha dez

À menor discussão, ao menor atrito, não fazia cerimónia e

a zanga acabava em pancadaria. Sendo forte, desferia potentes

corado. Faziam queixa dele, mas o sindicato não o incomodava.

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Em menos de um mês, a identidade de Piotr Mikhailo vitch

tornou-se enigmática e rodeada de uma aura de mistério. Apa-

receram pessoas espertas, principalmente holandeses, que se

apressaram a aproximar-se do carpinteiro simples.

Pouco tempo depois, chegou uma embaixada russa, que

foi recebida com honras pelas autoridades de Saar dam. Mas

todos esses senhores, vestidos de cafetãs bordados a ouro, im-

portantes e nobres, foram fazer uma vénia à pequena cabana

onde vivia o carpinteiro Piotr Mikhailovitch.

O czar russo deixou de ser um desconhecido. Mas tive-

ra tempo de gostar de alguns estrangeiros, que lhe manifes-

taram a sua amizade quando ele era ainda supostamente um

simples operário.

Entre os novos amigos e pessoas desembaraçadas, havia

um, meio espanhol, meio português, ágil, corajoso, mas esper-

to e falso, que tinha o nome de Anton Emmanuil e o apelido

de Vire ou Viere.

Conheceram-se de forma peculiar. Ainda antes da chegada

da embaixada russa, durante uma festa, uma multidão cercou

a casinha onde vivia o russo. Já corria o boato de que o car-

pinteiro era parente do czar russo.

A multidão foliona cercou a habitação para o ver.

Mikhailov saiu. Estava com pressa, mas era praticamente

impossível atravessar a densa multidão. Foi cercado, travado,

tocavam-lhe na roupa e nas mãos e miravam-no como a uma

fera exótica.

Tendo chegado a meio da multidão, Piotr Mikhailov, como

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minho com os punhos para a direita e para a esquerda.

Um tal Zimzen, burguês forte, alto, gordo e de cara ver-

melha, não teve tempo de ver o russo e foi a correr atrás dele

entre a multidão. Quando chegou junto dele, agarrou-o forte-

mente pelo braço e começou a pedir de forma ingénua:

– Espera, espera! Deixa-me olhar bem para ti.

Piotr Mikhailov virou-se para trás. Pelos vistos, foi a gota

que fez transbordar o copo.

– Então, olha! – exclamou.

-

ram despertar a praça e a multidão. O gordo holandês mal se

aguentou nas pernas. Ficou furioso e atirou-se ao russo para

lhe pagar com a mesma moeda.

Mas, nesse momento, um jovem alto, magricela, bonito,

com traços meridionais no rosto, interpôs-se entre o carpin-

teiro russo e o holandês ofendido. Era Vire.

-

dido. Foi uma grande honra para ti. Se é verdade que Mikhai-

lov é da família do czar, tu, agora, és nobre! Segundo o costu-

me dos seus antepassados, ele acabou de nomear-te cavaleiro.

Esta explicação, não sabemos porquê, agradou particular-

mente à multidão foliona. Uma forte risada soou em redor e

todos os assistentes o elogiaram:

– Zimzen é cavaleiro! Zimzen é cavaleiro!

Este caso deu início às relações entre Mikhailov e o es-

trangeiro Vire4.

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O citado abade Tomás da Silva de Avelar escreveu, na mes-ma carta enviada de Danzingue, que «o czar o trouxe de Ingla-terra, onde era um pobre marinheiro»5.

Efetivamente, o czar russo visitou a Inglaterra entre 11 de janeiro e 18 de abril de 1698, com os mesmos objetivos que o levaram à Holanda. Durante a sua estada em Londres, Pedro I, depois de ter sido recebido pelo rei Guilherme III, visitou a Academia de Ciências, a Universidade de Oxford, o Arsenal de Woolwich, a Casa da Moeda, dirigida por Isaac Newton, o ob-

convencido com a democracia britânica. Num artigo recentemente publicado na revista de história

russa, Diletant, -nio de Vieira, de Amesterdão para Londres, mas encontramos outra opinião, publicada ainda durante a vida do português, de que ele teria sido recrutado em Inglaterra. Cristianini Martini, membro da Academia de Ciências de São Petersburgo entre

de Vieira em Inglaterra: «Quando Pedro I esteve em Inglaterra no reinado de Guilherme III, o almirante Michell deu-lhe dois dos seus praticantes, Anton Immanulmich, português, e Ville-bois da Gasconha.»6

Esta embaixada de Pedro I teve grande importância tanto para a Rússia como para os Estados europeus. No estrangei-ro, Pedro teve oportunidade de se convencer de que as potên-cias europeias tencionavam não o ajudar a combater os turcos e decidiu que a guerra contra a Suécia, para conquistar portos

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nas costas do mar Báltico, era mais realista. Além disso, o czar russo contratou cerca de 700 estrangeiros, entre os quais Antó-nio de Vieira, para trabalhar na Rússia.

* * *

António de Vieira chegou a um país completamente desco-nhecido para si e onde não só a carreira mas também a vida e a morte dependiam de um só homem: o czar russo.

Entre a sua chegada à Rússia e 1718, ano em que foi no-meado chefe da polícia de São Petersburgo, não são muitas as informações sobre o português, mas as que existem permitem concluir que fez carreira nas campanhas militares durante a Grande Guerra do Norte (1700-1721). Depois de ter servido vários anos como ordenança de Aleksandr Menchikov, seu fu-turo cunhado, e de Pedro I, o português foi promovido a capi-tão da guarda em 1708, realizando, entre outras coisas, o trans-porte da correspondência entre o czar russo e Menchikov, que,

russa. No mesmo ano, recebeu os galões de major. A subida na hierarquia militar foi cada vez mais rápida, à me-

dida que António de Vieira ganhava experiência nos combates contra os suecos. Na qualidade de comandante do esquadrão de segurança do príncipe Menchikov, participou nas batalhas de Kalisz, Holowczyn, Lesnaya, Oposhnya e Baturyn.

Em junho de 1709, já tenente-coronel do mesmo esquadrão, Vieira participou na batalha de Poltava, combate decisivo para

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de Poltava, o esquadrão participou num cruel embate de cava-laria, durante o qual o dragão Stepan Volgovsky se apoderou do estandarte sueco.»7

A batalha de Poltava foi o ponto de viragem da Grande Guer-

Europa e transformou a Rússia numa grande potência europeia. O exército de Carlos XII tinha derrotado completamente

as tropas russas na batalha de Narva, em 1700. Tendo concluí-do que a Rússia era um adversário fraco, Carlos XII virou-se para a Polónia e para a Saxónia para derrotar Augusto II. Mas o czar russo conseguiu rearmar e reformar o seu exército, lim-par a costa russa do mar Báltico das tropas suecas e fundar na foz do rio Neva a cidade de São Petersburgo. O país tinha ne-cessidade vital de uma saída ampla para o mar Báltico, para de-senvolver o seu comércio com a Europa.

Em 1707, tendo percebido que a Rússia era o seu adversá-rio principal, o rei Carlos XII conduziu o seu exército em dire-ção a Moscovo. Os seus planos ambiciosos previam o domínio sueco desde o rio Elba até ao rio Amur, no Extremo Oriente.

decidiu surpreender Pedro I em Poltava, região do centro da Ucrânia, mas o czar russo opôs-lhe uma força de 42 mil homens e obrigou-o a fugir. Os suecos deixaram no campo de comba-te 9234 soldados, e as tropas russas registaram 1345 mortos e 3290 feridos8.

«Hoje, está completamente lançada a primeira pedra de São Petersburgo!»9, exclamou Pedro, o Grande, depois da vitória numa das maiores contendas da história da Rússia.

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A saída para o mar Negro e o enfraquecimento das posições turcas nessa região foi outro vetor importante da política exter-na russa. É também sabido que António de Vieira participou na guerra russo-turca de 1710-1713. Nessa frente, as tropas russas tiveram menos êxito do que no Norte e acabaram por perder importantes posições, antes adquiridas, nas costas do mar de Azov, nomeadamente a cidade de Taganrog, que Pedro I tencionava transformar na nova capital do seu império. Mas o fracasso na guerra contra os turcos levou-o a virar-se com

-nitivamente a Suécia10.

Foi durante a guerra russo-turca que o português foi pro-movido a general-ajudante. É de salientar que esse importante posto foi criado em 1711 especialmente para António de Viei-ra e Pavel Iagujinski, um simples lituano que fez igualmente uma carreira brilhante na corte russa. Segundo o regulamento, o general-ajudante era primeiro assessor junto do imperador e dos marechais-de-campo.

* * *

Durante a Grande Guerra do Norte ocorreu outro aconte-cimento que, mais tarde, terá grande repercussão na história da Rússia e na vida de António de Vieira. Em 1703, o czar russo encontrou a grande paixão da sua vida, Marta Skavronskaya,

poderosa da Rússia. Sabe-se que terá nascido no ano de 1684,

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algures num dos territórios da costa do mar Báltico ocupados pela Suécia. Segundo algumas fontes, teria nascido numa terra

natal poderá ter sido a cidade de Dorpat, atual Tartu, na Es-tónia. Certo é que era uma pessoa de origem muito humilde.

A 25 de agosto de 1702, o marechal-de-campo russo Boris Cheremetiev conquistou a fortaleza de Marienburg (atualmente Alūksne, na Letónia) e fez centenas de prisioneiros entre mili-tares e civis. Entre eles estava Marta, que chamou a atenção de Cheremetiev pela sua beleza e se tornou sua amante. Segundo uma das versões, Aleksandr Menchikov, favorito de Pedro I, tirou-a a Cheremetiev e levou-a para Moscovo, onde teve, por sua vez, de a ceder a Pedro I, que se apaixonou por ela.

François Guillemot de Villebois (1681-1760), um dos muitos -

rante da marinha de guerra e padrinho de casamento de Pedro e Catarina, recorda assim o seu primeiro encontro:

Quando o czar viajava de São Petersburgo [...] para a Li-

vónia, para prosseguir viagem, passou a noite em casa do seu

favorito Menchikov, onde notou Catarina entre os criados que

serviam à mesa. Perguntou-lhe de onde era e como a adqui-

rira. E, depois de falar ao ouvido de Menchikov, que lhe res-

pondeu com um simples aceno da cabeça, o czar olhou lon-

gamente para Catarina e, provocando-a, disse-lhe que ela era

inteligente, e concluiu o seu discurso brincalhão ordenando-

-lhe que, quando fosse dormir, levasse a vela para o seu quar-

to. Era uma ordem dada num tom brincalhão, mas que não

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admitia qualquer objeção. Menchikov aceitou isso como era

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to do czar. [...] No dia seguinte de manhã, o czar continuou

a viagem depois de ter devolvido a Menchikov o que lhe ti-

nha sido emprestado. Não se pode julgar a satisfação que o

czar retirou dessa conversa noturna com Catarina pela sua

generosidade. Limitou-se a dar-lhe um ducado (cinco fran-

cos), metendo-lho na mão como o teria feito um soldado na

hora da despedida11.

Em 1704, Catarina e Pedro, o Grande, passaram a viver jun---

sua mulher, considerando-a amante do seu secretário particu-lar, Willem Mons (1688-1724). Este homem de origem alemã

qualidades pessoais mas também ao facto de a sua irmã Anna ter sido amante do próprio imperador russo. Porém, Pedro I não lhe perdoou a excessiva proximidade de Catarina e mandou executá-lo, mas por outros motivos. Foi acusado de corrupção e de outros crimes, tendo sido condenado à morte por decapi-

cadafalso e a cabeça foi conservada em álcool.O imperador russo ordenou também que a sua mulher não

se aproximasse dele, tendo aberto apenas uma exceção: almo-