Artigos de Radiologia

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ABRIL / MAIO 2015 - ANO 13 - Nº 85 CONTINUA Síndrome da desmielinização osmótica: Mielinólise pontina central e extrapontina Figura 1. Mielinólise pontina recente em mulher de 83 anos. Imagens de RM em difusão (A), o mapa de ADC (B), axial T2 (C) e sagital FLAIR (D) evi- denciam lesão pontina com formato “em tridente” caracterizada por hipersinal em T2 e FLAIR, poupando as fibras dos tratos corticoespinhais (seta em D). A restrição à difusão (hipersinal na imagem de difusão e hipossinal no mapa de ADC) corrobora o quadro clínico recente. A B C D Figura 2. Mielinólise pontina recente. Mulher de 54 anos, durante internação para tratamento de choque séptico de foco pulmonar, evoluiu para “estado ve- getativo” após correção de hiponatremia em curto intervalo de tempo. Imagens de RM em difusão (A), o mapa de ADC (B), axial T2 (C) e sagital FLAIR (D) demonstram mielinólise pontina central, caracterizada por lesão extensa acometendo toda a ponte, de aspecto tumefativo, com hipersinal em T2 / FLAIR, e restrição à difusão. Notar que neste caso os tratos corticoespinhais não são poupados, o que pode ocorrer nas formas mais graves da doença. A B C D A B C Figura 3. Mielinólise pontina subaguda. Homem de 85 anos. Imagens de RM em difusão (A), axial FLAIR (B) e sagital T1 (C) evidenciam lesão pontina com formato “em tridente” caracterizada por hipersinal em FLAIR / difusão, e hipossinal em T1 (seta em C), poupando as fibras dos tratos corticoespinhais. A B C Figura 4. Mielinólise pontina, fase subaguda. As imagens de RM em difusão (A), axial T1 antes (B) e após a administração do gadolínio (C) evidenciam lesão na região central da ponte, caracterizada por hipersinal na difusão (A) e realce pelo gadolínio. Introdução A síndrome de desmielinização osmótica (SDO) refere-se a uma desordem desmie- linizante aguda, no contexto de ajuste de distúrbios osmóticos, tipicamente relacionada à rápida correção de hiponatremia. A primeira descrição da síndrome foi denominada mielinólise pontina central, acometendo pacientes alcóolatras crônicos, certamente um cenário ainda comum. Contudo, nas décadas seguintes foram descritas formas da doença envolvendo outras localizações além da lesão pontina, como o cerebelo e o mesencéfalo, e presumivelmente dividindo o mesmo substrato (desmielinização), denominadas conjuntamente mielinólise pontina e extrapontina. Deste então, vários casos foram descritos, e apontam uma distribuição caracte- rística da desmielinização extrapontina, incluindo núcleos da base, tálamos, corpo geniculado lateral, cápsula interna / externa / extrema, comissura anterior, tegmento mesencefálico, substância branca cerebelar, e as camadas profundas / internas do córtex cerebral. Nestas regiões os tratos da substância branca estão mais suscetíveis à lesão da mielina. Ocorrendo de forma independente ou em combinação, a mielinólise pontina central e a mielinólise extrapontina apresentam um momento característico de início, mas características clínicas distintas. Achados clínicos A SDO ocorre no curso de doença crônica. Essa condição não ocorre, usualmen- te, fora do hospital, e era desconhecida antes da terapia de reposição intravenosa de sódio. O curso clínico típico desta síndrome é de um paciente que se apresenta com complicações de hiponatremia (convulsões e encefalopatia), recuperação após rápida correção dos níveis séricos de sódio, e nova deterioração clínica cerca de 2 a 8 dias depois. Disartria e disfagia (envolvimento do trato corticobulbar) aparecem inicialmen- te, antes da evolução para paraparesia (trato corticoespinhal e base pontina). Com a progressão para o tegmento, pode ocorrer disfunção pupilar e dos nervos oculomotores. Outros sintomas encontrados são alteração de comportamento e doença psiqui- átrica, normalmente relacionados ao acometimento corticossubcortical; além de dis- túrbios de movimento (parkinsonismo, distonia, tremores), convulsões, depressão, polirradiculopatia, e neuropatia. Fisiopatologia No contexto de hiponatremia aguda, a queda da osmolaridade sérica promove fluxo de água para dentro da célula (edema celular), com consequente saída de solutos como sódio, potássio e cloreto para fora da célula. Contudo, esses eletrólitos são rapidamente reacumulados e reestabelece-se o equilíbrio osmótico. Ao contrário, no contexto de hiponatremia crônica, as células também perdem metabólitos / osmólitos orgânicos (mioinositol, taurina, glutamina, creatina, dentre outros), mas inferiormente ao ponto de ajuste do equilíbrio osmótico. Na correção da hiponatremia crônica, apesar dos íons inorgânicos retornarem rapidamente ao compartimento intracelular, os orgânicos são reacumulados de uma forma mais lenta (5 dias a 1 semana), resultando em uma disfunção proteica neste intervalo. A rápida correção do sódio sérico está associada a uma elevação maior que a espe- rada da concentração cerebral de sódio e cloreto, na presença da baixa concentração de osmólitos orgânicos, resultando na desmielinização osmó- tica. Evidência indireta de suporte desta teoria é encontrada no efeito protetor dos casos de falência renal, porque a ureia facilita a captação dos osmó- litos orgânicos. A associação entre mielinólise pontina e extrapontina no curso clínico, e as similaridades em relação aos seus fatores predisponentes, ao tempo de aparecimento nos exames de imagem e à histopatologia, sugerem que essas entidades mantenham um substrato comum. Caracteriza-se perda de oligodendrócitos e mielina, de maneira simétrica e não inflamatória, com preservação dos corpos celulares dos neurô- nios e axônios, e ainda infiltração de macrófagos. Na mielinólise pontina, há preservação das fibras periféricas e dos axônios dos tratos corticoespi- nhais. O mecanismo tradicional proposto envolve comprometimento da barreira hematoencefálica, com resultante edema vasogênico, compressão de fibras de tratos e consequente mielinólise. A desidratação cerebral, edema intramielínico e degeneração dos oligodendrócitos têm sido im- plicados como causa do processo.

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ABR / MAI 2015 nº 85 1

a b r i l / m a i o 2 0 1 5 - a n o 1 3 - n º 8 5

Continua

Síndrome da desmielinização osmótica: Mielinólise pontina central e extrapontina

Figura 1. Mielinólise pontina recente em mulher de 83 anos. Imagens de RM em difusão (A), o mapa de ADC (B), axial T2 (C) e sagital FLAIR (D) evi-denciam lesão pontina com formato “em tridente” caracterizada por hipersinal em T2 e FLAIR, poupando as fibras dos tratos corticoespinhais (seta em D). A restrição à difusão (hipersinal na imagem de difusão e hipossinal no mapa de ADC) corrobora o quadro clínico recente.

A B C

D

Figura 2. Mielinólise pontina recente. Mulher de 54 anos, durante internação para tratamento de choque séptico de foco pulmonar, evoluiu para “estado ve-getativo” após correção de hiponatremia em curto intervalo de tempo. Imagens de RM em difusão (A), o mapa de ADC (B), axial T2 (C) e sagital FLAIR (D) demonstram mielinólise pontina central, caracterizada por lesão extensa acometendo toda a ponte, de aspecto tumefativo, com hipersinal em T2 / FLAIR, e restrição à difusão. Notar que neste caso os tratos corticoespinhais não são poupados, o que pode ocorrer nas formas mais graves da doença.

A B C

D

A B

C

Figura 3. Mielinólise pontina subaguda. Homem de 85 anos. Imagens de RM em difusão (A), axial FLAIR (B) e sagital T1 (C) evidenciam lesão pontina com formato “em tridente” caracterizada por hipersinal em FLAIR / difusão, e hipossinal em T1 (seta em C), poupando as fibras dos tratos corticoespinhais.

A B C

Figura 4. Mielinólise pontina, fase subaguda. As imagens de RM em difusão (A), axial T1 antes (B) e após a administração do gadolínio (C) evidenciam lesão na região central da ponte, caracterizada por hipersinal na difusão (A) e realce pelo gadolínio.

IntroduçãoA síndrome de desmielinização osmótica (SDO) refere-se a uma desordem desmie-

linizante aguda, no contexto de ajuste de distúrbios osmóticos, tipicamente relacionada à rápida correção de hiponatremia. A primeira descrição da síndrome foi denominada mielinólise pontina central, acometendo pacientes alcóolatras crônicos, certamente um cenário ainda comum. Contudo, nas décadas seguintes foram descritas formas da doença envolvendo outras localizações além da lesão pontina, como o cerebelo e o mesencéfalo, e presumivelmente dividindo o mesmo substrato (desmielinização), denominadas conjuntamente mielinólise pontina e extrapontina.

Deste então, vários casos foram descritos, e apontam uma distribuição caracte-rística da desmielinização extrapontina, incluindo núcleos da base, tálamos, corpo geniculado lateral, cápsula interna / externa / extrema, comissura anterior, tegmento mesencefálico, substância branca cerebelar, e as camadas profundas / internas do córtex cerebral. Nestas regiões os tratos da substância branca estão mais suscetíveis à lesão da mielina.

Ocorrendo de forma independente ou em combinação, a mielinólise pontina central e a mielinólise extrapontina apresentam um momento característico de início, mas características clínicas distintas.

Achados clínicosA SDO ocorre no curso de doença crônica. Essa condição não ocorre, usualmen-

te, fora do hospital, e era desconhecida antes da terapia de reposição intravenosa de sódio. O curso clínico típico desta síndrome é de um paciente que se apresenta com complicações de hiponatremia (convulsões e encefalopatia), recuperação após rápida correção dos níveis séricos de sódio, e nova deterioração clínica cerca de 2 a 8 dias depois. Disartria e disfagia (envolvimento do trato corticobulbar) aparecem inicialmen-te, antes da evolução para paraparesia (trato corticoespinhal e base pontina). Com a progressão para o tegmento, pode ocorrer disfunção pupilar e dos nervos oculomotores.

Outros sintomas encontrados são alteração de comportamento e doença psiqui-átrica, normalmente relacionados ao acometimento corticossubcortical; além de dis-túrbios de movimento (parkinsonismo, distonia, tremores), convulsões, depressão, polirradiculopatia, e neuropatia.

FisiopatologiaNo contexto de hiponatremia aguda, a queda da osmolaridade sérica promove fluxo

de água para dentro da célula (edema celular), com consequente saída de solutos como sódio, potássio e cloreto para fora da célula. Contudo, esses eletrólitos são rapidamente

reacumulados e reestabelece-se o equilíbrio osmótico. Ao contrário, no contexto de hiponatremia crônica, as células também perdem metabólitos / osmólitos orgânicos (mioinositol, taurina, glutamina, creatina, dentre outros), mas inferiormente ao ponto de ajuste do equilíbrio osmótico.

Na correção da hiponatremia crônica, apesar dos íons inorgânicos retornarem rapidamente ao compartimento intracelular, os orgânicos são reacumulados de uma forma mais lenta (5 dias a 1 semana), resultando em uma disfunção proteica neste intervalo. A rápida correção do sódio sérico está associada a uma elevação maior que a espe-rada da concentração cerebral de sódio e cloreto, na presença da baixa concentração de osmólitos orgânicos, resultando na desmielinização osmó-tica. Evidência indireta de suporte desta teoria é encontrada no efeito protetor dos casos de falência renal, porque a ureia facilita a captação dos osmó-litos orgânicos.

A associação entre mielinólise pontina e extrapontina no curso clínico, e as similaridades em relação aos seus fatores predisponentes, ao tempo de aparecimento nos exames de imagem e à histopatologia, sugerem que essas entidades mantenham um substrato comum.

Caracteriza-se perda de oligodendrócitos e mielina, de maneira simétrica e não inflamatória, com preservação dos corpos celulares dos neurô-nios e axônios, e ainda infiltração de macrófagos. Na mielinólise pontina, há preservação das fibras periféricas e dos axônios dos tratos corticoespi-nhais. O mecanismo tradicional proposto envolve comprometimento da barreira hematoencefálica, com resultante edema vasogênico, compressão de fibras de tratos e consequente mielinólise. A desidratação cerebral, edema intramielínico e degeneração dos oligodendrócitos têm sido im-plicados como causa do processo.

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ABR / MAi 2015 nº 852

Síndrome da desmielinização osmótica: Mielinólise pontina central e extrapontina

ConCluSão X

1) Okeda, R; Kitano, M; 2, M. Sawabe, M et al. Distribution of Demyelinating Lesions in Pontine and Extrapontine Myelinolysis - Three Autopsy Cases Including One Case Devoid of Central Pontine Myelinolysis. Acta Neuropathologica.1986; 69: 259-266.

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Referências Bibliográficas

Figura 7. Mielinólise extra-pontina subaguda. As imagens de RM axial T2 (A), T1 antes (B) e após a administração de gadolínio (C) demonstram múltipas lesões corticossubcor-ticias com hipersinal em T2 (seta em A), e hipossinal em T1 (D) difusas pelo parênqui-ma encefálico, poupando a camada cortical superficial dos giros e com realce pelo meio de contraste (C).

Figura 5. Mielinólise pontina e extrapontina, mesmo caso da figura 1. Imagens de RM coronal T2 (A), sagital (B) e axial FLAIR (C e D) evidenciam lesões extrapontinas, caracterizadas por hipersinal nestas sequências, acometendo bilateralmente o corpo geniculado lateral (cabeças de setas em A), o cerebelo (seta em B), amígdalas (setas em C), mesencéfalo (cabeça de seta em C) e núcleos da base (setas em D). A mielinólise pontina pode ser vista na imagem coronal T2 (seta em A).

Figura 6. Mielinólise extrapontina, fase tardia. Mulher de 65 anos evoluiu com alteração do comportamento após internação para trata-mento de diverticulite, quando foi corrigido quadro de hiponatremia em curto intervalo de tempo. As imagens de RM em axial T2 no plano da ponte (A), axial T2 (B), FLAIR (C), e T1 sem contraste (D) no plano dos ventrículos laterais, obtidas cerca de 1 ano após o quadro, não demonstram lesão na ponte (A) ou região dos núcleos da base (B e C). Observam-se, porém, múltipas lesões corticossubcorticias com hiper-sinal em T2 e FLAIR (setas em B), e hipossinal em T1 (D) difusas pelos hemisférios cerebrais, poupando a camada cortical superficial dos giros (sinalizando desmielinização), bem como acentuada atrofia corticossubcortical. Há ainda lesões nas camadas corticais mais externas com hipersinal em T1 (D), caracterizando necrose cortical.

A B C D

AB

C D

A B C

Autores

Fernanda ramos Carneiro

leandro Tavares lucato

Setor de Neurorradiologia Diagnóstica. Instituto de Radiologia do HC-FMUSP

Acredita-se que a substância branca entremeada ou imediatamente subjacente à substância cinzenta seja mais suscetível aos fatores mielinotóxicos originados da substân-cia cinzenta, ricamente vascularizada. Isso é caracterizado na porção central da ponte, núcleos cinzentos centrais, cápsula externa e extrema, tálamo e a medular dos giros corticais, áreas mais suscetíveis à mielinólise osmótica.

As lesões corticossubcorticais podem ocorrer isoladamente na síndrome da desmielinização osmótica, e dificultar o seu diagnóstico. O substrato da lesão cortical propriamente dita é astrocitose e necrose cortical laminar, secundária à quebra da barreira hematoencefálica e deposição de macrófagos. Vale res-saltar que a hiponatremia pode aumentar a suscetibilidade da camada cortical à lesão hipóxico-isquêmica. Já as lesões sub-corticais apresentam substrato semelhante ao citado anterior-mente. Há desmielinização nas camadas profundas do córtex e na substância branca adjacente, com preservação da camada cortical superficial dos giros, também secundária à quebra da barreira hematoencefálica e deposição de macrófagos.

ImagemInicialmente, a imagem pode ser negativa, apesar da

apresentação clínica dramática. Antigamente, o diagnostico era baseado na autópsia, pois a tomografia computadorizada (TC) não é sensível o bastante. A hipodensidade central da ponte na TC, se presente, pode ser obscurecida pelos artefatos de endurecimento dos feixes de raio-x.

Foi a introdução da ressonância magnética (RM) no cenário clínico que permitiu o reconhecimento da síndrome. A sequência de difusão foi reconhecida como sendo a mo-dalidade de imagem mais precocemente alterada na SDO. Em um contexto clínico adequado, a aparência clássica é de restrição à difusão na região central da ponte, com a caracte-rística simétrica do padrão em tridente, separando as fibras periféricas e axônios dos tratos corticoespinhais. A restrição à difusão, caracterizada pelo aumento do sinal à difusão e o baixo sinal no mapa de coeficiente de difusão aparente (ADC), tem sido reportado dentro das primeiras 24 horas de instalação da tetraplegia e aumenta significativamente dentro de uma semana até o retorno ao normal dos valores de ADC, cerca de 3-4 semanas depois.

Dentro de uma semana a 10 dias, seguida da resolução da restrição à difusão, surge o alto sinal nas sequências pondera-das em T2 / FLAIR na região central da ponte. O baixo sinal na sequência ponderada em T1 também tem sido descrito no cenário agudo, mas é inconsistente e não confiável. O realce pelo gadolínio pode estar presente na periferia da lesão em uma minoria de casos. Com o tempo, a alteração na difusão se resolve completamente, e notam-se áreas de gliose.

Referente à mielinólise extrapontina, a marca é o acometimento simétrico das anorma-lidades de sinal em T2 / FLAIR, presente nas alterações metabólicas. As lesões mais comu-mente ocorrem no cerebelo e no corpo geniculado lateral. Adicionalmente, há envolvimento das cápsulas externa e extrema, núcleos da base, tálamos, junção substância branca-cinzenta no córtex cerebral, e hipocampo.

As lesões subcorticais são caracterizadas por hipersinal nas sequências ponderadas em T2 e hipossinal na sequência ponderada em T1, nas camadas profundas do córtex e na subs-tância branca adjacente, com preservação da camada cortical superficial dos giros. Podem apresentar realce pelo meio de contraste.

Apesar de raras, também têm sido descritas lesões na medula espinhal, corpos mamila-res, colunas do fórnix, amígdalas, comissura anterior, tratos ópticos, e núcleos subtalâmicos.

A presença de mielinólise extrapontina sugere a possibilidade de complicações a longo prazo, que não são características da mielinólise pontina, incluindo convulsões, declínio cognitivo, e desordens emocionais. Devido ao fato de que as alterações de sinal nas sequ-ências ponderadas em T2 demoram até 14-21 dias após o início dos sintomas para aparecer, imagens de follow-up são necessárias para que se documente a doença em pacientes com imagem inicial negativa.

Diagnósticos diferenciais para as alterações de imagem na SDO incluem encefalopatia posterior reversível, encefalopatia de Wernicke e doenças infecciosas.

ConclusõesA SDO, caracterizada por mielinólise pontina e extrapontina, e suas características clí-

nicas, estão usualmente associadas a anormalidades osmóticas séricas e intracranianas, e sua correção. Cenários clínicos típicos somados à anormalidade na sequência de difusão da RM permitem a documentação precoce da SDO. Clássico alto sinal nas sequências ponderadas em T2/FLAIR e baixa intensidade na TC podem demorar dias, necessitando exames de controle.

Na forma de mielinólise extrapontina, o acometimento simétrico característico de doença metabólica e em locais típicos desta desmielinização específica, incluindo acometimento cor-ticossubcortical, podem ser encontrados em associação ou não aos achados da ponte central.

Com o correto reconhecimento desta afecção e instituição terapêutica, o resultado da SDO tem melhorado dramaticamente desde quando a desordem foi primeiramente descrita, mas a prevenção ainda é terapia mais efetiva.

AgradecimentoÀ Dra. Cecilia Purcallas, de Montevidéu (Uruguai), por ceder algumas imagens para

este artigo.

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ABR / MAI 2015 nº 85 3

Continua

IntroduçãoO linfoma do sistema nervoso central (SNC) é uma variante incomum do linfoma não-

Hodgkin, que subdivide-se em primário e secundário. O linfoma primário representa a forma mais comum de acometimento, sendo restrito ao cérebro, leptomeninges, olhos ou medula. A forma secundária corresponde à disseminação de um linfoma sistêmico, com envolvimento do SNC. Esse ensaio pictórico traz uma breve revisão sobre o tema ilustrando-o com casos típicos e atípicos de linfomas do SNC.

Linfoma Primário do SNCCorresponde a cerca de 4% dos tumores primários do SNC. A sua incidência aumentou

de 1960 até 1990 com o aparecimento da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) e com elevação do número de transplantes de órgãos sólidos e hematopoiéticos, mas tem diminuído nos últimos anos pela disseminação da terapia antirretroviral. O principal fator de risco é imunodepressão, seja pela SIDA, uso de drogas imunosupressoras ou mesmo deficiências congênitas.

Sua patogênese ainda permanece obscura e o quadro clínico tem um espectro variado conforme o acometimento meningoencefálico, estendendo-se desde sintomas relacionados a déficit neurológico focal, sinais de hipertensão intracraniana, crises convulsivas, queixas oftalmológicas até mesmo sintomas neuropsiquiátricos.

A avaliação por imagem constitui etapa fundamental no diagnóstico dessa afecção, sendo a ressonância magnética (RM) o método de imagem de escolha. A maioria das lesões são supratentoriais e o achado de imagem mais característico é o de uma ou mais nódulos com realce pelo meio de contraste localizadas junto aos núcleos da base ou na substância branca periventricular. Frequentemente cruzam o corpo caloso ou se encontram ao longo das superfícies ependimárias, sendo raro o envolvimento medular.

A forma de apresentação radiológica da doença apresenta variações diretamente rela-cionadas com a imunidade do indivíduo. Em imuncompetentes, o mais comum é a presença de lesão sólida com realce homogêneo, hiperdensa na tomografia computadorizada (Fig 1), enquanto que nos pacientes imunossuprmidos é esperada a ocorrência de necrose e hemorragia, além de realce periférico ou anelar. A RM é o método de escolha e pode trazer informações adicionais, conforme sumarizado nos Quadros 1 e 2.

Linfoma do sistema nervoso central: ensaio pictórico

Linfoma Secundário do SNCTipicamente acomete indivíduos na sexta e sétima décadas de vida, com uma discreta

predominância no sexo masculino. Pode envolver qualquer local do SNC, mas a leptome-ninge é mais comumente acometida. Os principais sintomas são cefaléia e redução do nível de consciência. A presença de níveis elevados de desidrogenase lática (LDH), sintomas B (febre, sudorese noturna, perda ponderal) e envolvimento extranodal em mais de um local são marcadores prognósticos da doença. O envolvimento do fígado, bexiga, testículos e adrenais aumenta o risco de propagação do linfoma para o SNC.

Figura 1 - Paciente de 68 anos, sexo feminino. A e B. TC axial sem contraste. Lesão espontaneamente hiperatenuante na região talamocapsular esquerda, com halo hipoatenuante (edema) no parênquima adjacente.

Figura 2 - Paciente de 72 anos, sexo masculino. A. Difusão. B. Mapa ADC. C. Axial FLAIR. D. Coronal T2. E. Axial T1 pós-contraste. F. Sagital T1 pós-contraste. Lesão expansiva localizada na região tálamo-capsular à esquerda, com intensa impregnação pelo meio de contraste, hipersinal do parênquima adja-cente nas sequências FLAIR e T2 e marcada restrição à difusão das moléculas de água.

Figura 3 - Paciente de 81 anos, sexo masculino. A. Axial Difusão. B. Axial ADC. C. Axial Flair. D. Coronal T1 pós-contraste. Lesão infiltrativa/expansiva com áreas de baixo sinal em T2/FLAIR e focos nodulares de realce pelo meio de contraste, margeando o IV ventrículo, acometendo a ponte, os hemisfé-rios e o vérmis cerebelar.

Figura 4 - Paciente de 71 anos, sexo feminino. A. Axial Difusão. A. ADC. B C. Coronal T2. D. Axial T1 pós-contraste. Lesão expansiva com realce intenso e homogêneo pelo meio de contraste, com leve restrição à difusão das moléculas de água observada no esplênio do corpo caloso, abaulando a superfície epen-dimária do corpo dos ventrículos laterais. No mapa de cores (E), observa-se discreto aumento do CBVr (ROI 2) no tumor em relação à substância branca normal (ROI 3), confirmado pelo gráfico (F).

qUADrO 1

qUADrO 2

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ABR / MAi 2015 nº 854

1. Bataille B, Delwail V, Menet E, Vandermarcq P, Ingrand P, Wager M, Guy G, Lapierre F. Primary intracerebral malignant lymphoma: report of 248 cases. J Neurosurg. 2000;92(2):261.

2. Bierman P, Giglio P. Diagnosis and treatment of central nervous system involvement in non-Hodgkin’s lymphoma. Hematol Oncol Clin North Am 2005; 19:597–609.

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Referências Bibliográficas

Na avaliação por imagem os principais achados são: lesões únicas ou múltiplas envol-vendo a duramater ou as leptomeninges, com ou sem envolvimento ósseo. Apesar de menos frequentes podem ocorrer sob a forma de lesões parenquimatosas ou infiltrativas e o realce pelo meio de contraste é típico (Figura 7).

A TC contribui ao evidenciar uma lesão hiperdensa, com realce pós-contraste e a RM mostra nas imagens ponderadas em T1 e T2, uma lesão homogênea, variando de iso a hi-pointensa em relação ao córtex cerebral. Nas sequências ponderadas em FLAIR pode não haver supressão do sinal do líquor nos sulcos adjacentes a área acometida, evidenciando o acometimento meníngeo. O T1 pós contraste aponta realce intenso e homogêneo da lesão e das meninges.

linfoma do sistema nervoso central: ensaio pictórico

ConCluSão X

Figura 7 - Paciente com linfoma não-Hodgking, apresentando diseminação secundária para o encéfalo. A e B: Axial T1 pós contraste. Várias lesões sólidas corticosubcorticais, com impregnação intensa pelo meio de contraste, localizadas na alta convexidade dos lobos frontais.

Figura 5 - Espectroscopia do caso anterior. Aumento do pico de colina (Cho), inferindo aumento do “turn over” de membrana celular e redução do pico de N-acetilaspartato (NAA), inferindo redução da viabilidade neuroaxonal.

Figura 6 - Paciente de 48 anos, sexo masculino, portador de SIDA, com linfoma de grandes células do tipo B. A. Axial FLAIR; B. Axial T1 pós-contraste; C. Mapa de cores representativo do rCBV. Observar lesão centro-encefálica esquerda, com a porção sólida apresentando sinal intermediário no FLAIR, realce anelar pelo meio de contraste e baixo rCBV (imagens gentilmente cedidas pelo Dr. Leandro Lucato).

ConclusãoO linfoma de SNC tem apresentações muito variáveis nos exames de imagem, sendo

o seu diagnóstico diferencial muito amplo, de forma que a confirmação histopatológica é necessária na maioria dos casos. Esse ensaio pictórico mostra que o conhecimento dos seus aspectos de imagem típicos e atípicos que podem auxiliar no diagnóstico e no seguimento dos pacientes.

Autores

Diego José leão de oliveira 1

Pedro Sérgio brito Panizza 1

luís Filipe de Souza Godoy 2

1. Médico residente do Hospital Sírio Libanês

2. Médico assistente do Hospital Sírio Libanês

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ABR / MAI 2015 nº 85 5

IntroduçãoNefrocalcinose é o termo utilizado para

descrever a deposição de sais de cálcio no parênquima renal, estando associada, geral-mente a situações clínicas acompanhadas de hipercalcemia.

Podem acometer o indivíduo em qual-quer faixa etária, predominando no sexo masculino. Inúmeros estudos visam o diagnóstico precoce da doença, propondo o rastreamento em crianças com predisposição metabólica, já que ocorre diagnóstico aci-dental na infância com incidências variando de 15-40% dos casos.

A nefrocalcinose tende a acometer am-bos os rins, sendo as pirâmides renais, as áreas mais envolvidas no processo (0,1- 6% da população), porém, mais raramente, as calcificações podem estar distribuídas pelo córtex renal.

A ultrassonografia é o método de ima-gem mais sensível no diagnóstico da doença, fornecendo imagens típicas em fases mais precoces da doença, além de ser amplamente disponível, de baixo custo e livre de radiação ionizante.

FisiopatologiaA teoria de Anderson-Carr-Randall so-

bre a progressão do cálculo, resumidamente , postula que quando a concentração de cálcio é elevada no fluido, em torno dos túbulos renais. esse excesso de cálcio é então remo-vido por vasos linfáticos, e se a quantidade exceder a capacidade linfática, os depósitos de cálcio nas pontas dos fórnices e nas mar-gens da medula vão se formar.

Clínica e laboratórioSua apresentação clínica é bastante va-

riada, podendo ser assintomática ( maioria dos casos), ocorrer cólica renal, quando os cálculos migram para a via excretora, cau-sando obstrução, infecção do trato urinário (ITU), hipertensão arterial (HA), e a perda de função renal pode também constituir a forma de apresentação inicial de nefrocalcinose.

No entanto, a apresentação clínica na infância muitas vezes é assintomática, sen-do a hematúria micro ou macroscópica, o aumento agudo da pressão arterial e a ITU sinais clínicos comuns.

Os níveis de cálcio sérico e urinário po-dem estar elevados ou não, na dependência da etiologia da nefrocalcinose.

ClassificaçãoA nefrocalcinose classicamente é clas-

sificada em dois tipos, medular (95% dos

Avaliação ultrassonográfica na nefrocalcinose medular

Autores

Diagnostic ultrasound, fourth edition , Rumack, Copyright © 2011 by Mosby.

Expert DDX ultrasound, first edition, Ahuja.

Fundamentos de radiologia e diagnostic por imagem, Brant – Helms, Terceira edição.

Ultra-sonografia abdominal, segunda edição, Chammas- Cerri, 2009.

J Clin Endocrinol Metab, March 2013, 98(3):989–994- Ultrasound is Superior to Computed Tomography for Assessment of Medullary Nephrocalcinosis in Hypoparathyroidism

Rev Port Nefrol Hipert 2004; 18 (1): 15-32 Nefrocalcinose medular humana, Adelaide Serra, Miguel Correia

Radiographics 2010 ; 30: 1287- 1307, Renal Pyramids: Focused Sonography of Normal and Pathologic Pro-cesses - Alan daneman.

Referências Bibliográficas

andréa Cavalanti GomesMédica Assistente do Serviço de Ultrassonografia do INRAD HC-FMUSP.

igor Fontenele SousaMédico Aperfeiçoando em Ultrassonografia do INRAD HC-FMUSP.

Nefrocalcinose Grau I. Leve ecogenicidade ao redor das pirâmides renais.

Nefrocalcinose Grau II. Moderada ecogenicidade ao redor e na projeção das pirâmides renais.

Nefrocalcinose Grau I. Leve ecogenicidade ao redor das pirâmides renais.

Nefrocalcinose Grau I. Leve ecogenicidade ao redor das pirâmides renais.

Nefrocalcinose Grau II. Moderada Ecogenicidade ao redor e na projeção das pirâmides renais.

Nefrocalcinose Grau III. Intensa ecogenicidade ao redor e na projeção de toda pirâmide renal.

casos) e cortical (5 % dos casos), raramente havendo associação de ambas.

A nefrocalcinose medular, tem apre-sentação bem definida, acometimento bilateral, envolvendo as pirâmides renais, tendo predileção pelo sexo masculino, po-dendo ser resultado de inúmeros processos metabólicos e anatômicos, estando em 40% dos casos associado ao hiperparatireoidis-mo, em 20% dos casos a acidose tubular renal tipo I e em 20% associado ao rim em esponja medular.

A nefrocalcinose cortical, tende a apresentar-se como calcificações periféricas e em colunas de Bertin, poupando as pirâ-mides renais. Costuma estar associada aos quadros de necrose cortical aguda e prin-cipalmente aos casos de glomerulonefrite aguda, podendo também estar presentes nos quadros de gota, oxaloses, síndrome de Alport, infecções oportunistas pelo vírus HIV e associadas a rejeição ao transplante renal.

Diagnóstico diferencialTem como principais diagnósticos dife-

renciais a necrose papilar, nefrolitíase, pielo-nefrite enfisematosa e calcificões distróficas (calcificações em paredes de vasos, tumorais, parietais císticas, sequelares e hematomas).

Achados ultrassonográficosPara o diagnóstico de nefrocalcinose,

a US é o método de eleição segundo Ho-ppe e cols, que além de alta sensibilidade, alia ampla disponibilidade, baixo custo e ausência de radiação ionizante durante o procedimento.

A sensibilidade para o diagnóstico de nefrocalcinose é de 85-90% com o US, 81-86% com TC de rins e 63-66% com o Rx de abdome (Cheide).

Apesar da US apresentar uma maior sensibilidade (96% vs 64%), a TC apresenta uma melhor especifici-dade (96% vs 85%) no diagnóstico da nefrocalcinose.

A maior sensibilidade (92%) e especificidade (89%) são atingidas quando dois dos exames de imagem sugerem a presença de nefrocalcinose, já que nem sempre há uma concor-dância entre os resultados do US e da TC (Cheide).

Nota-se que nos estágios iniciais (Grau 1 e Grau 2), as alterações são mais evidentes na Ultrassonografia, dificilmente avaliadas pela Tomo-grafia.

J Clin Endocrinol Metab, March 2013, 98(3):989–994

J Clin Endocrinol Metab, March 2013, 98(3):989–994

a nefrocalcinose medular estratificada em 4 graus, sendo: A) Grau 0: ausência de ecogenicidade.B) Grau 1: hiperecogenicidade moderada ao redor da borda da pirâmide;C) Grau 2: hiperecogenicidade moderada na pirâmide inteira;D) Grau 3: hipercogenicidade intensa na pirâmide inteira.

a nefrocalcinose cortical se apresenta como aumen-to homogêneo da ecogenicidade do parênquima renal.

Page 6: Artigos de Radiologia

ABR / MAi 2015 nº 856

Autores

IntroduçãoA maioria dos exames de diagnóstico por imagem

utilizam a radiação ionizante, que comprovadamente tem potencial de causar danos no DNA, com consequente aumento no risco de carcinogênese. Isto é especialmente verdadeiro em crianças, tendo em vista a maior radiosen-sibilidade de seus tecidos1,2,3,4. Outro importante aspecto da radiação ionizante, é que seus efeitos são cumulativos ao longo do tempo, sendo portanto, fundamental o uso judicioso em pacientes pediátricos, tendo em vista a sua maior expectativa de vida.

Uma vez que a maioria dos tumores pediátricos apresentam níveis elevados de sucesso terapêutico e cura quando diagnosticados precocemente, estes pacientes são acompanhados por muito tempo com métodos de imagem, que emitem radiação ionizante, elevando os riscos do de-senvolvimento de um segundo tumor primário.

Neste sentido, há mais de uma década a RMCI vem sendo utilizada, como uma ferramenta isenta de radiação ionizante, que com o incremento tecnológico e evolução dos softwares e hardwares dos últimos anos, ganhou maior resolução de imagem, com redução no tempo de aquisição, reduzindo com isso artefatos (respiratório e peristático) que antes degradavam as imagens.

Protocolo do exameNão existe ainda um protocolo padrão bem estabeleci-

do na literatura, sendo o plano coronal e a sequência Stir mais universalmente empregados. A adição da sequência difusão, permite a detecção de tecidos hipercelulares, sendo que sua avaliação conjunta com as sequencias anatômicas, incrementa a detecção e caracterização de lesões. Em nossa instituição (AC CAMARGO CANCER CENTER) utilizamos mais frequentemente as sequências Stir no plano coronal, T1 nos planos coronal e axial, e difusão no plano axial. Não utilizamos rotineiramente meio de contraste venoso e antiespasmódicos, sendo que os pacientes menores muitas vezes precisam de procedi-mento anestésico.

Aplicação em oncologiaEm muitos momentos o exame de RMCI é empregado

no manejo do paciente oncológico, seja no estadiamento, avaliação de resposta terapêutica e seguimento.

A avaliação da medula óssea é bem estabelecida pelo método, com estudos demonstrando sua não inferioridade em relação a cintilografia óssea na detecção de metástases5,6, lembrando que no paciente pediátrico, é fundamental o co-nhecimento do padrão de distribuição da medula vermelha, correlacionando as imagens ponderadas em Stir e T1, para sua correta interpretação (figura 1).

A capacidade de diferenciação tecidual das sequências T1 e Stir, associada a sequência difusão, que demonstra tecidos hipercelulares, permite a caracterização de tecidos normais e patológicos, possibilitando a avaliação dos órgãos sólidos e tecidos moles com performance comparável aos demais métodos que utilizam radiação ionizante. Também há estudos demonstrando sensibilidade e especifidade da rMCI no estadiamento de doenças linfoproliferativas comparáveis as do PET-CT e tomografia computadorizada7,8 (figura 2). Até o presente momento, o uso da tomografia computadoriza-da do tórax parece ser essencial para acurada avaliação de pequenas metástases pulmonares 9, sendo as lesões maiores bem demonstradas (figura 3).

Importante citar ainda, o emprego deste método no screening de neoplasias em crianças com síndrome de pre-disposição ao câncer, das quais as mais comuns incluem neu-rofibromatose tipo 1, síndrome de Beckwith-Wiedemann, neoplasia endócrina múltipla, Von Hippel-Lindau, polipose adenomatosa familiar e Li-Fraumeni 10, sendo esta última a mais amplamente reconhecida, cujos indivíduos afetados tem maior predisposição a osteossarcoma, sarcoma de partes moles, leucemia, câncer de mama, tumores cerebrais, me-lanoma e tumores corticais adrenais, sendo estes pacientes seguidos anualmente com RMCI em nossa instituição.

Ressonância Magnética de corpo inteiro (RMCI): alternativa diagnóstica importante, especialmente

em pacientes pediátricosAplicações Diversas

O exame de RMCI também tem inúmeras aplicações não oncológicas, sendo empregado na pesquisa de doenças reumatológicas, infarto ósseo, osteomielite e abuso infan-til11,12,13,14. Suas indicações são diversas e crescentes com a popularização do método.

ConclusãoÉ fundamental o conhecimento dos riscos da radiação

ionizante advinda dos exames radiológicos, sobretudo em crianças. A ressonância magnética do corpo inteiro parece ser uma ferramenta com performance semelhante aos demais métodos radiológicos, isenta destes riscos.

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3 Pearce, M. S., Salotti, J. A., Little, M. P., McHugh, K., Lee, C., Kim, K. P., … Berrington de González, A. (2012). Radiation exposure from CT scans in childhood and subsequent risk of leukaemia and brain tumours: a retrospective cohort study. Lancet, 380(9840), 499–505. doi:10.1016/S0140-6736(12)60815-0

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5 Stecco, A., Lombardi, M., Leva, L., Brambilla, M., Negru, E., Delli Passeri, S., & Carriero, A. (2013). Diagnostic accuracy and agree-ment between whole-body diffusion MRI and bone scintigraphy in detecting bone metastases. La Radiologia Medica, 118(3), 465–75. doi:10.1007/s11547-012-0870-2

6 Balliu, E., Boada, M., Peláez, I., Vilanova, J. C., Barceló-Vidal, C., Rubio, A., … Pedraza, S. (2010). Comparative study of whole-body MRI and bone scintigraphy for the detection of bone metastases. Clinical Radiology, 65(12), 989–96. doi:10.1016/j.crad.2010.07.002

7 Kwee, T. C., Vermoolen, M. A., Akkerman, E. A., Kersten, M. J., Fijnheer, R., Ludwig, I., … Nievelstein, R. A. J. (2014). Whole-body MRI, including diffusion-weighted imaging, for staging lymphoma: comparison with CT in a prospective multicenter study. Journal of Magnetic Resonance Imaging : JMRI, 40(1), 26–36. doi:10.1002/jmri.24356

8 Littooij, A. S., Kwee, T. C., Barber, I., Granata, C., Vermoolen, M. A., Enríquez, G., … Nievelstein, R. A. J. (2014). Whole-body MRI for initial staging of paediatric lymphoma: prospective comparison to an FDG-PET/CT-based reference standard. European Radiology, 24(5), 1153–65. doi:10.1007/s00330-014-3114-0

9 Kembhavi, S. A., Rangarajan, V., Shah, S., Qureshi, S., Arora, B., Juvekar, S., … Kurkure, P. (2014). Prospective observational study on diagnostic accuracy of whole-body MRI in solid small round cell tumours. Clinical Radiology, 69(9), 900–8. doi:10.1016/j.crad.2014.04.006

10 Monsalve, J., Kapur, J., Malkin, D., & Babyn, P. S. (2011). Imaging of cancer predisposition syndromes in children. Radiographics : A Review Publication of the Radiological Society of North America, Inc, 31(1), 263–80. doi:10.1148/rg.311105099

11 Von Kalle, T., Heim, N., Hospach, T., Langendörfer, M., Winkler, P., & Stuber, T. (2013). Typical patterns of bone involvement in whole-body MRI of patients with chronic recurrent multifocal osteomyelitis (CRMO). RöFo : Fortschritte Auf Dem Gebiete Der Röntgenstrahlen Und Der Nuklearmedizin, 185(7), 655–61. doi:10.1055/s-0033-1335283

12 Perez-Rossello, J. M., Connolly, S. A., Newton, A. W., Zou, K. H., & Kleinman, P. K. (2010). Whole-body MRI in suspected infant abuse. AJR. American Journal of Roentgenology, 195(3), 744–50. doi:10.2214/AJR.09.3364

13 Miettunen, P. M., Lafay-Cousin, L., Guilcher, G. M. T., Nettel-Aguirre, A., & Moorjani, V. (2012). Widespread osteonecrosis in children with leukemia revealed by whole-body MRI. Clinical Orthopaedics and Related Research, 470(12), 3587–95. doi:10.1007/s11999-012-2579-x

14 Axelsen, M. B., Eshed, I., Duer-Jensen, A., Møller, J. M., Pedersen, S. J., & Østergaard, M. (2014). Whole-body MRI assessment of disease activity and structural damage in rheumatoid arthritis: first step towards an MRI joint count. Rheumatology (Oxford, England), 53(5), 845–53. doi:10.1093/rheumatology/ket425

Referências Bibliográficas

alex Dias de oliveira1

marcos Duarte Guimarães1

rubens Chojniak2

1- Médicos radiologistas do AC Camargo Cancer Center

2- Médico radiologista e diretor do Departamento de imagem do AC Camargo Cancer Center

Figura 1: Paciente masculino, 13 anos, estadiando osteossarcoma osteoblástico. Imagem no plano coro-nal Stir (a) evidenciando volumosa formação expansiva no fêmur distal, com infiltração da medula óssea e extensão as partes moles adjacen-tes. Imagem ponderada em difusão no plano axial (b), demonstrando hipersinal, o que denota intensa hipercelularidade da lesão.

Figura 2: Paciente feminina, 15 anos, estadiando linfoma de Hodgkin, tipo esclerose nodular. As imagens no plano coronal (a) difusão e (b) PET-CT, evidenciam linfonodomegalias mediastinais e supra-claviculares.

Figura 3: Nódulo pulmonar bem caracte-rizado em paciente pe-diátrico em seguimento de sarcoma de Ewing.

A

B

A B

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ABR / MAI 2015 nº 85 7

amamografia é, indubitavelmente, o principal componente no processo do diag-nóstico do câncer de mama. Sua utilidade não reside apenas na alta sensibilidade para identificação de lesões suspeita mas também no baixo custo relativo quando se fala em um programa de rastreamento populacional.

Com o advento da mamografia digital muitas ferramentas foram agregadas ao método porém persiste uma grande limitação: a alta densidade mamária obscurecendo lesões e, consequentemente, promovendo redução de sensibilidade diagnóstica1,2. O estudo de Kolb e cola-boradores3 claramente demonstra que a sensibilidade da mamografia é significantemente reduzida com o aumento da densidade mamária (Figura 1). Muitas vezes o tecido fibroglandular denso

pode sobrepor lesões di-ficultando a identificação das mesmas ou avaliação da sua extensão e, mes-mo em tecidos de menor densidade, algumas lesões podem ficar radiologica-mente ocultas.

Nestas situações co-mumente utilizamos a ultrassonografia como exame complementar que, apesar de menos onerosa e inócua, é operador de-pendente necessitando assim de equipe treinada e muitas vezes dedicada à

mama. Para uma avaliação mais completa tanto em termos de diagnóstico como estadiamento podemos também lançar mão da ressonância magnética4, que tem demonstrado ser a mais sensível das técnicas para diagnóstico do câncer de mama5. As limitações da ressonância magnética são bem conhecidas indo desde de disponibilidade e custo do exame até contraindicações pertinentes ao paciente.

É neste cenário que surge a mamografia com contraste ou angiomamografia como método complementar à mamografia digital e à ultrassonografia objetivando a localização de lesão ma-mária conhecida ou suspeita.

O princípio utilizado é o mesmo da ressonância magnética, ou seja, buscar lesões em que, devido à angiogênese, a permeabilidade tecidual esteja alterada.

Atualmente existem basicamente duas modalidades de mamografia com contraste. A primeira, mais parecida com uma angiografia convencional, é denominada mamografia contrastada com subtração temporal (TCEM - temporal contrast-enhanced mammography). A segunda baseada na aquisição de duas imagens com diferentes energias é chamada de mamografia espectral com contraste ou de dupla energia (CESM - contrast-enhanced spectral mammography). Em ambos os casos é utilizado o mesmo contraste iodado da tomografia computadorizada, na mesma dose e velocidade de infusão, tendo assim os mesmos riscos e contraindicações.

A TCEM é a técnica que mais se aproxima da ressonância magnética possibilitando geração das curvas cinéticas das lesões. Para tanto se obtém uma imagem basal (máscara), antes da injeção do contraste, e na sequência diversas imagens da mesma mama são adquiridas com intervalos de 1 minuto, sem descompressão da mama durante 4 a 14 minutos dependendo do que se quer avaliar (se apenas o padrão de captação ou também o lavado). Na sequência as imagens são subtraídas da máscara através de um software específico6.

A CESM se baseia na atenuação da radiação ao atravessar materiais com coeficientes de ate-nuação diferentes, no caso o iodo e os tecidos mamários. Após a injeção do contraste são obtidas duas imagens consecutivas para cada incidência crânio caudal e médio lateral oblíqua, sendo uma de baixa e outra de alta energia. A de baixa energia (26 – 31 KVp) é a mesma usada para a obtenção da imagem convencional da mamografia porém não permite a identificação do material de contraste pois encontra-se abaixo do limite de absorção de energia do iodo (33,2 KVp). Para a obtenção da imagem de alta energia o mamógrafo que executa o exame deve possuir detectores de alta performance e tubo de raios-X com acréscimo de um filtro de Cobre aos tradicionais ródio e Molibdênio, para que emita doses de até 49 kVp. As imagens de alta energia (45 – 49 KVp) subtraídas das imagens tradicionais de baixa energia geram imagens recombinadas, demostrando as estruturas que apresentam realce pelo contraste6 (figura 2).

A admi-nistração do contraste é re-alizada com a paciente con-fortavelmente sentada e no 2º minuto após a injeção são in ic iadas as aquisições de imagem, sen-do adquirida praticamente uma incidência a cada minuto. Habitualmente aos 7 minutos do início da in-jeção do meio de contraste o exame está finalizado.

Desta forma se obtém rapidamente as mesmas incidências de um exame tradicional facilitando a curva de aprendizagem, com a possibilidade de estudo simultâneo de ambas as mamas, boa tolerabilidade pela paciente e sem artefatos de movimento, como demonstrado na comparação realizada abaixo (Tabela 1).

Em nosso serviço utilizamos a técnica de CESM e estamos testamos uma modificação do protocolo inicialmente proposto nos estudos, conseguindo predizer a curva cinética da lesão.

Os resultados preliminares demonstram resultados semelhantes aos da ressonância magné-tica em relação à sensibilidade e avaliação de extensão de lesão (Figura 03), despontando como exame para complementação diagnóstica devido ao seu relativo baixo custo e opção às pacientes com contraindicações como marca-passos, clipes metálicos, claustrofobia ou excesso de peso.

Mamografia com contraste

√ Rastreamento de mulheres de alto risco com mamas densas

√ Avaliação de lesões suspeitas em mulheres com mamas densas

√ Avaliação de lesões ocultas, multifocais, multicêntricas

√ Avaliação de extensão de lesão

√ Investigação de lesões palpáveis em exames mamográficos normais

√ Avaliação de lesões mamárias sem correlação ultrassonográfica

√ Correlação com achados de ressonância magnética para orientação de procedimentos mamográficos

√ Avaliação de tratamento cirúrgico, quimio ou radioterápico

√ Opção de avaliação em pacientes com contraindicação ao estudo através de ressonância magnética

TCEM CESMDuração do exame 15 min 7 min

Compressão da mama Desde o início Após 2 min da injeção do contraste

Máscara Necessária Desnecessária

Amplitude do estudo Apenas uma mama As duas mamas e nas duas projeções em uma projeção

Tolerância da paciente Baixa Alta

Informação Imagem contrastada Imagem de rotina acrescida da contrastada. e curvas cinéticas Não se obtém curvas.

Suspeita diagnóstica Sim Não

Radiação recebida Dose da mamografia convencional x 20 a 50% superior a mamografia número de exposições convencional

Artefatos Excessivos (movimento) Escassos

Figura 1: adaptada de Kolb et al. Radiology 2002.

Figura 2: imagem de baixa energia (A), alta energia (B) e recombinada (C).

* Adaptado de Travieso Aja MM, et al. Mamografía con realce de contraste mediante técnica de energía dual. Radiología. 2014.

Figura 3: mamografia digital à direta com marcador metálico em nódulo palpável (a). A comple-mentação com CESM eviden-cia 2 nódulos irregulares com impregnação pelo contraste (b), confirma-dos pela ultras-sonografia (c) e ressonância magnética (d).

O estudo por CESM é bem indicado na complementação diagnóstica de mamas densas, sendo as principais aplicações descritas no quadro abaixo:

A CESM oferece informações adicionais à mamografia, sobretudo trazendo maiores subsídios diagnósticos em mamas densas, com sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos e negativos superiores à mamografia isoladamente7-9, podendo ser empregada como ferramenta facilmente acrescentada à nossa prática clínica devido ao seu relativo baixo custo e rápida curva de aprendizagem.

1. Nelson HD et al. Risk factors for breast cancer for women aged 40 to 49 years: a systematic review and meta-analysis. Annals of internal medicine 2012, 156(9), 635–648.

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3. Kolb et al. Comparison of the Performance of Screening Mammography, Physical Examination, and Breast US and Eva-luation of Factors that Influence Them: An Analysis of 27,825 Patient Evaluations. Radiology 2002, 225:165-175

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Referências Bibliográficas

Autora

Tabela 1: Comparação das técnicas de TCEM e CESM*

Silvia m. Prioli de Souza Sabino

Médica Radiologista especialista em Disgnóstico MamárioDepartamento de Prevenção - Hospital de Câncer de Barretos

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