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CONT A-CORRENTE R A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 04, N° 46 - 15 de Julho de 2014 As manifestações na Copa e a criminalização dos movimentos sociais Na Copa teve luta e repressão por Eric Gil Dantas A Copa do Mundo 2014, sediada em nosso país, durou 31 dias. Teve de tudo, surpresa de times como a Costa Rica, revelando craques e técnica, vexame do Brasil sofrendo a sua maior goleada em Copas, país europeu vencendo a primeira vez em terras americanas, mas também teve muita luta e repressão. O Boletim Contra- Corrente deste mês tem por objetivo fazer um breve balanço das manifestações e greves deste período e relacioná- las com o aumento da repressão contra elas e a também crescente criminalização dos movimentos sociais. Apesar do número de atos diminuir neste período os famosos gastos com equipamentos de “segurança” feitas para as cidades-sedes da Copa foram utilizados. Não faltou bomba de gás lacrimogêneo e nem sequer celas para manifestantes. Na próxima página fizemos o balanço das manifestações e greves com destaque para a greve dos cobradores em Curitiba, onde houve catraca-livre. A terceira página chamamos atenção para os abusos da polícia e justiça contra movimentos sociais em Porto Alegre e São Paulo. Por fim, tratamos sobre a final da Copa no Rio, com prisões arbitrárias e violência gratuita por parte da polícia.

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CONT A-CORRENTERA análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais

Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 04, N° 46 - 15 de Julho de 2014

As manifestações na Copa e a criminalização dos movimentos sociais

Na Copa teve luta e repressão

por Eric Gil Dantas

A Copa do Mundo 2014, sediada em

nosso país, durou 31 dias. Teve de tudo, surpresa de times como a Costa Rica, revelando craques e técnica, vexame do Brasil sofrendo a sua maior goleada em Copas, país europeu vencendo a primeira vez em terras americanas, mas também teve muita luta e repressão.

O Boletim Contra-Corrente deste mês tem por objetivo fazer

um breve balanço das manifestações e greves deste período e relacioná-las com o aumento da repressão contra elas e a também crescente criminalização dos movimentos sociais.

Apesar do número de atos diminuir neste período os famosos gastos com equipamentos de “segurança” feitas para as cidades-sedes da Copa foram utilizados. Não faltou bomba de gás lacrimogêneo e nem sequer celas para

manifestantes. Na próxima página

fizemos o balanço das manifestações e greves com destaque para a greve dos cobradores em Curitiba, onde houve catraca-livre. A terceira página chamamos atenção para os abusos da polícia e justiça contra movimentos sociais em Porto Alegre e São Paulo. Por fim, tratamos sobre a final da Copa no Rio, com prisões arbitrárias e violência gratuita por parte da polícia.

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de transportes, área fundamental para que os jogos da Copa corressem bem. Houve greve de rodoviários em cidades-sede, tal como Curitiba e Natal, e também em outras cidades, como em João Pessoa. Tiveram curta duração (um dia), mas surtiram efeito.

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No Contra-C o r r e n t e p a s s a d o

tratamos sobre o crescimento de greves e manifestações que ocorreram no Brasil no período pré-Copa, tendo como seu auge a greve dos metroviários em São Paulo. Este movimento diminuiu nos 31 dias de Copa do Mundo, aproximadamente 38% a menos do que o mês imediatamente anterior, segundo os dados do Protestômetro da Folha de São Paulo (ferramenta criada por este jornal para contabilizar o número de protestos nas dez principais cidades do país).

Estes protestos, em sua maioria, foram atos contra a realização da Copa ou contra suas injustiças, tais como os desabrigados resultantes de construções

para o evento ou contra opressões, movimento que se utilizou de jogos como os da Rússia (país com políticas contra homossexuais) para denunciar a homofobia e assim por diante.

Na construção Civil a forte greve se deu em Fortaleza, onde depois

de dez dias parados, os operários arrancaram da patronal um reajuste salarial de 9% (ou 3,6% de aumento real) e 38% de aumento da cesta básica, que subiu de R$ 65 para R$ 90.

Mas quem continuou com o protagonismo nas greves foi o setor

Na Copa teve lutaEm Curitiba os cobradores entraram e greve e bancaram um catraca-livre

Em São Paulo o Sindicato dos Metroviários, em junho, propôs a não paralisação das suas atividades caso aceitassem que houvesse catraca-livre, ou seja, a livre circulação de passageiros nos trens paulistas. Com medo de um aumento do apoio da população à causa dos

metroviários e de uma experiência de passe-livre em São Paulo, o governo se opôs e isto não ocorreu.

Mas na quinta-feira, 26 de junho, dia do jogo entre Argélia e Rússia na Arena da Baixada , houve a greve de cobradores de Curitiba, e com isto os cobradores deixaram

livres. Curitiba viveu um dia de catracas sem donos. A população da capital paranaense pôde circular sem pagar a alta tarifa, à qual desde o ano passado o Tribunal de Contas do Estado do Paraná classificou como excessiva, acima do que seria justo, mas que, no entanto, a prefeitura

nunca mandou baixá-la. A experiência segundo os curitibanos foi positiva, como para a balconista Vera Silveira, entrevista pelo Estadão, que disse ser uma mobilização diferente, “Foi bom para nós que pudemos ir ao trabalho economizando o dinheiro da passagem”, disse.

Catraca-livre em Curitiba Fonte: Gazeta do Povo

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O c e r c o contra os militantes de

movimentos sociais se intensificaram com as manifestações de junho do ano passado, indo do aumento da brutalidade da PM a mandados de prisão.

Porto AlegrePorto Alegre, berço

dos movimentos contra o aumento da passagem em 2013, tem visto a intensificação da ofensiva contra o Bloco de Luta pelo Transporte Público desde maio deste ano, com a acusação de seus principais dirigentes por formação de quadrilha. Estes foram Matheus Pereira Gomes, membro da Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre (ANEL) também ligado ao PSTU; Lucas Maróstica do coletivo Juntos e filiado ao PSOL; José Vicente Mertz, militante anarquista; Rodrigo Barcellos Brizolla e Alfeu Costa da Silveira Neto, do Movimento Autônomo Utopia e Luta, e Gilian Vinícius Dias Cidade, filiado ao PSTU.

São PauloEm São Paulo, em

retaliação a greve dos metroviários, o Metrô demitiu 42 funcionários, acusando-os de depredação, vandalismo e invasão de estações. O sindicato da categoria continua uma campanha para a readmissão destes trabalhadores. O Ministério do Trabalho aplicou uma multa patética de R$ 8 mil, por afirmar que as demissões foram injustas. É bom lembrar que a Justiça determinou multa ao Sindicato de R$ 900 mil, alegando que não mantiveram 100% da frota ativa em horário de pico e 70% no restante do tempo (isto seria uma greve?). Um peso, duas medidas.

Mas as atrocidades cometidas pelo governo paulista não ficaram por aí. No quinto dia de greve, em um ato em solidariedade aos metroviários, o estudante Murilo Magalhães foi preso e torturado pela Polícia Militar de São Paulo. Murilo foi obrigado a ficar nu e,

por ser homossexual, foi vítima de humilhações de cunho homofóbico, como xingamentos de “veado”. Ele ainda foi espancado pelos agentes e apresentou uma série de lesões por todo o corpo.

Além de tudo isto, dois manifestantes foram presos em um ato contra a Copa, em 23 de junho, Fábio Hideki Harano, 27, e Rafael Marques Lusvargh, 29. Fábio é funcionário da Universidade de São Paulo, onde também

estuda, e milita no sindicato dos funcionários da USP.

De norte a sul o legado da Copa parece ser o estado de exceção. No entanto, assim como a Argentina, que capengou toda a Copa e fez um espetacular jogo na final (apesar de haver perdido na prorrogação), os governos também deixaram o melhor para o encerramento, como veremos na próxima página.

A criminalização dos movimentos sociais pelo país

Demissão dos metroviários, tortura policial, prisões de manifestantes, acusações contra os integrantes do bloco de luta pelo transporte público de Porto Alegre, foram alguns casos de criminalização

Fonte: Carlos Latuff

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saída para o estádio, onde planejavam se manifestar.

Mas não foi apenas uma imobilização da massa que tentava protestar. A pancadaria gratuita foi uma cortesia que a polícia não deixou de oferecer.

Veículos nacionais e internacionais mostraram as barbaridades feitas pela PM-RJ, indo do clássico espancamento de manifestantes e quem mais estivesse lá ao roubo de material de jornalistas, como foi o caso do jornalista canadense Jason Ohara (o policial que praticou o crime já foi identificado através de filmagens das pessoas que presenciaram a cena).

Legado da Copa? Parece que o estado de exceção será um legado que durará bastante tempo, pois lembremos que daqui a dois anos o Rio irá sediar mais um megaevento, as Olimpíadas. Se a justiça e a polícia cariocas já abriram antecedentes agora, imagina nas Olimpíadas!

Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais.Coordenação Nacional do ILAESE: Antonio Fernandes Neto, Arthur Gibson, Bernardo Lima, Daniel Kraucher, Daniel Romero, Eric Gil Dantas, Érika Andreassy, Fred Bruno Tomaz, Guilherme Fonseca, José Pereira Sobrinho, Juary Chagas, Nando Poeta e Nazareno Godeiro. Contato: Praça Padre Manuel da Nóbrega, 16 - 4º andar. Sé - São Paulo–SP. CEP: 01015-000 - (44) 9866-4719 - (11) 7552-0659 - [email protected] - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Diagramação: Phill Natal. Editor responsável: Eric Gil Dantas.

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EXPEDIENTE

perfeitamente para o dia que antecedeu a final da Copa do Mundo. Neste dia, 37 pessoas foram detidas na capital carioca pela Polícia Civil do estado, 16 foram libertadas depois de dar depoimento, as outras 21 permaneceram presas.

O objetivo da polícia foi prevenir grandes manifestações na final da Copa do Mundo que aconteceu no Maracanã. Como Luis Carlos Prates, da CSP-Conlutas, disse em audiência pública promovida no dia 12 deste mês pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

(CDH) do Senado, “Prevê-se que você vai cometer um crime, segundo eles, que é fazer uma manifestação, e, de antemão, as pessoas são presas. Isso sequer no regime militar era feito dessa maneira. Então, é necessário barrar essa ofensiva”. Ou seja, hoje a polícia cumpre o papel de Tom Cruise, em Minority Report, filme de ficção que retrata um futuro onde a polícia prenderia pessoas antes mesmo de cometerem crimes.

Pancadaria e repressão no domingo

Mas o fim de semana estava apenas começando. No domingo, enquanto a cerimônia de encerramento e a final aconteciam no Maracanã, a repressão se intensificava no Rio.

Para impedir qualquer problema, a PM utilizou-se da chamada “kettling”, ou “envelopamento”, estratégia que serviu para cercar manifestantes na Praça Saens Peña, na Tijuca, e que impediu a sua

“Final da Copa do Mundo” ou “O início do estado de exceção”

Mas le grand finale estava guardado para o último fim-de-semana da Copa

Acorda amorEu tive um pesadelo agora

Sonhei que tinha gente lá foraBatendo no portão, que afliçãoEra a dura, numa muito escura viaturaMinha nossa santa criaturaChame, chame, chame láChame, chame o ladrão, chame o ladrão (Chico Buarque, em “Acorda Amor”)

Apesar de Chico Buarque ter escrito a música para a época da ditadura civil-militar brasileira, esta música se encaixa

Foto feita por smartphone e amplamente divulgada nas redes sociais