Aspectos cognitivos da percepção na propaganda_Rabelo Rodrigues

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    Aspectos cognitivos da percepo na propaganda

    Cognitive aspects of advertising perception

    Leandro Leonardo Batista, Carla Daniela Rabelo Rodrigues, Janana GeraldesBrizante e Reginaldo Franchesci

    Escola de Comunicaes e Artes (ECA), Universidade de So Paulo, So Paulo, So Paulo,

    Brasil

    Resumo

    Na percepo de propagandas, pelo menos trs processos de influncia no indivduo podem serconsiderados: 1) processos derivados do contedo explcito da propaganda (informaes,personagens, formato de apresentao, entre outros), que intencionalmente ou no, evidenciampara o receptor parmetros para que ele adote ou abandone comportamentos pela demonstraodo valor destes comportamentos; 2) processos resultantes de colocao de propagandas nocampo de viso onde no constituem o centro da ateno do indivduo, sendo as informaescaptadas de forma no intencional; e 3) processos associados a estmulos captados fora daconscincia do indivduo, os chamados subliminares. Assim, o objetivo principal deste trabalho

    apresentar as relaes entre a exposio e a influncia da propaganda, considerando os nveisautomticos, voluntrios e no-conscientes de ateno. Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (3): 137-150.

    Palavras-chave: influncia; propaganda; ateno; percepo; subliminar;comunicao.

    Abstract

    In the perception of advertising, at least three influence processes can be considered: 1)

    derived processes of the explicit content of the ads (information, characters, presentation

    format, among others), that intentionally or not, suggest to the receiver parameters for him to

    adopt or abandon behaviors by the demonstration of the value of these behaviors; 2) resultingprocesses of ads' placement in the vision field where they don't constitute the center of the

    individual's attention, being the information captured in a non intentional way; and 3)

    processes where information is captured out of the individual's conscience, called subliminal.

    Therefore, the main objective of this paper is to present the relationships between the

    exhibition and the influence of the advertising, considering the automatic, volunteers and no-

    conscious levels of attention. Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (3): 137-150.

    Keywords: influence; propaganda; attention; perception; sublimina;

    communication.

    Cincias & Cognio 2008; Vol 13 (3): 137-150 Cincias & CognioSubmetido em 12/06/2008 | Revisado em 31/10/2008 | Aceito em 06/11/2008 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 10 de dezembro de 2008

    Artigo Cientfico

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    1. Introduo

    Os processos de influncia na relao da propaganda com o indivduo podem serconsiderados a partir do seu contedo explcito, ou seja, as informaes, os personagens, o

    formato de apresentao, entre outros, que intencionalmente ou no, evidenciam para oreceptor parmetros para que ele adote ou abandone comportamentos pela demonstrao(visual e/ou verbal) do valor destes comportamentos nas suas relaes sociais, como ser vistona parte 2 (Influncia e risco: inteno e no inteno).

    No entanto, esta influncia pode ocorrer tambm pela insero de materialpublicitrio de maneira no obstrutiva, ou seja, pela colocao de propagandas no campo deviso do indivduo, onde estas no constituem o centro da ateno e, desta maneira, enquantoo interesse por outra atividade prende a ateno do receptor, a informao da propaganda captada de forma no intencional. Este aspecto ser discutido no item 3 (Influncia eexposio no-obstrutiva).

    Uma terceira forma de influncia, muito mais polmica, aquela associada a

    estmulos fora da conscincia do indivduo, os chamados subliminares, que longe deproduzirem os efeitos mgicos no comportamento apregoados por estudos duvidosos, tmcapacidade de influncia que limitada pela conscincia do receptor, apresentado no tpico 4(A percepo subliminar: um caso de ateno e conscincia).

    Desta forma, o objetivo principal deste trabalho apresentar as relaes entre aexposio e a influncia da propaganda.

    2. Influncia e risco: inteno e no inteno

    Decises, em geral, so frutos de influncias, sejam elas conscientes ouinconscientes, intencionais ou no. A influncia um dos fenmenos habitualmente ocorridosno relacionamento interpessoal e pode induzir o indivduo a um determinado comportamento.A enorme soma de dinheiro gasta em propaganda demonstra a confiana na possibilidade deas pessoas serem influenciadas (Rodrigues et al., 1999: 179).

    A influncia afeta a vida das pessoas contribuindo na formao de valores e estdividida em trs linhas gerais:

    1. Influncia normativa ou utilitria, que ocorre quando indivduos, buscando conformidadeou recompensa direta, modificam seus comportamentos e suas crenas para atender sexpectativas de determinado grupo evitando uma sano. Essas normas podem influenciara marca do carro que uma pessoa compra ou a marca da roupa que veste, por exemplo;

    2. A influncia por identificao ou influncia por valores faz o indivduo aceitar ouinternalizar normas, valores, atitudes e comportamentos para suprir sua necessidade deassociao psicolgica com um grupo. H uma busca por conselhos e opinies de outrospara tomada de decises. Um exemplo so os grupos que buscam constantementeinformaes sobre alimentos saudveis;

    3. A influncia informacional, que ocorre quando o indivduo, ao contato com uma novasituao, encontra dificuldade em tomar uma deciso, precisando de recomendaesexternas do grupo de referncia ou de um especialista com fragmentos de informaespotencialmente teis (Hawkins et al., 2007). A influncia informacional ocorrefreqentemente em propagandas de produtos para higiene pessoal, como no caso doscremes dentais onde aparece um odontlogo endossando, dando credibilidade e,

    conseqentemente, autorizando o uso do produto ou marca.

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    De maneira geral, as propagandas utilizam todas as formas de influncias por meiode recursos como: indicao de um especialista, personagem ou celebridade; grupos positivosde referncia; aprovao ou aceitao social, etc. Outro recurso adotado para conquistar ogrupo-alvo a diferenciao dos demais grupos, desse modo os anncios podem empregar

    formatos antiticos, ou mesmo considerados anti-sociais. comum encontrar em algunsanncios condutas de sub-representao estereotipada ou representaes distorcidas de papis(gnero, orientao sexual, etnias, faixa etria, renda) e incitao a comportamentos nocivosou prejudiciais (dirigir de modo irresponsvel, violncia, consumo de tabaco, consumoexcessivo de bebidas alcolicas e alimentos hipercalricos).

    Uma das maiores evidncias em pesquisas de influncia negativa da propaganda foia da indstria tabagista, com a marca Camel e seu personagem Joe Camel, onde estudos1indicaram clara referncia ao universo infantil (Neeley e Schumann, 2004) pretendendo umaconfirmao atitudinal positiva marca ou pelo menos ao ato de fumar. Diante de notvelapelo e comprovao de efeitos, como o aumento de jovens fumantes2, 3, os rgosreguladores de vrios pases, por meio da Organizao Mundial de Sade, resolveram

    extinguir a publicidade tabagista. Consideraes mais atuais, semelhantes e tambmrelacionadas sade coletiva, mencionam as propagandas de alimentos no-saudveis erefrigerantes como influenciadores significativos da obesidade infanto-juvenil e adulta(Hawkes, 2006). Discutem ainda as propagandas de bebidas alcolicas como motivadoras dedependncia e condutas sociais nocivas, como violncia e risco de dirigir em alta velocidade(Pinsky e Pavarino Filho, 2007). Ainda dentro dos fenmenos atuais levantados esto aspropagandas de medicamentos ou produtos farmacuticos sem exigncia de prescriomdica, em relao s quais existem representaes em rgos legislativos para seubanimento devido a problemas decorrentes da automedicao. Esses so exemplos deinfluncias negativas que, aparentemente, acontecem como efeitos colaterais em campanhascuja inteno era apenas aumentar a participao das marcas no mercado.

    Dessa forma, nota-se que alguns produtos legais e anunciados dentro das normaslegais tm o potencial de causar influncias negativas na sociedade por causa do impactocausado pelo seu contedo ilustrativo (ex. Joe Camel). Assim, como em outros pases, noBrasil o papel da propaganda na sociedade ganha destaque em discusses no mbito da sadecoletiva, onde so pesquisados os fatores de influncia social em campanhas publicitrias,mais especificamente fatores propulsores de comportamentos de risco com efeitos prejudiciais sade, ou na busca de modificao de comportamento buscando uma vida mais saudvel esegura.

    No entanto, do mesmo modo que pode influenciar e gerar efeitos negativos(anncios de medicamentos, fast food, produtos txicos, bebidas alcolicas), a propaganda

    pode influenciar em efeitos benficos aumentando a percepo de risco acerca do produto ouservio anunciado. Risco percebido representa as apreenses do consumidor quanto squestes de seu comportamento. As conseqncias de um comportamento adotado podem serboas ou ms com grau de valor diferente para cada indivduo, dependendo de suas crenas(Bettman, 1973). Dowling (1986) define risco percebido tendo como base a avaliao dospossveis resultados negativos e da probabilidade de que esses resultados ocorram, partindoinicialmente da percepo que o receptor tem da negatividade da seqncia de suas aes. Apercepo de risco influencia a motivao do receptor em buscar informaes sobre oproduto, servio ou tema, e esse aprendizado pode reduzir a exposio aos riscos. Da deriva apossibilidade de considerar a comunicao como um fator preponderante pelo carteroriginariamente informativo.

    Os efeitos ocasionados pela influncia da propaganda so classificados por Leiss(apudPinsky e Pavarino Filho, 2007) em efeitos intencionados e efeitos no-intencionados,

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    onde o primeiro grupo resulta de metas empresariais definidas e claras, e o segundo enquadra-se no que supostamente no foi planejado, mas que gerou conseqncia. De forma acoadjuvar o monitoramento de mdia, faz-se imprescindvel a averiguao desses efeitos paraento sugerir a prtica de novas categorias restritivas nos rgos reguladores competentes ou

    implementao da comunicao de risco efetiva baseada em estudos empricos objetivandoesclarecimento ou aprendizado social.Uma das formas mais bvias na utilizao de mecanismos para controlar a exposio

    de riscos de um produto na propaganda o uso da advertncia (disclaimer no original emingls; Stutts e Hunnicutt, 1987) que evita que o anncio seja interpretado comodecepcionante ou enganoso, apresentando informaes sobre seu uso. O objetivo daadvertncia o esclarecimento de algo que possivelmente no tenha ficado claro no anncioou permita interpretaes diferentes da inteno do anunciante. Um dos diversos formatos deadvertncia a frase ao persistirem os sintomas, o mdico dever ser consultado, umaadvertncia determinada pela ANVISA (Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria) parafigurar em anncios de medicamentos demonstrando a possibilidade do problema no ser

    resolvido com o uso do produto. Outro exemplo de advertncia associada comunicao derisco est relacionado a outra deciso da ANVISA4, em 2005, sobre os produtos alimentciosque usam em suas informaes de rotulagem e/ou material publicitrio, alegaes depropriedade funcional e/ou de sade. Ela delimitou que esses produtos devemobrigatoriamente associar informao nutricional a seguinte advertncia: Seu consumodeve estar associado a uma dieta equilibrada e hbitos de vida saudveis.

    No entanto, o uso de advertncia no garante o entendimento do receptor, comrelao ao risco embutido nestas propagandas. Retomando a advertncia proposta pelaANVISA (ao persistirem os sintomas, o mdico dever ser consultado), um efeito no-intencionado pode ser a sugesto de que vale a pena tentar a automedicao paraposteriormente, procurar um mdico, o que no deve ser o propsito da advertncia. Outroefeito no intencionado pode estar presente nos anncios de cigarros em pontos de venda(nico local permitido pela lei atual), mostrando modelos sorrindo e com lindos dentes mostra, enquanto ao lado desta imagem encontra-se a advertncia de que fumar faz mal aosdentes. Segundo Rangel-S (2007), uma comunicao eficaz deve contemplar as contradies econflitos entre as partes envolvidas, produzindo um discurso ideolgico eficaz no controle dosriscos dentro da diversidade das audincias no campo de influncia. Assim, o controle dosriscos ganha possibilidade principalmente com a competncia comunicativa social para lanarestratgias de controle de riscos sade.

    Os apontamentos tericos discutidos por Rangel-S (id. ibidem) acrescentaminformaes em que, para subjugar obstculos de comunicao, os pensadores da

    comunicao de risco, com respaldo da psicologia social, tm em conta que numa situaocrtica, com nvel de preocupao elevado, pessoas processam apenas 20% das informaesrecebidas, em uma espcie de paralisao cognitiva. E afirma que essa ocorrncia seriaaperfeioada caso houvesse entendimento e manejo de fatores que afetam a percepo deriscos e os nveis de confiana e credibilidade (id. ibidem: 1379). Assim, a relaocomunicao e risco entendida como um fluxo explicativo ou comunicativo de informaessobre sade, segurana e risco. Desta forma, talvez mais eficaz como comunicao de riscosejam as campanhas de sade sobre determinados comportamentos sociais, onde so traadasas intenes de esclarecimentos, por meio da influncia da propaganda direta, para gerarefeitos saudveis. Uma campanha informativa sobre a dengue, por exemplo, deve serelaborada e transmitida com linguagem clara e apropriada ao pblico-alvo, demonstrando a

    importncia das aes individuais nos resultados coletivos5

    . Mas importante tambm que

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    sejam considerados os efeitos no intencionais presentes em outras campanhas, que salientempositivamente, por exemplo, o foco em comportamentos individuais.

    3. Influncia e exposio no-obstrutiva

    Ao longo da histria dos estudos de percepo, pesquisadores se dedicam a explorarcomo se d no ser humano a percepo visual em cenas complexas (a partir da modulao daateno e da memria), onde o nmero de estmulos distratores abunda no ambiente no qual oobservador se encontra (Henderson e Hollingworth, 2002). Alguns utilizam para isso registroseletrofisiolgicos6 (como o eletroencefalogra, EEG), outros aparelhagem especfica (como eyetrackers

    7), outros questionrios e/ou escalas (Turley e Shannon, 2000). Alguns reproduzemem laboratrio a cena visual estudada (Hollingworth e Henderson, 2002; Irwin, 1991; eRensink, 2000), outros realizam pesquisas em campo, na situao real em que a cenaocorre. Principalmente nesse ltimo caso, estudam-se tambm efeitos de anncios (presentesnessas cenas) no comportamento de compra dos observadores. Um exemplo o estudo

    realizado por Turley e Shannon (2000), em estdio de basquete durante toda uma temporada,nos EUA. Os pesquisadores avaliaram o impacto de anncios presentes no estdio, atravs dataxa de recall8 e influncia em inteno e comportamento de compra de uma amostra detorcedores. Segundo eles, a taxa mdia de recall entre os respondentes foi de 2,68, indicandoque os torcedores no processaram muitos anncios presentes no estdio, j que a mdia deanncios por dia de jogo era de 45. Alm disso, quanto maior foi a freqncia de exposio,maiores taxas de recall de anncios, e possvel influncia em inteno e comportamento decompra. Assim, a vantagem que, se os distratores so numerosos, tambm generoso otempo em que os potenciais consumidores ficam expostos ao anncio. De fato, diversaspesquisas9 que estudaram efeitos de anncios em arenas de esporte tendem a indicar que essesanncios tm ao menos algum impacto nos fs presentes nos jogos.

    Oito anos aps a pesquisa de Turley and Shannon, depara-se com a necessidade deum estudo diferente. Ao invs de se estudar o impacto de anncios presentes em estdios debasquete, mais relevanteexplorar esse impacto em estdios de futebol, esporte mais popular(logo, com mais espectadores) no s no Brasil, mas em praticamente todo o mundo.Ampliando-se o foco paraconsiderar as placas eletrnicas (animadas/digitais) que rodeiam ocampo e nas quais o anncio est presente, em movimento. Alm disso, um efeito maisabrangente implica em usar como amostra do estudo o espectador de TV, eliminando-se boaparte dos distratores presentes no campo (diminuindo possveis variveis secundrias), econsiderando um pblico muito maior, j que o jogo transmitido pela TV assistido por maispessoas do que as presentes no estdio. As diferenas bsicas entre os dois estudos se

    resumem na tabela 1.Frente a essa situao de estudo, acredita-se que haveria diferenas importantes entreeste e aquele realizado por Turley and Shannon (2000). Primeira, placas em movimentopoderiam captar ateno automtica do observador, favorecendo a percepo do anncio (oque poderia ocorrer vrias vezes ao longo do jogo, podendo levar a uma espcie derepetio mental, aumentando a chance do contedo fazer parte da memria de longadurao)10. Aspectos centrais da noo cotidiana que se tem de ateno envolvembasicamente a idia de seletividade (algumas coisas chamam mais a ateno do que outras,logo so mais atendidas), capacidade limitada (apenas parte dos estmulos que se tem contatoso realmente percebidos) e esforo (algumas atividades exigem que haja grande esforopara nelas manter-se a ateno, outras no Scholl, 2001; Reisberg, 1997).

    Resumidamente, ateno uma atividade neural que facilita o processamento dedeterminados estmulos em detrimento de outros: atender intensificar a atividade

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    neurofisiolgica de algo que se est presenciando pela primeira vez, ou de algo que j est namemria (a partir de Kandel et al., 2003; Lent, 2001; e Helene e Xavier, 2003, entre outros).Mas o indivduo precisa que essa atividade seja modulada. Algumas tarefas que executademandam manter a ateno alocada a elas durante todo o perodo de sua durao, e nesse

    nterim outros estmulos irrelevantes devem ser ignorados. Porm, existem estmulos que,apesar de no pertencerem tarefa em curso, no devem ser ignorados. O problema crtico dosistema de ateno justamente esse: a necessidade de engajamento atencional continuadocontra a necessidade de sua interrupo (Nahas e Xavier, 2004). Para lidar com estanecessidade, o sistema funciona de tal forma que as caractersticas da tarefa parecem levar adiferentes modulaes atencionais11. Processos controlados seriam flexveis e versteis, masfuncionariam de forma serial e relativamente lenta. J os automticos ocorreriam de maneirarpida e em paralelo, porm com ausncia de flexibilidade (Eysenck e Keanne, 1994). Estespodem ocorrer concomitantemente a outros processamentos sem sofrerem interfernciasignificativa, e ser desencadeados inesperadamente pelo ambiente, sem que inicialmente aateno do indivduo estivesse direcionada ao estmulo. Isso poderia ocorrer com o espectador

    de TV que teria sua ateno automaticamente captada pelo anncio em movimento na beiradado campo. Interessante notar que alguns autores consideram que o sistema que controla aoseria o mesmo que controla a ateno espacial (Rizzolatti e Craighero, 1998)12.

    ESTDIO BASQUETE(Turkey e Shannon, 2000)

    ESTDIO FUTEBOL(ESTUDO PROPOSTO)

    Consumidor no estdio (presencial).Consumidor assistindo jogo pela TV (no-presencial).

    Placas fixas. Placas animadas (eletrnicas/digitais).Mais distratores (outros torcedores,

    conversas, gritos, vendedores, luzes).

    Menos distratores (observador pode at estar

    sozinho).Exposio contnua (observador permaneceligado ao jogo, geralmente, at que esteacabe).

    Exposio possivelmente descontnua(observador pode se ausentar totalmente do

    jogo a qualquer momento).Foco de ateno vai mais rpido de um ladoao outro do estdio.

    Foco de ateno vai lentamente de um ladoao outro do estdio.

    Jogo muito dinmico, mas tem intervalos(exige alto foco atencional enquanto o jogocorre, porm oferece paradas).

    Jogo lento e tem poucas paradas (exigefoco atencional relativamente menorenquanto o jogo corre, porm no oferecemuitos intervalos).

    O campo de jogo relativamente pequeno

    (28mx15m). O campo de jogo grande (at120mx90m).Tabela 1 - Comparao entre caractersticas do estudo realizado por Turvey e Shannon(2000) e os efeitos visualizados neste trabalho. Material obtido no endereo eletrnicohttp://www.inmetro.gov.br em 09/05/2008.

    Segunda diferena: menos distratores competindo pela ateno do observadorpoderia favorecer a percepo do anncio, e a posterior manuteno da ateno para ele. Issoporque o processamento de estmulos conta com mais ou menos prioridade dependendo daatividade que o indivduo desempenha no momento (Rizzolatti e Craighero, 1998). Oengajamento em certas atividades parece pr-ativar redes de modo que seu processamentopasse a ter prioridade nos sistemas atencionais. Assim, a modulao da ateno dependeriatambm do contexto no qual o organismo de insere. Assistir a um jogo de futebol no estdio

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    pr-ativaria sub-rotinas bastante diferentes daquelas ativadas em um indivduo que assiste umjogo com dois ou trs companheiros, ou mesmo sozinho, em sua casa.

    Terceira, o sistema atencional do espectador da TV estaria menos sobrecarregado,tanto pela natureza do jogo (em comparao com o basquete) quanto pela quantidade de

    estmulos concorrentes. Um jogo mais lento poderia favorecer o passeio visual da atenopelo campo e seu entorno, sem grandes perdas do andamento do jogo, favorecendo percepodos anncios ao redor do campo. De acordo com a linha de pesquisa sobre ateno visualdefendida por Lavie (1995)13, por exemplo, o estgio da seleo depende da carga deprocessamento da primeira tarefa (quanto mais difcil a tarefa, maior seria a carga). Este autormostrou que a resposta neural para um estmulo irrelevante em movimento foi mais fracaquando a tarefa em prtica era difcil do que quando era fcil. Esse resultado pode sugerir quequanto mais a ateno est alocada para uma tarefa, mais tempo leva para ser direcionada paraoutros estmulos. A ateno pode diretamente afetar a representao de aspectos visuaisespecficos (no s movimento, mas tambm cor e forma Kanwisher e Wojciulik, 2000;Gordon, 2004). Ela seria central para a construo de toda a experincia visual que compe o

    ato de assistir a um jogo. Assim, o sistema atencional do observador em um jogo de basqueteestaria mais sobrecarregado do que em um jogo de futebol, j que aquele mais dinmico doque este (alm de todos os outros motivos, tambm pelo tamanho do campo em que os

    jogadores se deslocam). Alm disso, o torcedor em um estdio teria sua ateno maissobrecarregada do que quando o jogo assistido pela TV (pela maior quantidade de estmulosconcorrentes), dificultando o deslocamento da ateno para outros estmulos (como osanncios).

    De fato, estudos com anncios em quadras de basquete e futebol de universidadesmostram que torcedores dos jogos de basquete apresentaram maiores nveis dereconhecimento de anncios do que torcedores de futebol, porm mais torcedores de futeboldeclararam ter notado anncios nos jogos que assistiram14. Isto talvez ocorra porque, apesardo jogo de basquete ser mais dinmico, o tamanho do campo bem menor do que o campo defutebol. O nmero de sacadas e fixaes em um mesmo ponto da cena maior (j que h ummenor espao fsico a ser escaneado durante o jogo, um mesmo local escaneado maisvezes). Um resultado seria maior freqncia de exposio a um mesmo estmulo, o quecomprovadamente aumenta taxas de reconhecimento e recall. Assim, torcedores do jogo debasquete teriam maiores taxas do que os de futebol. Da mesma forma, como o campo defutebol bem maior do que o de basquete, talvez um nmero maior de anncios estivessepresente naquele campo, ajudando a explicar as maiores taxas de declarao de notabilidadede anncios no campo15. Assim, se por um lado no jogo de basquete a ateno exigida noslances maior, por outro o campo de jogo menor. No futebol, o contrrio lances mais

    lentos exigem ateno menos sobrecarregada (favorecendo passeio visual pela cena semperda de lance), porm o campo de jogo maior (nmero de vezes que se volta a ateno paraum determinado anncio menor). Resta saber quais seriam as implicaes destas diferenas.

    Sabe-se que a maior parte das mltiplas cores, formatos e movimentos que populamo campo visual dos indivduos no perduram na memria. A natureza seletiva da percepo decenas impe um forte limite sua reconstruo perceptual (Hollingworth e Henderson, 2002).Acredita-se que a distribuio da ateno visual comande qual informao visual de uma cenacomplexa representada (Irwin, 1991). Hollingworth e Henderson (2002) propuseram queuma representao relativamente detalhada da cena visual construda conforme os olhos e aateno so dirigidos para suas mltiplas regies. Quando se assiste a um jogo, por exemplo,os olhos se movem pela cena visual, porm, durante o movimento ocular (entre uma fixao e

    outra), a percepo visual suspensa16

    . Assim, os movimentos oculares dividem a percepoda cena em uma srie de episdios perceptuais discretos (fixaes) pontuados por breves

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    perodos de cegueira resultantes da supresso sacdica12. No se sabe como ocorre a junodas informaes, mas este seria o processo que resultaria (somado a outros) em notar um jogoa que se assiste, e todos os elementos a ele ligados. Assim, a percepo do que est sendovisto muda conforme o objetivo/inteno do observador se altera, ou conforme sua ateno se

    altera (Zigmond et al., 1999). Uma vez que percepo depende de memria e memria modulada e modula ateno, todos esses fenmenos esto em ntima relao, funcionandojuntos.

    4. A percepo subliminar: um caso de ateno e conscincia

    As pesquisas acima salientam a importncia de considerar os efeitos da exposio propaganda levando em considerao contedos explcitos e implcitos, mas sempre aoalcance consciente do indivduo. Nesta parte discutiremos efeitos relacionados a estmulosabaixo do limiar da percepo consciente do indivduo.

    4.1. Ateno e percepo subliminar

    Embora as primeiras experincias sobre esse assunto datem do final do sculo XIX,elas s assumiram um carter realmente cientfico da dcada de 80 do sculo passado; a partirda, os experimentos passaram a embasar uns aos outros, freqentemente atingindo resultadossimilares, mas com olhares diferentes, o que ajudou a construir um cenrio slido para essarea de pesquisa. A fim de que se possam compreender melhor os experimentos, explica-setrs termos muito citados nesses estudos: Skin Conductance Response (SCR),Magnetic

    Resonance Imaging (MRI) e pr-ativao, algumas vezes chamadas pelo termo em inglsprime. SCR a sigla em ingls para Resposta de Condutncia da Pele, tratando-se de umaumento da condutncia eltrica da pele em situaes especficas, como estresse,reconhecimento de objetos ou pessoas conhecidas, prazer, etc. A cada momento em que umapessoa tem seu estado emocional alterado por algum motivo, a SCR se altera; embora possaser detectada somente com sensores aplicados diretamente pele, a SCR um bom indicadorde que algum estmulo foi percebido pelo receptor, mesmo que de forma inconsciente. MRI o que chamamos de Ressonncia Magntica, um exame feito utilizando as propriedades deexcitao dos tomos em um tecido num campo magntico, a fim de gerar uma imagem darea analisada. Esse mtodo utilizado em medicina para avaliar eventuais danos em reasinternas no corpo com grande preciso, e tambm para analisar a atividade cerebral.Finalmente, a pr-ativao um estmulo inicial que ir desencadear alguma resposta,consciente ou no, a qual poder ser medida de vrias formas, incluindo a SCR. Embora pr-

    ativaes possam ocorrer de vrias formas, em laboratrio so utilizadas especificamente paradespertar certas reaes nos indivduos estudados.Quando se imagina um estudo sobre percepo subliminar, a maneira mais imediata

    de realiz-lo apresentar um estmulo abaixo do limiar de percepo de um indivduo e medirsua reao relacionada ao contedo do estmulo. Foi esse o princpio usado na experincia deCheesman e Merrikle (1984), bastante comentada por estudiosos da rea de comunicao epercepo.

    Nesse estudo, os pesquisadores apresentavam numa tela o nome de uma corqualquer (azul, rosa, etc) e em seguida apresentavam uma cor efetivamente, ambos porcurtssimos tempos de exposio; em seguida, apresentavam um quadro s contendo rudos deimagem (chamado mscara). Aps terem mostrado todos os quadros, os pesquisadores

    perguntavam s pessoas quais as palavras e cores que tinham visto, bem como o grau decerteza da resposta; como o prime (no caso, as palavras e cores) aparecia por muito pouco

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    tempo na tela, a maioria dos pesquisados afirmava no ter certeza alguma da resposta dada, ediziam estar apenas chutando.

    Aps catalogar e compilar todas as respostas, os pesquisadores notaram que opercentual de acerto era algo em torno de 66%, mesmo entre os que afirmavam no ter idia

    da cor ou da palavra que tinham visto; esse foi um resultado extremamente curioso, j que achance esperada de acerto girava em torno de 25%. Assim, o experimento mostrou que,mesmo sem ter conscincia do fato, os indivduos perceberam os estmulos e souberamidentific-los, o que era um forte indcio de percepo subliminar.

    Esse estudo, embora simples, acabou servindo de referncia para outros efetuadosposteriormente. O fato de ter conseguido boas evidncias de que existe efetivamente umapercepo subliminar, mas no ter provado exatamente como ela age, despertou a curiosidadede pesquisadores, como por exemplo, a experincia de Davenport e Potter, (2003), quase 20anos depois da experincia citada anteriormente. Seguindo uma premissa semelhante, essetrabalho procurou avaliar de que forma os cenrios afetam a percepo das figuras emprimeiro plano.

    Nessa experincia, os voluntrios pesquisados deveriam observar figuras com planosde fundo consistentes e inconsistentes. Por exemplo: jogador de futebol americano numestdio (consistente), padre num campo de futebol (inconsistente), zebra na savana(consistente), etc. Os testes eram feitos com vrios grupos de pessoas, sendo que um dosgrupos deveria identificar qual a figura em primeiro plano, o outro grupo deveria identificars o plano de fundo, um outro grupo deveria identificar os dois (fundo e figura) e, por fim, umquarto grupo veria apenas fundo (sem figuras) e deveria identific-los. Os quadros eramapresentados em fraes de segundo (precisamente por 80 ms), mas dessa vez osentrevistados no precisariam declarar seu grau de certeza na resposta.

    Na anlise dos resultados, Davenport e Potter (2003) perceberam que as figuraseram identificadas com mais dificuldade em cenrios inconsistentes (por exemplo, menospessoas conseguiram identificar o padre no estdio, quando comparado com o quadro dopadre na igreja). Da mesma forma, cenrios sozinhos ou com figuras consistentes eramidentificados com mais facilidade do que aqueles acompanhados de figuras inconsistentes.

    Isso, na prtica, mostrou que estmulos subliminares no s so percebidos, comotambm so afetados por detalhes, como o contexto. interessante perceber que, embora osmotivos dos dois experimentos sejam diferentes o de Cheesman e Merrikle (1984) buscavapuramente evidenciar a percepo subliminar, e o de Davenport e Potter (2003) queriademonstrar como a percepo de fundos acontecia mesmo em situaes subliminares), ambosapresentam evidncias slidas de que existe efetivamente uma percepo abaixo do limite daconscincia, que pode, inclusive, reconhecer detalhes, diferenciar planos, etc.

    4.2. Influncia subliminar

    Com base nos estudos apresentados que representam parcialmente o conhecimentona rea, possvel imaginar que as mensagens subliminares tm realmente uma capacidade deinfluenciar a deciso de uma pessoa a respeito de comportamento, compra, etc., j que oindivduo capaz de reconhecer as mensagens e perceber at mesmo detalhes. Estariam osalarmistas certos ao dizer que certas msicas, jogos, parques de diverses e filmes contmmensagens capazes de alterar drasticamente a opinio ou o comportamento dos indivduos?Uma boa pista foi dada pela experincia de Van Den Hout e colaboradores(2000).

    A exemplo do caso de Davenport e Potter (2003), este trabalho buscava respostas

    para um outro fenmeno, e acabou trazendo informaes valiosas tambm para o estudo dapercepo subliminar como um todo. A proposta deles era analisar a teoria de hman e

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    Soares (1994), que definia que a reao de uma pessoa a uma imagem era ligada percepoda imagem em si; Jong e seus colegas acreditavam que a percepo no era ligada a imagem,mas sim ao significado dela para cada pessoa. Por isso, resolveram fazer um estudoenvolvendo fobias e palavras relacionadas a elas.

    Reunindo homens e mulheres com aracnofobia comprovada, os pesquisadoresapresentavam umprime relacionado fobia, e alternavam com palavras gerais de violncia epalavras neutras (todas apresentadas por apenas 20ms); assim, o indivduo poderia ver apalavra aranha, e em seguida ver batata, e por fim ver assassinato (palavra fbica,neutra e violenta, respectivamente). As palavras eram apresentadas com e depois semmscaras, e o resultado da percepo era medido segundo as SCR.

    Como era de se esperar, a percepo subliminar foi novamente evidenciada peloestudo; esse, contudo, trouxe algo a mais. Verificando as SCRs dos indivduos, pode-se notarque eles no tinham quase reaes ao serem expostos s palavras neutras, mas apresentavamreaes um pouco mais pronunciadas quando expostos a palavras violentas. E, quandoanalisando as reaes s palavras fbicas, constataram que as SCRs eram ainda mais

    ressaltadas em relao s demais situaes. Para completar, as palavras cobertas commscaras no apresentavam variao significativa de SCR. Note-se que os indivduosdeclaravam no identificar nenhuma imagem apresentada.

    Ora, sabendo que a combinao de letras por si s no causa fobia (as letras a-r-a-n-h-a, sozinhas, no so um prime fbico), e levando em conta que houve SCR variando deacordo com a palavra apresentada, chega-se concluso que as pessoas efetivamente extraiamum significado de forma subliminar de cada palavra apresentada. Apesar disso, os indivduosno apresentavam nenhuma reao consciente ao prime, muito embora ele fosseinconscientemente registrado e percebido pelas SCR.

    Isso um argumento muito eloqente contra a idia de que mensagens subliminarespodem causar reaes nas pessoas sem que elas percebam; independente de haver ou nomensagens escondidas em diversos meios, a recepo das mesmas causar, no mximo, umareao inconsciente, que no afetar o indivduo, mesmo em casos extremos, como o defobias. Assim, a experincia de Van Den Hout e colaboradores (2000) apresenta um ponto devista novo e bastante decisivo contra a idia popular das mensagens subliminares, alm decomplementar a experincia de Davenport e Potter e mostrar que, alm de detalhes, possvelperceber significados de maneira subliminar (e, ao contrrio do que sugeria a teoria de hmane Soares (1994), notou-se que a reao do indivduo no ligada imagem, mas sim aosignificado carregado pelo estmulo).

    Para finalizar essa discusso, interessante mostrar mais um recente estudo sobre aspesquisas de percepo subliminar; o Dr. Bahador Bahrami e sua equipe realizaram um

    experimento muito similar aos descritos anteriormente, obtendo resultados compatveis comos mesmos, com duas diferenas: primeiro, eles utilizaram o MRI para medir as respostas, aoinvs das medies de SCR, por ser um mtodo mais preciso, alm de permitir ver quais reasdo crebro so ativadas com cada estmulo. Segundo, eles no apenas apresentaram estmulossubliminares, mas o fizeram num contexto em que o indivduo estaria engajado em outraatividade.

    A idia do experimento era avaliar o quanto a concentrao era relevante narecepo de estmulos subconscientes; como resultado, Bahrami e colaboradores (2007)perceberam que os estmulos dados durante as tarefas fceis eram registrados no crebro,enquanto aqueles emitidos nas tarefas difceis simplesmente eram ignorados. Assim, elespuderam perceber que, por mais direto que seja o contato de uma mensagem subliminar com

    o indivduo, ela ainda estar sujeita ateno que o mesmo dispensa fonte dessa mensagem.

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    Com base nestes estudos cientficos, podemos considerar que estmulos subliminaresso percebidos e avaliados pelo indivduo de forma inconsciente, sofrem efeitos de contexto(figura-fundo), dependem de disponibilidade de ateno, mas so incapazes de iniciar umcomportamento mesmo que relacionado com fobias do receptor.

    5. Consideraes finais

    Nos estudos sobre a influncia da propaganda no comportamento do receptor, muito importante que sejam considerados aspectos diretamente ligados a ateno dada aoscontedos de sua mensagem, ou seja, a inteno clara do emissor. Por outro lado, devemosconsiderar tambm os aspectos que por no serem centrais mensagem passamdesapercebidos aos rgos reguladores, mas acabam por exercer influncia nos receptores.Assim, uma advertncia em uma propaganda de cigarros sobre os males do cigarro nos dentesdo fumante pode ser enfraquecida pela ateno dada ao lindo sorriso do modelo usado napropaganda, causando efeitos intencionais e ou no intencionais e enfraquecendo a

    capacidade da advertncia.A influncia da propaganda pode ser observada ainda em situaes onde a

    propaganda no o fator de atratividade principal para o receptor, como em arenas esportivas.Mas, ainda assim, a propaganda pode ser efetiva, principalmente se combinada com ascaractersticas do estmulo principal (por exemplo, movimento) causando efeitos na memriae no comportamento de compra dos receptores de forma no obstrutiva, portanto com poucaresistncia destes.

    Complementando estas observaes, temos que conscincia do estmulo se tornafator preponderante em alterar comportamentos. Ou seja, embora o indivduo tenhacapacidade de absorver informao de estmulos abaixo do seu limiar de percepo, essacapacidade no suficiente para desencadear alteraes de comportamento, como no caso dosindivduos com fobia a aranhas expostos a estmulos subliminares a elas relacionados.

    Assim, temos que a relao entre ateno e influncia dos comerciais deveconsiderar no mnimo trs nveis: a ateno voluntria, a automtica e a percepo noconsciente.

    6. Referncias bibliogrficas

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    Notas

    (1) Fischer e colaboradores (1991).(2) Gomide e Pinsky (2004: 61) ressaltam que "um estudo recente, por exemplo, elaboradopelos pesquisadores norte-americanos John P. Pierce, Won S. Choi e Elizabeth A. Gilpin,estimou que, entre 1988 e 1998, houve 7,9 milhes de novos experimentadores de tabaconos EUA devido propaganda e s promoes em geral. Desses, estima-se que 1,2 milhomorrer por doenas relacionadas ao fumo. O estudo, intitulado Sharing the blame: smoking

    experimentation and future smoking attributable mortality due to Joe Camel and Marlboroavertising promotions, chega a apontar quantas dessas mortes estaro associadas a marcasespecficas de cigarro". As autoras expem ainda outro estudo realizado em Hong Kong(cidade com grave problema de sade pblica devido ao consumo de tabaco por jovens) entreestudantes de 12 a 15 anos e que analisou a relao entre o hbito de fumar e uma srie defatores, entre eles a propaganda de tabaco. Os autores do trabalho, publicado no American

    Journal of Preventive Medicine, concluram que a propaganda contribui efetivamente para oenvolvimento dos estudantes com os cigarros, e propem a proibio de toda e qualquerforma de publicidade por parte da indstria do tabaco.(3) Para aprofundamento no tema: Arnetta e Terhanianb (1998) e Pierce e colaboradores(1998).

    (4) Disponvel em http://www.anvisa.gov.br/alimentos/comissoes/tecno_lista_alega.htm ,acessado em 20/05/08.

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    (5) O tema remete teoria do dilema social. Para mais informaes, consultar: Ostrom, E(1998). A Behavioral aproach to the racional choice theory of collective action: presidentialaddress, American political science association, 1997.Am. Political Sci. Rev., 92 (1), 1-22.(6) Registros eletrofisiolgicos so feitos a partir da medio, realizada atravs eletrodos

    situados muito prximos membrana celular, de sinais eltricos dessas clulas. Para sabermais: Kandel e colaboradores (2003).(7) Dispositivo utilizado para medio da posio e movimento ocular na observao visual(como nos estudos realizados por Hollingworth e Henderson, 2002).(8) Recall uma medida de lembrana bastante usada para medir efeitos da propaganda namemria do receptor.(9) Como: Cunneen e Hannan (1993), Shilbury e Berriman (1996) e Stotlar e Johnson (1989),citados em Turley e Shannon (2000).(10) Sabe-se que movimentos rpidos de cenas visuais so processados pela via magno,compostas de neurnios mielinizados, transmitindo informaes rapidamente para os centrosde processamento visuais do crebro (cor e forma, por outro lado, so processados pela via

    parvo, mais lenta do que a magno) Kandel (2003)(11) Shiffrin e Schneider (1977), citados em Nahas e Xavier (2004).(12) Esta teoria chamada de teoria pr-motora da ateno seletiva espacial, proposta porRizzolatti e Craighero (1998). Esta teoria defende que a ateno seria controlada por centrosculos-motores e por redes neurais relacionadas a movimentos corpreos.(13) Lavie, N. (1995) Perceptual load as a necessary condition for selective attention.J. Exp.Psychol. Hum. Percept. Perform., 21, 451468, apudKanwisher e Wojciulik (2000).(14) Stotlar e Johnson (1989), citados em Turley e Shannon (2000).(10) Sabe-se, por exemplo, que informaes globais da cena tornam-se disponveis maisrapidamente do que informaes locais especficas (Gordon, 2004).(15) Por isso a imagem no borra, nem corre o texto que se est lendo.(16) Essa viso consistente com a abordagem de teorias que enfatizam a naturezaconstrutiva da memria operacional (Baddeley, 1974). Pesquisas tambm sugerem que aorientao espacial da ateno uma parte necessria da memria operacional, mais do quemeramente um fenmeno correlacionado a ela (Awh e Jonides, 2001).

    - L.L. Batista Mestre em Propaganda (University of North Carolina) e Doutor emComunicao Social (University of North Carolina). Atua como Professor na ECA-USP. E-mail para correspondncia: [email protected].

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