BABEL Poética Ano I, n.º 2 – abril/maio de 2011

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 B A  B E L P  O É  T I   C A N º  2  |    a  b r i   l     /   m  a i    o 2  0 1   1   L UGARES ONDE SE P ASSA A VIDA R$ 0,00 - VENDA PROIBIDA

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 B A  B E L P  OÉ  T I   C A 

N º  2  |    a  b r i   l     /   m a i    o2  0 1   1   

LUGARES ONDE SE PASSA A VIDAR$ 0,00 - VENDA PROIBIDA

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BABEL PoéticaAno I, n.º 2 – abril/maio de 2011Copyright © dos editores e dos autores

BABEL Poética ISSN N.º 2179-3662 é uma edição especial de BABEL – Revista de Poesia, Tradução eCrítica, ISSN N.º 1518-4005, contemplada em 1.º lugar no Edital Cultura e Pensamento 2009/2010 doMinistério da Cultura para publicação de revistas culturais.

MINISTÉRIO DA CULTURASecretaria de Políticas Culturais

ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CASA DE RUI BARBOSAJoão Maurício de Araújo Pinho | Presidente

REDE DE REVISTASPROGRAMA CULTURA E PENSAMENTOSergio Cohn e Elisa Ventura | CoordenadoresRita Ventura | ProdutoraLuana Villutis | Coordenadora de redeFilipe Gonçalves, Elisa Ramone e Lilian Diehl | Assistentes de Produção

REVISTA BABEL POÉTICA | babelpoetica.wordpress.comAdemir Demarchi | Editor | [email protected] | Santos/SPAmir Brito Cadôr | Projeto Gráfico e Edição Gráfica | [email protected] | Belo Horizonte/MGDaniela Maura | Assistente de Edição Gráfica | [email protected] | Belo Horizonte/MGPaulo de Toledo | Revisão | [email protected] | Santos/SP

CONSELHO EDITORIALAdemir Assunção (SP), Cláudio Portella (CE), Jorge Luiz Antonio (SP), José George Cândido Rolim(CE), Lúcia Rosa (SP), Makely Ka (MG), Marcelo Chagas (SP), Márcio-André (RJ), Marco AurélioCremasco (PR/SP), Mauro Faccioni Filho (PR/SC), Nilson Oliveira (PA), Paulo de Toledo (SP), RicardoCorona (PR), Ronald Augusto (RS), Silvana Guimarães (MG) e Susana Scramim (PR/SC)

COLABORADORES DESTA EDIÇÃOAdalberto Muller (MS/RJ), Ademir Assunção (SP), Ademir Demarchi(PR/SP), Alexandre Brito (RS), Antonio Vicente Seraphim Pietroforte(SP), Berimba de Jesus (BA/SP), Carlito Azevedo (RJ), Carlos FelipeMoisés (SP), Cláudio Portella (CE/SP), Claudio Willer (SP), Dirceu Villa(SP/Londres), Edson Bueno de Camargo (SP), Eduardo Sterzi (RS/SP),Elisa Andrade Buzzo (SP), Enzo Potel (SC), Fabiano Calixto (PE/SP),Fabio Romeiro Gullo (SP), Fernando José Karl (SC/PR), Francisco Alvim(MG/DF), Fuzzil (SP), Joca Reiners Terron (MT/SP), João Filho (BA),Jorge Henrique Bastos (PA/SP), Juliano Garcia Pessanha (SP), LuanaVignon (SP), Lucia Bettencourt (RJ), Madô Martins (SP), Marcelo Ariel(SP), Marcelo Sahea (RJ), Marcelo Steil (SC), Márcio-André (RJ/Lisboa),Marco Aurélio Cremasco (PR/SP), Marcos Siscar (SP), Marco Vasques(RS/SC), Mardônio França (CE), Natanael Gomes de Alencar (SP), NelsonCapucho (PR), Paulo Franchetti (SP), Poeta de Meia-Tigela (CE), RégisBonvicino (SP), Reynaldo Damazio (SP), Ricardo Pedrosa Alves (MG/PR),

Sérgio Vaz (SP), Solivan Brugnara (PR), Valdemir Klamt (SC), WilmarSilva (MG), Ylo Barroso Fraga (CE)

IMAGENSDaniel Escobardetalhe de As Cidades e o Desejo, 2009 p. 2www.danielescobar.com.brrEliana Borges p. 7, 10 Fábio Morais do livro Fábio Catador 

(Dulcinéia Catadora, 2011) p. 14, 51 http://fabio-morais.blogspot.com/ElisaCampos da série Observatório p. 20, qualquer lugar lugar nenhum p. 33,35, 37, 39 http://www.elisacampos.net.br Tales Bedeschi xilogravuras dasérie Onde começa o céu p. 24. www.talesbedeschi.blogspot.com MichelZózimo da série Filatelia de Lugares Imaginários p. 28, 47, 63 Tony de MarcoSão Paulo No Logo p. 43. http://www.flickr.com/photos/tonydemarco/

VINHETAS

Amir Brito Cadôr e Daniela Maura

CAPAFotografia de Eliana Borges – SP/PR - “carto+grafias[subjetivas]”2005/2007 [Rua Tiro Naval, Santos-SP]

GESTÃO DO PROJETOCentro Camará de Pesquisa e Apoio à Infância e Adolescênciawww.projetocamara.org.brRua Caminho dos Barreiros n.º 491 – Beira MarCEP 11040-020 São Vicente –SP

AGRADECIMENTOSExpressamos nosso reconhecimento a todos os que têmcolaborado para a concretização deste projeto, em especial aosautores que nos autorizaram a publicação de imagens e textos.

IMPRESSÃO E DISTRIBUIÇÃOPrograma Cultura e Pensamento/MinC

TIRAGEM10 mil exemplares - Distribuição Gratuita – Venda Proibida

CORRESPONDÊNCIAAdemir Demarchi / BABEL PoéticaRua Espírito Santo, 55, apto. 36CEP 11075-390 - Campo Grande - SANTOS – SP

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Esta publicaço oi selecionada entre os projetos que se inscreveram no ProgramaCultura e Pensamento – Seleço Pública e Distribuiço de Revistas Culturais. Foramescolhidos quatro projetos, e desta orma contemplamos quatro revistas culturais bimestraiscujas tiragens, somadas, chegam a 240 mil eemplares.

O objetivo desta iniciativa é estimular a criaço de publicações culturais permanentes,e de alcance nacional – no apenas em sua distribuiço, mas também em seu conteúdo.

Ao patrocinar este projeto, a Petrobras rearma, uma vez mais, seu proundo e sólidocompromisso com as artes e a cultura em nosso país – conrmando, ao mesmo tempo, seudecisivo papel de maior patrocinadora cultural do Brasil.

Desde a sua criaço, há pouco mais de meio século, a Petrobras mantém umatrajetória de crescente importância para o país. Foi decisiva no aprimoramento da nossaindústria pesada, no desenvolvimento de tecnologia de ponta para prospecço, eploraçoe produço de petróleo em águas ultra-proundas, no esorço para alcançar a auto-suciência. Maior empresa brasileira e uma das líderes no setor em todo o mundo, acada passo dado, a cada desao superado, a Petrobras no ez mais do que rearmar seucompromisso primordial, que é o de contribuir para o desenvolvimento do Brasil.

Patrocinar as artes e a cultura, através de um programa sólido e transparente, é partedesse compromisso.

CULTURA E PENSAMENTO é um programa nacional de estímulo à reeo e àcrítica cultural. Desde sua primeira ediço em 2005, seleciona e apoia projetos de debatespresenciais e publicações. O objetivo do programa é dar suporte institucional e nanceiroa iniciativas que ortaleçam a esera pública e proponham questões e alternativas para asdinâmicas culturais do país.

Em 2009, o Programa abriu a terceira ediço dos editais para nanciamento dedebates e de periódicos impressos de alcance nacional. Os editais so abertos a propostasde intelectuais, pensadores da cultura, artistas, instituições e grupos culturais, pesquisadores,

organizações da sociedade civil e outros agentes, visando à promoço do diálogo sobretemas da agenda contemporânea.O projeto de revistas do Programa Cultura e Pensamento busca oertar gratuitamente

conteúdos de elevada qualidade a um público amplo e diversicado de leitores, através deuma rede de circulaço ormada por 200 pontos de distribuiço em todo território nacional,entre eles instituições culturais, universidades e pontos de cultura. Ao longo dos 24 meseso projeto prevê o lançamento de 20 títulos, cada um com 6 edições bimestrais, totalizandoa circulaço gratuita de 1.200.000 eemplares de revistas com discussões sobre arte ecultura, oriundas de diversos estados do país. A rede abrangerá mais de 200 colaboradoreseditoriais de cinco regiões e 19 estados brasileiros.

A ediço 2009-2010 do Edital de Revistas do PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTOtem patrocínio da Petrobras e é realizada pela Associaço dos Amigos da Casa de Rui

Barbosa.Este projeto oi contemplado pela seleço pública de revistas culturais do programaCULTURA E PENSAMENTO 2009/2010

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LugaresOnde sePassa a

 Vida

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EDITORIAL

Lugares onde se passa a vida

Esta segunda ediço de Babel Poética temcomo tema o local. Em desdobramentoao tema da ediço 1, “Poesia na EraLula”, os poemas oram selecionadosbuscando-se o registro que os poetas

brasileiros azem dos lugares onde nasceram,moram, transitam. Seguindo a proposta demapeamento da poesia nacional, com presençasregionais, há poetas de todo lado, com os maisvariados registros, que vo do urbano ao rural, da

metrópole ao interior, da praia à onteira seca, dacidade à oresta e até mesmo à pura antasia, poisnum dos poemas pode-se ir do Pátio do Colégio àPraça do Árabe de Ouro em Veneza através de umaparede lateral.

A vida urbana das grandes metrópoles brasileirasreetida nessa poesia transparece a tenso damiséria, da droga e do convívio de estranheza como outro, às vezes tratado no a palavras, mas apauladas – assim como o populismo getulista ecoa

na Era Lula, um poeta também avisa: Portinari nomorreu.

Numa metrópole como So Paulo, um morto podepassar horas na via pública. No interior, ele aindaca dentro da casa, aberta como um templo. Ointerior pode ser o cachaprego, mas tambémpode estar ligado via satélite e ser ele mesmo umametáora do próprio eu poético. Se no interior ocorpo se perde na imensido dos espaços, a pontode se sentir saudade do ronco de um motor e de um

pneu opressor sobre o peito, na metrópole ele pareceno encontrar sequer ar, sendo um parasita quehabita uma barriga de um monstro orgânico.

A metrópole é, assim, para um, um monstroorgânico, para outro um zôo – os parasitasdaquele so neste os pastores de ternos curtos,os políticos pederastas, os punks apáticos, vistospor um pipoqueiro que sabe das coisas. Nessaspaisagens desses locais, em meio à desgraça deum alagamento um soá de putas pode deslizar rio

abaio, personagens esquisitos como um Zé Pilintra

ou homens tetra-pak perambulam ou brigam, asorte pode ser lida da mo ao tarô, bastando, paraisso, a iluso.

Mesmo a cidade planicada se transorma emmausoléu e museu. Mas brilha na ace caipira. Umpequeno mugido de esta pode surgir numa históriacosmológica do boi, em meio a Jo Travoltas,sempre dispostos a destrinchá-los em pedacinhos:outro poeta lembra que se está em Fodaleza. O mar

de um nordestino dessa Fodaleza se encontra com omar sulista de um catarinense. No meio, uma avelade Cubato queima como o Inerno de Dante. Outrainesperada avela branca, de europeus pobres, seimiscui do Sul nas paisagens dos poemas, o Trianonse liga com o Capo, a canço do eílio ecoa aprópria terra em que se está, que no é de ninguém.

O eêmero desses lugares é como uma sombra: atémesmo o local da oto da capa já no eiste maistal como oi registrado, pois após a visita da artista

Eliana Borges a Santos, na intervenço que elaez naquele lugar com uma espécie de agulha deacupuntura gigante, em que BABEL a acompanhou,houve uma reorma uniormizante até na cor eaquele local visto e registrado deiou de ser.

Eêmero se combina com ambíguo, enquanto sealterna de berçário para esquie: para a poesia,impregnada da negatividade que a potencializacomo poesia, este país no eiste e no presta aomesmo tempo e no porque ela seja ambígua, mas

porque o próprio país e sua história é que o sopois, como registra um poeta, trata-se de um paísem que os portinaris no morrem, o populismoé persistente, assim como ele no decide, napassagem de 40 anos de um episódio histórico,se ele oi uma “revoluço” (31 de março) ou uma“piada” (1º de abril), realizando banquetes sobreantasmas de montes de ossos de desaparecidos.

Transitando na corda bamba entre o ambíguo e otransitório, so nesses lugares que se passa a

vida.

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Nelon Capuco (PR)

[nasceu e vive em Londrina-PR; poema do livro  HO.MI. NI.MA.LIS, Londrina, Atrito Art Editorial, 2002; mais emhttp://www.londri.com.br/colunas.php?colunista=2] 

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Juliano Garia Peanha (SP)

[nasceu e mora em So Paulo-SP; poema de  Instabilidade

perpétua, Ateliê Editorial, 2009]

CORPO-EM-GHEGADA (BORACEIA)

Para meu primo, Alberto Bonanomi

Eu morava numa catacumba branca que era umhotel de Nova Iorque. Pela janela via passaremesquies velozes, prateados e blindados. A mulher

comigo era um cubo-de-espelhos. Ao alar abricavanévoa e névoa e seu seo era um videotape.Quando a quarta sinusite começou a martelar asminhas têmporas (acompanhada de uma secreçoesverdeada), ugi até um litoral esquecido e rolei naareia de uma praia imensa. Arrastado por ondase correntezas, boiei horas olhando as estrelasnascerem. Ao sair do mar, vigiado por um surstapasmo, o erro de uma abelha inaugurou meu corpo– doravante ele tinha um lugar e uma casa.

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Berimba de Jeu (SP)

(...)

ter razo sem correr riscosentrecortando coresentrosando sonhos quentesentestando pessoas justicando a ase da ototornando a cidadecom suas luzes e sombraspereita às urgências da rua

(...)

pelas ruas,olhares undosriem à toa,me sintocontra todos.no é meu – masa grosso modo,quem tem razo

se vivemos em guerras?

[nasceu e mora em So Paulo-SP; poema do livro Encarna, Annablume, 2008; mais emhtttp://berimbadejesus.blogspot.com]

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Solivan Brugnara (PR)

VILA DIAS

Da inútil na insistência de orirsua or eia e dissonantesua or desperumada.Sempre que vejo quintais abandonadossinto vontade de ser novamenteo menino que via revoada de rainhas vestidasCom asas nupciaisem dias de sol e chuva juntosque enluarava telhadosengrutava porões

paradicava guarda chuvascachoeirizava torneirase savanizava quintais abandonados.Do meu brincar sem nunca individualizarsem nomear, sem especicartodas as ormigas eram ormigas.Assim nada morretudo continua, se um gaanhoto morreno importavaos gaanhotos no morreramoutro igual nascia e o pedaço era reposto.

Meus soldados também eram renitentesmorriam e renasciamcomo gaumba.Só a perca era uma espécie de morrere o achar ressurreiço.Outros quintais abandonadosEm outros lugares so só quintais abandonadosQuintais oníricosSo os quintais de QuedasQuintais com guauma e pico que reencarnam.

É uma avela paranaenseavela branca, de europeus pobrescom um pouco do marrom terra dos caboclos.Lá e em todo o oeste e sudoeste do Paranáa cultura gaúcha encontrou-se com a do caipira.E quando culturas se encontramespera-se choque, diviso ou amálgama.Nas no houve embatenem o gaúcho e o caboclo

mesclaram-se culturalmente

somente desenvolveram uma coeistência únicaO paranaense singularmente adotou como suaduas culturas que continuam distintas e purasdentro deleem uma dualidade to naturalque nem é percebida.Nos velórios da Vila Diaso caio ca dentro das casassala aberta como templo.Reverenciado pela curiosidadeo morto como um santo no oratório

decorado com coroas de alumíniocujas ores cheiram a tintas esmaltadas.Conversas, chimarro, rezas e choroermentam num bolo sonorosalgado com suor.Percebe-se em algunsum certo sentimento de triuno estivoos vivos sentem-se vitoriososperante a morte.No bar, música embriagadae a vizinha assiste à novela

porque na Vila Dias a morte é cotidianae a morte sem os dramasdas mortes dos semideuses da classe mediaa morte é comum, domésticaé parte da vidano causa traumas.Gosto de artemisticar a morteCompará-la a quintais abandonados.Porque vejona briga de galoentre a guauma e o pico

renitência do sempre renascer.

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SOBRE QUEDAS [DO IGUAÇU] E DIGRESSÕES

Os Polacos ao chegaratiaram araucáriasconstruíramcom este lenho puro imaculadosuas casas.Católicos martelavam com vigorporque sabiam que neste lenho puro imaculadono tinha as mos de Jesus.A araucária no tinha o pecado do cedro.Neste tempo

as ruas de Quedas mudavamde plumagens ao anono vero áspero pó vermelhono inverno uma nupcial neblina.Mas dos eslavos e capivaras e pinheiraisda comunidade míticadesta primeira dentiço de madeirarestam apenasalgumas casas apodrecidas.Hoje as ruas so práticas e cinzase prédios matemáticos

eitos de cimento e cálculos.porém emsuas calçadas de heágonos sem melaparecem índiosvendendo balaiossua solido lembra que esta cidadequando vista de um alto ainda pareceuma destas cidades perdidas na mata.No gosto do sabor insosso das linhas retas.Articialidades, no gosto de articialidades.Gosto de Gaudí

que ez o io concreto cometer ecessoscometer luúrias.Já a voluptuosidade de Niemeyeré uma voluptuosidade seca, estilizada.voluptuosidade tem que ter euberância.seus ediícios parecem esterilizados, sem germes.

No cono em lugares que no tenham germeslugares santos so cheios de germesa beleza é sempre cheia de germes.Porém a articialidade no é desumanaa articialidade é algo racionalportanto mais humana que a euberância.A euberância esta sim é algo mais animalmais artística.Os bares de Quedasso os nascedouros das lendas

a cachaça com ervas e lascas de sassaáse um santo daime, um peiote.O Oriá Mário de Andrade descecomo espírito santoa linguagem entra em transepeies tornam-se monstruosose em quantidade milagrosasos tiros so mágicose matam uma onça mitológicae o caçador e o cavalo da anta mortano êtase, na língua do sonhar.

E alguém imita um polacocoro de risos.Das livrariasgosto da livraria de seu Jooheroicamente agarrada ao passadoum carrapato agarrado ao ano de 196.Mesmo o jornal do diase comprado na livraria do seu Joo já sai um jornal cinquentenárioe muito mais sábio que o mesmo jornalcomprado na outra esquina.

Já é um jornalpara ser guardadouma relíquiauma peça de antiquário.

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POEMA AO RIO IGUAÇURio represadodomadopela ineívelposiço marcial do concreto.Rio com hora marcada,espera contido,espera angustiadoa hora de uir elizpor entre

estas vaginas metálicas.Meu riode margens indenidas,e às vezes litigiosas.Iguaçu de pouco peieque lança lambaris aos pescadorescomo quem joga moedasao mendigo da praça.Rio importunadopor projetos,urbanizado

pela pouca poesiadas casas de veraneio.Enquanto pescoà sombra de um outdoor daSevero Materiais de Construço,penso que teu caule passa aqui,mas tua rosa or brancaabre-se em Foz do Iguaçue lembro do dia que levou vilas e pontesinclusive a zona do Chopim-Dois.Foi-se o soá das putas

deslizando rio abaio.Adeus soá das putassentirei saudades.

[nasceu e mora em Quedas do Iguaçu-PR; maishttp://pergaminhosolivan.blogspot.com]

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Mário-André (RJ/Liboa)

o rio é o contorno de uma outra cidade que no é o rioe mesmo s. paulo poderia ter outro nomee ser outra cidadedisarçada nas mesmas ruas

desde a métrica [vascular] dos viadutos

ou o aro retrátil nas luzesdesta priso que se chama espaço:

nenhuma outra vida ou cidade pode se cumprir alémdessa

[no se pode ser jovem em outro lugar]sobra

o caroço-adorno de um semáororelíquia única de única memória

uma mulher nua para cada lugar onde se esteja –

duas cidades sonhando-se mutuamente

quando no estamos dentrotodo ediício almeja leveza de paisagem

BALEIA

 aqui do estômago desta baleiaa cidade é um cardume cintilanteea estátua de drummond tem as costas ao oceano –[as estátuas so para os homens no para o mar] cultivar um peie por dentropara um dia comê-lo esperando uma mulher surgir da preciso da ossada um dia somos elizes em nosso jardim cetáceoe ela caminha suavemente ao meu ladosonhando o domingo mais triste do mundo no subúrbio dolado de lá um dia estamos na meia idade e bebemos porque no háopço e o guindaste no cais estará esmagado como um insetomortodiante das mil alhas na goela das águas o mar está na oto dos homens no no sonho das estátuas

por um animaltodo-eito de tetra-pak

que se devora enquanto se move

esse animal-caligramaque transpassa o alabeto através do corpo

e a imundície da rua através do tempo

usina de merda contraas mil alhas tectônicas do céumesmo a morte az mais sentido quando odemosusina de orça gerando orças contrárias

uma pedra sobre a mesa tem mais alma q umrinoceronte a lograr-se

no ladrilho das placas

ou aindaesse ordinário que vive das coisas compleas:o dia a dia alternando suave

os terrenos baldios a ordem das casas os vagões de trem[nasceu no Rio de Janeiro-RJ e mora em Lisboa, Portugal;mais em http://www.marcioandre.com]

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Marelo Sahea (RJ)

CASAcarro corpo abrigocama igreja umbigonuvem casco estradaquem o que az a sua morada?

barraco ponte mansocova casaco papelopalata ventre celaquem casa quer asa ou janela?

cabana caverna tendaquartel penso azendahotel castelo praçavocê se sente em casa em casa?

concha iglu tocaavela kit ocasemente ovo apa casa se sente em casa com você?

CLEC PÔU FFFFFFDesce a Praça do Perigodobra na Av. So Medonhoe chega na Rua da Tenso

Vai pela Rua Por um Trizdesce a Rua Bala Perdidae vai dar na Praia do Arrasto

Pega a Medroso da Silva

desce a Av. Calculistae dobra na Santa Aiço

Após o Parque Já Erapegue a saída da Rua Perdeudesce a Rua Paranoiasiga pela Rua Aiaiaidesça à direita na Rua Ai de Mime cai na Desconsolaço

Desce na Estaço Corre-Corre

sai no Viaduto Santa Manhae chega no Coraço na Mo

Sobre a Delirantespega a Av. Presidente Imprudentee sai na Av. Vacilo

Do Viaduto do Presuntocorta a Rua Coronel Tô no Céuaté avistar o Minhoco

[nasceu no Rio de Janeiro-RJ; poemas do livro  Nada adizer , [e]/Annablume, 2010; mais empoesilha.blogspot.com]

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Franio Alvim (MG/DF)

BRIGANunca ui com tua caranunca escondieu sou ancome dê tua moquando nos conhecemoste cumprimentei assima mo molehomem cumprimenta duroera um insulto

você devia ter percebidosou lho amíliano quer dizer que seja ricopra no passar ome já domei burropassei dois anos sem rirchorando escondidoeu que sou alegrese teu pai está com câncero meu está com ensemae se você quer saber

papai vai morrer

PIORAAdotou um gatinhoque ia visitar toda a semanano asilode gatinhos velhinhosQuis procurar o dono do cavalocabisbaioncado nas quatro patasque via todo o dia na beirado trilho

quando passava notremUma vez quase desceu de sua salapara alar com o mendigo da praçadono de um cachorromais estropiado do que oadmissívelcujo soimento era o delecachorroe o dela

[nasceu em Araá-MG e mora em Brasília]

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Eduardo Sterzi (RS/SP)

PAÍSIsso

que chamamos “amigos”e às vezes perdemosporque o repuo os carregasempre mais para o undo:para antes das ondas,onde dormem os peies;para depois da memória,onde morrem duas vezes

– isso desaz-sesombra

que a luzdo arol atravessa.

§

Issoque é tábuade solido

a que nosagarramosquando alta ocho e,

náuagos,sonhamos com terra

– isso é quase um país.

Mas esse paísno eiste. Esse país

no presta.31 de março – 1.º de abril 2004

ESTRANGEIRONunca estrangeiro o bastanteSegunda-eira, janeiro, ninguémacorda [porque]Ninguém dorme

Todos esto mortosO drago que os devoroué um drago mudoMímica e ensaios de uga no interrogatório

(nenhuma resposta, nunca, satisatória)

O estrangeiro (nunca o bastante)traz na carne(a sóbagagem)a única lei ineíveldesta cidade:

a lei de um rosto deseito

a marteladas

[nasceu em Porto Alegre-RS e mora em So Paulo-SP;

poemas do livro  Aleijão, Letras, 2009]

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Sérgio Vaz (SP)

mora em Taboo da Serra-SP; poema de Colecionador de Pedras, Global Editora, 200; mais emhttp://www.colecionadordepedras1.blogspot.com/]

MORRO DAS NUVENS (JD. LEME)No coraço das nuvensa pátria se escondeatrás da cortina de madeira.

Mas os homens,das casas simplese almas bravias,mantêm as portas abertase as vidraças limpas

para o deleite do amanhecer.Ferida aberta, a vida –essa nuvem passageiracortada em atias –deia sempre a parte menorpra quem acordaperto do anoitecer.

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Mardônio França (CE)

O POETA DO MAR

para os argonautas de chico buarque 

para glauco leandro e ítalo 

 sou lho do maré o mar que me regeo mar e seus cabelos que tem raízes na lua

sou lho do maré o mar que me impedesuplico sair dessa ilha salgada, sagrada(?)

cercada de criaturas erozes ogueirasredes raios raios que partaque erozmente - ele - a terra - nessa lutadeia meu sangue que corre e que no cai

ou no-estacanessa pedra que carrega a terranessa pedreiranessa lutadessa terraassustadora terraterrível terra e de onde vem

o terraço terra e o terreno

quero o mar quero ver o marna sua total-maresia

sou lho delesou lho das sereiasdos argonautasquero o mar

sou lho do marquero a escola de sagres

quero o barco dos eníciosquero ians e iemanj, as minhas mesquero o maros botesas canoas

sou lho do marpor esses olhos que seguem o meu sangue

o meu maras minhas armaduras do mar que souque estou

e desesperadamente jangadas caravelas barcos

o barco o bardo o todo torto dançantedançar - imitaço das marés

o maro maro ventoo maro mar

quero o mar e no quero traegar tenroestá de estático

quero o movimento do marque é libertaço

me perco no marnos açudesnas cachoeiras

quero ugir para Tit- que lá encontraram o mar

o mar de saturnoo mar dos enamorados

do amor amar amaré do mar de martemar manso e revoltomar

do marque no somos donosque a lua cairá no pranto do marnos ns do tempono dia do amor entre Terra e Mundoe Mar e Lua

enamoradossou lho do mar e quero me salgar,com seus cardumesseus peies estrelas-do-margaivotaso peie-do-mar.camurim - peie - amar.

[mora em Fortaleza-CE; mais em http://www.corsario.art.br]

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Edon Bueno de Camargo (SP)

[nasceu em Santo André-SP e mora em Mauá–SP; maisem http://umalagartadeogo.blogspot.com]

ORGÂNICA a paisagem urbanase amarra ao por do solem cabos elétricos e postesluminárias de ogos ardentesao tomar ares de nave espacial venusiana os os costuram o céuem armações e nervurascomo capilares sanguíneos

que se enredam por toda cidadeonde sangue de elétronstransportam movimento e números as construções buscam a luzcompetem em devorar horizontesdia a dia jardins estéreis da babilôniarecobrem a terra ao innito muralhas sem reboco

babel que nunca terminadevora cimento virado nas calçadasem manhs de domingoome insaciável de pedra e cale lajotas vermelhasque nunca cobrem suas vergonhas a cidade é orgânicamonstro vivo e cada vez mais lentoe somos os parasitasque habitam a sua barriga

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Ylo Barroo Fraga (CE)

ÉTER, HETEROGÊNESES

“Cidade or ou z,”Carlos Emílio C. Lima

Para Cecília Bedê

heterogêneses ainda tijolos ainda matériadessedentando o éterseus cavalos suas tropasas volúpia encarcerada já quase derramano uror entrópico dos gestos é minha cidade

de açúcar e alumínio e do veloz outroacorrentado como a dama da notíciaà solido de um nomeesquecido na entranhasolido de parágraoreptiliana múltiplacomo um pomarum poema é minha cidadenossa cidade nossa andorinhaaquece teu passo e me achaoutra vez que ande com a cidade

acompanha o andor ele crescee caminha é a cidadea órceps

uma cidade e suas têmporas eangues um hiatoe depois uma brecha bêbadainsinua-se para um longe de ces vadiosquasee passa

a se vingarso vinte que aquecem o passoaquece teu passo eu aqueçoo passo na cidade é minha cidade silênciomoído com brio doía no peito uma lágrimaalgazarra dos anjos em debandada urorentrópico dos gestos corpos que no chegam a seormarna minha cidade e suas cidades de corposde pelourinhos que ainda transpirame patíbulos que ainda sangram

e pedaços de cidade ajuntadosnos vestígios de selva invisívele uma beleza que é como o tempoe esvai-se em tintae é minha cidade e no sabese sonha ou acordadareaz o mito de si

[mora em Fortaleza-CE; poema de tris, Editora Corsário,2008; mais em http://www.corsario.art.br/]

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Cláudio Portella (CE/SP)

TODOS CANTAM SUA TERRATAMBÉM VOU CANTAR A MINHA

Sou um homem desesperadoandando à margem do rio Ceará.Sou um homem com Glauber Rocha na cabeçae uma câmera na mo.Andando co à margem de minha terra:Fodaleza.Terra nos olhos da lente.Só lmo planos gerais.

Planos.O hospital de saúde mental Mira y Lopes.Ando pelas ruas e tudo de repente é novo paramim:a Aldeota, a grama, o meu caso de amor,a estaço da estrada de erro Fodaleza-Caucaiaum dia de manh.

Minha terra tem coqueirosonde canta o Vento Aracati.E uma água com gosto de inância.

E um poço.E eu menino.Como posso agora cantar minha terraestando to longe-perto dela.Como posso eu e essa miséria loucadescobrir destruir as ruínas de lar.Citaço: no teremos destruído nadase no destruirmos as ruínas.

UNIVERSALChoveChove, o cheiro da terra molhadaSó o cheiro da terra molhada é universalO cheiro de terra que sinto agora no Nordesteeu o sentiria em PequimNem a chuva é universalSó o cheiro da terra é universalA terra que carrego nas unhasA terra em que se plantando tudo dá

Nem a terra é universalSó o cheiro é universalO poema que carrego nas costasNem ele é universalEscrevo para os meus paresO agricultor ruralque masca umo e bebe pinga no mercadoSó o cheiro da terra molhada é universalNem as lágrimas so universaisSó o cheiro da terra molhadaChove

[nasceu em Fortaleza-CE, mora em So Paulo-SP;poemas de Fodaleza, 2009 e  As vísceras , 2010, EpressoGráca, Fortaleza; contato: [email protected]]

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João Filho (BA)

NOTURNO DO VALE DO CANELA

O corpo agitado da cidade em seuindividualismo heterogêneosob o crepúsculo chuvoso;o uo metálico do trânsito;a idêntica miséria dos passantes e dos pedintes;a hora escura dentro e ora que imperativapendula seu peso vivo;o ângelus ao longe,e algum demônio em sua gravidade patética,no topo do prédio, vigia;

na luz conusa deste tempo semi-líquido,a certeza cruelnada diz, mas muito epressa:a vida empobrece e crispa-se de io,

que agora sopra mais agudoe no seu vir traz a noite completa.Sabe quem a atravessa que a casa,a mo meiga, a ceia, o imperceptível Arcanjo,

que por entre a multido passeia,têm pouca serventia de consolo ou escudo.

To seco e terrestre nesta solido sem Deus,bale e bale contra o próprio muro.Ouve a lógica desesperante do eco

pelos vazios corredores do corpo,que insiste no provisório e no acidental.

Neste viaduto sobre o vale,quando a chuva mais se adensa,aproima-se do parapeito,quando a treva é mais intensa,e o vôo sem asas é quase aceito.O coraço com os seus caminhos aéreosnunca repousa em satisações,quantas vezes queda em negativas indagações.

Com o trânsito a multido escoa,

um co se encolhe num canto ou é uma pessoa?Aceitar o conito contínuo que a vida respira,mesmo quando a luz

dos postes bate nula contra a noite,a chuva, a desesperança.

[nasceu em Bom Jesus da Lapa-BA;mais em http://www.voosempouso.blogspot.com /]

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Fuzzil (SP)

[mora no Capo Redondo-SP;

mais em http://uzzil.blogspot.com/]

TRIANONLonge das ruas de terrasDo Capo conhecidoDos becos e vielasLugar onde vivo

Longe do Parque FernandaLonge do gueto queridoLonge do Parque Santo DiasEis me aqui... Na Paulista

Longe de casa... SóLonge da amada... ÓNo Parque Trianon.

Cercado de árvoresbrisa na aceEnquanto escrevo meus versosOs pedestres passam.

TIRANDO ONDAO Capo é RedondoO Jardim é das RosasIreneMagdalenaFica bem próimo.

O Valo é VelhoSanto é EduardoCampo é Limpo

Salve,So Marcos.

A Vila é das BelezasTrês Estrelas...

Fernanda,ÂngelaeRosana.

No MorroCanta GaloHorizonte é AzulEmbu das ArtesEmbu Guaçu.

Pira... JussaraSanta é Tereza.

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Paulo Francetti (SP)

[nasceu em Mato-SP e mora em Campina-SP; poemade Memória Futura, Ateliê Editorial, 2010; mais em:http://www.unicamp.br/~anchet/]

TRÊS

1.

Na estrada cheia,Em breve, cada um acenderá as luzes –Centenas de estrelas em la,Retas constelações moventes,Cercando a nebulosa da cidadeSob um céu de chuva.

2.

Sobre a neblina, o solEspalha seu calor inútil.

Uma lata de leite, virada com o pé,Mostra a parte de dentro.

Ela quase brilha,Atingida pela luz diusa.

3.

Pela janela,As colinas cobertas de casas.

Na do avô,A noite descia como uma tampa,Apagando as utas e os ces que vagavamNo meio do pomar.A luz aqui vem do cho, quando anoitece,E lança a sombra dos prédiosPara dentro do céu cinza.

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Marelo Ariel (SP)

VILA SOCÓ LIBERTADA

(depois do ogo)no outro dia(sem poesia)as crianças (sub-hordas)procuram no meio do desterrorbotijões de gás para venderum menino indianizadoencontra uma geladeirapintada por Pollockdentro o cadáver de uma grávida

incineradocom a barriga estouradaa mo do etodevorato(por Saturno)atravessa as tripassai para o ora do oraali ao ladoonde o silêncio do meninoé calmo(a quietude neutra avalia o inconsolável)

um jornalista – a cem metros do projetocaminha(a câmera-sombra ocando um canto)atrás deleum rapazque julgaver nos escombrosum Lázaroele corre e ao agarrar um braçoo braço vem junto e ao ser largado no atopor um instante entre o cho

e o espaço é otograadopelo pai de umdos meninos do gásna oto revelada:uma realidadedesocada(sem mortos, vivos ou paisagem)tudo é uma névoa-nada.

[nasceu em Santos-SP e mora em Cubato-SP,mais em www.teatroantasma.blogspot.com;  www.ouopensamentocontinuo.blogspot.com]

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Carlo Felipe Moié (SP)

CONVERSA DE BOTEQUIM

Vá pedir ao seu gerenteque pendure essa despesano cabide ali em ente.Noel Rosa

Encostar a barriga no balcodo boteco antigo : rabo-de-galo, torresmo, pernil,prosa ada, sem perigo.

O pernil tá bom demais,tá coisa na, ô gente boa!Embrulha aí o que sobrou,que eu vou levar pra patroa.

Filar um cigarro, batera ponta na unha encardida.Vai mais uma? Agradecer,obrigado, eu já tô de saída.

No saber se o cara ao ladoé bandido, irmo, algoz: a humanidade que sobrouem cada um de nós.

[nasceu e mora em So Paulo-SP]

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Maro Siar (SP)

INTERIOR VIA SATÉLITE

Começar de dentro, do interior, de onde as coisascomeçam. Onde terminam sua elipse vertiginosa. Ointerior é o m da partida, é o começo da volta. Saircomo quem volta, voltar como quem sai. A cçoviagem.

Estar perto da própria coisa no está longe doetravio. Veja as mos do adolescente, suando io,sem saber virar as páginas de um livro.

O interior é o lugar do etravio, lugar no se ca.Que lugar é um lugar onde no se ca? É o limite, olimite é interior.

Do interior, se vai. Como de pequenas cidades, youknow you have to leave. No se ca, no interior sechega, do interior se vai, aonde se chega, no interiorno se ca. Areia, cabra, pedra, e grito, mas no seca.

O interior se trai. Só realiza, quando se trai. Oeterior das coisas é quando o interior se trai. Porisso, no há eterior puro, poesia pura, aquilo queno se trai.

No há silêncio que no se traia.

No interior, as coisas ressoam ocas. Nada para sever. Aqui só se ouve a coisa oca soar. Um barcoenerrujado soa, devolvido pelo rio, debaio daamoreira.

A cço origem. A cço precisa ser cultivada,memória aparada, mentira amparada,piedosamente. Velha história, morno ludíbrio daliteratura. Interior é a cço, a terra.

O interior é bem real, é a terra, um cho onde cair.Ter onde cair, morto, é motivo de partir.

Interior. Se or pra partir, quero que seja para no

deiá-lo. Interior é onde tudo começa, como ormade no se deiar cair. Quem nunca caiu de umaárvore, precisa de segurança? Quem já se jogou deuma árvore, conhece a dor da queda?

Meu silêncio me trai. Apago os parênteses. O interioré síncope.

Você no reclama, no pede, no aceita, no ca,no arreda o pé. O interior se echa, se oerece.Carrapicho, áspera misericórdia.

[nasceu em Borborema-SP e vive em Campinas-SP;poema publicado na revista Modo de Usar & Co. 1, 200]

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Madô Martin (SP)

RAÍZES

Moro numa cidadecom nove canaisque garças sobrevoam.Nessas veias abertascorre o mar.

Moro numa ilha,que é também um porto,

boiando no Atlântico.

Moro no Sule jamais migro.

Procuro mensagens em garraas,na areia da praia,mas só encontro conchas e maresia.

[mora em Santos-SP;

contato: [email protected]]  

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Jorge Henrique Baso (PA/SP)

TRAZES UMA FLORESTA DENTRO DE TI

Aguardas o encontro colérico das águase inauguras a viagem,a vaga do verbo eleitotrama a sua rota,ecoa na eploso que arrasta o olhar.

O barco transportando terroratravessa o delta esquecido da língua,ventos póstumos escavam o óssilda voz longínqua a murmurar ainda.

Crescem urzes na linguagemque abandonaste,sorves a clorola da palavra tempoe inoculas em ti mesmoo veneno.

Escoaa maré que ajudaste a gerarmas nenhum porto aceita a tua âncora.Inama

o pus que recebeste como dádivana voragem da manh coagulada.

Trazes uma oresta dentro de tia tremer alucinada,plantando estátuas de pânicosobre o charco onde procuras teus ossose o silêncio cumpre o seu eílio.

Abres uma clareira no poema:o abismo.

[nasceu em Belém do Pará-PA e mora em So Paulo-SP;

mais em http://amargemdaletra.blogspot.com/ ]

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Natanael Gome de Alenar (SP)

A PEDRA

Uma criança joga uma pedra,a pedra, lenta, vai encontrando pássaros,agulhas de relâmpago,sons de aviões a jato,gritos agmentados com escuros traços,gritos de alegria com claros entornos,e a pedra vai azendo uma parábola,parando um instante a que um matemático/ísico tire otos,posando para um poeta antes de ser mais uma em meio ao caminho,imaginando que possa atingir o espaço innito antes da curva nal,

a pedra curva o ar com destino ao rio da minha aldeia cubatense,e quando atinge a or da água vai em câmera lenta pelas pétalas dos peies,peies bronzeados, com barrigas de tanquinho de óleo e águas servidas,antes de atingir o leito do rio, a pedra sente o uir das moléculas estrangeiras,o escor dos restos que negaceiam a boca dos predadores,chegando ao undo num cansaço etremo de quem já viveu tudo.

[nasceu e vive em Cubato-SP]

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Elia Andrade Buzzo (SP)

ONDULAÇÕES No entortado da letra orjo a cidade em palavrasmata-borrões. Mancha gráca é a cidade queimprimo ora de cores na noite. No limite negro-azul entre ela e a madrugada, os autos norespeitam os sinais no horizonte. Cada buraco,cada reentrância oscilante – atura no asalto– na qual indiretamente me deito e logo depoissou alçada. Um observador eterno certamenteveria as gorduras das bochechas e dos peitos

tremendo. Sobressai minha caligraa tremida sobrea noite amortecida; ressaltam-se sinais, rugas,sulcos gelatinosos. Na velocidade da luz noturna,o ônibus bóia no espaço, sou parte dessa estruturaque levita. Ele sobe to rápido que minha escritase descompassa, as achadas de metal das lojastornam-se um risco cinza de grate denitivo.Escrevo as cenas que desabrocham na noite, comoas camélias brancas desprendem um aroma docee enérgico. A tentativa de reter essa agrânciaé inepressiva. Na noite quente de primavera,

grilos esperneiam – e a cidade omite os insetosnas verduras. A escurido esca absorve a tintada caneta: papel-chupo. Eiste um momento namadrugada paulistana em que o atrito se desazdas ruas. E as letras escorrem tranqüilas e macias.

[nasceu e mora em So Paulo; poema do livroNotícias do lugar algum - Noticias de ninguna parte,publicado no Méico pela Limón Partido, em 2009;mais em http://caliope.zip.net]

ÔNIBUS ENTALADO

acidente eio no cruzamentona mudança de trajetóriamotorista e cobrador decidem o seo dos anjos

o ônibus no passapor debaio da ponteos passageirosgatos pingados

correm sério risco de vidaeu no me importo(nem se chego ou no)

a mo de niemeyer com o mapa da américa latinalembra meu coraço sangrento

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Carlito Azevedo (RJ)

PARAÍSOFoi quando a luzvoltou e vimoso rosto da jovemque se picava juntoà mureta do Aterro,a camiseta salpicada,a seringa suja.“Nenhum poemaé mais diícil

do que sua época”,você disseem meu ouvidosem que eu soubessese era a ela que sereeria ou se ao livroque passava das mospara o bolsoda jaqueta.Distinguimoslá longe

a Ilha Rasa,calçamosos tênise seguimossem atropelosentido enseada.

INFERNOpovres ameletespovres hospitaulpovres gensV. Villon

Você a reconheceucomo sendo a meninacoreana da Centralde Fotocópias do Catete

aquela comcamiseta salpicadapresilhas uomuretae hipodérmica pendentedo braçoe me abraçou eme olhou com um olharque me atravessavae ia atingiratrás de mim

bem lá na enteno bazar uturo dos diasno meio das bugigangasespelhadas, espalhadasum outro crepúsculo cinzauma outra noite chuvosae sem luzem que veríamoso inerno reetidonos olhos de umvira-lata que cruzava

as pistas do aterrovirado peloseies dos aróis(relâmpagos denenhum céu)dos 44a toda velocidade.

[nasceu e mora no Rio de Janeiro-RJ; poema do livro Monodrama, Letras, 2009; mais em

http://www.letras.com.br/inimigo-rumor.html]

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Luana Vignon (SP)

EU ME APAIxONEI PELA GAROTA DO 01

a garota e seus pezinhos saltitando degrauso cabelo chanele uma enorme bolsa de oncinha a tiracoloela lê Garcia Márquez de pé no ônibuse nunca olha pros outros passageirosnem pros transeuntes do lado de oramas hoje ela olhou pra mimno se sei oi pra mimou pro nal daquele corredor apertadoeu sei que vi seus olhos também apertados

se espremendo debaio das ailas edorentasoi bonito quando o olhar dela esbarrou no meuela e suas putas tristeseu e meus poemas vagabundoso cobrador podia entregar um deles pra elamas noso todos uns sacanas esses cobradoresnada discretosela desce num ponto antes do meue eu só co olhandoacho que eu me apaionei pela garota do 01.

[nasceu em Araçatuba-SP e mora em So Paulo-SP;poema de Seu herói foi embora, Assunción: YiYi Jambo,2010; mais em Fake Souvenir  http://luanavignon.

wordpress.com/ e http://panelinhabooks.blogspot.com/]

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Alexandre Brito (RS)

ZÉ PILINTRA DO CATIMBÓ

o mal-ajambrado pretende azer boa gurapresunçoso nos modos e no vestirno sente constrangimento algum de seus atoscensuráveisdá um trato no visUe sai por aí esbanjando malandrageidade no desmerecepreto quase preto retintoterno branco de briccamisa de cetim vermelho, chapéu

branco também, usadinho em bom estadoe já vai ele de bengalacorrente dourada, anéis nos dedoselegância manemolentelhe cairia bem um dente de ouro no sorrisomas no tem pro gastovai baiar lá no Catimbó da Me Serenaantiga na religiorenega Umbanda, Candomblé, BatuqueCatimbó é tradiçoMe Preta gosta de beber batidinha de coco

pinga com butiá ou purinha mesmoMe Serena é Zé Pilintratem esta no Congá.

[nasceu e mora em Porto Alegre; mais emhttp://aleandre-brito.blogspot.com/]

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Riardo Pedroa Alve (MG/PR)

a cidade sou eu sem parar

para dalton trevisan

as putas do centro las niñas do capo raso trabalhos com os guias para recuperaçoamorosa (mulheres de banheiro, mas tb homens, mulheres de papel, mas tb ces, mastb aves, tb árvores em ormato de vaginas, mas tb meninas em púrpuras espaçonaves)as turbinadas da ecoville trazer a pessoa amada de volta (mas tb gás, e o ogo, e o gozona piscina, mulheres de celoane, de celuloide, monica vitti, mulheres do céu, de celulite,com os cus para o céu) as gatas do campina do siqueira trabalhos para acender a

chama do amor (e sem véu, mulheres novas e velhas, e proessoras, lombas, e lobas elontras, escorregadias, lisas, em eitio de oraço, em ormato de coraço, mulheres demo, à mo, moças sem seno, de atenas, no quarto, sobre o colcho, no chuveiro, pela janela, moças esvoaçantes, eiticeiras, ciganas, escravas) as putanas puritanas do batelamor com ponto de unio (devaneios, mulheres ao meio, ans, ebris, neuróticas, irm,me, pajens e mulheres no mel, mal no bem, sim no no, mulheres ento, rotas, ratas,undas, rasas, anjos sem asas, em casa, mulheres-diário, diabas) as piranhas da águaverde marque uma consulta com os guias (rodando a cabeça, rodando as palavrasna placenta, dançando, mulheres em bando, empilhadas como livros, mulheres dearmário, várias, em todos os planos, mulheres de uga, de umo, madalenas, madeleines,mulheres-memória, muitas santas, todas, mulheres voando) as gostosas do so

brás veja o que a sorte e o uturo lhe reservam (voando peiinhas, sereias na veia, amancheia, mulheres de areia, aquelas, mulheres a beça, bestas, vespas, num cesto, numberço, do avesso) as ordinárias do caiuá você que está só venha ver o que o uturo lhereserva no amor (toda terça, toda seta, a semana toda) as moreninhas do sítio cercado jogos de tarô com as cartas originais da cigana (mulheres eternas, de terno, teóricas, dequatro) as brancas do juvevê consultas com e sem hora marcada (na cama, de bruços)as lhas do boqueiro problemas de impotência? (mulheres no susto, narcisas, precisase imprecisas) as galinhas dadeiras do rebouças o legítimo baralho cigano (únicas, várias,necessárias) as descoladas do jardim social as irms tias e primas do seminário

[nasceu em Governador Valadares-MG e mora em Curitiba-PR]

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Fernando Joé Karl (SC/PR)

O MAR QUE CHOVEUma cambada de peies se inclina: salgam, ascarpas, a undura:o mar chove-se:nenhuma palavra nas molhadas

cerâmicasdomarque

chovemúsicas para cima

[nasceu em Joinville-SC, às margens da Baía daBabitonga, e mora em Curitiba-PR; mais emhttp://nautikkon.blogspot.com/]

PALMEIRAS REAISUm sábado sopra com o vento:curvas do sapatoespelham esquinas.

Minhas palavras em tua mente.

Senti um despenhar de abismos dentro de mim:palmeiras reais ao vento.

Elas crescem com o vento.

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    L   u   c   a

   s    D   u   p    i   n .    P   a    l   a   v   r   a    f   o   r   m   a   p   a    i   s   a   g   e   m ,

    2    0    1    0 .    T   r   a    b   a    l    h   o   r   e   a    l    i   z   a    d   o    d   u   r   a   n   t   e   r   e   s    i    d    ê   n   c    i   a   a   r   t    í   s   t    i   c   a   e   m     T   e   r   r   a   u   n   a .

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Marelo Steil (SC)

DUAS HISTÓRIAS MARINHAS EM TRISSÍLABOS

ouço as ondasespraiaremsua luzna paisagem

ouço as ondasque nos contamno seu ritmoseu quebrar

tanta históriadesses barcose sua lutacontra o mar

teve aquelemarinheiroque no diade resguardo

pôs-se ao marcom sua redesno guardandoo eriado

a senhorame de deusque nas águasse arvora

 quedou-lhetempestadesquis mostrar-lheas verdades

teve o casodo pesqueirocujo nomeera santo

agostinhoprotetordos meninosdos quebrantos

quando o barcopôs-se a piqueno pontaldo arrecie

nome santono deioumarinheirosem sua vida

hora a nadose reuniramlá na praiatodos vivos

e rezaramde joelhosa seu santopadroeiro

[nasceu e vive em Blumenau-SC,no vale do rio Itajaí-Açu; mais em

http://www.poetasnosingular.com.br]

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Valdemir Klamt (SC)

ARQUITETO DOS DIAS“Gosto da palavra crer.Em geral, quando alguém diz ‘sei’,no sabe, mas crê”– Marcel DuchampNa minha cidade todas as pessoas caminham

do lado esquerdo da rua.Todos os sapatos so do mesmo tamanho.As mil aces arquitetadas, construídas em sonho,so o uivo da dor incessante.

Na minha cidade no há respostas.

Os gatos oram banidos dos telhados.

A oraço que minha avó repetia a toda horaNo conteve os pilares de pedra,

De casas com gosto de ontem.

Hoje habito um ritual de maquinariae danço na névoa que há entre os homens.

Umedeço os lábiosna água que os dias trazem nas ores.

Sei que sou eliz.No dia de Nossa Senhora Aparecidaa preeitura inaugurou uma pontesobre um campo de trigo.

[nasceu em Ipor do Oeste-SC, no etremoOeste, e vive em Florianópolis; mais emhttp://www.poetasnosingular.com.br]

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Ademir Aunção (SP)

[nasceu em Araraquara-SP e mora em So Paulo-SP;poema de  A musa chapada, So Paulo, Demônio Negro,2008; mais em http://zonabranca.blog.uol.com.b r/]

AS RUAS ESTãO ESTRANHASESTA NOITE

Pétalas destroçadas tingem a noite de vermelho.Mister Morna se arrasta pelas ruas,os bolsos cheios de câmaras-de-ar uradas,tranqueiras,e cacos de vidro.Peies coloridos saltam sob a luz dos semáoros.Uma Rosa cospe um blues na poça das sarjetas.Um Opala caindo aos pedaços

bate de ente no Monumento aos DesesperadosAnônimos.

O vidro do aquário se estilhaça.Os peies ogem montados em motocicletasenvenenadas.Orelhões suicidas gritam palavras obscenaspara velhinhas tracantes.Mister Morna acende um cigarroe observa a palidez de 50 topmodelsque deslam descalças

na passarela cheia de cacos de vidro.Deus está solto. E dizem que Ele está armado.

PAISAGEM CRIVADA DE BALAS

As rajadas podem ser ouvidas de Pirituba ao Pontal.Escopetas, uzis israelenses e uzis russossangram as bordas da Noite Drogada.“Estamos tornando a paisagem inabitável,no levem a mal,é apenas nosso uo de consciência poética”— pensa Black Ice,o indicador rodopiando os cubos de gelo no copo

de uísque.Punks com sangue de barata e dentes de borrachasentam-se nas muretas da orla marítimapara vaiar o Pôr-do-Sol.Antes da última bala perdida.

Do alto do morro do Pavozinhoum anco-atirador mira e dispara,enquanto é enrabado por um guri pantagruélico.Tiro certeiro.

O sol tomba na boca banguela da Guanabara,tingindo de vermelho o Atlântico.

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    L   u   c   a

   s    D   u   p    i   n .    P   a    l   a   v   r   a    f   o   r   m   a   p   a    i   s   a   g   e   m ,

    2    0    1    0 .    T   r   a    b   a    l    h   o   r   e   a    l    i   z   a    d   o    d   u   r   a   n   t   e   r   e   s    i    d    ê   n   c    i   a   a   r   t    í   s   t    i   c   a   e   m     T   e   r   r   a   u   n   a .

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Antonio Viente Seraphim Pietroforte (SP)

SãO PAULO EM QUATRO CANTOS GROGUES

I

atravessa o inerno a procurar por elapronto pra virar poeta

será que vale a pena?

valese o teor da erva é boa

se o travesseiro delatem recheio de macelado campocomo or aberta

atravessa o oceanono navio imundotrancado no poroera

estranho na cidade grande

no deia pedra sobre pedramacacoeito King Kongqueda

II

está parado em ente ao Elevadona Amaral Gurgel

toma cuidadoo emplasto que segura o sacoo talco no lugar da or

puro Mistraldesceu pelo nariz nervoso

havia um se shop ali ano passado

belezahá um pôster de mulher peladaimensoem cada prédio

dureza

ngir indierença à mendiga sujao pé descalçoa coa duraa curva da cinturano vestido dado

vazio?

por que duas lésbicas precisariamde um pinto de borrachapara completar o trio?

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III

asalto ao meio dia cinzaagresteo centro de So Paulo sob o trópico de Capricórnioa catedral da Séo largo de So Bento e a Liberdade

garganta seca

o homem na multido az o desertoimenso

o olho secoespinho

cigarro de maconha acesono prédio do arquiteto comunista

a alça da mira está em toda parteos uzis e as metralhadoras em aço no Brasil

cover do Zappa no caé Piu-Piu

a namorada sado

IV

Mau visita a Liberdade

o iokai das drogas tem poderes

umaça!surge uma neblina imensa pela madrugada

arinha!neva cocaína na cidade de So Paulo

um oriki para Mau na página do livro!

uma palao poeta gagoanuncia

[nasceu e mora em So Paulo-SP; poema do livro  A musachapada, em co-autoria com Ademir Assunço, EditoraDemônio Negro, 2008]

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Maro Aurélio Cremao (PR/SP)

URBANA

1.uma hora para nunca maisé daqui a pouco ou jamais?

2.a cidade brilhana ace caipira

cintila ilhasde antasia

sorri sereiaao náuago

encantado

em cimentocal areia

3.a pedra na estradaespera o ventopara se ver talhada

o dia assima noite inteira

a rua do silênciocontinua iluminada

4.a noite tecelabirintosno vo de estrelasa cidadeem voanoitece

5.compêndio noturno:o guarda-rouba

sorriso da ladra

o idílio soturnoda luz pastelousca o sol

madrugadaconta pagarestaurante chinês

hora de irrecomeçar pela cama

o dia por ter6.o sol anunciacomeço mde mais um dia

a luz (se) revelaintervalo das trevas

.

meninos meninasratos ratazanas

gárgulasanjos grotescos

povoam esgotosda cidade barroca

8.meninos apanham

detritos no liochaminés elevamglórias a Deus

9.praça guardada

pastorlivro sagradopalavras proanas

cristo mendiga saláriona greve dos bancários

10.os pombos colhemnos bicos cálidosas chagas dos inválidos

os seres eatosequacionam o trajeto inesperadodos vôos rasantes

sobre logradouros e logrados

11.so cidades homensalternadosnos esquies berçários

a noite guardaresquíciosda manh

seria tudo issonosso delírio?

12.no escravizem o soldeiem-no vadiar em nossosrostosenquanto passeamosdespretensiosospelas avenidas desta cidade

poluídaprendam-me se quiseremmas deiem liberto o solpara que no mínimo acaricieas mentes vadias desta cidade semsal

[nasceu em Guaraci-PR e mora em

Campinas-SP]

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Claudio Willer (SP)

Na cidade

1

SEMPRE

Cruzo todas as vias paralelas deste bairro e passopor esquinas atentas. Prossigo em direço ao Sul:é sempre para o Sul, seja para qual direço or.Um simples Santo Amaro, este é o último destinoda vez, mas, ainda assim, sensaço de perda, de

que nunca chegarei a lugar algum ao passar portantos lugares (todos) onde já estive (sempre), noautomóvel que segue vagaroso, quase reverente: oautomóvel é o navio antasma, sou o personagemlendário, e sigo ladeado pelos tripulantes perdidosno tempo. So meus, estes antasmas que meacompanham.Mas o itinerante é belo.E o poema de hoje à tarde, de há pouco, de agora será pereito,

pois navego. Singro.Sempre em direço ao Sul.

(este poema é hermético)

2

HÁ POUCO

O centro velho de So Paulo me apareciabelo. O Largo So Bento, as copas das árvoresconvertendo-se em silhuetas de sombra queavançam sobre a achada europeia do mosteiro àluz de m de tarde.

A Rua Florêncio de Abreu e seus casarõesbanhados em claridade crepuscular, um trechoamiliar, agora dierente, como se repentinamenterevelado.Admirava a sossegada beleza de amplas salas deescritórios em prédios velhos, como se as visse pelaprimeira vez.Há uma doce luminosidade nos lugares de onde sevai partir.A terna beleza das despedidas.O que ca para trás, o que nunca mais será visto,

tinge-se de claridade.Ganha a solenidade das derrotas, um ritmo maispausado que pulsa no que ainda no é morte, aindano passado, apenas iminência suspensa em seuinstante.O quase antasma, por pouco no sombra, queagora energamos melhor, este a um passo dopassado, ainda vivo em seu último relance.Retorno ao largo. A cidade acabou de anoitecer,etapa em sua rota para deiar de eistir.

[nasceu e vive em So Paulo-SP; poema de  Estranhasexperiências e outros poemas, Lamparina, RJ, 2004; maisem http://claudiowiller.wordpress.com/]

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Enzo Potel (SC)

ITAJAÍ-AÇU

Parece que oi ontemque a grande enchentecobriu a cidade de Ilhotaquase que totalmente.

E como se nadativesse acontecidoinúmeras casinhasvoltaram a orescer

às margens do rioItajaí-Açu.

O Ser-Humanono se represa.

A CAMINHO DE CABEÇUDAS

O velho pescador espera de boca abertaque alguém compre

as secas mandíbulas de tubaropenduradas na varanda de sua casa.

FLORIANÓPOLIS

Florianópolis dariaum lme de aroeste!

Daria.

Por enquantoFlorianópolisé só um desertocom uns terminais de ônibus.

SÁBADO EM SãO PAULOPraça da Liberdade:

comida boae baratas.

SALVADOR

Acho que alguns baianos

no sorriram com a minha presençaam de evitar que o localcasse demasiadobranco.

A arrogância é uma massa ita em azeite de dendêentregue pelas mos de abaadas senhorascomo serpentes dentro de um cestonas ruas e nas praias.

Também meus pés

lavados gratuitamente por meninos descalços.Eu no pedi.Eu no vim aqui para passearnesse Mercado Modelo de conusoentre o masoquismo da subserviênciae a alorria da vingança.

Meu Deus... a vingança.O que me resta?Levar para casa o carto postalde um elevador.

[nasceu e mora em Itajaí-SC; poemas do livroCura, editora Nova Letra, Blumenau, 200; mais emhttp://www.pagina3.com.br/coluna/emergencia]

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Wilmar Silva (MG)

cachaprego

opunahlpontalm de parapanema que avança lá para omeiodocerradooscamposmais íbridio apaz aredos rumanm pelso mil invaernos nas árovaresae naslajes mais nvesve elargaas e vastas as hélicess ezauridas de tantoscavlagarvisiavsis a átimos eos pendões que aepnas preás que arrsecem o perumepretode micosugidos que dançam nos cipós de anéis invi zíveis pêsegos quedespendcam a um jaú uns juás e a um jacu na enchorrada uns loboz esuaszebras de ânagulos agateados noquadrantes negros um balaiaourado depêsegos para dardos aendas para ces asóse amintos a esmnos nas latassujas

pelasquinas de opalas que uns corcéis escurecem os rumos pardacentos e mesmoagora com as unhas gsrandes e os pés em nódoas de olhas de bananas que severmtambém para v estir o meu sono do io e abraza o cicio da chuva e meu cio semlontra debaio de pausontais que me protejem das corolas de rosas e coroas devéuntos que vem de longe para os consn contidos a contíguas echas de mosque apazcentam meus cabeloscaídos pela testa e pelos ombros sem escoras

[nasceu em Rio Paranaíba-MG e mora em Belo Horizonte-MG; mais em http://www.cachaprego.blogspot.com/]

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Régi Bonviino (SP)

MORADORESNa ponta do túnel,numa de suas saídaspara a avenida de ediícios altos,onde há um canto,pintado na paredeum detalhe de Retirantes de CandidoPortinari, óleo sobre concretosem lâmpada no teto,os carros transitam sem parar

a me e seu bebê sentadosnuma caia de madeiraao ladoum pescoço demanequim eminino decepado –um volume cinzacinza talvez da tinta da caveira do bebêno colo da me decoraa sala de visitas ao meio-diaum soá, real, verdadeiroum par de caias eito de cadeira

e mesa ao mesmo tempoonde se compartilha monóidode carbono, aqui, um homem vadiose dedica ao óciopassageiros dos carros atirampontas de cigarrona calça jeans e na blusa rosapenduradosnas tábuas soltas de um armáriovaraisa lua cheia no quadro,

outra caveira, no colo do pai?

RASCUNHOPauladas no há palavrasmorto a pauladas no há palavraspara dizer mortoa pauladas

matar a pauladasum mendigo e seus utensíliossacola, cobertor e calçadamorto a pauladas

a lua em quarto minguanteverganuvens ásperas encarneiradasenquanto isso aqueles que

se locupletam com o casosem pistasno há palavrasmorto a pauladas

a corda no pescoço?de manh –poça de sangue –eridas na cabeça

e no rostono há palavrasmorto a pauladasno tem conversa no

[nasceu e mora em So Paulo-SP; poemas de Página órfã,

Martins, 200; mais em: www.sibila.com.br]

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Maro Vaque (RS/SC)

ELEGIA URBANA 3

dos homens que abrem valetasna rua onde sero enterradas

suas próprias carnesno esgoto jamais estancadoaberto pelos braços agora amputados

tudo isso e muito maisa imagem daquelacadeira de rodas

vazia sob a árvore da praça

onde crianças riam nas gangorrasde erro

que mais pareciaum pátio de hospitalou mesmo o inerno

e eu que saí de casade olhos vendadosvi tudo isso e muito mais

[nasceu em Estância Velha-RS e mora em Florianópolis-SC; poema de  Elegias urbanas, Bem-Te-Vi, 2005; mais emhttp://www.poetasnosingular.com.br]

Descontente com todos e descontente comigo, bemgostaria de me resgatare me orgulhar um pouco no silêncio e na solido danoite. (Charles Baudelaire)

caminhei mais duas horas de meudia com o pensamento e olharnaquela cadeira de rodas que

atravessa a rua autômata

esem sangue e sem risono espaldar de erroum boto substituio caminhar de quemum dia sentou no seu estoado

e eu que saí de casade olhos vendadosvi homens tristes nas esquinase mulheres baratas à minha espera

e seios tatuados com ciasde todos os dinheirosdependurados em os elétricosprontos para o choquedos corpos suados

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Reynaldo Damazio (SP)

URBANIDADE

Estas ruas no me dizemnada, sua aetada urbanidade,ou mesmo a soida deserço;no há caminhos que mecruzem ou que conormemuma sintae para discursosde boa aço, do compromissocom a miséria das intenções,ou com o oco dos atos políticos;

sinto uma triste indierença aolabirinto estético, pretensamenteestético, das ruas, porque noreete outra coisa seno odesprezo por qualquer sinal devida, de esta, do trânsito gratuitode interesses, do eercício deuma improvisada cidadania;

ruas mortas para toda estripulia,

inúteis para sensações, sujas demetais pesados, de consciênciadoente e arredias ao mistério detranseuntes sem meta, do comérciosem público-alvo, da prostitutaque cantarola um tango argentino;

o corpo que se dissolve na esquina,a pele que se ressente do asalto, avoz que se cala diante doalto-alante: detalhes que as ruas

engolem e no metabolizam,porque esto planas e bemalinhadas com as lieiras coloridasde reciclagem – sua maior ambiçoé reciclar, voilà, o espírito doandarilho que se entrega a pauladase queimaduras, em puricadoraimolaço: – Por nós!, alguém dirá.

PROJETO PILOTOde olhos no concretoto vasto e certoparece a cidadeprenhe do desacerto

vias pereitas dediálogo duroentre o corpo eseu impuro logos

sábio plano quepetrica espaçosdesplanica acasosmistica casas

io concretoincomunicável e retomolda-se na ânsiade panteo eterno

mausoléu do poderou museu do ser?nada sobra sobas linhas do saber

cidade-casulo cravadaem inorme históriagesta do traço eseus deuses obscenos

morada de gênios

ingênuos, estesmóbiles-embrio nasmalhas do desenho

[nasceu e mora em So Paulo-SP; poemas dos livros  Nuentre nuvens, Ciência do Acidente, 2001, e  Horas perplexas ,Editora 34, 2008]

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Direu Villa (SP/Londre)

BAIRRO DORMITÓRIOViemos dormir algumas horasChegamos com malas de plástico repletas detranqueirasE a cabeça repleta de cervejaZonzos, rimos e trombamosNo se assuste: os perigosos vo de carroPor quatro horas rolaremos nos belichesempilhadosQuartos quentes como ornos, nem há como tomar

banhoUns disarçam na torneira e um pouco d’água nossovacosEnquanto umam seus cigarrosMas isso no é regraNos ônibus nós dormimos de manhE cheiramos mesmo a álcool e suor: os nossossonhosAcertam os cidados nos ombros ou as janelasensebadasOnde a luz baça e preguiçosa da manh nos ere os

olhos de amareloMas temos braços ortes e boas pernasPra juntar a bugiganga que o meganha quer gararE sebo nas canelas.

PRECISA-SE DE COZINHEIRO COM PRÁTICAQue ele, de qualquer orma, aça aqueles ovosestalados,sunny-side up, como os dois olhos de Héliosboiando no óleo,nas ruas do centro velho edendo a urina.No so portas de castelo aquelas paredescom rochas enormes, espessas, onde num cubículoesto os caras trabalhando em algo gorduroso;ou um grupo de senhoras magras e suadas

com o cabelo preso e óculos, cigarro na boca,costurando sentadas em las nas máquinas Singer.É duro azer aquilo, quer dizer,elas parecem absortas num contorno preciso.E a nuvem cinzenta que pairacomo em mesas ensebadas de baralho,é claro, no ajuda.Que o cozinheiro saiba torturar lingüiças na chapacomo os diabinhos azem com as almas perdidasem qualquer Juízo Final de painéis medievais.Sabe sim. Com olhos sorrindo no rosto pespegado

de gotículas de suor, ele vira e diz:Tá um inerno aqui, chea.

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FESTIVAL DAS ESTRELAS,BAIRRO DA LIBERDADE

Os postes de luz, caules vermelhos e esguios,terminam em lâmpadas com o sinuoso desenhoque lembra um brinco-de-princesa;

carrego um casaco e olhamos para o altoquando o vento dá vida a inúmeras tas coloridasem que ouvimos o brilho das estrelas.

CãES JARDIM EUROPApassear a etenso do punhoum co a etenso da orcaum adorno animal à cobiçasenhoras a virilidade sob laço

ávido verde e calçadas lavadaslojas de carro ternos eios escurosóculos escuros e ces resolegando

um desle de dentes de errosorrindo nos portões de amíliasque vendem tudo (mesmo?)

a etenso do punho tem dentese baba de sede sob o sol doente.

[nasceu em So Paulo-SP e mora em Londres, Inglaterra;mais em http://odemonioamarelo.blogspot.com /]

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Poeta de Meia-Tigela (CE)

HISTÓRIA COSMOLÓGICA DO BOI

  Para Rosemberg Cariry

O Boi – quem no viu,No sabe o que é bom.Melhor que bombril,Melhor que bombom.

1. O BOI ORIGINAL

No princípio dos tempos, ArimNo dominava tudo com Seu Mal.Mas logo procurou diundir CaosMatando o Homem Pereito e à Terra s.

Esse malvado amigo de SatDeu m mesmo no Boi Original.Nem gro de açúgar nem pedra de sal,Ninguém restou, adeus linda manh.

Opa, aguardem que o Bem já se revoltaPrometendo estar em breve de voltaDo Boi salvando os restos, o cadáver.

Donde nascero belas Terras outrasE homens bonitos como Jo Travolta,Mulheres maravilhas, Avas Gardners.

2. O BOI DE MITRAS

Coisa que se mistura e epande é Mito.Deu que na Roma Antiga eistiu Mitras,Deus da luz e do sol que sacricaO Boi para que deste surja muita

Coisa que se misture e epanda, mirtos,Flores, brotos, Vida em todo milímetro.Eis que Hades sobe ao mundo com MinistrosE instaura a Dor em dose tripla, aos litros.

Mitras e Hades aro guerra entre sisE há de ser catastróco o conito,Antecipadamente apocalíptico.

Um Touro virá como jamais viPara dar m ao Reino do Sinistro,Assegurando a Paz: com Chie e Cetro.

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3. O BOI-BUMBÁ

Todo o Universo cabe no Nordeste.Se no osse heresia, diria euSer o Nordeste até maior que Deus(Calo, pois temo qu’Este me moleste).

Também aqui o Boi, aquele AncestreAvivou e depois desaleceu.Catirina pediu e o bom MateoO matou e trinchou. Ora, acontece

Que o dono protestou, ez escarcéu(Com razo já que o Vítimo era seu).A poder de orações, cantos e preces,

Bumba!: a carne do Bicho revivesceVirando o que era susto em grande esta.Agora O relembramos sempre em êtase.

4. O BOI MANSINHO

Estava me esquecendo de contar-lhesO caso do Boi-Santo, o Boi MansinhoMandado de presente ao meu PadinhoCiço e cuja presença era de talhe

Tal, que José Lourenço pôs-se a dar-lheAtenço devotada e aos bocadinhosFoi-lhe eneitando os chies, o ocinho,O lombo, os bagos, sem deiar detalhe

Do Zebu descoberto de bentinhos,Mais parecendo um nobre de Versalhes:Tanto que antes que o culto mais se espalhe

Floro Bartolomeu manda cortar-lheO corpo em pedacinhos, nos talhes —Mas Ele encarna em cada bezerrinho...

[nasceu e mora em Fortaleza-CE; mais emhttp://opoetademeiatigela.blogspot.com/]

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Fabiano Calixto (PE/SP)

A CANÇãO DO VENDEDOR DE PIPOCAS

Para Angélica Freitas

em ente aoBanco de La Nación Argentinao vendedor de pipocasda avenida Paulistadesvenda os mistérios do Honda prataque passa lentamente, soberbo(“coisa mais sem gente!”)pensa na noite crônica no organismoda tiazinha de vestido orido (onde

predomina o ruivo)agora assobia e coloca milho na panelaos estouros acordam a minha ome(no El PaísEl presidente apuesta por las políticasa avor de los “más olvidados”y “los que pueden menos” –risco outro ósoro, acendo outro cigarro,outra melodiaustrated incorporated)quando chega o outro, de bicicleta

noticiando o acidente na Rebouças(“oi eio pra caralho, mano!”)logo envelopa a ala, se calaa chuva recomeça sua cantilenapreciso das horas, mas no encontro meu celularuma moça linda (ensopada) páraem ente a mim,balbuciacan you help me remember how to smile?silencio e miro a placa brilhanteque traz o nome do meu amor

– imagino que as canções de Bob Dylaneistam para nos azer suportar diascomo este – acidade se altera, oida dealteridade e acídia(La Contenta Barestá muito muito longe ea noite passadavocê no veio me ver

UMA OUTRA MANHã EM SANTO ANDRÉ

Para Marcos Moraes

sem índice, eu dissea mim mesmo,que esclareçaa delicadeza azedaque elide umasílaba deiandouma ciladasemântica

se porventuraaquele homem-sanduícheno caíssedesmaiado de omesobre a geometria vivado calçado de Sacilottoque outro assédio escrotonos visitarianesta manh de sol libidinoso,enquanto tramam no planalto centraloutro (e outro) assalto?

na abrupta seqüênciade trevasOfant à la gloire de DieuLe triomphe de ma tristesse...– e à esta cidade (provínciacheia de ridículos dedos),um remorsovagabundo – estas mosinclassicáveis (queandam eqüentando

poemas e acácias)

(muitos metros acimados imponentes sacos de lioentre gigantescas janelas azuislimpíssimas e adolescentes consumindococaína e coca-cola, a vertigem:gárgulas, pestes e plumas)

[nasceu em Garanhuns-PE e mora em So Paulo-SP;poemas do livro Sangüínea, Editora 34, 200; mais emhttp://revistamododeusar.blogspot.com /]

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Joa Reiner Terron (MT/SP)

O grande estômagorange

como caminhõesna planície,

gadomugindo

ao matadouro

O sol se aogana mistura de água e plantasdo Pantanal: deliro?

O sol se aogou.Ouro torrando emas

sucurissshhhhhh

E ento,quando ouvirei

de novo

o ronco do motorduma cidade,

um pneu opressorsobre meu

peito?

ESTRELAS MORTASSOB BOTAS DE COWBOY

Sei das malditasalturas acachapadaspor céus imensos

acobertadas pelasestrelas invisíveissempre rugindoseu eterno murmurar

noturno e audívelAinda assim,

me perguntocomo pude teros sapatos atoladosna lama vermelha dos solosdo sul, que engolem tudoe devolvem na orma de camposde soja, polígonos

vistos das

rodovias?Medosulcerososme morderoa onte: (Hugomastiga – a oeste,Mato Grosso)

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CINE PIVA

O correr dos olhos velozes se escondeem vestidos negros, bocas rubroluzentescom cigarros nos cantos.

À meia-noite so abertasas portas do zôo da cidade.

Largos so invadidos por pastores com ternospequenos demais acompanhados por missionáriose-gays prestes a morrer de gestoseagerados e políticos pederastas

encaçapando apáticos punks para suasempapadas e desesperadas noitesde suor áspero.

Numa parede lateral do Pátio do Colégiohá uma passagem para a Praça do Árabede Ouro em Veneza. Nas madrugadas chuvosas,So Marcos estica o pescoço para ora econrma se despistou os estranguladoresenviados por Abraas.

[nasceu em Cuiabá-MT e mora em So Paulo-SP;mais em http://jocareinersterron.wordpress.com /]

Eles o mataram em Aleandria, no Egito.O evangelista retorna entoà sua novela na tevê.

Marylin permanece sorrindo na coluna doElevado, enquanto placas de neon e gotas iluminama noite. Um mendigo a ama.Agora ela está eliz.

A cidade: Vida que Vegeta.O nome da cidade: Boca de Lobo.

A lateral do ônibus mastodôntico projetaanúncios de pesticidas. Vultos velozesnos alambrados suturam os dorsos dos ediícios.Faróis de carros cruzam sinais. Vozesrápidas. O brilho elétrico e mágico da luz.

No sai de cartaz esse lme sem público.

Uma rua inteira de cinemas echados.

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