Baixe o Anais

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Transcript of Baixe o Anais

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    Soter (org.)

    Anais do 24 Congresso Internacional da Sociedade de Teologia

    e Cincias da Religio

    Soter

    Grupos Temticos Edio digital Textos completos

    Soter Paulinas 2011

    ISBN: 978-85-356-2993-4

    Belo Horizonte

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    24 CONGRESSO INTERNACIONAL DA SOTER 2011

    SOTER

    TEMA: RELIGO E EDUCAO PARA A CIDADANIA LOCAL: PUC-Minas, 11 a 14 de Julho de 2011 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

    FICHA CATALOGRFICA

    Elaborada pela Biblioteca da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais Congresso Internacional da Sociedade de Teologia e Cincias da Religio (24.:

    2011: Belo Horizonte, MG) C749r Religio e educao para a cidadania / Sociedade de Teologia e Cincias

    da Religio. So Paulo: Paulinas, 2011. 1892p.

    ISBN 978-85-356-2993-4

    1. Religio. 2. Cidadania. 3. Pluralismo religioso. 4. Tolerncia religiosa. I. Sociedade de Teologia e Cincias da Religio. II. Ttulo.

    CDU: 2:301

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    DIRETORIA DA SOTER

    Dr. Valmor da Silva (Presidente) Dr. Geraldo Luiz De Mori (Vice-Presidente) Dr. Pedro Ribeiro de Oliveira (1 Secretrio) Dr. Anete Roese (2 Secretria) Ms. Manoel Jos de Godoy (Tesoureiro) COMISSO ORGANIZADORA DO 24 CONGRESSO Presidente: Prof. Dr. Geraldo Luiz De Mori (FAJE) Membros: Prof. Dra. Anete Roese (PUC Minas) Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz (PUC Minas) Prof. Dr. Paulo Agostinho Nogueira Baptista (PUC Minas) Prof. Dr. Carlos Frederico Barboza de Souza (PUC Minas) Prof. Dra. urea Marin (FAJE)

    SECRETARIA

    Patrcia Rocha Jamir P. Moreno

    COMISSO CIENTFICA

    Prof. Livre-docente Dr. Afonso Maria Ligorio Soares: Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC SP, SP, Brasil Prof. Diego Irarrazval: Universidad Catolica Silva Henriquez Chile Prof. Dra. Ivoni Richter Reimer: Pontifcia Universidade Catlica de Gois, GO Brasil Prof. Dr. Joo Batista Libanio: Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia - FAJE, MG Brasil Prof. Dr. Luis Carlos Susin: Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUC RS, RS, Brasil Prof. Dr. Marcio Fabri dos Anjos: Centro Universitrio So Camilo, SP - Brasil Prof. Dra. Maria Pilar Aquino: University of San Diego, Department of Theology, EUA Prof. Dr. Paulo Fernando Carneiro de Andrade: Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro PUC RJ, RJ - Brasil Prof. Dr. Steven Engler: Mount Royal University, Calgary, Alberta, Canad

    APOIO

    CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior FAPEMIG - Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais ADVENIAT - Bischofliche Aktion Adveniat MZF Missionzentrale der Fransziskaner

    PATROCNIO

    Editoras Loyola, Paulinas, Paulus, Sinodal, Santurio, Vozes

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    NDICE

    Apresentao............................................................................................................................06

    Grupos Temticos Comunicaes Cientficas ......................................................................08

    GT 1 Protestantismo............................................................................................................09 Coord: Ronaldo Cavalcante ; Adilson Schultz

    GT 2 - Filosofia da Religio..................................................................................................152 Coord: Agnaldo Cuoco Portugal; Flvio Augusto Senra Ribeiro

    GT 3 - Religio e Educao..................................................................................................263 Coord: Afonso Maria Ligorio Soares; Srgio Rogrio Azevedo Junqueira; Rem Klein; Euni-ce Simes Lins Gomes

    GT 4 - Pluralidade religiosa e dilogo.................................................................................611 Coord: Gilbraz de Souza Arago; Roberlei Panasiewicz

    GT 5 - Teologia no Espao Pblico e no Mundo Contemporneo....................................706 Coord: rico Hammes, Joo Decio Passos, Vitor Feller

    GT 6 - Mstica, espiritualidades e educao.......................................................................787 Coord: Ceci Baptista Mariani; Maria Jos Caldeira do Amaral

    GT 7 - Teologia (s) da Libertao (TdL).............................................................................922 Coord: Paulo Agostinho; Benedito Ferraro; Luiza Tomita

    GT 8 - Religio, Ecologia e cidadania planetria.............................................................1102 Coord: Afonso Murad; Pedro Ribeiro de Oliveira

    GT 9 Interculturalidade..................................................................................................1188 Coord: Alain P. Kaly; Selenir C. Gonalves Kronbauer; Marcos Rodrigues da Silva

    GT 10 - Bblia: conflitos de interpretao e novas perspectivas hermenuticas...........1289 Coord: Pedro Lima Vasconcellos

    GT 11 - Religio, Arte e Literatura...................................................................................1386 Coord: Alessandro Rocha; Alex Villas Boas

    GT 12 - Religio e Gnero..................................................................................................1507 Coord: Anete Roese; Sandra Duarte de Souza; Alzira Munhoz

    GT 13 - Desafiosticos religio em tempos tecnolgicos...............................................1666 Coord: Maria Ins Miller; Mrcio Fabri dos Anjos

    GT 14 - Sociedade, laicidade e tolerncia religiosa..........................................................1731 Coord: Marlia De Franceschi Neto Domingos; Luis Tomas Domingos

    GT 15 - Iniciao Cientfica...............................................................................................1825 Coord: Carlos Frederico; Cleusa Andreata; Rodrigo Coppe

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    Apresentao

    O 24 Congresso Anual da SOTER, com o tema Religio e Educao para a Cidadania, ocorreu entre os dias 11 e 14 de julho de 2011, na Pontifcia Universidade Catlica de Mi-nas Gerais (PUC Minas), em Belo Horizonte - MG.

    Prosseguindo as discusses dos congressos anteriores, cuja preocupao tem sido o papel das religies nos distintos aspectos da sociedade brasileira, o 24 Congresso mostrou a rela-o entre Religio, Educao e Cidadania, numa abordagem multidisciplinar, to necess-ria hoje para a teologia e as cincias da religio.

    A Diretoria e a Comisso Organizadora prepararam para 2011 um congresso com Confern-cias, Mesas Redondas e Grupos Temticos, propiciando assim a partilha e a discusso do te-ma central do congresso, bem como das pesquisas que a Teologia, as Cincias da Religio e outras reas Afins tm feito atualmente no Brasil.

    A SOCIEDADE DE TEOLOGIA E CINCIAS DA RELIGIO SOTER (www.soter.org.br) uma associao civil, sem fins lucrativos, fundada em julho de 1985 por um grupo de telogos (as) e cientistas da religio do Brasil. Com sede em Belo Hori-zonte, MG, seus objetivos so: incentivar e apoiar o ensino e a pesquisa no campo da Teo-logia e das Cincias da Religio; divulgar os resultados da pesquisa; promover os servios dos (as) telogos (as) e cientistas da religio s comunidades e organismos no-governamentais na perspectiva da construo da cidadania e da incluso social; facilitar a comunicao e a cooperao entre os (as) scios (as) e defender sua liberdade de pesquisa (cf. Estatuto, Art.3.).

    Concretizando seus objetivos, a SOTER promove congressos, seminrios e encontros de pesquisas; patrocina publicaes e cadastro de Professores (as) e Pesquisadores (as) de Teo-logia e Cincias da Religio e trienalmente organiza sua Assembleia eletiva. A sociedade conta hoje com cerca de 500 scios (as) e permanece aberta a novas adeses, dentro das normas do Estatuto (Art. 5.), acolhendo professores (as) e pesquisadores (as) que atuem academicamente na rea da Teologia e das Cincias da Religio e possuam ao menos o grau acadmico de mestre em sua rea de conhecimento. No ltimo quadrinio, cerca de 100 novos (as) scios (as) foram aceitos na SOTER, mostrando sua vitalidade e capacidade de agregar novos valores.

    Desde sua fundao, h quase 26 anos, a SOTER tem se fortalecido continuamente. Seus Congressos, de periodicidade anual, tm abordado temas relevantes no contexto dos Estu-dos de Teologia e das Cincias da Religio e gerado diversas publicaes importantes, que se encontram inclusive traduzidas fora do Brasil. Os Anais de seus Congressos so publica-dos anualmente e, a partir de 2008, em parceria com as Edies Paulinas, passou-se a publi-car o livro digital (E-Book) com as comunicaes cientficas aprovadas, efetivamente apre-sentadas e escritas segundo as regras dadas pela Comisso Cientfica da SOTER (Cf.: www.ciberteologia.org.br).

    Em 2011 a SOTER prosseguiu com a parceria firmada com a PUC Minas, cujo apoio e cesso da infraestrutura tm sido imprescindveis para ampliar o raio de alcance de seus Congressos. Reconhecida pela sua seriedade acadmica no mbito nacional, a PUC Minas prestigia e hon-ra a SOTER com seu generoso apoio.

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    Depois de ter aprofundado, em 2008, a questo da sustentabilidade, em 2009, a relao en-tre cincia e religio, e, em 2010, o papel das religies na construo da paz mundial, com o congresso de 2011 a SOTER buscou pensar a interface entre Religio, Educao e Cidada-nia. Que as religies tenham uma influncia na formao dos valores ticos de uma socie-dade no h dvidas. Tampouco se ignora o lugar que elas ocupam na educao dos cida-dos e cidads, muitas vezes contribuindo para a formao de uma conscincia crtica e o engajamento na transformao social, outras reforando os interesses dos que detm o po-der.

    O perodo em que nasceu e floresceu a teologia da libertao viu tambm surgir no Brasil um grande movimento educativo, com tericos de grande importncia, como Paulo Freire, e experincias inovadoras na rea da educao, muitas das quais assumidas por grupos de origem eclesial. Com a redemocratizao do pas, boa parte da reflexo sobre a educao como formao para a cidadania foi assumida pelo Estado, que no logrou, porm, assegu-rar uma educao de qualidade para todos (as) numa sociedade cada vez mais caracterizada como sociedade da informao e do conhecimento. A complexificao do campo religioso nacional fez, por outro lado, com que religio e educao se tornassem bens de consumo e objetos de disputa no mercado, retirando em parte s distintas confisses religiosas e eclesi-ais o papel que tiveram na formao da conscincia para o exerccio da cidadania entre os anos 1960-1990. Alm do mais, com a irrupo do pluralismo religioso no Brasil, o ensino religioso nas escolas, previsto na Constituio Brasileira e em vigor em muitos estados da federao, deu origem a muitos debates e conflitos, que merecem o aprofundamento dos (as) estudiosos (as) da religio e da teologia.

    Ao discutir em 2011 a relao entre Religio, Educao e Cidadania, o 24 Congresso Anual da SOTER abordou um tema relevante na atualidade, que interessa no s aos (s) profissio-nais da teologia e das cincias da religio, mas tambm aos (s) educadores (as), filsofos (as), polticos (as), cientistas e a todos (as) os (as) que se preocupam com o papel que a religi-o e a educao tm na formao para a cidadania.

    Os objetivos do 24 Congresso da SOTER foram: 1) Analisar, em perspectiva multidiscipli-nar, o papel da religio e da educao na formao para a cidadania nas sociedades da in-formao e do conhecimento; 2) Investigar os principais desafios que a religio e a educa-o enfrentam hoje na formao de uma conscincia cidad num Estado laico; 3) Refletir, mediante slida argumentao e pesquisa filosfica, teolgica e cientfica, sobre as novas tarefas da religio e da educao numa sociedade plural; 4) Oferecer amplo espao para exposio por meio de Grupos Temticos (GTs) das pesquisas em andamento na rea da Teologia e das Cincias da Religio.

    a realizao deste 4 objetivo que o (a) leitor (a) tem agora a possibilidade de conferir, neste livro digital: os textos integrais das comunicaes cientficas efetivamente apresenta-das nos 15 GTs do Congresso.

    Este documento destina-se a todos (as) os (as) associados (as) da Sociedade de Teologia e Cincias da Religio, mas tambm a todo (a) e qualquer pesquisador (a), professor (a), estu-dante universitrio, e demais interessados no tema proposto.

    Boa pesquisa.

    Geraldo De Mori (FAJE) - Coordenador da Comisso Preparatria do 24 Congresso

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    GRUPOS TEMTICOS GTs

    COMUNICAES

    CIENTFICAS

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    GT 1: Protestantismo

    Coordenadores: Ronaldo Cavalcante Mackenzie, SP; Adilson Schultz PUC/Minas, MG

    Ementa:O universo protestante tem passado por mudanas estruturais e conjunturais de signi-ficativa relevncia. O dinamismo do fenmeno evanglico no Brasil e no mundo exige refle-xes multidisciplinares, forjadas especialmente no campo da Teologia e das Cincias da reli-gio, em constante dilogo com outras reas do saber. Nesse sentido, o GT recolhe perguntas e reflexes sobre o futuro do protestantismo clssico, pentecostal e neopentecostal, entre elas: o papel pblico da teologia, a identidade da teologia evanglica em relao cultura brasilei-ra, o universo multifacetado de teologias protestantes, a questo da confessionalidade em re-lao ao dilogo ecumnico e inter-religioso, os xitos e fracassos das igrejas e teologias pro-testantes na tarefa de articulao da revelao de Deus no mundo.

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    Ps-Evanglicos: um caso de ruptura com a religio na comunidade Noiva do Cordeiro, em Belo Vale, MG1

    Adilson Schultz

    Resumo

    Noiva do Cordeiro uma comunidade rural do interior de Minas Gerais que forjou um modo de vida alternativo e sustentvel, que inclui liderana poltica de mulheres, abolio do casamento civil, e fim da religio. Depois de quase um sculo de sofrimento sob a tu-tela da Igreja Catlica Apostlica Romana, numa histria de maldies e perseguies, e de quatro dcadas de sofrimento sob a tutela da Igreja Evanglica Noiva do Cordeiro, numa histria de extremo ascetismo e pobreza, a comunidade decidiu pelo abandono de toda forma de religio institucionalizada. O resultado um modelo de comunidade for-temente arraigado nos valores da autonomia, da solidariedade e do cuidado mtuo, com sujeitos autnomos e responsveis. Alm de apresentar o caso estudado, o presente texto debate questes pertinentes aos objetivos do GT Protestantismo, quais sejam: o que essa comunidade ps-evanglica diz sobre a totalidade do protestantismo brasileiro? Por que a igreja no conseguiu articular as expectativas da comunidade? Quem so os atores e as atrizes religiosos/as responsveis pela ruptura com o protestantismo? E ainda: que aspec-to teolgico pode sustentar uma vivncia espiritual ps-igreja evanglica? As questes so debatidas no contexto da sociologia e da teologia, especialmente no mbito da eclesi-ologia reformatria, que antev uma sociedade sem igrejas, e no pensamento de Karl Jas-pers e Alain Touraine, com as noes de ser-si-mesmo e sujeito autnomo.

    Palavras-chaves:Noiva do Cordeiro, Modos de vida alternativos, assimetria princpio e forma, sujeito, ser-si-prprio, ps-evanglicos, Karl Jaspers, Alain Touraine.

    Perspectivas iniciais

    Estou sempre atrs de modelos, jeitos, formas e espritos abertos que pensem e articu-

    lem modos alternativos de existncia. Estou atrs da dissidncia como lugar - ou no-lugar -

    para articular e iluminar o comum. O foco a no est no extraordinrio, mas no ordinrio,

    tocado por aquele. A hiptese de trabalho constante que o espetacular ilumina o cotidiano.

    Nesse caso aqui, a dissidncia espiritual, plasmada na comunidade Noiva do Cordeiro,

    pequeno rinco rural encravado no municpio de Belo Vale, Minas Gerais, a 100km de Belo

    Horizonte. Num lento e intrincado processo de rupturas e reconstrues polticas, afetivas,

    religiosas e ideolgicas, essa comunidade rural hoje formada por cerca de 300 pessoas forjou

    um modo alternativo de vida, que inclui liderana poltica de mulheres, abolio do casamen-

    to civil, uso comum de terras e bens, e fim da religio.

    1 Texto apresentado como comunicao no 24o Congresso da SOTER Sociedade de Teologia e Cincias da Religio, no GT Protestantismo, em 12 de julho de 2011, em Belo Horizonte, MG.

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    O rompimento com a religio foi lento. Em 1891, Dona Senhorinha e seu marido Chi-

    co Fernandes so excomungados pela Igreja Catlica Senhorinha tinha tido um filho com

    um homem que no era seu marido, e fora viver com ele, abandonando a casa. J nos anos

    1950, seus descendentes fundam uma igreja evanglica, a Noiva do Cordeiro, que tem regime

    asceta e quietista, e todos se afastam da igreja catlica. J nos anos 1990, a comunidade intei-

    ra decide sair da igreja evanglica, que acaba, e passam a viver deliberadamente sem religio

    (SCHULTZ, p. 153ss).

    Depois de quase um sculo de sofrimento sob a tutela da Igreja Catlica Apostlica

    Romana, numa histria de maldies e perseguies, e de quatro dcadas de sofrimento sob a

    tutela da Igreja Evanglica Noiva do Cordeiro, numa histria de extremo ascetismo e pobreza,

    a comunidade decidiu pelo abandono de toda forma de religio institucionalizada. Temos

    hoje uma histria de 20 anos sem-igreja, ps-evanglico, j-ps catlica, agora ps-religio.

    Nada de cerimnia de enterro, nada batismo de infantes ou de adultos, nada de bno matri-

    monial, nenhum outro sacramento, nada de pastor, nada de padre...

    As tarefas de pesquisa

    O que est sendo forjado na comunidade a partir do rompimento com a religio? As

    percepes depois de um curto perodo de pesquisa: depois de ter pesquisar em jornais, do-

    cumentrios, revistas, e depois de uma visita comunidade, com entrevistas e colhendo depo-

    imentos dos envolvidos, tem-se como resultado um modelo de comunidade fortemente arrai-

    gado nos valores da autonomia, da solidariedade e do cuidado mtuo, com sujeitos autnomos

    e responsveis e sem igreja. Afirmam a f em Deus, inclusive dizendo que veem Deus ao

    levantar, ao Deitar, ao sofrer e ao sorrir, mas no querem mais igreja.

    Se for isso mesmo, o que fazer com quem est fora da comunidade, com as igrejas que

    se foram? Essa o primeiro ponto. A. Pensar o processo de formao da comunidade ps-

    evanglica, ps-catlica, ps-religio uma tarefa e tanto... Nesse caminho, temos que identi-

    ficar o que aconteceu com essas pessoas, o que est acontecendo com elas, por onde andam...

    quase uma exegese sociolgica-eclesiolgica. Vou voltar a esse ponto mais adiante...

    B. Outra tarefa pensar o que essas igrejas que ficaram no antes no tem. A igreja foi

    incompetente na articulao da subjetividade ou o processo subjetivo da comunidade intrin-

    cado demais para nossas igrejas? Onde est a questo? Lembro do pensador Waldo Csar, que

    sempre levantou a hiptese de que o fracasso do protestantismo no Brasil no se deve, em

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    tese, ao protestantismo em si, mas que talvez ainda no tenhamos inventado um modelo-uma

    forma de igreja que d conta de articular a complexidade do imaginrio religioso brasileiro

    (CESAR, 125). E aqui est uma boa hiptese de trabalho teolgico: se as pessoas l vem

    Deus, ento Noiva do Cordeiro um exemplo fechado do quanto nossas igrejas esto longe de

    articular a revelao de Deus no mundo. Pensando em termos mais especficos, o que essa

    comunidade ps-evanglica diz sobre protestantismo brasileiro? Por que a igreja no con-

    seguiu articular as expectativas da comunidade? Os atores e as atrizes responsveis pela rup-

    tura com o protestantismo do razes ligadas ao ascetismo no podia nem conversar com o

    pessoal de fora, dureza de vida fazamos trs jejuns por semana... no podia danar, ver

    TV, ouvir rdio, pobreza o povo passava fome; no tinha trabalho aqui, no podia sair,

    todo mundo fraco pra trabalhar.... Mas isso s a casca: o miolo da questo outro: suspeito

    que essa religio no diz nada para o modo de vida novo que foi sendo forjado em Noiva do

    Cordeiro. A religio separava, dividia, obstaculizava, fazia parte... e a comunidade queria jun-

    tar, somar, facilitar,...

    C. Uma terceira tarefa, muito mais excitante, que teologia se far para essa comuni-

    dade ps-igreja? Que aspecto teolgico pode sustentar uma vivncia espiritual ps-igreja e-

    vanglica? H l hoje uma comunidade extremamente humanista, solidria, partilhadora,

    cuidadora, dedicada vida em comum... Levando em conta que o esprito proftico de todos

    os profetas, incluindo a Jesus, Paulo, Pedro e tantos outros, sempre ficou sem-religio, sem

    igreja, o que dizer teologicamente desse tipo de f? Talvez consigamos falar mover-nos bem

    na Revelao que se manifesta onde quer; talvez na teologia da encarnao, que afirma o lu-

    gar natal de Deus justamente onde menos esperamos... Mas e a eclesiologia? O que vamos

    fazer com a igreja que no mais necessria? Tomemos como assentado que o modelo estatal

    hegemnico j se esgotou e foi abandonado a 100 anos. E o evanglico? Teramos condies

    de dizer que o modelo evanglico de contra-cultura, fundado na assimetria entre princpio e

    forma, entre evangelho e igreja, que jamais se coadunam (WESTHELLE, 92), chegou ao pi-

    ce da contradio em Noiva do Cordeiro?

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    Contra-cultura ou o qu?

    Aqui talvez Lutero e Melanchton ajudariam... Eles ficaram na corda bamba entre um

    rompimento com a eclesiologia romana e o surgimento de um novo modelo2. Formularam o

    modelo da assimetria entre princpio e forma como o ideal: a questo fundamental se aquilo

    que se vive fiel ao evangelho. O que se vive, em tese, no interessa. Interessa se isso espelha

    Cristo. Jamais o Cristo estar em qualquer lugar definitivamente. Jamais pode-se dizer que

    est ausente. Nessa assimetria, a forma de Noiva do Cordeiro j no mais igreja, nem comu-

    nidade o qu?

    Os movimentos de ruptura ao longo da histria de Noiva do cordeiro so tentativas de

    articular criativamente um novo modo de existncia. Mesmo o isolamento de quatro dcadas

    na igreja evanglica, onde o discurso de abandono do mundo est mais evidente, com forte

    ascetismo, j um movimento criativo, no sentido de contestao da sociedade - todo movi-

    mento asceta carrega esse esprito de protesto. No exatamente a forma do movimento

    que define esse esprito de protesto - pode ser uma igreja evanglica, pode ser uma comunida-

    de isolada, pode ser uma mulher que abandona o casamento patriarcal ou o poder do pai, co-

    mo fez Dona Senhorinha a 100 anos, pode ser abandonar a religiosidade convencional. O que

    coloca Noiva do Cordeiro na rota das vozes de protesto o esprito comum de no se con-

    formar com vozes de autoridade que se reivindicam absoluta, e querem ciceronear a pessoa.

    Tomado como movimento, Noiva do cordeiro , na linguagem marxiana, um suspi-

    ro, uma voz de protesto. H uma voz de protesto ou um esprito de dissidncia que liga Dona

    Senhorinha, em 1891, a Dona Delina, em 2010; e obviamente h uma espcie de magma co-

    mum que liga a constituio dos sujeitos autnomos e as experincias de dissidncia ao longo

    da histria da humanidade. As experincias de acolhimento da dissidncia em Noiva do cor-

    deiro, so um bom exemplo disso. Surpreendentemente, o esprito de protesto que contesta a

    ordem social e o status quo anda de braos dados com a constituio de sujeitos autnomos.

    Promover a dissidncia, nesse sentido, promover a constituio de sujeitos autnomos. Puro

    protestantismo.

    2 A eclesiologia de Felipe Melanchton propunha um caminho do meio para a questo do estamento da Igreja, motivo de ciso na igreja ps-reforma: Melanchton negava o estamento divino do papado, mas defendia a aceita-o do estamento temporal iure divino e iure humano. O papa seria o grande centralizador-administrador espi-ritual e poltico da Igreja, excluindo-se apenas a prerrogativa divina da infalibilidade. Questes polticas e eco-nmicas, mais do que teolgicas, terminaram por levar o protestantismo a rejeitar tanto o estamento divino quando temporal do papado. (DREHER, 37-38).

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    Matria vertente: a busca de autonomia

    A reflexo teolgica fica mais rica em conversao com dois tericos da dissidncia e

    da autonomia que eu gosto especialmente o pensador Karl Jaspers, e o pensador Alain Tou-

    raine. Eles do conta, a meu ver, de explicar a questo da primeira tarefa, sobre o que est

    acontecendo com essas pessoas em Noiva do Cordeiro, seu processo de dissidncia e subjeti-

    vao da ruptura com os modelos hegemnicos de religio, famlia, contrato social, etc.

    No fundo, Touraine e Jaspers ajudam a evitar a armadilha de estudar o caso em si, e

    ocupar-se com a matria vertente, aquilo que flui desse fenmeno. Guimares Rosa fala de

    Matria vertente no Grande serto: veredas: o ex-jaguno Riobaldo insiste com seu interlo-

    cutor que esse livro no sobre briga de jagunos ou o serto, mas sobre a matria vertente,

    aquilo que liga a todos ns em busca de liberdade e autonomia, realizao da vida:

    Eu sei que isto que estou dizendo dificultoso, muito entranado. Mas o se-nhor vai avante. Invejo a instruo que o senhor tem. Eu queira decifrar as coisas que so importantes. Eu estou contando no um a vida de sertanejo, seja se for jaguno, mas a matria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da g que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. Da que ele dir que o serto o mundo. (GUIMARES ROSA, 83)

    Essa companhia teoria evita tambm que se faa apologia do princpio, em detrimento

    da forma. A questo est no em isolar a forma e estuda-la, nem em submete-la ao princpio

    evanglico, sempre construdo, mas em identificar o processo de assimetria entre ambos, para

    poder dizer que, talvez, ali se cumpriu o ideal humano, para ver o que flui dali. Em tese, essa

    matria vertente tocada por muita gente. Vou com Touraine e Jaspers, mas poderia ser Fran-

    kl com a palavra responsabilidade e sentido. Poderia ser tambm Paulo Freire, com as pala-

    vras revolta e autonomia. E o prprio Guimares Rosa, com sua insistncia na autonomia e na

    revolta.

    Sujeito em Touraine

    A teoria do sujeito formulada por Alain Touraine ajuda a capturar o movimento em

    curso em Noiva do cordeiro. Touraine apresenta a constituio do sujeito autnomo como

    alternativa diante da escravido do indivduo preso s opes do gueto ou da massa, seja em

    mbito cultural, inclusive eclesial, seja em mbito econmico-social. Segundo Touraine, de

    um lado est a opo da indiferenciao do mercado do desejo, que iguala tudo e todo mundo,

    e nos torna iguais, mimetizando o desejo: devemos pensar as mesmas coisas, desejar as mes-

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    mas coisas, vestir-se do mesmo modo, e at revoltar-se do mesmo modo. De outro lado, a

    opo pelos particularismos de toda ordem, geralmente com reivindicao grupal e identitria,

    o que pode nos isolar na identidade rgida da simples oposio ao mundo. o gueto versus a

    massa. Touraine denominar os dois procedimentos de participao imitativa e enclausu-

    ramento comunitrio (TOURAINE, 73-74).

    Embora as estratgias sejam diferenciadas nas duas alternativas, o fim acaba sendo o

    mesmo isolamento do indivduo, que sem comunicao, embora falsamente em comunidade,

    acaba escravizado. No que ele esteja sozinho, mas est solitrio em qualquer um dos luga-

    res. O gueto e a massa so justamente uma praga porque insistem em no deixar o sujeito so-

    zinho. Ele precisa ser ciceroneado! Em termos religiosos, podemos pensar na cultura religiosa

    hegemnica e o gueto evanglico minoritrio como duas falsas sadas. Teologicamente isso

    tem grandes conseqncias, porque no h sustentao para a eclesiologia clssica do contra-

    cultura, nem para a velha igreja estatizante ou universal.

    A questo colocada por Touraine, ento, como ser possvel parar o duplo movimen-

    to que enclausura a todos ora na globalizao-imitao indiferenciada, ora na privatizao-

    identificao autoritria, ambos isolados e sem comunicao. Para superar essa dualidade en-

    tra em jogo o projeto de vida pessoal, ou a afirmao do sujeito, o desejo de cada um fazer da

    sua vida, e de fazermos de todas as vidas, uma existncia que valha pena, o esforo de indi-

    viduao de quem quer ser o ator ou a atriz de sua vida, o sujeito (TOURAINE, 190).

    Ao invs de escolher entre dois campos, deve-se afirmar a existncia de contradio mais profunda, que ope a afirmao da defesa do sujeito pessoal e de sua liberdade lgica dos sistemas, quer esta lgica seja a do mercado ou a de uma identidade nacional ou cultural. (TOURAINE, 348-349)

    O sujeito est na encruzilhada de princpios gerais e de princpios particulares de conduta.

    (TOURAINE, 204). O sujeito recusa reduzir a organizao social ao mercado e a identidade

    comunidade. (TOURAINE, 100) O sujeito o desejo do indivduo de ser um ator.

    (TOURAINE, 73-74)

    O sujeito no uma alma presente no corpo ou o esprito dos indivduos. Ele a pro-cura, pelo prprio indivduo, das condies que lhe permitem ser o ator da sua prpria histria, (...) reivindicar o seu direito existncia individual. (TOURAINE, 73)

  • 16

    O ser-si-prprio em Jaspers

    A situao descrita e denunciada por Touraine j foi vista em Karl Jaspers em 1939,

    portanto a mais de 70 anos h fortes indcios de relao terica entre os dois, embora Tou-

    raine jamais cite Jaspers! Karl Jaspers aprofunda o drama da autonomia, reduzindo aspectos

    sociais e reivindicatrios da formao do sujeito responsabilidade do indivduo em si. Noiva

    do cordeiro aqui vira um retrato do drama das igrejas em no conseguirem produzir massa de

    sujeitos autnomos. E a teoria de Jaspers vira uma crtica da mediocridade da civilizao.

    Ao falar do que ele chama de situao espiritual do nosso tempo, Jaspers busca des-

    crever o dilema do indivduo que se v realizado e tem como fundamento de sua existncia o

    mundo da tcnica. Falando no contexto europeu do entre-guerras, nomeia a dessacralizao e

    a tecnicizao como marcas do mundo contemporneo que nasce, e que ameaa destruir o ser

    humano em sua pessoalidade.

    Jaspers insiste em dizer que para alm da crise do capital, da crise do trabalho, da crise

    educacional do sujeito ou de qualquer outra crise, para alm de qualquer uma de nossas cri-

    ses prediletas, como diz Ignacy Sachs, mais premente que todas a crise cultural ou espiri-

    tual - no sentido weberiano de Geist = esprito do nosso tempo: Mais premente o problema

    do agonizar da cultura, dir o autor (JASPERS, 310). E aqui estou perseguindo a hiptese

    que anunciei l no comeo, de que aquilo que o pessoal de noiva do cordeiro denuncia como

    motivo para romper com a igreja ascetismo, pobreza, isolamento apenas a casca o mio-

    lo mesmo o agonizar da civilizao.

    Jaspers v os movimentos para superar a crise espiritual do mundo em duas direes:

    uma sada atravs do que ele denomina linguagem apaziguadora, verdadeiro disfarce da

    crise, que opera por tentar inserir o indivduo no mundo tecnicista, produzindo nele o desejo

    da incluso, mimetizado no contexto capitalista. A outra sada atravs da linguagem da

    revolta, o recurso ao micro, que opera por isolar o indivduo no mundo reivindicatrio, pro-

    duzindo a sensao de proteo tribal, a diferenciado pela identidade.

    Obviamente Jaspers denunciar essas duas sadas como falsas, justamente porque, ao

    operar via disfarce, no tocam na questo central da crise, qual seja, a crise do sujeito, que ele

    denominar ser-si-prprio. Nas duas sadas, no o indivduo que aparece, mas o disfarce do

    grupo ou da massa. Os dois caminhos no so verdadeiras sadas, mas imitao da vontade do

    outro!

  • 17

    Jaspers acentuar que a situao espiritual do mundo e sua crise sempre pessoal, e no

    limite dos fracassos de toda e qualquer estrutura imitativa ou compensatria, s o indivduo

    pode responder fundamentalmente a ela. Certamente todos nos encontramos em situaes de

    grupos escolas, famlias, igrejas, filosofias, ideologias, e a prpria sociedade como corpo.

    Mas esses grupos so sempre assumidos como seus pelos indivduos. E a que deve estar a

    sada, no sujeito com sua autonomia, criando o que Jarpers denomina estrutura situacional:

    os indivduos reagem de maneira diferente s vicissitudes da vida. Na medida em que a von-

    tade do indivduo as assume como coisa sua, esta vontade acha-se com ela numa estrutura

    situacional. (JASPERS, 37)

    Portanto, entre abranger a totalidade ou aniquilar-se na particularidade, esses dois fal-

    sos caminhos que absolutizam os plos e operam pela mimetizao da vontade, Jarpers pro-

    pe uma espcie de 3a via, a construo do ser-si-prprio. Entre perder-se na massa, ou revol-

    tar-se contra ela, o sujeito. Para alm da linguagem do disfarce ou a linguagem da revolta,

    trata-se de resistir ao mimetismo contnuo via a construo do ser-si-prprio, a construo do

    sujeito.

    Como formar o ser-si-prprio, um sujeito para alm dos reducionismo da massa ou

    do grupo? Na forma como orientamos as pessoas a lidarem com os processos da vida. Resu-

    midamente, as elucidativas e to plagiadas palavras de Jaspers:

    O ser localiza-se, primeiro, como existncia, em situaes econmicas, soci-ais, polticas. Isso o inevitvel, que acomete a todos igualmente (ou in-conscientemente). A existncia do ser como CONSCINCIA localiza-se, em 2o lugar, no espao do cognoscvel tudo aquilo do que ele pode lanar mo para entender esse mundo. O que o ser se torna, em 3o lugar, depende de quem ele encontra, as possveis crenas que desenvolve, em suma, o que ele faz disso. (JASPERS, 39)

    Ou seja: a meta da igreja no formar gente piedosa e fiel a estaramos no segundo

    estgio -, mas sujeitos, que completam o crculo com a inquietao para a ao. Na constitui-

    o do ser-si-prpiro, lidamos com a existncia de fato, qual todos estamos submetidos, de-

    pois com a lucidez do conhecimento sobre ela, e, finalmente, com a ao sobre ela = a que

    forjado o ser-si-prprio, ou o sujeito, justamente em funo do que fazemos com a situao

    na qual se vive. Em linguagem contempornea, sujeito quem ou o que est envolvido pelo

    mtodo do ver-julgar-agir.

    Segundo Jaspers, h ambientes mais propcios para que se d a construo do sujeito.

    Em termos gerais, um ambiente de Democracia, em todos os mbitos, onde a luta pela liber-

  • 18

    dade seja a marca constante da sociedade. Em termos formais, um estado de Direito e Justia,

    e de garantias jurdicas para ela. E finalmente, um ambiente de educao constante para a au-

    tonomia, em todos os mbitos da vida, mas especialmente na escola formal. A escola tida

    por Jaspers como uma espcie de agncia de combate consciente em prol da formao de su-

    jeitos autnticos. Na viso de Jaspers, a educao o meio de tornar o ser um ser-si-prprio

    na continuidade histrica, para que a memria os grandes sujeitos no morram3.

    Consideraes finais

    Pode ser isso o que est sendo gestado em Noiva do cordeiro: constituio de sujeitos

    autnomos, que geraro um comunidade livre. Nem o isolamento identitrio no gueto, nem a

    indiferenciao de parecer-se com todo mundo. Isto est plasmado na insistncia de que cada

    um tem sua vontade: at teve uma colega que quis casar com vestido de noiva, e casou. No

    aspecto religioso significaria uma terceira via entre a massa catolicizante e o gueto pentecos-

    tal, com a constituio de uma espiritualidade que transcende os dois movimentos. Assim

    tambm pode ser entendido a conjugao de um sistema econmico baseado na partilha da

    terra e na casa comum e, ao mesmo tempo, no salrio individual na cidade. Assim a freqn-

    cia escola convencional e a educao paralela na comunidade, onde as crianas aprendem

    valores opostos ao do mundo e da escola.

    E como associar a experincia de subjetivao individual, baseada no sujeito, com o

    esprito comunal que marca Noiva do cordeiro? Autonomia no gera individualismo? Na lin-

    guagem de Touraine, o sujeito sujeito apenas quando tem liberdade para, e no apenas

    liberdade de. O primeiro est ligado idia de sujeito, e o segundo, idia de indivduo. O

    sujeito um ser para algo, no sentido da ao, da disposio para a vida social, e no para si

    3 Jaspers acrescentar ainda duas outras formas de constituio do ser-si-prprio, para alm do ambiente demo-crtico, do estado de direito, e da educao formal: uma a ddiva de ter perto de si pessoas autnticas, espri-tos nobres e livres, amizades nicas, que nos do lies de como ser-si-prprio. A melhor ddiva que hoje se pode colher a desta proximidade de pessoas autnticas. Elas so a garantia mtua da existncia do ser. (JARSPERS, 297) Sujeito autntico ou ser-si-prprio pode ser aquele amigo ou colega ou familiar entre tantos do qual se guarda especial zelo, com quem se quer sempre estar e conversar. Jaspers dir que pode ser que isso acontea apenas uma vez na vida, ou poucas vezes, mas esse ser-si-prprio iluminar outras existncias para o caminho da autonomia constantemente. A outra forma de trabalhar a constituio do ser-si-proprio a grandeza f em Deus, no sentido do ser-si-prprio ser livre para crer no a divindade ou a divinizao! Para Jaspers, o crente no confia na autoridade da divin-dade em si, mas na sua f. Confiar em Deus a visto como realizao da experincia da verdade do seu impulso como movimento do ser-si-prprio ou seja, a f em Deus se apresenta como uma salvaguarda para afirmar que nunca nos realizamos como ser-si-prprios totalmente, seno que estamos envolvidos numa busca (JASPERS, 304). Eu poderia no crer, mas creio, da que o crer carrega uma marca de autonomia, inclusive de mim mesmo. A f guarda o grmen do desejo constante de realizao e liberdade.

  • 19

    mesmo. como se ao formular a noo de sujeito imediatamente se formulasse a idia de

    viver juntos.

    O sujeito o princpio no-social que constitui a sociedade (...), combinao de uma identidade pessoal e de uma cultura particular com a participao num mundo racionalizado e como afirmao, por este mesmo trabalho, de sua liberdade e sua responsabilidade. (TOURAINE, 25)

    Voltemos questo do modelo de igreja: Noiva do cordeiro prenuncia o fim de um

    tempo de uma determinada configurao religiosa que privilegiou discursos e prticas que

    alinham a tudo e a todos ao status quo, sem brechas para a autonomia e a responsabilidade. E

    prenuncia tambm a crise de um tipo de cultura baseado na mediocridade humana. Faz a crti-

    ca do cristianismo contemporneo: o que temos ainda daquilo que o senso de vida em co-

    mum, da agudeza das necessidades coletivas, do cuidado mutuo dentro das famlias, da edu-

    cao de crianas, homens e mulheres baseada em valores como autonomia, solidariedade e

    responsabilidade?

    No limite dessa questo, o rompimento com a religio em Noiva do cordeiro pode ser

    visto como conseqncia inevitvel do modelo de igreja ou religio em curso. O modelo reli-

    gioso dominante apresentado pelo cristianismo levou a desintegrao e ao desenraizamento,

    fragmentao do ser-humano, das relaes e dos valores. Afastou o ser humano das necessi-

    dades prprias e essenciais do si mesmo e, consequentemente, da noo de cooperao com

    outro.

    Finalmente, o que vem depois da igreja? O pessoal j foi catlico, evanglico, ps-

    evanglico. E agora? Como formular teologicamente? O lugar de Jesus, margem da religio

    sem religio, talvez seja realmente promissor.

  • 20

    BIBLIOGRAFIA

    CESAR, Waldo, SHAULL, Richard. Pentecostalismo e futuro das igrejas crists: promessas e desafios. So Leopoldo, Petrpolis : Sinodal, Vozes, 1999.

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    WESTHELLE, Vitor. Voces de protesta en Amrica Latina. Chicago : Lutheran School of Theology at Chicago/Hispanic Ministry Program, 2000.

  • 21

    O (anti-) ecumenismo da igreja presbiteriana do Brasil. Anlise a partir das

    resolues conciliares

    Agemir de Carvalho Dias

    Resumo:

    Os presbiterianos foram pioneiros com relao aos ideais de unidade e cooperao entre as igrejas em nosso pas e ajudaram a formar as principais instituies de cooperao entre os evanglicos. Desde a dcada de 1950 a Igreja Presbiteriana do Brasil tem se afastado do movimento ecumnico por decises tomadas no Supremo Conclio da Igreja. Atravs do levantamento das decises oficiais da Igreja Presbiteriana do Brasil com relao ao movimento ecumnico, utilizando como base documental s resolues organizadas e publicadas no Digesto Presbiteriano, demonstra-se como o anticatolicismo, a influncia do fundamentalismo e o medo do comunismo levaram a Igreja Presbiteriana do Brasil a uma postura anti-ecumnica.

    Palavras-chave: Ecumenismo; Movimento ecumnico; Protestantismo; Igreja Presbiteriana do Brasil.

    Introduo

    O pensamento oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) formulado nos seus

    Conclios, o mais importante deles o Supremo Conclio (SC/IPB). Baseado nas decises do

    SC/IPB que analisamos as relaes desta Igreja com o movimento ecumnico no Brasil. A

    compilao das decises tomadas pelo Supremo Conclio se encontra no Digesto

    Presbiteriano.

    A Igreja Presbiteriana uma Igreja que se organiza de forma parlamentarista. H

    uma hierarquia de Parlamentos, que so chamados de Conclios. Os Conclios so formados

    por representantes eleitos. O Conclio bsico o da Igreja local, que chamado Conselho e

    formado pelos Presbteros, que so homens eleitos pela Assembleia da Igreja com o objetivo

    de governar a comunidade local. O Conclio logo acima o Presbitrio que formado pelos

    pastores e por representantes eleitos pelas Igrejas locais de uma determinada regio. Do

    Presbitrio so eleitos os representantes ao Snodo que abrange uma regio maior e rene

    diversos Presbitrios. Tambm no Presbitrio que so eleitos os representantes para o

    Conclio Nacional chamado Supremo Conclio, que rene os representantes de todos os

    Presbitrios do Brasil.

    Doutor em Histria, professor da Faculdade Evanglica do Paran (Fepar), e-mail:[email protected]

  • 22

    As Igrejas Presbiterianas so Igrejas Nacionais, no reconhecem nenhuma autoridade

    internacional, contudo a maioria das Igrejas Presbiterianas se renem fraternalmente na

    Aliana Mundial de Igrejas Reformadas (AMIR) que no tem ingerncia sobre nenhuma

    Igreja Federada.

    Quando os Conclios renem-se, as suas deliberaes so executadas pela sua

    respectiva Comisso Executiva (CE) que formada pelos componentes da mesa eleita. No

    caso do Supremo Conclio da IPB a Comisso Executiva (CE/IPB) formada pela mesa e

    pelos presidentes dos Snodos. A Comisso Executiva delibera no interregno das reunies,

    mas no lhe permitida legislar.

    As decises do Digesto Presbiteriano (DP) devem ser lidos da seguinte forma: em

    primeiro lugar escrito o tipo da reunio, no caso se foi reunio da Comisso Executiva o

    smbolo CE, se uma reunio do Supremo Conclio o smbolo utilizado SC , como o

    Conclio maior adotou diversos nomes desde a sua primeira organizao como Presbitrio

    (Pbt), depois como Snodo do Brasil (Sin), Assembleia Geral (A . G. ) e por fim Supremo

    Conclio, as decises no Digesto em alguns casos aparecem com os Smbolos respectivos; em

    segundo lugar vem o ano da reunio; e logo aps vem o nmero da deciso.

    Os Conclios se renem regularmente: a reunio do Presbitrio anual, a do Snodo

    bienal e a do Supremo Conclio quadrienal. Os Conclios podem se reunir

    extraordinariamente, no caso colocado a letra E para demonstrar que a resoluo foi

    tomada em uma reunio convocada extraordinariamente. A Comisso Executiva do Supremo

    Conclio se rene ordinariamente uma vez por ano

    O pensamento oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil formulado pelo seu Supremo

    Conclio, as decises conciliares tornam-se assim o discurso teolgico da igreja, o foco da

    nossa anlise entender como a Igreja que por muito tempo foi a maior promotora da unidade

    no campo evanglico tornou-se posteriormente em um dos agrupamentos mais fechados ao

    dilogo com outras igrejas crists e at com o segmento das igrejas reformadas.

    Decises Conciliares na Fase Unionista (1888 1934)

    Desde o princpio da obra missionria Presbiteriana no Brasil (1859), com a chegada

    do missionrio americano Ashbel Green Simonton, houve um relacionamento de proximidade

    com outros missionrios que demonstravam um esprito cordial de cooperao com os

    diversos segmentos protestantes que comeavam a focar o Brasil como campo missionrio.

  • 23

    Isso ocorreu tanto na participao da Imprensa Evanglica, jornal fundado por Simonton,

    quanto na formao do primeiro Seminrio Presbiteriano.

    Depois de rduo trabalho missionrio de implantao das primeiras igrejas, em 1888

    foi organizado o Snodo Presbiteriano e na sua primeira reunio so realizados os primeiros

    esforos no sentido de formar uma Aliana Evanglica aqui no Brasil(DIGESTO

    PRESBITERIANO, 1950, p. 135) . So listados no Digesto Presbiteriano (1950, p.137)

    diversos congressos de promoo da unidade em que a IPB enviou representantes: Congresso

    Ecumnico de Misses Estrangeiras, em 1910, em Edimburgo; Congresso do Panam em

    1916; Conferncia Regional de Misses no Rio de Janeiro em 1916; autorizou a Comisso

    Executiva a participar do Congresso de Lausanne (F e Ordem), em 1927;. declarou que

    concordava com as Concluses do Congresso de Montevidu (1929) que foi presidido pelo

    Rev. Erasmo Braga .

    O ideal de unidade do cristianismo evanglico fazia parte do pensamento das suas

    principais lideranas e manifestava-se nas decises do Snodo do Brasil e posteriormente da

    Assembleia Geral. O Digesto Presbiteriano resume da seguinte forma o posicionamento da

    IPB nesse perodo:

    Em resposta ao ofcio da World Conference on Faith and order, asseverou : O S.C. solidrio com o movimento de cooperao, e mesmo unio das Igrejas Evanglicas e sempre orar pela converso dos catlicos romanos, gregos e pagos. O S.C. aplaude todo o trabalho de cooperao com as igrejas irms, uma vez que sejam ressalvados os princpios presbiterianos. (DIGESTO PRESBITERIANO, 1950, p. 141)

    Nestas resolues podem ser destacados trs aspectos do pensamento ecumnico da

    IPB nesse primeiro perodo, que vai da formao do Snodo at a formao da Confederao

    Evanglica Brasileira: a. A IPB estava aberta para a cooperao com outras Igrejas

    Evanglicas; b. no descarta a unio com outras igrejas irms (evanglicas); c. considera a

    Igreja Catlica e a Igreja Ortodoxa Grega na mesma categoria dos pagos. Deve-se salientar

    ainda um outro elemento que aparece na deciso de 1932, que a ressalva quanto aos

    princpios presbiterianos, que no corpo da deciso no so mencionados.

    Dentro desse esprito de cooperao a IPB participou da organizao da Federao

    das Igrejas Evanglicas, da Comisso Brasileira de Cooperao e da Confederao Evanglica

    de Educao Religiosa que reunia as Escolas Dominicais das diversas igrejas evanglicas do

    pas.O ideal unionista teve perspectivas de se concretizar com a Igreja Metodista, j que em

    1900 estabeleceu-se um modus vivendi entre as duas igrejas:

  • 24

    Aos 5 de julho de 1900, a comisso Interdenominacional Presbiteriana e Metodista, tratando das questes territoriais e de jurisdio dos respectivos campos evanglicos, aceitou a recomendao que a 10 de novembro de 1899 respeitosamente passara aos ministros evanglicos presbiterianos e metodistas e que consta dos seguintes termos: no lugar onde houver uma congregao ou trabalho regular da Igreja Crist Presbiteriana do Brasil, no devem encetar trabalho evanglico pregadores metodistas; no lugar onde houver congregao, ou trabalho regular da Igreja Metodista do Brasil, no devem encetar trabalho evanglico pregadores Presbiterianos. A mesma comisso, depois de ouvir ler o plano Missionary Comittee no Mxico, como se acha nas atas do Snodo da Igreja Presbiteriana do Brasil reunido em Julho de 1897, tomou as seguintes resolues[...]. (DIGESTO PRESBITERIANO, 1950, p. 141)

    Em 1906 o Snodo Presbiteriano prope Igreja Metodista a possibilidade de uma

    unio orgnica ( Sn, 1906:17 e 18), nomeando uma comisso de cinco membros e solicitando

    que a Igreja Metodista nomeasse uma comisso equivalente. Propostas com teor semelhante

    ocorreu em outra ocasio por iniciativa da Igreja Metodista e da Igreja Episcopal. As

    comisses foram formadas , contudo em momento algum h deliberao quanto ao assunto.

    As aspiraes de unio orgnica com a Igreja Metodista e com a Igreja Episcopal no

    prosperaram. A ressalva dos princpios presbiterianos colocava-se como uma barreira para

    qualquer proposta de unio com as igrejas com forma de governo to distinta da IPB.

    Quanto ao doc. 219 Ecumenismo e Unio Orgnica entre as Igrejas Episcopal, Presbiteriana e Metodista o SC resolve: 1 - receber com satisfao o convite das Igrejas Episcopal e Metodista para que este SC nomeie uma comisso especial para estudar junto, com aquelas igrejas plano de maior aproximao e do estreitamento dos laos fraternais e melhor cooperao entre as trs Igrejas; 2 - Fica a comisso de Relaes Inter-Eclesiasticas incumbida desses estudos.(DIGESTO PRESBITERIANO - 1961-1970, p.177).

    A unio orgnica com a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB) parecia

    ser mais provvel. Quando do cisma de 1903 1, acreditava-se que o mesmo seria temporrio,

    os independentes acreditavam na justia da sua causa e os sinodais viram com tristeza o

    cisma. Mas a intolerncia foi mais forte do que o desejo de unidade entre os dois segmentos

    da f reformada no Brasil. Os anos passaram e as mgoas se arrefeceram, os problemas com

    os missionrios foram parcialmente resolvidos com a adoo do modus operandi, que foi a

    normatizao das relaes da Igreja Presbiteriana do Brasil com as juntas missionrias

    americanas. Tambm a questo manica deixou de ser pretexto com a resoluo em que se

    1 O cisma que originou a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB) teve trs motivos principais: (1) a questo manica; (2)a questo missionria; (3) a questo educacional. Os limites desse trabalho no permitem aprofundar as razes do cisma.

  • 25

    recomendava que pastores e presbteros no se filiassem a Maonaria.2 Em 1920 a Assemblia

    Geral toma a seguinte resoluo:

    O S.C., resolve indicar a Com. De Rel. Ecl. Para se entender com outra que dever ser nomeada pelo Sn. Indep., afim de estudar uma soluo dos problemas relacionados com a diviso de campos das duas Igrejas Irms. Essa Com., poder formular as bases de um plano que vise a Unio Orgnica das duas Igrejas.(DIGESTO PRESBITERIANO, 1950, p. 149)

    Tambm aqui a Unio Orgnica to desejada com os independentes no se efetivou

    apesar das tentativas de aproximao que ocorreram em diversos momentos da histria do

    presbiterianismo no Brasil. O movimento de disperso foi sempre mais forte do que o

    movimento de unio, o cisma de 1903, no seria o nico, mas foi o mais importante.

    Havia certa disposio dentro da IPB no comeo do sculo XX com a ideia de unio

    orgnica com outras igrejas. Em 1912 o Supremo Conclio autorizou a comisso de Relaes

    Eclesisticas a preparar um plano de cordialidade mais ntima com as vrias denominaes

    evanglicas que operam no Brasil. (DIGESTO PRESBITERIANO, 1950, p.140) Mas a ideia

    de unidade orgnica com outras denominaes comea a sofrer resistncia em meados da

    dcada de 1930. Por exemplo,em 1934, o Supremo Conclio julga prematuro qualquer passo

    visando a unio orgnica das Igrejas Evanglicas que militam no Brasil (DIGESTO

    PRESBITERIANO, 1950, p..141.

    A idia de unidade orgnica tinha entre seus defensores o Rev. Erasmo Braga entre

    os sinodais3, e Epaminondas Melo do Amaral entre os independentes. Os dois foram

    grandes promotores dos ideais unionistas na Igreja Evanglica no Brasil. Erasmo Braga

    defendia, em 1929, no encontro da World Alliance of Reformed Churchs, em uma conferncia

    intitulada Union on the foreign field from the viewpoint of the native or Indigenous

    Church, o seguinte:

    Por que continuar a semear suspeitas e a crer-se todo suficiente? Qualquer corpo eclesistico isolacionista s fala em nossa igreja ou nossa misso, como se pudesse encerrar em si todas as riquezas do cristianismo?... A educao de nossas igrejas continua a ser feita em bases sectrias. Cada pea da mquina eclesistica est operando para produzir sectarismo. (BRAGA apud FERREIRA, 1975, p. 141)

    2 A IPIB considera a maonaria incompatvel com a f crist e por isso no aceita maons como membros das suas igrejas. Por sua vez a IPB manteve postura ambgua com relao a essa questo, e o que no se probe, faculta-se. 3 Sinodais eram os membros da IPB, e independentes os membros da IPIB.

  • 26

    O pensamento unionista entendia que a mera busca da unidade j produzia frutos

    que iam desde o mero desarmamento moral, com a excluso de preconceitos, at a unio

    orgnica das igrejas crists. Outros frutos da luta contra o sectarismo seriam o

    enriquecimento na liturgia , na experincia acumulada, nos tesouros da piedade e no

    aproveitamento de recursos.(BRAGA apud FERREIRA, 1975, p. 141) .

    Erasmo Braga viu quo difcil era a luta contra o sectarismo, quando da formao do

    Seminrio Unido. O mesmo tinha sido um projeto gestado na Conferncia do Panam, e na

    Assembleia Geral da IPB de 1917 o assunto foi debatido e a Assembleia Geral apoiou o

    plano de formao de um grande seminrio modelo.(DIGESTO PRESBITERIANO, 1950,

    p. 55)

    A luta contra o sectarismo passava pela formao de pastores com um pensamento de

    unidade. A IPB tinha o seu seminrio denominacional em Campinas, a ideia da unidade teve

    no seminrio de Campinas o espao da resistncia. Erasmo Braga entendia que a unidade das

    igrejas dependia da formao de instituies comuns, o Seminrio Unido, era, nesse sentido,

    algo importantssimo. Em 1918, a Assembleia Geral resolveu a respeito do Seminrio Unido

    que s participaria nas seguintes condies:

    a) De modo algum o S.C. abrir mo de seu patrimnio e de suas

    propriedades em favor deste plano;

    b) O S.C. poder adotar o padro de preparo acadmico de seus

    candidatos nas bases discutidas na conferncia de agosto em So Paulo.

    c) O Seminrio do S.C. no suspender o seu funcionamento sob a atual

    administrao enquanto o S.U. no estiver completamente consolidado;

    d) O S.C. autoriza a Diretoria do seu Seminrio a aceitar a coop. De

    Prof. Do S.U., no interregno, consentindo na instalao provisria do

    S.U. na sede do S.P. (Campinas). (DIGESTO PRESBITERIANO, 1950,

    p.55)

    Jlio Andrade Ferreira notou que o Seminrio Unido era defendido pelos mesmos

    que defendiam uma evangelizao indireta atravs de grandes colgios e que representavam

    os setores mais liberais da IPB.

    Os homens que defenderam o Unido foram os mesmos que atravs dos anos defenderam a evangelizao indireta, atravs de grandes colgios. Convm tocar nesta questo, pois no s tem sido este um cruciante problema de nossa Igreja, como tambm revela uma certa linha da poltica eclesistica. Em 1897 o Snodo

  • 27

    Brasileiro voltou a clebre Moo Smith que pedia aos Boards missionrios a adoo de mtodos diretos de evangelizao, e no a dos grandes colgios. O pensamento dos fundadores do Mackenzie, do Instituto Gammon e de outros colgios evanglicos sempre foi o da formao de elites evanglicas que viessem a influenciar cristmente, a seu tempo, na cultura do pas. (FERREIRA, 1959, p.13)

    O Seminrio Unido fechou no mesmo ano da morte de Erasmo Braga. As relaes

    dentro da IPB tornaram-se amargas por causa do mesmo. Os favorveis ao Seminrio Unido

    (Erasmo Braga, Samuel Gammon, Willian Waddell, lvaro Reis) pretendiam um seminrio

    de alto tipo. O Seminrio Unido era acusado pelos defensores do seminrio de Campinas

    como sendo uma escola noturna. O seminrio demarcou geograficamente os defensores do

    ecumenismo dentro da IPB: Rio de Janeiro formou uma escola erasmiana de pensamento,

    enquanto que em So Paulo temos at hoje os defensores do denominacionalismo .

    Erasmo Braga faleceu em 1932, no viu o surgimento da Confederao Evanglica do

    Brasil, formada em 1934.

    Decises Conciliares na Fase da Confederao Evanglica do Brasil (1938-1964)

    As propostas de unio no prosperaram, mas os ideais da cooperao ainda ficaram

    vivos atravs da Confederao Evanglica do Brasil (CEB). A Confederao era mais

    aceitvel por muitos dentro da IPB, pois no implicava abrir mo do que era peculiar ao

    presbiterianismo. Para os unionistas, a CEB era uma etapa no processo de unio, era

    necessrio criar uma mentalidade prpria que levasse unidade. Mesmo Erasmo Braga estava

    consciente da importncia do tempo e da maturao para que isso ocorresse:

    Por outro lado h os que fazem muito mal unio pela sua promoo apressada. Unionistas entusiastas existem, que gostam de comear pelo fim. Falam logo em intercomunho, em unio orgnica, em adoo de um denominador comum, de fuso de recursos denominacionais, que custaram anos de sacrifcios. Nada mais conseguem seno a recrudescncia do denominacionalismo.(BRAGA apud FERREIRA, 1975, p. 141).

    Erasmo Braga sofreu com o crescimento do denominacionalismo na IPB no caso do

    Seminrio Unido quando a afirmao das peculiaridades superou o apelo da unidade. Mas os

    esforos no foram sem frutos e era impossvel se desconectar do que estava acontecendo no

    mundo. A grande recesso americana afetou tambm as misses e os organismos

    internacionais; muitas das agncias que trabalhavam separadas na busca de racionalidade dos

    recursos, uniram-se. Da mesma forma, apareceram, no cenrio internacional, dois grandes

    perigos para as igrejas: o nazismo e o comunismo.

  • 28

    A formao da Confederao Evanglica do Brasil surgiu da unificao de trs

    instituies que reuniam parcela significativa das Igrejas Evanglicas no Brasil. Em 1934 o

    SC tomou a seguinte resoluo: O S.C. aprova a unificao da C.B.C., Confederao

    Evanglica de Ed. Religiosa e Federao das Igr. Evanglicas do Brasil nomeia trs

    representantes junto s organizaes que estudam a sua unificao. (DIGESTO

    PRESBITERIANO, 1950, p. 136)

    A CEB desenvolveu aes em diversas reas: produo de Literatura para Escola

    Dominical; a elaborao de um hinrio nico para as diversas Igrejas Evanglicas; aes

    sociais diversas e posteriormente abrigou um departamento que se tornou o mais polmico de

    todos que foi o Setor de Responsabilidade Social da Igreja.

    O material didtico utilizado pela IPB na Escola Dominical das suas igrejas era

    produzido pela CEB. As lies da Escola Dominical eram elaboradas pela CEB respeitando

    um pensamento convergente entre as diversas igrejas confederadas, o que nem sempre

    agradava queles que reafirmavam a identidade denominacional. Em 1952, o Snodo

    Meridional que j tinha sido adversrio do Seminrio Unido, consultou a CE/IPB se podia

    elaborar as suas prprias revistas de Escola Dominical. Eis a resposta da CE:

    Quanto ao pedido de informaes do presidente da Casa Editora sobre edio de lies para escolas dominicais, do Snodo Meridional, resolve-se declarar que a medida tomada pelo Supremo Conclio em Presidente Soares implica, principalmente em uma afirmao de apoio Confederao Evanglica do Brasil, apoio que esta Executiva reafirma; contudo, isto no impede que um Conclio inferior tome as providncias que lhe paream indispensveis para a educao religiosa tantos da infncia como dos adultos sob sua jurisdio; no porm aconselhvel que a Editora Presbiteriana o faa pela solidariedade da Igreja Confederao Evanglica do Brasil.(DIGESTO PRESBITERIANO: 1951-1960, p. 19).

    A resoluo foi seguida pelo voto de dissentimento do Rev. Jos Borges do Santos

    Jr., que nesse perodo representava os interesses do denominacionalismo na IPB. Borges foi

    por duas vezes presidente do SC, era um homem culto e grande orador, foi por muitos anos

    pastor da Igreja Presbiteriana Unida de So Paulo e membro do Conselho Nacional de

    Educao. Nos anos finais da sua vida fundou uma capela ecumnica e um Instituto de

    Promoo Ecumnica. Mas, antes disso, ele representou o pensamento da denominao que

    apoiava a aproximao com outras igrejas mas no era favorvel unidade orgnica.

    Graas a Deus a unidade do Corpo de Cristo no depende de unio de igrejas. A unio de igrejas coisa que est sendo planejada pelos homens. Se algum dia se realizar, e poder ser coisa muito boa, ser obra de homens. A unidade do Corpo de Cristo obra da mo onipotente de Deus. No est sujeita contingncia

  • 29

    precarssima e duvidosa da unio de igrejas. fruto da morte de Cristo e da aplicao dos seus benefcios pela obra sobrenatural do Esprito Santo. Quando Cristo pediu ao Pai na orao sacerdotal, - Eu neles e tu em mim para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conhea que me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim- no estava se referindo unidade de fachada, de legenda ou de organizao.(SANTOS JR, 1959, p.45)

    O pensamento de Borges refletia o pensamento da IPB. Para Borges a unio orgnica

    entre igrejas era uma obra de homens e no de Deus. Contudo, essa afirmao pode ser dita ao

    contrrio, ou seja, o denominacionalismo, a desunio, o sectarismo era obra de Deus?. Porm,

    Borges entendia a importncia da cooperao, e essa ocorria, com suas dificuldades, no

    trabalho da CEB; era ali que as Igrejas tinham o seu espao para caminharem em direo

    convergncia. Borges (1959,p.45), nesse mesmo artigo, utilizava como exemplo o trabalho da

    Sociedade Bblica do Brasil como uma forma de cooperao a ser seguida.

    Os fundamentalistas, reunidos em torno de Carl McIntire, produziram uma revoluo

    na caminhada ecumnica no Brasil. O denominacionalismo era forte, e tinha no Seminrio

    Presbiteriano de Campinas os seus mais ferrenhos defensores dentro da IPB, mas foi a visita

    de McIntire ao Brasil que produziu, a nosso ver, um impacto permanente, que concorreu para

    o afastamento da IPB do Movimento Ecumnico Internacional. Assim registra Duncan Reily

    essa situao:

    Na dcada de 40, os fundamentalistas moderados j se consideravam evangelicals. Carl McIntire, lder da ala fundamentalista radical, criou o Conselho Americano de Igrejas (1941) para combater o Conselho Americano de Igrejas de Cristo na Amrica (desde 1950, Conselho Nacional de Igrejas); contra o Conselho Mundial de Igrejas (1948), organizou seu Conselho Internacional de Igrejas Crists.Vindo ao Brasil em 1949, McIntire atacou severamente o conselho Mundial de Igrejas. Embora Samuel Rizzo tivesse assistido Assemblia do Conselho Mundial em Amsterd (1948) como representante da Igreja Presbiteriana do Brasil, em maio de 1949 o supremo conclio negou qualquer filiao ao Conselho Mundial. Pela postura conservadora da igreja, e para evitar cisma (pois Israel Gueiros, do Recife, procurava levar a igreja presbiteriana a filiar-se ao Conselho Internacional) ela optou pela eqidistncia entre o CMI e o CIIC.(REILY, 1984, p.244).

    Essa deciso da IPB, pela equidistncia dos Conclios Internacionais, restringiu a sua

    participao ecumnica, ficando a mesma, filiada apenas a Aliana Reformada Mundial e a

    Confederao Evanglica do Brasil. certo, tambm, que a IPB atravs de seus Presbitrios

    ou de igrejas locais, em diversas partes do pas participou de aes de cooperao entre as

    igrejas evanglicas, principalmente na formao de hospitais evanglicos ou de associaes

    beneficentes. Os ideais ecumnicos cada vez mais aconteceram em mbito local.

    Em 1953, foi transferido para o Brasil o missionrio americano Richard Shaull que

    tinha sido missionrio da Igreja Presbiteriana na Colmbia. Shaull substituiu o Rev. Dr.

  • 30

    Philipp Landes no seminrio de Campinas. Shaull teve uma importncia significativa na

    formao de uma gerao comprometida com o movimento ecumnico no Brasil e no mundo.

    O futuro telogo da revoluo, e professor de ecumenismo em Princeton, iniciou no Brasil o

    dilogo com os marxistas e com os catlicos romanos. Assim se manifestou o Supremo

    Conclio, sobre sua chegada no Brasil:

    Quanto jubilao do Rev. Felipe Landes, membro da Misso do Brasil Central, e sua substituio pelo Rev. prof. Richard Shaull, o SC resolve: 1) Tomar conhecimento de que a Diretoria do STPC, a Congregao da referida instituio e a CE-SC/IPB julgam o Rev. prof. Richard Shaull persona grata e capaz de substituir o Rev. prof. Felipe Landes no Seminrio; 2) agradecer CBM os inestimveis servios prestados ao STPC pelo Rev. Felipe Landes durante os anos que colaborou com a IPB na preparao de ministros para a Causa de Cristo; 3) ratificar a nomeao do Rev. prof. Richard Shaull, como professor do STPC. ((DIGESTO PRESBITERIANO: 1951-1960, p. 36)..

    A histria do ecumenismo ganhou um novo captulo com a vinda de Shaull para o

    Seminrio Presbiteriano de Campinas, o seu pioneirismo e o seu carisma influenciaram uma

    gerao de pensadores brasileiros. Rubem Alves escreve a respeito de Shaull quando da sua

    morte em 2002, o seguinte testemunho:

    Cerca de dez anos antes do Conclio Vaticano II ele j sonhava com o ecumenismo. Ecumenismo: essa palavra era maldita tanto para os protestantes quanto catlicos. Para os catlicos, donos da verdade, maldita porque os protestantes eram apstatas. Para os protestantes, donos da verdade, maldita porque os catlicos eram idlatras. Inimigos irreconciliveis, como poderiam catlicos e protestantes se assentar para partilhar de uma f comum e do mesmo ritual eucarstico? Para o Shaull, andando na direo contrria como convm a um profeta, resolveu transgredir o proibido: organizou encontros secretos com os dominicanos de So Paulo e nos convidou, um pequeno grupo de seminaristas, a participar da conspirao. Sabamos que se a conspirao fosse descoberta a punio seria certa: seramos expulsos do seminrio. E assim, com uma mistura de medo e de alegria, l amos ns com o Shaull, para uma experincia com que jamais havamos sonhado. Foi bom descobrir que os catlicos eram pessoas inteligentes, amantes da Bblia, fraternos... At ento no saamos disso! No conheo ningum que em to curto espao de tempo tenha semeado tanto.(ALVES, 2002, p.34)

    O contexto internacional era o da Guerra Fria. Nos pases do Terceiro Mundo

    estouravam diversos movimentos revolucionrios, e nos Estados Unidos iniciou-se um

    movimento de perseguio aos comunistas pelo Senador Joseph Mcarthy. Os fundamentalistas

    reunidos em torno de Carl McIntire apoiavam o macarthismo, e faziam violenta propaganda

    contra o CMI. O CMI na conferncia de Evanston declarou que Jesus Cristo a esperana do

    mundo, e comeou a se preocupar com a situao dos povos no Terceiro Mundo, diante de

    um mundo dividido. Como j dissemos, o tema responsabilidade social comeou a ser

    discutido.

  • 31

    Shaull (1985, p.183) escreveu uma reflexo sobre a sua passagem no Brasil

    intitulada: Entre Jesus e Marx: reflexes sobre os anos que passei no Brasil. . O prprio

    ttulo elucidativo do drama vivido pelos seus seguidores. As idias de responsabilidade

    social foram consideradas como infiltrao comunista no seio da Igreja. Diversas consultas da

    dcada de 50 e 60 subiram dos presbitrios ao Supremo Conclio pedindo orientao de

    como deviam proceder quando tivessem pastores com idias comunistas nos seus quadros:

    Em referncia atitude crist quanto ao comunismo, persistimos em pregar a realidade do

    poder transformador do evangelho de Cristo, crendo que o comunismo uma filosofia de vida

    contrria ao esprito e doutrina evanglica.(DIGESTO PRESBITERIANO: 1951-1960, p.

    78).

    Shaull participou ativamente da reunio do CMI em Evanston nos EUA, e em 1955

    participou da criao da Comisso de Igreja e Sociedade, que teve o seu primeiro encontro

    em novembro desse mesmo ano com o tema: A responsabilidade social da Igreja. Voltamos

    a lembrar que a Comisso resolveu se incorporar a CEB com o nome de Setor de

    Responsabilidade Social da Igreja, que promoveu mais trs encontros. Waldo Cesar assim

    descreve a ao do Setor de Responsabilidade Social da igreja:

    As propostas do S.R.S.I., levadas adiante apesar dos contratempos, no condiziam com a teoria e a prtica ecumnica da CEB. Mas a discusso do seu projeto, envolvendo um compromisso ativo com a justia social, levavam a um confronto da f com as estruturas polticas, econmicas e sociais e pressupunham um testemunho mais unido das igrejas participantes. Um debate desta natureza renovou a velha discusso sobre a nfase espiritualista ou a luta pela justia social. E medida que o Setor aprofunda os seus estudos que se traduzem em vrias formas de ao a tenso e as contradies aumentam. A evoluo da temtica que marca as quatro consultas nacionais realizadas, termina com a Conferncia do Nordeste (1962), cujo tema central Cristo e o processo revolucionrio brasileiro, deu manchete nos jornais de Recife e uma nova crise na CEB. (CESAR, S/D, p.8)

    Aqui o momento de detalharmos que os organizadores da Conferncia do Nordeste

    eram na sua maioria ligados a IPB, quase todos posteriormente foram perseguidos pela Igreja

    ou pelo Estado brasileiro como sendo comunistas ou subversivos. Mas no foi o nico

    incidente relacionado questo do comunismo. A IPB por ocasio do seu centenrio

    hospedou a reunio da Aliana Mundial de Igrejas Reformadas. A AMIR em 1957 responde

    positivamente a IPB para realizar a sua reunio no Brasil.

    O encontro da AMIR aconteceu de 25 de julho a 6 de agosto de 1959 e foi marcado

    por um incidente que exigiu a resposta da CE-SC, relativo a dois artigos escritos no jornal

    Correio da Manh a respeito da presena de comunistas no centenrio da Igreja Presbiteriana

  • 32

    do Brasil. O incidente se deu por causa do Prof. Jos Hromadka, representante da Igreja

    Reformada da Tcheco-Eslovquia e professor da Universidade de Praga, que defendia a

    possibilidade de ser cristo em um regime socialista.

    A acusao de promotora do comunismo pelo Correio da Manh somada presena

    incmoda de Richard Shaull, influenciando uma nova gerao de pastores, assim como as

    temticas estudadas pelo Setor de Responsabilidade Social da CEB, tudo fez com que a

    reao dos setores conservadores fossem exacerbadas. Antes do golpe de 1964, a Igreja j

    comeava, assim a fazer seus expurgos. Rubem Alves relata o que ocorreu na CEB:

    Os defensores das novas ideias foram impiedosamente denunciados como modernistas, hereges, adeptos do Evangelho Social, ecumnico-romanistas. O Setor de Responsabilidade Social da igreja, da Confederao Evanglica, foi dissolvido e seus diretores despedidos, imediatamente aps o movimento militar de 1964. Depois desta passou a pairar, sobre os dissidentes a possibilidade de serem tambm acusados de subversivos, pela prpria igreja, o que de fato ocorreu.( ALVES, 1982, p. 168)

    Contudo, os esforos no sentido de colocar a responsabilidade social da Igreja no

    centro da discusso produziram os seus frutos. Em 1962 o SC/IPB aprovou a sua Doutrina

    Social. No documento, alguns dos pontos defendidos pelos setores progressistas da Igreja

    foram contemplados.

    [...]V - Todas as formas de opresso religiosa, poltica ou econmica, todas a formas de discriminao racial e social, todas as restries liberdade de pensamento e de expresso, so igualmente odiosas e contrrias f crist...As Igrejas Presbiterianas do Brasil, compete, portanto: 1) Dar, pelo plpito e por todos os meios de doutrinao, expresso do Evangelho total de redeno do indivduo e da ordem social.2) Incentivar seus membros a assumirem uma cidadania responsvel, como testemunhas de Cristo, nos Sindicatos, nos Partidos Polticos, nos Diretrios Acadmicos, nas Fbricas, nos Escritrios, nas Ctedras, nas Eleies e nos Corpos Administrativos, Legislativos e Judicirios do Pas.3) Clamar contra a injustia, a opresso e a corrupo, e tomar a iniciativa de esforos para aliviar os sofrimentos dos infelicitados, por uma ordem social inqua; colaborando tambm com aqueles que, movidos peito a dignidade do homem, busquem por esprito de temor a Deus e respeito a dignidade do homem, busquem esses mesmos fins, assim como aceitando sua colaborao[...] (DIGESTO PRESBITERIANO: 1961-1970, p. 65).

    Decises Conciliares No Perodo da Ditadura Militar (1964-1982)

    Durante a vigncia da ditadura militar, iniciada com o golpe de 1964, a IPB foi

    colocada em uma trajetria de afastamento dos problemas sociais e do movimento ecumnico.

    Esse afastamento deu-se na contramo do movimento ecumnico internacional, que se

    aproximou do Leste Europeu com a entrada das Igrejas Ortodoxas como membros do CMI; da

  • 33

    aproximao com a Igreja Catlica Romana aps o Conclio Vaticano II; da luta contra o

    racismo; da educao popular eleita como prioridade das Igrejas pelo CMI; do movimento

    feminista que lutava por maiores direitos s mulheres e posteriormente as questes referentes

    ao meio ambiente .

    Em 1966, em Fortaleza, Boanerges Ribeiro foi eleito Presidente do Supremo

    Conclio. Sua eleio representou a hegemonia dos conservadores na direo da Igreja. Foi

    reeleito por mais dois mandatos e sua gesto foi marcada pelo contnuo afastamento da IPB

    do movimento ecumnico e pelo apoio incondicional da Igreja ao governo militar.

    Duncan Reily transcreve um artigo publicado no Brasil Presbiteriano

    15/07/1966, de autoria de Benedito Alves da Silva, o que representava a encruzilhada em que

    estava a IPB no SC de Fortaleza.

    A Igreja Presbiteriana do Brasil est na encruzilhada. O caminho bifurca-se em Fortaleza, Cear. O caminho da esquerda o evangelho social, que diz ser a igreja responsvel pela misria de que sofre grande parte da humanidade, e que devemos dar assistncia social ao mundo, para converso dos pecadores. Esse caminho, o da esquerda, est facilitando a licenciosidade teolgica. o caminho da confuso doutrinria, da inverso dos valores espirituais, da corrupo eclesistica, do sincretismo religioso universal, ao qual do nome falso de ecumenismo. o caminho perigoso do negativismo bblico. O outro caminho do evangelho de Cristo, dos apstolos, de Lutero e Calvino, da assemblia de Westminster... da igreja presbiteriana do Brasil desde 1859 at agora evangelho que prega assistncia social ou boas obras como consequncia da salvao, e no como causa da converso...Na encruzilhada de Fortaleza os legtimos e fiis representantes da Igreja Presbiteriana do Brasil, parte dos 7000 que no dobraram os joelhos a Baal, precisam estar cheios de poder e da graa de Deus cheios do Esprito Santo, revestidos de humildade e divina coragem, a fim de resistirem s tentaes da grandeza ofuscante do sincretismo programado pela igreja romana e o Conselho Mundial de igrejas, com a roupagem de ecumenismo.(REYLI, 1984, p. 339).

    Observa-se no texto acima a dupla plataforma de combate dos conservadores, o

    ataque aos que defendiam o evangelho social, ou seja, os que defendiam a responsabilidade

    social da Igreja frente aos problemas sociais brasileiros e os que militavam na causa

    ecumnica.

    A partir do Conclio Vaticano II (1962-1965) a Igreja Catlica Romana deu grande

    nfase aproximao com outras igrejas. Porm a Igreja Presbiteriana reagiu com

    desconfiana a essa aproximao. Historicamente o presbiterianismo brasileiro construiu-se

    em cima da oposio ao catolicismo. Contrariando as correntes mais ortodoxas do calvinismo

    (inclusive Calvino), o presbiterianismo brasileiro declarou que o batismo catlico era invlido

    ((DIGESTO PRESBITERIANO, 1950, p. 156,157)., com veemente protesto dos missionrios

    John M. Kyle e Emmanuel Vanorden.

  • 34

    Mas para a IPB, o catolicismo estava na mesma categoria dos pagos. Um sculo de

    controvrsias, perseguio e conflitos estavam na memria dos presbiterianos brasileiros.

    Ainda era recente a perseguio sofrida por evanglicos na Colmbia, da qual o missionrio

    Richard Shaull foi uma das vtimas. Na mesma categoria dos catlicos romanos estava

    tambm a Igreja Ortodoxa-Grega.

    Quanto Consulta da Igreja de Santos sobre se a IPB considera crist a Igreja Ortodoxa, o SC resolve responder, supondo que a consulta alude Igreja Grego - Ortodoxa, que, no sentido histrico, ela um ramo do cristianismo, porm, do ponto de vista evanglico de doutrina e prtica, no pode ser reconhecida como igreja crist pela IPB.(DIGESTO PRESBITERIANO: 1951-1960, p. 44)..

    Quando da reforma dos estatutos da CEB em 1967, a CE orienta como deve ser o

    voto dos representantes da IPB na Assembleia que ia reformar esses estatutos, e entre as

    diversas recomendaes, determinou que seus representantes votassem contra o convite

    Igreja Ortodoxa-Grega para se tornar membro dessa instituio.(DIGESTO

    PRESBITERIANO: 1961-1970, p. 164).

    Tanto o catolicismo romano quanto o catolicismo grego eram considerados pela IPB

    como igrejas no crists. Desse modo, o dilogo ecumnico tornou-se impossvel. Contudo,

    desde que Shaull com os seminaristas de Campinas, iam se encontrar furtivamente com os

    Dominicanos, antes do Conclio Vaticano II, um pequeno grupo de presbiterianos comeou a

    manter um vivo dilogo com a Igreja Catlica, que foi se intensificando cada vez mais em

    todo o Brasil.

    Vrios pedidos de manifestao do SC/IPB so feitos no perodo com relao

    questo do dilogo entre pastores presbiterianos e padres catlicos. No princpio o SC/IPB

    pronuncia-se de forma transigente e tolerante. Em 1964 respondendo a uma consulta da

    Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, a CE/SC respondeu que j estava sentindo as

    melhoras no relacionamento entre igrejas Catlica e Evanglica no pas, que j havia algum

    dilogo com os dominicanos, que havia manifestaes de compreenso e companheirismo por

    parte do episcopado e que estaria nomeando uma comisso para estudar o assunto.

    No SC de 1966 reafirmou-se a equidistncia dos Conclios Internacionais, como

    tambm respondeu a uma consulta do Presbitrio de So Joo da Boa Vista, declarando ser

    benfica aproximao com a igreja Catlica, mas que a unio orgnica era impossvel.

    Pbt. So Joo da Boa Vista - Consulta - Doc. XV - Quanto ao doc. 12 da CE-SC/IPB capeando consulta do PRSJ, o SC resolve: Declarar que a IPB pela unidade do Cristianismo. A aproximao com a Igreja Catlica Apostlica Romana para fins de

  • 35

    estudos das Escrituras Sagradas e de prestar servio no sentido de amor ao prximo, parece-nos benfica. Entretanto, a unio com a Igreja Catlica Apostlica Romana, como a conhecemos, no somente est fora de cogitao, como impossvel.(DIGESTO PRESBITERIANO: 1961-1970, p. 147)..

    Nesse mesmo SC de 1966 foi proibido que sacerdotes catlicos assumissem o plpito

    de Igrejas Presbiterianas, justificando-se a deciso com a afirmao de que as reformas

    realizadas na Igreja Catlica ainda no haviam restaurado a pureza evanglica. Foram

    diversos documentos no SC de 66 sobre este assunto e por fim resolveu-se criar uma

    comisso para estudar o assunto do ecumenismo com a Igreja Catlica.(DIGESTO

    PRESBITERIANO: 1961-1970, p. 212).

    J no SC de 70, no segundo mandato de Boanerges Ribeiro, o tom j no foi ameno,

    ali se entendeu que conversar com catlicos no era algo benfico, pelo contrrio, a resoluo

    tomada pelo SC foi de proibio total de qualquer relacionamento ecumnico onde estivessem

    presentes catlicos. Os Conselhos, Presbitrios e Snodos deveriam zelar para que essa

    resoluo fosse cumprida e os que porventura se rebelassem contra a deciso deveriam ser

    processados pelos seus respectivos conclios.

    [...] a) Lembrar aos ministros, oficiais e membros da Igreja Presbiteriana do Brasil, que, quando julgarem necessrias, ao testemunho da f em Cristo, sua participao em dilogos planejados com lderes e sacerdotes catlico-romanos, devem colocar entre os assuntos para exame: a Regra de F Evanglica em contraposio ao Magistrio da Igreja e Sagrada Tradio; o sacerdcio universal dos crentes, em contraposio crena romana na transubstanciao; a salvao pela graa, recebida unicamente pela f, em composio s Missas de stimo dia; s Missas pelas almas no purgatrio; busca de Maria como medianeira entre o fiel e o Senhor Jesus. Devem tambm, sempre deixar claro que falam em seu nome pessoal e no como representantes da Igreja Presbiteriana do Brasil; b) Que pastores e lderes evanglicos aprofundem os seus conhecimentos na Teologia Calvinista, defendendo e difundindo os seus smbolos de f, expondo-os consciente e convictamente, para salvaguardar melhor os princpios fundamentais da nossa f evanglica reformada; c) Que lderes e pastores aprofundem ou melhorem os seus conhecimentos sobre a I. C. R. para enfrentar dilogos com esta, luz da Bblia, usando toda franqueza e respeito, como se exige pessoa humana; d) Proibir a celebrao de casamento em cerimnias conjuntas de pastores e sacerdotes catlicos romanos ou a participao destes no plpitos das IPB.; E) Criar uma comisso de alto nvel para estudo e informaes CE. do SC. periodicamente, sobre os problemas ecumnicos relacionados com esta deciso e de interesses da IPB. O Supremo Conclio resolve ainda registrar um voto apreciao pelo excelente trabalho que apresentou a Comisso Permanente de Estudos Ecumnicos.(DIGESTO PRESBITERIANO: 1961-1970, p. 212).

    A questo iria se agravar de tal forma que o SC interveio em Snodos e

    Presbitrios com o fim de processar e despojar pastores, como aconteceu no Snodo Bahia-

    Sergipe, em 1974, por motivos de atividade ecumnica de ministros jurisdicionados a

    Presbitrio desse Snodo.(DIGESTO PRESBITERIANO: 1971-1980, p.31) Nesse mesmo ano

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    de 1974, a CE reuniu-se extraordinariamente e estendeu a punio aos membros das Igrejas

    que participassem de cerimnias na Igreja Catlica, mesmo que fossem como testemunhas de

    casamento.

    Doc. no XV - Quanto ao Doc. no 49 - CONSULTA DO PCPN (PRESBITRIO DE CAMPINAS) SOBRE PARTICIPAO DE CRENTES COMO TESTEMUNHAS EM CASAMENTOS REALIZADOS PELA IGREJA CATLICA APOSTLICA ROMANA. - O Supremo Conclio resolve: Considerar passveis de disciplina, os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil, que participarem, como testemunhas, em casamentos realizados pela Igreja Catlica Apostlica Romana e de outras confisses no evanglicas.(DIGESTO PRESBITERIANO: 1971-1980, p. 52).

    Criou-se na Igreja um clima de intolerncia e perseguio que teve como

    consequncia mais um cisma com a sada de diversas igrejas da Federao, e por fim essas

    igrejas se reuniram formando uma Federao de Igrejas Presbiterianas (FENIP), o fato

    ocorreu em setembro de 1978. A FENIP posteriormente se constituiu na Igreja Presbiteriana

    Unida (IPU). Ducan Reily registrou o documento da comisso de f e ordem da FENIP.

    [...]7. Fiis orao sacerdotal do Senhor e ao empenho de Calvino em favor da unidade da igreja, sentimo-nos obrigados convivncia com o movimento de dilogo inter-confessional nacional e mundial e participao na Aliana Mundial das Igrejas Reformadas, e recomendamos oraes pela unidade crist (REYLI, 1984, p.345).

    O paradoxo para os presbiterianos ecumnicos foi que precisaram dividir para poder

    praticar a unidade. Desde o cisma o ecumenismo entrou em franca decadncia dentro da IPB,

    mas os anos todos de prtica de cooperao e dilogo ainda produziam os seus efeitos. A IPB

    tinha criado laos fraternos em quase todos os lugares onde estava, era promotora desses

    laos. A obra de cooperao subsistia na forma de hospitais evanglicos, de conselho de

    pastores, de sociedades para-eclesisticas ou sociedades de cooperao, no relacionamento

    com missionrios americanos, nos trabalhos de cooperao em que a Igreja Presbiteriana dos

    Estados Unidos fazia parte, em projetos financiados pelo Conselho Mundial de Igrejas. A IPB

    era a igreja que mais tinha formado quadros experientes para realizar este tipo de obra. E

    havia tambm um lao fraterno entre os formadores da IPU e alguns que permaneceram na

    IPB.

    O processo de distanciamento do dilogo ecumnico estava apenas no incio. A IPB

    ainda permaneceu na CEB , mas sempre em uma postura de questionamento das poucas aes

    que a CEB realizava. Um desses projetos foi o projeto Gurupis, um projeto de colonizao

    (distribuio de terra e projeto agrrio) realizado no Maranho, financiado pelo CMI, e que

    foi assumido pelo CESE (Coordenadoria Ecumnica de Servios), juntamente com outros

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    projetos da CEB, como o Movimento de Integrao do Migrante SP (MIM), Servio de

    Integrao do Migrante BA (SIM), Cooperativa APODI RN. Assim se manifestou a

    CE/SC em 1975.

    Doc. no LXXV - Quanto ao Doc. no 18 - Relatrio do representante da Igreja Presbiteriana do Brasil junto Confederao Evanglica do Brasil. Analisando o relatrio do representante da Igreja Presbiteriana do Brasil junto Confederao Evanglica do Brasil, aprovado, a Comisso Executiva resolve: 1) A Igreja Presbiteriana do Brasil, atravs de seu representante, se sente com dificuldades para uma plena participao no referido rgo, pelas seguintes razes: a) A Igreja Presbiteriana do Brasil no v razo para a existncia do DEBA e do projeto GURUPI na Conf