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Capítulo 1 A ACTIVIDADE FÍSICA DOS ADOLESCENTES Introdução Reconhecendo a veracidade da frase de Hipócrates (cit. Introdução), facilmente compreendemos que a Actividade Física faz parte das necessidades básicas do indivíduo e, como tal, a ausência de actividade é algo que não podemos conceber na natureza humana. No entanto, se este facto era uma verdade inabalável no nosso passado histórico, actualmente, a evolução tecnológica do mundo ocidental tornou os indivíduos das sociedades industrializadas cada vez mais sedentários, expondo-os à maior causa de morte, de incapacidade e de falta de qualidade de vida - as doenças cardiovasculares (Sallis & Owen, 1999). Deste modo, a dimensão do problema da inactividade Física ou sedentarismo remete-nos para o duplo objectivo de, por um lado, compreender o conceito, características e efeitos/benefícios da Actividade Física, e por outro, identificar os mecanismos/estratégias para aumentar a Actividade Física da população em geral, como forma de promover a saúde pública. Constata-se, então, que a Actividade Física constitui um componente nuclear que se valoriza e integra no quotidiano, profundamente ligado a uma visão de vida saudável e com qualidade. No fundo, a Actividade Física não é mais do que um padrão de comportamento que influencia, de forma marcada e inequívoca, modos de estar e estilos de vida. É, de facto, um marcador que especifica a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida. Neste capítulo, será abordada a definição do conceito de Actividade Física, assim como dos aspectos epidemiológicos e dos seus efeitos e benefícios. Para isso, faremos referência, em primeiro lugar, às características, natureza, dimensões da Actividade Física e sua avaliação/medição para, em seguida, analisarmos os benefícios físicos, psicológicos e sociais e as várias recomendações existentes que orientam a implementação e promoção de estilos de vida saudáveis.

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Capítulo 1 A ACTIVIDADE FÍSICA DOS ADOLESCENTES

Introdução

Reconhecendo a veracidade da frase de Hipócrates (cit. Introdução), facilmente

compreendemos que a Actividade Física faz parte das necessidades básicas do indivíduo e,

como tal, a ausência de actividade é algo que não podemos conceber na natureza humana.

No entanto, se este facto era uma verdade inabalável no nosso passado histórico,

actualmente, a evolução tecnológica do mundo ocidental tornou os indivíduos das

sociedades industrializadas cada vez mais sedentários, expondo-os à maior causa de morte,

de incapacidade e de falta de qualidade de vida - as doenças cardiovasculares (Sallis &

Owen, 1999). Deste modo, a dimensão do problema da inactividade Física ou sedentarismo

remete-nos para o duplo objectivo de, por um lado, compreender o conceito, características

e efeitos/benefícios da Actividade Física, e por outro, identificar os mecanismos/estratégias

para aumentar a Actividade Física da população em geral, como forma de promover a

saúde pública.

Constata-se, então, que a Actividade Física constitui um componente nuclear que se

valoriza e integra no quotidiano, profundamente ligado a uma visão de vida saudável e

com qualidade. No fundo, a Actividade Física não é mais do que um padrão de

comportamento que influencia, de forma marcada e inequívoca, modos de estar e estilos de

vida. É, de facto, um marcador que especifica a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida.

Neste capítulo, será abordada a definição do conceito de Actividade Física, assim

como dos aspectos epidemiológicos e dos seus efeitos e benefícios. Para isso, faremos

referência, em primeiro lugar, às características, natureza, dimensões da Actividade Física

e sua avaliação/medição para, em seguida, analisarmos os benefícios físicos, psicológicos e

sociais e as várias recomendações existentes que orientam a implementação e promoção de

estilos de vida saudáveis.

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1. Definição de Actividade Física

Por definição, a Actividade Física é “qualquer movimento do corpo produzido

pelos músculos esqueléticos que se traduz num aumento de dispêndio de energia”

(Caspersen, Powell & Chistenson, 1985; Sanchez, 2001). Segundo a Organização Mundial

da Saúde (WHO, 1997), “a Actividade Física é todo o movimento diário, incluindo o

trabalho, a recreação, o exercício e as actividades desportivas (...)”. Estas duas definições

evidenciam duas perspectivas complementares acerca da Actividade Física, a primeira

puramente biológica e a segunda de âmbito mais sócio-cultural, o que ilustra a

complexidade que a caracterização deste comportamento acarreta.

De facto, não existe uma medida padrão da Actividade Física, podendo assumir

características diversas em função do tipo, duração, intensidade, frequência e intermitência

do comportamento. Outro sentido importante a extrair da noção de actividade, e que cada

vez mais interessa responder e especificar é: O que é ser “activo” (Kaplan, Sallis &

Patterson, 1993)? Este conceito remete-nos para a noção de vivência activa (active living),

demonstrando a complexidade, diversidade e amplitude da Actividade Fisíca na medida em

que pode constituir um comportamento representativo de um estilo de vida. Como

exemplo, podemos constatar as rotinas diárias das quais a Actividade Física faz parte: subir

escadas, ir a pé para a escola ou emprego, caminhar pela rua, andar de bicicleta, realizar

algumas tarefas domésticas, jogar com os amigos, brincar com os filhos, entre outras.

Com o intuito de clarificar melhor o conceito de Actividade Física1, revela-se útil

distinguir outros constructos a ele associados (ver Quadro 1.1), nomeadamente a noção de

exercício físico e de desporto, que frequentemente são confundidos, principalmente, no que

concerne aos adolescentes: 1) o exercício é um subgrupo da Actividade Física, definido

como movimento do corpo planeado, estruturado e repetitivo, realizado para promover ou

manter um ou mais componentes da condição física (Caspersen et al., 1985) ; 2) o desporto

é uma forma ainda mais específica de Actividade Física estruturada, competitiva, sujeita a

regras, caracterizada pela proeza, sorte e estratégia (Kaplan et al., 1993).

1 Actividade Física, Exercício e Fitness são conceitos distintos. Fitness (condição física) refere-se ao conjunto de atributos/capacidades que as pessoas possuem ou adquirem e que estão relacionados com a capacidade para desempenhar a Actividade Física. Alguns componentes estão relacionados com o desempenho de um desporto e outros estão relacionados com a saúde. Estes últimos, a título ilustrativo, são: a endurance cardio-respiratória e muscular, a força muscular, a composição corporal e flexibilidade. Estes componentes também contribuem para o desempenho do desporto e para a capacidade relacionada com o desempenho de tarefas ocupacionais (Caspersen et al., 1985).

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A Actividade Física é, assim, o termo mais abrangente, uma vez que inclui todo o

tipo de movimento, desde mexer os dedos, a estar agitado na cadeira enquanto aguarda o

resultado de um teste, até participar num triátlo (Kaplan et al., 1993). E, nesse sentido,

inclui o desporto e o exercício. Por outro lado, o desporto pode ser visto como exercício

físico, na medida em que implica a aquisição de determinada condição física. A actividade

doméstica e a actividade no trabalho não são consideradas exercício, pois não têm como

objectivo melhorar a condição física. Assim sendo, o conceito de intenção é necessário

para definir exercício físico, ou seja, não é considerado exercício o facto de andarmos pela

rua com intenção de comprar algo, mas se andamos com a intenção de queimar algumas

calorias, já é considerado exercício. O desporto também se distingue do exercício através

da intenção, uma vez que, no primeiro, o objectivo é mais o rendimento e, no segundo, a

saúde (ibidem).

Sobre esta última exposição, é necessário esclarecer que o nosso estudo incide

sobre toda a forma de Actividade Física que pode ser desenvolvida pelos jovens no seu

dia-a-dia, desde o acordar ao deitar e que está relacionada com a saúde2. Infelizmente, a

maioria dos estudos sobre a Actividade Física das crianças e jovens refere-se ao contexto

desportivo, o que não é de estranhar, tendo em conta que as crianças e jovens têm menos

probabilidade de participar nas actividades de fitness, típicas dos adultos.

No quadro 1.1, apresentamos algumas palavras-chave da Psicologia do Exercício3

que, estando relacionadas com a Actividade Física, podem contribuir para uma melhor

clarificação do conceito.

2 Coloca-se maior ênfase na Actividade Física de intensidade moderada e no conceito de acumulação de actividade ao longo do dia, o que proporciona uma maior flexibilidade e possibilidade de escolha na gestão dos programas de promoção da Actividade Física para a saúde (Mota & Sallis, 2002). 3 Psicologia do Exercício – área que estuda as relações entre a actividade física e o bem estar, tendo como principal objectivo perceber o que leva uns indivíduos a adoptar estilos de vida activos, enquanto outros se mantêm sedentários. Procura compreender os efeitos físicos e psicológicos da actividade física e sua relação com a saúde e, finalmente, desenvolver intervenções adequadas à população com vista à promoção de estilos de vida activos para melhorar a saúde pública (Calmeiro & Matos, 2004).

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Quadro 1.1. Palavras-chave da Psicologia do Exercício (Sallis & Owen, 1999, p.10).

Condição Física (Fitness)

“É uma série de atributos que as pessoas têm ou alcançam que se relacionam com a capacidade para realizar Actividade Física”(Caspersen et al., 1985);

Componentes da condição física

relacionadas com a saúde

• Resistência cardiorespiratória (condição aeróbia ou aerobic fitness) • Resistência muscular • Força muscular • Composição corporal • Flexibilidade (Caspersen et al., 1985)

Componentes da condição física

relacionadas com o desempenho

• Poder muscular • Velocidade • Agilidade • Tempo de reacção • Equilíbrio (U.S. Department of Health and Human Services, 1996)

Actividade Física de intensidade

moderada

“Para os jovens adultos, actividade que requer aproximadamente três a seis vezes mais energia que em situação de descanso. Equivale a andar depressa”

Actividade Física de intensidade

vigorosa

“Para os jovens adultos, actividade que requer sete vezes ou mais energia que em situação de descanso. Equivale à corrida ou jogging”

2. Características da Actividade Física

A Actividade Física é um comportamento de natureza complexa e, por esse motivo,

difícil de medir. É caracterizada por quatro dimensões básicas: frequência, intensidade,

duração e tipo, habitualmente referidas pela sigla FITT4 (Frequência – Intensidade -

Tempo - Tipo) (Bouchard, Shephard & Stephens, 1993). Estas dimensões auxiliam na

distinção entre os indivíduos activos e os indivíduos sedentários, pois cada uma delas pode

originar resultados diferentes na saúde. São, por isso, utilizadas nas prescrições de

Actividade Física e recomendadas pelas autoridades de saúde pública de alguns países.

Outra característica da Actividade Física, tal como de muitos outros

comportamentos de saúde (e.g. perda de peso e tabagismo) é a sua natureza cíclica ou

episódica, dado que as pessoas iniciam a prática de exercício, participam activamente

durante algum tempo e depois abandonam para o retomar novamente mais tarde

(Sherwood & Jeffery, 2000). Esta característica levou Sallis e Hovell, em 1990, a propor o

importante conceito de ciclo de Actividade Física ou história natural do exercício, que se

4 FITT (Frequência – Intensidade –Tempo - Tipo) Frequência: número de sessões por dia ou por semana; Intensidade: quantidade de energia despendida, ligada ao índice de massa corporal e, muitas vezes, indicada por kilocalorias gastas por minuto; Tempo: tempo despendido na Actividade Física, podendo referir-se a um pequeno momento de actividade ou um tempo cumulativo medido num dia e/ou semana.

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revelou fundamental para a compreensão das variáveis que influenciam a adesão ao

exercício (ver Figura 1.1). Segundo estes autores, o comportamento de Actividade Física

passa por várias fases de uma forma cíclica – adopção, manutenção, abandono e retorno - e

os seus diversos determinantes5 permitem explicar as transições entre cada fase. A primeira

fase consiste na adopção do comportamento de actividade Física pelo indivíduo sedentário.

A curto ou a longo prazo, este indivíduo poderá manter-se na actividade ou abandoná-la.

De volta ao estado sedentário, poderá então, passado um certo período de tempo, retomar a

prática de Actividade Física, que poderá até assumir outros contornos (outro tipo, noutro

local, com outra intensidade, etc.).

Figura 1.1: História natural do exercício (Sallis & Hovell, 1990)

Os dados obtidos numa série de estudos efectuados com crianças e adolescentes

demonstraram que um número considerável de jovens e/ou crianças necessita e deve ser

mais activo no seu dia-a-dia. No entanto, definir e implementar uma linha de investigação

com a população adolescente na área da Actividade Física é um desafio constante pela

dificuldade em operacionalizar a própria Actividade Física. De facto, quantificar a

Actividade Física exigida para uma qualidade de vida saudável é uma tarefa difícil e

complexa, pois pode assumir uma enorme diversidade de formas; pode ser realizada em

contextos formais e informais, inclusive nas tarefas mais rotineiras do quotidiano; pode ser

praticada de forma vigorosa, moderada ou leve durante períodos de tempo muito curtos

(alguns segundos ou minutos) ou períodos longos (mantendo-se durante horas), com uma

frequência elevada, baixa, regular ou irregular, e ainda efectuar-se sozinho, em grupo ou

acompanhado por alguém que pode ser um amigo, familiar ou outro.

5 De facto, Smith e Biddle (1995) referem a importância do estudo dos determinantes ao considerarem que a existência de diferentes determinantes para cada fase de transição implica a procura de estratégias de intervenção diferentes para cada fase (cit in. Calmeiro, 1999).

Sedentarismo Adopção

Manutenção

Abandono Retorno

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Em seguida, apresentamos alguns estudos elucidativos da importância que as

características da Actividade Física podem ter para a promoção deste comportamento tão

significativo para a saúde dos adolescentes.

Estudos transversais têm sugerido que andar é a forma mais popular de Actividade

Física da população em geral (44.1%), seguida pela jardinagem ou tratar do jardim

(29.4%), exercício de alongamento (25.5%), andar de bicicleta (15.4%), treino de força

(14.1%), subir escadas (10.8%), correr ou jogging (9.1%), aeróbica ou dança aeróbica

(7.1%), e nadar (6.5%) (U.S. Department of Health and Human Services, 1996 cit. in

Sherwood & Jeffrery, 2000). Enquanto os indivíduos do sexo masculino relatam com mais

frequência o trabalho de jardinagem, os exercícios de alongamento, jogging ou corrida e os

desportos vigorosos ou de contacto, já os indivíduos do sexo feminino descrevem mais o

andar, a aeróbica ou dança aeróbica. Andar tem sido uma Actividade Física largamente

promovida devido ao facto de constituir uma tarefa fácil e conveniente e de ter uma

associação positiva com a saúde, apesar da intensidade (Duncan, Gordon, Scott, 1991;

Siegel, Brackbill, Heath, 1995 cit. in Sherwood & Jeffrery, 2000). Constitui, pois, uma

actividade muito sugerida e aconselhada para pessoas que iniciam o exercício. Contudo,

não será a estratégia mais eficaz para todos os indivíduos e, por esse motivo, estudos sobre

a eficácia deste tipo de actividade no aumento da probabilidade de indivíduos sedentários

iniciarem/manterem esta actividade (mais do que outros tipos de actividade) se revelam de

uma crucial importância e utilidade (Siegel, Brackbill, Heath, 1995 cit. in Sherwood &

Jeffrery, 2000).

Relativamente aos jovens, Mota e Sallis (2002) reconhecem que existe a

necessidade de dar alternativas às tradicionais propostas de prática de actividades físicas

das crianças e adolescentes, uma vez que os estudos concluem que os sujeitos com hábitos

de Actividade Física recreativa parecem ter mais oportunidades de manutenção ao longo da

vida, do que os sujeitos com envolvimento em actividades físicas competitivas.

A distinção entre actividades físicas formais e informais6 começa a fazer sentido no

âmbito da promoção da saúde. Segundo Sallis e Owen (1999), as actividades físicas ou

desportivas informais - consideradas na literatura como actividades não organizadas, não

patrocinadas por escolas, clubes, entidades patronais, empresas ou qualquer organização

6 As actividades físicas não formais (não estruturadas) caracterizam-se por actividades individuais ou de pares, de fraca a moderada intensidade; por sua vez as actividades formais dizem respeito a actividades de grupo de intensidade elevada, em que se verificam diferenças no sexo dos indivíduos (Esculcas e Mota, 2001 cit. in Mota & Sallis, 2002).

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comercial ou outra -, têm aumentado substancialmente de frequência na população em

geral. Estas actividades, por serem de participação espontânea e sem qualquer regulamento

oficial, sem critérios de recrutamento ou pré-requisitos (Bach, 1993), opõem-se às

representações tradicionais do desporto. Embora a maioria dos estudos se baseie nas

actividades desportivas formais, algumas investigações recentes verificaram que uma

grande parte das actividades desportivas praticadas pelos sujeitos não eram, de facto,

formais (Dovey, Reeder & Chalmers, 1998 cit. in Mota & Sallis, 2002). O referido estudo

revelou que a percepção dos sujeitos acerca do desporto e da Actividade Física

ultrapassava o conceito tradicional de desporto, pois incluía muitas actividades realizadas

nos tempos de lazer e, simultaneamente, com objectivos de aumento da condição física

(Dovey et al., 1998; ibidem).

Contudo, outros estudos revelam que os rapazes estão envolvidos em mais

actividades moderadas a vigorosas (e.g. mais 16 a 25 minutos diários de actividades) do

que as raparigas (Janz, Witt & Mahoney, 1995; Raudsepp e Pall, 2000 cit. in Mota &

Sallis, 2002), praticam mais actividades de grupo/equipa, enquanto que as raparigas

praticam actividades menos intensas e individualmente ou em pares (Faucette, Sallis,

McKenzie, Alcaraz, Kolody & Nugent, 1995; ibidem).

Relativamente à intensidade da Actividade Física, é uma característica que surge

habitualmente relacionada com o género e a idade dos jovens. É comum surgir em

literatura sobre a matéria a conclusão de que os rapazes se envolvem mais

significativamente em actividades intensas/vigorosas do que as raparigas (Janz et al., 1995

cit. in Mota & Sallis, 2002). Por outro lado, verifica-se que existe uma diminuição da

prática de actividades físicas intensas na adolescência, o que evidencia a necessidade e a

premência de as incluir nos programas de intervenção e de promoção da Actividade Física

(ibidem). Por último, parece evidente que a prática de Actividade Física na adolescência é

feita preferencialmente com actividades de intensidade e frequência moderadas (Telama &

Yang, 2000).

Na população portuguesa, também se verifica este fenómeno através de um estudo

realizado por Esculcas e Mota (2001) em que os dados apontavam para uma prática

significativamente maior de actividades informais. Os dados parecem demonstrar que os

indivíduos com hábitos desportivos e/ou actividades físicas mais recreativas tendem, de

uma forma contínua, a manterem-se mais activos do que os indivíduos que praticam

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actividades formais e/ou competitivas. Para Smoll e Smith (1996), esta tendência poderá

justificar-se pelo facto de a escolha ser livre, o que favorece a opção por actividades não

formais e espontâneas (Mota & Sallis, 2002). Por sua vez, a escolha de actividades físicas

estruturadas e competitivas está mais dependente da condição sócio-económica da família

do jovem adolescente (Hoefer, McKenzie, Sallis, Marshall e Conway, 2001 cit. in Mota &

Sallis, 2002). Provavelmente, este fenómeno deve-se ao facto do rendimento económico

permitir o acesso a programas formais de Actividade Física (Sallis, Zakarian, Hovell &

Hofstetter, 1996).

Relativamente às actividades desportivas tradicionais, um estudo realizado por

Matos, Gonçalves, Reis, Simões, Santos et al. (2003) revelou que a modalidade desportiva

mais praticada nos últimos seis meses foi, em primeiro lugar, o futebol (47.5%), em

segundo, a ginástica (18.5%), seguida da natação (18.3%), sendo que os rapazes praticam

com mais frequência futebol (e em menor quantidade o basquetebol e o ciclismo) e as

raparigas mais ginástica e natação. Por outro lado, os jovens com idades inferiores (11

anos) referiram praticar mais vezes futebol, ginástica, natação e basquetebol. Parece-nos

evidente que a prática de exercício físico e desporto diminuiu, em termos gerais, quando

analisamos os dados obtidos pelo Health Behaviour in School-age Children7 (HBSC, 1998

– 2002).

Estudos recentes revelaram, também, que a diminuição da frequência da prática de

Actividade Física é maior para o tipo vigoroso e para actividades não estruturadas (Sallis,

2000 cit. in Mota & Sallis, 2002).

2.1 Avaliação da Actividade Física

A avaliação da Actividade Física pressupõe a utilização de diferentes métodos que

apresentam vantagens e limitações. Referimo-nos, por exemplo, a métodos de auto-registo,

observação directa, métodos objectivos, tais como o acelerómetro e a capacidade

cardiorespiratória. A sua utilização varia consoante as áreas e objectivos da investigação.

Nos últimos dez anos tem-se procurado desenvolver e validar os métodos de avaliação

existentes.

7 É um estudo colaborativo internacional promovido pela Organização Mundial de Saúde (WHO/HBSC), que pretende estudar os estilos de vida dos jovens em idade escolar, no sentido de compreender os seus comportamentos ligados à saúde e ao risco. Realiza-se de quatro em quatro anos através de uma rede europeia de profissionais ligados à Saúde e Educação, da qual Portugal é membro desde 1994, através do projecto Aventura Social e Saúde/FMH.

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Observação Directa

A observação directa é, geralmente, levada a cabo por um ou mais observadores

que registam a frequência, duração, intensidade e tipo de actividades físicas que são

praticadas (magnitude). Os procedimentos de observação aplicam-se, em termos gerais, em

contextos estruturados, como salas de aula, espaços recreativos/lazer, entre outros. Ou seja,

as observações das actividades físicas praticadas pela população-alvo podem ser realizadas

em várias situações com objectivos específicos, tendo-se como referência a especificidade

situacional e as características da Actividade Física que se pretende observar. A

observação ao vivo exige e implica sistemas de codificação e operacionalização que

permitam a avaliação objectiva dos comportamentos. Pensamos que os métodos de

observação natural apresentam algumas limitações metodológicas, desde as expectativas

dos observadores à complexidade das variáveis interpessoais e individuais dos sujeitos, ou

seja, a avaliação dos aspectos comportamentais e cognitivos mais subtis, sobretudo, dos

sujeitos mais velhos.

Instrumentos de auto-resposta

Apesar das vantagens deste tipo de método, não deixa de ser fundamental o recurso

e o uso de instrumentos preenchidos por elementos significativos (exemplo: professores,

no caso da população mais jovem) pela preciosa informação que podem fornecer acerca da

prática da Actividade Física.

Os questionários e escalas de auto-resposta são úteis, porque fornecem informação

sobre a natureza e dimensão da Actividade Física, dos processos internos e de percepção

utilizados por cada criança/adolescente e adulto. Por exemplo, o Seven-Day Physical

Activity Recall (PAR; Blair, Haskell, Paffenbarger, Vranizan, Farquhar et al., 1985 cit in.

Dubbert, 2002) é um questionário que permite obter informação sobre o tempo despendido

durante a última semana em actividades físicas de tipo moderado e/ou vigoroso. Apela à

utilização, por parte dos sujeitos, do processamento mnésico (evocação e

recordação/recuperação da informação, isto é, o que recorda e como essa recordação se

processa), o que levanta algumas questões metodológicas, uma vez que se aplica mais a

indivíduos adultos, pois, no caso das crianças e adolescentes, a validade da recordação das

actividades físicas praticadas está relacionada com a idade (mais velhos) e com períodos

curtos de recordação (Sallis, Buono, Roby, Micale & Nelson, 1993 cit. in Dubbert, 2002).

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Existem dois novos instrumentos de recordação para crianças que avaliam a Actividade

Física praticada no dia anterior à recolha de informação, a saber: Past Day Physical

Activity Recall (Weston, Petosa & Pate, 1997; ibidem) e Self-Administred Physical

Activity Checklist (Sallis, Strikmiller, Harsha, Feldeman et al., 1996a). Estes instrumentos

diferenciam a recordação durante a Actividade Física e a recordação pós-actividade física

na escola, avaliando também o tempo despendido em comportamentos sedentários.

Não obstante as dificuldades específicas dos métodos de recordação de actividades

rotineiras, os estudos elaborados nas últimas décadas demostraram que era possível

também obter resultados fiáveis, avaliando a Actividade Física em casa (Brownson, Eyler,

King, Shyu, Borwn et al., 1999 cit. in Dubbert, 2002).

A maioria dos estudos com amostras numerosas utilizaram questionários para

avaliar e medir a Actividade Física. Embora os adolescentes com cerca de 15, 16 anos

sejam capazes de relatar/descrever a sua actividade tão bem quanto os adultos, verificou-se

que a qualidade do auto-registo nos adolescentes mais novos é limitada, sendo que essa

qualidade aumenta para recordações a curto prazo. No que concerne às crianças, o auto-

relato não deve ser aplicado quando estas têm menos de nove, dez anos (Sallis & Owen,

1999). Deste modo, os auto-registos devem ser usados com precaução em jovens com

idades compreendidas entre os nove e os 15 anos, partindo do princípio que as recordações

de períodos recentes são mais fiáveis do que recordações mais antigas, apesar dos

adolescentes com mais idade serem capazes de relatar padrões de Actividade Física no

último ano. Por outro lado, os registos da quantidade de Actividade Física em minutos

absolutos não têm sido válidos em qualquer idade. Em consonância, os desafios da

avaliação da Actividade Física nos adolescentes através de auto-registos prendem-se com a

validação da avaliação das actividades de intensidade moderada e vigorosa. Ou seja, se

queremos aumentar a validade dos dados recolhidos por esta metodologia, devemos

utilizar, simultaneamente, métodos objectivos de medição, tais como o monitor da

actividade (e.g. acelerómetro ou pedómetro) ou o monitor da taxa cardíaca (Sallis & Owen,

1999).

Prochaska, Sallis e Long (2001) elaboraram uma série de estudos cujo objectivo era

o desenvolvimento de uma medida válida de avaliação da Actividade Física nos

adolescentes, num contexto de cuidados primários de saúde. Com este propósito,

implementaram dois estudos para avaliar a validade concorrente e a fidedignidade de seis

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itens individuais e três medidas compósitas da Actividade Física. Os dados obtidos com

aplicação do acelerómetro foram utilizados apenas como critério standard para os testes de

validade. No estudo 1 (N=250; M=15; 56% mulheres; 36% de raça branca), os resultados

das medidas compósitas revelaram-se mais fidedignos. No que concerne ao estudo 2

(N=57; M=14; 65%mulheres, 37% de raça branca), seis das nove medidas de avaliação

apresentaram correlações significativas com os dados do acelerómetro. Os referidos

autores construíram, também, uma medida única que avalia a acumulação de 60 minutos

de Actividade Física moderada/vigorosa (MVPA – Moderate-to-vigorous physical

activity). Os sujeitos que constituíram a amostra dos estudos tiveram muitas dificuldades

em descrever e relatar o início da actividade e distinguir os níveis de intensidade. Esta

medida -MVPA- foi avaliada no estudo 3 (N=148; M=12; 65% mulheres, 27% de raça

branca), tendo-se mostrado fidedigna (correlação intraclasse=.77) e com uma correlação

significativa (r=.40, p<.001) com os dados do acelerómetro. Os resultados mostraram que a

medida MVPA é recomendada na prática clínica com adolescentes, tendo sido incluída no

PACE8 e no Programa de Actividade Física mediado pelo computador, dirigido a

adolescentes ao nível dos cuidados de saúde primários.

3. Os efeitos da Actividade Física e a saúde dos adolescentes

A promoção da Actividade Física nos indivíduos é um dos comportamentos de

saúde definido universalmente (OMS) com directrizes específicas de aplicabilidade, tendo

em conta as variáveis contextuais de referência. Assim, a prática de actividades físicas

traduz a adopção de um estilo de vida saudável que é o reflexo da satisfação e

concretização de objectivos e expectativas de vida e, no fundo, de qualidade de vida e

bem-estar.

O reconhecimento e a necessidade premente de re-significações da realidade alerta-

nos para a necessidade de identificação e valorização, como estratégia de prevenção

reabilitativa (e não só), dos benefícios/custos da prática e manutenção da Actividade Física

8 PACE (Provider Assessment and Couseling for Exercise) – projecto de aconselhamento para a Actividade Física promovido pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, 1997). PACE+ (Counseling Adolescents for Exercise and Nutrition) - projecto para os adolescentes através dos serviços de cuidados de saúde primários (Patrick, Sallis, Lydston, Prochaska, Calfas et al., 2000).

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e exercício. A literatura existente reforça e confirma a ideia de que o exercício proporciona

uma melhoria na qualidade de vida dos indivíduos de diversas formas (Center of Diseases

Control and Prevention - CDC, 1996 cit. in Matos & Sardinha, 1999).

Torna-se premente determinar a quantidade precisa de Actividade Física que será

necessária para alcançar os diversos benefícios na e para a promoção de saúde. Também

neste âmbito, os estudos que incidem sobre as crianças e jovens escasseiam e a falta de

consenso existente levou a que, durante muito tempo, as recomendações para o adulto

fossem simplesmente aplicadas aos jovens. É neste contexto que tem lugar a Conferência

Internacional para o Consenso das Recomendações para Actividade Física dos

Adolescentes, com a missão de desenvolver directivas empíricas que pudessem ser usadas

pelos clínicos nos seus aconselhamentos, assim como pelos políticos responsáveis pela

promoção da saúde pública (Sallis, Patrick, & Long, 1994).

Apesar das primeiras recomendações para adultos datarem de 1978 pelo American

College of Sports Medicine (ACSM), só em 1994 surgem as primeiras recomendações para

a população adolescente (Sallis & Patrick, 1994). Estas recomendações basearam-se numa

revisão sistemática da literatura pediátrica científica, e dada a ausência de estudos

dedicados às crianças mais jovens, estabeleceu-se que as recomendações focariam os

adolescentes, com idades compreendidas entre 11-21 anos.

Sobre este mesmo assunto, a Conferência Internacional para o Consenso das

Recomendações para Actividade Física dos adolescentes estipulou que estes deveriam ser

fisicamente activos todos os dias e que deveriam adoptar 20 minutos ou mais de actividade

vigorosa em três dias da semana ou mais (Sallis & Patrick, 1994) (Quadro 1.2). Em 1998,

Biddle, Sallis e Cavill (Health Education Authority do Reino Unido) fizeram uma revisão

destas recomendações que se resume a três pontos (Quadro 1.3). Estes mesmos autores

reforçam esta ultima recomendação com: pelo menos 60 minutos por dia de prática de

Actividade Física, devido à enorme prevalência de obesidade (Cavill, Biddle, & Sallis,

2001). Actualmente, a nova directiva “Healthy People 2010” coloca o indicador de saúde

para a Actividade Física e condição física dos adolescentes nos 20 minutos de actividade

vigorosa três vezes por semana (U.S. DHHS, 2000).

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Quadro 1.2. Recomendações para adolescentes (Sallis & Patrick, 1994, pp.307-8)

1) Os adolescentes devem ser fisicamente activos todos os dias, ou quase todos os dias, como parte de

brincadeira, jogos, desportos, trabalho, transporte, recreação, educação física, ou exercício planeado, no

contexto familiar, escolar e noutros contextos da comunidade;

2) Os adolescentes devem praticar três ou mais vezes por semana em actividades com a duração de 20

minutos ou mais de cada vez e que exija um nível de esforço moderado a vigoroso.

Quadro 1.3. Recomendações para adolescentes (Biddle, Sallis & Cavill, 1998 cit. in Sallis &

Owen, 1999; pp.63).

1) Todos os jovens devem participar em actividades físicas, pelo menos de intensidade moderada, durante

uma hora por dia;

2) Os jovens que habitualmente fazem pouca Actividade Física, devem praticar Actividade Física, pelo

menos de intensidade moderada, no mínimo meia hora por dia;

3) Pelo menos 2 vezes por semana, algumas dessas actividades devem ajudar a promover ou manter a força

muscular, a flexibilidade e a saúde dos ossos.

O Surgeon General´s Report of Physical Activity and Health (U.S. DHHS, 1996)

estipula determinados objectivos específicos e cruciais para a promoção e prática da

Actividade Física. A Actividade Física continua a ser referenciada como o primeiro

indicador de saúde para 2010, tendo com objectivos específicos: (a) aumentar a

proporção/número de adolescentes que se envolvem em actividades físicas vigorosas três

ou mais dias por semana, num período de tempo superior ou igual a 20 minutos; (b)

aumentar a proporção/número de adultos que se envolvem em actividades físicas regulares,

preferencialmente diárias, pelo menos 30 minutos por dia. É importante explicitar que os

objectivos definidos pela Healthy People 2000, com vista à melhoria da Actividade Física,

sendo mais modestos, não foram alcançados. De facto, não existem indicações de que a

tendência do século se inverta, tendência essa que contribuiu para o decréscimo da

Actividade Física na população geral (Dubbert, 2002).

Parece-nos interessante acrescentar um “novo paradigma” expresso no

posicionamento do ACSM - Position Statement (ACSM, 2000), no qual:

1. Os benefícios das actividades de intensidade moderada são realçados por estarem

mais relacionados com a saúde;

2. A acumulação de períodos curtos e intermitentes de Actividade Física é

valorizada, dado que estes são passíveis de um conteúdo suficientemente

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significativo para a saúde relacionada com a Actividade Física (ACSM, 2000 cit. in

Mota & Sallis, 2002).

Esta posição evidencia a relação que a Actividade Física pode ter com o estilo de

vida activo, dado que este é um conceito abrangente, incluindo todas as formas de

Actividade Física, sem estabelecer hierarquias, nem valorizar uns tipos em detrimento de

outros (Mota & Sallis, 2002).

A Actividade Física afecta muitos sistemas do corpo e provoca numerosos

benefícios na saúde dos adultos (Bouchard, Shephard & Stephens, 1993), quer ao nível do

bem-estar físico mental e social, quer ao nível da qualidade de vida. Os benefícios da

Actividade Física são amplamente reconhecidos (Kaplan et al., 1993; Wold, 1993; Wold &

Kannas, 1993; King et al., 1996; Ogden, 1996 cit. in Matos, Simões & Canha, 1999). Não

deixa, no entanto, de ser curioso que os estudos que abordam mais especificamente os

efeitos da Actividade Física nos adolescentes têm sido menos frequentes (Sallis & Patrick,

1994). O Relatório sobre a Actividade Física e Saúde da Surgeon General’s Report (U.S.

DHHS, 1996) incluiu uma extensa revisão dos efeitos da Actividade Física e exercício na

saúde e conclui que:

- elevados níveis de actividade e condição física eram protectores tanto nos mais

velhos como nas populações mais jovens;

- nos estudos longitudinais, as pessoas que melhoraram a sua condição física ao

longo do tempo reduziram o risco, comparativamente com as pessoas que mantiveram os

mesmos níveis de fitness (Dubbert, 2002).

Partindo desta base, postula-se que os adolescentes que desenvolvem o hábito de

participarem em actividades que podem ser exercitadas no estado adulto mantêm-se, com

maior probabilidade, mais activos (Sallis & Pattrick, 1994). Existem múltiplos benefícios

da prática de Actividade Física para a saúde e muitos dos resultados esperados não foram

sequer estudados com a população adolescente, o que não deixa de ser curioso e até

desconcertante. Participar numa diversidade de actividades físicas que impliquem e mexam

com diferentes partes do corpo proporciona uma série de benefícios, melhora os

componentes de fitness e desenvolve a aprendizagem de aptidões necessárias à mudança de

um determinado estilo de vida. Ou seja, aptidões e recursos que permitem ao adolescente

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ser e estar activo numa variedade de contextos9. Apesar de existirem evidências inegáveis

acerca dos benéficos da Actividade Física e/ou exercício na prevenção de doenças10 ou

reabilitação (promoção da saúde), continuam por explorar e compreender as relações entre

a resposta e a dose/quantidade. Assim, a Actividade Física é um comportamento complexo

que varia no tipo de actividade, duração (de acordo com as características, necessidades e

idiossincrasias do indivíduo), frequência e intensidade, em diversos contextos11 (Dubbert,

2002).

Estudos recentes demonstraram que a acumulação de períodos activos de

Actividade Física de curta duração (8-10 minutos) ao longo do dia origina benefícios

aproximados aos obtidos a partir de períodos contínuos e sistemáticos de prática de

Actividade Física (Pate, Pratt, Blair, Haskell, Macera et al., 1995 cit. in Dubbert, 2002).

Procuramos, em seguida, resumir as conclusões de revisões da literatura efectuadas

sobre os efeitos da Actividade Física nos adolescentes abordando, simultaneamente, os

benefícios e alguns efeitos negativos, quer físicos12, quer psicológicos13 e sociais14.

9 Os adolescentes, em que a tomada de decisão e consequente opção lhes permite escolher actividades físicas agradáveis e preferidas, têm maior probabilidade de se manterem em actividade, do que aqueles que participam em actividades que percepcionam como aversivas psicológica ou fisicamente. Estes dados não são mais do que recomendações e directrizes importantes que organizam e estruturam as medidas de prevenção e de promoção da saúde física e psicológica. Poucos estudos avaliaram os efeitos de diferentes quantidades de Actividade Física, o que nos leva a levantar a questão de que a relação entre dose-resposta não é totalmente conhecida. Na maioria das situações, as recomendações baseiam-se em investigações que demonstram que uma quantidade específica de Actividade Física tem um efeito significativo no resultado. Isto é, as evidências validam as recomendações e, assim sendo, menos Actividade Física é um sinal que representa diminuição na eficácia e obviamente na saúde (Sallis & Owen, 1999). 10 Há um interesse cada vez maior no estudo dos efeitos da Actividade Física na etiologia e aparecimento do cancro. Existem já estudos que mostraram que existe um efeito protector positivo da prática de exercício no cancro do cólon do útero e nos indivíduos dependentes de insulina (Diabetes Mellitus). 11 Uma das limitações apontadas aos diversos estudos epidemiológicos iniciais prende-se com o facto da Actividade Física ter sido avaliada com o recurso apenas a um critério unitário, apesar de ser multidimensional e poder variar ao longo do tempo. É perfeitamente assumido que mudanças na Actividade Física constituem um factor preditivo na alteração dos riscos de mortalidade (diminuição) (Paffenbarger, Hyde et al., 1993; Blair, Kohl et al., 1995 cit. in Sallis & Owen, 1999). No entanto, continua por esclarecer a questão de que quantidade/frequência de Actividade Física se revela necessária para a obtenção de benefícios positivos para a saúde. Os resultados de todos os estudos existentes indicam que quanto maior for a frequência de Actividade Física praticada pelos indivíduos, menor será a taxa de mortalidade. Em síntese, os dados consistentes obtidos revelaram que, pelo menos, a Actividade Física moderada pode ser protectora, o que proporcionou a definição de novas recomendações para a Actividade Física (Pate et al., 1995; US DHHS, 1996; ibidem). 12 Benefícios físicos são, nomeadamente: aumento da reserva de esteróides com o seu efeito protector na adaptação ao stress, alívio da tensão muscular, redução da dor e de determinados estados de consciência, libertação de endorfinas, etc (Matos & Sardinha,1999). 13 Benefícios psicológicos, por sua vez, referem-se a uma percepção de eficácia pessoal e controlo pessoal, tempo de afastamento e distracção face aos problemas do dia-a-dia, reforço social, etc. O exercício moderado diminui a ansiedade, reduz os níveis de stress e favorece melhorias emocionais e sociais (Brito, 1997 cit. in Matos & Sardinha,1999). 14 Apesar das reconhecidas vantagens da Actividade Física ao nível físico/biológico, muitos dos investigadores acreditam que os aspectos psicossociais da Actividade Física (aumento do contacto social, percepção de auto-eficácia, aprendizagem de mecanismos de coping adequados face a alguns agentes indutores de stress) contribuíram de forma positiva para os benefícios globais da Actividade Física (ibidem).

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De acordo com Sallis e Owen (1999), os efeitos da Actividade Física na saúde das

crianças e adolescentes podem ocorrer de duas formas. Primeiro, a Actividade Física pode

constituir um factor causal de morbilidade durante a adolescência/juventude, não sendo

esperado para a mesma etapa desenvolvimental efeitos na mortalidade. Os efeitos da

Actividade Física na morbilidade são, a título ilustrativo, a redução do peso, a redução do

stress psicológico, o aumento do desempenho atlético através de um aumento da condição

física e a redução de constipações através de mudanças imunológicas. Segundo, a prática

da Actividade Física durante a juventude pode reduzir o risco de doenças crónicas na

adultez. Estes dados são fiáveis dado que a maioria das doenças crónicas mais comuns têm

o seu início na infância (sobretudo as doenças coronárias e a osteoporose). Os mesmos

autores consideram que, de acordo com os estudos, existem três efeitos da Actividade

Física com maior relevância para a promoção da saúde dos adolescentes: resistência

cardiorespiratória (condição aeróbia); adiposidade e obesidade e lesões provenientes do

desporto ou recreação.

A resistência cardiorespiratória é um dos fortes determinantes da saúde e

longevidade nos adultos e, por isso, é possível que esta resistência durante a adolescência

tenha efeitos protectores a longo-prazo. No entanto, numa revisão de 20 estudos, a relação

entre a Actividade Física e a resistência cardiorespiratórioa na adolescência é apenas

pequena a moderada. Ou seja, nem todos os estudos a comprovam, sendo a média das

correlações de r=.1 e a variância explicada de apenas 3% (r2 < .03) (Morrow & Freedson,

1994).

Quanto à adiposidade e obesidade, sabemos que ambas estão relacionadas com o

risco de doença crónica no adulto e, portanto, qualquer efeito da Actividade Física na

adiposidade dos jovens terá efeitos no presente e no futuro. A revisão efectuada por Bar-Or

e Baranowski (1994), de estudos transversais e longitudinais, revela resultados conflituosos

(pois se uns mostram uma relação negativa entre adiposidade e Actividade Física, outros

não revelam qualquer relação). Esta inconsistência deve-se, essencialmente, à falta de rigor

na avaliação da Actividade Física que ao ser avaliada como a energia despendida induz em

erro, porque os adolescentes mais pesados gastam mais energia do que os mais leves

quando fazem a mesma Actividade Física. Apesar disso, a relação entre adiposidade e

comportamentos sedentários tem sido muito consistente, existindo vários estudos que

mostram que as crianças que vêem mais televisão têm mais massa gorda do que as que

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vêm menos (Andersen, Crespo, Bartlett, Cheskin & Pratt, 1998; Dietz & Gormaker, 1985

cit. in Sallis & Owen, 1999). Um estudo realizado por Marshall, Biddle, Sallis, MaKenzie

e Conway15 (2002) concluiu que o sedentarismo nos jovens é multifacetado, não podendo

ser representado por um único comportamento que represente os outros, tal como ver

televisão, pois as correlações entre vários comportamentos sedentários são baixas. Por

outro lado, como alguns comportamentos sedentários se relacionam entre si, existe a

possibilidade destes partilharem determinantes e, com isso, modificar a distribuição dos

múltiplos comportamentos de inactividade física (sedentarismo). Futuros estudos nesta

área deverão investigar os resultados relacionados com a saúde que se encontram

associados aos comportamentos sedentários e que se podem mostrar independentes da

Actividade Física. É pertinente estudar também os determinantes que podem modificar os

comportamentos sedentários na população juvenil.

Quanto às lesões, sendo a primeira causa de morte nos adolescentes, com cerca de

75% das mortes nos adolescentes mais velhos, das quais 5% se devem às lesões no

desporto, torna-se importante descobrir a relação entre Actividade Física, desporto e

lesões16. Este argumento deve ser esclarecido, pois, por um lado, é possível que a

participação no desporto e recreação aumente o risco de lesões, mas, por outro lado,

também é possível que os jovens mais activos tenham menos lesões sérias, porque têm

melhor preparação física que os jovens sedentários. No entanto, são insuficientes os

estudos sobre esta matéria, dado que não abordam grupos populacionais, mas apenas dados

que provêm das visitas ao posto de emergência médica ou de equipas desportivas. Estudos

baseados no desporto do ensino secundário e universitário demonstram que o futebol, a

luta e a ginástica parecem ser os desportos mais arriscados (Sallis & Owen, 1999).

15 Os autores mencionados tinham como objectivo avaliar a prevalência e a relação entre comportamentos sedentários e Actividade Física numa amostra nacional, com jovens da faixa etária 11-15 anos. Como procedimento, foi-lhes pedido que recordassem a frequência e a duração da participação (extra-escola) em actividades físicas seleccionadas e actividades tradutoras de inactividade e comportamentos sedentários, na última semana. 16 A Actividade Física reduz, substancialmente, o risco de morte, em ambos os sexos, sendo a longevidade uma medida básica de saúde. As pessoas que têm uma Actividade Física activa (e não só) apresentam benefícios directos e concretos para a saúde e bem-estar. Os estudos existentes acerca da longevidade definiram como amostra um grupo alargado de adultos saudáveis, tendo como critério de inclusão o número de mortes e respectivas causas. O estudo realizado por Paffenbarger et al. mostrou que se registou uma redução de 53% na taxa de mortalidade nos homens que praticavam pelo menos três horas de desporto por semana, comparativamente àqueles que praticavam menos que uma hora (Paffenbarger, Hyde, Wing & Hsich, 1986 cit. in Sallis & Owen, 1999). Estes resultados permitiram perceber que se podem obter benefícios importantes da prática de Actividade Física de intensidade moderada. Contudo, a relação entre a Actividade Física e a longevidade não é linear, isto é, é também explicada por outros factores, tais como história familiar de doença ou obesidade. Em síntese, todos estes estudos mostraram que, de uma forma ou de outra, a prática de Actividade Física e fitness de intensidade moderada/vigorosa, com uma periodicidade regular, melhora a saúde dos indivíduos (homens e mulheres) (ibidem).

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3.1 Os efeitos psicológicos da Actividade Física nos adolescentes

A máxima “corpo são, mente sã”, apesar de ter a sua origem na antiga Grécia,

mantém-se actual, transparecendo no conceito de saúde: “estado de completo bem-estar

físico, social e mental (...)” (WHO, 1993, p.5). Torna-se, assim, importante avaliar também

os efeitos psicológicos da Actividade Física, apesar da escassez de estudos nesta área.

Vários estudos examinaram a associação entre a Actividade Física e um conjunto

diversificado de variáveis psicológicas na adolescência (mais especificamente depressão,

ansiedade, stress e autoestima e/ou autoconceito). Os estudos utilizaram amostras da

população em geral e, na sua maioria, os resultados são significativos. No sentido de

melhorar a saúde psicológica, os rapazes e raparigas adolescentes da população em geral

devem praticar actividades aeróbicas três vezes por semana, durante 20 minutos cada, com

uma intensidade de 70% da capacidade cardíaca máxima. Obtêm-se benefícios

significativos ao fim de 10 a 15 semanas de treino17 (Sallis & Pattrick, 1994).

Calfas e Taylor (1994), numa revisão sobre este tema, seleccionaram as variáveis

psicológicas mais relacionadas com a saúde mental ou psicológica, uma vez que esta se

pode definir de diversas formas. Assim, analisaram estudos sobre a relação entre a

Actividade Física e a depressão, a ansiedade, o stress, a autoestima, o autoconceito, a

hostilidade, a raiva, o funcionamento intelectual e os distúrbios psicológicos, de acordo

com o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM-III-R, 1987).

Segundo Calfas e Taylor (1994), as variáveis com efeitos mais consistentes para a

Actividade Física são: a autoestima e o autoconceito com relações positivas e o

stress/ansiedade com uma relação negativa. Em seguida, apresentamos algumas conclusões

exemplificativas dos oito estudos sobre esta última relação que são: o treino de

flexibilidade diminui a ansiedade num grupo multi-ético de rapazes (Hilyer et al., 1982);

corredores que apresentavam baixos níveis de ansiedade (Dyer & Crouch, 1987); baixa

percepção de stress entre os participantes em programas de Actividade Física vigorosa,

comparativamente aos de programas de actividade moderada.

Na mesma revisão, nove dos dez estudos sobre autoestima, autoconceito e

autoeficácia18 revelaram relações positivas ou efeitos experimentais. Estas auto-percepções

são essenciais na construção da identidade dos jovens e têm sido relacionadas com muitos 17 É pertinente referir que não é aconselhável definir e desenvolver recomendações baseadas em estudos empíricos com adolescentes que apresentam distúrbios psicológicos e/ou emocionais. 18 A auto-eficácia e a percepção de competência são elementos fundamentais para a participação, envolvimento e adesão à prática de Actividade Física pelas crianças e adolescentes.

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resultados, tais como, o desempenho académico e comportamento antisocial (Sallis, &

Owen, 1999). Estes últimos autores, consideram também que a Actividade Física pode

melhorar a saúde psicológica dos jovens em geral, através da influência de variáveis como:

o humor, a percepção de stress, a autoestima, o autoconceito, a hostilidade e o

funcionamento intelectual. Consideram ainda que, perante as elevadas taxa de depressão e

suicídio nestas idades, para além de outros distúrbios como a ansiedade e o abuso de

substâncias, a Actividade Física poderia contribuir para a prevenção ou tratamento destas

problemáticas.

No grupo dos 11 aos 21 anos, mais particularmente durante os estádios de

desenvolvimento na adolescência, as experiências de mestria e sucesso com a Actividade

Física são importantes na promoção da auto-estima. No entanto, a duração e o tipo de

Actividade Física (e.g. aeróbia vs. anaeróbia) pode ser um mediador importante na

promoção da auto-estima (Calfas & Taylor, 1994). Os autores referem que outro estudo

(Gruber, 1986) comprovou que os participantes em actividades aeróbias e de promoção da

condição física mostraram melhores resultados na auto-estima que os participantes em

programas de movimentos recreativos (e.g. dança, mímica) ou desportivos (e.g. ginástica,

futebol).

Relativamente ao humor deprimido, nove dos dez estudos evidenciaram uma

relação ou efeito experimental com a Actividade Física (Calfas & Taylor, 1994). Numa

meta-análise de adultos e crianças, o exercício parece prevenir melhor a depressão que o

relaxamento ou outras actividades agradáveis, e o exercício é mais eficaz quando

combinado com psicoterapia (North et al. 1990; ibidem). Contudo, segundo o relatório

Surgeon General’s Report (U.S. DHHS, 1996), evidências de aumento de depressão em

estudos com atletas em sobrecarga de treino sugerem que a relação entre depressão e

Actividade Física pode ser curvilínea (Dubbert, 2002).

Relativamente às variáveis hostilidade/raiva ou funcionamento intelectual, não são

encontradas evidências consistentes dada a escassez de estudos (Calfas & Taylor, 1994;

Sallis, & Owen, 1999).

Finalmente, e no que diz respeito aos efeitos psicológicos negativos da Actividade

Física nos adolescentes, os aspectos mais relevantes parecem ser o excesso ou abuso do

exercício, os distúrbios alimentares, a sobrecarga de treino e “perda de entusiasmo”19 pelo

19 Tradução do inglês de “staleness” (Calfas & Taylor, 1994). Segundo o dicionário da Porto Editora (1984)

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exercício (i.e., atletas de competição que treinam muito podem sofrer perturbações do

humor como a depressão) (Raglin, 1990; Morgan et al., 1987 cit. in Calfas & Taylor,

1994). O excesso de exercício é um dos componentes dos distúrbios alimentares (estratégia

de controlo do ganho ponderal), principalmente a anorexia (Yates, 1991), e pode interferir

com as relações sociais em alguns casos (Calfas & Taylor, 1994 cit. in Sallis, & Owen,

1999). Nos adolescentes, pode constituir também uma consequência negativa do excesso

de exercício o stress induzido pelas excessivas viagens para competições (Calfas & Taylor,

1994).

Numa perspectiva mais psicossociológica, o exercício está associado à facilidade

em fazer novos amigos, em receber um bom suporte social e à satisfação na escola (Wold,

1993). Também neste sentido, Matos et al. (1999) consideram que o exercício, para além

de produzir benefícios na saúde, revela-se muito importante no processo de socialização

dos adolescentes.

Estudos em Portugal revelaram que os rapazes e os jovens com 15 anos

percepcionam a Actividade Física de forma mais positiva, nomeadamente, quanto ao bem-

estar que produz, à satisfação dos amigos e ao contributo para a ocupação do tempo (Matos

et al., 2003).

Para concluir, é importante frisar que os eventuais efeitos negativos da Actividade

Física ocorrem numa percentagem muito pequena de adolescentes e, portanto, esse facto

não nos deve desviar a atenção da importância decisiva que a Actividade Física pode ter na

saúde da maioria desta população.

4. Epidemiologia da Actividade Física nos adolescentes

Segundo o Relatório Anual de Saúde de 2002 (WHR) da Organização Mundial de

Saúde (WHO, 2002) estima-se que a falta de Actividade Física causa 1,9 milhões de

mortes por ano em todo o mundo. Na globalidade, calcula-se que cause 10 a 16% de casos

de cancro no pulmão, cancro no colón e diabetes e cerca de 22% de doenças do coração

isquémicas. A situação para homens e mulheres é semelhante, no entanto, o WHR 2002

apenas estima a prevalência da inactividade física entre os indivíduos com 15 anos ou

mais, o que sugere que o problema seja ainda maior. No mesmo relatório, conclui-se que a

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Actividade Física declina com a idade, iniciando-se essa diminuição na adolescência; as

raparigas e mulheres são geralmente mais inactivas e, no âmbito da escola, está também a

diminuir a educação física e a própria Actividade Física (WHR – World Health Report,

2002).

Que dados existem sobre o nível de Actividade Física das crianças e jovens?

Existindo poucos estudos nesta faixa etária, a conclusão do aumento da

inactividade física dos jovens provém, essencialmente, de dados como o aumento dos

níveis de obesidade entre as crianças dos Estados Unidos da América (Triano, Flegal,

Kuczmarski, Campbell & Johnson, 1995 cit. in Sallis & Owen, 1999). Por outro lado,

vários são os estudos que, usando um monitor da taxa cardíaca, comprovam que a

Actividade Física das crianças e jovens decresce com a idade e que os rapazes são mais

activos que as raparigas em todas as idades, apesar de não se distinguir a influência social

da influência biológica (Sallis & Owen, 1999).

Um estudo longitudinal desenvolvido na Holanda durante 14 anos (Van Mechelen

& Kemper, 1995), em que os sujeitos foram entrevistados periodicamente dos 13 aos 27

anos, provou que, em geral, a Actividade Física desceu abruptamente entre os 13 e os 16

anos para rapazes e raparigas, diminuindo de forma mais moderada entre os 16 e os 27

anos. No entanto, se tivermos em conta a intensidade das actividades, encontram-se

diferenças importantes: para as actividades leves, as raparigas eram consistentemente

superiores e o tempo gasto nessas actividades crescia dos 13 aos 21 anos, e depois

decrescia; para as actividades moderadas, os rapazes e raparigas relataram padrões

semelhantes, havendo um decréscimo substancial ao longo do tempo; para as actividades

pesadas, os rapazes revelaram quantidades muito superiores às raparigas logo aos 13 anos,

e enquanto o tempo gasto pelos rapazes nessas actividades decrescia, as raparigas

mantinham os mesmos níveis baixos. A partir dos 21 anos, os rapazes e raparigas tinham

níveis semelhantes de Actividade Física vigorosa (Sallis & Owen, 1999). Dados

semelhantes verificam-se num estudo que comparou as diferenças de género e idade

através de medidas objectivas de Actividade Física nos jovens e, concluiu que apesar de os

rapazes serem mais activos que as raparigas, esta diferença era mais leve quando

considerávamos a Actividade Física em geral (Trost, Pate, Sallis, Freedson et al., 2002).

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Outros estudos parecem não confirmar esta ideia habitual da diminuição da

Actividade Física com idade e de menor prática nas raparigas, evidenciando uma relação

diferente entre o nível de Actividade Física e estas variáveis demográficas. Segundo

Telama e Yang (2000) os rapazes são mais activos do que as raparigas apenas aos 9 e 12

anos, enquanto que para Verschuur e Kemper (1985) sejam apenas aos 14/15, diminuindo

com a idade (cit. in Vasconcelos e Maia, 2001). Um estudo português com cerca de 5949

alunos do 2º e 3º ciclo, dos 10 aos 19 anos, oriundos da Região Norte e Região Autónoma

dos Açores (Ilha Terceira) que procurou analisar o declínio da Actividade Física com a

idade, não demonstrou esta ideia para os dois géneros, verificando, apenas, um declínio

entre os 18 e os 19 anos, apesar de maior nas raparigas (Vasconcelos & Maia, 2001).

Segundo estes autores, o incremento da Actividade Física dos 10 aos 13 anos e a

estabilização até aos 18 nos rapazes, poderá dever-se respectivamente a: no primeiro caso,

à entrada no 2º e 3º ciclo pelo aumento das aulas de educação física, ao aumento das

actividades desportivas na escola e maior acesso aos clubes e grupos desportivo

(inclusivamente pela maior influência dos colegas); no segundo caso, a estabilização

poderá dever-se, à dificuldade existente em incrementar substancialmente as médias já

existentes, uma vez que são já bastante elevadas aos 13 anos. No caso das raparigas, o

incremento até aos 16 anos e a estabilização até aos 18, para além de, no primeiro caso,

também ser explicado pela entrada no 2º e 3º ciclo e pelo aumento das preocupações de

ordem estética; a partir dos 17 anos poderá dever-se, quer a um aumento das

responsabilidades familiares, quer ao nível do estudo ou mesmo profissionais, ou por outro

lado, uma maior adesão a comportamentos sedentários (ibidem).

Outro estudo coordenado pela OMS, através de dados do HBSC (Health Behaviour

in School-age Children) de 1990, 1994 e 1998, de dez países da Europa e Canadá (Áustria,

Canadá, Filândia, Hungria, Latvia, Noruega, Polónia, Rússia, Escócia, Suécia e País de

Gales), cujo objectivo era investigar como é que a Actividade Física nos tempos livres

mudou durante os anos 90 entre adolescentes de 11, 13 e 15 anos, revelou as seguintes

conclusões: ocorreram mudanças nos 11 países; observou-se um decréscimo no Canadá,

Hungria e Latvia e um aumento na Finlândia nos dois géneros e grupos de idade; pequenas

mudanças registaram-se na Suécia e Noruega; a quantidade de aulas de educação física

poderá ter um efeito nos resultados do estudo; a interpretação dos resultados é difícil

devido a variações no momento da recolha de dados em alguns países. Como conclusão

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mais abrangente, é pertinente constatar que os pais, a escola e organizações desportivas

que trabalham com os jovens necessitam de continuar a apoiar e estimular os adolescentes

a participar em actividades físicas e a promover o exercício físico como uma forma

atractiva e agradável de ocupar o tempo livre. Também do ponto de vista da saúde,

conclui-se que aumentar o tempo livre com Actividade Física é uma medida importante na

“batalha” contra o excesso de peso e problemas complementares (Tynjälä, Kannas,

Komkov, Matos, Ojala et al., 2002).

Apesar de existirem dados convergentes, é muito difícil comparar os níveis de

Actividade Física dos adolescentes, porque os estudos usam diferentes medidas e

definições, existindo variações entre os países e as estações do ano. Neste sentido, Pate,

Long e Heath (1994) descobriram que a estimativa dos minutos de Actividade Física diária

para os adolescentes varia entre 30 a 120 minutos, sendo que a estimativa mais baixa tende

a ser baseada na monitorização da taxa cardíaca e a estimativa maior baseia-se no auto-

relato (Sallis & Owen, 1999).

Sallis e Owen (1999) postularam que, em relação à proporção de adolescentes

sedentários, é difícil encontrar jovens verdadeiramente sedentários, isto porque o nível de

Actividade Física na infância e juventude é habitualmente elevado. Contudo, muitos não

são suficientemente activos para poderem obter benefícios.

De facto, muitos são os comportamentos sedentários adoptados pelos adolescentes,

desde estar sentado nas aulas, ouvir música, “navegar” na internet, jogar playstation, ver

televisão, até estar sentado com os amigos a conversar. Destes, o mais preocupante é ver

televisão, pois segundo estudos realizados nos EUA e Canadá (Pate, Long & Heath, 1994),

os adolescentes vêem em média 20 horas de televisão por semana e as crianças vêem ainda

mais. Esta tendência é ainda mais preocupante, uma vez que, por um lado verificamos uma

forte relação entre ver televisão e obesidade nas crianças (Dietz & Gortmarker, 1985), e

por outro, crianças que vêem televisão por longos períodos de tempo são fisicamente

menos activas do que as que vêem com menor frequência (Robinson et al., 1993 cit. in

Sallis & Owen, 1999).

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Que dados existem em Portugal?

Em Portugal, existem dados válidos obtidos a partir do estudo internacional do

HBSC/WHO (Matos, Carvalhosa & Dinis, 2001). Assim, numa amostra representativa da

população portuguesa com um total de 6903 jovens que frequentavam os 6º, 8º e 10º anos

de escolaridade, com idades médias compreendidas entre os 11 e os 16 anos

respectivamente, os dados relativos à Actividade Física revelaram que: a) 71,9% dos

jovens praticavam Actividade Física para além das aulas de educação física; b) 84,8% dos

rapazes e apenas 39,5% das raparigas referiram praticar Actividade Física; c) os jovens

mais novos (10-13 anos) referiram (76,7%) mais frequentemente praticar Actividade Física

do que os mais velhos (14-17 anos) (32,7%) (Matos et al., 2001).

Outro estudo com dados portugueses do HBSC de 2002 (Matos et al., 2003), e que

comparou inclusive os resultados de 1998 com os de 2002, revelou que: (a) são os rapazes

e os jovens mais novos que praticam mais Actividade Física; (b) são também os rapazes

(48.9%) e os mais novos (41.5%) que referem praticar Actividade Física quatro a sete dias

por semana; (c) a prática de Actividade Física regular é maior nos rapazes e jovens mais

novos; (d) entre 1998 e 2002, nota-se uma descida significativa da prática de Actividade

Física.

Para concluir apresentamos dados mais precisos do relatório do estudo

internacional do HBSC de 2001/2002, onde poderemos comparar os dados Portugueses

com os de outros países (Currie, Roberts, Morgan, Smith, Settertobulte et al., 2002). Os

resultados parecem mostrar que os jovens praticam em média uma hora ou mais de

Actividade Física em 3,8 dias da última semana e de uma semana típica20 (em média).

Estes dados diversificam-se pelos países e regiões, desde uma média de 3.4 dias na Bélgica

(região Flamenga) a 4.9 dias na Irlanda para os rapazes, e uma média de 2.7 dias na França

a 4.1 no Canadá para as raparigas. Portugal situa-se no quartil mais baixo, juntamente com

a Bélgica (Flamenga), França e Itália (ver dados portugueses na Figura 1.2)

20 Este valor é a média do resultado obtido nestas duas semanas (semana típica ou habitual e última semana).

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Figura 1.2. Número de dias em média que os jovens Portugueses são fisicamente activos por uma hora

ou mais: média da última semana e semana típica (Currie at al., 2002, p.93)

4 43,43,4

2,9 2,7

0

5

11 anos 13 anos 15 anos

RapazesRaparigas

Relativamente às diferenças entre os géneros, em todos os países e regiões se

regista uma prática superior da parte dos rapazes nos três grupos de idades (aos 11, aos 13

e aos 15 anos), apresentando uma média de 4.1 dias contra 3.5 dias nas raparigas.

Relativamente à idade, verifica-se igualmente um declínio em todos os países e regiões,

sendo que é mais pronunciado nuns países que noutros. No entanto, em quase todos este

declínio é mais notório nas raparigas do que nos rapazes.

Os dados deste relatório permitiram, também, avaliar em que medida os jovens dos

diversos países preenchem as recomendações da Actividade Física para os adolescentes.

Através do uso da medida da Actividade Física MVPA praticada em média na última

semana e numa semana típica, cerca de um terço dos jovens (34%) relatam praticar

Actividade Física a um nível semelhante ao recomendado: uma hora ou mais de Actividade

Física, pelo menos, de intensidade moderada em cinco ou mais dias por semana. A

variação, neste caso, existe desde os 26% na Bélgica aos 57% na Irlanda para os rapazes e

desde os 12% da França aos 44% dos Estados Unidos para as raparigas. Entre os países

com percentagens mais elevadas está o Canadá, Inglaterra, Irlanda, Lituania e Estados

Unidos. Portugal situa-se no quartil mais baixo entre a Bélgica (Flamenga), Estónia,

França, Itália, e Noruega (ver dados portugueses da Figura 1.3), sendo o que apresenta a

percentagem mais baixa no grupo dos 15 anos.

As diferenças entre géneros são semelhantes às anteriores, havendo, em todos os

países uma maior percentagem de rapazes a preencher as recomendações. Quanto à idade

apesar de na maioria dos países existir um declínio com a idade, num grupo muito restrito,

nos quais se inclui Portugal, não se verifica este declínio (ver Figura 1.3).

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Figura 1.3. Preenchimento das recomendações para a Actividade Física pelos jovens portugueses (%)

(Currie et al., 2002, p.94)

38 38,3

24,622,314,5 13,2

0

50

11 anos 13 anos 15 anos

RapazesRaparigas

Apesar da comparação destes dados internacionais ter algumas limitações

metodológicas, seja pelas diferenças culturais, sazonais ou de tradução dos conceitos,

parecem ser elucidativos quanto à taxa de Actividade Física abaixo das recomendações

para os adolescentes. Mesmo nos países com os maiores níveis de Actividade Física, a taxa

não ultrapassa muito os 50% e variando muito com a idade, o género e a geografia.

Esta situação sugere-nos que é necessário investir muito trabalho no sentido de

promover os níveis de Actividade Física de forma a maximizar os potenciais benefícios

para a saúde.

Síntese

Apesar da complexidade que gera o conceito de Actividade Física, todos os autores

são unânimes em considerar que a Actividade Física é um indicador imprescindível à

promoção da saúde, bem-estar e qualidade de vida. A prática de Actividade Física é, deste

modo, considerada um comportamento de saúde, influenciada por uma diversidade de

factores, e profundamente ligada aos estilos de vida saudáveis, equilibrados e activos.

Os adolescentes constituem, por isso, fonte de preocupação e de investimento, na

medida em que todos os estudos existentes nas mais diversas áreas e temas, mostraram que

qualquer intervenção nesta etapa leva a um melhor ajustamento físico, psico-emocional e

social no estado adulto, promovendo assim a saúde.