Capítulo XXIVsara12d

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    Captulo XXIV

    Tal como fazia regularmente, Baltasar fora visitar a Passarola. Devido a este

    facto, Blimunda optou por ir ao seu encontro, percorrendo os caminhos que eram

    geralmente utilizados por ele. J no final da vila de Mafra, resolveu esperar por

    Baltasar, sentada num valado de onde podia ver as pessoas que se dirigiam para a vila

    com o intuto de assistir s comemoraes relacionadas com a inaugurao do

    Convento.

    Alguns dos homens que por ali passavam aproveitavam-se do facto dela se

    encontrar sozinha naquele local para se aproximarem, sendo que, para afastar um

    deles, Blimunda, aproveitando o facto de estar em jejum, disse-lhe que tinha um sapo

    no corao, que cuspia nele, em si, e em toda a sua gerao.

    Quando finalmente anoiteceu, Blimunda resolveu voltar para casa, onde jantou

    com os seus cunhados e sobrinho, na esperana de que Baltasar regressasse

    entretanto. Nessa noite, Blimunda Sete-Luas no conseguiu dormir com a aflio que

    sentia por o seu companheiro ainda no ter regressado.

    Na manh seguinte, saiu de casa em busca de Sete-Sis, precisamente no dia da

    chegada delrei a Mafra, acompanhado de toda a Casa Real.

    Enquanto os cortejos e festejos ocorriam na vila, Blimunda ia perguntando

    queles que encontrava pelo caminho se tinham visto um homem maneta, escuro e

    grisalho, ficando desanimada com as sucessivas respostas negativas.

    Depois de muito caminhar, j envolta na fadiga e no cansao, esforou-se por

    acreditar que voltaria a ver Baltazar , comeando a gritar pelo seu nome, mas no

    obtendo qualquer resposta.

    Quando, por fim, chegou ao local onde estava a Passarola, apanhou uma

    enorme desiluso, pois no encontrou nem a Passarola nem Baltasar, apenas o seu

    alforge. Assim sendo, olhou para o cu, tentando avistar a mquina voadora, mas sem

    sucesso. Desapontada, pegou no alforge e seguiu caminho, procurando Baltasar nas

    proximidades do local, mas escolhendo apenas os pontos mais altos que lhe

    oferecessem uma melhor viso das redondezas.

    Por fim, optou por escalar o Monte Junto. Pelo caminho encontrou um fradedominicano, que lhe ofereceu um local prximo do seu convento para passar a noite,

    insistindo repetidas vezes que a serra abrigava perigos durante a noite. Blimunda no

    deu uma resposta em concreto sua proposta, resolvendo continuar a sua caminhada,

    mas, antes de a recomear, aproveitou para comer uns restos de comida que Baltasar

    deixara no alforge . Aps esta breve pausa, Sete-Luas sentiu-se bastante desamparada

    e desfez-se em lgrimas. Ainda com a pouca coragem que lhe restava, conseguiu

    descer uns cem passos em direco ao vale, mas todas as sombras e outros mais

    perigos que imaginava fizeram-na gelar de medo, levando-a a voltar para trs, para o

    local que lhe fora anteriormente aconselhado pelo frade.

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    Quando chegou ao convento, comeou a ouvir um murmrio entoado de

    oraes, provenientes do seu interior. Ao lado deste, conseguiu descobrir as ruinas

    que lhe tinham sido indicadas e preparou-se, ento, para passar a noite num recanto.

    Durante a noite, Blimunda foi acordada pela presena inquietante do frade

    dominicano. Assustada com toda aquela situao, pegou no espigo que se encontravano alforge, o qual acabaria por usar contra o frade, que tentou violla, matando-o.

    Aterrorizada, fugiu o mais rapidamente possvel do local, sem que fosse vista

    pelos restantes frades do convento, mas no sem antes se apropriar das sandlias do

    religioso, visto que os seus sapatos se encontravam j bastante gastos.

    Caminhou durante toda a noite, parando apenas, j na manh seguinte, numa

    ribeira, na qual se defez das sandlias, no fosse algum associ-la ao crime cometido,

    e retirando parte da sua saia que se encontrava manchada com sangue.

    Uma nova fora ressurgiu em Blimunda, que ficou de repente confiante de que

    poderia ter-se desencontrado de Baltasar, e de que ele, provavelmente, j estaria sua espera em Mafra.

    Mergulhada nesta crena, Sete-Luas correu at Mafra, mas em pouco tempo

    voltou a sentir-se sozinha e desesperada, pois no o encontrou como esperava. Assim,

    fatigada pelo largo percurso que caminhara, adormeceu profundamente.

    Mais tarde foi acordada pela sua cunhada, que regressara das comemoraes

    feitas ao longo do dia, indo depois jantar.

    Na manh seguinte, Blimunda esqueceu-se de comer o po, como fazia

    habitualmente mal acordava. Deste modo, ao entrar na cozinha, acabou por ver o

    interior dos seus cunhados, situao que a fez sentir bastante desconfortvel,

    chegando mesmo a ter vmitos, que foram interpretados por Ins Antnia como

    sintomas de uma gravidez.

    Nesse dia procedeu-se beno das cruzes, dos quadros das capelas, e outros

    objectos de culto, bem como do convento e respectivas instalaes.

    No dia seguinte (22 de Outubro de 1930), ocorreu o evento que era por todos

    esperado com grande ansiedade, a inaugurao do Convento de Mafra. Este tambm

    o dia em que o rei cumpre 41 anos de idade.

    Para assistir a toda a cerimnia, Blimunda e os seus cunhados saram de casa s

    4 da manh, com o intuto de conseguirem um bom lugar no meio de setenta a oitenta

    mil pessoas que l se encontravam. Porm, Blimunda no permaneceu at ao final das

    festividades, voltando para casa, onde recolheu alguns mantimentos para a viagem

    que pretendia fazer em busca de Baltasar.

    Desta vez nada temeria.

    Sara Silva, n 25. 12 D.