Célestin Freinet (1)

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Transcript of Célestin Freinet (1)

  • FREINETCLESTIN

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  • Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho

    Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy RibeiroDurmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

    Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim

    Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

    Alfred Binet | Andrs BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci

    Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin FreinetDomingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim

    Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich

    Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart

    Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset

    Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

    Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco

    Coordenao executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

    Comisso tcnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

    Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle,Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas,

    Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero

    Reviso de contedoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto,Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

    Secretaria executivaAna Elizabete Negreiros Barroso

    Conceio Silva

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  • FREINETCLESTIN

    Louis Legrand

    Traduo e organizaoJos Gabriel Periss

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  • ISBN 978-85-7019-556-2 2010 Coleo Educadores

    MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana

    Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbitodo Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a

    contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoriada equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no

    formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as

    da UNESCO, nem comprometem a Organizao.As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao

    no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCOa respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio

    ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

    A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.

    Editora MassanganaAvenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

    www.fundaj.gov.br

    Coleo EducadoresEdio-geralSidney Rocha

    Coordenao editorialSelma Corra

    Assessoria editorialAntonio Laurentino

    Patrcia LimaReviso

    Sygma ComunicaoReviso tcnica

    Rogrio de Andrade CrdovaIlustraes

    Miguel Falco

    Foi feito depsito legalImpresso no Brasil

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)

    Legrand, Louis. Clestin Freinet / Louis Legrand; traduo e organizao: Jos Gabriel Periss. Recife: Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 150 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-556-21. Freinet, Clestin, 1896-1966. 2. Educao Pensadores Histria. I. Periss,Jos Gabriel. II. Ttulo.

    CDU 37

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  • SUMRIO

    Apresentao por Fernando Haddad, 7

    Ensaio, por Louis Legrand, 11Uma vida excepcional, 11A originalidade das Tcnicas Freinet, 15A transformao do aprendizado (1956), 17O aprendizado da leitura, 17A leitura-trabalho e a biblioteca de trabalho, 19O aprendizado da escrita e da expresso escrita, 20Ortografia e gramtica, 21O clculo vivo, 21Cincia, histria e geografia, 22Educao artstica, 24A transformao do contexto institucional, 25O Movimento Freinet e aCooperativa de Ensino Laico, 26Freinet atual, 30Qual a filosofia?, 27Uma contribuio tcnica ainda vlida, 31A significao filosfica das tcnicas, 33

    Textos selecionados, 39Pedagogia do bom senso, 39A educao do trabalho, 67

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  • 6Cronologia 141

    Bibliografia, 145Obras de Clestin Freinet, 145Obras sobre Clestin Freinet, 145Obras de Clestin Freinet em portugus, 146Obras sobre Clestin Freinet em portugus, 146

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  • 7O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educa-dores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colo-car disposio dos professores e dirigentes da educao de todoo pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeramalguns dos principais expoentes da histria educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentosnessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas aoobjetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e daprtica pedaggica em nosso pas.

    Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao insti-tuiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unescoque, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros etrinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimentohistrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avanoda educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau ofEducation (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos mai-ores pensadores da educao de todos os tempos e culturas.

    Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projetoeditorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto PauloFreire e de diversas universidades, em condies de cumprir osobjetivos previstos pelo projeto.

    APRESENTAO

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  • 8Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favo-rece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, comotambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a pr-tica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transiopara cenrios mais promissores.

    importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coinci-de com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao esugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de espe-ranas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas quese operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulga-o do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundao, em 1934, da Uni-versidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tobem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.

    Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e doEstado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passa-do, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-bilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas edu-cacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprova-o, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases nocomeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas easpiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetiza-das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido porFernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

    * A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste

    volume.

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  • 9Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio daeducao brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, doPlano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanis-mo de estado para a implementao do Plano Nacional da Edu-cao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educa-cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no serdemais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cujareedio consta da presente Coleo, juntamente com o Manifestode 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos pro-blemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao daeducao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideiase de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer daeducao uma prioridade de estado.

    Fernando HaddadMinistro de Estado da Educao

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    Uma vida excepcional

    Clestin Freinet nasceu em 15 de outubro de 1896, em Gars,pequeno povoado montanhs, nos Alpes martimos franceses. Suainfncia e adolescncia foi a mesma dos camponeses da poca, emmeio aos trabalhadores rurais, numa regio pobre, de clima muitofrio, apesar da proximidade com o Mediterrneo. Pastorear ovelhasera uma atividade que para ele no tinha segredos. Sua esposa, lise,escreveu: a experincia pastoril ser, para Freinet, um tema constan-te em sua experincia educadora (Freinet, 1977). Depois de ter con-cludo os estudos iniciais na cidade de Grasse, ingressou na EscolaNormal de Professores, em Nice. Foi quando estourou a PrimeiraGuerra Mundial, em 1914, e Freinet alistou-se no Exrcito em 1915.

    Em 1917, com 21 anos de idade, foi gravemente ferido na Bata-lha Chemin des Dames. Recebeu as condecoraes Cruz de Guerra eLegio de Honra. Indo de um hospital a outro, sua convalescena

    CLESTIN FREINET1

    (1896-1966)2

    Louis Legrand3

    1 O ttulo original do autor: Clestin Freinet: um criador comprometido a servio da escolapopular.2 Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle dducation compare.Paris, Unesco: Escritrio Internacional de Educao, v. 23, n 1-2, pp. 407-423, 1993.3 Louis Legrand (Frana) professor emrito de Cincias da Educao na Universidade

    Louis Pasteur, de Estrasburgo. Ex-professor das Universidades de Besanon e Paris V.

    Ex-diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Investigaes Pedaggicas (Paris). Autor

    de numerosos artigos e obras, dentre os quais cabe mencionar: Pour une pdagogie deltonnement (1960), Pour une politique dmocratique de leducation (1977) e Lecoleunique: a quelles conditions? (1981). co-autor de Pour un college dmocratique. Rapportau Ministre de leducation nationale (1983) e Enseigner la morale aujourdhui (1991).

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    durou quatro anos. Com o pulmo direito prejudicado, nunca se re-cuperou completamente dos ferimentos sofridos. Respirava com di-ficuldade, e esse fato ele prprio interpretava como causa parcial docarter inovador de suas ideias pedaggicas, em que a atividade dosalunos substitui em boa medida a tcnica giz e cuspe do professor.

    Em 1920, foi nomeado professor assistente numa pequena es-cola de duas classes em Bar-sur-Loup, lugarejo de 1 000 habitantes,localizado nos Alpes martimos, prximo a Grasse e Vence, regiorstica e pitoresca, longe da costa, repleta de vales, montanhas semvegetao, desfiladeiros e algumas plantaes de oliveiras. Esta re-gio, que hoje se tornou ponto turstico, foi o contexto inicial dotrabalho pedaggico e militante de Freinet. Foi nesse vilarejo que oprofessor recm-formado criou a imprensa dentro da escola, dan-do incio ao mesmo tempo a um movimento nacional com artigosseus publicados em vrios jornais do pas. Participou de congressosinternacionais da Educao Nova, entrando em contato com gran-des educadores da poca, como Ferrire, Claparde, Bovet eCousinet. Leu os clssicos da pedagogia contempornea, preparan-do-se para um concurso de superviso primria, no qual foi repro-vado. Decidiu ento se afastar definitivamente, no s da pedagogiatradicional, mas tambm da nova pedagogia, apesar das descober-tas que fez ao conhecer a obra de Ferrire (cf. lise Freinet, 1968).

    Tambm encontrava tempo para se interessar pelo desenvolvi-mento de sua cidade natal, onde fundou uma cooperativa de traba-lhadores com a finalidade de eletrificar o povoado. Membro ativodo sindicato e do partido comunista, em 1925 visitou a Unio Sovi-tica numa delegao sindical. L encontrou Krupskaya, companhei-ra de Lnin e ministra da Educao. Esta atividade sindical e polticaexerceu profunda influncia sobre a concepo da pedagogia popu-lar que nele ia amadurecendo, e sobre a qual voltaremos a falar.

    Quando, em 1928, Freinet e sua esposa, lise, foram transferi-dos de Bar-sur-Loup para Saint-Paul-de-Vence, o essencial de sua

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    obra j estava delineado: a imprensa escolar, a correspondnciainterescolar, a cooperativa escolar e, em nvel nacional, a Coopera-tiva de Ensino Laico. Freinet, a essa altura, graas aos congressosde que participava ou organizava, era bastante conhecido tanto naFrana como no exterior.

    Entre 1929 e 1933, o casal Freinet aprofundou e desenvolveuo movimento a que deram incio. Mas Saint-Paul-de-Vence noera Bar-sur-Loup. Vence era um centro turstico florescente, e apresena de dois professores comunistas era cada vez menos tole-rada, na mesma proporo em que se ampliavam suas atividades,nacional e internacionalmente.

    Histrias infames de banheiros sujos e entupidos serviramcomo pretexto para que as autoridades direitistas da municipalidaderequisitassem e conseguissem a remoo desses professores in-convenientes. Mas o que realmente incomodava eram os textosque os seus alunos escreviam com espontaneidade, criticando aber-tamente as figuras ilustres da cidade! O ano de 1933 assistiu aocrescimento da extrema direita na Frana, Alemanha, Itlia eEspanha. O casal Freinet, novamente em Bar-sur-Loup, no acei-tou a transferncia, apesar da acolhida dos pais e alunos. Pediramdemisso e, a partir daquele momento, foram-se consagrar inte-gralmente Cooperativa de Ensino Laico, que se tornou uma ver-dadeira empresa de produo de material didtico e de publica-o de documentos sobre educao.

    Nasceu assim a ideia de uma escola livre e experimental. Em1934 e 1935, apoiado pelo Movimento, Freinet obteve de amigospolticos e da imprensa de esquerda as condies para construir suaprpria escola, em Vence. Ele mesmo colocou mos obra. O lugarera isolado. O terreno situava-se numa colina, sobre um pequenovale. O acesso era um caminho pedregoso. A escola era simples,construda de modo artesanal, em pavilhes. No meio do ptio, umapiscina sombreada, onde as crianas pudessem brincar. As salas de

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    aula eram espaosas. Predominavam as cores verde e branca. Osalunos, em sua maior parte, eram internos, provenientes das camadassociais desfavorecidas ou de famlias em dificuldades. A maioria sofilhos de operrios parisienses, casos encaminhados pela assistnciasocial, filhos de professores que vieram para c por problemas desade, e mais quatro ou cinco filhos de famlias com recursos quetm plena confiana em ns (lise Freinet, 1968). O sol brilhava alie o clima campestre tinha a fragrncia tpica da regio.

    Anos de 1939-1940. Primeiros sinais de convulso e a SegundaGuerra Mundial eclodiu. Freinet, conhecido comunista, foi conside-rado perigoso por eventuais atividades subversivas de sua organiza-o. A Unio Sovitica e a Alemanha nazista assinaram um pacto deno agresso. Freinet foi preso e levado para um campo de concen-trao, mas a seguir libertado. Durante o conflito, integrou e depoisdirigiu o grupo da Resistncia em Brianon. Com a libertao daFrana, presidiu ao Comit de Libertao dos Altos-Alpes, reto-mando suas atividades em Vence. Em 1948, a Cooperativa de En-sino Laico transformou-se no Instituto da Escola Moderna, comsede em Cannes, tornando-se importante centro de produo e di-fuso de material pedaggico. Em 1950, Freinet foi expulso doPartido Comunista por no concordar mais com suas polticas. Suasada provocou grande agitao dentro do Movimento, que adqui-rira importncia nacional e internacional. Seus congressos converte-ram-se em vivos confrontos pedaggicos. Freinet faleceu em Vence,em 1966. O Movimento continuou aps sua morte, e lise Freinetencarregou-se de manter viva a memria do marido.

    Podemos entender melhor essa personalidade excepcional selembrarmos alguns dos seus traos biogrficos fundamentais: suajuventude transcorrida entre os camponeses da Alta Provena, o queinfluenciou fortemente sua maneira intuitiva e concreta de pensar aeducao; de modo mais geral, na prpria Alta Provena, que elenunca abandonou, respira-se, mesmo com o desenvolvimento in-

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    dustrial e urbano, um profundo sentido da vida e do prazer de estarvivo; sua dedicao causa popular e o senso de justia social, que olevaram a conceber uma proposta educacional que promovesse alibertao intelectual da classe operria, e que o fizeram filiar-se aoPartido Comunista, bem como, mais tarde, com esse mesmo par-tido se indispor; sua habilidade organizacional e sua tranquila tenaci-dade em meio s piores dificuldades fsicas, psicolgicas e, maisfrequentemente, financeiras; sua cultura e sua curiosidade semprealerta perante tudo o que pudesse supor inovaes tcnicas econceituais; enfim, seu amor pela humanidade e sua cordialidade,que impressionavam a todos os que o conheceram, entre os quaistenho a honra de me incluir.

    As inovaes pedaggicas que vamos agora examinar s ad-quirem pleno significado em relao com aquela personalidadeque as introduziu. Sua pedagogia foi pensada como uma atividadeconcreta, vivenciada como tcnicas de vida, segundo suas pr-prias palavras, a servio da libertao dos homens.

    A originalidade das Tcnicas Freinet

    lise Freinet demonstrou de forma clara como a experinciade Bar-sur-Loup, antes da Primeira Guerra, levou Freinet a absor-ver inicialmente e a ultrapassar depois as ideias reinantes no movi-mento da educao nova que ele dirigiu (1968).

    Em primeiro lugar, a necessidade imperiosa, experimentadafsica e psicologicamente, de sair da sala de aula em busca da vidaexistente no entorno mais prximo, o campo, e em contato com aprtica artesanal que ainda se encontra neste meio. A primeira ino-vao, portanto, ser a aula-passeio, com a finalidade de observaro ambiente natural e humano. De volta sala de aula, recolhem-sedessa observao os reflexos orais, tendo em vista a criao detextos, que sero corrigidos, enriquecidos e constituiro a base paraa aprendizagem das habilidades bsicas tradicionais necessrias ao

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    aperfeioamento da comunicao. At aqui no h nada de novocom relao ao estudo do entorno preconizado por Decroly. MasFreinet recusa-se a seguir Decroly at o fim.

    As orientaes tericas das etapas psicolgicas vinculadas sgrandes funes vitais, que norteiam a organizao sistemtica doestudo do meio alimentao, proteo contra as intempries,defesa contra os perigos, solidariedade humana , parecem, paraFreinet, impedir que venham tona os verdadeiros interesses dacriana. Pensava ele que o estudo do entorno s faz sentido real-mente quando h tambm um esforo para agir sobre ele e trans-form-lo (Vuillet, 1962).

    Por isso, Freinet bem cedo ampliou e enriqueceu esse estudo,acrescentando duas dimenses complementares: por um lado,deu ateno aos testemunhos individuais dos alunos desejososde compartilhar com seus colegas acontecimentos importantes,e da surgiu o texto livre; por outro lado, surgiu o jornal escolar, aser distribudo entre as famlias, e, sobretudo, a correspondnciainterescolar, pela qual uma escola comunica a outras o essencial des-ses testemunhos individuais, escolhidos de forma democrtica emsala e editados coletivamente para sua comunicao. A comuni-cao, que equivale socializao, torna-se instrumento por exce-lncia do acesso escrita. O desejo de comunicar transformar oestudo do entorno em observao meticulosa, com a finalidadede transmitir algo a pessoas estranhas quele entorno. Alm disso,identifica-se e cria-se o meio tcnico capaz de viabilizar essa comu-nicao, vale dizer, a imprensa escolar e a linogravura. Estudo do en-torno, imprensa, jornal e correspondncia escolares tornar-se-oinstrumentos primordiais de uma revoluo pedaggica. As fitasmagnticas e o gravador de rolo, o filme e, hoje em dia, a cmerade vdeo, complementaro mais tarde o arsenal tcnico dessa co-municao que se torna o objetivo concreto da aprendizagem daescrita e da criao e edio de textos.

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    O aprendizado da matemtica sofrer a mesma transforma-o radical. Para Freinet, o clculo deve ser um instrumento deao sobre as coisas. A aritmtica se justifica, no pelo acesso desen-carnado aos nmeros e s operaes, mas na medida em que sirvapara medir os campos, pesar os produtos, calcular os preos, osjuros devidos ou a se cobrar. Trata-se, portanto, de mergulhar oclculo escolar na vida do entorno, convertendo-o num clculo vivo.A prpria classe, concebida como um meio tcnico de vida,oferecer a base dessas atividades matemticas.

    A imprensa, o jornal escolar, a correspondncia interescolar e asexcurses a lugares mais distantes implicam gastos e, nos povoadospobres, no se pode contar com a ajuda financeira das autoridadeslocais. Convm, por isso, encontrar formas de levantar fundos. Acooperativa escolar nasceu dessa dupla exigncia: motivar o estudodo clculo e sustentar financeiramente os escritrios da escola. Daque, naturalmente, a cooperativa se torne um lugar de reflexo, deelaborao de projetos, de tomadas de deciso, de contabilidade ede avaliao das possibilidades futuras. Seu funcionamento requer aeleio de responsveis e reunies peridicas de discusso e controle.Desse modo, as tcnicas de comunicao escolar tornam-se o instru-mento de uma formao cvica mediante a ao, e no mediantediscursos sobre instituies longnquas, s quais somente o funciona-mento cotidiano da instituio escolar dar um significado concreto.

    A transformao do aprendizado (1956)

    Estas so as grandes linhas orientadoras do quadro de ativida-des, mas no se referem concretamente s aprendizagens especfi-cas e indispensveis: leitura, escrita, ortografia e clculo.

    O aprendizado da leitura

    A preocupao fundamental com a comunicao produzir umaprtica original do aprendizado da leitura. A tcnica empregada na

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    Frana durante o perodo entre as duas Guerras era o da construosinttica: dos sons para a letra, das letras para a slaba, das slabaspara as palavras, das palavras para a frase. Esse modo progressivode aprender, mediante combinaes, usava o quadro-negro, diantedo qual os alunos eram convidados a decifrar em coro: B mais A,BA; B mais O, BO etc. As palavras utilizadas eram as que nasciamdessa produo sinttica: BALA, BOLA etc. Os textos lidos eramartificiais e pueris, e em todo caso absolutamente estranhos vidarealmente vivida. O maior problema consistia em passar dessa gi-nstica formal leitura de textos reais. O abismo era geralmenteto grande que os alunos s com muita dificuldade passavam dodeciframento para a leitura, ou seja, para o sentido do texto. Apropsito, h aquela histria contada por Alain: num trem, um ho-mem l o jornal. Seu vizinho pergunta-lhe: e ento, quais so asnotcias de hoje? E o outro responde: No sei... estou lendo!.

    Para Freinet, essa tcnica era a morte do esprito. Ler, ao contrrio, ir procura do sentido. Da o seu interesse pelas tcnicas e teoriasdesenvolvidas por Decroly: o texto no percebido sinteticamente,letra a letra, mas de modo global, como estabelecido pela psicologiada gestalt. Convm, portanto, utilizar no ensino da leitura essa pro-priedade natural da percepo: esta a base da leitura global, queparte das palavras, apreendidas e reconhecidas globalmente, vai at asslabas, produzidas pela decomposio das palavras com o reconhe-cimento das similitudes, e, por fim, at os sons descobertos medianteesse mesmo processo analtico. Da em diante possvel voltar-se paraa composio de novas palavras e da escrita.

    Define-se assim um mtodo analtico-sinttico que Freinet des-cobre e no qual vai se inspirar, embora ultrapassando a perspecti-va original. O acesso ao texto escrito deve ser, inicialmente, umabusca do seu sentido. Seguindo nisso as intuies de Rousseau,Freinet considera que o texto em primeiro lugar produto deuma vontade que quer se comunicar.

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    Nesse sentido, a leitura inseparvel da escrita, mas da escritacomposta por palavras e frases significativas, e no um conjuntoabstrato de sons. Eis a razo pela qual ele empregar o mtodoglobal numa perspectiva prpria, na qual se valoriza o texto livre,ou, mais basicamente, a expresso oral livre. As crianas fazemseus relatos oralmente, e o professor escreve no quadro-negro, demodo simples, o que se contou. Faz-se ento uma leitura dorelato, cujas palavras so copiadas e guardadas em fichas para acomposio de futuras narrativas.

    Outra possibilidade agrupar essas palavras por semelhanafontica, por exemplo, palavras em que se ouvem as slabas raou li. Essa decomposio no induzida de modo artificial, masse realiza medida que a criana, espontaneamente, faz suas des-cobertas e percebe a necessidade de tais procedimentos. A im-presso dos textos por uma equipe competente e, logo depois,pelos prprios autores, dar conta do aspecto analtico, ao mesmotempo em que vai assegurar a comunicao pelo jornal escolar esua distribuio fora da escola. Revela-se aqui tambm a oposiofundamental entre o aprendizado sistemtica e abstratamenteconstrudo e o aprendizado espontneo, feito de tentativas e deerros que se corrigem, tendo em vista o objetivo a atingir. Voltareia esse tema mais adiante.

    A leitura-trabalho e a biblioteca de trabalho

    A leitura como tcnica adquirida, e mesmo antes, quando esseprocesso teve incio, recebe de Freinet pleno sentido. Ler, para ele,no ler de modo repetitivo trechos escolhidos pelo autor de ummanual ou pelo professor. Ler procurar o texto de que se temnecessidade, seja para se distrair ou, sobretudo, para agir. A leituracomo tcnica de vida , antes de tudo, como dizia ele, leitura-trabalho, por oposio leitura haxixe, que nos aliena da reali-dade, mergulhando-nos na fantasia. Essa a razo pela qual a Co-

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    operativa de Ensino Laico publicou livretos acessveis s crianasde diferentes idades. Os pequenos leitores encontravam, aps con-sulta a um fichrio denominado Biblioteca de trabalho, textosque os ajudavam a aprofundar em determinado tema. Essa leituranaturalmente contribua para o aprofundamento do estudo doentorno em que as crianas viviam, enriquecido tambm com asinformaes enviadas pela correspondncia. Essa leitura podia,enfim, ajudar na exposio oral que o aluno viesse a fazer diantede seus colegas, ilustrando-a com desenhos e slides.

    O aprendizado da escrita e da expresso escrita

    A imprensa como instrumento pedaggico de comunicaofoi certamente o ponto forte da inovao de Freinet em matrialingustica, e no foi por acaso que ele, militante da causa prolet-ria, teve essa ideia. A imprensa e as tipografias foram, no incio daluta operria, o trabalho nobre por excelncia. Imprimir traba-lho manual que concretiza e difunde o pensamento. Mas tam-bm nesse momento que se concentra e, de certo modo, se veneraa correo do idioma. No se trata de trabalho a ser feito dequalquer maneira. Se hoje a imprensa talvez o nico lugar em queo respeito ortografia e pontuao encontra refgio, era maisainda no tempo em que Freinet concebeu a imprensa escolar.

    Querer imprimir querer comunicar-se em grande escala. Im-primir , em termos funcionais, analisar a linguagem, letra por le-tra, e observar a correo ortogrfica. Partindo de textos livres,submetidos a debate e coletivamente modificados e aperfeioa-dos, o aluno-impressor encontra-se frente a frente com a exign-cia da legibilidade. As falhas no so mais aqueles erros que apenaso professor detectou, so obstculos comunicao pblica. Evit-los torna-se, portanto, questo de honra. As regras ortogrficas egramaticais, na medida em que permitam compreender os erroscometidos, passam a ser meio necessrio para a boa realizao da

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    tarefa. Aprender as etapas de composio e impresso torna con-cretos os conceitos de diviso de trabalho e cooperao.

    Ortografia e gramtica

    Como evitar os erros se no se conhecem as regras e as razesque definem o certo e o errado? Freinet no desprezava a importn-cia de trazer o conhecimento necessrio no momento adequado. Namedida do possvel, o aluno ter sua autonomia garantida, servin-do-se ele prprio do dicionrio e da gramtica, bem como utilizan-do fichas autocorretivas. Por outro lado, nada impede que o profes-sor ensine. Mas, diferentemente de como ocorre na pedagogia tra-dicional, esse ensinamento no decorre de uma progresso terica eabstrata. Nasce de necessidades comprovadas: como se escreve estaou aquela palavra? Tal palavra com s ou com z?

    Os exerccios de reforo e aperfeioamento devero sempreajustar-se realidade concreta, sem sobrecarregar a memria doaluno com regras abstratas. Em geral, sero suficientes as tentativasdo prprio aluno e as palavras de encorajamento por parte doprofessor. Em algum caso, porm, e somente quando houver re-almente necessidade, a aula ser ministrada.

    Para corrigir, Freinet confiava, de modo especial, na influnciaque os alunos recebiam no contato vivo da produo de enuncia-dos. E chegava a perguntar, de modo provocativo: A gramticaserve para alguma coisa?. Estudos experimentais objetivos de-monstraram, posteriormente, que boa parte dos ensinamentos gra-maticais intil e acarreta confuses persistentes, alm do esque-cimento do que j foi aprendido (Roller, 1948; Dottrens, 1921;Legrand, 1970).

    O clculo vivo

    Expliquei anteriormente como as atividades matemticas ga-nham vida quando realizadas com base nas necessidades reais do dia

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    a dia escolar. O aprendizado clssico do clculo nos primeiros anosescolares e, de modo mais intenso, no ensino mdio, um universopeculiar, puramente abstrato e formal. E por isso que a maioriados alunos encara a matemtica como um jogo absurdo e incom-preensvel. Freinet quis mergulhar o ensino de matemtica na reali-dade concreta, recorrendo medio como instrumento privilegia-do. O ensino das medidas, por sua vez, para enraizar-se, exigia ativi-dades concretas de fabricao, cultivo, pecuria, comercializao:extenso do solo, volume, peso, problemas relativos quantidadede alimentao dos coelhos, das galinhas, compra de sementes, ven-da da colheita, todas essas ocasies so teis para o clculo vivo.

    Sem dvida, tal como no caso do aprendizado do idioma,convm conhecer as regras, o raciocnio matemtico. A diferenaest em que, nessas novas condies, tais regras no caem docu, mas so vistas como necessrias para a resoluo de proble-mas prticos que nascem da jardinagem, da fabricao de objetos,da organizao de uma visita a pessoas com quem os alunos secorrespondiam ou do envio de correspondncia interescolar.

    Freinet no ficar indiferente ao nascimento da matemticamoderna e ao seu carter de jogo, at mesmo com relao aomaterial, a seu ver problemtico, empregado pelos educadoresZoltan Dienes e Georges Papy. lise Freinet tinha uma viso maispositiva quanto aos possveis estmulos do ldico no raciocniopuramente matemtico. A doutrina freinetiana no est definidanesse ponto. Os escritos existentes so menos ricos nesse domniodo que aqueles que tratam de lngua e comunicao.

    Cincia, histria e geografia

    Considera-se, de um ponto de vista tradicional, que estes dife-rentes saberes pertencem a disciplinas distintas. Trata-se de modogeral de um conhecimento livresco e abstrato, exceo feita s ci-ncias, na medida em que se recomenda partir da experincia.

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    Foi Jules Ferry quem introduziu na Frana, em 1880, a lio decoisas, inspirado no exemplo norte-americano. Na prtica, e nomelhor dos casos, partia-se efetivamente de um objeto ou de umfato observado, mas a escolha do assunto era arbitrria e imposta,segundo sequncia j determinada pelo manual adotado. A obser-vao era dirigida, coletiva, e no ultrapassava a descrio dos fatos:aspectos externos, medida dos deslocamentos ou alteraes de vo-lume e peso etc. A explicao cabia exclusivamente ao professor, deforma que o esquema predeterminado substitua rapidamente a ob-servao e a ao sobre as coisas. No fim, um resumo era distribu-do para que os alunos estudassem (Legrand, 1960).

    De acordo com os mesmos princpios que o inspiravam no ensi-no da lngua e do clculo, Freinet quer que as observaes concretassejam feitas no ambiente vivo. Assim, o estudo do meio continua a sero ponto de partida, mas o essencial, para Freinet, no a observaoapenas. H tambm, e sobretudo, a necessidade de compreender e anecessidade de agir. A cincia no , para ele, um corpo de doutrinaacabado, a ser transmitido dogmaticamente, mas um movimento embusca do conhecimento objetivo que preciso organizar.

    O ponto de partida a surpresa perante a realidade, e a necessi-dade, ao mesmo tempo, de compartilhar com os demais essa admi-rao e a busca de uma explicao. O esforo que se segue aprpria investigao, mediante a discusso e a inveno coletiva demeios de verificao. Ou seja, o mais importante, para Freinet, acriao de meios que suscitem perguntas. O ensino cientfico deveenraizar-se na atividade tcnica. Por isso o trabalho manual para afabricao de objetos teis, a criao de animais e a horta escolarconstituem os meios fundamentais. As tcnicas, particularmente asartesanais, mais fceis de aprender do que as da grande indstria,constituem tambm os ncleos iniciais de complexos de interes-ses, como dizia Freinet, nos quais a comunicao oral e escrita atuacomo instrumento dessa investigao coletiva.

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    O ensino de histria e geografia obedecer aos mesmos princ-pios. Em histria, o objeto est distante no tempo, e a geografiaevoca e refere-se a locais inacessveis, o que pode representar umadificuldade. Mas o essencial continua a ser a compreenso do que hde constante: uma histria e uma geografia gerais. Portanto, tambmaqui, o ponto de partida explorar, no ambiente prximo, os vest-gios humanos e os lugares significativos. O objetivo, no caso dahistria, reconstruir o passado da localidade pela pesquisa e peloestudo dos monumentos e de diversos outros indcios, bem comodas narrativas feitas por pessoas mais velhas, a serem registradas emfitas magnticas ou anotadas num caderno. No caso da geografia,trata-se de estudar as granjas e usinas do local, as vias de comunica-o, o tipo de habitao, a fauna, a flora etc. Esses so o ponto departida de uma pesquisa, mais geral, cujas respostas sero encontra-das na leitura de textos da Biblioteca de Trabalho, organizada comessa finalidade. preciso dizer que, para Freinet, esses estudos visa-vam, antes de mais nada, ao conhecimento da aventura humana, dossofrimentos e progressos para um mundo melhor.

    Educao artstica

    Assim como a vida e o entorno motivam a expresso escrita,tambm a expresso artstica, ligada vida, encontrava ali a basede seu ensinamento, em particular a pintura. Os textos eram ilus-trados e se multiplicavam os desenhos pela linogravura, um tipoespecial de impresso. Pintavam-se grandes quadros, individual-mente ou em grupo. Sem dvida, existia um estilo Freinet paraessas produes, conforme se v em LArt enfantin, publicaoconsagrada arte pictrica e poesia. Os desenhos eram muitocoloridos e, com frequncia, havia at um excesso de tintas. Che-gou-se a dizer que esse estilo, bem caracterstico, devia-se a umamanipulao inconsciente, perceptvel tambm na liberdade deexpresso oral e escrita. E, com efeito, os mtodos Freinet susci-

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    tam um estilo de expresso, como o fazem, alis, os mtodostradicionais de aprendizagem sistemtica. Mas as finalidades dosdois tipos de ensino so diversas, pois diversos so os ideais que asinspiram. O perfil da criana vinha a ser outro, portanto, e talveztambm o homem futuro. Essa era, pelo menos, a esperana dopedagogo inovador.

    A transformao do contexto institucional

    Pr em prtica essas tcnicas requer, sem dvida, uma trans-formao profunda do contexto da atividade. Comeando peloaspecto material.

    Freinet construiu sua escola em Vence para realizar sua peda-gogia e especificou o que era conveniente fazer, fosse edificar tudodo cho ao teto, fosse aproveitar a estrutura j existente (Freinet,1957). O plano de construo por ele proposto simples, poden-do ser criativamente interpretado pelos arquitetos. igualmenteum plano inspirador no caso de locais que devam sofrer algumtipo de adaptao. O local ideal comporta um espao central se-melhante sala de aula tradicional. Mas ao redor dessa sala h seteoficinas nas quais se realizam, em grupo, determinadas atividades.Freinet detalhou os equipamentos necessrios para as oficinasdedicadas ao trabalho manual (forja e marcenaria), s atividadesdomsticas, s atividades comerciais da cooperativa, docu-mentao, s experincias, reproduo (imprensa, datilografia etc.)e criao artstica. Essas oficinas tm seu prprio jardim escolare espao para a criao de animais.

    Nesses novos locais, o trabalho escolar propriamente dito seorganiza de modo diferente do adotado no ensino tradicional.Nos mtodos clssicos, o tempo dividido conforme os progra-mas, as disciplinas, as temticas oficiais, impondo-se a repartiomensal do tempo e um repetitivo quadro de horrios para todosos dias da semana.

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    J para Freinet, a importncia do imprevisvel, em sintonia comos acontecimentos cotidianos, e seu interesse pelo desenvolvimentoda autonomia dos alunos levam-no a conceber o uso do tempo demodo mais flexvel. H perodos maiores de tempo para as ativida-des da classe como um todo e planos de trabalho individuais, elabo-rados pelo aluno no incio de cada semana. Tais planos so vistoscomo compromissos assumidos, contratos pessoais de trabalho. Nessequadro geral, eventuais agrupamentos coletivos podem ser criados.

    A avaliao, sempre necessria, assume nesse contexto outras ca-ractersticas. Em lugar das provas coletivas, aplicadas de tempos emtempos, medida que o programa vai sendo ministrado, h tcnicasde autoavaliao com as quais os prprios alunos se do conta dasnovas competncias adquiridas. O programa clssico de disciplinasimpostas clculo, ortografia, gramtica apresenta-se aqui na for-ma de competncias mais especficas, e em vista dessas competn-cias que os alunos se autoavaliam desde que recebam um brev.Nesse processo, foram criadas as fichas de autocorreo, utiliza-das pelos alunos espontaneamente ou sob a orientao de um pro-fessor, para corrigir as dificuldades constatadas.

    Com esses mtodos radicalmente novos, Freinet pretendia capa-citar seus alunos a adquirirem as competncias exigidas pelo sistemafrancs de ensino. Esses alunos obtinham nos exames oficiais resulta-dos iguais ou melhores do que os alunos de outras escolas, com umavantagem, que parecia a Freinet fundamental, conquistavam uma au-tonomia e um senso do social totalmente ausentes entre os alunos daescola tradicional. Todas essas atividades e o prprio cotidiano de suaescola foram retratados num filme que se tornou clebre, Lcolebuissonnire (A escola campestre), de 1949, com roteiro de lise Freinet.

    O Movimento Freinet e a Cooperativa de Ensino Laico

    A genialidade de Freinet estava tambm em compreender, oumelhor, em viver, antes de teorizar, o isomorfismo indispensvel

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    entre a prtica dos alunos e a dos professores. O Movimento Freinet um movimento cooperativo, em que as pessoas, voluntariamente,compartilham reflexes e produes. As lutas que Freinet enfrentoufizeram nascer a prpria realidade do Movimento. A Cooperativa deEnsino Laico, instrumento de criao e difuso de documentos emateriais didticos, o prolongamento concreto do Movimento.

    Freinet mostrava assim, pela ao, o que possvel atingir quan-do h uma vontade comum entre os professores, mesmo em facede um sistema hierrquico e controlador que isola o indivduo. Decerta maneira, o que caracteriza a escola cooperativa do Movi-mento Freinet a constituio de um outro poder pedaggico,em contraposio ao poder oficial, a exemplo do que ocorre nombito da sala de aula, em que, na medida do possvel, o poder transferido do professor para os alunos.

    evidente a capacidade inovadora de Freinet em seu Movi-mento e em sua atitude, criando condies para o progresso dapedagogia. Se os textos oficiais so incapazes de promover trans-formaes, o Movimento Freinet demonstra, pela ao, que a li-vre associao de professores e trabalhadores possui um dinamis-mo criador e multiplicador.

    Qual a filosofia?

    Freinet, como se v, fundamentalmente um homem de ao.Sua genialidade est em ter inovado a sala de aula e ao mesmotempo ter criado um Movimento, um instrumento de produode material didtico indispensvel para disseminar seus conceitos eprticas. Essa criao em si mesma testemunha seu senso de orga-nizao e o que se poderia chamar o seu messianismo. Freinetacreditava na pedagogia como um caminho ou at mesmo comoo caminho para transformar a humanidade. medida que fosseconhecida e adotada, sua prtica poderia ser um meio de regene-rao social e de superao do capitalismo explorador e belicista.

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    O pedagogo Freinet era, nesse sentido, um poltico. Sua contri-buio especfica foi ter querido implantar o materialismo histricono contexto da sala de aula. A renovao do ensino, indispensvelpara a libertao do homem, no se d mediante discursos e textos,mas com prticas e meios tcnicos que, de algum modo, tornemreal essa libertao. A imprensa a tcnica por excelncia, ela quemelhor materializa o pensamento e a comunicao escrita.

    No esperemos de Freinet textos acadmicos em que a filosofiade sua prtica esteja formalmente teorizada, embora tenha lido e es-crito muito, descrevendo sua maneira de pensar e agir: Lducation dutravail (1949), Les dits de Mathieu (1949), LEssai de psychologie sensible applique lducation (1950), Lcole moderne franaise (1957), e outros livros. Nosltimos anos de vida, desejou associar ao seu Movimento tericos epesquisadores do campo educacional, entre eles eu, para que produ-zssemos uma revista, Techniques de Vie, que pouco durou. Como umtodo, sua obra marcadamente concreta, cheia de vida e emoes.

    De resto, muito difcil delimitar sua filosofia profunda, poisFreinet no cessava de evoluir e aprender, assimilando e, sobretu-do, reelaborando as grandes correntes de pensamento do seu tem-po: a reflexologia (cf. lise Freinet, 1977, p. 143), a ciberntica, oensino programado, o estruturalismo. Possua uma boa culturapedaggica, adquirida em sua formao inicial e por ocasio dosestudos que fez para o concurso de superviso primria. Essa for-mao enriqueceu-se ao longo dos anos, em congressos que fre-quentou, entrando em contato com Ferrire, Decroly, Cousinet,Claparde, Dottrens, Wallon, Barbusse, Politzer e outros. No dei-xemos de mencionar suas primeiras opes intelectuais, provavel-mente marxistas, e, ao fim da vida, a inspirao que parece terrecebido de Teilhard de Chardin. Um longo caminho percorrido!

    A filosofia profunda de Freinet est implcita no que ele chama-va as tcnicas de vida, frmula que exprime a ideia fundamentalde uma desconfiana com relao a tudo o que fosse formal

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    (escolstico, dizia ele), forado e artificial, e, por outro lado, deuma grata confiana no natural. No est muito longe do rousseau-nismo, e cultiva uma sabedoria camponesa (resultado de seu contatopermanente com a natureza) que acredita nas virtudes do trabalhobem realizado, alimenta-se do calor humano dos lugarejos e, acimade tudo, ama a liberdade, uma liberdade acompanhada pelo orgu-lho de ser honesto, srio e cumpridor dos deveres.

    Essa filosofia se exprime tambm pelo amor s crianas, epela preocupao constante por seu desenvolvimento e sua felici-dade. Para entender a fundo as razes afetivas dessa filosofia, seriapreciso ter passado alguns dias na escola de Vence, ter respiradoaquele ambiente agreste e ensolarado, em meio a crianas sorri-dentes, chapinhando na gua lmpida de uma piscina rstica; ou tervivido (no durante as frias, perodo em que o turismo intenso)nas montanhas da Alta Provena. Nesse clima possvel forjar ocarter e um profundo senso de autenticidade e companheirismo.Nada muito comum nas escolas urbanas, fechadas entre quatroparedes nuas, em cujos ptios de concreto as crianas, nervosas,trocam socos e pontaps, quando enfim libertadas da imobilidadeagitada que so obrigadas a manter na sala de aula.

    Foi no seu Essai de psychologie sensible (1950) que Freinet exps damaneira mais clara e profunda a teoria subjacente s tcnicas queadotava. O ttonnement exprimental (tateio experimental) sinteti-za, para ele, o essencial. A escola existe para ensinar, mas o apren-dizado no deve operar-se por uma interveno externa ao aluno:No se pode obrigar o cavalo a beber se ele no tem sede. Oessencial deve provir do prprio aluno. Ora, a necessidade de sa-ber nasce do obstculo, da descontinuidade nas evidncias, da ig-norncia e da pesquisa que levar ao conhecimento. Para ser eficaz,a busca do conhecimento deve ser espontnea, motivada pela ne-cessidade interior daquele que procura e pesquisa por conta pr-pria, o que, evidentemente, incluir erros e acertos. tateando,

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    experimentando, retomando o caminho para retificar as tentativasinfrutferas, que a criana e o adulto aprendem realmente.

    teoria clssica da tentativa e erro, que Freinet conhecia porintermdio de Pavlov, so acrescentados dois pontos essenciais atentativa deve ser feita em resposta a uma necessidade e, por outrolado, o acerto, que conduz memorizao espontnea do processobem-sucedido, inclina repetio, em situaes similares, dos proce-dimentos realizados naquele processo. Eis a essncia do aprendizado.

    Em 1964, Freinet diz: Nenhum de nossos atos o resultado deuma escolha objetiva e cientfica, como habitualmente se cr, mas fruto de um tateio experimental. essa busca que preside a todos osatos da vida, o processo nico, geral e universal da vida, consideradopor Teilhard de Chardin a grande lei do mundo. Encontramos aqui,aperfeioadas e generalizadas, as intuies que Freinet identificara notrabalho de Ferrire, explicitamente inspirado pela noo de lan vitalde Bergson. A dialtica materialista est presente tambm nessa ideiade um progresso espontneo e inelutvel, implcito no desenvolvi-mento universal da Vida. Em suma, nada mais distante do vitalismomonista de Freinet do que o racionalismo dualista clssico que inspiraa pedagogia tradicional, a de Alain, por exemplo.

    Freinet atual

    Freinet faleceu em 1966, mas o movimento de carter nacio-nal e internacional a que ele deu incio, no morreu, e em si mes-mo excepcional, merecedor de nossa reflexo. Contudo, suas con-tribuies, mesmo que agora estejam, em parte, integradas aostextos oficiais da pedagogia francesa, continuam sendo contesta-das. Por isso, para que possamos avaliar corretamente a herana deFreinet, penso que seja necessrio considerar duas questes: asconsequncias prticas de suas tcnicas no aprendizado, e a filoso-fia subjacente a essas tcnicas.

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    Uma contribuio tcnica ainda vlida

    Com relao ao aprendizado da leitura, as atuais concepesconservam as ideias originais, aperfeioando-as. A importnciada leitura funcional hoje ponto pacfico. Certamente, contamosagora com as tcnicas de leitura rpida e os aportes da psicolin-gustica, que destacam a importncia do movimento ocular naantecipao dos significados expressos no texto, o que permiteaprofundarmos intuies decrolyanas. Mas a ideia de inserir oaprendizado da leitura, desde o incio, num fluxo de comunica-o, bem como a utilizao da leitura documental em todos osatos da vida escolar, essas ideias vm em linha direta do trabalhode Freinet. Qualquer pessoa pode constatar a verdade dessa afir-mao consultando as bibliotecas de trabalho concebidas porele, elementos privilegiados em alguns dos centros de documen-tao ainda existentes na Frana.

    Na atual evoluo das concepes de ensino de lnguas ma-ternas ou estrangeiras, tambm se percebe claramente a influncia deFreinet. Os estudos contemporneos da didtica de lnguas desen-volveram-se em muitas direes, mas todos esses aprofundamentosbaseiam-se nas intuies da pedagogia freinetiana. A descrio obje-tiva da relao entre professor e alunos, no contexto da interaoverbal, iniciada por Flanders nos Estados Unidos, e retomada naEuropa por Landsheere, Bayer e Postic, mostra que a sala de aulacontinua a ser o lugar da organizao e da imposio formal, comoj denunciara Freinet. Continua a ser rarssimo que o aluno tome apalavra com autonomia e praticamente impensvel exercitar-se nacriatividade lingustica. Somente as classes em que o modelo Freinet adotado conseguem escapar a essa situao, ainda mais grave quan-do lemos estudos da sociolingustica demonstrando claramente ocarter segregador de uma pedagogia em que a ausncia de verda-deira comunicao condena os alunos mais pobres excluso men-tal, num mundo lingustico que lhes soa totalmente estranho.

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    Compreendemos, ento, o porqu do fracasso escolar, daevaso e, sobretudo, do funcionamento antidemocrtico da es-cola. De fato, Freinet foi um precursor, na medida em que suapedagogia popular da palavra era uma pedagogia da comunica-o autntica, ou seja, da expresso pessoal e da capacidade deouvir o outro.

    Hoje, os estudos de psicolingustica enfatizam cada vez maisos atos de fala e as situaes de enunciao. Um verdadeiroaprendizado da lngua impossvel apenas mediante a imitaoformal da lngua escrita. Este aprendizado deve resultar da reali-zao, em situaes concretas, de uma autntica comunicao.

    A descrio detalhada dessas situaes e dos modos linguageirosque permitem express-las constitui hoje em dia o elemento deci-sivo dos programas de ensino de idiomas estrangeiros. Deveria,na verdade, ser tambm o fundamento do ensino da lngua ma-terna. Nesse sentido, uma pedagogia preocupada com a eficciadeve multiplicar as situaes de comunicao no ambiente escolar,harmonizando e articulando os meios de comunicao a essas di-versas situaes. Freinet referia-se a tudo isso, e os melhores estudoshoje prolongam suas intuies profticas.

    As ideias que orientam atualmente o ensino da cincia so tam-bm devedoras a Freinet. A epistemologia gentica estudou a g-nese dos conceitos cientficos e demonstrou como o pensamento,perante a realidade, empreende aquele caminhar tateante de quefalava Freinet. A noo defendida por Bachelard do obstculoepistemolgico, ligada gentica segundo Piaget e Wallon, legitimao tateio experimental de Freinet no processo de elaborao dopensamento cientfico. Este no pode se transmitir de forma aca-bada e fechada, mas ser construdo paulatinamente, em sucessivasretificaes de intuies espontneas. A experimentao e o deba-te so os vetores de todo progresso. A didtica das cincias nopode restringir-se observao imposta. Ensinar passa necessari-

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    amente pela admirao. E dou aqui o meu testemunho do muitoque o meu livro Pdagogie de ltonnement deve a Freinet.

    A significao filosfica das tcnicas

    Muitos afirmaro que uma pedagogia com pretenses toabrangentes, fortemente marcada por sua origem rural, j no te-ria muito a dizer nos nossos dias. O vitalismo parece algo mortodiante da tecnologia triunfante e do racionalismo invasivo. E noentanto, a julgar pelo crescimento do movimento ecolgico emtodas as partes, e o apelo renovao tica em face dos danoscausados pelo fanatismo e pelo individualismo, acredito que, pelocontrrio, Freinet ainda tem muito a nos dizer.

    Tendo como pano de fundo a revoluo demogrfica e tecno-lgica de nossas sociedades industriais, quais so hoje as principaisnecessidades dos nossos alunos e professores? Quais so as condiesnecessrias para que o sistema educativo possa ainda funcionar?

    Um dos maiores objetivos da escola, do ponto de vista tradi-cional, instruir, ou seja, transmitir s crianas conhecimentos e habi-lidades intelectuais necessrias para a compreenso de sua cultura.Ora, a psicologia gentica mostra que o pensamento abstrato cons-tri-se dialeticamente, elaborando esquemas operacionais formadosno pensamento concreto, ele mesmo tributrio de determinadascondies para o seu exerccio, da ao do corpo e das mos. Nomesmo sentido, a psicologia cientfica aprofundou as intuies dosadeptos da escola ativa. O pensamento de Claparde e Piaget sebeneficiou das ideias de Montessori e Kerschensteiner. A teoria e aprtica da educao funcional precedem, acompanham e do con-tinuidade psicologia funcional do aprendizado. As atuais concep-es, que opem teaching (o ensino), como tarefa do professor, alearning (o aprendizado), como tarefa do aluno, apenas sistemati-zam as intuies dos partidrios dos mtodos ativos. O tateio ex-perimental de Freinet a forma intuitiva mais bem acabada de

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    uma concepo nascida dessa prtica. O tateio experimental ma-nifesta de maneira simplificada o que as teorias modernas do apren-dizado explicam de modo mais preciso e elaborado.

    Temos como certo que a teoria cientfica no obedece a afir-maes filosficas apriorsticas, pelo menos no de modo explci-to. Contudo, o valor objetivo de uma teoria no depende dascondies especficas de seu nascimento. A lei da gravidade v-lida em termos absolutos, ainda que a viso de mundo pitagrica,que a inspirou, seja uma premissa discutvel e no demonstrada.

    Ora, em que situao vive o aluno de hoje perante esta con-cepo do aprendizado? A criana, em nossos dias, passa maistempo na frente da televiso do que dentro da escola. O universourbano abstrato em que vive essa criana a mantm alheia e distantedas experincias fundamentais, em comparao com o dia-a-dia dopequeno campons de outrora. O cultivo da terra, o pastoreio, acaptao das foras elementares da gua e do vento, a experinciaelementar de mquinas movidas pela trao animal ou humana, asmedidas concretas de distncia, capacidade, volume e peso, as re-laes comerciais do cotidiano com seus rituais, tudo isso desapa-receu do seu horizonte vital com o advento da civilizaotecnolgica. A tela da TV transforma em espetculo o contatocom a natureza e com as outras pessoas. Os aparatos eletrnicosimprimem um carter mgico ao produtiva: basta apertar umboto para gerar instantaneamente poderosos efeitos. A criana dehoje consome conceitos sem perceber.

    Ainda no temos como avaliar em toda a sua extenso osefeitos dessas transformaes, mas pressentimos que esta nossacivilizao torna a existncia humana cada vez mais vulnervel.Talvez s alguns poucos especialistas sejam capazes, hoje, de com-preender este universo de consumo passivo e quase mgico.

    Neste contexto, no seria misso da escola de hoje, cada vezmais, oferecer criana experincias concretas fundamentais que o

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    ambiente natural, em outros tempos, possibilitava ao pequeno cam-pons: cultivar a terra, cuidar de animais, construir mquinas sim-ples, atividades indispensveis para a elaborao de esquemas ope-ratrios concretos, sobre os quais se constri o pensamentoconceitual abstrato? E surge aqui o paradoxo: Freinet queria intro-duzir a vida na escola, numa poca em que a escola era um templode paredes nuas, na concepo de Alain (para que os alunos nose distrassem). O saber podia, ento, construir-se de modo osten-sivamente abstrato, uma vez que estava enraizado naturalmente naexperincia concreta vivida fora da escola. Verdade seja dita, apassagem do universo prtico do campo ou da oficina para ouniverso intelectual da escola no era to evidente, mas era poss-vel, pois se tratava justamente de recuperar e transformar esta ex-perincia prtica espontnea. Hoje o movimento inverso: paraque a escola seja ambiente cheio de vida precisa oferecer, comopropedutica, essas experincias bsicas que a criana no vive maisfora da escola. As tcnicas Freinet so mais do que nunca vlidas;mudando de sentido, tornaram-se quase obrigatrias.

    Tal exigncia vlida tambm para a sociabilidade. A socieda-de contempornea multiplica os canais de comunicao. O espaoe o tempo foram abolidos pelo telefone, pela televiso, pelos avies,mas nunca antes homens e crianas estiveram to isolados, indiv-duos amontoados nas cidades. Esta situao aumenta a necessida-de da verdadeira comunicao, de lugares de encontro que sejamlugares de vida em comum. Ainda nesse ponto Freinet indica ocaminho: na sala de aula que vive o clima da cooperao as crian-as se sentem felizes porque realizam juntas projetos comuns.

    Hoje, cada vez mais, a humanidade toma conscincia dos seuslimites e dos riscos decorrentes da explorao irracional do capitalnatural e humano, em nome do prazer imediato e da sede de pos-se e poder. A ideia de um retorno s nossas razes para revitalizaros valores fundamentais do amor ao outro e natureza, em opo-

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    sio ao af de ter e poder, , sem dvida, a nica via filosficacapaz, atualmente, de nos dar conscincia universal de nossa finitudee fragilidade. Pouco importa que este retorno esteja ou no basea-do em uma mstica do destino humano, contanto que nosreorientemos nos planos poltico e pedaggico. A pedagogia dastcnicas de vida a nica em condies de operar essa tomadade conscincia e esse retorno aos valores fundamentais.

    Procurar o desenvolvimento do indivduo nas prprias ativi-dades que a criana faz e em sua experincia de convivncia, pro-mover o respeito pelo ser humano e pela natureza, aprofundar oprogresso do conhecimento na e pela cooperao, todas essas fi-nalidades se contrapem, hoje e ontem, pedagogia seletiva ediretiva que caracteriza a civilizao do lucro e da explorao de-senfreada da natureza, motivada unicamente pelo desejo de pos-suir bens e exercer o poder sobre outros seres humanos. Mas oque, faz cinquenta anos, foi visto como sonho idealista, hoje anica sada possvel para que esta humanidade frgil e preciosasobreviva. A escolha, que um dia foi esttica, converteu-se em ne-cessidade vital. E Freinet, cada vez mais, abre-nos, no campo dapedagogia, o caminho da razo e do corao.

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    Prlogo do livro, expressando suas ideias pedaggicas (pp. 1-3)

    Durante cinco anos, publiquei na revista Lducateur, rgopedaggico do nosso Instituto Cooperativo da Escola Moderna,uma pgina-guia que intitulei Dits de Mathieu, em lembrana rica personalidade do campons-poeta-filsofo, heri do meu li-vro Lducation du travail.

    A inspirao desses Dits encontra-se aqui resumida, no ttulodo captulo 1: Uma pedagogia do bom senso.

    Minha longa experincia dos homens simples, das crianas edos animais persuadiu-me de que as leis da vida so gerais, naturaise vlidas para todos os seres. Foi a escolstica que complicou peri-gosamente o conhecimento dessas leis, fazendo-nos crer que ocomportamento dos indivduos no obedece seno a dados mis-teriosos, cuja paternidade reivindicada por uma cincia pretensi-osa, numa espcie de reduto a que a gente do povo, inclusive osprofessores primrios, no tem acesso.

    Para confirmar nossa experincia, temos o exaltante exemplodas pessoas sensatas de todos os tempos e de todas as raas quevo sempre muito mais longe na compreenso dinmica dos ho-mens do que os mais sbios autores de sistemas e de manuaiscontemporneos. Sentimos que caminham com segurana por onde

    4 Textos retirados do livro Pedagogia do bom senso (7.ed. So Paulo: Martins Fontes,2004), traduo do original Les dits de Mathieu (1959).

    TEXTOS SELECIONADOS4

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    a falsa cincia s nos mostra ddalos e atalhos. Dir-se-ia que soguiadas por uma luz ideal, a qual ilumina em profundidade osaspectos mveis da vida. Descobrem e mobilizam foras que oengenho dos homens deveria explorar; e por isso que a convi-vncia com elas, atravs dos sculos, sempre um enriquecimentoapaziguador para os investigadores da verdade.

    Foram alguns desses caminhos e dessas foras, foram algumasdessas evidncias essenciais, que tentei detectar. Na complexidadedos temperamentos, no imbrglio de um meio em que se cruzame se sobrepem as pistas mais caprichosas, tentei reencontrar algu-mas das regras simples e eternas da vida.

    Ao faz-lo, e sem menosprezar a contribuio possvel e dese-jvel de uma verdadeira cincia da educao, procurei menos ex-plicar do que orientar e me orientar. Coloquei, tateando, meus si-nais vermelhos e verdes. Experimentei-os para ter a certeza de quefuncionavam bem. Verifiquei-lhes as virtudes enveredando pru-dente e experimentalmente pelas pistas recm-sinalizadas.

    Alguns dos nossos letreiros j se tornaram familiares aos edu-cadores: no se obriga a beber um cavalo que no est com sede na forja que nos tornamos ferreiros fazer brilhar o sol assu-mir a chefia do peloto estabelecer tiragem deixar de fazertrabalho de soldado no largar as mos antes de firmar os ps,e tantos outros que voc ir encontrar como ttulos, ao longo daspginas desta modesta seleo.

    Ao excesso de palavras de uma cincia que nos ultrapassa ouque ns ultrapassamos s frmulas que, para ns, eram apenascabealhos obsedantes a serem memorizados substitumos a sim-plicidade elementar de uma trajetria que, por ser a vida, tendesempre a ultrapassar a si prpria at um infinito, sendo a conscin-cia que temos desse infinito ao mesmo tempo o nosso drama e anossa grandeza. Voltamos a dar pedagogia aquele aspecto fami-liar, misto de hesitaes e de audcias, de receios e relmpagos, de

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    arco-ris, de risos e de lgrimas tambm. Voltamos a colocar aeducao no prprio seio do devir do homem.

    O nosso mrito, alis, no tanto ter repetido, depois de tantosanos, essas verdades de sempre, como ter impregnado e vivificadocom elas a prtica das nossas aulas. Desejamos que, ao l-las, nasaem voc a dvida, que voc hesite como ns nas encruzilhadas eque, com milhares de pais e de educadores que j transpassaram ossinais verdes, voc se empenhe intrepidamente na reconsideraoprogressiva dos prprios fundamentos da nossa educao.

    O mestre e o aprendiz (pp. 10 e 11)

    Durante todo o vero, o rebanho de ovelhas ficara na monta-nha, confiado guarda do pastor, que de modo algum pareciasobrecarregado com a responsabilidade dos seus mil animais.

    Por Saint-Michel, voltavam para a aldeia. Cada um de ns apar-tava seu pequeno rebanho, e trinta jovens pastores partiam, em se-guida, atravs dos campos de restolho, ainda ricos em erva verdejante,para passarem pela aprendizagem de condutores de carneiros.

    Tinham-nos ensinado as leis e as regras que aplicvamos ao pda letra, como o guarda executa as ordens na estrada.

    Cuidado para as ovelhas no escaparem e estragarem osfeijes!

    No deixem os cordeiros afastarem-se do rebanho, senovocs podero perd-los!

    Cuidado com as moitas cheias de cobras e com a luzernaque incha os animais!

    No levem os animais para o lado das rochas, pois elespodem ficar entalados!

    Outras tantas preocupaes obsessivas que no nos deixavamem paz, nem aos nossos animais: por aqui!... por ali!... Um poucomais e teramos cercado ovelhas e carneiros para no os perder devista, preferindo trazer-lhes capim e galhos... se eles aceitassem.

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    Trabalho de aprendiz que ainda no compreendeu nada docarter e do comportamento dos seus animais.

    Quanto ao pastor, partia calmamente atrs do seu rebanho.Uma palavra, um grito, lanados oportunamente, e os animais se-guiam na direo que o pastor sabia de antemo aonde ia dar. Vopassar l embaixo!... Daqui a pouco vamos encontr-los acima dasbarreiras. Esta noite descero pelas encostas!...

    O pastor dormia, o co dormia; os animais comiam at sefartar, livremente. Trabalho de mestre que conduz seu rebanhocom uma cincia e uma filosofia cujas linhas eficientes deveramosprocurar, para darmos nossa pedagogia a quietude e a humani-dade prprias das obras conscientes.

    A histria do cavalo sem sede (pp. 16 e 17)

    O jovem da cidade queria prestar um servio fazenda ondeo hospedavam, e ento pensou:

    Antes de levar o cavalo para o campo, vou dar-lhe de beber.Ganho tempo e ficaremos sossegados o dia todo.

    Mas o que isso? Agora o cavalo quem manda? Recusa-se air para o bebedouro e s tem olhos e desejos para o campo daluzerna! Desde quando so os animais que mandam?

    Venha beber, estou dizendo!...E o campons novato puxa a rdea e depois vai por trs e

    bate no cavalo com fora. Finalmente!... O animal avana... Est beira do bebedouro...

    Talvez esteja com medo... E se eu o acariciasse?... Olhe, agua limpa! Olha! Molhe as ventas... Como! No?... Veja s!...

    E o homem mergulha bruscamente as ventas do cavalo nagua do bebedouro.

    Agora voc vai beber!O animal funga e sopra, mas no bebe.O campons aparece, irnico:

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    Ah! Voc acha que assim que se lida com um cavalo? Ele menos estpido que os homens, sabe? Ele no est com sede...

    Pode mat-lo, mas ele no beber. Talvez ele finja que estbebendo, mas vai cuspir em voc a gua que est sorvendo... Tra-balho perdido, meu velho!...

    Ento, como se faz? Bem se v que voc no campons! Voc no compreende

    que a esta hora da manh o cavalo no tem sede; ele precisa deuma luzerna fresca. Deixe-o comer at ele se fartar. Depois ele vaiter sede e voc vai v-lo galopar para o bebedouro. Nem vaiesperar voc dar licena. Aconselho mesmo que voc no se intro-meta... E quando ele beber voc poder puxar a rdea!

    assim que sempre nos enganamos, quando pretendemosmudar a ordem das coisas e obrigar a beber quem no tem sede...

    Educadores, vocs esto numa encruzilhada. No teimem numapedagogia do cavalo que no tem sede. Caminhem com empe-nho e sabedoria para a pedagogia do cavalo que galopa para aluzerna e para o bebedouro.

    Fazer a criana sentir sede (pp. 18 e 19)

    (...) No se obriga o cavalo que no est com sede a beber!Mas, quando ele tiver comido at se fartar, ou puxado peno-

    samente o arado, voltar por si mesmo ao bebedouro conhecidoe, ento, no adiantar puxar a rdea, gritar ou bater... O cavalo vaibeber at acabar a sede e depois partir mais calmo.

    Pode acontecer que a obrigao que voc lhe imps de bebernaquela fonte e suas pancadas tenham criado uma espcie de aversofisiolgica pela fome, e o cavalo se recuse a beber sua gua e prefiraprocurar outro lugar, livremente, o charco que lhe matar a sede.

    Se o aluno no tem sede de conhecimentos, nem qualquerapetite pelo trabalho que voc lhe apresenta, tambm ser traba-lho perdido enfiar-lhe nos ouvidos as demonstraes mais

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    eloquentes. Seria como falar com um surdo. Voc pode elogiar,acariciar, prometer ou bater... O cavalo no est com sede! E,cuidado: com essa insistncia ou essa autoridade bruta, voc correo risco de suscitar nos alunos uma espcie de averso fisiolgicapelo alimento intelectual, e de bloquear, talvez para sempre, oscaminhos reais que levam s profundidades fecundas do ser.

    Provocar a sede, mesmo que por meios indiretos. Restabele-cer os circuitos. Suscitar um apelo interior para o alimento deseja-do. Ento, os olhos se animam, as bocas se abrem, os msculos seagitam. H aspirao e no atonia ou repulso. As aquisies fa-zem-se agora sem interveno anormal da sua parte, num ritmoincomparvel s normas clssicas da escola.

    lamentvel qualquer mtodo que pretenda fazer beber ocavalo que no est com sede. bom qualquer mtodo que abrao apetite de saber e estimule a poderosa necessidade de trabalho.

    A vida prepara-se pela vida (pp. 25 e 26)

    O velho pastor fazia um sermo: Voc no deve manter tantotempo no estbulo seus dois cabritos, habituados somente a dor-mir no calor do cercado, comer na manjedoura e a seguir a me,balindo quando se sentem perdidos no meio de uma moita...

    Quando voc os juntar ao rebanho, ver que nem sequer serocapazes de acompanhar os outros: sero mordidos pelos ces, que-braro a pata num monte de pedras ou se perdero nas barreiras...

    A vida prepara-se pela vida.Se voc tem medo que seu filho quebre a cabea, rasgue a rou-

    pa, suje as mos, corra o risco de cair ou de se afogar, tranque-o nasua confortvel sala de jantar ou leve-o pela coleira quando vocsair, para que ele no se junte aos bandos de crianas que na rua,nos jardins, nos pomares e no mato buscam intrepidamente suasexperincias elementares. Cerque sua atividade particular com umasrie de barreiras que, como o cercado do estbulo, impediro seu

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    homenzinho de desenvolver os msculos e os sentidos. Escolhaatentamente os discursos que lhe fizer e os livros que lhe daro aimagem sempre falsa, pois s imagem, da vida que o chamaimperiosamente. E permanea insensvel aos olhares de desejo queele lana para as atividades proibidas, como os cabritos que, coma cabea entre as barras do cercado, lanam o olhar e os sentidospara a natureza que os atrai.

    Escolha para ele uma escola bem conformista, onde no ma-nejar martelos nem provetas, onde no compor caracteres tipo-grficos, onde no se sujar com o rolo de tinta, onde no semachucar com a goiva que escorrega desastradamente do lin-leo, onde no sujar os sapatos na lama dos caminhos ou na terrado jardim. Lies e deveres... Deveres e lies... o esprito que seencher de crostas de lodo...

    E depois voc se espantar se seu filho for manualmente desa-jeitado, hesitante nas brincadeiras ou nos trabalhos, inquieto e tmi-do diante das exigncias do esforo, desequilibrado num mundoonde j no basta saber ler e escrever, mas em que preciso apre-ender com deciso e herosmo.

    A vida prepara-se pela vida.

    Sejam humanos (pp. 28 e 29)

    Vocs, educadores, agem todos um pouco como alguns paisque, quanto mais terrveis foram quando crianas, mais ferozmen-te severos so com os filhos; ou como o adulto que caminha apres-sado, sem reparar na criana a seu lado que tem de dar trs passosenquanto ele d um.

    Vocs reagem com sua natureza de homens, suas possibilida-des e conhecimentos de adultos, como se as crianas que lhes fo-ram confiadas tambm fossem adultas com iguais possibilidades.

    Ponha-se no lugar dessa criana que voc acaba de humilharcom uma nota baixa ou uma m classificao. Lembre-se do seu

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    prprio orgulho quando voc era dos primeiros, e de todos os maussentimentos que o agitavam quando outros passavam na frente...Ento voc compreender, e a classificao ser suprimida.

    Uma criana roubou cerejas ao vir para a escola, ou quebrou umtinteiro na aula, ou mentiu para tentar salvar uma situao delicada.Voc nunca roubou cerejas quando era novo? Voc no era o primei-ro a sentir pena, quando quebrava um tinteiro? Voc no se lembrado drama que era para voc mentir por necessidade, quando, entre oscaminhos que se ofereciam para sair da situao delicada, a mentira,tmida, desajeitada, no incio lhe parecia a nica tbua de salvao?

    Se voc no voltar a ser como uma criana... no entrar noreino encantado da pedagogia... Em vez de procurar esquecer ainfncia, acostume-se a reviv-la; reviva-a com os alunos, procu-rando compreender as possveis diferenas originadas pela diver-sidade de meios e pelo trgico dos acontecimentos que influenci-am to cruelmente a infncia contempornea. Compreenda queessas crianas so mais ou menos o que voc era h uma gerao.Voc no era melhor do que elas, e elas no so piores do quevoc; portanto, se o meio escolar e social lhes fosse mais favorvel,poderiam fazer melhor do que voc, o que seria um xito peda-ggico e uma garantia de progresso.

    Para isso, nenhuma tcnica conseguir prepar-lo melhor doque aquela que incita as crianas a se exprimirem pela palavra, pelaescrita, pelo desenho e pela gravura. O jornal escolar contribuirpara a harmonizao do meio, que permanece um fator decisivoda educao. O trabalho desejado, a que nos entregamos total-mente e que proporciona as alegrias mais exaltantes, far o resto.

    E o sol brilhar...

    Por que trabalhar? (pp. 36 e 37)

    Por que trabalhar? poderia dizer candidamente a criana dehoje...

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    Abro um jornal ou o meu Mickey: por toda parte, aventuras,esporte, competies, discusses ditas filosficas; mas, ento, quemtrabalha neste mundo, a no ser os desgraados condenados a isso?

    Vou cidade: por toda parte, as vitrines falam de luxo, defrivolidades e de brinquedos. Os instrumentos de trabalho escon-dem-se pudicamente nas ruas excntricas, como se quisessem serperdoados pela sua presena de pobres, numa sociedade de no-vos-ricos que se envergonham da sua origem.

    E a escola s conhece deveres e lies que, para ns, so os quea mquina para os nossos pais: uma sujeio de que nos libertamosassim que temos possibilidade. Apenas os jogos nos entusiasmam enos fazem esquecer as exigncias desumanas do trabalho.

    O essencial do que o mundo nos oferece ou nos impe so abola, os soldados de chumbo, as colees de figurinhas e nossasrevistinhas... sem contar o cinema, sempre que podemos entrar.

    Trabalhar! Se algum dia pego clandestinamente a p do pe-dreiro, a enxada ou o carrinho do jardineiro, o martelo ou o alicatedo meu pai, sou perseguido como se tivesse cometido um crime.Escavar grutas, construir castelos, preparar uma sementeira, levan-tar barragens, esquadrinhar os riachos, montar e desmontar m-quinas seriam para mim as mais apaixonantes ocupaes, a tal pontoque esqueceria o Mickey ou o cinema; mas, infelizmente, so frutoproibido: parece que sujamos a roupa, esfolamos dedos e pernas,perdemos a ferramenta... E ento mandam-nos para aquilo quedepois chamam de futilidades.

    O trabalho, para ns, concluiria esta criana, a maldio,a ferramenta que suja as mos, a fbrica que estraga nossa vida, aescravido que nos desonra.

    S o divertimento nos faz desabrochar e nos libera. Veja assuas vedetes.

    E, com efeito, poderamos fazer nosso mea culpa reconhecen-do que h erros nos princpios da nossa educao e que , em

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    primeiro lugar, pelo trabalho que se prepara para o trabalho, numaescola e numa sociedade do trabalho.

    A pedagogia de casaca (pp. 49 e 50)

    preciso escolher.Se voc insiste realmente na pedagogia autoritria; se voc quer

    que a criana escute de boca aberta, sem crtica nem objeo, o quevoc lhe explica durante o dia todo, que lhe obedea sem recrimi-nar, no esquea de se vestir adequadamente.

    E a forma o colarinho engomado que o obriga a uma ativi-dade altiva, mesmo que o impea de respirar; o chapu coco oua cartola que do ao funcionrio um ar mais importante, e a casacaque os homens do povo, no comeo do sculo, chamavam todesrespeitosamente de asas de barata.

    No d risada: um deputado ou um ministro com traje decerimnia, punhos engomados, sapatos de verniz e cartola maisimponente do que os atuais parlamentares de camisa Lacoste oumesmo de bermuda. Diante dos primeiros, tiramos o chapu na-turalmente, tal como diante dos militares fazemos continncia; comos segundos temos vontade de dizer: camaradas!

    A disciplina do exrcito se modificar profundamente no diaem que abolirem os uniformes, atenuarem a etiqueta, os dourados eprateados forem substitudos por gales incolores. E uma classetradicional, dirigida por um professor estilo 1900, no poderia irra-diar a mesma atmosfera que uma escola moderna, onde as crianas,de calo, trabalham ao lado de um professor sem camisa.

    A religio bem sabe de tudo isso, ela que conserva anacronicamenteos dourados, luzes e costumes de uma era passada, pois sempre serespeita o homem pelo hbito, embora este no faa o monge. Mas opadre operrio despe a sotaina para descer mina, no porque ohbito desusado o incomodaria, mas por saber que s se confraterni-zar verdadeiramente com o povo se trabalhar com ele, sem camisa.

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    Ento, voc escolher.Se realmente voc prefere a disciplina da pedagogia de 1900,

    retome prudentemente as insgnias da sua funo: o colarinho en-gomado mesmo que seja de celuloide , a casaca e o chapucoco. As crianas o respeitaro de acordo pelo menos aparente-mente , o que no as impedir de, clandestinamente, bombardea-rem com bolinhas de papel o chapu prudentemente penduradono cabide mais alto.

    Ou ento voc d aula de bermuda ou de camisa Lacoste,tendo nesse caso de evoluir para a pedagogia da bermuda e dacamisa Lacoste, que pressupe uma reconsiderao do problemadas relaes professor-aluno, uma reconsiderao do respeito edo trabalho, um novo ajustamento da atmosfera da sala de aula.

    O colarinho engomado e o chapu coco lhe parecem ridcu-los. Ento, no pratique, na era das camisas Lacoste, a pedagogiada casaca.

    O peso da servido (pp. 53 e 54)

    Dizem que nossas ovelhas so estpidas. Ns que as torna-mos estpidas, ao encerr-las em estbulos acanhados, sem ar esem luz, onde no tm outro recurso seno baterem com as patasno cho, balindo sempre at aparecer o pastor ou o aougueiro.

    E ns as tornamos estpidas tambm quando, em plena mon-tanha e sob a ameaa do chicote e dos ces, as obrigamos a seguirpassivamente, pelo atalho tortuoso, os passos da ovelha dianteira,que por sua vez segue o carneiro de longos chifres que tambm nosabe para onde leva o rebanho, mas que se orgulha de ser carneiro.

    Ns as tornamos estpidas porque reprimimos brutalmentetodas as tentativas de emancipao, todas as veleidades dos jovenscarneiros de fazer suas experincias fora dos caminhos batidos,perdendo-se nas matas, demorando-se entre as rochas, mesmo seconseguirem colher apenas arranhes e ranger de dentes.

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    Mas ns temos desculpas. O nosso fim no educar nossasovelhas nem torn-las inteligentes, mas somente trein-las para su-portar, aceitar e at desejar a lei do rebanho e da servido aquelaque d boa carne e grandes benefcios.

    Infelizmente, porm, ainda ouo crianas balbuciando emcantocho ia dizer balindo , por trs das portas fechadas dassuas escolas-estbulo, mesmo que sejam escolas-estbulo luxuosas;vejo-as bater os ps como nossas ovelhas, entrada e sada, enada falta, nem os carneiros, nem os pastores autoritrios, nem osregulamentos to severos quanto nossos chicotes e nossos ces.Vejo-as virar, todas ao mesmo tempo, as mesmas pginas, repetiras mesmas palavras, fazer os mesmos sinais...

    E mais tarde voc se admirar ao v-las oferecer miseravel-mente os braos explorao e o corpo ao sofrimento e guerra,como as ovelhas se oferecem ao matadouro!

    a servido que nos torna fracos, a experincia vivida, mes-mo perigosamente, que forma os homens capazes de trabalhar ede viver como homens.

    No aceite a volta servido escolar. Faa por merecer a li-berdade!

    Cuidado com o canto haxixe (pp. 63 e 64)

    Cada sculo tem sua especialidade de haxixe, conforme as ne-cessidades dos especuladores interessados em adormecer o povo.

    Na minha juventude, recorria-se orao.Ah, as longas horas passadas na igreja, olhando as velas vacila-

    rem enquanto o padre, o sacristo e as beatas salmodiavam in-compreensveis litanias! E as interminveis noites de via-sacra emque tnhamos de esperar, em cada estao, que se desfiasse a por-o regular de resmungos!

    Depois fui soldado. A, quanto mais dura a caminhada, quantomais os coturnos pesam na mochila, quanto maior o perigo,mais os chefes recomendam que os soldados em marcha cantem.

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    Assim, ningum pensa no seu destino. A cantoria domina os suspi-ros dos desanimados ou as reflexes amargas dos filsofos. E,quanto mais tola a cano, melhor desempenha sua funo.

    Em breve, se no tomarmos cuidado, aplicaro o mesmo re-gime do canto haxixe s escolas, s casas de crianas, s colniasde frias, aos movimentos de juventude. Ningum mais se empe-nhar em sondar a psicologia da criana, nem em aplicar umapedagogia s que lhe permita satisfazer as principais necessidadesde expresso e de trabalho. Passar a ser intil, com risco de discu-tir as ordens recebidas, tentar compreender para escolher e agir deuma maneira autnoma e original. Cantaremos. E, quanto maisdura for a caminhada, quanto mais incertos forem o presente e ofuturo, mais se cantar. Quanto mais vulgar o canto, melhor seatinge a finalidade desse novo haxixe: estupidificar.

    A minha preveno no a crtica; a defesa da verdadeiraorao a que a humilde comunho espiritual preconizada pelosEvangelhos , da msica e do canto que so a comunho superiorpela qual escritores, poetas, msicos e artistas nos oferecem asasesplndidas para subirmos aos cumes.

    Todos ns somos delinquentes (pp. 67 e 68)

    Que tempo feliz o nosso, em que, no incio do sculo, osmoralistas no haviam inventado ainda as palavras nem as funesde psiclogo nem de psiquiatra, e em que no se sabia o queera um delinquente.

    Talvez os policiais de ronda j usassem esse qualificativo, masinocentemente, apenas para mostrar que no falavam a linguagemde todo mundo. O delinquente era o culpado que se havia dei-xado prender em flagrante delito, isto , cometendo uma faltavenial sem graves consequncias.

    Feliz o tempo em que os transeuntes tinham direitos consuetu-dinrios sobre a macieira que estendia os frutos por cima da sebe,

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    sobre os cachos de uvas pendentes ao longo do muro e sobre asnozes que, no outono, se espalhavam pelos caminhos! E em quepodamos estender um pouco nosso domnio, sem grande dano esem remorsos, para colhermos alguns cachos na parreira ou pararoubarmos algumas groselhas.

    Que tempo feliz! Depois da festa de Todos os Santos, tudoo que fica nos campos para as crianas, diziam os velhos. Cien-tes desse direito, invadamos os prados desertos, fazendo cair, spedradas, as ltimas mas obstinadamente agarradas s rvoresdespidas. Saborevamos ento o prazer de comer os frutos proi-bidos que a sabedoria popular nos deixava o gosto de conquistar.

    Ah! se no nosso tempo houvesse policiais to ciosos das suasprerrogativas como os de hoje; se os jardins e os campos fossemfechados e corrssemos o risco de sermos presos ao escalarmosas grades; se fosse proibido, por lei, estender a mo para o cachode uva que se oferecia ou para o pssego to apetitoso que tentariaat um santo; se tivssemos vivido, com nossa sede de experinciae de liberdade, num mundo em que as crianas tivessem apenas odireito de seguir pelas passagens muradas; se nos tivessem pren-dido ao enchermos os bolsos de nozes ou ao fazermos, nas par-reiras, nossa proviso de cachos de uva; se o proprietrio ofendi-do nos tivesse conduzido ento ao agente responsvel pela or-dem que nos interrogaria e acusaria; se tivssemos de ajustar con-tas com a justia e se, impiedosamente, nos arrastassem peranteum tribunal de menores, traramos todos, inscrita por toda a vidana nossa ficha, a meno infamante de delinquente.

    Certos atos so repreensveis somente em funo do egosmoe da desumanidade dos que detm propriedade e autoridade.

    Os delinquentes!Aqueles que nunca pecaram que lhes atirem a primeira pedra!

    Clestin Freinet_fev2010.pmd 21/10/2010, 09:0652

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    Se o conhecimento... (pp. 75 e 76)

    Se psicolgica ou pedagogicamente no conseguimos bonsresultados, porque fazemos manobras erradas, como quem apren-de a guiar e vira para a direita em vez de virar para a esquerda,sobe na calada proibida, ou noite lana o farol alto sobre oautomvel da frente, quando queria acender o farol baixo.

    So essas manobras erradas que procuramos descobrir, mes-mo se no encontramos logo as solues salutares. Enxergar bem,aplanar os caminhos, evitar as ravinas e os becos sem sada, j uma pequena ou uma grande vitria quando nos aventuramos nasregies to mal-exploradas da orientao de crianas e de homens.

    Manobra errada sobre o conhecimento. Ensinaram-nos que como juntar um gro de areia aps o outro, virar uma pginadepois da outra, colocar uma pedra em cima da outra.

    E se o conhecimento no fosse, talvez, mais que uma vibraoimpondervel, como a eletricidade, transmitida instantaneamentee nem por isso menos suscetvel de modificar a consistncia e asreaes da matria que atravessa?

    Voc diz: temos de explicar racionalmente, juntando um comum para dar dois, um degrau aps o outro, subindo para chegarmais em cima. Infelizmente, por esse processo nunca se vai depressanem para cima, mesmo que ele seja considerado cientfico.

    Na prtica, brilha uma luz, provocado um sinal; um abaloou um choque suscita, em todo o corpo, reaes que nos agitam e,no mesmo instante, sem sabermos como nem por qu, acende-seuma luz de alarme.

    Enquanto a lmpada no acende, voc pode empenhar-se emsubir degrau por degrau, pr pedra sobre pedra. Voc estartateando nas trevas e apenas amontoando construes mesqui-nhas, sem horizontes nem sadas.

    A infncia no um saco que temos de encher, mas uma pilhagenerosamente carregada, cujos fios, cuidadosamente montados,no correm o risco de deixar perder a corrente, uma rede delicada

    Clestin Freinet_fev2010.pmd 21/10/2010, 09:0653

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    e potente, amplamente distribuda e que penetra nos recantos maissecretos do organismo para dar-lhe vitalidade e harmonia.

    Ento, ao se conjugarem essas condies ideais, basta umaligeira presso para estabelecer o contato. Antes de voc comeara explicar, a criana j compreendeu; se no compreendeu, pelomenos suprfluo repor pedra sobre pedra, subir degrau pordegrau. Sem dvida, melhor voltar a carregar a pilha, verificar,reforar e ampliar as conexes.

    A luz, ento, brilhar soberana.

    Educar ou domesticar (pp. 81 e 82)

    A natureza assim: ningum gosta de obedecer passivamente.Quando, ainda criana, saa com meu burro, s vezes eu queria

    faz-lo passar por onde, no sei por qu, ele no queria ir. Eu opuxava... puxava... E, quanto mais eu o puxava, mais ele puxava emsentido contrrio. Eu largava a rdea, passava para trs dele e, zs!,dava-lhe umas pauladas!... O burro comeava a andar, dava algunspassos para me convencer de que se rendera s minhas razes edepois, bruscamente, partia a galope na direo que o atraa.

    E dizem que o burro teimoso... O mais teimoso ainda muito dcil!

    Tente empurrar um cabrito para um atalho ou para uma cer-ca. O animal sente um perigo, como se estivesse beira de umprecipcio. Quanto mais voc empurra, mais ele reage para opor-seaos seus esforos. Isso faz parte do instinto de conservao e dedefesa dos seres animados.

    O homem no exceo. Existe, decerto, o indivduo habitu-ado ao rebanho, dobrado pela obedincia, domesticado a pontode ter perdido essa reao vital que a dignidade.

    A criana, porm, ainda nova. Reage como o cabrito. Bastasentir que voc quer orient-la por um determinado caminho, queseu movimento natural escapar em sentido oposto.

    Clestin Freinet_fev2010.pmd 21/10/2010, 09:0654

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    Se seus esforos forem visveis, obstinados, se voc a puxarou a empurrar, ela se opor at a violncia.

    Se voc conseguir constrang-la, pela fora ou pela manha, elafar como o burro: voltar na primeira oportunidade.

    Quando algum o empurra, seu primeiro movimento no resistir presso e tentar venc-la?

    O ve