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Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0 2175-7968.2015v35n2p124 DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO HEXÂMETRO Robert de Brose * Universidade Federal do Ceará Resumo: No presente artigo, pretendo discutir as possibilidades rítmicas do hexâmetro grego, demonstrando como esse metro, erroneamente re- duzido a forma 5da+sp, reflete, na verdade, a articulação de vários cola métricos oriundos de diferentes tradições poéticas que se adequaram à fraseologia da poesia épica. Irei argumentar que as articulações rítmicas do hexâmetro são responsáveis por criar significados não triviais que pre- cisam ser ressaltados na tradução, pois são parte integrante na construção do significado poético. Por fim, irei mostrar, por meio de três exemplos, como uma tradução que atente para a natureza polirrítmica do hexâmetro poderia ser levada a cabo. Palavras-chave: Hexâmetro. Tradução do Hexâmetro. Métrica. Ritmo. Tradução Poética. * Bacharel em Língua e Literatura Grega, Mestre e Doutor com “Distinção e Lou- vor” em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo. É membro permanente do Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução (POET) da Universidade Federal do Ceará e líder do Grupo de Pesquisa no CNPq “Tradução e Recepção dos Clássicos”. Organizador do selo “Ecos” de tradução para a Editora Substân- sia. Atualmente, dedica-se à tradução da obra completa de Píndaro, cujo projeto foi contemplado com o Edital Universal MCTI/CNPQ 2014. É Professor Adjunto de Letras Clássicas da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. Email: [email protected]

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Page 1: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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2175-79682015v35n2p124

DA FOcircRMA AgraveS FORMAS METRO RITMO E TRADUCcedilAtildeO DO HEXAcircMETRO

Robert de Brose

Universidade Federal do Cearaacute

Resumo No presente artigo pretendo discutir as possibilidades riacutetmicas do hexacircmetro grego demonstrando como esse metro erroneamente re-duzido a forma 5da+sp reflete na verdade a articulaccedilatildeo de vaacuterios cola meacutetricos oriundos de diferentes tradiccedilotildees poeacuteticas que se adequaram agrave fraseologia da poesia eacutepica Irei argumentar que as articulaccedilotildees riacutetmicas do hexacircmetro satildeo responsaacuteveis por criar significados natildeo triviais que pre-cisam ser ressaltados na traduccedilatildeo pois satildeo parte integrante na construccedilatildeo do significado poeacutetico Por fim irei mostrar por meio de trecircs exemplos como uma traduccedilatildeo que atente para a natureza polirriacutetmica do hexacircmetro poderia ser levada a caboPalavras-chave Hexacircmetro Traduccedilatildeo do Hexacircmetro Meacutetrica Ritmo

Traduccedilatildeo Poeacutetica

Bacharel em Liacutengua e Literatura Grega Mestre e Doutor com ldquoDistinccedilatildeo e Lou-vorrdquo em Letras Claacutessicas pela Universidade de Satildeo Paulo Eacute membro permanente do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Estudos da Traduccedilatildeo (POET) da Universidade Federal do Cearaacute e liacuteder do Grupo de Pesquisa no CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo Organizador do selo ldquoEcosrdquo de traduccedilatildeo para a Editora Substacircn-sia Atualmente dedica-se agrave traduccedilatildeo da obra completa de Piacutendaro cujo projeto foi contemplado com o Edital Universal MCTICNPQ 2014 Eacute Professor Adjunto de Letras Claacutessicas da Universidade Federal do Cearaacute Fortaleza Cearaacute Brasil Email robertdebroseufcbr

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Robert de Brose

FROM MOLD TO FORMS METER RHYTHM AND THE TRANSLATION OF THE HEXAMETER

abstract In this article I shall discuss the rhythmical possibilities of

the Greek hexameter showing how this particular meter sometimes

mistakenly equated with the form 5da+sp is in fact the result of a

conluence of metrical cola from different poetical traditions articulated by

the phraseology of epic poetry I shall argue that the rhythmical patterns

of the hexameter are responsible for eliciting non-trivial connotations that

need to be made explicit in the translation because they are an integral

part for construing poetical meaning Finally I shall try to demonstrate by

means of three practical examples how a translation that is aware of these

rhythmical articulations might be possible

Keywords Hexameter Translation of the Hexameter Greek Meter Poetic

rhythm Poetic translation

Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma

Reduzi sem danos

A focircrmas a forma

M Bandeira Os sapos

Introduccedilatildeo1

A poesia grega do periacuteodo arcaico2 era indissociaacutevel de sua expressatildeo musical e ao menos no que tange agrave sua concepccedilatildeo3 de natureza eminentemente oral orientada para a performance e ademais puacuteblica4 Eacute muito importante que se ressalte tais caracte-riacutesticas logo no iniacutecio deste artigo justamente porque muito em-bora reconhecidas pelos especialistas raramente se presume que as mesmas possam ter alguma relevacircncia em discussotildees acerca da traduccedilatildeo desses textos Parece-me todavia que tais particularida-des da poesia grega justamente por diferenciaacute-la de maneira tatildeo fundamental de nossa proacutepria poesia deveriam enquadrar toda e qualquer discussatildeo desses textos que recebidos na modernidade por meio da escrita satildeo na verdade o registro entextualizado5

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

de canccedilotildees compostas com o objetivo de ser executadas para uma audiecircncia e com uma ocasiatildeo e propoacutesito definidos

Dessa forma se por um lado a poesia grega eacute normalmente con-ceitualizada e problematizada na modernidade a partir do domiacutenio6 daquilo a que chamamos de ldquoliteraturardquo caracterizada pela centra-lidade dada agrave palavra escrita por outro lado no periacuteodo arcaico ela se definia precipuamente a partir da dimensatildeo da palavra falada ou mais bem dizendo neste caso cantada e portanto caracterizar-se-ia com mais precisatildeo como uma ldquooraturardquo7 Isso porque ateacute a segunda metade do seacutec IV se natildeo ateacute mais tarde as comunidades gregas ainda viviam para todos os fins praacuteticos em uma cultura eminentemente oral8 Dentro dessa cultura o arcabouccedilo das artes verbais recebia o nome mais esquemaacutetico de mousikē9 isto eacute a ldquoarte das Musasrdquo palavra que com o advento da escrita especializou-se na maioria das liacutenguas modernas para se restringir apenas agrave muacutesica propriamente dita que pode ser independente da palavra mas que entatildeo subsumia o conteuacutedo verbal (leacuteksis poiēsis) a muacutesica e o canto (meacutelos aōidē) e a danccedila (molpeacute khoreiacutea)10 todos indissocia-velmente articulados numa mesma praacutexis poeacutetica

Devido agrave sua natureza musical e performaacutetica a poesia grega recorria a uma seacuterie de artifiacutecios acuacutesticos e visuais11 de caraacuteter supralexical na criaccedilatildeo e explicitaccedilatildeo de significados poeacuteticos Infelizmente a maior parte dessas duas dimensotildees perdeu-se na transmissatildeo do texto jaacute que os gregos nunca se preocuparam em preservar a notaccedilatildeo musical da melodia de suas canccedilotildees e natildeo se sabe de qualquer tipo de notaccedilatildeo coreograacutefica A liacutengua grega no entanto devido agrave sua proacutepria natureza era capaz de codificar o metro das composiccedilotildees poeacuteticas em sua estrutura foneacutetica que em grande medida foi preservada na escrita Graccedilas a isso hoje podemos ao menos conhecer com precisatildeo os metros dos poemas estiacutequicos12 como o hexacircmetro o diacutestico elegiacuteaco os triacutemetros e tetracircmetros os epodos etc e por meio da escansatildeo meacutetrica dos versos tentar recuperar seu ritmo musical o qual segundo irei ar-gumentar eacute um elemento capital para a compreensatildeo da mensagem poeacutetica do texto

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Voltando no entanto ao ponto inicial e pressupondo-se que o texto dos poemas gregos seja uma forma de discurso oral preserva-do pela escrita parece-me estar claro a importacircncia de buscarmos uma abordagem tradutoacuteria que conceda uma ecircnfase maior aos as-pectos privilegiados em uma obra vocal entre os quais o ritmo Basta pensarmos por exemplo que para Paul Zumthor13 na poesia oral ldquoo ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo algo que os poetas evidentemente sabem de maneira instintiva mesmo aqueles que operam num literacia completa como a que vivemos Para Maiakowski14 por exemplo o ritmo eacute magnetismo a forccedila e energia fundamental da poesia Consequentemente mais do que mero ornamento ele tem um papel crucial na explicitaccedilatildeo de conteuacutedos semacircnticos natildeo-verbais que na poesia por visar o au-delagrave da linguagem precisam a todo custo ser preservados em traduccedilatildeo Isso contudo natildeo eacute alcanccedilaacutevel por meio da reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos porque metro e ritmo natildeo se con-fundem completamente Como jaacute nos alertava Aristides Quintilia-no15 a canccedilatildeo em sua totalidade eacute expressa pela combinaccedilatildeo de trecircs eixos melodia ritmo e dicccedilatildeo (leacuteksis) dos quais o metro eacute uma caracteriacutestica da letra (leacuteksis) ao passo que o ritmo expresso pelo movimento do som e pelas alteraccedilotildees (paacutethē) que lhe satildeo impostas pelo executante emerge da danccedila Pode-se concluir portanto que o ritmo eacute conceitualizado na praacutetica musical grega a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade do espaccedilo-tempo16 e que aqueles se projetam sobre a letra mas apenas como sombra na forma do metro

Dessa forma na traduccedilatildeo da oratura grega arcaica eacute preciso pensar em estrateacutegias para se reconstruir o ritmo isto eacute a atuali-zaccedilatildeo do movimento que eacute contiacutenuo e sempre mutaacutevel mais do que o metro que determina apenas a equaccedilatildeo e as leis desse mo-vimento Ademais uma vez que o metro pertence agrave dimensatildeo da leacuteksis e uma vez que o grego e o portuguecircs tecircm leacutekseis diferentes e em muitos pontos incompatiacuteveis eacute forccediloso admitir que seus sis-temas meacutetricos natildeo podem ser coincidentes De fato ao passo que o sistema de metrificaccedilatildeo grego eacute morocircnico isto eacute baseado na du-

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raccedilatildeo da siacutelaba que eacute uma caracteriacutestica fonecircmica naquela liacutengua o do portuguecircs eacute tocircnico vale dizer baseia-se na alternacircncia entre siacutelabas fortes e fracas jaacute que em nossa liacutengua a quantidade silaacutebica ainda que presente natildeo tem papel relevante na formaccedilatildeo de pares miacutenimos contrastivos e o contraste como sabemos eacute a essecircncia mesma do ritmo Aleacutem do mais a versificaccedilatildeo nas liacutenguas neola-tinas tende a seguir esquemas meacutetricos riacutegidos formados como dissemos por padrotildees de alternacircncia do acento tocircnico em versos com um nuacutemero fixo de siacutelabas17 Na poesia grega pelo contraacuterio muito embora existissem esquemas isossilaacutebicos havia uma mar-gem maior para variaccedilatildeo principalmente por meio da substituiccedilatildeo de longas por breves e vice-versa sobretudo na cabeccedila do verso uma caracteriacutestica de formas mais antigas indo-europeias O he-xacircmetro por exemplo de que iremos tratar neste artigo podia contar com um miacutenimo de 12 e um maacuteximo de 16 siacutelabas a partir das quais 32 formas meacutetricas eram possiacuteveis as quais por sua vez poderiam ser articuladas de muitas maneiras para se produzir uma riqueza riacutetmica raramente salientada

Em face entatildeo da natureza da poesia grega arcaica da distin-ccedilatildeo estabelecida jaacute na Antiguidade entre metro e ritmo e da im-portacircncia desse uacuteltimo na criaccedilatildeo de significado poeacutetico sobretudo em formas orais de poesia supor que identificado o metro de um determinado poema seja possiacutevel fixar uma determinada forma riacutetmica para aplicaacute-la indistintamente a toda traduccedilatildeo eacute supor au-tomaticamente que o sentido denotado por tal forma eacute adequado para todas as suas passagens o que eacute um evidente absurdo o ligei-ro trote de um verso holodaacutetilo seria totalmente inadequado a um funeral ou a uma cena de libaccedilatildeo assim como um verso holospon-daico18 o seria para uma cena de combate Neste artigo portanto tentarei demonstrar que o decalque meacutetrico das formas originais natildeo eacute a melhor abordagem para a traduccedilatildeo da poesia grega arcaica Na verdade parece me que a reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos do grego para o portuguecircs muitas vezes tentando-se in-clusive fazer coincidir siacutelaba longa com siacutelaba tocircnica denuncia tan-to uma certa desatenccedilatildeo agrave capacidade de elementos natildeo-verbais de

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produzirem significado o que eacute tiacutepico da mente quiroacutegrafa quanto um certo desprezo por aquelas caracteriacutesticas do poema que natildeo estatildeo sob o domiacutenio da escritura e natildeo contribuem para o desenho graacutefico do texto na paacutegina ou que de outra forma o desestabiliza-riam No caso do hexacircmetro como veremos essa desestabilizaccedilatildeo estaria representada na possibilidade de partir graficamente o verso homeacuterico para melhor explicitar a sua estrutura riacutetmica o que natildeo deve ser visto como uma heresia

A filologia claacutessica que surgiu com a necessidade de se editar os textos dos poetas agrave medida que esses eram coletados em biblio-tecas na Antiguidade tardia como aquela de Alexandria no seacutec III aC relegou o estudo da meacutetrica a um mero expediente editorial a uma ferramenta auxiliar no estabelecimento do melhor texto de diferentes versotildees Para o filoacutelogo que com decliacutenio no ensino das liacutenguas claacutessicas muitas vezes eacute o uacutenico tradutor disponiacutevel o ritmo de um poema normalmente reduz-se a uma mera sequecircncia de sinais tipograacuteficos da forma ‒ ou cuja dimensatildeo musical ou performaacutetica eacute de somenos importacircncia19 Natildeo havia mesmo ateacute pouco tempo um interesse em se recuperar essa muacutesica ndash ou qual-quer muacutesica20 ndash no acircmbito dessa disciplina onde a meacutetrica grega mais do que servir para nos reconectarmos agrave mousikē arcaica foi reduzida a uma mera teacutecnica acessoacuteria da criacutetica textual e a uma ferramenta que embora uacutetil revela-se desagradaacutevel natildeo raro in-conveniente e obscura com a qual os editores tecircm de lidar no estabelecimento de seus textos

Na tentativa de romper com essa ecircnfase dada ao desenho graacutefi-co tiacutepico da estrutura modal da literatura21 ndash e que tende agrave esque-matizaccedilatildeo excessiva e agrave reduccedilatildeo das formas a uma uacutenica focircrma na traduccedilatildeo ndash mas ao contraacuterio procurando salientar sua dimensatildeo vocal que reside no tempo da performance e portanto manifesta-se no ritmo da voz em canto ou recitaccedilatildeo mais do que no metro e no grafismo da paacutegina irei no que segue analisar as poliformas subjacentes agrave matriz meacutetrica prototiacutepica do hexacircmetro tentando salientar toda a sofisticaccedilatildeo riqueza e complexa histoacuteria evolutiva que ainda se faz sentir no texto de poemas fundamentais para a nos-

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sa cultura como a Iliacuteada a Odisseia e os poemas hesioacutedicos Irei explorar sobretudo a articulaccedilatildeo interna do hexacircmetro e como ela age para expressar ou salientar significados sem a presunccedilatildeo de que o tema possa ser esgotado por essa pequena anaacutelise haacute muito trabalho ainda nesse e em outros niacuteveis a ser feito antes que pos-samos compreender todas as possibilidades riacutetmicas desse verso e as funccedilotildees que lhe foram dadas pelos diferentes gecircneros que dele se utilizaram Ainda e seguindo o conselho de Schlegel22 irei propor uma maneira de ressaltar na traduccedilatildeo essa articulaccedilatildeo riacutetmica e os significos que nelas vejo Estou ciente de que este natildeo eacute o uacutenico caminho possiacutevel e portanto os dois exerciacutecios de traduccedilatildeo ao fi-nal desse artigo anseiam por ser mais propositivos que prescritivos

1 O hexacircmetro grego

O hexacircmetro grego eacute tido normalmente como o metro mais sim-ples em todo o rico inventaacuterio de metros gregos De fato qualquer um com um conhecimento baacutesico do alfabeto e da prosoacutedia daquela liacutengua pode aprender a escandir esse verso em menos de cinco mi-nutos Essa aparente simplicidade eacute a razatildeo pela qual quase todos os tratados de meacutetrica modernos se iniciam por essa forma23 uma decisatildeo contudo infeliz e que reflete ademais uma compreensatildeo e uma recepccedilatildeo inadequada do verso na modernidade porque nem do ponto de vista riacutetmico o hexacircmetro eacute simples nem diacronica-mente ele pode ser tido como uma protoforma algo jaacute reconheci-do na proacutepria Antiguidade

De fato para Aristoacuteteles o hexacircmetro em contraposiccedilatildeo ao jambo era um metro solene (semnoacutes) e o mais desprovido dos ritmos da fala cotidiana24 o que faz sentido se pensarmos que ele se desenvolveu para preservar narrativas que tampouco estatildeo relacionadas com a vida mas com as histoacuterias maravilhosas de deuses e heroacuteis Dessa forma tambeacutem por codificar um discurso de autoridade ndash miacutetico didaacutetico filosoacutefico etc ndash o hexacircmetro evoluiu para acomodar uma dicccedilatildeo especialmente estilizada o que

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o tornava nas palavras daquele mesmo filoacutesofo ldquoo mais pomposo e pesado dos metros razatildeo pela qual aceita mais que todos os ou-tros palavras raras e metaacuteforas pois a imitaccedilatildeo narrativa eacute a mais extravagante de todasrdquo25 Antes no entanto de podermos apreciar toda essa sofisticaccedilatildeo eacute preciso que entendamos sua forma mais prototiacutepica isto eacute o andamento riacutetmico tido como o melhor repre-sentante do metro em um conjunto de variaccedilotildees possiacuteveis

Tradicionalmente essa forma eacute definida como um verso forma-do por cinco peacutes do tipo ‒ chamado daacutetilo arrematados por um sexto do tipo ‒ ‒ que recebe o nome de espondeu26 Daiacute resultam as seis (hexa) medidas (metra) que datildeo nome ao verso com a se-guinte configuraccedilatildeo27

Essa forma do hexacircmetro que recebe o nome de (verso) ldquoho-lodaacutetilordquo ie composto inteiramente por daacutetilos natildeo eacute nem a uacutenica forma possiacutevel nem a mais frequente muito embora possa-mos consideraacute-la como dissemos a matriz prototiacutepica geradora de outras formas Na verdade o verso holodaacutetilo aparece em apenas 20 de todos os versos da Iliacuteada e 29 dos da Odisseia isto por-que as duas curtas de cada daacutetilo cn1 e cn2 em qualquer posiccedilatildeo podem ser substituiacutedas28 por uma uacutenica longa o que expandiria o nosso esquema de possibilidades para

Essa plasticidade do metro permitia ao aedo se assim quisesse preencher todas as posiccedilotildees meacutetricas unicamente com espondeus produzindo o assim chamado verso holospondaico que muito em-

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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Robert de Brose

2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

151Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 2: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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Robert de Brose

FROM MOLD TO FORMS METER RHYTHM AND THE TRANSLATION OF THE HEXAMETER

abstract In this article I shall discuss the rhythmical possibilities of

the Greek hexameter showing how this particular meter sometimes

mistakenly equated with the form 5da+sp is in fact the result of a

conluence of metrical cola from different poetical traditions articulated by

the phraseology of epic poetry I shall argue that the rhythmical patterns

of the hexameter are responsible for eliciting non-trivial connotations that

need to be made explicit in the translation because they are an integral

part for construing poetical meaning Finally I shall try to demonstrate by

means of three practical examples how a translation that is aware of these

rhythmical articulations might be possible

Keywords Hexameter Translation of the Hexameter Greek Meter Poetic

rhythm Poetic translation

Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma

Reduzi sem danos

A focircrmas a forma

M Bandeira Os sapos

Introduccedilatildeo1

A poesia grega do periacuteodo arcaico2 era indissociaacutevel de sua expressatildeo musical e ao menos no que tange agrave sua concepccedilatildeo3 de natureza eminentemente oral orientada para a performance e ademais puacuteblica4 Eacute muito importante que se ressalte tais caracte-riacutesticas logo no iniacutecio deste artigo justamente porque muito em-bora reconhecidas pelos especialistas raramente se presume que as mesmas possam ter alguma relevacircncia em discussotildees acerca da traduccedilatildeo desses textos Parece-me todavia que tais particularida-des da poesia grega justamente por diferenciaacute-la de maneira tatildeo fundamental de nossa proacutepria poesia deveriam enquadrar toda e qualquer discussatildeo desses textos que recebidos na modernidade por meio da escrita satildeo na verdade o registro entextualizado5

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

de canccedilotildees compostas com o objetivo de ser executadas para uma audiecircncia e com uma ocasiatildeo e propoacutesito definidos

Dessa forma se por um lado a poesia grega eacute normalmente con-ceitualizada e problematizada na modernidade a partir do domiacutenio6 daquilo a que chamamos de ldquoliteraturardquo caracterizada pela centra-lidade dada agrave palavra escrita por outro lado no periacuteodo arcaico ela se definia precipuamente a partir da dimensatildeo da palavra falada ou mais bem dizendo neste caso cantada e portanto caracterizar-se-ia com mais precisatildeo como uma ldquooraturardquo7 Isso porque ateacute a segunda metade do seacutec IV se natildeo ateacute mais tarde as comunidades gregas ainda viviam para todos os fins praacuteticos em uma cultura eminentemente oral8 Dentro dessa cultura o arcabouccedilo das artes verbais recebia o nome mais esquemaacutetico de mousikē9 isto eacute a ldquoarte das Musasrdquo palavra que com o advento da escrita especializou-se na maioria das liacutenguas modernas para se restringir apenas agrave muacutesica propriamente dita que pode ser independente da palavra mas que entatildeo subsumia o conteuacutedo verbal (leacuteksis poiēsis) a muacutesica e o canto (meacutelos aōidē) e a danccedila (molpeacute khoreiacutea)10 todos indissocia-velmente articulados numa mesma praacutexis poeacutetica

Devido agrave sua natureza musical e performaacutetica a poesia grega recorria a uma seacuterie de artifiacutecios acuacutesticos e visuais11 de caraacuteter supralexical na criaccedilatildeo e explicitaccedilatildeo de significados poeacuteticos Infelizmente a maior parte dessas duas dimensotildees perdeu-se na transmissatildeo do texto jaacute que os gregos nunca se preocuparam em preservar a notaccedilatildeo musical da melodia de suas canccedilotildees e natildeo se sabe de qualquer tipo de notaccedilatildeo coreograacutefica A liacutengua grega no entanto devido agrave sua proacutepria natureza era capaz de codificar o metro das composiccedilotildees poeacuteticas em sua estrutura foneacutetica que em grande medida foi preservada na escrita Graccedilas a isso hoje podemos ao menos conhecer com precisatildeo os metros dos poemas estiacutequicos12 como o hexacircmetro o diacutestico elegiacuteaco os triacutemetros e tetracircmetros os epodos etc e por meio da escansatildeo meacutetrica dos versos tentar recuperar seu ritmo musical o qual segundo irei ar-gumentar eacute um elemento capital para a compreensatildeo da mensagem poeacutetica do texto

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Voltando no entanto ao ponto inicial e pressupondo-se que o texto dos poemas gregos seja uma forma de discurso oral preserva-do pela escrita parece-me estar claro a importacircncia de buscarmos uma abordagem tradutoacuteria que conceda uma ecircnfase maior aos as-pectos privilegiados em uma obra vocal entre os quais o ritmo Basta pensarmos por exemplo que para Paul Zumthor13 na poesia oral ldquoo ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo algo que os poetas evidentemente sabem de maneira instintiva mesmo aqueles que operam num literacia completa como a que vivemos Para Maiakowski14 por exemplo o ritmo eacute magnetismo a forccedila e energia fundamental da poesia Consequentemente mais do que mero ornamento ele tem um papel crucial na explicitaccedilatildeo de conteuacutedos semacircnticos natildeo-verbais que na poesia por visar o au-delagrave da linguagem precisam a todo custo ser preservados em traduccedilatildeo Isso contudo natildeo eacute alcanccedilaacutevel por meio da reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos porque metro e ritmo natildeo se con-fundem completamente Como jaacute nos alertava Aristides Quintilia-no15 a canccedilatildeo em sua totalidade eacute expressa pela combinaccedilatildeo de trecircs eixos melodia ritmo e dicccedilatildeo (leacuteksis) dos quais o metro eacute uma caracteriacutestica da letra (leacuteksis) ao passo que o ritmo expresso pelo movimento do som e pelas alteraccedilotildees (paacutethē) que lhe satildeo impostas pelo executante emerge da danccedila Pode-se concluir portanto que o ritmo eacute conceitualizado na praacutetica musical grega a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade do espaccedilo-tempo16 e que aqueles se projetam sobre a letra mas apenas como sombra na forma do metro

Dessa forma na traduccedilatildeo da oratura grega arcaica eacute preciso pensar em estrateacutegias para se reconstruir o ritmo isto eacute a atuali-zaccedilatildeo do movimento que eacute contiacutenuo e sempre mutaacutevel mais do que o metro que determina apenas a equaccedilatildeo e as leis desse mo-vimento Ademais uma vez que o metro pertence agrave dimensatildeo da leacuteksis e uma vez que o grego e o portuguecircs tecircm leacutekseis diferentes e em muitos pontos incompatiacuteveis eacute forccediloso admitir que seus sis-temas meacutetricos natildeo podem ser coincidentes De fato ao passo que o sistema de metrificaccedilatildeo grego eacute morocircnico isto eacute baseado na du-

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raccedilatildeo da siacutelaba que eacute uma caracteriacutestica fonecircmica naquela liacutengua o do portuguecircs eacute tocircnico vale dizer baseia-se na alternacircncia entre siacutelabas fortes e fracas jaacute que em nossa liacutengua a quantidade silaacutebica ainda que presente natildeo tem papel relevante na formaccedilatildeo de pares miacutenimos contrastivos e o contraste como sabemos eacute a essecircncia mesma do ritmo Aleacutem do mais a versificaccedilatildeo nas liacutenguas neola-tinas tende a seguir esquemas meacutetricos riacutegidos formados como dissemos por padrotildees de alternacircncia do acento tocircnico em versos com um nuacutemero fixo de siacutelabas17 Na poesia grega pelo contraacuterio muito embora existissem esquemas isossilaacutebicos havia uma mar-gem maior para variaccedilatildeo principalmente por meio da substituiccedilatildeo de longas por breves e vice-versa sobretudo na cabeccedila do verso uma caracteriacutestica de formas mais antigas indo-europeias O he-xacircmetro por exemplo de que iremos tratar neste artigo podia contar com um miacutenimo de 12 e um maacuteximo de 16 siacutelabas a partir das quais 32 formas meacutetricas eram possiacuteveis as quais por sua vez poderiam ser articuladas de muitas maneiras para se produzir uma riqueza riacutetmica raramente salientada

Em face entatildeo da natureza da poesia grega arcaica da distin-ccedilatildeo estabelecida jaacute na Antiguidade entre metro e ritmo e da im-portacircncia desse uacuteltimo na criaccedilatildeo de significado poeacutetico sobretudo em formas orais de poesia supor que identificado o metro de um determinado poema seja possiacutevel fixar uma determinada forma riacutetmica para aplicaacute-la indistintamente a toda traduccedilatildeo eacute supor au-tomaticamente que o sentido denotado por tal forma eacute adequado para todas as suas passagens o que eacute um evidente absurdo o ligei-ro trote de um verso holodaacutetilo seria totalmente inadequado a um funeral ou a uma cena de libaccedilatildeo assim como um verso holospon-daico18 o seria para uma cena de combate Neste artigo portanto tentarei demonstrar que o decalque meacutetrico das formas originais natildeo eacute a melhor abordagem para a traduccedilatildeo da poesia grega arcaica Na verdade parece me que a reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos do grego para o portuguecircs muitas vezes tentando-se in-clusive fazer coincidir siacutelaba longa com siacutelaba tocircnica denuncia tan-to uma certa desatenccedilatildeo agrave capacidade de elementos natildeo-verbais de

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produzirem significado o que eacute tiacutepico da mente quiroacutegrafa quanto um certo desprezo por aquelas caracteriacutesticas do poema que natildeo estatildeo sob o domiacutenio da escritura e natildeo contribuem para o desenho graacutefico do texto na paacutegina ou que de outra forma o desestabiliza-riam No caso do hexacircmetro como veremos essa desestabilizaccedilatildeo estaria representada na possibilidade de partir graficamente o verso homeacuterico para melhor explicitar a sua estrutura riacutetmica o que natildeo deve ser visto como uma heresia

A filologia claacutessica que surgiu com a necessidade de se editar os textos dos poetas agrave medida que esses eram coletados em biblio-tecas na Antiguidade tardia como aquela de Alexandria no seacutec III aC relegou o estudo da meacutetrica a um mero expediente editorial a uma ferramenta auxiliar no estabelecimento do melhor texto de diferentes versotildees Para o filoacutelogo que com decliacutenio no ensino das liacutenguas claacutessicas muitas vezes eacute o uacutenico tradutor disponiacutevel o ritmo de um poema normalmente reduz-se a uma mera sequecircncia de sinais tipograacuteficos da forma ‒ ou cuja dimensatildeo musical ou performaacutetica eacute de somenos importacircncia19 Natildeo havia mesmo ateacute pouco tempo um interesse em se recuperar essa muacutesica ndash ou qual-quer muacutesica20 ndash no acircmbito dessa disciplina onde a meacutetrica grega mais do que servir para nos reconectarmos agrave mousikē arcaica foi reduzida a uma mera teacutecnica acessoacuteria da criacutetica textual e a uma ferramenta que embora uacutetil revela-se desagradaacutevel natildeo raro in-conveniente e obscura com a qual os editores tecircm de lidar no estabelecimento de seus textos

Na tentativa de romper com essa ecircnfase dada ao desenho graacutefi-co tiacutepico da estrutura modal da literatura21 ndash e que tende agrave esque-matizaccedilatildeo excessiva e agrave reduccedilatildeo das formas a uma uacutenica focircrma na traduccedilatildeo ndash mas ao contraacuterio procurando salientar sua dimensatildeo vocal que reside no tempo da performance e portanto manifesta-se no ritmo da voz em canto ou recitaccedilatildeo mais do que no metro e no grafismo da paacutegina irei no que segue analisar as poliformas subjacentes agrave matriz meacutetrica prototiacutepica do hexacircmetro tentando salientar toda a sofisticaccedilatildeo riqueza e complexa histoacuteria evolutiva que ainda se faz sentir no texto de poemas fundamentais para a nos-

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sa cultura como a Iliacuteada a Odisseia e os poemas hesioacutedicos Irei explorar sobretudo a articulaccedilatildeo interna do hexacircmetro e como ela age para expressar ou salientar significados sem a presunccedilatildeo de que o tema possa ser esgotado por essa pequena anaacutelise haacute muito trabalho ainda nesse e em outros niacuteveis a ser feito antes que pos-samos compreender todas as possibilidades riacutetmicas desse verso e as funccedilotildees que lhe foram dadas pelos diferentes gecircneros que dele se utilizaram Ainda e seguindo o conselho de Schlegel22 irei propor uma maneira de ressaltar na traduccedilatildeo essa articulaccedilatildeo riacutetmica e os significos que nelas vejo Estou ciente de que este natildeo eacute o uacutenico caminho possiacutevel e portanto os dois exerciacutecios de traduccedilatildeo ao fi-nal desse artigo anseiam por ser mais propositivos que prescritivos

1 O hexacircmetro grego

O hexacircmetro grego eacute tido normalmente como o metro mais sim-ples em todo o rico inventaacuterio de metros gregos De fato qualquer um com um conhecimento baacutesico do alfabeto e da prosoacutedia daquela liacutengua pode aprender a escandir esse verso em menos de cinco mi-nutos Essa aparente simplicidade eacute a razatildeo pela qual quase todos os tratados de meacutetrica modernos se iniciam por essa forma23 uma decisatildeo contudo infeliz e que reflete ademais uma compreensatildeo e uma recepccedilatildeo inadequada do verso na modernidade porque nem do ponto de vista riacutetmico o hexacircmetro eacute simples nem diacronica-mente ele pode ser tido como uma protoforma algo jaacute reconheci-do na proacutepria Antiguidade

De fato para Aristoacuteteles o hexacircmetro em contraposiccedilatildeo ao jambo era um metro solene (semnoacutes) e o mais desprovido dos ritmos da fala cotidiana24 o que faz sentido se pensarmos que ele se desenvolveu para preservar narrativas que tampouco estatildeo relacionadas com a vida mas com as histoacuterias maravilhosas de deuses e heroacuteis Dessa forma tambeacutem por codificar um discurso de autoridade ndash miacutetico didaacutetico filosoacutefico etc ndash o hexacircmetro evoluiu para acomodar uma dicccedilatildeo especialmente estilizada o que

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o tornava nas palavras daquele mesmo filoacutesofo ldquoo mais pomposo e pesado dos metros razatildeo pela qual aceita mais que todos os ou-tros palavras raras e metaacuteforas pois a imitaccedilatildeo narrativa eacute a mais extravagante de todasrdquo25 Antes no entanto de podermos apreciar toda essa sofisticaccedilatildeo eacute preciso que entendamos sua forma mais prototiacutepica isto eacute o andamento riacutetmico tido como o melhor repre-sentante do metro em um conjunto de variaccedilotildees possiacuteveis

Tradicionalmente essa forma eacute definida como um verso forma-do por cinco peacutes do tipo ‒ chamado daacutetilo arrematados por um sexto do tipo ‒ ‒ que recebe o nome de espondeu26 Daiacute resultam as seis (hexa) medidas (metra) que datildeo nome ao verso com a se-guinte configuraccedilatildeo27

Essa forma do hexacircmetro que recebe o nome de (verso) ldquoho-lodaacutetilordquo ie composto inteiramente por daacutetilos natildeo eacute nem a uacutenica forma possiacutevel nem a mais frequente muito embora possa-mos consideraacute-la como dissemos a matriz prototiacutepica geradora de outras formas Na verdade o verso holodaacutetilo aparece em apenas 20 de todos os versos da Iliacuteada e 29 dos da Odisseia isto por-que as duas curtas de cada daacutetilo cn1 e cn2 em qualquer posiccedilatildeo podem ser substituiacutedas28 por uma uacutenica longa o que expandiria o nosso esquema de possibilidades para

Essa plasticidade do metro permitia ao aedo se assim quisesse preencher todas as posiccedilotildees meacutetricas unicamente com espondeus produzindo o assim chamado verso holospondaico que muito em-

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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Robert de Brose

50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 3: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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de canccedilotildees compostas com o objetivo de ser executadas para uma audiecircncia e com uma ocasiatildeo e propoacutesito definidos

Dessa forma se por um lado a poesia grega eacute normalmente con-ceitualizada e problematizada na modernidade a partir do domiacutenio6 daquilo a que chamamos de ldquoliteraturardquo caracterizada pela centra-lidade dada agrave palavra escrita por outro lado no periacuteodo arcaico ela se definia precipuamente a partir da dimensatildeo da palavra falada ou mais bem dizendo neste caso cantada e portanto caracterizar-se-ia com mais precisatildeo como uma ldquooraturardquo7 Isso porque ateacute a segunda metade do seacutec IV se natildeo ateacute mais tarde as comunidades gregas ainda viviam para todos os fins praacuteticos em uma cultura eminentemente oral8 Dentro dessa cultura o arcabouccedilo das artes verbais recebia o nome mais esquemaacutetico de mousikē9 isto eacute a ldquoarte das Musasrdquo palavra que com o advento da escrita especializou-se na maioria das liacutenguas modernas para se restringir apenas agrave muacutesica propriamente dita que pode ser independente da palavra mas que entatildeo subsumia o conteuacutedo verbal (leacuteksis poiēsis) a muacutesica e o canto (meacutelos aōidē) e a danccedila (molpeacute khoreiacutea)10 todos indissocia-velmente articulados numa mesma praacutexis poeacutetica

Devido agrave sua natureza musical e performaacutetica a poesia grega recorria a uma seacuterie de artifiacutecios acuacutesticos e visuais11 de caraacuteter supralexical na criaccedilatildeo e explicitaccedilatildeo de significados poeacuteticos Infelizmente a maior parte dessas duas dimensotildees perdeu-se na transmissatildeo do texto jaacute que os gregos nunca se preocuparam em preservar a notaccedilatildeo musical da melodia de suas canccedilotildees e natildeo se sabe de qualquer tipo de notaccedilatildeo coreograacutefica A liacutengua grega no entanto devido agrave sua proacutepria natureza era capaz de codificar o metro das composiccedilotildees poeacuteticas em sua estrutura foneacutetica que em grande medida foi preservada na escrita Graccedilas a isso hoje podemos ao menos conhecer com precisatildeo os metros dos poemas estiacutequicos12 como o hexacircmetro o diacutestico elegiacuteaco os triacutemetros e tetracircmetros os epodos etc e por meio da escansatildeo meacutetrica dos versos tentar recuperar seu ritmo musical o qual segundo irei ar-gumentar eacute um elemento capital para a compreensatildeo da mensagem poeacutetica do texto

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Voltando no entanto ao ponto inicial e pressupondo-se que o texto dos poemas gregos seja uma forma de discurso oral preserva-do pela escrita parece-me estar claro a importacircncia de buscarmos uma abordagem tradutoacuteria que conceda uma ecircnfase maior aos as-pectos privilegiados em uma obra vocal entre os quais o ritmo Basta pensarmos por exemplo que para Paul Zumthor13 na poesia oral ldquoo ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo algo que os poetas evidentemente sabem de maneira instintiva mesmo aqueles que operam num literacia completa como a que vivemos Para Maiakowski14 por exemplo o ritmo eacute magnetismo a forccedila e energia fundamental da poesia Consequentemente mais do que mero ornamento ele tem um papel crucial na explicitaccedilatildeo de conteuacutedos semacircnticos natildeo-verbais que na poesia por visar o au-delagrave da linguagem precisam a todo custo ser preservados em traduccedilatildeo Isso contudo natildeo eacute alcanccedilaacutevel por meio da reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos porque metro e ritmo natildeo se con-fundem completamente Como jaacute nos alertava Aristides Quintilia-no15 a canccedilatildeo em sua totalidade eacute expressa pela combinaccedilatildeo de trecircs eixos melodia ritmo e dicccedilatildeo (leacuteksis) dos quais o metro eacute uma caracteriacutestica da letra (leacuteksis) ao passo que o ritmo expresso pelo movimento do som e pelas alteraccedilotildees (paacutethē) que lhe satildeo impostas pelo executante emerge da danccedila Pode-se concluir portanto que o ritmo eacute conceitualizado na praacutetica musical grega a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade do espaccedilo-tempo16 e que aqueles se projetam sobre a letra mas apenas como sombra na forma do metro

Dessa forma na traduccedilatildeo da oratura grega arcaica eacute preciso pensar em estrateacutegias para se reconstruir o ritmo isto eacute a atuali-zaccedilatildeo do movimento que eacute contiacutenuo e sempre mutaacutevel mais do que o metro que determina apenas a equaccedilatildeo e as leis desse mo-vimento Ademais uma vez que o metro pertence agrave dimensatildeo da leacuteksis e uma vez que o grego e o portuguecircs tecircm leacutekseis diferentes e em muitos pontos incompatiacuteveis eacute forccediloso admitir que seus sis-temas meacutetricos natildeo podem ser coincidentes De fato ao passo que o sistema de metrificaccedilatildeo grego eacute morocircnico isto eacute baseado na du-

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raccedilatildeo da siacutelaba que eacute uma caracteriacutestica fonecircmica naquela liacutengua o do portuguecircs eacute tocircnico vale dizer baseia-se na alternacircncia entre siacutelabas fortes e fracas jaacute que em nossa liacutengua a quantidade silaacutebica ainda que presente natildeo tem papel relevante na formaccedilatildeo de pares miacutenimos contrastivos e o contraste como sabemos eacute a essecircncia mesma do ritmo Aleacutem do mais a versificaccedilatildeo nas liacutenguas neola-tinas tende a seguir esquemas meacutetricos riacutegidos formados como dissemos por padrotildees de alternacircncia do acento tocircnico em versos com um nuacutemero fixo de siacutelabas17 Na poesia grega pelo contraacuterio muito embora existissem esquemas isossilaacutebicos havia uma mar-gem maior para variaccedilatildeo principalmente por meio da substituiccedilatildeo de longas por breves e vice-versa sobretudo na cabeccedila do verso uma caracteriacutestica de formas mais antigas indo-europeias O he-xacircmetro por exemplo de que iremos tratar neste artigo podia contar com um miacutenimo de 12 e um maacuteximo de 16 siacutelabas a partir das quais 32 formas meacutetricas eram possiacuteveis as quais por sua vez poderiam ser articuladas de muitas maneiras para se produzir uma riqueza riacutetmica raramente salientada

Em face entatildeo da natureza da poesia grega arcaica da distin-ccedilatildeo estabelecida jaacute na Antiguidade entre metro e ritmo e da im-portacircncia desse uacuteltimo na criaccedilatildeo de significado poeacutetico sobretudo em formas orais de poesia supor que identificado o metro de um determinado poema seja possiacutevel fixar uma determinada forma riacutetmica para aplicaacute-la indistintamente a toda traduccedilatildeo eacute supor au-tomaticamente que o sentido denotado por tal forma eacute adequado para todas as suas passagens o que eacute um evidente absurdo o ligei-ro trote de um verso holodaacutetilo seria totalmente inadequado a um funeral ou a uma cena de libaccedilatildeo assim como um verso holospon-daico18 o seria para uma cena de combate Neste artigo portanto tentarei demonstrar que o decalque meacutetrico das formas originais natildeo eacute a melhor abordagem para a traduccedilatildeo da poesia grega arcaica Na verdade parece me que a reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos do grego para o portuguecircs muitas vezes tentando-se in-clusive fazer coincidir siacutelaba longa com siacutelaba tocircnica denuncia tan-to uma certa desatenccedilatildeo agrave capacidade de elementos natildeo-verbais de

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produzirem significado o que eacute tiacutepico da mente quiroacutegrafa quanto um certo desprezo por aquelas caracteriacutesticas do poema que natildeo estatildeo sob o domiacutenio da escritura e natildeo contribuem para o desenho graacutefico do texto na paacutegina ou que de outra forma o desestabiliza-riam No caso do hexacircmetro como veremos essa desestabilizaccedilatildeo estaria representada na possibilidade de partir graficamente o verso homeacuterico para melhor explicitar a sua estrutura riacutetmica o que natildeo deve ser visto como uma heresia

A filologia claacutessica que surgiu com a necessidade de se editar os textos dos poetas agrave medida que esses eram coletados em biblio-tecas na Antiguidade tardia como aquela de Alexandria no seacutec III aC relegou o estudo da meacutetrica a um mero expediente editorial a uma ferramenta auxiliar no estabelecimento do melhor texto de diferentes versotildees Para o filoacutelogo que com decliacutenio no ensino das liacutenguas claacutessicas muitas vezes eacute o uacutenico tradutor disponiacutevel o ritmo de um poema normalmente reduz-se a uma mera sequecircncia de sinais tipograacuteficos da forma ‒ ou cuja dimensatildeo musical ou performaacutetica eacute de somenos importacircncia19 Natildeo havia mesmo ateacute pouco tempo um interesse em se recuperar essa muacutesica ndash ou qual-quer muacutesica20 ndash no acircmbito dessa disciplina onde a meacutetrica grega mais do que servir para nos reconectarmos agrave mousikē arcaica foi reduzida a uma mera teacutecnica acessoacuteria da criacutetica textual e a uma ferramenta que embora uacutetil revela-se desagradaacutevel natildeo raro in-conveniente e obscura com a qual os editores tecircm de lidar no estabelecimento de seus textos

Na tentativa de romper com essa ecircnfase dada ao desenho graacutefi-co tiacutepico da estrutura modal da literatura21 ndash e que tende agrave esque-matizaccedilatildeo excessiva e agrave reduccedilatildeo das formas a uma uacutenica focircrma na traduccedilatildeo ndash mas ao contraacuterio procurando salientar sua dimensatildeo vocal que reside no tempo da performance e portanto manifesta-se no ritmo da voz em canto ou recitaccedilatildeo mais do que no metro e no grafismo da paacutegina irei no que segue analisar as poliformas subjacentes agrave matriz meacutetrica prototiacutepica do hexacircmetro tentando salientar toda a sofisticaccedilatildeo riqueza e complexa histoacuteria evolutiva que ainda se faz sentir no texto de poemas fundamentais para a nos-

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sa cultura como a Iliacuteada a Odisseia e os poemas hesioacutedicos Irei explorar sobretudo a articulaccedilatildeo interna do hexacircmetro e como ela age para expressar ou salientar significados sem a presunccedilatildeo de que o tema possa ser esgotado por essa pequena anaacutelise haacute muito trabalho ainda nesse e em outros niacuteveis a ser feito antes que pos-samos compreender todas as possibilidades riacutetmicas desse verso e as funccedilotildees que lhe foram dadas pelos diferentes gecircneros que dele se utilizaram Ainda e seguindo o conselho de Schlegel22 irei propor uma maneira de ressaltar na traduccedilatildeo essa articulaccedilatildeo riacutetmica e os significos que nelas vejo Estou ciente de que este natildeo eacute o uacutenico caminho possiacutevel e portanto os dois exerciacutecios de traduccedilatildeo ao fi-nal desse artigo anseiam por ser mais propositivos que prescritivos

1 O hexacircmetro grego

O hexacircmetro grego eacute tido normalmente como o metro mais sim-ples em todo o rico inventaacuterio de metros gregos De fato qualquer um com um conhecimento baacutesico do alfabeto e da prosoacutedia daquela liacutengua pode aprender a escandir esse verso em menos de cinco mi-nutos Essa aparente simplicidade eacute a razatildeo pela qual quase todos os tratados de meacutetrica modernos se iniciam por essa forma23 uma decisatildeo contudo infeliz e que reflete ademais uma compreensatildeo e uma recepccedilatildeo inadequada do verso na modernidade porque nem do ponto de vista riacutetmico o hexacircmetro eacute simples nem diacronica-mente ele pode ser tido como uma protoforma algo jaacute reconheci-do na proacutepria Antiguidade

De fato para Aristoacuteteles o hexacircmetro em contraposiccedilatildeo ao jambo era um metro solene (semnoacutes) e o mais desprovido dos ritmos da fala cotidiana24 o que faz sentido se pensarmos que ele se desenvolveu para preservar narrativas que tampouco estatildeo relacionadas com a vida mas com as histoacuterias maravilhosas de deuses e heroacuteis Dessa forma tambeacutem por codificar um discurso de autoridade ndash miacutetico didaacutetico filosoacutefico etc ndash o hexacircmetro evoluiu para acomodar uma dicccedilatildeo especialmente estilizada o que

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o tornava nas palavras daquele mesmo filoacutesofo ldquoo mais pomposo e pesado dos metros razatildeo pela qual aceita mais que todos os ou-tros palavras raras e metaacuteforas pois a imitaccedilatildeo narrativa eacute a mais extravagante de todasrdquo25 Antes no entanto de podermos apreciar toda essa sofisticaccedilatildeo eacute preciso que entendamos sua forma mais prototiacutepica isto eacute o andamento riacutetmico tido como o melhor repre-sentante do metro em um conjunto de variaccedilotildees possiacuteveis

Tradicionalmente essa forma eacute definida como um verso forma-do por cinco peacutes do tipo ‒ chamado daacutetilo arrematados por um sexto do tipo ‒ ‒ que recebe o nome de espondeu26 Daiacute resultam as seis (hexa) medidas (metra) que datildeo nome ao verso com a se-guinte configuraccedilatildeo27

Essa forma do hexacircmetro que recebe o nome de (verso) ldquoho-lodaacutetilordquo ie composto inteiramente por daacutetilos natildeo eacute nem a uacutenica forma possiacutevel nem a mais frequente muito embora possa-mos consideraacute-la como dissemos a matriz prototiacutepica geradora de outras formas Na verdade o verso holodaacutetilo aparece em apenas 20 de todos os versos da Iliacuteada e 29 dos da Odisseia isto por-que as duas curtas de cada daacutetilo cn1 e cn2 em qualquer posiccedilatildeo podem ser substituiacutedas28 por uma uacutenica longa o que expandiria o nosso esquema de possibilidades para

Essa plasticidade do metro permitia ao aedo se assim quisesse preencher todas as posiccedilotildees meacutetricas unicamente com espondeus produzindo o assim chamado verso holospondaico que muito em-

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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Robert de Brose

De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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Robert de Brose

linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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Robert de Brose

20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

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BARKER A Greek Musical Writings Volume 2 Harmonic and Acoustic Theory Cambridge Cambridge University Press 2004

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 4: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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Voltando no entanto ao ponto inicial e pressupondo-se que o texto dos poemas gregos seja uma forma de discurso oral preserva-do pela escrita parece-me estar claro a importacircncia de buscarmos uma abordagem tradutoacuteria que conceda uma ecircnfase maior aos as-pectos privilegiados em uma obra vocal entre os quais o ritmo Basta pensarmos por exemplo que para Paul Zumthor13 na poesia oral ldquoo ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo algo que os poetas evidentemente sabem de maneira instintiva mesmo aqueles que operam num literacia completa como a que vivemos Para Maiakowski14 por exemplo o ritmo eacute magnetismo a forccedila e energia fundamental da poesia Consequentemente mais do que mero ornamento ele tem um papel crucial na explicitaccedilatildeo de conteuacutedos semacircnticos natildeo-verbais que na poesia por visar o au-delagrave da linguagem precisam a todo custo ser preservados em traduccedilatildeo Isso contudo natildeo eacute alcanccedilaacutevel por meio da reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos porque metro e ritmo natildeo se con-fundem completamente Como jaacute nos alertava Aristides Quintilia-no15 a canccedilatildeo em sua totalidade eacute expressa pela combinaccedilatildeo de trecircs eixos melodia ritmo e dicccedilatildeo (leacuteksis) dos quais o metro eacute uma caracteriacutestica da letra (leacuteksis) ao passo que o ritmo expresso pelo movimento do som e pelas alteraccedilotildees (paacutethē) que lhe satildeo impostas pelo executante emerge da danccedila Pode-se concluir portanto que o ritmo eacute conceitualizado na praacutetica musical grega a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade do espaccedilo-tempo16 e que aqueles se projetam sobre a letra mas apenas como sombra na forma do metro

Dessa forma na traduccedilatildeo da oratura grega arcaica eacute preciso pensar em estrateacutegias para se reconstruir o ritmo isto eacute a atuali-zaccedilatildeo do movimento que eacute contiacutenuo e sempre mutaacutevel mais do que o metro que determina apenas a equaccedilatildeo e as leis desse mo-vimento Ademais uma vez que o metro pertence agrave dimensatildeo da leacuteksis e uma vez que o grego e o portuguecircs tecircm leacutekseis diferentes e em muitos pontos incompatiacuteveis eacute forccediloso admitir que seus sis-temas meacutetricos natildeo podem ser coincidentes De fato ao passo que o sistema de metrificaccedilatildeo grego eacute morocircnico isto eacute baseado na du-

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raccedilatildeo da siacutelaba que eacute uma caracteriacutestica fonecircmica naquela liacutengua o do portuguecircs eacute tocircnico vale dizer baseia-se na alternacircncia entre siacutelabas fortes e fracas jaacute que em nossa liacutengua a quantidade silaacutebica ainda que presente natildeo tem papel relevante na formaccedilatildeo de pares miacutenimos contrastivos e o contraste como sabemos eacute a essecircncia mesma do ritmo Aleacutem do mais a versificaccedilatildeo nas liacutenguas neola-tinas tende a seguir esquemas meacutetricos riacutegidos formados como dissemos por padrotildees de alternacircncia do acento tocircnico em versos com um nuacutemero fixo de siacutelabas17 Na poesia grega pelo contraacuterio muito embora existissem esquemas isossilaacutebicos havia uma mar-gem maior para variaccedilatildeo principalmente por meio da substituiccedilatildeo de longas por breves e vice-versa sobretudo na cabeccedila do verso uma caracteriacutestica de formas mais antigas indo-europeias O he-xacircmetro por exemplo de que iremos tratar neste artigo podia contar com um miacutenimo de 12 e um maacuteximo de 16 siacutelabas a partir das quais 32 formas meacutetricas eram possiacuteveis as quais por sua vez poderiam ser articuladas de muitas maneiras para se produzir uma riqueza riacutetmica raramente salientada

Em face entatildeo da natureza da poesia grega arcaica da distin-ccedilatildeo estabelecida jaacute na Antiguidade entre metro e ritmo e da im-portacircncia desse uacuteltimo na criaccedilatildeo de significado poeacutetico sobretudo em formas orais de poesia supor que identificado o metro de um determinado poema seja possiacutevel fixar uma determinada forma riacutetmica para aplicaacute-la indistintamente a toda traduccedilatildeo eacute supor au-tomaticamente que o sentido denotado por tal forma eacute adequado para todas as suas passagens o que eacute um evidente absurdo o ligei-ro trote de um verso holodaacutetilo seria totalmente inadequado a um funeral ou a uma cena de libaccedilatildeo assim como um verso holospon-daico18 o seria para uma cena de combate Neste artigo portanto tentarei demonstrar que o decalque meacutetrico das formas originais natildeo eacute a melhor abordagem para a traduccedilatildeo da poesia grega arcaica Na verdade parece me que a reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos do grego para o portuguecircs muitas vezes tentando-se in-clusive fazer coincidir siacutelaba longa com siacutelaba tocircnica denuncia tan-to uma certa desatenccedilatildeo agrave capacidade de elementos natildeo-verbais de

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produzirem significado o que eacute tiacutepico da mente quiroacutegrafa quanto um certo desprezo por aquelas caracteriacutesticas do poema que natildeo estatildeo sob o domiacutenio da escritura e natildeo contribuem para o desenho graacutefico do texto na paacutegina ou que de outra forma o desestabiliza-riam No caso do hexacircmetro como veremos essa desestabilizaccedilatildeo estaria representada na possibilidade de partir graficamente o verso homeacuterico para melhor explicitar a sua estrutura riacutetmica o que natildeo deve ser visto como uma heresia

A filologia claacutessica que surgiu com a necessidade de se editar os textos dos poetas agrave medida que esses eram coletados em biblio-tecas na Antiguidade tardia como aquela de Alexandria no seacutec III aC relegou o estudo da meacutetrica a um mero expediente editorial a uma ferramenta auxiliar no estabelecimento do melhor texto de diferentes versotildees Para o filoacutelogo que com decliacutenio no ensino das liacutenguas claacutessicas muitas vezes eacute o uacutenico tradutor disponiacutevel o ritmo de um poema normalmente reduz-se a uma mera sequecircncia de sinais tipograacuteficos da forma ‒ ou cuja dimensatildeo musical ou performaacutetica eacute de somenos importacircncia19 Natildeo havia mesmo ateacute pouco tempo um interesse em se recuperar essa muacutesica ndash ou qual-quer muacutesica20 ndash no acircmbito dessa disciplina onde a meacutetrica grega mais do que servir para nos reconectarmos agrave mousikē arcaica foi reduzida a uma mera teacutecnica acessoacuteria da criacutetica textual e a uma ferramenta que embora uacutetil revela-se desagradaacutevel natildeo raro in-conveniente e obscura com a qual os editores tecircm de lidar no estabelecimento de seus textos

Na tentativa de romper com essa ecircnfase dada ao desenho graacutefi-co tiacutepico da estrutura modal da literatura21 ndash e que tende agrave esque-matizaccedilatildeo excessiva e agrave reduccedilatildeo das formas a uma uacutenica focircrma na traduccedilatildeo ndash mas ao contraacuterio procurando salientar sua dimensatildeo vocal que reside no tempo da performance e portanto manifesta-se no ritmo da voz em canto ou recitaccedilatildeo mais do que no metro e no grafismo da paacutegina irei no que segue analisar as poliformas subjacentes agrave matriz meacutetrica prototiacutepica do hexacircmetro tentando salientar toda a sofisticaccedilatildeo riqueza e complexa histoacuteria evolutiva que ainda se faz sentir no texto de poemas fundamentais para a nos-

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sa cultura como a Iliacuteada a Odisseia e os poemas hesioacutedicos Irei explorar sobretudo a articulaccedilatildeo interna do hexacircmetro e como ela age para expressar ou salientar significados sem a presunccedilatildeo de que o tema possa ser esgotado por essa pequena anaacutelise haacute muito trabalho ainda nesse e em outros niacuteveis a ser feito antes que pos-samos compreender todas as possibilidades riacutetmicas desse verso e as funccedilotildees que lhe foram dadas pelos diferentes gecircneros que dele se utilizaram Ainda e seguindo o conselho de Schlegel22 irei propor uma maneira de ressaltar na traduccedilatildeo essa articulaccedilatildeo riacutetmica e os significos que nelas vejo Estou ciente de que este natildeo eacute o uacutenico caminho possiacutevel e portanto os dois exerciacutecios de traduccedilatildeo ao fi-nal desse artigo anseiam por ser mais propositivos que prescritivos

1 O hexacircmetro grego

O hexacircmetro grego eacute tido normalmente como o metro mais sim-ples em todo o rico inventaacuterio de metros gregos De fato qualquer um com um conhecimento baacutesico do alfabeto e da prosoacutedia daquela liacutengua pode aprender a escandir esse verso em menos de cinco mi-nutos Essa aparente simplicidade eacute a razatildeo pela qual quase todos os tratados de meacutetrica modernos se iniciam por essa forma23 uma decisatildeo contudo infeliz e que reflete ademais uma compreensatildeo e uma recepccedilatildeo inadequada do verso na modernidade porque nem do ponto de vista riacutetmico o hexacircmetro eacute simples nem diacronica-mente ele pode ser tido como uma protoforma algo jaacute reconheci-do na proacutepria Antiguidade

De fato para Aristoacuteteles o hexacircmetro em contraposiccedilatildeo ao jambo era um metro solene (semnoacutes) e o mais desprovido dos ritmos da fala cotidiana24 o que faz sentido se pensarmos que ele se desenvolveu para preservar narrativas que tampouco estatildeo relacionadas com a vida mas com as histoacuterias maravilhosas de deuses e heroacuteis Dessa forma tambeacutem por codificar um discurso de autoridade ndash miacutetico didaacutetico filosoacutefico etc ndash o hexacircmetro evoluiu para acomodar uma dicccedilatildeo especialmente estilizada o que

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o tornava nas palavras daquele mesmo filoacutesofo ldquoo mais pomposo e pesado dos metros razatildeo pela qual aceita mais que todos os ou-tros palavras raras e metaacuteforas pois a imitaccedilatildeo narrativa eacute a mais extravagante de todasrdquo25 Antes no entanto de podermos apreciar toda essa sofisticaccedilatildeo eacute preciso que entendamos sua forma mais prototiacutepica isto eacute o andamento riacutetmico tido como o melhor repre-sentante do metro em um conjunto de variaccedilotildees possiacuteveis

Tradicionalmente essa forma eacute definida como um verso forma-do por cinco peacutes do tipo ‒ chamado daacutetilo arrematados por um sexto do tipo ‒ ‒ que recebe o nome de espondeu26 Daiacute resultam as seis (hexa) medidas (metra) que datildeo nome ao verso com a se-guinte configuraccedilatildeo27

Essa forma do hexacircmetro que recebe o nome de (verso) ldquoho-lodaacutetilordquo ie composto inteiramente por daacutetilos natildeo eacute nem a uacutenica forma possiacutevel nem a mais frequente muito embora possa-mos consideraacute-la como dissemos a matriz prototiacutepica geradora de outras formas Na verdade o verso holodaacutetilo aparece em apenas 20 de todos os versos da Iliacuteada e 29 dos da Odisseia isto por-que as duas curtas de cada daacutetilo cn1 e cn2 em qualquer posiccedilatildeo podem ser substituiacutedas28 por uma uacutenica longa o que expandiria o nosso esquema de possibilidades para

Essa plasticidade do metro permitia ao aedo se assim quisesse preencher todas as posiccedilotildees meacutetricas unicamente com espondeus produzindo o assim chamado verso holospondaico que muito em-

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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raccedilatildeo da siacutelaba que eacute uma caracteriacutestica fonecircmica naquela liacutengua o do portuguecircs eacute tocircnico vale dizer baseia-se na alternacircncia entre siacutelabas fortes e fracas jaacute que em nossa liacutengua a quantidade silaacutebica ainda que presente natildeo tem papel relevante na formaccedilatildeo de pares miacutenimos contrastivos e o contraste como sabemos eacute a essecircncia mesma do ritmo Aleacutem do mais a versificaccedilatildeo nas liacutenguas neola-tinas tende a seguir esquemas meacutetricos riacutegidos formados como dissemos por padrotildees de alternacircncia do acento tocircnico em versos com um nuacutemero fixo de siacutelabas17 Na poesia grega pelo contraacuterio muito embora existissem esquemas isossilaacutebicos havia uma mar-gem maior para variaccedilatildeo principalmente por meio da substituiccedilatildeo de longas por breves e vice-versa sobretudo na cabeccedila do verso uma caracteriacutestica de formas mais antigas indo-europeias O he-xacircmetro por exemplo de que iremos tratar neste artigo podia contar com um miacutenimo de 12 e um maacuteximo de 16 siacutelabas a partir das quais 32 formas meacutetricas eram possiacuteveis as quais por sua vez poderiam ser articuladas de muitas maneiras para se produzir uma riqueza riacutetmica raramente salientada

Em face entatildeo da natureza da poesia grega arcaica da distin-ccedilatildeo estabelecida jaacute na Antiguidade entre metro e ritmo e da im-portacircncia desse uacuteltimo na criaccedilatildeo de significado poeacutetico sobretudo em formas orais de poesia supor que identificado o metro de um determinado poema seja possiacutevel fixar uma determinada forma riacutetmica para aplicaacute-la indistintamente a toda traduccedilatildeo eacute supor au-tomaticamente que o sentido denotado por tal forma eacute adequado para todas as suas passagens o que eacute um evidente absurdo o ligei-ro trote de um verso holodaacutetilo seria totalmente inadequado a um funeral ou a uma cena de libaccedilatildeo assim como um verso holospon-daico18 o seria para uma cena de combate Neste artigo portanto tentarei demonstrar que o decalque meacutetrico das formas originais natildeo eacute a melhor abordagem para a traduccedilatildeo da poesia grega arcaica Na verdade parece me que a reproduccedilatildeo mecacircnica de esquemas meacutetricos do grego para o portuguecircs muitas vezes tentando-se in-clusive fazer coincidir siacutelaba longa com siacutelaba tocircnica denuncia tan-to uma certa desatenccedilatildeo agrave capacidade de elementos natildeo-verbais de

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produzirem significado o que eacute tiacutepico da mente quiroacutegrafa quanto um certo desprezo por aquelas caracteriacutesticas do poema que natildeo estatildeo sob o domiacutenio da escritura e natildeo contribuem para o desenho graacutefico do texto na paacutegina ou que de outra forma o desestabiliza-riam No caso do hexacircmetro como veremos essa desestabilizaccedilatildeo estaria representada na possibilidade de partir graficamente o verso homeacuterico para melhor explicitar a sua estrutura riacutetmica o que natildeo deve ser visto como uma heresia

A filologia claacutessica que surgiu com a necessidade de se editar os textos dos poetas agrave medida que esses eram coletados em biblio-tecas na Antiguidade tardia como aquela de Alexandria no seacutec III aC relegou o estudo da meacutetrica a um mero expediente editorial a uma ferramenta auxiliar no estabelecimento do melhor texto de diferentes versotildees Para o filoacutelogo que com decliacutenio no ensino das liacutenguas claacutessicas muitas vezes eacute o uacutenico tradutor disponiacutevel o ritmo de um poema normalmente reduz-se a uma mera sequecircncia de sinais tipograacuteficos da forma ‒ ou cuja dimensatildeo musical ou performaacutetica eacute de somenos importacircncia19 Natildeo havia mesmo ateacute pouco tempo um interesse em se recuperar essa muacutesica ndash ou qual-quer muacutesica20 ndash no acircmbito dessa disciplina onde a meacutetrica grega mais do que servir para nos reconectarmos agrave mousikē arcaica foi reduzida a uma mera teacutecnica acessoacuteria da criacutetica textual e a uma ferramenta que embora uacutetil revela-se desagradaacutevel natildeo raro in-conveniente e obscura com a qual os editores tecircm de lidar no estabelecimento de seus textos

Na tentativa de romper com essa ecircnfase dada ao desenho graacutefi-co tiacutepico da estrutura modal da literatura21 ndash e que tende agrave esque-matizaccedilatildeo excessiva e agrave reduccedilatildeo das formas a uma uacutenica focircrma na traduccedilatildeo ndash mas ao contraacuterio procurando salientar sua dimensatildeo vocal que reside no tempo da performance e portanto manifesta-se no ritmo da voz em canto ou recitaccedilatildeo mais do que no metro e no grafismo da paacutegina irei no que segue analisar as poliformas subjacentes agrave matriz meacutetrica prototiacutepica do hexacircmetro tentando salientar toda a sofisticaccedilatildeo riqueza e complexa histoacuteria evolutiva que ainda se faz sentir no texto de poemas fundamentais para a nos-

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sa cultura como a Iliacuteada a Odisseia e os poemas hesioacutedicos Irei explorar sobretudo a articulaccedilatildeo interna do hexacircmetro e como ela age para expressar ou salientar significados sem a presunccedilatildeo de que o tema possa ser esgotado por essa pequena anaacutelise haacute muito trabalho ainda nesse e em outros niacuteveis a ser feito antes que pos-samos compreender todas as possibilidades riacutetmicas desse verso e as funccedilotildees que lhe foram dadas pelos diferentes gecircneros que dele se utilizaram Ainda e seguindo o conselho de Schlegel22 irei propor uma maneira de ressaltar na traduccedilatildeo essa articulaccedilatildeo riacutetmica e os significos que nelas vejo Estou ciente de que este natildeo eacute o uacutenico caminho possiacutevel e portanto os dois exerciacutecios de traduccedilatildeo ao fi-nal desse artigo anseiam por ser mais propositivos que prescritivos

1 O hexacircmetro grego

O hexacircmetro grego eacute tido normalmente como o metro mais sim-ples em todo o rico inventaacuterio de metros gregos De fato qualquer um com um conhecimento baacutesico do alfabeto e da prosoacutedia daquela liacutengua pode aprender a escandir esse verso em menos de cinco mi-nutos Essa aparente simplicidade eacute a razatildeo pela qual quase todos os tratados de meacutetrica modernos se iniciam por essa forma23 uma decisatildeo contudo infeliz e que reflete ademais uma compreensatildeo e uma recepccedilatildeo inadequada do verso na modernidade porque nem do ponto de vista riacutetmico o hexacircmetro eacute simples nem diacronica-mente ele pode ser tido como uma protoforma algo jaacute reconheci-do na proacutepria Antiguidade

De fato para Aristoacuteteles o hexacircmetro em contraposiccedilatildeo ao jambo era um metro solene (semnoacutes) e o mais desprovido dos ritmos da fala cotidiana24 o que faz sentido se pensarmos que ele se desenvolveu para preservar narrativas que tampouco estatildeo relacionadas com a vida mas com as histoacuterias maravilhosas de deuses e heroacuteis Dessa forma tambeacutem por codificar um discurso de autoridade ndash miacutetico didaacutetico filosoacutefico etc ndash o hexacircmetro evoluiu para acomodar uma dicccedilatildeo especialmente estilizada o que

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o tornava nas palavras daquele mesmo filoacutesofo ldquoo mais pomposo e pesado dos metros razatildeo pela qual aceita mais que todos os ou-tros palavras raras e metaacuteforas pois a imitaccedilatildeo narrativa eacute a mais extravagante de todasrdquo25 Antes no entanto de podermos apreciar toda essa sofisticaccedilatildeo eacute preciso que entendamos sua forma mais prototiacutepica isto eacute o andamento riacutetmico tido como o melhor repre-sentante do metro em um conjunto de variaccedilotildees possiacuteveis

Tradicionalmente essa forma eacute definida como um verso forma-do por cinco peacutes do tipo ‒ chamado daacutetilo arrematados por um sexto do tipo ‒ ‒ que recebe o nome de espondeu26 Daiacute resultam as seis (hexa) medidas (metra) que datildeo nome ao verso com a se-guinte configuraccedilatildeo27

Essa forma do hexacircmetro que recebe o nome de (verso) ldquoho-lodaacutetilordquo ie composto inteiramente por daacutetilos natildeo eacute nem a uacutenica forma possiacutevel nem a mais frequente muito embora possa-mos consideraacute-la como dissemos a matriz prototiacutepica geradora de outras formas Na verdade o verso holodaacutetilo aparece em apenas 20 de todos os versos da Iliacuteada e 29 dos da Odisseia isto por-que as duas curtas de cada daacutetilo cn1 e cn2 em qualquer posiccedilatildeo podem ser substituiacutedas28 por uma uacutenica longa o que expandiria o nosso esquema de possibilidades para

Essa plasticidade do metro permitia ao aedo se assim quisesse preencher todas as posiccedilotildees meacutetricas unicamente com espondeus produzindo o assim chamado verso holospondaico que muito em-

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 6: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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produzirem significado o que eacute tiacutepico da mente quiroacutegrafa quanto um certo desprezo por aquelas caracteriacutesticas do poema que natildeo estatildeo sob o domiacutenio da escritura e natildeo contribuem para o desenho graacutefico do texto na paacutegina ou que de outra forma o desestabiliza-riam No caso do hexacircmetro como veremos essa desestabilizaccedilatildeo estaria representada na possibilidade de partir graficamente o verso homeacuterico para melhor explicitar a sua estrutura riacutetmica o que natildeo deve ser visto como uma heresia

A filologia claacutessica que surgiu com a necessidade de se editar os textos dos poetas agrave medida que esses eram coletados em biblio-tecas na Antiguidade tardia como aquela de Alexandria no seacutec III aC relegou o estudo da meacutetrica a um mero expediente editorial a uma ferramenta auxiliar no estabelecimento do melhor texto de diferentes versotildees Para o filoacutelogo que com decliacutenio no ensino das liacutenguas claacutessicas muitas vezes eacute o uacutenico tradutor disponiacutevel o ritmo de um poema normalmente reduz-se a uma mera sequecircncia de sinais tipograacuteficos da forma ‒ ou cuja dimensatildeo musical ou performaacutetica eacute de somenos importacircncia19 Natildeo havia mesmo ateacute pouco tempo um interesse em se recuperar essa muacutesica ndash ou qual-quer muacutesica20 ndash no acircmbito dessa disciplina onde a meacutetrica grega mais do que servir para nos reconectarmos agrave mousikē arcaica foi reduzida a uma mera teacutecnica acessoacuteria da criacutetica textual e a uma ferramenta que embora uacutetil revela-se desagradaacutevel natildeo raro in-conveniente e obscura com a qual os editores tecircm de lidar no estabelecimento de seus textos

Na tentativa de romper com essa ecircnfase dada ao desenho graacutefi-co tiacutepico da estrutura modal da literatura21 ndash e que tende agrave esque-matizaccedilatildeo excessiva e agrave reduccedilatildeo das formas a uma uacutenica focircrma na traduccedilatildeo ndash mas ao contraacuterio procurando salientar sua dimensatildeo vocal que reside no tempo da performance e portanto manifesta-se no ritmo da voz em canto ou recitaccedilatildeo mais do que no metro e no grafismo da paacutegina irei no que segue analisar as poliformas subjacentes agrave matriz meacutetrica prototiacutepica do hexacircmetro tentando salientar toda a sofisticaccedilatildeo riqueza e complexa histoacuteria evolutiva que ainda se faz sentir no texto de poemas fundamentais para a nos-

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sa cultura como a Iliacuteada a Odisseia e os poemas hesioacutedicos Irei explorar sobretudo a articulaccedilatildeo interna do hexacircmetro e como ela age para expressar ou salientar significados sem a presunccedilatildeo de que o tema possa ser esgotado por essa pequena anaacutelise haacute muito trabalho ainda nesse e em outros niacuteveis a ser feito antes que pos-samos compreender todas as possibilidades riacutetmicas desse verso e as funccedilotildees que lhe foram dadas pelos diferentes gecircneros que dele se utilizaram Ainda e seguindo o conselho de Schlegel22 irei propor uma maneira de ressaltar na traduccedilatildeo essa articulaccedilatildeo riacutetmica e os significos que nelas vejo Estou ciente de que este natildeo eacute o uacutenico caminho possiacutevel e portanto os dois exerciacutecios de traduccedilatildeo ao fi-nal desse artigo anseiam por ser mais propositivos que prescritivos

1 O hexacircmetro grego

O hexacircmetro grego eacute tido normalmente como o metro mais sim-ples em todo o rico inventaacuterio de metros gregos De fato qualquer um com um conhecimento baacutesico do alfabeto e da prosoacutedia daquela liacutengua pode aprender a escandir esse verso em menos de cinco mi-nutos Essa aparente simplicidade eacute a razatildeo pela qual quase todos os tratados de meacutetrica modernos se iniciam por essa forma23 uma decisatildeo contudo infeliz e que reflete ademais uma compreensatildeo e uma recepccedilatildeo inadequada do verso na modernidade porque nem do ponto de vista riacutetmico o hexacircmetro eacute simples nem diacronica-mente ele pode ser tido como uma protoforma algo jaacute reconheci-do na proacutepria Antiguidade

De fato para Aristoacuteteles o hexacircmetro em contraposiccedilatildeo ao jambo era um metro solene (semnoacutes) e o mais desprovido dos ritmos da fala cotidiana24 o que faz sentido se pensarmos que ele se desenvolveu para preservar narrativas que tampouco estatildeo relacionadas com a vida mas com as histoacuterias maravilhosas de deuses e heroacuteis Dessa forma tambeacutem por codificar um discurso de autoridade ndash miacutetico didaacutetico filosoacutefico etc ndash o hexacircmetro evoluiu para acomodar uma dicccedilatildeo especialmente estilizada o que

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o tornava nas palavras daquele mesmo filoacutesofo ldquoo mais pomposo e pesado dos metros razatildeo pela qual aceita mais que todos os ou-tros palavras raras e metaacuteforas pois a imitaccedilatildeo narrativa eacute a mais extravagante de todasrdquo25 Antes no entanto de podermos apreciar toda essa sofisticaccedilatildeo eacute preciso que entendamos sua forma mais prototiacutepica isto eacute o andamento riacutetmico tido como o melhor repre-sentante do metro em um conjunto de variaccedilotildees possiacuteveis

Tradicionalmente essa forma eacute definida como um verso forma-do por cinco peacutes do tipo ‒ chamado daacutetilo arrematados por um sexto do tipo ‒ ‒ que recebe o nome de espondeu26 Daiacute resultam as seis (hexa) medidas (metra) que datildeo nome ao verso com a se-guinte configuraccedilatildeo27

Essa forma do hexacircmetro que recebe o nome de (verso) ldquoho-lodaacutetilordquo ie composto inteiramente por daacutetilos natildeo eacute nem a uacutenica forma possiacutevel nem a mais frequente muito embora possa-mos consideraacute-la como dissemos a matriz prototiacutepica geradora de outras formas Na verdade o verso holodaacutetilo aparece em apenas 20 de todos os versos da Iliacuteada e 29 dos da Odisseia isto por-que as duas curtas de cada daacutetilo cn1 e cn2 em qualquer posiccedilatildeo podem ser substituiacutedas28 por uma uacutenica longa o que expandiria o nosso esquema de possibilidades para

Essa plasticidade do metro permitia ao aedo se assim quisesse preencher todas as posiccedilotildees meacutetricas unicamente com espondeus produzindo o assim chamado verso holospondaico que muito em-

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 7: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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sa cultura como a Iliacuteada a Odisseia e os poemas hesioacutedicos Irei explorar sobretudo a articulaccedilatildeo interna do hexacircmetro e como ela age para expressar ou salientar significados sem a presunccedilatildeo de que o tema possa ser esgotado por essa pequena anaacutelise haacute muito trabalho ainda nesse e em outros niacuteveis a ser feito antes que pos-samos compreender todas as possibilidades riacutetmicas desse verso e as funccedilotildees que lhe foram dadas pelos diferentes gecircneros que dele se utilizaram Ainda e seguindo o conselho de Schlegel22 irei propor uma maneira de ressaltar na traduccedilatildeo essa articulaccedilatildeo riacutetmica e os significos que nelas vejo Estou ciente de que este natildeo eacute o uacutenico caminho possiacutevel e portanto os dois exerciacutecios de traduccedilatildeo ao fi-nal desse artigo anseiam por ser mais propositivos que prescritivos

1 O hexacircmetro grego

O hexacircmetro grego eacute tido normalmente como o metro mais sim-ples em todo o rico inventaacuterio de metros gregos De fato qualquer um com um conhecimento baacutesico do alfabeto e da prosoacutedia daquela liacutengua pode aprender a escandir esse verso em menos de cinco mi-nutos Essa aparente simplicidade eacute a razatildeo pela qual quase todos os tratados de meacutetrica modernos se iniciam por essa forma23 uma decisatildeo contudo infeliz e que reflete ademais uma compreensatildeo e uma recepccedilatildeo inadequada do verso na modernidade porque nem do ponto de vista riacutetmico o hexacircmetro eacute simples nem diacronica-mente ele pode ser tido como uma protoforma algo jaacute reconheci-do na proacutepria Antiguidade

De fato para Aristoacuteteles o hexacircmetro em contraposiccedilatildeo ao jambo era um metro solene (semnoacutes) e o mais desprovido dos ritmos da fala cotidiana24 o que faz sentido se pensarmos que ele se desenvolveu para preservar narrativas que tampouco estatildeo relacionadas com a vida mas com as histoacuterias maravilhosas de deuses e heroacuteis Dessa forma tambeacutem por codificar um discurso de autoridade ndash miacutetico didaacutetico filosoacutefico etc ndash o hexacircmetro evoluiu para acomodar uma dicccedilatildeo especialmente estilizada o que

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o tornava nas palavras daquele mesmo filoacutesofo ldquoo mais pomposo e pesado dos metros razatildeo pela qual aceita mais que todos os ou-tros palavras raras e metaacuteforas pois a imitaccedilatildeo narrativa eacute a mais extravagante de todasrdquo25 Antes no entanto de podermos apreciar toda essa sofisticaccedilatildeo eacute preciso que entendamos sua forma mais prototiacutepica isto eacute o andamento riacutetmico tido como o melhor repre-sentante do metro em um conjunto de variaccedilotildees possiacuteveis

Tradicionalmente essa forma eacute definida como um verso forma-do por cinco peacutes do tipo ‒ chamado daacutetilo arrematados por um sexto do tipo ‒ ‒ que recebe o nome de espondeu26 Daiacute resultam as seis (hexa) medidas (metra) que datildeo nome ao verso com a se-guinte configuraccedilatildeo27

Essa forma do hexacircmetro que recebe o nome de (verso) ldquoho-lodaacutetilordquo ie composto inteiramente por daacutetilos natildeo eacute nem a uacutenica forma possiacutevel nem a mais frequente muito embora possa-mos consideraacute-la como dissemos a matriz prototiacutepica geradora de outras formas Na verdade o verso holodaacutetilo aparece em apenas 20 de todos os versos da Iliacuteada e 29 dos da Odisseia isto por-que as duas curtas de cada daacutetilo cn1 e cn2 em qualquer posiccedilatildeo podem ser substituiacutedas28 por uma uacutenica longa o que expandiria o nosso esquema de possibilidades para

Essa plasticidade do metro permitia ao aedo se assim quisesse preencher todas as posiccedilotildees meacutetricas unicamente com espondeus produzindo o assim chamado verso holospondaico que muito em-

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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Robert de Brose

20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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o tornava nas palavras daquele mesmo filoacutesofo ldquoo mais pomposo e pesado dos metros razatildeo pela qual aceita mais que todos os ou-tros palavras raras e metaacuteforas pois a imitaccedilatildeo narrativa eacute a mais extravagante de todasrdquo25 Antes no entanto de podermos apreciar toda essa sofisticaccedilatildeo eacute preciso que entendamos sua forma mais prototiacutepica isto eacute o andamento riacutetmico tido como o melhor repre-sentante do metro em um conjunto de variaccedilotildees possiacuteveis

Tradicionalmente essa forma eacute definida como um verso forma-do por cinco peacutes do tipo ‒ chamado daacutetilo arrematados por um sexto do tipo ‒ ‒ que recebe o nome de espondeu26 Daiacute resultam as seis (hexa) medidas (metra) que datildeo nome ao verso com a se-guinte configuraccedilatildeo27

Essa forma do hexacircmetro que recebe o nome de (verso) ldquoho-lodaacutetilordquo ie composto inteiramente por daacutetilos natildeo eacute nem a uacutenica forma possiacutevel nem a mais frequente muito embora possa-mos consideraacute-la como dissemos a matriz prototiacutepica geradora de outras formas Na verdade o verso holodaacutetilo aparece em apenas 20 de todos os versos da Iliacuteada e 29 dos da Odisseia isto por-que as duas curtas de cada daacutetilo cn1 e cn2 em qualquer posiccedilatildeo podem ser substituiacutedas28 por uma uacutenica longa o que expandiria o nosso esquema de possibilidades para

Essa plasticidade do metro permitia ao aedo se assim quisesse preencher todas as posiccedilotildees meacutetricas unicamente com espondeus produzindo o assim chamado verso holospondaico que muito em-

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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Robert de Brose

De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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Robert de Brose

linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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Robert de Brose

20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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Robert de Brose

50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

BROSE R D Epikomios Hymnos investigaccedilotildees sobre a performance dos epiniacutecios pindaacutericos 2014 Tese (Doutorado) FFLCHDLCV Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 9: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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bora apareccedila em seis ocasiotildees em Homero e em uma no Hino

Homeacuterico a Apolo constitui-se uma verdadeira exceccedilatildeo29 sendo usado com parcimocircnia para produzir um efeito especiacutefico A maior parte do corpus hexameacutetrico (70-77) apresenta em meacutedia ape-nas um ou dois espondeus por verso em diferentes distribuiccedilotildees por posiccedilatildeo30 o que assegura uma variedade oacutetima de combinaccedilotildees riacutetmicas dando origem a 32 formas possiacuteveis e atestadas de hexacirc-metros31

Para aleacutem da superfiacutecie dessa matriz meacutetrica explicitada acima escondem-se possibilidades riacutetmicas determinadas em primeiro lu-gar pelo valor da razatildeo entre a duraccedilatildeo de uma longa em posiccedilatildeo marcada e das duas breves que lhe seguem e tambeacutem pelo va-lor da longa final Em segundo lugar eacute preciso levar em conta o efeito sobre o ritmo da presenccedilaausecircncia de pausas internas no verso bem como de suas diferentes colocaccedilotildees Todos elementos ldquosupranotacionaisrdquo normalmente natildeo indicados em ediccedilotildees moder-nas exceto pelo uso aqui e acolaacute de viacutergulas32 Irei abordar essas duas questotildees no que se segue

2 As multiformas do hexacircmetro

21 O problema das relaccedilotildees temporais

Na medida em que o hexacircmetro eacute composto por cinco peacutes da forma ‒ poderiacuteamos pensar que a contraccedilatildeo das duas breves do daacutetilo resultaria em uma longa com a mesma quantidade e de fato teoacutericos como Hefeacutestiatildeo aparentemente tomavam essa equi-valecircncia como certa talvez em virtude de seu objetivo praacutetico que era principalmente o de reconhecer metros e poder detectar anomalias em textos transmitidos via escrita Do ponto de vista da performance contudo haacute evidecircncias convincentes para pensarmos que essa questatildeo natildeo era assim tatildeo simples

Dioniso de Halicarnasso por exemplo falando especificamente do hexacircmetro explica que ldquode fato os ritmistas dizem que a longa

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 10: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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desse peacute [ie o daacutetilo] eacute mais curta que a longa perfeita33 e natildeo sendo capazes de dizer em que proporccedilatildeo chamam-na de irracional (aacutelogon)rdquo34 Aqui o termo aacutelogos ou irracional eacute usado no seu sentido teacutecnico de ldquocuja relaccedilatildeo de tempos natildeo pode ser expressa por uma fraccedilatildeo (loacutegos)rdquo35 o que significa que o tempo da tese (tθ) dividido pelo da arse (tα) era menor que 1 por um valor x que os gregos natildeo conseguiam quantificar por desconhecerem decimais muito embora o descompasso entre tese e arse lhes fosse evidente36

Um indiacutecio dessa inequaccedilatildeo entre a tese e a arse do daacutetilo pode estar por traacutes do fato de que esse metro sobretudo em sua forma recitada37 natildeo admite a resoluccedilatildeo da longa em duas curtas ao con-traacuterio de sua forma antiteacutetica o anapesto ‒ 38 em que a longa final por ter a mesma duraccedilatildeo da soma das duas breves iniciais39 abre espaccedilo para trecircs possibilidades riacutetmicas impossiacuteveis para o daacute-tilo (a) resolver a sua longa em duas breves dando origem ao que os antigos metricistas chamavam de proceleusmaacutetico (b) contrair as duas breves iniciais em uma longa dando origem a um anapesto a maiore ‒ que difere do daacutetilo pela posiccedilatildeo da tese e como explicamos pela razatildeo entre seus tempos ou ainda (c) contrair as quatro breves em duas longas ‒ ‒40 No caso do ana-pesto isto soacute eacute possiacutevel porque a razatildeo (loacutegos) entre o tθ e o da tα

existe e eacute para todos os fins praacuteticos sentida como sendo igual a 1No que diz respeito ao alongamento da siacutelaba final do hexacircme-

tro Hefeacutestiatildeo e Aristides Quintiliano parecem fazer uma distin-ccedilatildeo entre versos acataleacuteticos ou seja que terminariam com quatro tempos na posiccedilatildeo 6 e versos cataleacuteticos41 que terminariam com trecircs tempos naquela posiccedilatildeo Do ponto de vista puramente meacutetrico um verso acataleacutetico encerrar-se-ia com um espondeu contando portanto quatro tempos dois para tese e dois para a arse ao passo que um verso cataleacutetico fecharia com um creacutetico (‒) contando trecircs tempos dois para a tese e um para a arse Entretanto do ponto de vista riacutetmico isto eacute da realizaccedilatildeo do metro na performance esses mesmos tratados satildeo unacircnimes em reconhecer que qualquer siacutelaba em final de verso torna-se longa devido agrave pausa imposta ao final de uma linha e que ademais esse alongamento independeria

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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da duraccedilatildeo natural da siacutelaba de forma que mesmo um creacutetico ‒ teria sua siacutelaba breve final alongada resultando em ‒ ‒ (oriundo de ‒42) e por essa razatildeo essa uacuteltima siacutelaba era chamada de adiaacute-

phoron ou seja ldquoindiferenterdquoO grande problema aqui estaacute justamente em determinar o valor

temporal da segunda longa do espondeu final se postularmos como me parece plausiacutevel que seu valor deveria ser diferente da longa marcada seria ela mais longa que a longa comum como ocorre com as longas originaacuterias da contraccedilatildeo de duas curtas Ou ao contraacuterio mais breve E se uma ou outra em qual proporccedilatildeo Na praacutetica todas essas incertezas deveriam ser resolvidas pela perfor-mance e pelo contexto especiacutefico de cada passagem mais do que por uma adesatildeo incondicional a valores meacutetricos completamente abstratos e isso se torna evidente se pensarmos nos casos de versos em acavalamento sobretudo os do tipo necessaacuterio ou sintaacutetico43 uma pausa menor ajudaria a resolver o sentido do verso mais rapi-damente uma pausa maior no entanto serviria a um grande efeito dramaacutetico por dilatar ao maacuteximo o suspense na audiecircncia para em seguida recompensaacute-lo com a sua resoluccedilatildeo Todas essas possibi-lidades poderiam dessa forma ser manipuladas de acordo com a ocasiatildeo e a vontade do aedo com vistas a maximizar a atenccedilatildeo da audiecircncia Todas elas da mesma forma podem e devem ser leva-das em conta na hora da traduccedilatildeo

22 Pausas internas

Um outro aspecto natildeo menos controverso mas que contribui de-cisivamente para a diversificaccedilatildeo riacutetmica do verso eacutepico satildeo suas pausas que podem ser induzidas por dois tipos baacutesicos de interrup-ccedilatildeo na sinafia interna das siacutelabas final-de-palavra (coincidindo ou natildeo com uma pausa semacircntica com o fim de um peacute44 ou ambos) e hiato Do ponto de vista da performance a pausa aleacutem de pro-vavelmente ter sido usada como um recurso prosoacutedico permitindo ao aedo respirar antes de atacar a segunda parte do verso tambeacutem

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 12: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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o divide em duas metades variavelmente desiguais e desta maneira evita sua desagregaccedilatildeo que poderia advir de um corte em alguma posiccedilatildeo fixa a suceder-se linha apoacutes linha45 Reforccedila essa hipoacutetese o fato de que parece haver uma cautela maior no intervalo entre c32

e L4 onde final-de-palavra ou hiato satildeo constantemente evitados a fim de natildeo dividir a linha em dois hemistiacutequios de um triacutemetro cada A posiccedilatildeo onde haacute essa tendecircncia ou ateacute mesmo a proibiccedilatildeo em se evitar fim-de-palavra ou hiato chama-se ldquoponterdquo46 Nos peacutes tris-siacutelabos a existecircncia de pontes indica que fim-de-palavra natildeo pode acontecer na primeira curta de um peacute no caso dos dissiacutelabos isto eacute quando haacute a contraccedilatildeo das duas curtas do daacutetilo em uma longa a ponte adiantar-se-aacute uma posiccedilatildeo aparecendo apoacutes a segunda longa No hexacircmetro aleacutem de se evitar uma cesura medial nota-se tambeacutem uma tendecircncia para que fim-de-palavra natildeo recaia entre c21 e c22 bem como apoacutes esta uacuteltima antes de L3

47 Entre c41 e c42 a tendecircncia tor-na-se uma proibiccedilatildeo a assim chamada ldquoPonte de Hermannrdquo

Jaacute na Antiguidade reconheciam-se trecircs pausas principais a pentemiacutemere logo apoacutes as posiccedilotildees L3 e c31 chamadas respectiva-mente de cesura masculina (m) e feminina (f) a heptemiacutemere48 (h) apoacutes L4 e a dieacuterese bucoacutelica (b)49 apoacutes c42 Fraumlnkel em um estudo importante50 propocircs que os dois hemistiacutequios separados por m ou f por sua vez subdividir-se-iam em mais duas partes e que aleacutem do mais esses cortes seriam motivados pela semacircntica do verso daiacute tecirc-las chamado de ldquopausa-semacircnticardquo (Sinneseinschnitte)51 A distribuiccedilatildeo das pausas possiacuteveis em um verso daria origem ao se-guinte quadricolon com trecircs aacutereas principais (a b c e coda) onde pausas-semacircnticas poderiam ocorrer

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 13: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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onde b1 = m b

2 = f c

1 = h c

2 = b Note como o verso evita

qualquer tipo de contraccedilatildeo ou pausa em sua coda ‒‒‒Dentro da seccedilatildeo a as pausas a

1 e a

2 satildeo muito incomuns como

podemos ver no esquema abaixo onde procurei reunir sinoptica-mente as posiccedilotildees reconhecidas como propensas a apresentar fim-de-palavra e incluiacute ainda a frequecircncia (em porcentagem) para cada uma delas52

Muito embora a anaacutelise do hexacircmetro a partir de um quadricolon ainda goze de muito prestiacutegio e seja de fato bastante uacutetil na anaacutelise do hexacircmetro Kirk53 por exemplo ressalta que ao contraacuterio do que Fraumlnkel54 poderia pensar as pausas natildeo existem para ser preenchidas pelo conteuacutedo mas ao contraacuterio elas devem refletir um modo de articular a linguagem tradicional da poesia hexameacutetrica

A utilidade e a limitaccedilatildeo desse tipo de anaacutelise fica clara quando examinamos versos como os seguintes

1 Il 129

τὴν δrsquo ἐγὼ |a3 οὐ λύσω|m πρίν μιν καὶ |b γῆρας ἔπεισιν ||

tēn drsquoegō | ou lū sō | priacuten min kaigrave | gē ras eacutepeisin ||

‒| ‒ ‒ ‒ | ‒ ‒ ‒ | ‒‒‒ ||

ela eu natildeo libertarei natildeo antes que lhe sobrevenha a velhice

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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Robert de Brose

De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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Robert de Brose

linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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Robert de Brose

20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 14: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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2 Il 3398

θάμβησέν |a4 τrsquo ἄρrsquo ἔπειτα |f ἔπος τrsquo ἔφατrsquo |b ἔκ τrsquo ὀνόμαζε ||thaacutembēseacuten | trsquoaacuterrsquoeacutepeita | eacutepos trsquoeacutephatrsquo | eacutek trsquoonoacutemazde ||

‒ ‒ ‒|‒|‒| ‒‒‒ ||

pasmou mas entatildeo dirigindo-lhe a voz chamou-o e disse

Obviamente a cesura central ndash m no primeiro caso e f no segundo ndash continua sendo a mais expliacutecita (note o hiato no segundo exemplo) ao passo que as outras dependem de uma interpreta-ccedilatildeo subjetiva ou riacutetmica da linha provavelmente subordinada agrave performance Dessa forma se tormarmos a fala de Agamecircnatildeo no primeiro verso natildeo seria improvaacutevel que o aedo preferisse dar um andamento lento e portanto maior ecircnfase a uma fala tatildeo dura consequentemente isolando cada colon do hexacircmetro sobretudo apoacutes priacuten min kaigrave que anuncia a duraccedilatildeo vitaliacutecia da futura es-cravidatildeo da filha de Crises ateacute que a velhisse lhe alcance Por outro lado eacute bem mais difiacutecil entender como no segundo exemplo poderia haver uma pausa entre eacutepos trsquoeacutephatrsquo e eacutek trsquoonoacutemazde natildeo apenas devido agrave forte sinafia marcada pela elisatildeo final de eacutephatrsquo55 mas sobretudo pela unidade formular e semacircntica das duas expres-sotildees algo semelhante ao nosso (mais coloquial) ldquofalou e disserdquo

Eacute preciso salientar ainda que alguns versos parecem natildeo apresentar qualquer tipo de cesura identificaacutevel56 ao passo que ou-tros encaixam-se muito melhor numa estrutura tripartite que Kirk ao explicitaacute-la pela primeira vez chamou de ldquorising threefolderrdquo e que eu traduzo aqui como ldquotriacuteptico ascendenterdquo cujo exemplo mais claro pode ser visto em

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3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 15: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

3 Il 2173

διογενὲς |a4 Λαερτιάδη | h πολυμήχανrsaquo Ὀδυσσεῦ ||dīogenegraves | Laertiaacutedē | polumēkhanrsquoOdusseucirc ||

‒‒ |‒ ‒ ‒ |‒‒ ‒ ||

oacute diva progecircnie filho de Laertes multimanhoso Odisseu

onde natildeo eacute possiacutevel dividir o verso nem apoacutes l3 (m) nem apoacutes c31 (f) jaacute que essas duas pausas caem dentro de um uacutenica palavra Laertiaacutedē (‒ ‒ ‒) Por outro lado haacute uma forte pausa apoacutes l2 (a

4 no esquema de Fraumlnkel) sobretudo em virtude do encontro

de sibilante com liacutequida e apoacutes l4 (h) as quais dividem o verso em trecircs movimentos claramente ascendentes57 que datildeo nome a este perfil riacutetmico

Kirk nota que o uso de triacutepticos ascendentes eacute reservado para momentos climaacuteticos da narrativa como no exemplo abaixo em que Apolo chega agrave Troia para punir os gregos

4 Il 148

ἕζετrsquo ἔπει- | a4 τrsquoἀπάνευθε νεῶν | h μετὰ δrsquo ἰὸν ἕηκε ||heacutezdetrsquoeacutepei- | trsquoapaacuteneuthe neō n | metagrave drsquoīograven heacuteēke ||

‒‒ |‒‒ |‒‒ ‒ ||

senta-se entatildeo e agrave parte das naus solta uma flecha

Note como cada uma das accedilotildees eacute sublinhada por um colon com conteuacutedo semacircntico bem demarcado quase como se tiveacutessemos trecircs cenas de uma tomada cinematograacutefica close-up zoom out

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 16: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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tracking shot senta-se longe das naus lanccedila uma flecha58 Ain-da que haja fim-de-palavra apoacutes c42 (b) dificilmente poderia haver uma pausa neste ponto jaacute que a preposiccedilatildeo que aqui natildeo tem valor adverbial encontra-se em tmese (ie separada do verbo heacuteēke na forma da 3ordf p do aor sing de hiacuteēmi) a que de fato pertence e com que forma uma unidade inseparaacutevel methiacuteēmi

Um outro aspecto e ateacute onde eu sei jamais salietado pelos tradu-tores modernos acerca da estrutura do hexacircmetro eacute que suas pausas internas revelam pontos de junccedilatildeo de cola empregados de maneira independente em outras formas poeacuteticas sobretudo na liacuterica Dessa maneira pode-se hipotetizar que uma estilizaccedilatildeo progressiva aliada agrave evoluccedilatildeo e agrave consequente estabilizaccedilatildeo de uma fraseologia eacutepica deve ter sido responsaacutevel por selecionar a partir de inuacutemeras combi-naccedilotildees iniciais um subconjunto de possibilidades riacutetimicas que veio a compor a matriz prototiacutepica do hexacircmetro Isso quer dizer que todo verso com ao menos uma pausa bem marcada (cesura ou dieacutere-se) poderaacute ser decomposto em dois cola riacutetmicos que cirscunscrevem unidades formulares semacircnticas eou narrativas bem delimitadas que por sua vez contribuem de maneira natildeo trivial para o sentido do verso ou da cena narrada o que veremos a seguir

3 Ritmo como criador de significado

O parentesco das formas gregas com outras tradiccedilotildees meacutetricas indo-europeias foi notada pela primeira vez por Meillet e a partir de seu estudo seminal59 muitos outros sucederam-se O que se percebe no entanto eacute que ateacute hoje essas descobertas da filologia tiveram pouco ou nenhum impacto na praacutetica tradutoacuteria que como jaacute disse nunca procura ir aleacutem da focircrma meacutetrica O assunto cer-tamente eacute complicado mas se devidamente fudamentado pode abrir uma nova dimensatildeo para a traduccedilatildeo e a apreciaccedilatildeo da poesia grega antiga como espero mostrar

A abordagem que pretendo dar agrave anaacutelise de alguns exemplos da eacutepica grega baseia-se principalmente no estudo de Nagy60 acerca

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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da evoluccedilatildeo diacrocircnica do hecircxametro a partir de formas liacutericas sobretudo de cunho daacutetilo-epitriacutetio e eoacutelico Natildeo teriacuteamos espaccedilo para uma anaacutelise detalhada de seu complicado raciociacutenio mas re-sumidamente para Nagy eacute possiacutevel entender o hexacircmetro como originando-se tanto a partir de um processo de junccedilatildeo de uma se-quecircncia meacutetrica comum nos poemas liacuterico-eacutepicos de Estesiacutecoro o prosodiacuteaco quanto a partir da expansatildeo dactiacutelica da forma cataleacute-tica do glicocircnio conhecida como ferecraacutecio

O primeiro caso eacute mais simples de ser ilustrado A configuraccedilatildeo meacutetrica do prosodiacuteaco eacute times‒‒‒ E seu diacutemetro normalmen-te toma a forma de ‒‒‒times‒‒‒‒61 onde times pode ser substituiacuteda por um longa uma breve ou duas breves Quando times eacute substituiacuteda por uma longa ou duas breves o diacutemetro torna-se in-distinguiacutevel do hexacircmetro Comparece estas duas passagens uma recuperada de um papiro62 com versos de Estesiacutecoro e a outra de um verso da Iliacuteada

5 Estesiacutecoro

Κάστορι θrsquoἱπποδάμῳ| καὶ πὺξ ἀγαθῷ Πολυδεύκει ||Kaacutestori thippodaacutemōi | kaigrave pyacuteks agathōi Polydeyacutekei || a Caacutestor doma-cavalos| e ao bom de soco Polideuces

6 Il 3237

Κάστορά θrsquo ἱππόδαμον| καὶ πὺξ ἀγαθὸν Πολυδεύκεα||Kaacutestora thippoacutedamon| kaigrave pyacuteks agathograven Polydeyacutekea || Caacutestor doma-cavalos| e o bom de soco Polideuces63

ambos com a mesma forma meacutetrica ‒‒‒|‒ ‒‒‒ ‒||64 Aleacutem do mais como Nagy e outros jaacute apontaram tanto os datilo-epitriacutetios de Estesiacutecoro quanto os hexacircmetros tendem a ter final-de-palavra em locais coincidentes

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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Jaacute para o segundo caso precisamos considerar que o glicocircnio timestimes‒‒‒ pode apresentar expansotildees internas em coriambos ‒‒ ou daacutetilos ‒ dando origem a formas como timestimes‒‒ ‒‒ ‒‒‒ (glic+2cor)65 ou timestimes‒‒‒‒‒ (glic+2da)66 atestadas para os poetas eoacutelicos Quando o glicocircnio perde a sua uacutel-tima siacutelaba ele recebe o nome de ferecraacutecio timestimes‒‒ ‒ Se ago-ra esse ferecraacutecio for expandido por 3da entatildeo teremos um verso do tipo timestimes‒‒‒‒‒ ‒ ‒ atestado por exemplo em

7 Alceu fr 3681-2

κέλομαί τινα τὸν χαρίεντα Μένωνα κάλεσσαιαἰ χρῆ| συμποσίας ἐπόνασιν ἔμοιγε γένεσθαιkeacutelomaiacute tina tograven khariacuteenta Meacutenōna kaacutelessai

ai khrecirc symposiacuteās epoacutenasin eacutemoige geacutenesthai

‒‒‒‒‒‒‒ ‒|‒‒‒‒‒‒

Peccedilo a algueacutem chamar o gracioso Menatildeose este simpoacutesio deve me ser agradaacutevel

Onde o segundo verso assume uma forma idecircntica agrave de um hexacirc-metro com dieacuterese em a

2 Dependendo de onde houver final-de-pa-

lavra nos versos eoacutelicos podemos associaacute-los com diferentes formas do hexacircmetro Natildeo se deve deduzir no entanto que sincronicamen-te essas formas fossem equivalentes muito embora elas pudessem se influenciar Elas representam no entanto diferentes estaacutegios e caminhos na evoluccedilatildeo das formas meacutetricas gregas e nos ajudam a entender que os blocos de construccedilatildeo do hexacircmetro de fato natildeo satildeo os seis peacutes nos quais se costuma dividir esse verso mas sim cola determinados pela dicccedilatildeo eacutepica ao longo de sua evoluccedilatildeo67

Estamos entatildeo agora preparados para analisar algumas passa-gens escolhidas de Homero mostrando de que maneira essa dicccedilatildeo

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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Robert de Brose

50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 19: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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eacutepica articula-se para criar significados a partir da matriz prototiacute-pica do hexacircmetro vista anteriormente Tambeacutem de que maneira esses significados podem ser explicitados em uma traduccedilatildeo para o portuguecircs Devido ao espaccedilo exiacuteguo deste artigo farei uma anaacuteli-se meacutetrica detalhada utilizando os princiacutepios discutidos ateacute aqui apenas do primeiro exemplo Essa mesma anaacutelise deve ser suben-tendida para os exemplos subsequentes onde apresentarei apenas as pausas relevantes para a traduccedilatildeo Em nosso primeiro exemplo entatildeo que eacute

8 Il 23210

ὄφρα πυρὴν ὄρσητε καήμεναι |b ᾗ ἔνι κεῖταιΠάτροκλος |a4 τὸν πάντες ἀναστενάχουσιν Ἀχαιοί

oacutephra pyrēn oacutersēte kaēmenai | hecirci eacuteni keicirctai

Paacutetroklos| tograven paacutentes anastenccedilakhousin Akhaioi

Para que levanteis uma pira a queimar Onde jazPaacutetroclo a que todos os aqueus datildeo queixumes

vemos que o primeiro verso que estaacute dividido em dois cola sepa-rados pela cesura bucoacutelica pode ser interpretado ritmicamente ou como um tetracircmetro dactiacutelico68 seguido de um adoneu69 ou entatildeo valendo-nos da anaacutelise de Nagy podemos derivaacute-lo de um verso do tipo fer+3da70 com resoluccedilatildeo da segunda siacutelaba da base em duas breves e contraccedilatildeo da segunda biacuteceps isto eacute uma evoluccedilatildeo do padratildeo eoacutelico rsquo‒‒‒| ‒‒‒ para ‒rsquo‒‒‒| ‒‒‒

O segundo verso comeccedila em acavalamento e tem como eacute co-mum nesses casos a cesura principal adiantada para a posiccedilatildeo a4 Isso delimita e enfatiza o termo acavalado ‒ ‒ ‒|‒ ‒‒‒‒‒ Um tal padratildeo eacute encontrado nos glicocircnios com expansatildeo dactiacutelica como por exemplo no segundo verso do exemplo 7 acima clas-

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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Robert de Brose

20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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sificado por Hefeacutestiatildeo ademais como um hexacircmetro eoacutelico dac-tiacutelico cataleacutetico71 Fim-de-palavra tambeacutem eacute comum nessa mesma posiccedilatildeo nos glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica72 que compunham todo o primeiro livro de canccedilotildees de Safo e muitas das canccedilotildees de Alceu73 como por exemplo o fr 346V πώνωμεν| τί τὰ λύχνrsquo ὀμμένομεν δάκτυλος ἀμέρα(ldquoBebamos Porque esperamos pelas lamparinas Resta apenas um dedo de diardquo) cujo esquema ‒ ‒ ‒|‒‒‒‒‒‒ estaacute muito proacuteximo da linha homeacuterica Final-mente talvez num estaacutegio mais avanccedilado de sua evoluccedilatildeo vemos essa mesma fraseologia riacutetmica nos daacutetilo-epitriacutetios de Estesiacuteco-ro como em 222(b)PMGF ἀμβάλλων | κακότατα πολὺν χρόνον [ cujo esquema meacutetrico eacute idecircntico ao do exemplo homeacuterico ‒ ‒ ‒|‒‒[‒‒‒74

Dessa maneira levando em consideraccedilatildeo a articulaccedilatildeo meacutetrica do verso e a fraseologia eacutepica acredito que natildeo se poderia tirar nenhuma vantagem para o leitor de uma traduccedilatildeo nem da repro-duccedilatildeo mecacircnica da matriz 5da+sp nem da insistecircncia em traduzir um verso do original por uma uacutenica linha a fim de simular por um ou outro artifiacutecio a aparecircncia do hexacircmetro Ao contraacuterio uma grande parte da carga semacircntica tatildeo importante nessas passagens carregadas de emoccedilatildeo do livro XXIII perder-se-ia O que propo-nho entatildeo eacute que nos livremos das focircrmas impostas pela tradiccedilatildeo literaacuteria e por uma rigidez infrutiacutefera e busquemos na traduccedilatildeo a ressonacircncia riacutetmica que mesmo natildeo sendo (porque natildeo poderaacute secirc-lo nunca) idecircntica ou equivalente ao original direciona por meio de uma outra estrateacutegia nossa atenccedilatildeo para os sentidos naquele alu-didos Para o exemplo 8 salientando as pausas assinaladas para o verso por meio da quebra de linha eu proporia a seguinte traduccedilatildeo

Para que levanteis uma pira a queimar onde jaz

Paacutetrocloa que todos aqueus datildeo queixumes75

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 21: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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Abaixo repito o mesmo processo com mais alguns versos do mesmo canto a fim de demonstrar outras articulaccedilotildees possiacuteveis e a soluccedilatildeo que proponho para preservaacute-las na traduccedilatildeo

8 Il 23217

παννύχιοι δrsquo ἄρα τοί γε|F πυρῆς ἄμυδις φλόγrsquo ἔβαλλον φυσῶντες λιγέως|M ὃ δὲ πάννυχος|B ὠκὺς Ἀχιλλεὺς χρυσέου ἐκ κρητῆρος ἑλὼν|H δέπας ἀμφικύπελλον 220 οἶνον ἀφυσσόμενος|M χαμάδις χέε|B δεῦε δὲ γαῖαν ψυχὴν κικλήσκων|M Πατροκλῆος δειλοῖο

A noite inteira entatildeo eis como juntos76 a chama da pira acenderam assoprando-a em silvos noite adentro ei-lo tambeacutem o raacutepido Aquiles de uma cratera de ouro tendo bialada uma taccedila tomado215 e o vinho exaurido deita-o ao chatildeo e molha a terra Pelrsquoalma sempre clamando do pobre Paacutetroclo

Note o paralelismo entre ldquonoite adentro [eles]rdquo e ldquonoite adentro [aquele]rdquo ainda entre as duas cenas que se desenrolam simulta-neamente a ocorrecircncia de uma forte cesura masculina no v 2 Depois dessa a cesura bucoacutelica natildeo eacute obrigatoacuteria devido agrave sinafia entre o sigma e a vogal seguinte de ldquoAquilesrdquo mas ela tem uma funccedilatildeo importantiacutessima que eacute a de reintroduzir no frame aberto pelo primeiro ldquonoite adentro [eles]rdquo a figura do heroacutei principal

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 22: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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como se a primeira cena fosse um preview77 e a segunda o zoom ldquoele tambeacutem estava laacute o raacutepido Aquilesrdquo Com o foco estabeleci-do a audiecircncia pode-se concentrar no que Aquiles faz e aqui outra vez o contraste com o seu epiacuteteto ōkhyacutes ldquoraacutepidordquo destoa do lento crescente dos versos seguintes em que as oferendas fuacutenebres agrave Paacute-troclo satildeo enquadradas em cenas muito bem delimitadas Note que a antecipaccedilatildeo da cratera de ouro faz com que a taccedila bialada surja aos olhos da audiecircncia de dentro do frame daquela aleacutem de criar um certo suspense mantendo o foco da atenccedilatildeo O terceiro verso estaacute dividido em trecircs frames que delimitam trecircs accedilotildees distintas mas a funccedilatildeo mais importante dessas divisotildees eacute salientar a lentidatildeo e o caraacuteter doloroso da accedilatildeo de prestar as exeacutequias ao querido amigo Finalmente a invocaccedilatildeo agrave alma de Paacutetroclo eacute descrita em um raro verso holospondaico com a cesura masculina a separar o objeto da accedilatildeo dando-lhe a maacutexima saliecircncia possiacutevel

Um outro exemplo interessante mas dessa vez da Odisseia eacute o famoso canto das Sirenas que em vatildeo atentam Odisseu para que pare sua nau e ouccedila seus cantos a fim de destruiacute-lo

9 Od 12184

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών|A4 πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ|H μέγα κῦδος Ἀχαιῶν 185 νῆα κατάστησον|M ἵνα νωϊτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς οὐ γάρ πώ τις τῇδε|F παρήλασε|B νηῒ μελαίνῃ πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo ἀκοῦσαι ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται|H καὶ πλείονα εἰδώς ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ|H Τροίῃ εὐρείῃ 190 Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν |H ἰότητι μόγησαν ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ |H χθονὶ πουλυβοτείρῃ

ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον|Bαὐτὰρ ἐμὸν κῆρ ἤθελrsquo ἀκουέμεναι|M λῦσαί τrsquo ἐκέλευον ἑταίρους

ὀφρύσι νευστάζων |M οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον 195 αὐτίκα δrsquo ἀνστάντες|M Περιμήδης Εὐρύλοχός τε

πλείοσί μrsquo ἐν δεσμοῖσι δέον|H μᾶλλόν τε πίεζον αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ τάς γε|F παρήλασαν |B οὐδrsquo ἔτrsquo ἔπειτα

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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φθόγγον Σειρήνων ἠκούομεν|B οὐδέ τrsquo ἀοιδήν αἶψrsquo ἀπὸ κηρὸν ἕλοντο|F ἐμοὶ ἐρίηρες ἑταῖροι 200 ὅν σφιν ἐπrsquo ὠσὶν ἄλειψrsquo|M ἐμέ τrsquo ἐκ δεσμῶν ἀνέλυσαν ldquoAnda acaacute vem mui caviloso78 Odisseu grande condatildeo dos Aqueus185 Tua nave deteacutem para ouvir noviacutessimo um canto Pois nunca ningueacutem por aqui ao largo passou em nave escura antes ao menos de ouvir-nos da boca meliacutefluo canto Mas deleitando-se parte e mais saacutebio que outrora Sabemos pois tudo o que na vasta Troacuteia190 Argivos e troianos dos deuses pela vontade penaram Sabemos tudo o que sobre a terra frutiacutefera daacute-serdquo Assim disseram lanccedilando beliacutessima voz e o meu coraccedilatildeo quis escutar soltar-me pedi aos amigos franzindo o senho ndash eles agrave frente remaram195 E de pronto tendo-se levantado Perimedes Euriacuteloco com mais noacutes me ataram mais forte apertaram E depois que sim delas

ao largo passamos e natildeo mais a voz das sirenas ouvimos e nem sua canccedilatildeo

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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De seus ouvidos a cera tiraram meus fieacuteis companheiros200 que antes ali colocaram e dos liames entatildeo me soltaram

Como o trecho eacute extenso limitar-me-ei a fazer apenas algumas observaccedilotildees Em primeiro lugar haacute de se notar o triacuteptico ascen-dente do primeiro verso que num crescendo acumula elogios cada vez maiores sobre Odisseu Em seguida poreacutem o movimento len-to do iniacutecio do v 186 ateacute a primeira cesura (‒‒‒‒‒|M) sublinha o inescapaacutevel destino que o esperaria ao mesmo tempo em que confere um caraacuteter sinistro ao fascinante canto das Sirenas O v 187 que descreve seu melodioso canto flui sem ser interrompido por qualquer cesura e a riqueza das liacutequidas o move numa onda encantatoacuteria propelindo-nos agrave frente atraindo-nos (e a sua nau) cada vez mais para dentro do canto Odisseu natildeo resiste como Cir-ce jaacute previra ao encanto Sua luta para se soltar contrabalancea-da pelas accedilotildees dos companheiros para protegecirc-lo estende-se pelos versos seguintes em que accedilotildees em sentidos opostos satildeo contraba-lanceadas pela cesura masculina e feminina enquanto a ecircnfase e os complementos localizam-se apoacutes a cesura pentemiacutemere e a dieacuterese bucoacutelica A perigosa passagem resolve-se numa bela estrutura em anel tambeacutem articulada pelo ritmo no iniacutecio as Sirenas haviam lhe assegurado que ldquonunca ningueacutem por aqui |F ao largo passou |Brdquo e agora Odisseu narrando nos informa que ldquoE depois que sim delas |F ao largo passamos|Brdquo num perfeito exemplo paralelismo meacutetrico entre as duas cenas

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Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 25: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

Notas

1 Gostaria de agradecer a Sandra Rocha e a Agatha Bacelar o convite para participar no V Seminaacuterio do Nuacutecleo de Estudos Claacutessicos da UNB em 2014 onde uma primeira versatildeo desse artigo foi apresentada Sou-lhes igualmente grato e ao puacuteblico laacute presente pelas perguntas e sugestotildees que ajudaram a melhorar o presente texto Agradeccedilo agrave UNB e ao NEC o financiamento das minhas despesas de viagem para a participaccedilatildeo no referido evento Uma segunda versatildeo deste artigo dessa vez com as propostas de traduccedilatildeo aqui incluiacutedas foi apresentada durante a Jornada Foacutermula e Verso promovido pelo GP-CNPq ldquoGecircneros Poeacuteticos na Greacutecia Arcaicardquo liderado por Christian Werner e pelo GP-CNPq ldquoTraduccedilatildeo e Recepccedilatildeo dos Claacutessicosrdquo liderado por mim na Universidade de Satildeo Paulo em 2015 Nessa ocasiatildeo tive o privileacutegio de poder aproveitar as sugestotildees e as criacuteticas do puacuteblico do proacuteprio Christian e do companheiro de mesa Marcelo Taacutepia aos quais sou grato Finalmente agradeccedilo agrave Universidade Federal do Cearaacute pelo financiamento de minhas despesas de viagem agrave Universidade de Satildeo Paulo naquela ocasiatildeo

2 Por ldquopoesia periacuteodo arcaicordquo eu subentendo todo tipo de manifestaccedilatildeo poeacutetica produzida entre Homero e Piacutendaro ainda muito do que aqui se diz vale tambeacutem para o periacuteodo claacutessico ateacute a morte de Euriacutepides Quando eu me referir a ldquopoesia gregardquo sem qualquer qualificaccedilatildeo subentenda-se portanto que estou falando daquela do periacuteodo arcaico

3 Isto eacute no diz respeito agrave estrutura do discurso que muito embora nos tenha chegado via escrita revela traccedilos de uma oralidade primaacuteria Para uma distinccedilatildeo entre oralidadeliteracia medial e conceitual em Homero cf Bakker (1997) a distinccedilatildeo foi fundamentada pela primeira vez por P Koch e W Oesterreicher no artigo ldquoSprache der Naumlhe ndash Sprache der Distanz Muumlndlichkeit und Schriftlichkeit im Spannungsfeld von Sprachetheorie und Sprachgeschichterdquo Romanisches Jahrbuch 36 pp 15-43

4 Acerca da cultura musical grega uma boa introduccedilatildeo eacute o trabalho panoracircmico de Gentili (1990) Sobre oralidade na Greacutecia arcaica e como ela implica em uma organizaccedilatildeo do discurso que eacute diversa daquela de uma literacia cf Havelock (1991 1996) p 11-27

5 Segundo Bauman e Briggs (1990) pp59-88 a entextualizaccedilatildeo eacute ldquoo processo de tornar um discurso extraiacutevel de transformar uma certa extensatildeo de produccedilatildeo

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linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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Robert de Brose

linguiacutestica em um unidade ndash um texto ndash que pode ser extraiacuteda de seu cenaacuterio interacionalrdquo

6 Palavras como domiacutenio esquema frame enquadrar esquemaacutetico marcado natildeo-marcado metaacutefora conceitual etc satildeo sempre empregados na acepccedilatildeo teacutecnica que a Linguiacutestica e a Poeacutetica Cognitivas lhes conferem Para chamar a atenccedilatildeo do leitor para o vocabulaacuterio teacutecnico dessas disciplinas tais termos seratildeo sempre grafados em itaacutelico Para uma referecircncia raacutepida acerca do significado desses termos quando o mesmo natildeo for evidente a partir do contexto o leitor pode consultar o excelente glossaacuterio de Evans (2007)

7 O termo ldquooraturardquo ndash a partir daqui sem aspas ndash foi criado por Pio Zirimu que o teria cunhado em 1977 em conjunto com Austin Bukenya em um artigo intitulado Oralcy as a Tool for African Development lido na Festac de 1977 em Lagos (Thiongrsquoo 1998) Segundo Finnegan (19922003) p 15 ldquoit avoids the

etymological problems of lsquooral literaturersquo and is also a positive term in its own right (the parallel to eacutecriture) in the context of lsquodecolonising the mindrsquordquo

8 Sobre isso cf especialmente Thomas (1989 1992)

9 Optei por utilizar a forma transliterada dos termos gregos sempre que possiacutevel Nos exemplos praacuteticos ao final do artigo no entanto por uma razatildeo de espaccedilo isso natildeo seria possiacutevel Todos os exemplos no entanto podem ser ouvidos lidos por mim no original em soundcloudcomrobert_de_brose

10 Brevemente por leacuteksis um termo bastante polissecircmico eu entendo aqui tanto a letra das canccedilotildees aquilo que hoje chamariacuteamos propriamente de ldquoo poemardquo ie seu texto quanto a estrutura da liacutengua em sua articulaccedilatildeo sonora Por outro lado poieacutesis do verbo poieacuteō (lit ldquofazerrdquo ldquoconfeccionarrdquo donde ldquopoemardquo poiacuteēma lit ldquoartefatordquo) refere-se ao trabalho intricado com a palavra melos e aōideacute referem-se agrave dimensatildeo musical da palavra cantada aquele eacute um termo cujo sentido mais esquemaacutetico eacute o de ldquomembro parte peccedilardquo e na acepccedilatildeo musical refere-se portanto a uma peccedila musical completa ou a uma divisatildeo desta este denota a proacutepria palavra cantada o imbricamento dos dois conceitos fica claro no substantivo composto melōidiacuteā que indica tanto o que entendemos por ldquomelodiardquo isto eacute o acompanhamento musical quanto o canto em sua dimensatildeo verbal Finalmente molpeacute refere-se agrave danccedila associada a uma canccedilatildeo e khoreiacutea agrave danccedila em geral ou agravequela executada por um grupo de danccedilarinos Para uma discussatildeo detalhada dos termos cf especialmente Pagliaro (1953) e Brose (2014)

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

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33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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11 Poreacutem natildeo graacuteficos

12 Isto eacute que se repetem a cada linha ou verso que em grego se diz stiacutekhos A situaccedilatildeo eacute mais complicada para os metros liacutericos que merecem um tratamento em separado

13 Zumthor (2010) Compare com o preluacutedio da 1ordf ode piacutetica de Piacutendaro em que uma concepccedilatildeo semelhante eacute expressa

14 Maiakovski How are verses to be made in Gorky (2000) p 145 ldquoRhythm is the basic force and the basic energy of poetry It cannot be explained it can only be described like the effects of magnetism or electricity Magnetism and electricity are forms of energy The rhythm may be identical in many poems even in everything the poet has written but this doesnrsquot make that work uniform since rhythm can be so complex and difficult of formulation that the poet may totally fail to achieve it in a number of major worksrdquo grifo meu

15 Arist Quint Perigrave Mousikecircs (Tratado sobre a Muacutesica) 114-18 Uma oacutetima traduccedilatildeo desses tratados musicais pode ser encontrada em Barker (2004) p 402 et seq

16 Arist Quint idem 1429 ὕλη δὲ μουσικῆς φωνὴ καὶ κίνησις σώματος ldquoa mateacuteria da muacutesica eacute a voz e o movimento do corpordquo Uma formulaccedilatildeo semelhante eacute dada por Platatildeo nas Leis 672e

17 Sobre questotildees de equivalecircncia na traduccedilatildeo dos metros gregos cf o excelente artigo de Taacutepia (2004)

18 Esses termos satildeo explicados mais abaixo

19 As exceccedilotildees satildeo raras como deveriam ademais natildeo se pode esperar que todos os filoacutelogos sejam poetas e ademais o exerciacutecio da filologia em sua malfadada tentativa de se impor como ciecircncia natildeo raro contribui para um embotamento da sensibilidade poeacutetica e para uma elevaccedilatildeo dos originais agrave categoria de textos sensiacuteveis sobre isso cf especialmente Nida (1997) Natildeo teriacuteamos espaccedilo para tratar dessas questotildees aqui Pretendo retomaacute-las em um outro artigo

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Robert de Brose

20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

153Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

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50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

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73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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20 O cenaacuterio comeccedila a mudar e por duas razotildees principais hoje sabemos muito mais sobre a muacutesica grega antiga a ponto de permitir reconstruccedilotildees que quando natildeo satildeo as melodias originais (um conceito ademais que tem a sua proacutepria complexidade) satildeo ao menos coerentes com a teoria musical antiga Aleacutem disso com evidecircncias cada vez mais convincentes de que a melodia original provavelmente era de importacircncia secundaacuterias para as futuras reperformances de uma peccedila muitos experimentalistas numa atitude salutar tecircm se dedicado a propor suas proacuteprias reconstruccedilotildees embasadas ou natildeo na teoria musical antiga No campo teoacuterico satildeo essenciais os trabalhos de Correcirca (2008) Hagel (2009) e West (1992) Entre os experimentalistas o proacuteprio Hagel em colaboraccedilatildeo com G Danek propocircs uma reconstruccedilatildeo e uma teacutecnica de canto homeacuterico bastante eficaz disponiacuteveis na paacutegina da Oumlsterreichische Akademie der Wissenschaften Eu chamaria a atenccedilatildeo para o excelente trabalho de Halaris C Ancient Greek Music (CD Audio) Atenas Cultural Action ndash EMSE 2008 2 CD de Tabouris P Music of Greek Antiquity Atenas Paiaacuten nordm653 2012 1 CD e Tabouris P Secular Music of Greek Antiquity 2 vols Atenas FM Records nordm 808 e 809 do Ensemble Keacuterylos De la pierre au son musiques de lrsquoAntiquiteacute grecque et romaine Condutor Annie Beacutelis K617 1996 do Ensemble Meacutelpomen Melpomen Ancient Greek Music Condutor C Steinmann Scholia Cantorum Baliensis Documenta Basel Harmonia Mundi 2006 1 CD do De Organografia Music of the Ancient Greeks Pandourion Records 1995-97 1CD do Atrium Musicae de Madrid Musique de la Gregravece Antique Condutor G Paniagua Harmonia Mundi 2000 1 CD

21 Cf Zumthor (2010) p 39-40

22 Schlegel (2010) p 123 ldquoConsidero uma exigecircncia bem justa nas traduccedilotildees que a criacutetica deva vir acompanhada de uma sugestatildeo construtivardquo

23 West (1982) sendo uma exceccedilatildeo ateacute onde sei

24 Retoacuterica 381408b32 ldquoὁ μὲν ἡρῷος σεμνὸς ἀλλὰ λεκτικῆς ἁρμονίας δεόμενοςrdquo

25 Poeacutetica 1459b34-1950a ldquoτὸ γὰρ ἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον τῶν μέτρων ἐστίν (διὸ καὶ γλώττας καὶ μεταφορὰς δέχεται μάλιστα περιττὴ γὰρ καὶ ἡ διηγηματικὴ μίμησις τῶν ἄλλων)rdquo

152Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

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26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

153Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

155Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

156Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

157Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 29: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

26 Interpretado por Hefeacutestiatildeo como a forma cataleacutetica ou abreviada do daacutetilo Sobre isso confira mais abaixo O traccedilo vertical sobre cada um dos peacutes indica a posiccedilatildeo da tese ou tempo marcado a arse ou tempo natildeo-marcado natildeo eacute distinguida por nenhum sinal O emprego dos termos tese e arse deve ser entendido em seu sentido antigo que estava relacionado com a danccedila a tese eacute o tempo de bater o peacute no chatildeo (downbeat) e por isso mesmo eacute a posiccedilatildeo marcada do grupo riacutetmico a arse ao contraacuterio eacute o tempo de levantar o peacute (upbeat) e portanto encontra-se na porccedilatildeo natildeo marcada do mesmo grupo No hexacircmetro a longa preenche toda a tese e as duas curtas a arse

27 Na nomenclatura utilizada para o posicionamento dos elementos meacutetricos L quer dizer ldquolongardquo c ldquocurtardquo O primeiro nuacutemero refere-se ao peacute o segundo agrave posiccedilatildeo dentro de cada peacute Dessa forma L4 significa ldquo a longa do quarto peacuterdquo e c42 significa ldquoa segunda curta do quarto peacuterdquo

28 Fala-se entatildeo de ldquocontraccedilatildeordquo Ao fenocircmeno oposto ou seja uma longa substituiacuteda por duas breves daacute-se o nome de ldquoresoluccedilatildeordquo

29 A ideia no entanto de que o quinto peacute nunca pode ser substituiacutedo por um espondeu eacute errocircnea e reflete falta de familiaridade com a dinacircmica real do ritmo hexameacutetrico de qualquer periacuteodo Na verdade este tipo de verso conhecido como versus spondiacus aparece em 38 de todo o corpus homeacuterico e em 52 do hesioacutedico Sicking (1993) p 30

30 Para maiores detalhes cf Sicking (1993)

31 Korzeniewski (1968) Esse aliaacutes eacute o nuacutemero maacuteximo de permutaccedilotildees possiacuteveis uma vez que a primeira posiccedilatildeo de cada daacutetilo eacute sempre ocupada por uma longa e que o uacuteltimo peacute tambeacutem sempre apresenta uma longa (natural ou alongada) na segunda posiccedilatildeo as combinaccedilotildees possiacuteveis para os cinco peacutes restantes (CP correspondente ao intervalo entre C1-C5) eacute igual ao nuacutemero de elementos possiacuteveis na segunda posiccedilatildeo de cada peacute (P2 que satildeo dois longo ou dois breves) elevado agrave potecircncia do nuacutemero de posiccedilotildees restantes (n) CP portanto eacute igual a P2

n = 25 = 32

32 Essas ademais ao inveacutes de seguirem a prosoacutedia grega satildeo muitas vezes empregadas de acordo com os usos e costumes do vernaacuteculo apresentando-se como um empecilho agrave correta pronuacutencia do verso A intrusatildeo de viacutergulas desnecessaacuterias aparece sobretudo em ediccedilotildees alematildes que costumam separar a oraccedilatildeo principal da subordinada por viacutergula

153Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

154Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

155Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

156Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

157Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

BAKKER E J Poetry in Speech Orality and Homeric Discourse Ithaca London Cornell University Press 1997

BARKER A Greek Musical Writings Volume 2 Harmonic and Acoustic Theory Cambridge Cambridge University Press 2004

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158Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

BROSE R D Epikomios Hymnos investigaccedilotildees sobre a performance dos epiniacutecios pindaacutericos 2014 Tese (Doutorado) FFLCHDLCV Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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Robert de Brose

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160Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

THIONGrsquoO N Penpoints Gunpoints and Dreams Towards a Critical Theory of the Arts and the State in Africa Oxford University Press USA 1998

THOMAS R Oral Tradition and Written Record in Classical Athens Cambridge Cambridge University Press 1989

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ZUMTHOR P Introduccedilatildeo agrave Poesia Oral Traduzido por Jerusa Pires Ferreira Maria Luacutecia Diniz Pochat e Maria Inecircs de Almeida Belo Horizonte UFMG 2010 ISBN 9788570417596

Recebido em 15082015Aceito em 01102015

Page 30: DA FÔRMA ÀS FORMAS: METRO, RITMO E TRADUÇÃO DO …Secure Site  · o ritmo é conceitualizado, na prática musical grega, a partir dos movimentos da voz e do corpo na tridimensionalidade

153Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

33 A qual por definiccedilatildeo eacute igual agrave soma dos intervalos de duas curtas

34 Dioniso de Halicarnasso Comp Verb 1761-3 οἱ μέντοι ῥυθμικοὶ τούτου τοῦ ποδὸς τὴν μακρὰν βραχυτέραν εἶναί φασι τῆς τελείας οὐκ ἔχοντες δrsquoεἰπεῖν ὅσῳ καλοῦσιν αὐτὴν ἄλογον Anteriormente (159-11 e 1540-47) ele jaacute havia introduzido a noccedilatildeo de que duas longas (bem como duas breves) nem sempre tecircm a mesma duraccedilatildeo uma ideia que deve remeter a uma teoria musical mais elaborada que ele em seu tratado de retoacuterica infelizmente se escusa de detalhar

35 LSJ sv ἄλογος

36 Por exemplo Dioniacutesio Halicarnasso falando dos quatro valores temporais em que uma curta poderia ser subdividida nos diz que (1524-26) ldquoEssas satildeo portanto as quatro diferenccedilas das siacutelabas curtas no que diz respeito agrave percepccedilatildeo natildeo quantificaacutevel (aacutelogon aiacutesthesin) de sua alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao metro O mesmo raciociacutenio vale para a siacutelaba longardquo Minha traduccedilatildeo de aacutelogos por ldquonatildeo quantificaacutevelrdquo (ie por meio de uma razatildeo numeacuterica e daiacute irracional) pretende evitar a ambiguidade com o termo ldquoirracionalrdquo no sentido de ldquoinstintivordquo jaacute que aqui o termo reteacutem o seu sentido teacutecnico provavelmente derivado de Aristoxeno e Aristides Quintiliano eg 11433 et seq

37 Poreacutem mesmo nas formas cantadas ou liacutericas em que o ritmo musical poderia em princiacutepio impor-se sobre o prosoacutedico a resoluccedilatildeo da tese em duas curtas eacute sistematicamente evitada Exceccedilotildees que na verdade confirmam a regra satildeo raras Iacutebico fr 1853 Euriacutepides Andromacircca 490 (= 482) Baquiacutelides 140 Aristoacutefanes Assembleacuteia de Mulheres 1171 Um caso interessante em que um daacutetilo com tese em duas breves responde na estrofe seguinte a outro com tese em longa eacute Euriacutepides Feniacutecias 796 e 813 Note que a frequecircncia dessas resoluccedilotildees em Euriacutepedes pode apontar ademais para inovaccedilotildees musicais que iriam se sedimentar nas deacutecadas seguintes Para uma excelente discussatildeo do tema cf Gentili e Lomiento (2003)

38 Tambeacutem chamado antidaacutetilo pelos metricistas antigos O anapesto aparece apenas em siziacutegias ie um metro composto por dois peacutes ‒‒

39 O que ademais a torna uma longa ldquoperfeitardquo para usar a nomenclatura de Dioniacutesio

40 Daiacute porque a melhor representaccedilatildeo esquemaacutetica para o anapesto seria

154Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

155Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

156Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

157Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

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Robert de Brose

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SCHLEGEL A W Uumlber die Bhagavad-gita Traduzido por Maria Aparecida Barbosa In HEIDERMANN W (Ed) Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo alematildeo-portuguecircs 2ordf ediccedilatildeo revisada e ampliada Florianoacutepolis UFSCNuacutecleo de Pesquisa em Literatura e Traduccedilatildeo v1 2010 p120-127 (Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo)

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

41 Hefestiatildeo Manual de Metros 71-2 Aristides Quintiliano op cit 124-25 A catalexe (do gr kataacutelēksis) eacute a supressatildeo de uma ou mais partes de um peacute ao final de um verso

42 O sinal apoacutes o peacute indica catalexe Colocado antes do peacute ele indica ldquoacefaliardquo ou perda de uma mora no iniacutecio do peacute

43 Cf Parry (1929) que utiliza a denominaccedilatildeo ldquonecessaacuteriordquo para o acavalamento sintaacutetico e ldquoperioacutedicordquo para o que natildeo sendo complemento sintaacutetico do verso anterior servia no entanto para expandir e dar continuidade agrave narrativa por parataxe

44 Dentro ou fora de um peacute no primeiro caso fala-se de cesura no segundo de dieacuterese

45 Snell (1982)

46 Seguindo a simbologia utilizada por Snell (1982) pontes satildeo indicadas por as posiccedilotildees em que fim-de-palavra satildeo esperadas por

47 Isto eacute natildeo pode haver fim-de-palavra no meio ou ao final do segundo peacute Essa limitaccedilatildeo eacute conhecida como Lei de Meyer mas aplica-se rigorosamente apenas aos poetas alexandrinos Em Homero segundo West (1982) haacute uma exceccedilatildeo agrave ldquoleirdquo a cada 20-30 linhas

48 Pentemiacutemere ldquoque ocorre depois de cinco (penta) metades (hemiacutemeros)rdquo o mesmo vale para heptemiacutemere (hepta ie sete) ldquoque ocorre depois da seacutetima metaderdquo porque o daacutetilo eacute formado por duas metades uma tese onde estaacute a longa e uma arse onde estatildeo as duas curtas ‒ | As denominaccedilotildees ldquomasculinardquo ou ldquofemininardquo derivam do fato de que pode se dizer que a primeira parte do verso se analisada em isolado eacute formada por um metro chamado de ldquohemieposrdquo (literalmente ldquomeio eposrdquo isto eacute meio hexacircmetro) ou seja um verso da forma ‒‒‒ que pode ou natildeo acrescentar mais um tempo em sua coda A forma que termina numa longa como a citada eacute chamada de ldquohemiepos masculinordquo e a que termina com uma curta a mais ‒‒‒ eacute chamada ldquohemiepos femininordquo

49 Assim chamada por ser comum nos poetas bucoacutelicos como Teoacutecrito

155Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

156Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

157Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

BAKKER E J Poetry in Speech Orality and Homeric Discourse Ithaca London Cornell University Press 1997

BARKER A Greek Musical Writings Volume 2 Harmonic and Acoustic Theory Cambridge Cambridge University Press 2004

BAUMAN R BRIGGS C L Poetics and performance as critical perspectives on language and social life Annu Rev Antropol v 19 p 59-88 1990

158Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

BROSE R D Epikomios Hymnos investigaccedilotildees sobre a performance dos epiniacutecios pindaacutericos 2014 Tese (Doutorado) FFLCHDLCV Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CORREcircA P D C Hamonia mito e muacutesica na Greacutecia antiga 2ordf Satildeo Paulo Humanitas 2008

EVANS V A Glossary of Cognitive Linguistics Edinburgh Edinburgh University Press 2007

FINNEGAN R Oral Traditions and the Verbal Arts A Guide to Research Practices Londres Routledge 19922003

FRAumlNKEL H Der homerische und der kallimachische Hexameter In (Ed) Wege und Formen fruumlhgriechischen Denkens 1955 p100-56

GENTILI B Poetry and Its Public in Ancient Greece From Homer to the Fifth Century Traduccedilatildeo por A Thomas Cole Baltimore and London Johns Hopkins University Press 1990

GENTILI B LOMIENTO L Metrica e ritmica Milatildeo 2003

GORKY M MAYAKOVSKY V MILLER A On the Art and Craft of

Writing Traduzido por A Miller University Press of the Pacific 2000

HAGEL S Ancient Greek Music A New Technical History Cambridge Cambridge University Press 2009

HASLAN M Stesichorean Metre Quaderni Urbinati di Cultura Classica v 17 p 7-57 1974

______ The Versification of the New Stesichorus (P Lille 76 abc) GRBS v 19 p 29-57 1978

HAVELOCK E The Oral-literate equation a formula for the modern mind In OLSON D R e TORRANCE N (eds) Literacy and Orality Cambridge Cambridge University Press 1991 p11-27

159Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

HAVELOCK E A Prefaacutecio a Platatildeo Traduzido por Enid Abreu Dobranzky Campinas Papirus 1996

KIRK G S et al (eds) The Iliad A Commentary Cambridge Cambridge University Press v 3 The Iliad A Commentaryed 1993

KORZENIEWSKI D Griechische Metrik Die Altertumswissenschaft Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft 1968

MEILLET A Les Origines Indo-europeacuteennes des Megravetres Grecs Paris Les Presses Universitaires de France 1923

NAGY G The best of the Achaeans Johns Hopkins University Press 1979

______ Pindarrsquos Homer Baltimore The Johns Hopkins University Press 1990 Disponiacutevel em lt httpwwwpressjhuedubooksnagyPHhtml gt

NIDA E A Translating a text with a long and sensitive tradition In SIMMS K (Ed) Translating Sensitive Texts linguistic aspects Rodopi 1997 p 333 (Approaches to Translation Studies)

PAGLIARO A Aedi e Rapsodi In (Ed) Saggi di Critica Semantica Messina Florenccedila 1953 p3-62

SCHLEGEL A W Uumlber die Bhagavad-gita Traduzido por Maria Aparecida Barbosa In HEIDERMANN W (Ed) Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo alematildeo-portuguecircs 2ordf ediccedilatildeo revisada e ampliada Florianoacutepolis UFSCNuacutecleo de Pesquisa em Literatura e Traduccedilatildeo v1 2010 p120-127 (Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo)

SICKING C M J Griechische Verslehre Munique CH Beckrsquosche Verlagsbuchhandlung 1993

SNELL B Griechische Metrik 4 Goumlttingen Vanderhoeck amp Ruprecht 1982

TAacutePIA M Questotildees de equivalecircncia meacutetrica em traduccedilatildeo de poesia antiga Revista Letras n 89 p 17 2004 ISSN 0100-0888

160Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

THIONGrsquoO N Penpoints Gunpoints and Dreams Towards a Critical Theory of the Arts and the State in Africa Oxford University Press USA 1998

THOMAS R Oral Tradition and Written Record in Classical Athens Cambridge Cambridge University Press 1989

______ Literacy and Orality in Ancient Greece Cambridge Cambridge University Press 1992

WEST M L Greek metre Clarendon Press 1982

______ Ancient Greek Music Oxford Oxford University Press 1992

ZUMTHOR P Introduccedilatildeo agrave Poesia Oral Traduzido por Jerusa Pires Ferreira Maria Luacutecia Diniz Pochat e Maria Inecircs de Almeida Belo Horizonte UFMG 2010 ISBN 9788570417596

Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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155Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

50 Fraumlnkel (1955) p 100-156

51 ldquoSense-pauserdquo para West (1982) usando a nomenclatura de Fraumlnkel

52 De acordo com West (1982) p 36 No entanto eacute preciso cautela com esses nuacutemeros uma vez que o autor natildeo cita suas fontes nem explica como chegou a eles

53 Kirk (1993) vol 1 p 17 et seq

54 Op Cit

55 Isto eacute certamente em performance a elisatildeo marcava uma emissatildeo continua da voz o que precluiria uma pausa nesse ponto ἔπος τrsquo ἔφατἔκ τrsquo ὀνόμαζε (eacutepos

trsquoeacutephat eacutek trsquoonoacutemazde) O fato de a elisatildeo dar-se aqui na arse em uma siacutelaba curta a distingue de outras ocasiotildees em que temos uma elisatildeo que natildeo afeta a cesura ou por dar-se na tese eou por ocorrer em siacutelaba longa como no exemplo nordm 3 abaixo

56 Como por exemplo Il 63 ἀλλήλων ἰθυνομένων χαλκήρεα δοῦρα A frequecircncia desses versos sem cesura seria de acordo com West (1982) 14permil na Iliacuteada 9permil na Odisseia e 22permil em Hesiacuteodo

57 Quanto agrave relaccedilatildeo de tempos entre os cola respectivamente 6810

58 Snell (1982) p 14 jaacute dizia que ldquoDie verschiedenen Einschnitte und der

Wechsel von 3- und 2silbigen Daktylen machen den Hexameter auszligerordentlich bildsamrdquo

59 Meillet (1923)

60 Nagy (1990)

61 O segundo peacute eacute uma variante hipercataleacutetica ie com uma siacutelaba a mais

62 P Oxy 273517

156Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

157Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

BAKKER E J Poetry in Speech Orality and Homeric Discourse Ithaca London Cornell University Press 1997

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BAUMAN R BRIGGS C L Poetics and performance as critical perspectives on language and social life Annu Rev Antropol v 19 p 59-88 1990

158Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

BROSE R D Epikomios Hymnos investigaccedilotildees sobre a performance dos epiniacutecios pindaacutericos 2014 Tese (Doutorado) FFLCHDLCV Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

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HAVELOCK E The Oral-literate equation a formula for the modern mind In OLSON D R e TORRANCE N (eds) Literacy and Orality Cambridge Cambridge University Press 1991 p11-27

159Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

HAVELOCK E A Prefaacutecio a Platatildeo Traduzido por Enid Abreu Dobranzky Campinas Papirus 1996

KIRK G S et al (eds) The Iliad A Commentary Cambridge Cambridge University Press v 3 The Iliad A Commentaryed 1993

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NIDA E A Translating a text with a long and sensitive tradition In SIMMS K (Ed) Translating Sensitive Texts linguistic aspects Rodopi 1997 p 333 (Approaches to Translation Studies)

PAGLIARO A Aedi e Rapsodi In (Ed) Saggi di Critica Semantica Messina Florenccedila 1953 p3-62

SCHLEGEL A W Uumlber die Bhagavad-gita Traduzido por Maria Aparecida Barbosa In HEIDERMANN W (Ed) Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo alematildeo-portuguecircs 2ordf ediccedilatildeo revisada e ampliada Florianoacutepolis UFSCNuacutecleo de Pesquisa em Literatura e Traduccedilatildeo v1 2010 p120-127 (Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo)

SICKING C M J Griechische Verslehre Munique CH Beckrsquosche Verlagsbuchhandlung 1993

SNELL B Griechische Metrik 4 Goumlttingen Vanderhoeck amp Ruprecht 1982

TAacutePIA M Questotildees de equivalecircncia meacutetrica em traduccedilatildeo de poesia antiga Revista Letras n 89 p 17 2004 ISSN 0100-0888

160Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

THIONGrsquoO N Penpoints Gunpoints and Dreams Towards a Critical Theory of the Arts and the State in Africa Oxford University Press USA 1998

THOMAS R Oral Tradition and Written Record in Classical Athens Cambridge Cambridge University Press 1989

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WEST M L Greek metre Clarendon Press 1982

______ Ancient Greek Music Oxford Oxford University Press 1992

ZUMTHOR P Introduccedilatildeo agrave Poesia Oral Traduzido por Jerusa Pires Ferreira Maria Luacutecia Diniz Pochat e Maria Inecircs de Almeida Belo Horizonte UFMG 2010 ISBN 9788570417596

Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

63 Todo esse verso estaacute no acusativo

64 O que natildeo implica de maneira alguma que Estesiacutecoro use hexacircmetros em seus poemas uma vez que a longa estaacute no lugar que poderia ser ocupada por uma uacutenica breve havendo a possibilidade de gerar o padratildeo ‒‒ nunca admitido no hexacircmetro As relaccedilotildees satildeo vaacutelidas na diacronia apenas

65 Por exemplo Alceu fr 343

66 Por exemplo Safo fr 44

67 Nagy (1990 p 459) p 459 ldquoThe phraseology that constitutes the repertoire of hexameter I submit comes from the rhythmical frame of not only the dactylo-epitrite but also Aeolic metersrdquo contudo ele continua mais adiante (p 460) ldquophraseological patterns generate metrical patterns that then assume dynamics of their own and even regulate any incoming nontraditional phraseologyrdquo

68 Usado por exemplo por Arquiacuteloco em seus epodos

69 Korzeniewski (1968 p 33) p 33 ldquoDer durch die bukolische Dihaumlrese

wie eine Mikrostrophe gegliederte Hexameter ndash man koumlnnte an daktylischen Tetrameter + versus Adoneus) denken ndash zeigt bisweilen an den beiden Koloenden

eine Wortassonanzrdquo Esse arranjo meacutetrico com idecircntico fim-de-palavra entre o 4da e o ado eacute atestado de Tebaida Estesiacutecoro fr 222(b) PMGF de forma fragmentaacuteria no v 230 (vide abaixo) que responde ao v 209 onde natildeo haacute fim-de-palavra nessa posiccedilatildeo e de maneira completa no v 234 σὺν δrsquoἅμα Τειρ[ε]σίας

τ[ερασπό]λος | οἱ δrsquoἐπιθόντο Sobre isso Nagy (1990) e Haslan (1974 1978)

70 Cf pex Alceu fr 367 ἦρος ἀνθεμόεντος daggerἐπάιον | ἐρχομένοιο

71 Outro exemplo eacute Safo fr 105V

72 Os glicocircnios com expansatildeo coriacircmbica representariam um estaacutegio anterior na evoluccedilatildeo da fraseologia riacutetmica tanto porque o ferecraacutecio eacute uma forma derivada do glicocircnio tanto porque essa derivaccedilatildeo tem a ver com as pausas impostas por fim-de-palavra o que em uacuteltima anaacutelise poderia ter motivado a translaccedilatildeo de esquemas do tipo gli+cor para glic+dat e finalmente fer+dat Sobre isso cf Nagy (1990)

157Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

BAKKER E J Poetry in Speech Orality and Homeric Discourse Ithaca London Cornell University Press 1997

BARKER A Greek Musical Writings Volume 2 Harmonic and Acoustic Theory Cambridge Cambridge University Press 2004

BAUMAN R BRIGGS C L Poetics and performance as critical perspectives on language and social life Annu Rev Antropol v 19 p 59-88 1990

158Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

BROSE R D Epikomios Hymnos investigaccedilotildees sobre a performance dos epiniacutecios pindaacutericos 2014 Tese (Doutorado) FFLCHDLCV Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CORREcircA P D C Hamonia mito e muacutesica na Greacutecia antiga 2ordf Satildeo Paulo Humanitas 2008

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GENTILI B LOMIENTO L Metrica e ritmica Milatildeo 2003

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HASLAN M Stesichorean Metre Quaderni Urbinati di Cultura Classica v 17 p 7-57 1974

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HAVELOCK E A Prefaacutecio a Platatildeo Traduzido por Enid Abreu Dobranzky Campinas Papirus 1996

KIRK G S et al (eds) The Iliad A Commentary Cambridge Cambridge University Press v 3 The Iliad A Commentaryed 1993

KORZENIEWSKI D Griechische Metrik Die Altertumswissenschaft Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft 1968

MEILLET A Les Origines Indo-europeacuteennes des Megravetres Grecs Paris Les Presses Universitaires de France 1923

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NIDA E A Translating a text with a long and sensitive tradition In SIMMS K (Ed) Translating Sensitive Texts linguistic aspects Rodopi 1997 p 333 (Approaches to Translation Studies)

PAGLIARO A Aedi e Rapsodi In (Ed) Saggi di Critica Semantica Messina Florenccedila 1953 p3-62

SCHLEGEL A W Uumlber die Bhagavad-gita Traduzido por Maria Aparecida Barbosa In HEIDERMANN W (Ed) Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo alematildeo-portuguecircs 2ordf ediccedilatildeo revisada e ampliada Florianoacutepolis UFSCNuacutecleo de Pesquisa em Literatura e Traduccedilatildeo v1 2010 p120-127 (Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo)

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160Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

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THOMAS R Oral Tradition and Written Record in Classical Athens Cambridge Cambridge University Press 1989

______ Literacy and Orality in Ancient Greece Cambridge Cambridge University Press 1992

WEST M L Greek metre Clarendon Press 1982

______ Ancient Greek Music Oxford Oxford University Press 1992

ZUMTHOR P Introduccedilatildeo agrave Poesia Oral Traduzido por Jerusa Pires Ferreira Maria Luacutecia Diniz Pochat e Maria Inecircs de Almeida Belo Horizonte UFMG 2010 ISBN 9788570417596

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Robert de Brose

73 Hefeacutestiatildeo Manual de Metros 106 que classifica esse esquema entre os ldquoritmos contrastantesrdquo (ἀντισπαστικοί)

74 O final do verso estaacute faltando apoacutes o colchete mas pela anaacutelise da resposta meacutetrica com as outras estrofes que temos a coda soacute poderia assumir o formato mostrado

75 Tentei preservar a figura etimoloacutegica do original de capital importacircncia para toda a Iliacuteada entre o nome ldquoAqueusrdquo (Αχαῖοι Akhaicircoi) e o verbo ἀχεύω (akheacuteuō) Sobre esse relacionamento cf Nagy (1979)

76 Isto eacute os ventos Norte e Oeste a que Aquiles reza para que soprem sobre a pira de Paacutetroclo que ateacute entatildeo se recusava a queimar

77 Acerca desse tipo de anaacutelise que eu faccedilo aqui cf Bakker (1997) sobretudo os capiacutetulos 4 e 5

78 Ou ldquomultifamosordquo ou ambos o significado do composto eacute ambiacuteguo

Referecircncias

BAKKER E J Poetry in Speech Orality and Homeric Discourse Ithaca London Cornell University Press 1997

BARKER A Greek Musical Writings Volume 2 Harmonic and Acoustic Theory Cambridge Cambridge University Press 2004

BAUMAN R BRIGGS C L Poetics and performance as critical perspectives on language and social life Annu Rev Antropol v 19 p 59-88 1990

158Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Da Focircrma agraves Formas metro ritmo e traduccedilatildeo do hexacircmetro

BROSE R D Epikomios Hymnos investigaccedilotildees sobre a performance dos epiniacutecios pindaacutericos 2014 Tese (Doutorado) FFLCHDLCV Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CORREcircA P D C Hamonia mito e muacutesica na Greacutecia antiga 2ordf Satildeo Paulo Humanitas 2008

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FINNEGAN R Oral Traditions and the Verbal Arts A Guide to Research Practices Londres Routledge 19922003

FRAumlNKEL H Der homerische und der kallimachische Hexameter In (Ed) Wege und Formen fruumlhgriechischen Denkens 1955 p100-56

GENTILI B Poetry and Its Public in Ancient Greece From Homer to the Fifth Century Traduccedilatildeo por A Thomas Cole Baltimore and London Johns Hopkins University Press 1990

GENTILI B LOMIENTO L Metrica e ritmica Milatildeo 2003

GORKY M MAYAKOVSKY V MILLER A On the Art and Craft of

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HASLAN M Stesichorean Metre Quaderni Urbinati di Cultura Classica v 17 p 7-57 1974

______ The Versification of the New Stesichorus (P Lille 76 abc) GRBS v 19 p 29-57 1978

HAVELOCK E The Oral-literate equation a formula for the modern mind In OLSON D R e TORRANCE N (eds) Literacy and Orality Cambridge Cambridge University Press 1991 p11-27

159Cad Trad (Florianoacutepolis Online) V 35 n2 p 124-160 jul-dez2015

Robert de Brose

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Recebido em 15082015Aceito em 01102015

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