Democracia Cosmopolita Vs Política Internacional

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    DEMOCRACIA COSMOPOLITA VERSUSPOLTICA

    INTERNACIONAL

    Rafael Duarte VillaAna Paula Baltasar Tostes

    Desde a publicao da Paz Perptuade Kant, em 1795, umtema recorrente tem sido o da democratizao do sistemainternacional. Mas o que isso significa realmente? possvel

    deduzir o funcionamento do sistema de Estados de princ-pios e prticas prprias das democracias nos Estados nacio-nais? Face ao fenmeno da globalizao, colocam-se outrasquestes: qual o locusterritorial apropriado para a idiade democracia como prtica transnacional? Nos ltimos 20anos houve uma forte retomada dos enfoques que discutemas relaes entre democracia e sistema internacional. Emuma primeira linha de argumentaes podemos destacar osneo-idealistas, que tm retomado as teses da paz democr-tica em bases histricas contemporneas Michael Doyle(2000) tem-se transformado numa referncia importantenessa linha de pesquisa. Uma segunda proposio, que osci-la entre uma viso normativa e o comprometimento com umprojeto de hegemonia global estadunidense, tem declaradoo fim das ideologias, tendo a globalizao da idia democr-

    tica como ponto final das doutrinas polticas (Fukuyama,1989). Finalmente, uma terceira linha de argumentaestem enfatizado as bases transnacionais da democracia nos

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    efeitos da globalizao e na institucionalizao de um siste-ma democrtico global de governana. Dahl (1994), Held

    (1998) e Falk (1995), entre outros, podem ser relaciona-dos como autores que tm discutido esses trs temas. E nesse terceiro grupo que focamos a anlise neste artigo.O objetivo mostrar e tensionar os desconfortos, hipte-ses fortes e teses otimistas e/ou pessimistas que perpassamos vnculos entre o modelo westphaliano internacional desoberania, a democratizao do sistema internacional e asociedade civil internacional. Dividimos o artigo em cinco

    partes: na primeira recuperamos a discusso clssica sobredemocracia e relaes internacionais; na segunda tratamosdas relaes entre globalizao e democracia; na terceira,as tenses entre democracia (transnacional) e as novasnoes de representao; na quarta aprofundamos as ten-ses entre democracia e territorialidade estatal e, na ltima,mostramos os pontos crticos da viso celebratria da socie-

    dade civil internacional pregada pelas teorias cosmopolitasda democracia.

    Democracia e relaes internacionais na viso clssicaA viso do universalismo ou idealismo clssico kantiano fezda natureza poltica do regime republicano democrticoum elemento fundamental ou condio para o estabeleci-mento de uma ordem de direito internacional ou de uma

    paz que fosse perptua. Na Paz Perptua (1795), Kant sus-tenta a famosa hiptese de que Estados republicanos con-vivem em paz uns com outros. A discusso sobre a ausnciade conflitos blicos entre Estados democrticos o que nomundo acadmico das relaes internacionais passou a serconhecido como paz democrtica.

    Uma pergunta que incita debates normativos reaparece

    sempre: estaria Kant correto ao afirmar que as democraciasso fundamentalmente pacficas? Segundo Cardin (1999, p.2), a articulao da resposta a essa pergunta remete ao pr-

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    prio debate terico que envolve disputas axiomticas entre orealismo e o idealismo. O enfoque realista, como sabido,

    assume que certos atributos dos Estados so irrelevantes parauma eventual situao bilateral ou multilateral de paz e, paraalguns, fatores sistmicos constituem as melhores categoriasinterpretativas da realidade internacional. O realismo desta-ca que os elementos mais importantes da realidade interna-cional podem ser entendidos sem se levar em conta os dife-rentes regimes polticos internacionais, na medida em que,assim como a natureza humana egosta e imutvel, os Esta-

    dos jamais deixaro de ser expansionistas. Este pressuposto arespeito da natureza auto-interessada dos homens e das ins-tituies, e ainda da irreversibilidade do conflito como frutoda coexistncia entre atores, no deixa brechas para a defesada relao necessria entre regime poltico e paz.

    Diferentemente, defensores da perspectiva idealista deinspirao kantiana advogam que a histria tem demonstra-

    do de maneira convincente a inexistncia de guerras entredemocracias no sculo XX. Uma nova literatura sobre a pazdemocrtica tambm apresenta duas vertentes: a primeiradefende que os Estados democrticos so pacficos tantocom Estados democrticos quanto com Estados no-demo-crticos e, de acordo com a segunda vertente, s pode haverpaz perptua entre Estados democrticos. Huth & Allee(2002, p. 4-5) batizaram essas duas escolas de pensamen-

    to, respectivamente, de Monadic version of the democratic peace(verso mondica da paz democrtica) eDyadic version of thedemocratic peace(verso didica da paz democrtica).

    Para tentar corroborar ou refutar tanto uma versoquanto a outra, novos esforos de compreenso dessa velhadiscusso foram realizados tanto no plano terico quan-to no plano emprico embora, em ambos os casos, no se

    tenha atingido nenhuma concluso consensual na litera-tura. No plano terico, a premissa de que as democraciasseriam mais pacficas passou a ser especificada, para alm

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    da interdependncia econmica e da confiana mtua, apartir das normas e mecanismos polticos compartilhados,

    que facilitariam a resoluo de conflitos e restringiriam osenfrentamentos armados. Em uma abordagem localizadadessa paz democrtica assentada em normas e procedimen-tos, encontramos um conceito de comunidade pluralista desegurana (pluralistic security community), que seria constitu-da quando, em um certo territrio, seus habitantes atinjamum sentimento de comunidade, posse de instituies e pr-ticas fortes e disseminadas suficientemente para assegurar

    expectativas de mudanas pacficas no seio de sua popula-o. Nesse sentido, Canad e Estados Unidos constituiriamuma comunidade de segurana pluralstica, assim como osmembros da Unio Europia (Dominguez,1998, p. 12).

    Esse aspecto de normas comuns compartilhadas inci-ta, ento, a pergunta que buscamos enfocar: seriam asdemocracias predispostas paz, devido ao seu sistema de

    governo ou devido s suas identidades similares? Se ospases projetam em sua poltica externa a sua identidadenacional, pases com regimes polticos, sistemas econmi-cos, culturas e experincias histricas semelhantes, deve-ro se pautar em valores afins derivados de suas auto-ima-gens. Assim, auto-imagens convergentes mitigam os con-flitos entre os pases, enquanto identidades divergentes osestimulam, no sendo a ausncia de conflito exclusiva de

    democracias.Da mesma maneira, democracias podem no ser to

    homogneas a ponto de, no longo prazo, se tornarem maispropensas a conflitos de acordo com o grau de distancia-mento de seus regimes polticos e de suas sociedades. Essaquesto seria tanto mais premente conforme a expansode democracias por pases com culturas diversas da ociden-

    tal, em que se amplie a variedade de instituies e prticasdemocrticas de tal maneira que terminem por se afastar deseu modelo original liberal.

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    Historicamente, entretanto, sabemos que, desde Tuc-dides, em sua obra clssica Histria da Guerra do Peloponeso,

    o estudo das relaes internacionais lida com a permanen-te ameaa de guerra entre suas unidades, no caso, entreas cidades-estado gregas. Tambm desde esse livro h apresena, na teoria das relaes internacionais, da idiada democracia um demosque governa diretamente, algoocorrido em Atenas cerca de 5 sculos antes de Cristo. Nes-se sentido, Doyle acredita que Tucdides narra uma gran-de tragdia democrtica, pois a guerra do Peloponeso se

    desenvolve com o enfraquecimento progressivo de Atenas(Doyle, 2000, p. 23-24). Enquanto Tucdides inaugura a tra-dio realista das relaes internacionais (sem o saber, natu-ralmente), no mbito do liberalismo moderno que a demo-cracia voltar a ocupar um lugar de destaque. Democracia eEstado passam a buscar uma soluo comum para sua coe-xistncia na busca de organizaes polticas que modelem

    um mundo moderno. Naturalmente, o liberalismo clssicoaparece como sendo mais adequado esfera domstica, porse apoiar na defesa de direitos individuais, da propriedadeprivada e em um sistema de governo representativo.

    Nos sculos XIX e XX, porm, os liberalismos deBentham e de Wilson buscariam uma aplicabilidade dasidias liberais ao problema do convvio internacional. Essesautores acrescentaram assim um outro elemento importan-

    te ao universalismo democrtico kantiano: o poder da opi-nio pblica sobre os assuntos internacionais para assuntosfundamentais de interesse, tais como, desarmamento dosEstados, diplomacia aberta e implementao dos tratados. A teoria da harmonia dos interesses estava baseada nospressupostos do iluminismo, que previa uma razo capazde revelar a verdade e o bem. Segundo E. Carr (2001), a

    crena do sculo XIX na opinio pblica compreendia doispontos: o primeiro que a opinio pblica est fadada, nolongo prazo, a prevalecer. No segundo, que a opinio pbli-

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    ca estaria sempre certa (Bentham). Acrescentava-se a issoa idia de que um esprito cultivado na educao de seus

    sentidos e de suas paixes seria capaz de discernir entre ocerto e o errado. Prescrevia-se que os governantes tentariamutilizar os melhores e mais justos dos critrios diplomticospara no se expor ao julgamento da opinio pblica. Noentanto, para um realista como Carr, o expansionismo semlimites da dcada de 30 e o fim da Liga das Naes mostra-riam claramente a punio dessa utopia.

    Os realistas elitistas contemporneos acreditam que o

    padro ideal de relaes internacionais aquele no qualapenas um grupo especializado teria acesso s decises pol-ticas, pois se deve evitar a influncia da opinio pblica porestar sempre submetida a paixes e manipulaes, alm dapresso de interesses setoriais (Fonseca, 1998, p. 111). Essapostura se v refletida tambm na passagem de Tocquevilleque sugere que a dificuldade das democracias est em buscar

    realizaes de objetivos permanentes e levar adiante sua exe-cuo. Assim, alm dos assuntos de guerra e paz, a democra-cia como forma de governo tambm estaria ligada ques-to da eficincia na conduo da poltica externa. Por essarazo, para Tocqueville, a democracia considerada incom-patvel com a participao prudente na poltica internacio-nal, como se pode conferir em suas palavras:

    A poltica exterior no exige o uso de quase nenhumadas qualidades que so convenientes democracia, e pelocontrrio determina o desenvolvimento de todos aquelesque lhe faltam. A democracia favorece o crescimentodos recursos interiores do Estado; propaga o conforto,desenvolve o esprito pblico; fortifica o respeito pelalei nas diferentes classes da sociedade, coisas que s tm

    influncia indireta sobre a posio de um povo perante ooutro. Mas a democracia s dificilmente poderia coordenaros detalhes de uma grande empresa, deter-se num propsito

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    e depois segui-lo obstinadamente atravs dos obstculos. pouco capaz de combinar medidas em segredo e de esperarpacientemente os seus resultados. So essas qualidades quepertencem mais particularmente a um homem ou a umaaristocracia. Ora, so precisamente essas qualidades que,afinal, vm a fazer com que um povo, como indivduo, acabepor dominar. (Tocqueville, 1998, p.177)

    No mbito domstico, esse debate remonta mais umavez sabedoria ou ignorncia das massas, estas que seriam

    governadas pela razo e pela prudncia como pensam os ilu-ministas, ou pela manipulao, fora e interesse logo, pro-pensas a enganos e guerra. As massas seriam lentas paraas tomadas de deciso, pela seqncia de procedimentosnecessrios, principalmente na reao a ameaas externas.Alm disso, as massas seriam tambm instveis ou passveisde manipulao, segundo alguns realistas. Nincic (1992)

    discorda dessas crticas realistas democracia no sentido deque elas pressupem que o debate democrtico restringiriaa eficcia da poltica externa, porque os cidados e polticosno saberiam como defender o interesse nacional, quando,na verdade, o que aconteceria que os processos democr-ticos redefiniriam o interesse nacional e ampliariam seusobjetivos para alm da mera sobrevivncia.

    Outra preocupao referente s democracias seria que a

    incapacidade de falar com uma s voz prejudicaria as nego-ciaes internacionais. Entretanto, o trabalho seminal dePutnam (1993), em que aplicada a teoria da barganha snegociaes internacionais, demonstra que a presso internadas democracias, longe de ser um sinal de fraqueza, pode seruma fonte de poder ao sinalizar aos negociadores do outropas que no sero aceitas concesses. Caso os lderes do pas

    democrtico ou do outro pas com o qual esse negocia nolevem em considerao a opinio pblica, o acordo simples-mente no se sustentar.

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    Finalmente, outra contenda da paz democrtica dizrespeito relao entre o pblico interno das democracias

    e a responsabilidade institucional (institutional accountabili-ty)1. Se os cidados de uma democracia fossem realmentemenos inclinados a arcar com os custos materiais das guer-ras e mais avessos a qualquer perturbao quanto aos seusnegcios privados, no veramos, tantas vezes, os prprioscidados e eleitores clamarem pela guerra. A vigilncia dadiplomacia por parte dos cidados e o fim dos acordos secre-tos no foram eficientes antdotos contra a belicosidade dos

    governantes, como acreditavam Kant e Woodrow Wilson.Por exemplo, em 1993, Chile e Peru assinaram a Conven-o de Lima para solucionar todas suas disputas fronteiri-as, porm a explorao do acordo pela oposio forou opresidente peruano Alberto Fujimori a retirar o tratado devotao por medo de ser derrotado em sua campanha pelareeleio (Dominguez, 1998).

    Essa sensibilidade do pblico domstico a concessesterritoriais parece ser to importante quanto suposta relu-tncia das democracias ao uso da fora, sendo ambos osfatores que constituem os custos de audincia (audiencecosts) a serem considerados pelos lderes em pases demo-crticos (Huth, 2002, p. 12-13). Por causa disso, algunsespecialistas, como Dominguez, acreditam que as demo-cracias exibem uma tendncia ao status quo, dificultando

    tanto a escalada de conflitos armados, como a assinaturade acordos de paz e de consolidao de fronteiras (Domin-guez, 1998, p. 24).

    Ao contrrio da perspectiva realista, Bobbio otimista edefende a necessidade da democratizao do sistema inter-nacional. Sua hiptese que a democratizao do sistemainternacional tambm um problema do Estado nacional.

    Isto porque, se as democracias so mais pacficas, a paz inter-

    1. Cf. Huth (2002), p. 8-9.

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    nacional dependeria da extenso progressiva dos Estadosdemocrticos. Ou seja, o crescimento dos Estados democr-

    ticos levaria o sistema internacional a ser mais democrtico.Entretanto, na realidade poltica contempornea, difcilestabelecer uma relao causal entre regimes domsticosdemocrticos e sistema internacional. Tomemos, por exem-plo, condutas polticas que so incoerentes com os prin-cpios que inspiram seus sistemas polticos internos: EUAapoiando ditaduras na Amrica Latina, sia ou frica, aomesmo tempo em que construam democracias na Europa

    e o Japo; ou a URSS apoiando o movimento de descolo-nizao, ao mesmo tempo em que esmagava movimentospolticos nos seus estados satlites. Por esse descompassoexemplificado historicamente, os realistas sugerem, apro-priadamente, que no existe uma necessria correspondn-cia entre a natureza de um sistema poltico domstico e suaagenda de poltica externa pois esta seria sempre expan-

    sionista e estratgica. De outra forma, h uma diferena cla-ra entre poltica domstica e poltica externa que se susten-ta no pressuposto do egosmo dos atores que coexistem noambiente anrquico internacional.

    Globalizao versusdemocraciaOutra viso sobre a democratizao do sistema interna-cional parte de uma reflexo normativa sobre a interaoe integrao de trs fatores: sistemas polticos nacionaisdemocrticos, globalizao e governana internacional. Deacordo com essa verso de Held (1991; 1996), as teorias dasdemocracias deveriam levar em conta tambm falhas quea democracia liberal no foi capaz de processar: as condi-es para a possibilidade de uma participao poltica, asformas de controle democrtico e o escopo democrtico do

    decision-making. No entanto, existe outro lado da democracialiberal que requer especificaes mais detalhadas. O proble-ma da democracia alm das fronteiras e o impacto que esse

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    problema tem sobre os conceitos nucleares da democraciacomo legitimidade e consenso.

    O primeiro problema apontado por Held (1996) a defasagem ou incongruncia entre as decises nacio-nais e suas conseqncias extranacionais. A teoria liberalda democracia assume uma simetria e congruncia entredecision-makingpoltico e os cidados-eleitores. E este umprocesso que visa funcionar em bases nacionais porm ofenmeno da regionalizao e da globalizao e seus nveisde interdependncia contestam questes-chave da teoria da

    democracia contempornea. A comunidade nacional notoma decises que afetam unicamente essa comunidade egovernos no tomam decises que afetam s a seus prprioscidados. Alm disso, sabemos que o fenmeno da regiona-lizao e da globalizao e seus nveis de interdependnciadesmontam a teoria da congruncia.

    A inadequao da idia de congruncia se visualiza

    melhor quando vamos ao corao de outro argumento dateoria democrtica: a idia de que o consentimento legi-tima os governos e o sistema estatal. Isto , o mecanismopelo qual os indivduos expressam suas preferncias pol-ticas e os cidados, como um todo, conferem autoridadeaos governantes para habilitar direito e regular a vida eco-nmica e social. Segundo, o princpio da regra da maioria,ou o princpio de que as decises tomadas pelo nmero

    maior de votos a raiz da deciso poltica legtima. Porm,a idia do consentimento atravs das eleies e a idia deque os constituintes relevantes de um acordo voluntrio soas comunidades de um territrio passa a ser problemticaquando consideramos os nveis de interconexo regional eglobal. Assim, a idia de comunidade relevante ampla-mente contestada. Que consentimento necessrio em

    decises concernentes AIDS, chuva cida, entre outros?A quem deveriam ser prestadas as contas? As implicaesdisto so desconsideradas no somente pelas categorias de

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    consentimento e legitimidade, mas tambm por qualquerteoria da democracia sobre a natureza do constituinte, o

    significado de representao, a forma e escopo da participa-o e a relevncia do Estado-nao.Em relao globalizao, Held (1995) observa um

    paradoxo: da frica Amrica Latina, mais e mais naesreivindicam a idia do governo do povo, exatamentenuma poca em que os nveis de interconexo ou inter-dependncia o questionam. Isso leva a pensar numa novaagenda para a democracia. Diferentemente de teses como

    a de Kant, que compreende que o regime poltico nacio-nal levaria a uma estabilizao do sistema internacional oude Bobbio, segundo Held (1995), o que existe de novo que a teoria democrtica teria que dar conta da mudanade significado da democracia dentro da ordem global e doimpacto da ordem global no desenvolvimento das associa-es democrticas.

    A verificao do contexto da globalizao, do seu proces-so de intensificao e de suas conseqncias para o exercciode uma democracia no sistema internacional pressupe umacompreenso mais ampla das conseqncias do apareci-mento de atores no estatais e da proliferao da atuao deagentes sociais no mbito transnacional. Novas instituies,naturalmente, pressupem novas frmulas de participao ede democracia que ainda no esto resolvidas.

    Durante a maior parte do sculo passado, intelectuaisde diferentes procedncias e diversas orientaes ideol-gicas desejaram, previram ou trabalharam pela dissoluodo Estado (Strange, 1992). Todavia, o Estado permanece,ainda que modificado. Ao mesmo tempo em que foco depresses do mercado internacional, da financeirizao daeconomia, da globalizao no setor da comunicao e do

    crescimento dos atores no estatais no cenrio internacio-nal, o Estado parece tentar se fortalecer e se manter comounidade institucional ainda indispensvel, mesmo redimen-

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    sionado no seu papel e nas formas de exercitar e de legiti-mar a sua autoridade. por causa disso que, em diversas

    reas de pesquisa (cincias sociais, poltica, economia, direi-to etc.), o interesse atualmente se volta para as mudanasdo Estado, em particular para as instituies atravs dasquais um novo Estado pode ganhar legitimidade e eficin-cia. Segundo a perspectiva internacionalista de Hedley Bull(2002), por exemplo, assim como os Estados sempre foramatores privilegiados nas relaes internacionais, no pos-svel imaginar que estes deixariam de ser. Entretanto, se

    preciso rever o papel dos Estados e as condies e limites desuas instituies, preciso ainda rever o alcance da ao dassociedades civis e a eficincia das regras do jogo democrti-co diante das novidades polticas trazidas pelo processo deintensificao da interconexo entre os povos, os Estados eos mercados.

    Desde o fim do sculo XX, em especial, foram-se desen-

    volvendo, alternando e acumulando vrios tipos novos deatores, foras de influncia e de coero no convvio inter-nacional, tais como: foras religiosas, o mercado mundial,o capital internacional, as atividades industriais territorial-mente dispersas, as organizaes internacionais, os blocoseconmicos, ONGs, enfim, instituies internacionais emgeral que, muitas vezes, estabelecem limitaes adicio-nais s opes prticas disponveis soberania dos Estados

    (Joseph & Falk, 1992, p. 252-253). Charles Tilly (1996, p. 48)inclui nesses casos, destacando certa continuidade histrica,a existncia de organizaes ou redes mundiais de negociantes demercadorias caras e ilegais, como drogas e armas foras margi-nais de influncia que variam com a histria, mas que, defato, sempre existiram. O que disto se conclui, em primeirolugar, que os Estados dificilmente poderiam ser os nicos

    atores a ditar regras de convvio ou princpios valorativos nasociedade internacional, mas o sistema contemporneo ain-da est baseado em formalismos institucionais e jurdicos

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    que deixam um espao intocvel para o poder dos Estadossoberanos.

    A dcada de 80 foi marcada por um otimismo a respeitodo fenmeno do esgaramento das fronteiras (de comuni-cao, de bens, de capital, de poder), como se isso pudessecontribuir para uma aproximao dos povos de modo majo-ritariamente positivo. Entretanto, vimos presenciando que ascondies contemporneas de interdependncia e globali-zao no trouxeram necessariamente uma agregao pacfi-ca ou uma integrao solidria entre as culturas e os diversos

    sistemas econmicos. Houve at mesmo um desenvolvimentoparalelo de fatores de excluso, de desagregao em algunssetores e ainda novos modos de dominao. A ordem e adesordem se alternam nos comportamentos dos atores inter-nacionais num contexto de reordenao do sistema mundial.Novos movimentos antidemocrticos surgem, reaparecem osantigos xenofobismos, guerras nacionalistas e religiosas etc.

    mas, em meio a tudo isso, vem-se os pases ricos do Ociden-te baseando suas decises polticas em razes econmicas.Esse aumento da interdependncia, interconexes e

    influncias recprocas no mbito da convivncia interna-cional extrapolou o setor da economia, principalmente naltima dcada, com a acelerao e facilitao do acesso stecnologias de comunicao, atingindo assim amplos seto-res da vida social o que tem sido chamado de intensifi-

    cao da globalizao. Com esta ltima expresso, o quese pretende enfatizar a aceitao da idia de que a socie-dade dos Estados sempre foi globalizada em algum grau.Segundo Paul Singer, apesar de ter sofrido algumas inter-rupes e retrocessos ocasionais, nada fez com que a inter-nacionalizao sumisse por um longo perodo, pois desdeos dois sculos anteriores s grandes navegaes, os laos

    comerciais entre os grandes imprios do continente asiticoe a periferia europia no fizeram mais que se intensificar[...] (Singer, 1997, p. 39.) Ou seja, as grandes navegaes

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    surgiram com as novas tecnologias navais, mas, sem elas, ainterconexo entre os Estados j existia.

    Nesse contexto global surgem vrias crises e desconfor-tos na utilizao de certas definies do Estado e de seusatributos. Um dos grandes conceitos da poltica que ficaem questo o da soberania. O que acontece com a supre-macia dos Estados nessa conjuntura de interconexes pol-ticas, econmicas e sociais? E o que pode ocorrer com asupremacia da vontade popular diante do estreitamento derelaes intergovernamentais e formao de organizaes

    supranacionais baseadas em razes puramente econmicasde desenvolvimento e competio?

    Diante de uma riqussima literatura que visa tratar dotema da crise da soberania ou crise do Estado, encontra-mos numa reflexo feita por Charles Beitz (1991) um percur-so satisfatoriamente seguro para sistematizar os argumentosa respeito das mudanas que de fato ocorreram no alcance

    do poder dos Estados e das relaes entre eles. Em resumo,Beitz trata de alguns dos principais novos temas que povoama literatura sobre as novas caractersticas das relaes inter-nacionais contemporneas. O autor afirma que a partir doexerccio externo da soberania dos Estados contemporneosque surgem suas novas dimenses problemticas: o problematerico (ou normativo), o problemapoltico (ou institucional)e oproblema legal (ou jurdico). Segundo Beitz, refletir sobre a

    crise da soberania implica refletir sobre essas trs dimensescrticas, que se referem respectivamente aos problemas doconceito de soberania, da crise do Estado-nao(que a orga-nizao institucional soberana privilegiada) e da crise dosmecanismos coercitivos modernos internacionais que, por seremprioritariamente pacficos, envolvem o direito internacional.Estes trs problemas esto implicados na soberania, de modo

    que preciso reconhecer que h mltiplas faces da crise doestabelecimento e da organizao do poder poltico diantedas transformaes mundiais.

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    A democracia (transnacional) e a representaoEm ensaio publicado em 1994, Robert Dahl dedica-se aos

    novos aspectos da democracia contempornea e descreveum novo dilema que se refere aos problemas da democraciatransnacional. Segundo Dahl, as grandes transformaeshistricas da democracia esto sempre relacionadas a umamudana em escala. As dimenses e o alcance do poder dapolityso os principais fatores transformadores dos Estadose, no caso da Unio Europia, os problemas do seu dficitdemocrtico2 refletem o novo dilema democrtico3: [...]

    a capacidade de os cidados exercerem controle democrti-co sobre as decises do governo versusa capacidade de o sis-tema responder satisfatoriamente s preferncias coletivasde seus cidados (idem, p. 28)4.

    Na mesma linha de David Held, Dahl considera o pro-blema do alargamento das fronteiras polticas como um fen-meno que implica mudanas substantivas na reflexo sobre

    as novas condies e restries da realizao da democraciacontempornea, j que se espera uma maior capacidade deadaptao da democracia nacional (esfera estatal) demo-cracia transnacional (arena extra-estatal ou interestatal).

    As fronteiras de um pas, mesmo as de um pas to grandecomo os Estados Unidos, tornaram-se menores que os

    2. Expresso popularizada pela mdia e pela literatura que faz referncia aos proble-mas democrticos da Unio Europia, que ficaram mais evidentes desde o Tratadode Maastricht (tratado acordado entre 1991 e 1992, que decidiu as metas da Uniopoltica da Comunidade Europia que entraram em vigor em novembro de 1993).

    3. Na primeira consulta popular na Dinamarca, quanto ratificao do Tratado deMaastricht, o resultado foi negativo, e s aps algumas modificaes impostas pelaDinamarca para a sua adeso Comunidade Europia que, com nova consulta,a populao aprovou a incorporao do tratado. Dahl destaca a importncia destareao do povo dinamarqus.

    4. [...] the ability of the citizens to exercise democratic control over the decisionsof the polity versus the capacity of the system to respond satisfactorily to the collec-tive preferences of its citizens.

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    limites das decises que afetam significantemente osinteresses fundamentais de seus cidados. A vida econmica,o meio-ambiente, a segurana nacional e a sobrevivnciade um pas so altamente e provavelmente cada vez maisdependentes de atores e aes que esto fora das fronteirasde um pas, e no diretamente sujeitos ao seu governo(Dahl, 1994, p. 26)5.

    Na verdade, Dahl distingue trs momentos que funcio-nam como marcos histricos para se compreender as gran-

    des transformaes da democracia poltica que colaborampara a reflexo sobre as dificuldades em conceber-se a UEcomo uma ordem democrtica. O primeiro deles o pr-prio aparecimento do sistema democrtico, ocorrido naprimeira metade do sculo V a.C. na Grcia, quando cida-des-estados no democrticas (tipicamente aristocrticas,oligrquicas, monrquicas ou mistas) se transformam em

    democracias diretas.A segunda transformao da democracia como um sis-tema se deu a partir do surgimento dos Estados nacionais,que passaram a exigir uma democracia em grandes dimen-ses,em comparao s cidades-estados gregas, que erampequenas organizaes polticas. O significativo aumentodas dimenses da democracia, que se d com o surgimentodas democracias nacionais, passa a exigir a representao. A

    democracia (ou o governo do povo) deixa, ento, de serdireta, passando a ganhar caractersticas diferenciadas, tor-nando-se representativa.

    5. The boundaries of a country, even one as large as the United States, have be-come much smaller than the boundaries of the decisions that significantly affect

    the fundamental interests of its citizens. A countrys economic life, physical envi-ronment, national security, and survival are highly and probably increasingly de-pendent on actors and actions that are outside the countrys boundaries and notdirectly subject to its government.

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    Atualmente, sabe-se o quanto a democracia representa-tiva tem um custo de governabilidade e isto j est previsto

    e aceito no seio das sociedades nacionais como conseqn-cia natural da descentralizao do poder e da sua sobrecar-ga. Ou seja, h sempre uma discrepncia entre a capacida-de dos cidados e instituies civis de demandar ao dospoderes pblicos e a capacidade de resposta ou ao eficazdo Estado democrtico representativo (Bobbio, 1988). Portudo isso, faz parte dos procedimentos democrticos umacerta demora na resposta, resultante da complexidade dos

    recursos que visam a uma satisfao consensual (que, emltima instncia, deve estar respaldada sempre no devido pro-cesso legal). Em um contexto democrtico contemporneo,valores como oprocedimentoe asformas institucionaisque doao cidado comum acesso ao poder poltico institudo sofundamentais para a realizao de um Estado democrtico.Esse poder se traduz numa bateria de direitos democrticos,

    como o direito de demandar e de esperar resposta do Esta-do sobre qualquer conflito de direitos, o direito decisojusta (porque baseada no processo legtimo de pedido e res-posta da prestao jurisdicional do Estado), o direito parti-cipao na constituio das instituies representativas etc.

    Segundo Dahl (1994), atualmente, estamos vivendo aera da terceira grande transformao das dimenses demo-crticas: a era da transnacionalidade da poltica. Diante

    do aumento das dimenses territoriais pode-se perderdemocracia, ou melhor, desde a democracia direta grega,foram-se perdendo as melhores condies de realizao dademocracia devido s necessrias adaptaes s proporesgigantescas do governo e das dificuldades no controle dopoder. Todo o processo burocrtico, que torna morosa aresposta do Estado representativo democrtico, visa garan-

    tir a legitimidade da ao poltica, assim como algum poss-vel controle das instituies que se colocam como interme-dirias entre os cidados e o governo. Um mundo globali-

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    zado pressupe que a participao e o controle democrti-cos tornem-se cada vez mais difceis, distantes, ineficientes,

    inacessveis devido ainda a mltiplas influncias e vias decoercitividade. Por isso preciso se repensar os mecanismosde participao na democracia contempornea no maisdireta, no mais nacional representativa, mas transnacional.Ou seja, na medida em que o poder poltico profunda-mente interconectado em redes complexas de influnciasde foras, citando David Held, Dahl endossa a necessidadede reafirmao do problema da representao que tambm

    deve acessar essas redes transnacionais de participao econtrole. Nesse contexto, surge a necessidade de reconstru-o institucional dos espaos democrticos. A democraciade dimenses transnacionais requer um novo aparato insti-tucional que deve ser diferente, em muitos aspectos, e talvezradicalmente diferente, das instituies polticas familiares democracia representativa (Dahl, 1994, p. 27).

    Essa terceira grande transformao da democracia vemocorrendo desde que os atores tradicionais do sistemainternacional, os Estados, foram perdendo condies decontrole de sua autonomia poltica, econmica, social e cul-tural. A realidade globalizada exigiu dos Estados aes coor-denadas, associao e integrao com novos atores e forasque surgiram no mbito das relaes internacionais: o capi-tal internacional, as atividades industriais dispersas territo-

    rialmente, as organizaes internacionais, blocos econmi-cos, ONGs e instituies internacionais em geral, que estabe-lecem limitaes adicionais s opes prticas disponveis soberania dos Estados (Joseph e Falk, 1992, p. 252-253).

    O fato que tais transformaes no mundo das relaespolticas implicam mudanas, por exemplo, na concepode participao dos cidados. Segundo Dahl, pode-se com-

    parar tal perda ou eroso do controle da politypeloscidados da democracia transnacional atual com o que sedeu na passagem da democracia direta para a representa-

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    tiva. No contexto da globalizao, os Estados no so maisindependentes para definir suas estratgias polticas e, alm

    disso, os cidados perderam o controle sobre algumas aespolticas que definem o rumo dos Estados. Decises impor-tantes so tomadas, muitas vezes, fora do mbito estatal eisto traz conseqncias para a democracia e para a repre-sentao. Os mecanismos de controle dos cidados sobre osseus representantes nos processos constitucionais eram, atento, considerados razoavelmente satisfatrios; entretanto,a globalizao tem produzido novas estratgias de associa-

    o poltica em moldes sofisticados de institucionalizao,alm do surgimento de blocos econmicos em geral e ocaso atpico da integrao europia.

    A democracia, a territorialidade e a soberaniaAtores polticos e religiosos, foras de influncias variadase outros mecanismos de dominao externa sempre afeta-

    ram o exerccio da autoridade dos Estados, guardadas asdiferenas quanto s dimenses e aos meios. As sadas dosmodelos absolutistas, primeiro na Inglaterra (com a revolu-o gloriosa, de 1688) e um sculo depois na Frana (coma revoluo de 1789), so sempre marcadas pela invenode instituies democrticas e pela diviso de funes dasoberania. Mas importante destacar que a noo de umexerccio absoluto do poder s abandonada na instnciado exerccio interno do poder poltico, ou seja, nas relaesdomsticas, territoriais ou nacionais; enfim, naquela esferade autoridade que se pretende exercer sobre uma socieda-de de homens. Entretanto, paralela s sociedades nacio-nais aparece a defesa da idia de uma sociedade interna-cional, ou seja, um conjunto de Estados (cujos governosso reconhecidos como sendo legtimos e soberanos) que

    pretendem conviver como uma sociedade que escolhe apaz no lugar da guerra de todos contra todos. Os tratadosde Westphalia do sculo XVII apareceram no momento em

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    que os Estados comearam a se reconhecer reciprocamentecomo igualmente soberanos, interna e externamente6.

    Essa foi a principal base da construo do que passa a serchamado de ordem de Westphalia, ou seja, uma ordem pacficaem que a regra o respeito mtuo igualdade soberana. Aigualdade jurdica no seio da sociedade internacional nadamais do que uma rplica da igualdade formal das teoriasliberais de Estado, ou seja, todos os indivduos devem ter osmesmos direitos dentro de uma sociedade7. Uma espcie dedemocracia formal se pretende instituir a partir dessa regra

    de igualdade soberana, pois assim pequenas Repblicas noso Estados menos soberanos do que um poderoso Reina-do ou vice-versa. Buscou-se com isso preservar o respeitos fronteiras e autonomia quanto ao modo de gesto daspolticas nacionais, desde que sejam utilizados instrumentoscoercitivos legitimamente reconhecidos como sendo demo-crticos.

    Essa igualdade soberana propiciaria a necessria inde-pendncia dos Estados, uns em relao aos outros, assimcomo a insubordinao a qualquer autoridade externa.Este um princpio de ordem que busca mecanismos mni-

    6. A distino entre soberania externa e soberania interna, cara ao direito inter-nacional, existe desde a Idade Mdia, pois o exerccio interno do poder semprese referiu a uma certa autonomiana livre regulao de interesses. Atualmente isto

    se revela pelo direito de auto-organizao legislativa, administrativa e judiciria. Ja soberania externa sempre aparece como um aspecto negativo (Cunha, 1993,p. 61) da soberania, ou seja, significa a no sujeio do poder de outro Estado ououtra instncia social qualquer, marcando com isso a independnciadaquele quefor considerado assim soberano. Dentre os principais direitos do Estado, que sereferem a sua soberania externa se destacam: o de ajustarem tratados ou conven-es, o de legao ou representao diplomtica, o de fazer a guerra e a paz, o deigualdade e respeito recproco junto sociedade internacional.

    7. Na realidade, tal concepo de igualdade dos Estados foi introduzida no direitointernacional por Vattel (Le Droit des Gens, publicado primeiramente em 1758).Inspirado na noo de um estado de natureza em que os homens so iguais o au-tor concluiu que os Estados so tambm livres e iguais, no mbito da convivnciainternacional. No Segundo Tratado do Governo Civil, de 1690, Locke j fazia conside-raes ao poder natural dos Estados no seio das suas relaes externas.

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    mos de democracia. Entretanto, sabemos que, assim comoocorre nos Estados de princpio liberal e democrtico, a

    igualdade social no garantida juridicamente em organi-zaes que respeitam o princpio da liberdade individual.No ambiente internacional, ento, o mximo que seria rea-lista levar discusso, seria a busca de correes sobre osespaos de participao e representao.

    Se a ordem de Westphaliaestabeleceu o triunfo da igual-dade jurdica e soberana dos Estados, porque se verifi-cou que havia um interesse generalizado entre os pases

    europeus pela paz naquele momento e que tal interesseera compatvel com um modo de convvio internacionalque estabelecia uma aparente anarquia na sociedade deEstados. J que a nova regra era a da no sujeio a qual-quer fora ou poder externo, a excluso dos atores exter-nos e de seus poderes na conduo das polticas nacionaisfoi considerada a principal caracterstica do modelo de

    ordem internacional que se estabelecera. Entretanto,nem sempre o mundo das aes e dos comportamentosdos atores (nacionais e internacionais) manteve uma refe-rncia fiel s normas, aos ideais e aos princpios de condu-ta estabelecidos e aceitos. Apesar de a hegemonia quan-to razo jurdica dos Estados aparecer na modernidadecomo um grande plano estratgico de exerccio do poder,e passar a fixar as formas modernas de coercitividade e de

    segurana, o fato que os Estados soberanos democrticoscontinuaram a praticar violaes e intervenes na polticadomstica alheia.

    Se a soberania precisa ser repensada num contexto deefetividade das foras globais de influncia e de poder, possvel questionar se a ordem de Westphaliaj foi altamenteinstitucionalizada. Ou seja, antes que se discuta a crise do

    sistema de Estados e a crise do respeito soberania interna-cional, preciso verificar se as regras de convivncia entreos Estados foram ininterruptamente respeitadas e se os

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    princpios democrticos da poltica internacional so con-dizentes com os comportamentos de certos atores interna-

    cionais como as grandes potncias mundiais. A regra dano-interveno, por exemplo, a que mais sofre conces-ses e excees. Leis de Estados mais poderosos tm justi-ficado atos de violao de princpios da ordem de Westphaliainvocando normas alternativas como ilegitimidade de regi-mes revolucionrios ou segurana nacional, por exemplo.O que se v no universo da poltica externa uma prolife-rao de alegaes de defesa da ordem justificando atos de

    interferncia e interveno na autonomia domstica de pa-ses livres e soberanos. So mltiplas as excees e de difciljustificativa. Ainda que essas se fundamentem na defesa dedireitos universais como os direitos humanos, como pos-svel conferir poder de interveno a Estados igualmentesoberanos, uns sobre outros?8

    Por tudo isso, so muitas as dimenses problemticas

    da soberania e necessrio sistematizar o tratamento dotema para que seja possvel uma reflexo crtica sobre asmudanas provocadas pelas novas demandas polticas emum mundo globalizado. Segundo Beitz (1991), as dimen-ses crticas fundamentais do exerccio da autoridade sobe-rana, em primeiro lugar, se referem ao exerccio externo dopoder dos Estados. Em segundo lugar, podem-se agrupar osinmeros debates sobre os problemas crticos da soberania

    em trs grandes focos. Existe uma crise da soberania comoconceito o que ser soberano atualmente? Existe umacrtica soberania enquanto instituio, ou seja, no sentidode uma regra geral que deve inspirar a conduta dos Estados,implicando, por exemplo, o respeito igualdade entre eles.E, finalmente, a soberania est em crise quanto aos seusaspectos jurdicos j que a supremacia poltica moderna

    8. Para saber mais sobre o tema, p. ex., Krasner, 1999.

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    prprias relaes sociais tm encontrado canais desvincu-lados dos espaos territoriais. A Internet propicia acesso a

    dados, informaes e instituies; comunicao distncia,assim como a realizao de negcios, conferncias, trocasde experincias, idias, influncias etc.; enfim, traz a possi-bilidade de novas relaes sociais e comerciais. Assim, nos os Estados, mas tambm indivduos e instituies, subgru-pos, microidentidades, idias, culturas, tendncias de com-portamentos, tm ampliado o alcance do poder de influen-ciar e de ser influenciado independentemente das redes

    polticas e sociais organizadas a partir dos Estados. Ademais,a perda da importncia da territorialidade como processoprivilegiado de demarcao de fronteiras e distncias, logodelimitadora de espaos de atuao poltica, leva os Estadosa buscarem novos padres de agenciamento de foras, deao poltica e da capacidade de organizao de interesses eassociaes. Finalmente, toda essa tecnologia incorporada

    nas novas articulaes econmicas e financeiras, propician-do uma atuao eficiente de setores da economia que nodependem da estrutura do Estado. Tudo isso parece apon-tar para uma crise da ordem de Westphalia.

    No difcil concluir que os princpios da ordem de Wes-tphaliatm sofrido concretas concesses e modificaes nombito das relaes internacionais9. Do mesmo modo, os

    9. Segundo McGrew (1997), os princpios da ordem de Westphalia, tais como se tmdesenvolvido nos ltimos trs sculos, so quatro: i) territorialidade, que o princ-pio central da organizao poltica moderna, j que sempre houve a necessidadeda existncia de fronteiras territoriais para a definio de limites de jurisdiolegal e a conseqente demarcao da extenso da autoridade coercitiva; ii) so-berania, como sendo a ltima fonte de autoridade poltica e legal sobre o povodentro de um territrio determinado e para fora dele; iii) autonomia, princpioque atribui, nica e exclusivamente, ao Estado a capacidade de conduzir suas rela-es polticas internas e externas. Desse modo, s aos Estados compete a decisosobre a concesso de poder ou a subjugao a uma autoridade externa; iv) e, por

    fim, a legalidade, que significa que as relaes entre Estados soberanos podem estarsujeitas a leis internacionais, apenas na medida em que cada Estado consinta emser compelido. No podendo haver, portanto, autoridade legal acima do Estadoque possa impor obrigaes legais sobre ele ou sobre os cidados.

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    princpios e prticas fundamentais democracia liberal,como a representao e a cidadania (que esto associados

    a instituies do Estado-nao territorial soberano) tmencontrado excees. Nesse contexto, tornaram-se pro-blemticas categorias como legitimidade, consensoe demaisidias bsicas das teorias democrticas como a amplaparti-cipaopoltica, a identificao da natureza da base poltico-territorial do processo poltico (constituency), a necessidadeda responsabilidade e do controle das decises polticas(accountability) etc. (Held, 1991, 1996).

    Os atuais pressupostos das teorias democrticas se uni-versalizaram ao longo dos sculos XIX e XX, quando, nocentro da teoria da democracia liberal, se postulou a rela-o simtrica e congruente entre os outputs(as medi-das polticas ou decises em geral) dos responsveis pelasdecises polticas (os representantes) e os interesses dosque recebem essas decises, ou seja, os cidados eleito-

    res (Held, 1991). O procedimento escolhido e aceito paratal operao foi a regra da maioria, e foram sempre asfronteiras territoriais que determinaram a incluso ou aexcluso dos cidados que participam das polticas repre-sentativas. A democracia moderna s se tornou conhecidasob a forma do Estado-nao e a partir da organizao deprincpios de poder e de responsabilidade delimitados porum territrio. Entretanto, autores como Held (1991) e Dahl

    (1994) despertam para o fato de que uma das conseqn-cias da transnacionalizao da poltica a necessidade de sereavaliar a prpria idia de governo como consentimen-to voluntrio de pessoas livres e iguais, pois desde o sur-gimento do Estado representativo moderno o consentimentofoi um princpio indiscutvel do governo legtimo. Mas ainterconexo dos Estados e da poltica faz surgir a dificul-

    dade de se verificar, atualmente, a alegada legitimidade daao poltica pela via do consentimento. No apenas por-que se perdeu uma delimitao precisa do espao poltico

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    privilegiado de onde saem as decises e para onde estasdevem se voltar, mas principalmente porque h uma com-

    plexa rede de instituies que interagem no jogo poltico,impulsionados por interesses e clculos racionais.Assim, a perda da perspectiva da territorialidade est

    relacionada com o exerccio legtimo da soberania dosEstados e com a democracia representativa. Segundo Held(1991; 1996), o remapeamento de aes entrecruzadas depoder no se enquadra na clssica distino entre o exerc-cio interno e externo da soberania do Estado. O autor acre-

    dita que a soluo para a legitimidade democrtica diantedessas novas demandas de poder est em criar novas ofer-tas de participao, novos espaos de exerccio dos direitoscivis, de modo que se faa uma interconexo tambm docontrole democrtico.

    A soluo para uma nova conceituao de fronteiradada por Kratochwill (1986) parece ser a forma mais efi-

    ciente para se traar atualmente trajetrias para o exercciodo poder e da influncia coercitiva de um Estado. Segundoo autor, mais importante para a soberania dos Estados, atu-almente, no o poder que se identifica sendo exercidonas suas fronteiras territoriais ou a partir delas, mas, sim nassuas fronteiras funcionais. Assim, segundo o autor, conti-nua a ser possvel identificar-se uma fronteira poltica, des-de que no levemos em conta aspectos meramente fsicos

    ou concretos na anlise do exerccio do poder. o alcancee a influncia de um Estado nas suas relaes internacionaisque so determinantes, atualmente, da fora e do poder deum Estado e da sua capacidade de crescimento e desenvol-vimento. Conseqentemente, preciso se verificar as con-dies para a criao de mecanismos de participao e deidentificao nos novos espaos de ao poltica. Isso nos

    remete a examinar o debate sobre as relaes entre socieda-de civil internacional e democracia.

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    Democracia, relaes internacionais e sociedade civilNa outra ponta do debate, a problemtica das relaes

    entre democracia e relaes internacionais tem-se concen-trado nas tenses entre espaos deliberativos nacionais etransnacionais, o que implicaria pensar, no s na perspec-tiva normativa, a estruturao de uma sociedade civil inter-nacional.

    Os tericos da democracia cosmopolita tem chamadoa ateno para o fato de que os desdobramentos tecnol-gicos, econmicos e culturais da globalizao redimensio-

    nam as funes do Estado, funes essas que se deslocampara outras instituies e minam a soberania estatal, masde outro lado tambm geram polticas de solidariedadeentre movimentos sociais e outros grupos de presso comoONGs. Nessa direo esclarecedor o conceito de globa-lizao desde baixo de Richard Falk (1995), que associaa globalizao com um refrescante ativismo transnacional

    que marca o nascimento da sociedade civil global. Os te-ricos da democracia cosmopolita, como David Held (1996;1998), preocupados com os impactos da globalizao sobreas instituies democrticas liberais, tm defendido que asociedade civil internacional (ou global) um ponto departida para se repensar a natureza da democracia liberalnum mundo globalizado (1995; 1998). Os trabalhos deHeld pretendem dar resposta a uma falha da democracia

    liberal: como pensar a democracia liberal em bases transna-cionais? O projeto normativo do autor o desenvolvimentode um conceito de democracia cosmopolita, que encon-traria sustentao histrica em arranjos institucionais, taiscomo a Organizao das Naes Unidas. Mas certamente,pensar a democracia liberal em bases transnacionais, ouseja, para alm das fronteiras territoriais nacionais, signi-

    fica pensar o impacto que esse desdobramento tem sobreos conceitos centrais da democracia como legitimidade erepresentao.

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    Nessa direo, a preocupao de David Held a defa-sagem ou incongruncia entre as decises nacionais e suas

    conseqncias extranacionais e seus argumentos podem serresumidos assim: a teoria liberal da democracia assume umasimetria e/ou congruncia entre decision-makerspolticos eos cidados eleitores. Um problema que tensiona essa sime-tria que a comunidade nacional, atravs de seus represen-tantes, toma decises que acabam afetando tanto a seuscidados como aos cidados de outros pases. A deciso deconstruir uma usina nuclear prxima da fronteira com outro

    pas uma deciso, por exemplo, que pode afetar a vida demilhares de pessoas alm das fronteiras nacionais. O quequer responder Held : como fazer para que as sociedadesde outros pases participem de decises que, em princpio,parecem confinadas ao mbito nacional? Como evitar a des-politizao de decises globais, que na verdade deveriampressupor um demostransnacional capaz de decidir?

    Held aponta que a sociedade civil internacional estariadeslocando o locusda soberania nacional para organizaesinternacionais, tais como a ONU, onde poderia estar repre-sentada a imaginria sociedade civil internacional. Assim,acabaria, de um lado, colocando em questo a autoridade domodelo westphaliano e, de outro, revertendo a perigosa des-politizao gerada pela globalizao. Held concebe, contudo,que em arranjos cosmopolitas e institucionais, a sociedade civil

    internacional conviveria com os Estados nacionais, porm tam-bm atribui sociedade civil o importante papel da fiscaliza-o democrtica do mundo westphaliano dos Estados nacio-nais. Semelhante aos intelectuais wilsonianos da dcada de 20do sculo passado, ao atriburem opinio pblica o papelde fiscalizao dos acordos e tratados entre Estados nacionais.De outro lado, num evidente exagero de seu pressuposto nor-

    mativo, os movimentos sociais transnacionais seriam tambmimportantes mediadores entre as instituies da governanacosmopolita e do correspondente demoscosmopolita.

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    Somando-se s teorias celebratrias liberais, Held aindadestaca que a sociedade civil internacional agiria como um

    muro democrtico contra a falta de prestao de contas e detransparncia das instituies de governana. Diante dessecenrio terico, perguntamos: quais so os problemas dessaviso celebratria da sociedade civil internacional ou global?

    A idia de comunidade democrtica, seja ela nacionalou cosmopolita, traz tona, certamente, noes tais como adeterminao de uma fonte de legitimidade, consentimentoe constituency. Aqui aparece o primeiro problema no explici-

    tado pelas teorias cosmopolitas de Held. Nas relaes entresociedade civil e democracia, os agentes da sociedade civilno podem escapar das seguintes perguntas crticas: quemso os constituintes da sociedade civil internacional? Comosua atuao pode ser considerada legtima? A quem remetesua representao? Como pode ser feita sua accountability?

    Quando admitimos que a democracia, seja na sua for-

    ma processual, seja na forma de democracia substantiva, um critrio universal para legitimar a ao de um atorindividual ou coletivo na arena pblica, ao observarmos aatuao do ator pblico transnacional social, com certapreocupao que percebemos que ainda os critrios dademocracia (mesmo os minimalistas), no so aplicveis atuao dos agentes da sociedade civil internacional. Emoutras palavras, mesmo quando estes atores se proclamam

    representantes de interesses societais nacionais ou transna-cionais, no se conhecem casos nos quais uma assembliade cidados nacionais ou globais proceda eleio dessesgrupos ou movimentos para agir como delegados ou repre-sentantes, com mandato imperativo ou livre, em nome deuma sociedade local ou transnacional.

    Para entender esse dficitdemocrtico ainda no cober-

    to pelos movimentos sociais ou ONGs com pretenses derepresentar interesses sociais globais, um primeiro aspecto aconsiderar o seguinte: de que modo se articula o impera-

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    tivo do pluralismo democrtico e as diversidades de deman-das levantadas por esses atores no-estatais (Urquidi, 2000).

    Em princpio, sabe-se que o que se pretendeu com a demo-cracia moderna consolidada no locus do Estado-nao foi aintegrao da diversidade social por meio de mecanismosde representao que garantissem a participao e influn-cia poltica da sociedade sobre a qual o Estado governaria.Props-se a composio de um governo para uma sociedadeque compartilhasse a identidade e valores, em que as dife-renas pudessem se apresentar e ser representadas. E que

    a diversidade pudesse ser mediada e coexistir num regimecapaz de reconhecer o pluralismocomo resultado naturalda decomposio da comunidade e do desenvolvimentoda individuao. Mesmo reconhecendo que no haveriauma homogeneidade social, a democracia representativamoderna no foi pensada para organizar politicamente acoexistncia multicultural, nem a heterogeneidade tempo-

    ral de formas produtivas, por exemplo, mas para construirum Estado-nacional, cuja condio de xito seria a constru-o ou produo de uma nova homogeneidade ou culturanacional sobre as diversidades das culturas locais. A pergun-ta que se segue a essas afirmaes quase bvia: como que a democracia transnacional cosmopolita poderia atin-gir essa promessa no cumprida da democracia liberal?

    Paradoxalmente, os movimentos e organizaes sociais

    e seus intelectuais celebratrios, ao tentarem se afastar daaparelhagem da democracia representativa correm o riscode perder uma ferramenta legitimada histrica e socialmen-te como procedimento de escolha da autoridade e de dele-gao de poder. Nesse contexto, adquire sentido a perguntasobre os critrios de legitimidade da ao dos atores pbli-cos da sociedade civil internacional. Na verdade, se temos

    que procurar uma fonte da autoridade e de legitimida-de de uma sociedade civil de carter internacional, aqueladeveria ser procurada antes em critrios contingenciais ou

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    em carter no institucionalizado, que no correspondemaos padres histricos da democracia formal ou representa-

    tiva reconhecendo-se que isto pode ser perda e no ganhoem termos de realizao democrtica. A fonte de legitimi-dade da sociedade civil internacional deveria ser procuradano carter quase dramtico do debate no qual se articulam,isto , nas respostas societais globais que apresentam, face osdesequilbrios sistmicos gerados por fenmenos tais comoa globalizao dos problemas ecolgicos e crise humanit-ria. Em outras palavras, a legitimidade parece ser atingida

    pela ao e no pelo procedimento que investe autorida-de antes da ao; essa ao se concretiza de modo mais efi-ciente quando os agentes da sociedade civil internacionalreagem queles desequilbrios que afetam os aspectos debem-estar, da economia, da sade, da identidade cultural eda qualidade de vida dos cidados em todo o planeta. Soestes os fenmenos para os quais o Estado-nacional e os pro-

    cedimentos democrticos no tiveram resposta imediata, aomesmo tempo em que a prtica dos ativismos transnacio-nais e da institucionalizao internacional no pde esperara teoria. O carter mais flexvel da resposta da assim cha-mada sociedade global e de seus mecanismos de atuaoem rede acaba de fato imprimindo rapidez na resposta efaz parecer legtima a ao de grupos transnacionais sociais,desde que seus resultados sejam notoriamente reconheci-

    dos como legtimos.De outro lado, a globalizao de processos como meio

    ambiente, direitos humanos, direitos raciais, de gnero,entre outros, sugere tambm o surgimento de novas cate-gorias de direitos para os quais a unidade poltica territo-rial democrtica tem uma resposta lenta, porque a veloci-dade na demanda supera amplamente a velocidade e efic-

    cia com que gerada a resposta nacional. Alis, a lentidodemocrtica muito prpria das sociedades e dos sistemaspolticos nacionais que operam sob seus pressupostos, j que

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    os procedimentos e as regras so garantidores da democra-cia. Bobbio designa bem esse preo pago pelas democracias

    como sobrecarga, ou seja, custoso agir democraticamen-te, e a demora na soluo das demandas se d em funo doexcesso de demandas diante da lentido e dificuldades doEstado democrtico em responder a elas (Bobbio, 1988).

    ConclusoDeve-se atentar que o Estado nacional democrtico no a unidade errada para resolver e dar resposta s deman-das geradas pelos problemas que decorrem da colocaode direitos que podem ser compreendidos como trans-nacionais. Trata-se sim de reconhecer que a natureza dademanda est em mudana, de local para transnacional,e nisso os representantes estatais so unidades polticasmenos flexveis na resposta, mas absolutamente necessrios democracia. Tanto que a forma no-institucionalizada de

    atuao dos agentes da assim chamada sociedade civil inter-nacional, diante da ausncia de um mecanismo formal querecubra de legitimidade sua atuao, um flanco abertopara crticas severas. O ponto crtico no que esses grupostransnacionais societais estabeleam novos critrios de legi-timidade mas, precisamente, o ponto crtico a ausnciade tais critrios.

    Um outro aspecto para o qual se deve atentar queo dficitde legitimidade entre diferentes agncias no inte-rior da sociedade civil internacional mais acentuado emalgumas do que em outras, quando consideramos sua rela-o com os Estados. Parece claro que a procura de meioslegtimos uma preocupao menor entre as ONGs do queentre os movimentos sociais transnacionais. Isso um sinalde que o Estado-nacional democrtico ainda fundamental,

    porque longe de ser algo circunstancial ou contingencial,a legitimidade dos agentes da sociedade civil internacionalcontinua intimamente conectada ao critrio da soberania

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    e ao modelo de autoridade do governo poltico moderno,isso por vrias razes:

    Em primeiro lugar, porque o que chamamos de socie-dade civil internacional no gerou regras democrticasprprias ainda. Quando sua ao se alimenta de regraspreexistentes, recorre aos critrios normativos nacionaisou internacionais existentes; em segundo lugar, porque nasua viso otimista, os tericos da democracia cosmopolitaignoram que algumas das demandas da sociedade civil sinstituies (nacionais ou internacionais) so mediadas por

    atores estatais; por ltimo, porque nem toda atuao dosagentes da sociedade civil internacional se d em oposio defesa e interesse dos Estados nacionais democrticos. Emmuitos casos as ONGs aceitam reforar as capacidades doatores governamentais com instrumentos existentes abaixodo nvel estatal. Com orientaes mais pragmticas do queideolgicas, alguns movimentos sociais buscam reformas

    institucionais que ampliem o sistema de participao deseus membros no processo de tomada de deciso. O que seconstata que, antes de assumir uma situao antagnicaem relao ao Estado, a demanda por maior participaoou autonomia de ao das ONGs fora uma postura de opo-sio e contestao dos formatos tradicionais de representa-o de interesse, que abrange inclusive partidos polticos eorganizao sindical, alm do Estado

    Nesse contexto, reconhecemos que permanece umcerto grau de ambigidade na ao de alguns agentesda sociedade civil internacional, j que o fato de eles noserem governamentais no significa que no sejam polti-cos, dado que sua atividade carregada de conseqnciassobre a comunidade poltica existente. O problema quepoucas ONGs e, s vezes, alguns movimentos sociais, esto

    dispostos a reconhecer a responsabilidade poltica e ticaque deriva da participao ou da busca de interferncia emuma comunidade poltica (o que necessariamente envolve

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    defesa das fontes e critrios da accountabilityde um grupo).H casos de movimentos sociais que tm aceitado as impli-

    caes da natureza poltica de sua atividade, e nesses casos,a sociedade civil internacional pode ser considerada umpossvel sitede um progressivo mundo poltico internacio-nal e sua base seria dada, no por uma sociedade civil emabstrato, mas por movimentos sociais que tm mais fontesde legitimidade do que outros que falham ao identificarsuas fontes ou no se interessam pelas fontes tradicionais(Cols, 2002, 157-60).

    Cabe uma crtica final s teorias da governana global eda democracia cosmopolita. Consideramos que a globaliza-o, ao contrrio do que pensam intelectuais como RichardFalk, no cria necessariamente vnculos solidrios entremovimentos sociais. Estes tendem muito mais a dissolver-seno ambiente globalizado do que se enlaarem. Em lugar deconseguir uma universalizao efetiva, a globalizao vem

    desencadeando particularismos, endurecidos nacionalis-mos contidos, acentuando o fundamentalismo de valoresnum movimento de desfiliao universal e de filiao par-ticularista (Zaki,1994, p. 67).Alm disso, possvelfazeralgumas objees tericas idia de democracia cosmopoli-ta, face ao seu otimismo com o projeto tico da sociedadecivil internacional.

    Em primeiro lugar, ao questionar a legitimidade do

    Estado como o principal depositrio da autoridade, ostericos da democracia cosmopolita subestimam a neces-sidade da democracia estar enraizada em comunidades defato, ou seja, comunidades que realmente governam, quedeterminam o futuro e continuam sendo o locusdos direi-tos (Cols, 2002, p.157).

    Em segundo lugar, colocando de lado o formato de

    autoridade do Estado-nao (como se no fosse mais efi-caz), tais teorias arriscam a reificao da sociedade civil(seja local, regional ou global) como a principal esfera da

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    deliberao. A premissa de Held de que, sob condies deglobalizao, o conceito de poder poltico legtimo tem que

    ser separado da tradicional associao com os Estados, levaa uma concluso apressada de que os limites nacionais noso mais satisfatrios para responder s demandas transna-cionais e isso corresponderia ao surgimento de uma esfe-ra pblica global genuinamente democrtica. Entretanto,ainda que os Estados j fossem ineficazes, nada garantiriauma correspondente eficcia de uma esfera no estatal dedeliberao democrtica, ou sequer a possibilidade de sua

    constituio. Contrariamente, o que verificamos que umafirme garantia contra os perigos da explorao e alienaoglobalista repousa no fortalecimento do Estado democrti-co nacional. Claro que, com isso, no resta qualquer mrito ambio cosmopolita de transcender a diviso artificial dahumanidade em Estados nacionais, pois cabe lembrar quehistoricamente a sociedade civil tem emergido e se desen-

    volvido sob os eixos de um legtimo e extensivo Estadodemocrtico (Cols, 2002).Alm disso, no discordamos do ideal de paz e solida-

    riedade e sim da efetividade de um projeto que subestimaa capacidade de resilincia do Estado nas relaes interna-cionais. Como afirma Gilpin (2001), melhor seria se os ricospretendessem distribuir sua riqueza aos pobres, mas assimcomo se d nas relaes econmicas domsticas, as relaes

    internacionais tm se mostrado semelhantes quanto ao fatode que os Estados poderosos no so generosos, no se tor-naram solidrios nem esto pretendendo abrir mo de seupoder e soberania. A conseqncia disso que eles tmse capacitado para orquestrar relaes transnacionais demodo eficiente, alm de estarem aproveitando muito bemos novos recursos de poder propiciados pela globalizao,

    ao mesmo tempo em que a impulsionam. Nesse contexto,porm, novos mecanismos de representao no se mos-traram ainda seguramente democrticos, mas muitas aes

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    transnacionais tm influenciado o poder estatal10. Assim,tanto para o mal na luta por poder, mas tambm para o

    bem da democracia, o Estado permanece. O cosmopolitis-mo continua a ser um valor, e no entanto o problema pare-ce radicar na subestimao do lugar estratgico da sobera-nia estatal face aos objetivos da democracia cosmopolita,inclusive porque o reconhecimento do poder dos Estadosinteressa tambm democracia.

    Em sntese, pensar a democracia em bases transnacio-nais no parece s questionar a fonte da legitimidade esta-

    tal para referendar democraticamente arranjos normativose institucionais pensados alm da fronteiras, mas tambm aprpria legitimidade dos agentes que questionam sua legiti-midade, ou seja, os movimentos sociais e atores no estataistomados como os atores mais genunos do projeto tico desociedade civil.

    Rafael Duarte Villa professor do Departamento de Cincia Poltica da Univer-sidade de So Paulo

    Ana Paula Baltasar Tostes professora-visitante no Departamento de Cincia Polticada Universidade de So Paulo

    10. Podemos destacar o papel importante dos atores no estatais na aprovao

    do Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, ou dos ativismostransnacionais em casos de desenvolvimento sustentvel, direitos humanos, violn-cia contra as mulheres e ndios, por exemplo, relatados por autores como MariaGuadalupe Moog Rodrigues (2004) e Keck & Sikkink (1998).

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    Resumos /Abstracts

    DEMOCRACIA COSMOPOLITA VERSUSPOLTICA

    INTERNACIONALRAFAEL DUARTE VILLA E ANA PAULA BALTASAR TOSTES

    O objetivo deste artigo mostrar os pontos de tenso, as hip-

    teses fortes e as teses otimistas e/ou pessimistas que perpas-

    sam os vnculos entre o modelo westphaliano internacional

    de soberania, a democratizao do sistema internacional e a

    sociedade civil internacional. O artigo examina as seguintes

    questes: na primeira, recupera-se a discusso clssica sobredemocracia e relaes internacionais; na segunda, trata-se

    das relaes entre globalizao e democracia; na terceira, as

    tenses entre democracia (transnacional) e as novas noes

    de representao; finalmente, mostram-se os pontos crticos

    da viso celebratria da sociedade civil internacional pregada

    pelas teorias cosmopolitas da democracia.

    Palavras-chave: Democracia Cosmopolita; Relaes Internacio-nais; Representao; Estado-Nacional

    COSMOPOLITAN DEMOCRACY VERSUS INTERNATIONAL

    POLITICS

    This paper intends to show the points of tension, strong hypothesis, and

    optimistic and/or pessimistic thesis which go through the connections

    between the Westphalian international model of sovereignty, the

    democratization of the international system, and the international

    civil society. This article examines the following issues. First, we review

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    Resumos /Abstracts

    the classical debate about democratization and international relations.

    Second, we address the relations between globalization and democracy.

    The third part is dedicated to the tensions between transnationaldemocracy and new notions of representation. Finally, we pin-point

    the critical aspects of the celebratory vision of the international civil

    society, as advocated by the cosmopolitan theories of democracy.

    Keywords: Cosmopolitan Democracy; International Relations;

    Representation; Nation-State.