Disputas Acerca Da Arte

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O problema de saber como definir um qualquer conceito, tem sido uma das tarefas filosóficas mais proeminentes. O mesmo acontece na filosofia da arte, onde o problema de definir "arte" tem tido um lugar privilegiado. Houve mesmo quem defendesse que se não conseguíssemos definir um conceito, não poderíamos aplicá-lo correctamente.

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  • Disputas acerca da arte Clia Teixeira

    1. Introduo

    O problema de saber como definir um qualquer conceito, tem sido uma das tarefas filosficas mais proeminentes. O mesmo acontece na filosofia da arte, onde o problema de definir "arte" tem tido um lugar privilegiado. Houve mesmo quem defendesse que se no consegussemos definir um conceito, no poderamos aplic-lo correctamente. E, consequentemente, se no consegussemos definir o conceito de "arte", distinguindo os objectos que pertencem extenso deste conceito dos que no pertencem, no poderamos saber como aplic-lo correctamente. A ideia que subjaz este tipo de posio, a de que as obras de arte (o.a.), e s as o.a., possuem determinadas propriedades que as distinguem dos restantes objectos. As teorias que defendem isto so as chamadas teorias essencialista. Chamam-se essencialista, porque defendem a existncia de propriedades essenciais, propriedades estas que distinguem os objectos que as possuem de todos os outros. Deste modo, o objectivo das teorias essencialistas em relao definio de arte, o de descobrir quais as propriedades essenciais que as o.a. e s as o.a. possuem. As definies consistem num conjunto de condies necessrias e suficientes, que permitem determinar com toda a acuidade, quais os objectos que pertencem extenso de "arte". A diferena entre condies necessrias e suficientes muito simples: as condies necessrias so aquelas que todas as o.a. tm de possuir, mas que no chegam para as identificar como tal; as condies suficientes, so aquelas que chegam para determinar um objecto como o.a., pois todas as o.a. e s as o.a. as possuem. Por exemplo, uma condio necessrias para ser filsofo, saber pensar criticamente, mas isso no basta para que algum seja filsofo. Contudo, ser filsofo, uma condio suficiente, para ficarmos a saber que essa pessoa sabe pensar criticamente. Como iremos ver, as teorias essencialistas no conseguem concretizar o objectivo a que se propem. Estas vo apresentar problemas tanto no que diz respeito s suas bases filosficas, como na sua aplicao prtica. E logo, o problema de definir arte continua por resolver. Mas, outras propostas de definio da arte tiveram lugar, assim como propostas de que no possvel definir arte por se tratar de um conceito aberto.

    O meu objectivo caracterizar as vrias teorias que tiveram uma palavra a dizer sober a natureza da arte e a possibilidade da sua definio. Iremos comear pelas teorias mais fracas, isto , aquelas que apresentam uma menor capacidade explicativa, progredindo em direco melhor teoria acerca da natureza da arte. Assim, iremos culminar com a teoria simblica de Goodman que, apesar de no procurar responder questo de saber como definir arte, vai-se constituir como a nica teoria satisfatria capaz de superar todas as dificuldades encontradas nas teorias anteriores.

    2. Teorias Essencialistas

    Como vimos, a tese que subjaz a todas as teorias essencialistas a existncia de propriedades essenciais que distinguem as o.a. dos restantes objectos que no so o.a. A ideia que est por detrs disto bastante intuitiva. Se usamos a palavra "arte" para designar um to variado nmero de objectos, porque deve de existir algo de comum a todos eles. Assim sendo, basta estudarmos todas as o.a. para destacar as propriedades que tm em comum. Ao fornecermos uma definio de arte iremos descrever a essncia ou natureza ltima da arte, assim como fixar o significado da palavra "arte". Estas propriedades so descritas em termos de condies necessrias e suficientes, e assim, para determinarmos se um objecto ou no uma o.a., basta recorrermos definio e ver se as suas condies so ou no satisfeitas.

    So vrias as objeces feitas e este tipo de teorias, mas estas podem ser agrupadas em dois nveis: quanto s suas bases tericas e quanto sua aplicao prtica. O primeiro nvel de objeces diz respeito a todas as teorias essencialistas. Resumidamente, as objeces so: em primeiro lugar, errado pressupor que para definirmos algo tenhamos de conhecer a sua essncia, pois existem muitos gneros de definies, como as definies nominais, ostensivas, implcitas, etc., em que tal no requerido; em segundo lugar, falso que s possamos conhecer o significado de uma palavra se fornecermos uma definio, afinal nunca ningum forneceu uma definio explcita de "vermelho", isto , em termos de condies necessrias e suficientes, e todos ns, em princpio, sabemos distingui um objecto vermelho de outro de cor diferente; tambm no o caso que o uso de uma palavra ("arte") garanta a existncia de uma propriedade nica que lhe corresponda e que todos os objectos que ela designe a possuam, pois, o modo como designamos os objectos puramente arbitrrio, seno no faria sentido a existncia de vrias lnguas, e em particular de vrias palavras para designar o mesmo objecto (por exemplo, "gato" e "cat", designam o mesmo animal); por ltimo, mesmo que todos os objectos tenham uma propriedade em comum, nada nos garante que essa propriedade determinasse a caracterstica mais importante; por exemplo, um quadro de Renoir e os meus apontamentos da cadeira de esttica tm em comum certas cores, mas da no se segue que essa seja a caracterstica mais importante desses objectos. Estas objeces tm sido amplamente debatidas, mas, a meu ver, a refutao ltima da possibilidade de fornecermos uma definio de arte de tipo essencialista, encontra-se na anlise de Moris Weitz que iremos estudar mais adiante.

    Quanto ao segundo nvel de objeces, relativo aplicao prtica das definies propostas, acaba por ser o mais devastador, uma vez que atesta o insucesso de todas as definies essencialistas. No iremos alongar-nos neste estudo, basta dizer que nenhuma teoria at hoje conseguiu satisfazer o objectivo a que se propunha, isto , fornecer uma definio onde as propriedades seleccionadas como essenciais estivessem presentes em todas as o.a. e ausentes de todos aqueles objectos que no so o.a. O que se

  • verificou que todas as propostas feitas ou pecavam por excesso, mostrando-se demasiado latas abrangendo coisas que no so o.a., ou pecavam por defeito, mostrando-se demasiado restritas excluindo coisas que so o.a.

    3. Teorias Esttico-Psicolgicas

    Uma vez frustrada a esperana de fornecer uma definio em termos de propriedades intrnsecas das o.a. e que s as o.a. possussem, dada a diversidade de o.a., pensou-se construir uma definio centrada no sujeito, pois pode ser que objectos diferentes provoquem experincias com algo comum. Assim, defendeu-se que se pudssemos encontrar uma caracterstica comum a todas essas experincias causadas pelas o.a., designadas por experincias estticas, poderamos construir uma definio de arte baseada na caracterstica especfica dessas experincias. Muitos filsofos propuseram definies deste gnero, mas por questes de brevidade apenas iremos estudar a proposta de Clive Bell. Esta escolha no arbitrria, baseia-se no facto de este ser o proponente mais discutido na literatura filosfica da rea, tornando-se assim uma referncia obrigatria nestas matrias.

    Podemos dividir a teoria de Bell em trs teses: (1) a afirmao da existncia de uma emoo peculiar distinta de qualquer outra, a saber, da emoo esttica; (2) a afirmao de que as o.a. e s as o.a. provocam essa emoo esttica; e (3) a concluso de que a forma significante o que h de comum a todas as o.a. A primeira tese, sendo uma afirmao emprica, tem de ser refutvel se pretende constituir-se como uma tese sria. A segunda tese tambm uma afirmao emprica mas de uma relao causal, e logo tambm tm de ser refutvel. Esta pressupe o essencialismo, e vai relacionar (1) com (3), permitindo derivar a forma significante da emoo esttica. Uma passagem do artigo "The Aesthetic Hypothesis" de C. Bell resume a estrutura do seu argumento:

    O ponto de partida de todos os sistemas da esttica deve ser a experincia pessoal de uma emoo peculiar. Aos objectos que provocam essa emoo chamamos obras de arte. Todas as pessoas sensveis concordam em que h uma emoo peculiar provocada pelas obras de arte. [ ...] Esta emoo chamada a emoo esttica; e se pudermos descobrir uma qualidade comum e peculiar a todos os objectos que a provocam, teremos resolvido o que eu considero ser o problema central da esttica. Teremos descoberto a qualidade essencial de uma obra de arte, a qualidade que distingue as obras de arte das restantes classes de objectos. [ ...] Qual essa qualidade? [ ...] S uma resposta parece possvel a forma significante [ ...] [ Isto ,] uma combinao de linhas e cores (tomando o preto e o branco como cores) que me provoca uma emoo esttica.

    [ Bell, The Aesthetic Hypothesis, pp. 6-12]

    Bell comea por afirmar que possvel distinguir uma emoo esttica peculiar diferente das outras emoes, como medo, alegria, etc. De seguida, passa a afirmar que podemos verificar que os objectos que causam

    essa emoo esttica so as o.a. e s as o.a. Finalmente, conclui dizendo que o que comum e peculiar s o.a. e que provoca essa emoo esttica a forma significante.

    Como vimos, a argumentao de Bell contm uma tese de tipo essencialista, e por isso sujeita a todas as objeces levantadas s teorias essencialistas. Contudo, muitos mais problemas se podero levantar sua teoria. Em primeiro lugar, a sua argumentao muitas vezes criticada por ser circular. Essa circularidade consiste em afirmar por um lado, que o que provoca a emoo esttica a forma significante, e por outro, que a forma significante aquela caracterstica que todas as o.a. possuem e que provoca a emoo esttica. Mas, mesmo que no levemos em conta esta circularidade, podemos fazer uma crtica mais fundamental, colocando em causa a prpria existncia de uma emoo especificamente esttica. Contudo, isto no possvel dada a forma como Bell formula a sua teoria. Por exemplo, se eu digo que no tenho qualquer emoo esttica perante uma o.a., ou que no distingo qualquer emoo peculiar, Bell pode responder dizendo que no sou uma pessoa sensvel, pois "todas as pessoas sensveis concordam em que h uma emoo peculiar [ ...] a emoo esttica" [ Bell, "The Aesthetic Hypothesis", pp. 6-7]. Mas, esta fuga refutabilidade que torna a teoria de Bell pouco credvel. Pois, como j dissemos, qualquer teoria que tenha consequncias empricas tem de estar sujeita a contra-exemplos e no pode imiscuir-se refutabilidade com o prejuzo de por em causa a sua prpria credibilidade. E uma vez que a sua teoria no pode ser refutada, tem a consequncia de tambm no poder ser corroborada. Alm disso, uma vez que o objectivo de qualquer definio equipar-nos com os instrumentos necessrios para que em caso de dvida possamos verificar, mediante as propriedades prescritas pela definio, se o objecto em causa pertence ou no extenso da definio, ao colocar essa deciso em critrios puramente subjectivos, uma vez que a experincia esttica caracterizada com base em estados psicolgicos que so privados, no nos vai permite qualquer tipo de deciso inequvoca. E logo, uma m definio.

    Outro problema com a teoria de Bell, que em consequncia dos exemplos por ele fornecidos de objectos que no provocam qualquer emoo esttica, acaba por se comprometer com a existncia de objectos que usualmente designamos como o.a., mas que no so o.a. segundo a sua definio. E isto parece gerar um paradoxo, pois afirma a existncia de o.a. que no so o.a. Contudo, o paradoxo deixa de existir se levarmos em conta os dois usos da palavra "arte": o valorizativo e o classificativo. O que acontece com a definio de Bell, que ele est, claramente, a fazer um uso valorizativo do termo "arte", o que elimina o paradoxo o que ele pretende mostrar com os seus exemplos a existncia de o.a. que so de m qualidade. Mas, apesar de eliminado o paradoxo, a sua teoria fica com o problema de no ter respondido ao propsito que se propunha responder, isto , construir uma definio de arte que permitisse distinguir os objectos que so o.a. daqueles que no so (uso classificativo de o.a.), e no uma definio de arte que permitisse distinguir as o.a. boas das ms (uso valorizativo de o.a.). Por tudo

  • isto, podemos concluir que, mais uma vez, ficamos sem uma boa definio de arte.

    4. Teorias da indefinibilidade da Arte

    Todos estes fracassos na procura de uma definio de arte vo levar a que alguns estetas passassem a olhar o problema de outra forma. Assim, em vez de pugnarem por uma definio, deslocam as suas preocupaes para a questo meta-esttica de saber se a questo "o que arte?" faz sentido. O filsofo que mais se destacou nesta anlise, considerado hoje uma autoridade na matria, foi Morris Weitz. Por questes de brevidade iremos apenas estudar a teoria proposta por este autor.

    A ideia principal que est por detrs da teoria de Weitz, assim como de todas as teorias da indefinibilidade da arte, a de que a arte no pode ser definida, no por uma impossibilidade factual em acomodar debaixo da mesma definio objectos to diversos, mas sim por uma impossibilidade lgica que tem a ver com as regras de aplicao do termo "o.a.", o que se poder concluir pela mera anlise dessas regras.

    Weitz vai buscar s noes de jogo, semelhana de famlia e deconceito aberto de Wittgenstein a inspirao para a sua teoria. Apesar de Wittgenstein introduzir estas noes com a inteno de refutar a ideia de que a tarefa da filosofia a de apreender a essncia da linguagem, estas vo ser adaptadas por Weitz para refutar a ideia de que a arte pode ser definida em termos de condies necessrias e suficientes que apreendam a essncia da arte. Mas vejamos em que consiste a adaptao destas noes para a esttica.

    Por conceito aberto entende-se aquele conceito para o qual no podemos fornecer condies necessrias e suficientes de modo a especificar quais os objectos que pertencem extenso desse conceito. O conceito de jogo vai ser usado como paradigma de um conceito aberto. A ideia que se considerarmos um conjunto de jogos, por exemplo, futebol, xadrez, pacincias, etc., descobrimos que eles no tm nenhuma caracterstica em comum, e assim que no existe nenhuma caracterstica necessria (e muito menos suficiente) para que algo seja considerado um jogo. O que acontece que um jogo pode compartilhar um conjunto de propriedades com outros jogos ao passo que outro pode compartilhar um outro conjunto de propriedades. Assim, a nossa deciso em classificar uma nova actividade como jogo, consiste em avaliar as semelhanas que esta compartilha com algo j estabelecido como jogo, e no em avaliar se esta compartilha alguma propriedade com todos os jogos. Caractersticas como sorte, competio, divertimento, etc., so compartilhadas diferentemente por diferente conjuntos de jogos e constituem um conjunto de caractersticas que permitem unir todos os jogos entre si, tal como determinadas caractersticas unem os membros de uma famlia. Estas caractersticas so as chamadas semelhanas de famlia, e so elas que vo permitir um uso correcto da palavra "jogo". Wittgenstein defende que a maioria

    dos conceitos so na verdade conceitos abertos, e que os filsofos muitas vezes erraram ao tentarem especificar as condies necessrias e suficientes para a aplicao de um conceito. Note-se que Wittgeinstein no est a defender que mau existirem conceitos abertos, mas apenas que os filsofos devem ser alertados para esse facto aquando da elaborao das suas teorias.

    A tese principal que Weitz vai defender, que tal como o conceito de jogo um conceito aberto, tambm conceito de arte o . E assim as teorias que o precederam erraram ao tentar definir o conceito de arte em termos de condies necessrias e suficientes, isto , tratando "arte" como um conceito fechado. A tese de Weitz to radical que ele nem sequer considera a artefactualidade, algo que muitos de ns estaria disposto a aceitar, uma condio necessria para o significado geral de "arte". Ele justifica isto dizendo que por vezes dizemos coisas como "Este pedao de madeira uma bela escultura." Assim, diz Weitz, se estamos dispostos a classificar um pedao de madeira como uma escultura, isto , como uma o.a., ento a artefactualidade no pode ser uma condio necessria de arte. Note-se que Weitz no apenas vai defender que "arte" um conceito aberto, mas tambm que todos seus subconceitos, como escultura, drama, etc., o so. O que importa reter da ideia de conceito aberto, que isso nos ir permitir que sempre que aparea uma situao ou um caso novo possamos alargar o uso do conceito para o incluir. neste sentido que Weitz defende que tanto o conceito de arte como os seus subconceitos so abertos, pois esto sempre a aparecer novas formas de arte que escapam aplicao das categorias estabelecidas. Mas isto no impede que no possamos fechar um conceito estipulando as condies necessrias e suficientes da sua aplicao. Contudo, fechar o conceito de arte, assim como os seus subconceitos , segundo Weitz, "ridculo, uma vez que isso seria excluir a prpria noo de criatividade na arte." [ Weitz, "The Role of Theory in Aesthetics", pp.127]

    Neste sentido Weitz defende que o objectivo da esttica, no o de chegar a uma definio de arte, mas o de elucidar o conceito de arte, descrevendo o modo como o aplicamos, isto , descrevendo o modo como usamos correctamente o termo "o.a.". tambm neste sentido que Weitz vai reclamar a utilidade das teorias da definio de arte, pois embora elas no forneam uma definio de arte, pois tal impossvel, elas vo fornecer as condies de semelhana, isto , o conjunto de caractersticas que nos permitem classificar um objecto como o.a. Esta funo, anloga funo prescrita pela noo de Wittgenstein de semelhana de famlia, permite estabelecer os critrios atravs dos quais identificamos um objecto como o.a., isto , os critrios de aplicao da expresso "isto uma o.a.". Estes critrios vo ser designados por Weitz como critrios de reconhecimento. Entre estes critrios contam-se o de "[ ...] ser um artefacto, realizado pela habilidade e imaginao humanas, tendo como meio um material publicamente acessvel pedra, madeira, sons, palavras, etc. que inclui certos elementos e relaes distintas." [ Weitz "The Role of Theory in Aesthetics", pp.128].

    Apesar de concordar com a tese geral da teoria de Weitz, isto , a tese da impossibilidade de fornecer uma definio essencialista de arte, h

  • alguns aspectos de pormenor que levantam algumas perplexidades. Em primeiro lugar, Weitz ao descrever o modo como aplicamos os critrios de reconhecimento, afirma que, "se nenhuma das condies estivessem presentes, se no estivesse presente nenhum critrio para reconhecer algo como uma obra de arte, no a descreveramos como tal. Mas, mesmo assim, nenhum [ deste critrios] nem mesmo uma coleco deste necessrio ou suficiente." [ Weitz, "The Role of Theory in Aesthetics", pp.129] O problema com esta afirmao, que perante a presena de uma o.a. radicalmente diferente, como o caso da arte conceptual, no a poderamos reconhecer como o.a., uma vez que no compartilhava nenhuma caracterstica com as o.a. anteriores. Por outro lado, no caso de estarmos perante um objecto que compartilhasse algumas caractersticas como as o.a., mas que efectivamente no fosse uma o.a., ser que o teramos de reconhecer como tal? No claro que Weitz possa responder a esta questo. Assim, tal como as teorias posteriores, tambm a sua teoria acaba por correr o risco de pecar por excesso, classificando algo como o.a. que no uma o.a., e de pecar por defeito, deixando uma o.a. de fora por no compartilhar nenhuma caracterstica com as restantes o.a.. Daqui podemos extrair uma consequncia drstica para a teoria de Weitz, nomeadamente, que os seus critrios de reconhecimento perdem a utilidade prtica. Contudo, tambm nas suas bases tericas a teoria de Weitz tem alguns problemas. Primeiro, ele pensou estar a refutar qualquer tipo de definio de arte, mas apenas refuta a possibilidade de fornecer definies essencialistas. Isto deve-se ao facto de tambm ele cometer o mesmo erro dos filsofos essencilaistas pensando que ser uma o.a. algo que depende das suas propriedades intrnsecas, o que faz com que os seus argumentos contra a indefinibilidade da arte, apenas colham em relao s definio essencialistas. Por ltimo, o facto de a arte ser um conceito aberto no uma caracterstica especfica da arte, pois todos os conceitos comuns so abertos, e logo a sua teoria no serve de muito para caracterizar a natureza da arte.

    5. Teorias Institucionais

    Como dissemos, Weitz apenas consegue provar a impossibilidade de construir uma definio essencialista de arte, isto , em termos de propriedades intrnsecas. Assim sendo, nada nos garante que no seja possvel fornecer uma definio de arte que consista em propriedades extrnsecas ou relacionais da arte. com esta ideia em vista que nascem as teorias institucionais. Quem mais se destacou na defesa da institucionalidade da arte foi George Dickie com o seu artigo "What is Art?" de 1976. Por este motivo vamos dedicar esta seco ao estudo da sua teoria.

    Penso que a teoria de Dickie pode ser resumida pela seguinte definio:

    Uma obra de arte no sentido classificativo (1) um artefacto, (2) sobre um conjunto de aspectos do qual foi conferido o estatuto de candidato para apreciao por uma pessoa ou pessoas actuando em nome de uma certa instituio social (o mundo-da-arte). [ Dickie, "What is Art?", pp. 23]

    Uma vez que esta definio dada em termos de condies necessrias e suficientes, um objecto s considerado uma o.a., se e s se satisfaz (1) e (2). A noo central desta definio a noo de conferir estatuto. Pois, esta a noo que constitui a novidade deste tipo de teorias e que permite que a definio se construa recorrendo apenas s propriedades extrnsecas das o.a. E, para que possamos compreende-la, basta ter em conta o paralelismo que Dickie prope entre o mundo-da-artee as restantes instituies sociais. Casos em que, por exemplo, um padre declara duas pessoas como marido e mulher, ou em que um presidente eleito, so casos nos quais uma ou mais pessoas agem em nome de uma instituio de modo a conferirem um determinado estatuto. Assim, tambm na instituio designada por mundo-da-arte, algum pode agir em seu nome conferindo a um artefacto o estatuto de candidato para apreciao. O modo como o estatuto de candidato para apreciao conferido pode ser verificado quando um artefacto est devidamente assinalado num museu de arte ou quando apresentado num teatro, etc., mas nunca olhando para os artefactos em causa, pois o erro das teorias anteriores consistiu precisamente no facto de no terem percebido que nada separa as o.a. dos restantes objectos, excepto determinadas relaes, as quais no podem ser apreendidas pelo simples olhar. Apesar de parecer que necessria mais do uma pessoa para conferir o estatuto de candidato para apreciao, isso no o caso, pois basta uma pessoa que aja em nome do mundo-da-arte para conferir o estatuto de candidato para apreciao. Mas, sem dvida que necessria mais do que uma pessoa para formar a instituio cultural do mundo-da-arte.

    Vejamos o que se passa quanto noo de apreciao. Um artefacto para ser considerado uma o.a. teve de lhe ser conferido o estatuto de candidato para apreciao. Mas daqui no se segue que ela seja de facto apreciada, isto , a o.a. aprecivel, mas nem sempre apreciada. Pois se esta distino no fosse feita, Dickie cairia no erro de excluir as ms o.a. da sua definio. Assim, o que se pretende excluir da definio qualquer uso valorizativo de "o.a.", restringindo-se apenas ao uso classificativo. Tambm importante notar que nem todos os aspectos das o.a. so includos na candidatura para apreciao, pois, por exemplo, as cores da parte de trs de uma pintura no usualmente considerados objectos para apreciao.

    A questo que agora se nos coloca a de saber se, por exemplo, a pedra de Alberto Carneiro, que era um objecto natural, extrado da ribeira sem qualquer alterao das suas propriedades intrnsecas, pode ser tido como o.a. segundo esta definio. A resposta afirmativa. Isto porque, segundo a definio qualquer objecto pode se tornar um artefacto sem que se use qualquer ferramenta, pois o estatuto de artefacto conferido a um objecto. Da que tenha sublinhado que a pedra de Alberto Carneiro quando levada para um

  • exposio de arte, no tinha sofrido qualquer modificao nas suas propriedades intrnsecas, mas, segunda a definio, sofreu uma modificao nas suas propriedades extrnsecas, nomeadamente foi proposta como candidata para apreciao. Uma segunda questo que se nos coloca bastante importante no contexto de uma teoria institucional a de saber se os quadros da chimpanz Betsy podem ser considerados o.a. (no sentido classificativo, claro). E se sim, quem so os seu(s) autor(es)? De acordo com Dickie, os quadros poderiam ser considerados o.a. se algum lhes conferisse o estatuto de candidatos para apreciao, e o seu autor seria quem tivesse conferido o estatuto. (No poderia ser a Betsy a conferir o estatuto porque ela no se consegue considerar como membro do mundo-da-arte, uma vez que ela incapaz de participar na nossa cultura.)

    Sem dvida que a teoria de Dickie tem imensas vantagens, nomeadamente no colocar restries no que respeita s propriedades intrnsecas dos objectos, isto , quilo que pode ser arte, ultrapassando assim muitas das dificuldades que eram levantadas s teorias anteriores. Contudo, esta tambm tem imensas dificuldades, no s no que diz respeito sua aplicabilidade prtica, mas tambm no que diz respeito s suas bases filosficas.

    A primeira dificuldade prende-se com o modo como a sua definio formulada. Por um lado, caracteriza as o.a. em funo do mundo-da-arte, e por outro, parece no conseguir explicar o mundo-da-arte sem fazer referncia s o.a., dado que ele constitudo pelas pessoas que de uma maneira ou de outra se encontram ligadas ao mundo-da-arte. O que torna a sua argumentao circular. Uma segunda dificuldade diz respeito s noes implicadas na sua definio. A noo de conferir estatuto parece acarretar alguns problemas pois esta explicada em analogia com a conferncia de estatuto nas restantes instituies sociais. O problema que se coloca precisamente a validade desta analogia. Se o mundo-da-arte comparado com uma instituio social o que torna credvel que algum possa conferir o estatuto de candidato para apreciao agindo em seu nome, teremos que perguntar quais as necessidades humanas que o mundo-da-arte visa satisfazer. Afinal, todas as instituies sociais s existem enquanto meios para satisfazer as nossas necessidades. A esta questo Dickie parece no dar resposta, o que pe em causa a validade da sua analogia, e por consequncia toda a sua teoria.

    Outro problema, diz respeito exigncia que se coloca na existncia da instituio mundo-da-arte para que se possa considerar algo como o.a. Este requisito parece deixar de fora as o.a. dos homens primitivos, uma vez que no seu tempo ainda no existia o conceito de arte, e muito menos a ideia de uma instituio mundo-da-arte. Dickie responde a isto dizendo que uma vez que eles no consideravam as suas obras como o.a. elas no poderiam ser o.a.. Mas isto no me parece correcto. Por exemplo, do facto dos homens primitivos no disporem de um sistema jurdico que os penalizasse quando cometidos crimes, no se segue que eles no pudessem considerar algo como um crime, apesar de no disporem nem da instituio nem do conceito de lei.

    Assim, a existncia da instituio mundo-da-arte exigida por Dickie, no parece ser uma condio necessria para que haja arte, pois se fosse teramos que excluir como arte, no s a arte primitiva, como tambm a arte popular, infantil, etc., que hoje consideramos ser indiscutivelmente arte. Alm disso, intuitivamente, e neste casos o recurso intuio bastante importante, achamos que todas as culturas produziram arte, sem terem para isso de dispor do conceito de arte ou da instituio mundo-da-arte.

    Um outro problema diz respeito noo de candidato para apreciao, pois mesmo que Dickie distinga entre ser apreciado e ser aprecivel, no deixa de ser possvel arranjar contra-exemplos a esta noo. Por exemplo, a sua noo teria de excluir como arte a arte rupestre, pois estas no eram sequer destinadas a ser contempladas. Apesar de ser possvel arranjar muitos outros contra-exemplos, como no caso da arte conceptual, penso que isto suficiente para por em causa a sua noo de candidato para apreciao e consequentemente a sua teoria, pois depende desta noo.

    Por ltimo, apesar da teoria de Dickie aparentemente conseguir explicar que a pedra de Alberto Carneiro possa ser uma o.a., ela no consegue explicar que esta possa perder o estatuto, quando reposta na ribeira. Na verdade, um dos problemas da teoria institucional o de no conseguir explicar que aps um artefacto ter adquirido o estatuto de o.a., perca esse estatuto com a mudana de circunstncias. Ou ainda, o de no conseguir explicar casos em que uma o.a. continua a ser o.a., apesar de ter outras funes, alm da funo de candidato para apreciao, como foi o caso dos painis de S. Vicente quando estavam a servir de taipais nas obras de S. Vicente de Fora. Se queremos uma teoria unitria da arte temos de conseguir explicar estas situaes, e como vimos, a teoria institucional no explica. E Logo, ficamos, mais uma vez, sem resolver o problema de saber o que a arte. A nossa ltima esperana repousa na teoria simblica de Goodman que iremos passar a analisar.

    6. Teoria Simblica de Goodman

    O que nos interessa aqui considerar no que respeita teoria simblica de Goodman a sua caracterizao da natureza da arte. Para isso iremos recorrer ao captulo quatro: "Quando Arte?", do seu livroModos de Fazer Mundos. Em primeiro lugar, Goodman comea por deslocar o problema de saber o que arte, para o problema de saberquando h arte, que para ele a questo mais importante. Depois, prope-se defender a sua tese principal de que funcionar como arte funcionar simbolicamente. O nosso primeiro objectivo consiste em mostrar como Goodman defende esta tese.

    Note-se que o que est em causa com a tese de que a natureza da arte se funda numa funo simblica, que se toda a o.a. funciona como smbolo, ento uma condio necessria para que haja arte a existncia de uma funo simblica. Assim, a nossa primeira tarefa mostrar que todas as o.a. desempenham uma funo simblica. Os principais argumentos contra

  • esta tese vm dos crticos de arte formalistas ou puristas. Segundo eles o que interessa numa o.a. so as propriedades da o.a. em si mesma, e por esta razo a arte pura tem de evitar a simbolizao, uma vez que o que a arte simboliza exterior a si, alheio, prejudicial pois desvia a nossa ateno das sua propriedades intrnsecas, no permitindo uma apreenso esteticamente correcta. O crtico de arte, Clive Bell, de que j falmos, um dos puristas que alertam para os malefcios da representao. A sua definio de arte em termos de forma significante pretende precisamente alertar para aquilo que ele considera ser o elemento especificamente esttico da arte, isto , para a significao autnoma da composio, formas, cores e linhas presentes nas o.a. A posio que Goodman vai tomar perante estes argumentos no vai ser, ao contrrio do que se esperava, a de refut-los. Ele vai comear por concordar com as posies dos puristas, e mostrar-lhes que estes estavam errados em pensar que a simbolizao se traduz numa referncia a algo de exterior s o.a.

    Podemos resumir os argumentos dos formalistas em duas teses principais: (1) o que conta numa o.a. so as suas propriedades intrnsecas, isto , aquilo que ela em si mesma; e (2) o que uma o.a. simboliza, isto , o seu assunto e as suas referncias, -lhe exterior. Daqui segue-se que a simbolizao alheia ao carcter esttico da arte. E por isso, qualquer forma de simbolizao prejudicial pois desvia a nossa ateno para o que lhe exterior. E logo, a arte realmente pura evita toda a espcie simbolizao. Como toda a argumentao dos purista se extrai de (1) e (2), so estas teses que temos de discutir.

    A estratgia de Goodman, consiste em considerar um exemplo de uma o.a., que ser uma pintura, que estivesse de acordo com os requisitos dos puristas para a arte verdadeiramente pura. Em primeiro teremos que eliminar qualquer tipo de representao uma vez que a forma mais bvia de referncia a qualquer coisas exterior obra. Mas, ao fazermos isto ficamos com dois problemas. Por uma lado, ser representativo no , por si s, referir algo de exterior. Por exemplo, as pinturas de HR Giger so normalmente representativas, mas dificilmente representam algo exterior a elas, uma vez que no existem as figuras monstruosas que retratam. Por outro lado, no suficiente eliminar-se a representao para que elas no refiram algo de exterior. Por exemplo, as obras de Kandinsky apesar de serem efectivamente abstractas e de no representarem nada, elas referem sons, timbres, harmonias, ritmos, etc. Assim, parece que no basta eliminar a representao para eliminar a referncia, como defendiam os puristas. Vejamos o que teramos de excluir como o.a. para que fosse satisfeita a exigncia dos puristas. Primeiro, teramos de excluir as o.a. que representam ou exprimem, depois as que de algum modo possam aludir ou evocar algo exterior a elas. Depois disto pouco ou nada restaria. Mas suponhamos que sobram as o.a. da nova abstraco ou da arte minimal. Ser que estas pinturas so absolutamente puras, no sentido imposto pelos puristas? Para testarmos se isso o caso, considere-se a pintura n 5 de Reinhardt. Podemos dizer que esta no contm rstia de referncias representativas, alusivas ou

    expressivas. Mas, uma vez que a pintura possui inmeras propriedades, cabe aos puristas seleccionar aquelas que eles consideram como esteticamente relevantes.

    Podemos comear por responder distinguindo as propriedades externas das internas que a pintura possui. As externas seriam imediatamente excludas de acordo com os requisitos puristas uma vez que tudo o que interessa numa o.a. so as suas propriedades intrnsecas. Mas esta distino deixa-nos mesma com um problema, pois apesar de certas propriedades internas no relacionarem a pintura com o exterior (satisfazendo os puristas), essas no so no entanto relevantes, como a quantidade de molculas que formam a o.a., etc. Por outro lado, certas propriedades que interessam, como as cores, as formas, etc., podem relacionar a o.a. com algo de exterior, nomeadamente, com outras o.a. que possuam a mesma cor, as mesmas formas, etc. Apesar de isto ser suficiente para mostrar a debilidade das posies puristas, ainda h outro aspecto importante a considerar. Mesmo uma pintura como a n. 5 de Reinhardt, que a que mais se aproxima dos requisitos puristas, s considerada como uma o.a. na medida em que representa uma marco na histria da arte, a consumao de uma depurao sucessiva que s faz sentido em contraposio com as pinturas ditas impuras. Esta a falcia purista, que consiste em ignorar este facto. Podemos concluir que, embora os puristas tenham razo ao afirmar que as propriedades que importam numa pintura so as internas, eles no dispem de qualquer critrio que nos permita decidir quais so essas propriedades. Goodman prope resolver este problema recorrendo ao funcionamento simblico exemplificativo de objectos banais, procurando depois explicar a natureza da arte por analogia com estes objectos.

    O exemplo de Goodman consiste numa amostra de tecido, em que ele procura examinar quais as propriedades dessa amostra que ns consideramos relevantes. A sua concluso a de que a amostra amostra apenas de algumas propriedades e no de outras. O que acontece que as amostras de tecido exemplificam as suas cores, textura e padro, mas no a sua forma e tamanho. Isto , exemplificam apenas as propriedades que simultaneamente possui e referem naquelas circunstncias. Mas, se alargarmos estas consideraes ao domnio da arte, podemos descobrir o critrio debaixo do qual determinamos quais as propriedades relevantes de uma o.a. que no tm nenhuma funo simblica de representar ou exprimir. Assim, tal como a amostra de tecido, as o.a. exibem as suas prprias propriedades, mas no todas, seleccionando apenas algumas, despertando a nossa ateno para elas. Esta exibio de propriedades que as o.a. possuem aquilo que Goodman chama de exemplificao. Assim, podemos concluir que as propriedades que contam numa o.a. so aquelas que a o.a. no apenas possui, mas exemplifica. No entanto, no existe nenhum procedimento para determinar quais as propriedades que uma o.a. exemplifica, assim como tambm no existem procedimentos para determinar o que ela representa. ao crtico de arte que compete esta tarefa, mas tal como para determinarmos quais as propriedades que a amostra de tecido exibe temos de conhecer o

  • sistema a que ela pertence, tambm a pessoa que interpreta uma o.a. tem de conhecer o sistema a que ela pertence, o que implica um conhecimento de aspectos exteriores o.a. A razo pela qual mais difcil determinar quais as propriedades que uma o.a. exemplifica do que as propriedades que uma amostra de tecido exemplifica, porque a primeira exige mais perspiccia e sensibilidade devido sua maior complexidade como smbolo esttico, pois uma o.a. exemplifica muito mais propriedades e de formas muito mais subtis que uma simples amostra de tecido. Note-se que, o problema relativo identificao de propriedades esteticamente relevantes no equivalente ao problema de identificar as propriedades que uma o.a. exemplifica. No primeiro caso temos um dificuldade de deficincia dos conceitos envolvidos na determinao do que uma propriedade esteticamente relevante em termos de propriedades internas. O segundo caso trata apenas de uma dificuldade prtica, cuja soluo depende apenas do aperfeioamento das nossas capacidades para interpretar uma o.a., e do alargamento dos nossos conhecimentos relativos ao mundo da arte.

    Uma crtica possvel noo de exemplificao de Goodman, a de que exemplificar no mais do que possuir. Mas se considerarmos duas o.a. que possuam determinadas propriedades em comum, e se numa dessas o.a. essas propriedades forem esteticamente relevante e na outra no, porque a o.a. faz mais que apenas possuir essas propriedades, ela tambm as refere. Como possuir mais referir igual a exemplificar, conclui-se que a o.a. exemplifica certas propriedades, nomeadamente as que so esteticamente relevantes.

    Uma vez que as propriedades que contam para a apreciao de uma o.a. pura so as esteticamente relevantes e um vez que as o.a. exemplificam aquelas propriedades que so esteticamente relevantes, como exemplificar uma forma de simbolizar, podemos concluir que essas propriedades so aquelas de que a pintura smbolo. Se aceitarmos isto, podemos ainda concluir que mesmo que retiremos qualquer tipo de representao ou expresso das o.a., como requerido pelos formalistas, as o.a. continuam a ter um funcionamento simblico, e nesse funcionamento o simbolizado no exterior ao smbolo, isto , o.a. Isto infirma a tese (2) dos puristas. A tese (1) continua no entanto de p. Mas isso no coloca qualquer obstculo teoria simblica da arte. Alis, isto s prova que os puristas concordavam com Goodman; acontece apenas que estavam errados quanto ao modo como formulavam as suas ideias. Se aceitarmos os argumentos de Goodman fica provado o funcionamento simblico da arte como condio necessria para que haja arte. Assim, um objecto uma o.a. quando tem um funcionamento simblico esttico, ou mais sucintamente quando um smbolo esttico.

    Para podermos concluir estas disputas acerca da arte temos ainda que ver quais as caractersticas que determinam um objecto como smbolo esttico. Essas caractersticas so aquilo a que Goodman chama de sintomas do

    esttico: densidade sintctica, densidade semntica,saturao relativa, exemplificao e referncia mltipla e complexa. Nas teorias anteriores, a natureza da

    arte foi caracterizada a partir das caractersticas intrnsecas das o.a., a partir das experincias do sujeito, a partir das aces de algum que agisse em nome da instituio mundo-da-arte; Goodman vai por sua vez caracterizar a natureza da arte a partir dossintomas do esttico, que so propriedades dos smbolos. No iremos aqui analisar os cinco sintomas, basta apenas saber que apesar de Goodman caracterizar a natureza da arte (a sua funo simblica) com base nos sintomas do esttico, ele no considera nenhum deles como condio necessria ou, tomados conjuntamente, como condio suficiente para que haja arte. A ideia de "sintomas" feita por analogia aos sintomas de uma doena. E, tal como numa doena, quando os sintomas esto presentes provvel estarmos perante uma o.a. Mas, assim como se pode ter uma doena sem os sintomas, ou apenas alguns, ou os sintomas sem a doena, a presena ou ausncia de alguns deles no suficiente para qualificar ou desqualificar algo como arte. Assim o estatuto dos sintomas o de sinais que tendem a qualificar algo como arte de modo probabilstico, o que faz com que no seja possvel produzir contra-exemplos. Isto, obviamente, torna a noo de sintomas muito frgil, pois no permite estabelecer uma distino ntida entre arte e aquilo que no arte (e foi essa procura de uma distino ntida, particularmente de uma definio, que motivou as teorias antecedentes). Note-se que os sintomas tambm no podem ser usados valorativamente, isto , quando reunidos muitos desses sintomas estamos perante uma boa o.a. e vice-versa.

    Penso que esta noo de sintomas bastante insatisfatria pois pouco ou nada nos ajuda na nossa demanda acerca do que a arte. Alm disso, Goodman ao falar de sintomas fazendo uma analogia com casos clnicos, se a analogia for inteiramente transferida para o caso da arte, teria de comprometer-se com a existncia de uma propriedade intrnseca, comum a todas as o.a. Pois, tal como nos sintomas de angina corresponde a presena de bacilos que uma propriedade intrnseca de quem tem a doena, tambm aos sintomas do esttico deveria corresponder uma propriedade intrnseca dos objectos estticos (isto , aqueles que tinham a doena). Mas, Goodman nega a existncia de algo por detrs destes sintomas que seja comum a todas as o.a., o que pode pr em causa a validade da sua inferncia analgica. Mas, se considerarmos estes sintomas em termos de semelhanas de famlia, aproximando-os dos critrios de reconhecimento sugeridos por Weitz, exclumos este problema relativo analogia com os sintomas de doenas. claro que existem diferenas relativamente aos critrios de reconhecimento sugeridos por Weitz. Pois enquanto que estes ltimos so fundados em propriedades intrnsecas, os de Goodman so fundados em propriedades simblicas. A meu ver, existe uma vantagem em transformar os sintomas de Goodman em critrios de reconhecimento, pois alm de excluir a vagueza implcita na noo que Goodman tem de sintomas, consegue superar algumas das desvantagens atribudas teoria de Weitz. Como dissemos, um dos problemas com os critrios de reconhecimento de Weitz era que estes poderiam deixar de fora uma o.a., por esta no partilhar nenhuma semelhana com as restantes o.a.. Penso no entanto que, no caso de Goodman, isto no

  • poderia acontecer, pois, se tomarmos a exemplificao como uma condio necessria para que haja arte, e sendo a exemplificao um dos sintomas do estticos, e assim um dos critrios de reconhecimento, fica garantido que qualquer o.a. partilha pelo menos uma caracterstica com as o.a. precedentes, por mais extica que seja. Apesar da insatisfao que nos pode causar esta noo de sintomas do esttico, importante ter em conta que Goodman no estava preocupado em construir uma definio de arte, mas em responder a uma outra questo que ele acha mais importante: "Quando h Arte?"

    As dificuldades com que ficmos aquando da avaliao da teoria institucional de Dickie, foi a de que ela no conseguia explicar, no caso da pedra de Alberto Carneiro, a sua perda do estatuto de o.a. quando reposta na ribeira, e no caso dos painis de S. Vicente, que estes continuassem a ser o.a., mesmo quando serviam de taipais nas obras. Como iremos ver, a teoria de Goodman consegue responder com toda a elegncia a estes casos. A diferena crucial que permite explicar estes casos, e que resulta da diferena entre a questo de saber quando h arte e o que arte, a diferena existente entre funcionar como arte e ser arte. Na medida em que formos explicando esta diferena, iremos justificar igualmente a relevncia da prioridade filosfica da questo "Quando h arte?" sobre a questo "O que arte?".

    Como j aqui foi referido, os sintomas do esttico no so propriedades intrnsecas dos objectos, mas imposies ao funcionamento simblico desses objectos determinados pelo sistema no qual interpretamos. Deste modo, qualquer objecto pode funcionar como arte, bastando para isso que seja interpretado como smbolo esttico, exibindo um ou mais dos seus sintomas. Assim, se, por exemplo, olharmos para uma agenda como um smbolo, isto , um smbolo que exibe densidade sintctica, referncia mltipla, etc., estamos muito provavelmente a trat-la como smbolo esttico. Mas se olharmos para ela como denotativa, unireferencial, etc., estamos muito provavelmente a trat-la como smbolo no esttico. Isto poder permitir-nos concluir que os sintomas apenas servem para determinar que algo est a funcionar como smbolo esttico, mas no quando algo um smbolo esttico. claro que isto nos permite explicar porque que a pedra de Alberto Carneiro perdeu o estatuto de o.a., quando reposta na ribeira. Pois enquanto esteve na exposio estava a ser tratada como smbolo esttico exibindo as suas propriedades, mas quando reposta na ribeira perdeu o estatuto de o.a. porque deixou de funcionar como smbolo. O mesmo acontece com os painis de S. Vicente, que enquanto serviam de taipais nas obras deixaram de funcionar como smbolo. Pelo que foi dito, j se pode afigurar uma diferena entre funcionar como smbolo e ser um smbolo esttico. No caso da pedra, apesar de estar numa determinada situao a funcionar como smbolo esttico, no se pode inferir que seja de facto um smbolo esttico. Quanto aos painis de S. Vicente, apesar de no estarem a funcionar como smbolos estticos numa determinada situao, da tambm no se segue eles no sejam smbolos estticos. A questo que agora temos de responder, a de saber em que consiste a diferena entre funcionar como smbolo esttico e ser um smbolo esttico e como justificar esta diferena.

    Uma das vantagens da teoria de Goodman , sem dvida a sua flexibilidade, possibilitando que todos os objectos possam funcionar como smbolos estticos. Mas h objectos cujo funcionamento esttico mais habitual do que o seu funcionamento no esttico. E como os hbitos de funcionamento determinam muitas vezes as classificaes, podemos classificar os objectos como estticos ou no estticos com base no seu funcionamento habitual. Assim, a distino entre ser um smbolo esttico e funcionar como tal no uma diferena que tenha por base certas propriedades intrnsecas dos objectos, mas uma diferena que tem por base a estabilidade ou no do seu funcionamento simblico. Podemos assim concluir que, segundo a teoria de Goodman, um objecto funciona como smbolo esttico se exibe um ou alguns sintomas do esttico, e uma o.a. se a sua funo primordial for essa. Assim, em determinadas circunstncias, um objecto pode ter a funo de arte sem ser arte, e ser arte, sem ter a funo.

    Pelo que foi dito, penso j estar includa a resposta do porqu da primazia da questo "Quando h arte?" sobre a questo "O que arte?". Pois a deciso quanto segunda depende da primeira, uma vez que ser arte no mais do que uma estabilidade relativamente ao funcionamento como arte.

    De todas as teorias que tivemos a oportunidade de estudar a de Goodman sem dvida a que tem um maior poder explicativo, sem no entanto perder simplicidade e elegncia. Uma das suas maiores vantagens a sua flexibilidade, pois uma vez que todos os objectos podem funcionar como smbolos estticos, dificilmente se conseguir arranjar contra-exemplos que a infirmem, mesmo nos casos mais bizarros, como nos casos dos objectos ansiosos. Mas apesar da sua teoria se apresentar como uma teoria unificada da arte, deixa-nos na insatisfao de no podermos construir uma definio com base nos sintomas do esttico.

    Apesar de concordar com os traos gerais da teoria de Goodman, penso existirem alguns problemas ou fraquezas. Em primeiro lugar, a deciso do que arte com base na estabilidade do seu funcionamento como smbolo, leva-nos a perguntar que tipo de estabilidade necessria. Coisa que no respondida. Alm disso, posso perfeitamente imaginar uma pintura (que o.a.), que serve de tampo para uma mesa na casa de uma famlia pouco informada que desconhece estar na posse de uma preciosidade. Suponha-se tambm que essa o.a. nunca tem outro funcionamento para alm de tampo de mesa. Segundo a teoria de Goodman, e uma vez no verificada a estabilidade enquanto funcionamento simblico, posso concluir que esta o.a. no uma o.a., o que contraditrio.

    Dou assim por terminada as nossas disputas acerca da arte, apesar de no termos conseguido construir uma definio de arte, penso termos, pelo menos, clarificado algumas noes.