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ENRIC BATLLE – O JARDIM DA METRÓPOLE – PARTE 2 1. Parque da Rambla del Celler, Batlle i Roig, Sant Cugat del Vallès, Barcelona 1988. Um novo estrato Do terrain vague ao jardim da metrópole Metrópole! Que palavra! Emblema da modernidade da década de 1930, clichê terminológico da de 1960. Só a menção dessa palavra sugere de imediato grandes manchas sobre um mapa, eixos e traços de múltiplas ruas e trilhos, movimento veloz de pessoas dirigindo. Parece que somente ao falar de metrópole reconheceríamos a mancha de azeite, a expressão especulativa e maciça, as infinitas urbanizações suburbanas. Poucas cidades foram capazes de dominar sua dimensão metropolitana. Racionalmente, através de planos e projetos, bem poucas. Copenhagen, na década de 1960, com seu famoso “Plano dos cinco dedos”, penetrações de cidade que se fundem no verde maximizando a superfície de contato entre edificação e natureza. Paris, por via tecnocrata e poder estatal somando suas forças, que consegue acertar seu esquema de cidades novas “metrópoles de descongestão”, como as chamam. Algo que nos últimos quinze anos poucos cérebros sérios haviam apostados ao que hoje reconhecemos, inclusive seus detratores, consegue um

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ENRIC BATLLE – O JARDIM

DA METRÓPOLE – PARTE 2

1. Parque da Rambla del Celler, Batlle i Roig, Sant Cugat del Vallès, Barcelona 1988.

Um novo estrato Do terrain vague ao jardim da metrópole

“Metrópole! Que palavra! Emblema da modernidade da década de 1930, clichê terminológico da de 1960. Só a menção dessa palavra sugere de imediato grandes manchas sobre um mapa, eixos e traços de múltiplas ruas e trilhos, movimento veloz de pessoas dirigindo. Parece que somente ao falar de metrópole reconheceríamos a mancha de azeite, a expressão especulativa e maciça, as infinitas urbanizações suburbanas. Poucas cidades foram capazes de dominar sua dimensão metropolitana. Racionalmente, através de planos e projetos, bem poucas. Copenhagen, na década de 1960, com seu famoso “Plano dos cinco dedos”, penetrações de cidade que se fundem no verde maximizando a superfície de contato entre edificação e natureza. Paris, por via tecnocrata e poder estatal somando suas forças, que consegue acertar seu esquema de cidades novas “metrópoles de descongestão”, como as chamam. Algo que nos últimos quinze anos poucos cérebros sérios haviam apostados ao que hoje reconhecemos, inclusive seus detratores, consegue um

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respeitável grau de acertos. Londres vive todavia do “green belt” de sir Patrick Abercrombie, o escocês percursos, e dos subúrbios jardim da década de 1950. Mas, poucos casos a mais. Todas as grandes cidades fazem planos, mas não há porque pensar que tenham êxito. Uma opção cultural sobre a metrópole não pode pretender-se todos os anos, nem em todos os casos. De fato, quase que sequer se intenta.”1 Manuel de Solà-Morales, “Un nuevo Paseo de Gràcia”

No panorama urbanístico atual, a referencia aos novos fenômenos de transformação da cidade e de seu território encontra formas de expressão e concepção muito diversas. Da suburbanização às metrópoles, da difusão à dissolução urbana. Nos últimos anos se levaram ao cabo inúmeros projetos urbanos em grande escala nos grandes vazios no interior das cidades, resultantes em muitos casos da obsolescência dos grandes equipamentos industriais, da transformação dos velhos portos ou das mudanças das estações ferroviárias e seus espaços de serviço. Sem dúvida, um olhar mais detalhado sobre as cidades mostra como as metrópoles tem muitos outros vazios, ligados em muitos casos aos fatores geográficos mais importantes. A superposição de usos e infra-estruturas das metrópoles tende a constituir um contínuo urbano não compacto, onde os vazios resultantes se correspondem, em muitos casos, com acidentes naturais, como por exemplo, as cumeadas e colinas, rios, costas e praias. Estes espaços, possíveis futuros espaços de projeto, são restos de áreas industriais obsoletas, áreas agrícolas em processo de desaparição ou espaços naturais fortemente degradados. A grande quantidade de solo disponível e a impossibilidade de todo resolvê-lo desde a realização de grandes projetos urbanos, desde o uso como parques públicos tradicionais ou como parques temáticos específicos, faz com que resulte necessária a busca de alternativas que coloquem soluções mais globais, que reconheçam as problemáticas meio-ambientais sem renunciar a seu uso como espaços livres metropolitanos ou a formalização com relação às áreas urbanas nas quais este solo é um interstício. Ante tal problemática, se pretende superar as considerações de quem enfrenta o fenômeno exclusivamente desde um ponto de vista social e econômico, de quem sublima estes novos lugares desde um ponto de vista estético e com uma atitude romântica, ou de quem promove a conservação integral de determinados âmbito naturais para permitir a destruição integral do resto das paisagens. O objetivo seria centrar a discussão sobre as possibilidades de vertebração da metrópole desde os vazios gerados na ocupação do território. Atualmente, quando os grandes condicionantes da forma das cidades se estabelecem desde as grandes infra-estruturas ou desde os projetos urbanos em grande escala, é necessário incidir na necessidade de encontrar estratégias mais globais para o futuro desses ocos metropolitanos. A capacidade de poder integrar em um único âmbito – físico, de projeto, conceitual – a disposição das novas infra-estruturas, a resolução dos problemas meio-ambienais e a necessidade de novos espaços livres, assim como a possibilidade de formalizar a nova imagem da metrópole, gerada desde a riqueza do vazio, que pode dar lugar a um novo estrato, sobreposto aos múltiplos estratos de construção e significado que constituem o fato metropolitano. O novo estrato do qual falamos é o produto da acumulação de todos os espaços livres da nova cidade metropolitana, desde os parques naturais aos parques urbanos, desde os rios às praias, desde os corredores verdes às novas agriculturas metropolitanas, desde os bosques aos novos jardins temáticos, desde os espaços que resolvam as problemáticas meio-ambientais aos entornos das grandes infra-estruturas que necessitamos. Este novo estrato quer refazer o terrain vague metropolitano para tratar de desenhar a nova geografia da cidade. Se trata de um estrato livre que pretende ajudar a definir um novo modelo de ordenação territorial desde o que aqui denominamos jardim da metrópole.

1. Sol˜-Morales, Manuel, “Un nuevo Paseo de Gràcia”, El País (Babelia, 19, 20 de junio de 1996

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A nova realidade metropolitana se define desde as paisagens vagues produto da crise dos limites entre cidade e território. As infra-estruturas, as novas tipologias, os programas de ocupação do território, a novidade radical de determinadas situações e solicitações deram lugar a uma cidade e a um território que já são uma só coisa, sem limites, com um sem fim de vazios urbanos existentes ou possíveis. O Jardim da metrópole trata de resolver esta crise de limites entre a cidade e seu território a partir das possibilidades desses vazios urbanos. Frente ao “não lugar” universal, produto da amnésia topográfica moderna,2 descobrimos que estes vazios têm dinâmicas próprias, muito distantes do suposto espaço plano que passa a ser um espaço rugoso,3 onde o curso das águas, a vibração dos solos ou os diversos processos agroflorestais passam a converter-se em chaves para sua compreensão e ser origem da riqueza de cada lugar. O estrato livre se consolida desde a valorização positiva dessas riquezas. Como assinala Antonio Font, a cidade do sul da Europa e mediterrânea tem uma especificidade e uma qualidade urbana produto de sua história, que se define em um longo processo de acumulação de estratos sobre um território característico. Nos processos de crescimento territoriais atuais, encontramos duas tendências, aparentemente opostas ou contraditórias, que Antonio Font define em seu artigo “Anatomia de uma metrópole descontínua: a Barcelona metropolitana” da seguinte maneira: “Por um lado, a tendência à homogeneização, derivada dos processos gerais de globalização que afetam os sistemas produtivos e seus setores, forma dos artefatos, etc., que para observadores pouco atentos pode fazer crer que as arquiteturas, as cidades, os territórios são iguais. Por outro, a afirmação da especificidade e da diferença do decisivo papel do contingente, do local, como mecanismo de reação e de defesa, mas também de definição e afirmação frente a um mundo aparentemente cada vez mais igual.”4 Nessa leitura do local podemos encontrar a força que define este novo estrato metropolita no que pode ser o jardim da metrópole, um estrato cheio de relações verticais e lugar das habituais relações horizontais, utilizando a terminologia de Giuseppe Dematteis em seu livro Progetto implícito.5 O estrato livre se constrói desde o aproveitamento dos processos naturais que podem conservar-se ou potenciar-se e que, como Ian L. MacHarg expos em Proyectar con la naturaliza,6 nos ajudarão a decidir o papel da natureza nas áreas metropolitanas. O estrato livre está composto por espaços que procedem do trabalho em todas as escalas desde todas as circunstâncias. Aos espaços gerados a partir da cidade habitualmente como espaços livres (praças e parques), se somam os espaços que, desde a geografia (montanhas, rios, etc.), a agricultura (bosques, prados, etc.) ou o meio ambiente (corredores verdes, espaços de proteção de infra-estruturas, etc.) podem ser considerados como os novos espaços livres da metrópole. A sistematização e organização do estrato livre é a origem do jardim da metrópole, uma nova versão dos sistemas de espaços exteriores, adaptada à realidade das cidades. Uma versão atual do sistema de ruas e passeios da cidade compacta: “Avenida agrícola, verde, aberta. Versão atual do que um passeio pode ser. Espaço unitário também: imagem visível da continuidade entre as partes da cidade. Espaço de circulação, sem dúvida, no qual o

2. Ver: Virilio, Paul, La machine de vivión, Galilée, Paris, 1992 (versión castellana: La máquina de la visión, Cátedra, Madrid, 1989).

3. Ver: Deleuze, Gilles e Guattari, Felix, Mille Plateaux, Éditions de Minuit, Parisd, 1980 (versión castelhana: Mil mesetas: capitalismo y

esquizofrenia, Pre-Textos, Valencia, 1998). 4. Font, Antonio, “Anatomia de una metrópole discontinua: la Barcelona metropolitana”, Papers, nº 26, Barcelona, 1997.

5. Dematteis, Giuseppe, Progetto implícito, Il contributo dela geografia umana alle scienze del território, Franco Angeli, Milán, 1995.

6. MacHarg, Ian, Design with Nature, Natural History Press, Garden City, 1969 (versão castelhano: Proyectar con la naturaliza, Editorial

Gustavo Gili, Barcelona, 2000).

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movimento é tão importante como a comunicação simbólica, visual, que expressa a escala superior do território”.7 Este sistema de espaços exteriores pode interconectar os espaços naturais próximos com o conjunto de drenagens do território, os diferentes corredores existentes ou possíveis e os diferentes espaços livres urbanos que produzem as cidades. Se trata de uma estrutura complexa, definida a partir das possibilidades de uso como espaço livre, da vertebração com a cidade e da compreensão da paisagem. O projeto dessa estrutura (jardim da metrópole) pode converter-se na melhor base para um novo modelo de planejamento territorial, ainda que seu aproveitamento agroflorestal e meio-ambiental pode representar a melhor contribuição para as cidades que intentam ser sustentáveis.

O estrato livre “Na realidade, durante anos, tudo aquilo que normalmente se denomina terrain vague foi objeto de preocupações por parte de uma cultura que enfrentava o fenômeno exclusivamente desde um ponto de vista social e econômico constituindo assim uma imagem de pura degradação. É através do olhar de alguns artistas que levaram em consideração estes lugares abandonados de um ponto de vista estético, e não como lugares sem interesse, mas ao contrário, com uma atitude romântica elevada ao sublime vincada na civilização contemporânea... Em tais afirmações, volta a fascinação das figuras dos grandes arquitetos paisagistas do passado, como Frederick Law Olmsted, com seu exemplo e sua capacidade de determinar diretrizes essenciais para o desenvolvimento urbano através do projeto de parques e bairros imersos na vegetação. Somaria uma última nota: adaptado de uma forma extensiva para indicar uma massa heterogênea de situações ambientais diversas, o termo ‘parque’ não parece adequado para descrever as novas realidades ambientais. A noção de jardim precisa melhor o sentido destas propostas. O termo ‘jardineiro’, apesar de ser inconcluso e romântico, leva consigo a noção essencial do ritual: de cultivo, agricultura, manutenção e tempo, todos eles bases conceituais cruciais para criar e compreender o âmbito público”.8 Pierluigi Nicolin, “La terra incolta”

Entre os espaços preservados e os espaços públicos urbanos conservados existe outro tipo de espaço livre que se pode potenciar e valorizar, espaços que requerem novas definições entre o natural e o artificial, que devem construir-se sobre a base de novos programas e idéias, e que podem ser coesos para dar lugar a este novo estrato, o do espaço livre, o estrato livre. No passado, muitos parques foram implantados em áreas degradadas ou marginais, mas sua solução projetual dependia das tradições estéticas de cada época e se construíam dentro dos princípios da arquitetura e da engenharia. Em contraposição a este modelo, os movimentos ecologistas defendem a conservação de espaços supostamente não contaminados como amostras de uma natureza que está desaparecendo. Entre os “construtores” das áreas degradadas e os “conservadores” de restos naturais, certos artistas defendem a preservação de espaços de fronteira no interior das cidades como mostra do caos inevitável no qual nos encontramos.

7. Solà-Morales, Manuel, op. Cit.

8. Nicolin, Pierluigi, “La terra incolta”, Lotus, nº 87, 1995.

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2. Caminho em um parque natural, Ohiopyle (Pensilvania) Estados Unidos.

3. Parc de Catalunya, Sabadell, Barcelona, Espanha, 1992, Batlle i Roiga arquitectes.

Neste debate, os arquitetos da paisagem apresentam uma posição intermediária entre a ação dos artistas, dos ecologistas e das soluções tradicionais da arquitetura e da engenharia. Está se procurando uma nova dimensão do projeto que intente não se apresente condicionado pelas limitações tradicionais da arquitetura e do planejamento. O resultado desta posição pode dar lugar ao desenvolvimento de umas operações de diversas inclinações e escala que, dispostas como um patchwork sobre o território pelo caráter acidental das oportunidades, podem chegar a representar um inesperado significado no desenvolvimento dos projetos territoriais modernos. Nessa nova dimensão urbana se busca a conservação das vantagens da cidade compacta e a possibilidade de compatibilizá-la com aquelas que a natureza pode oferecer. Como diz Ian McHarg em Projetar com a natureza, se trata de conseguir uma boa combinação: “O ideal poucas vezes consiste em eleger uma só possibilidade entre duas, mas também a combinação dessas duas ou de outras mais. Desejamos que o museu e o cabaré, a sala de consertos e o estádio estejam próximos, mas também seria estupendo que as montanhas, o oceano e o bosque natural estivessem na porta da casa e que a águia posassem em nosso ático”.9 Estas operações tem como objetivo reinventar a paisagem a partir do estabelecimento de novas interdependências entre a cidade e o território. Rossana Vaccarino fala de “as paisagens refeitas” como resultado das novas relações físicas, metafóricas e programáticas entre a cidade e o parque, a cidade e a natureza, ou o parque e a natureza.10 O resultado é um mutante, um híbrido entre o urbano e o natural, o fim de uma tipologia (o parque urbano) e o nascimento de um novo estrato (o estrato livre). Para dar sentido ao espaço livre se requerem novas idéias que permitam promover um território frágil sujeito a uma infinidade de forças que o vão esmigalhando, dividindo ou reduzindo. Não se trata de recorrer a elementos supérfluos, nem de inventar novas tipologias de espaços, mas de conhecer o lugar sobre o qual trabalhamos e potenciar as tipologias que já conhecemos. O estrato livre que estamos tratando de definir se constrói desde a utilização das tipologias convencionais da paisagem – as margens de um rio, um bosque, um campo, um arvoredo, um pântano, etc. – que, com ligeiros ajustes, podem promover efeitos significativos sem necessidade de ter que eliminá-los ou encobri-los.

9. McHarg, Ian, op. Cit.

10. Vaccarino, Rossana, “I paesaggi ri-fatti”, Lotus, 87, 1995.

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O estrato livre deve ser visto num mapa que tem que ser produzido e construído, que sempre pode ser desmontado, alterado ou modificado, mas que deve conservar sua essência; um estrato codificado desde a vitalidade que contem e pode chegar a ter um lugar, e que podemos redescobrir no projeto de drenagens do território, dos bosques da metrópole, das agriculturas urbanas, das infra-estruturas verdes e dos jardins temáticos. As novas paisagens se converterão na base da nova forma da cidade e em referência obrigatória de todas as demais associações. As novas idéias implicarão numa mudança da ordem de valores em nossas atuações, onde não será estranho pensar em conter as águas de um pequeno riacho, encharcar um território e estabelecer um projeto integral de nossas bacias; ou que repovoar as terras baldias próximas das cidades sobre as bases de um projeto global dos bosques da região pode ser o melhor patrimônio para o futuro e a melhor contribuição para obter microclimas mais adequados. Novos projetos que, como no caso do estabelecimento das novas indústrias agrícolas ou dos futuros espaços da sustentabilidade, requereriam novas maneiras de enfrentar o desenho do espaço exterior. A nova situação permite falar de indícios de que algumas das idéias expostas nesse livro possam passar do terreno da ingenuidade ao factível. As drenagens do território, os bosques da metrópole, as agriculturas urbanas, as infra-estruturas verdes, os jardins temáticos e os espaços da sustentabilidade são projetos imprescindíveis que podem somar-se ao resto dos projetos da metrópole, com a vontade de transformar umas paisagens agora obsoletas no conjunto do estrato livre. Se trata de lugares que poderiam ser como os de sempre – um riacho, um bosque, um campo, um vertedouro e uma autopista, etc. –, mas que também poderiam ser novos motores da forma do território, para assim deixar de ser o vazio, o espaço residual, o interstício ou a borda de uma estrada e passar a ser umas novas paisagens, vigorosas, úteis, aproveitáveis e, porque não, também igualmente belos. O estrato livre é o jardim da metrópole. As drenagens do território

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4. IBA Emscher Park, Duisburg Nord, Alemanha, 1999.

No coração dessa operaçãoo de paisagismo se encontrava o rio Emscher. Uma das primeiras ações realizadas foi reconstituir sua forma e melhorar a qualidade de suas águas. O rio recuperou seu caráter natural e as diversas atuações que se realizaram em seu entorno disso se aproveitaram.

Os projetos de drenagem do território partem do reconhecimento de que a água é um recurso básico, e tem como primeiro objetivo limpar e proteger seus cursos. Se trata de considerar um fato que já conhecíamos: que o vale fluvial não existiria sem a presença e a história do rio ou a drenagem. É importante considerar as iniciativas dos corredores fluviais estudando todo o âmbito da bacia. A compreensão da totalidade do sistema natural permite efetuar uma aproximação ecológica mais completa e pode ajudar a determinar as soluções mais corretas para os pontos de conflito que habitualmente encontraremos nas zonas mais urbanizadas. Reter a água e irrigar o território pode contribuir para resolver as problemáticas hidráulicas, mas também a criar novas paisagens. Em primeiro lugar, se tratará da aplicação de estratégias hidráulicas de pequena escala, de retenção da água em reservatórios, para reduzir sua velocidade, para irrigar o território e para o controle hidrológico nos entornos florestais, agrícola e urbano. Em segundo lugar, o fomento da manutenção de todas as drenagens do território e a acumulação em todas as escalas dos caudais de água disponíveis dará lugar à novas paisagens úmidas, ligados aos bosques, aos espaços agrícolas e à novas áreas urbanas. Em terceiro lugar, a aplicação das medidas enunciadas suporá, em caso de chuvas intensas, a diminuição dos caudais de água nos tramos principais dos rios e das terras, assim como uma evidente diminuição de sua velocidade e a melhor prevenção de todo tipo de inundação. Pode ser que os problemas atuais se minimizem, mas, ao mesmo tempo, obterão qualidades paisagísticas e meio-ambientais somadas, como o aumento da massa florestal, o aproveitamento das águas para a rega, a melhoria dos lençóis freáticos, a diminuição da erosão nos solos, a criação de novas áreas úmidas com possíveis novos ecossistemas e a possibilidade de originar novas paisagens no entorno de rios e terras. E, por último, a aplicação de várias medidas simultâneas pode ser a melhor estratégia hidráulica para evitar projetos sem sentido, e conseguir assim, que todo o território participe das problemáticas da água e possa somar uma clara potencialidade econômica à evidente potencialidade ecológica dessas atuações, que as converteria em possíveis e talvez, inclusive, em imprescindíveis.

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Redescobrir a continuidade da água através das drenagens do território permite recuperar um conceito que sua ocupação indiscriminada havia eliminado: a continuidade dos espaços exteriores. Se redescobrimos a continuidade da água, podemos recuperar a continuidade ecológica das drenagens do território e teríamos posto a primeira pedra para obter as continuidades cívicas que o jardim da metrópole requer. Se, na atual cidade dispersa o único estrato com continuidade é o das infra-estruturas, lembrar que as drenagens do território podem ser um sistema contínuo ajuda a começar corretamente a construção desse estrato livre que pretende ser o jardim da metrópole. Recuperar as drenagens do território permite tornar visíveis ao cidadão os processos da água, ao mesmo tempo que se desenha um ciclo hidrológico razoável que dá lugar a um novo ecossistema urbano. Como temos enunciado ao examinar as estratégias ecológicas de pequena escala, nossas drenagens são os jardins de água da nova cidade, uns espaços integrados nos jardins da metrópole: bacias de retenção pequenas represas, depósitos de acumulação, drenagens secundárias, redes alternativas de diversos abastecimentos de água, plantas de tratamento de águas residuais, filtros verdes, etc., e uma infinidade de espaços possíveis que, junto com os riachos principais, os rios e a linha da costa, podem definir o sistema hídrico metropolitano. A continuidade do sistema de drenagem permite a recuperação de uns fatos geográficos primordiais na construção da cidade. A gestão da água desde os novos parâmetros enunciados e o projeto dos espaços vinculados a esta gestão permitirá obter um sistema (contínuo por definição) que não só considerará os grandes cursos de água (rios e córregos), mas que também poderá ser visível em todas as escalas e incluir pequena depressão topográfica, que passará a ser uma peça a mais desse projeto imprescindível.

5. Parque Atlântico en la Vaguada de las Llamas, Santander, Espanha, 2008. Batlle i Roig, arquitectes.

As drenagens do território se converterão em autênticos corredores verdes porque poderão garantir em um mesmo encadeamento a inelutável continuidade da água com as continuidades da biodiversidade que possibilitarão um trabalho adequado das margens da drenagem. A continuidade da água e da biodiversidade poderá ser complementada com as possíveis continuidades para os cidadãos através de caminhos que seguem a drenagem ou que permitam as conexões com os tecidos urbanos próximos. O projeto das drenagens do território fará visível a continuidade de uma gota d’água, de um pássaro, de um javali perdido, de um ganho de biodiversidade, de ar limpo e de tudo aquilo que possa ser compatível com ditos princípios. Os bosques da metrópole e as agriculturas urbanas Os benefícios do bosque são conhecidos por todo o mundo, mas não há nada que empreenda um plano de criação e conservação de bosques. Nossos entornos metropolitanos são um território ideal para por em prática um plano de bosques públicos que contribua para a melhora paisagística, ambiental e ecológica de nossas cidades. Em 1920, Manuel Raventós apresentou para a Mancomunidad de Cataluña um plano sobre as vantagens e a necessidade de bosques, como elemento imprescindível para conseguir a

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Catalunha “rica e plena” desejada. O texto começava da seguinte maneira: “O bosque é o grande acumulador, e a maior parte de suas vantagens provem deste fato. O bosque acumula o calor solar, que são calorias e energia; cria uma imensa riqueza no alto da montanha... Como acumulador de calor, de folhas, lenha, madeira, refresca o ar à grandes distâncias, ao seu redor e até grandes alturas. Para esse esfriamento condensa o vapor da água em forma de garoa e chuva. Regula as temperaturas extremas, dá calor no inverno e frescor no verão, dá frescor nos dias de sol forte e calor nas noites de inverno modificando os climas de uma forma extraordinária”.11 Reflorestar as terras de cultivo e as montanhas pode contribuir para resolver as problemáticas florestais, mas também as ambientais.12 Em primeiro lugar, se tratará de um plano de reflorestamento, de recuperação das superfícies arbóreas, de controle hidrológico florestal e de melhora da produção florestal. Em segundo lugar, de um plano ambiental de melhora das condições climáticas, da preservação de incêndios e inundações, de manutenção e aumento dos valores paisagísticos. Em terceiro lugar, do fomento das vocações florestais dos territórios, que compensará a tendência ao abandono dos terrenos agrícolas e poderá somar à potencialidade ecológica destas atuações uma possível potencialidade econômica, se si estabelecem gestões adequadas desses âmbitos florestais. E, em último lugar, no contexto das novas estruturas urbanas, estas novas superfícies florestais se converterão nos espaços livres da nova cidade dispersa, espaços que contribuirão para vertebrar a forma do território desde a adequada proteção urbanística, que em lugar de considerá-los terrain vague sujeito a futuras operações urbanas, os considerará um novo sistema urbano geográfico: os bosques da metrópole. Fomentar as estruturas agrárias vigorosas e evitar os cultivos obsoletos pode contribuir para evitar a fragilidade de uns territórios sujeitos a todo tipo de agressão. Em primeiro lugar, se tratará de conhecer e potenciar a agricultura: a cultura da terra, a experiência de anos de intervenção do homem com finalidades produtivas, o repertório de imagens e técnicas das paisagens agrícolas, o processo ideal para a gestão da paisagem. Em segundo lugar, a experiência da agricultura tradicional – técnicas de cultivo, de conservação de solos, de controle da erosão, de aproveitamento dos recursos hidráulicos, etc. – será o ponto de partida para afrontar a aplicação das novas técnicas de cultivo e dos novos sistemas de gestão do território, com o fim de encontrar soluções mistas para a implantação das novas indústrias agrícolas. Em terceiro lugar, se partirá da aceitação de que cada nova agricultura requer uma nova paisagem, um novo projeto de paisagem, e, do mesmo modo do passado todas as agriculturas que agora valorizamos e queremos preservar transformaram seus territórios, talvez poderemos chegar a reinventar todas as agriculturas e descobrir que as novas gerações de cultivo também podem ser belas. E, em último lugar, se o que não é indústria agrária vigorosa é bosque ou rio, estaremos estabelecendo as bases de um sistema potente de conservação da paisagem. De que paisagem? Das novas paisagens que teremos projetado. Constatar a grande quantidade de solo de que dispomos nos pode ajudar a pensar que opções como o jardim da metrópole todavia são possíveis. Para nos aproximarmos desta afirmação só serão necessárias duas comparações no âmbito do caso de Barcelona: uma sobre a superfície florestal catalã e outra sobre os espaços não construídos da metrópole. A superfície florestal ocupa, estatisticamente, 62% do território da Catalunha, mas uma parte muito importante de dita superfície é atualmente improdutiva e não dispõe de nenhum modelo de gestão, apesar dos importantes benefícios ambientais e sociais que proporciona, e de que contribui para a conservação da diversidade biológica. Esta superfície nos resulta surpreendente porque está muito distanciada da sensação que se percebe quando se viaja pela Catalunha, posto que uma grande parte desses 62% são zonas não arborizadas, queimadas ou sítios com uma rentabilidade nula. Nos entornos metropolitanos encontramos

11

. Raventós, Manuel, Sobre replobació de boscos, Mancomunitat de Catalunya, Barcelona, 1920. 12

. Ver: Gómez Mendonza, “Plantaciones forestales y restauración arbórea”, Revista de Occidente, nº 149, Madri.

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uma situação equivalente, agravada pela forte pressão urbanística e de considerável abandono de terrenos agrícolas ou florestais. A ocupação por usos urbanos se aproxima dos 30% da superfície da área de Barcelona. Pese a importante superfície livre, não dá esta sensação ao mover-se pela metrópole, posto que uma grande parte do 70% restante é correspondente à zonas ocupadas por usos não controlados, espaços agrícolas abandonados ou de muito baixa qualidade. Assim mesmo, as infra-estruturas trituram os espaços livres resultantes e acentuam a sensação de dispor de pouco espaço. Não obstante, o espaço existe, e poderia ser utilizado em planejamentos coerentes que tratarão de evitar os contínuos urbanos indiferenciados, que, largamente, impossibilitarão a conexão entre as diferentes áreas naturais ou aquelas que poderiam integrar-se no conjunto dos jardins da metrópole. O reflorestamento também pode ajudar a recuperar todos esses espaços. A proposta do jardim da metrópole trata de conservar e aumentar a superfície florestal, mas proporcionando os modelos de conservação e gestão adequados. Como já se disse anteriormente, se deve “reflorestar as terras e as montanhas” mediante sistemas de gestão potentes e incorporando novas idéias que tratem de obter uns bosques ricos e belos; uns bosques da metrópole auto-suficientes que possam continuar gerando benefícios ambientais e sociais;13 uns bosques que não sejam considerados como um valor residual, mas com um valor agregado.14 Como diz Martí Boada, “O bosque não é marginal”.15 Os bosques da metrópole requerem um sistema múltiplo de gestão de uso que promova simultaneamente o uso social desses âmbitos e a produção de matérias primas no mesmo lugar. Para obter adiante um sistema com essas características, deve-se superar o dilema tradicional entre produção e conservação. Não se tratará de implantar sistemas intensivos de gestão florestal produtiva, nem tampouco de promover a conservação estática sem realizar nenhum tipo de gestão. Os sistemas de gestão florestal intensivos promovem a implantação de árvores de crescimento rápido, com um rejuvenescimento continuado dos bosques e uma preferência pelos espaços regulares e específicos de uma só espécie. Frente a esse tipo de posicionamento, podem implantar-se sistemas que promovam diversidade e complexidade estrutural dos bosques, com massas irregulares compostas por espécies diferentes e tamanhos variados. Nesse tipo de gestão, pode promover-se um aproveitamento importante dos recursos naturais respeitando a beleza e as funções ambientais do bosque. Os bosques da metrópole têm que ser implantados tratando de evitar a fragmentação em peças isoladas que, largamente, implica o desaparecimento de espécies vegetais e animais, e dificulta o movimento e a colonização de espécies, assim como a manutenção dos intercâmbios genéticos. A promoção da conectividade entre os diferentes bosques da metrópole se converte em uma estratégia básica para conservar sua riqueza e diversidade. Os bosques da metrópole podem compatibilizar-se com vários tipos de agriculturas urbanas, desde agriculturas integradas no conceito de bosque (exploração controlada do bosque, plantações tradicionais nas clareiras do bosque) àquelas produtivas mais intensivas que podem ocupar áreas de maior dimensão (vinhas com denominação de origem, viveiros de árvores, parques agrícolas). Os bosques da metrópole e as agriculturas urbanas são rentáveis em escala local, pois deles pode obter-se madeiras, alimentos ou ócio, e podem ser rentáveis em escala global porque capturam o dióxido de carbono e reduzem a mudança climática; porque retém a água, controlam a erosão e evitam as inundações; e porque se convertem em reservas de biodiversidade.16 O fomento das novas agriculturas urbanas dará lugar a novas economias da paisagem metropolitana, desde os viveiros ao vinho; desde a produção de madeira local à criação dos

13

. Ver: Lucas, Oliver W. R., The Design of Forest Landscape, Oxford University Press, Oxford, 1991. 14

. Ver: Folch, Ramon, “Valor añadido o valor residual”, La Vanguardia, 13 de junho de 1995. 15

. Ver: Boada, Martí, “El bosque no es marginal”, El País, 8 de agosto de 1999. 16

. Ver: Hodge, Simon J., Woodlands around Towns, The Forestry Authority, Londres, 1996.

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novos materiais que pode produzir-se a partir dos resíduos vegetais; desde as hortas individuais ao fomento dos alimentos próximos: uns alimentos locais de boa qualidade em uma época de globalização sem limites. As infraestruturas verdes A história das infra-estruturas verdes podia começar recordando as plantações em alinhamento com as estradas, canais e vias públicas na França. Nessas vias, as plantações em alinhamento ressaltam a presença das infra-estruturas: a linearidade e a regularidade geométrica das estradas e canais se converte em um componente a mais da paisagem que ajudam a estruturar.

6. Alinhamento de plátanos em uma estrada.

O rei Enrique II foi o primeiro a ordenar, no ano 1552, a plantação sistemática de árvores nos caminhos públicos: “A todos os grandes senhores justiceiros, a todos os camponeses e habitantes das cidades, povoados e paróquias, que plantem e façam plantar ao longo das vias e grandes caminhos públicos importantes muito bons e grandes olmos para que, com o tempo, nosso reino possa estar suficientemente bem plantado”.17 As plantações em alinhamento ao longo das infra-estruturas francesas foram se sucedendo durante os séculos seguintes com um triplo objetivo: as possibilidades econômicas decorrentes de uma produção de madeira efetuada em terreno público com grande facilidade de acesso e transporte; a vontade de embelezar as obras públicas realizadas por uns profissionais que conheciam os requerimentos técnicos concretos para construí-las e que, por sua vez, atendiam as pequenas sensibilidades da arte da paisagem; e a ambição política que utilizava as vias públicas como meio de afirmação sobre o território do poder do rei e da unidade do país. Depois de uns anos em que se puseram em pesquisas desde um ponto de vista da segurança da via, o governo francês estabeleceu as leis necessárias para garantir a proteção dos arvoredos em alinhamento de suas vias públicas. O novo olhar sobre a paisagem havia convertido as plantações em alinhamento em um patrimônio cultural do país. Esta história também poderia começar recordando que a mobilidade se converteu em um dos fenômenos imprescindíveis de nossas vidas e, por conseguinte, da formalização das cidades. Esta mobilidade constitui a base do novo organismo territorial e dos elementos físicos que o garantem: redes de estradas, estradas de ferro, portos e aeroportos resultam um dos principais

17

. Bourgery, Corinne e Castaner, Dominique, Les plantations d’alignement, Institut pour le Développement Forestier, Paris, 1988.

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apoios funcionais do sistema econômico. Seus traçados imprescindíveis se caracterizam por ser uma das agressões mais intensas ao território e, por sua vez, a transformação que gera maiores expectativas de desenvolvimento do próprio território. A mobilidade é uma das expressões mais claras de nossas metrópoles, e as infra-estruturas que a fazem possível um dos elementos mais característicos das novas paisagens metropolitanas. As infra-estruturas verdes são a paisagem resultante da correta implantação da cada infra-estrutura que necessitamos; são o equivalente moderno das plantações em alinhamento das estradas francesas antes citadas.

7. Corredor de ônibus entre Castell-defels y Cornellà, Barcelona, Espanha, 2009. Batlle i Roig arquitectes.

A continuidade das redes de infra-estrutura permite toda uma série de movimentos necessários para o bom funcionamento da cidade, mas seus traçados a miúdo esquecem o resto de outras continuidades que requer a metrópole. O projeto da infra-estruturas verdes pretende obter as melhores mobilidades incluindo nesse conceito as mobilidades lentas – pedestres, bicicletas – e as ecológicas. A estratégia habitual para enfrentar os projetos das novas infra-estruturas se concentra exclusivamente na resolução técnica do problema concreto colocado, obviando todas as implicações urbanas que a infra-estrutura produzirá sobre o território onde se implanta. Joan Roig reclamava uma recuperação da “urbanidade” das obras de infra-estrutura em seu artigo “El puente como espacio público”.18

As infra-estruturas verdes são o resultado da aplicação de uma nova estratégia no momento de resolver os projetos das grandes infra-estruturas em nossos entornos metropolitanos. Primeiro, se tratará de resolver a necessidade inelutável de implantar as grandes infra-estruturas que nossas metrópoles requerem: novas vias de comunicação, aeroportos, portos, grandes estações intermodais, centrais energéticas sustentáveis, espaços da sustentabilidade, etc. Em segundo lugar, se deve partir da evidência de que na maior parte das ocasiões estas infra-estruturas devem implantar-se sobre uns territórios todavia “vazios”, suscetíveis de ser utilizados na organização do que estamos denominando o jardim da metrópole. Em terceiro lugar, há que se constatar a coincidência – nem sempre casual, senão devida habitualmente à razões geográficas de origem – em um mesmo lugar a necessidade de resolver duas problemáticas a princípio contraditórias: por um lado, a necessidade de traçar uma infra-estrutura e, por outro, a constatação de que aquele lugar é imprescindível para as continuidades do novo sistema de espaços livres da metrópole. E, por último, se deve analisar as grandes possibilidades que oferecem os projetos das novas infra-estruturas se si desenvolvem de forma adequada com a pretensão de resolver as diversas complexidades que a metrópole apresenta. As infra-estruturas podem resolver desde o projeto problemáticas que

18

. Roig, Joan, “El puente como espacio público”, Arquitectura, nº 285, Madrid, 1990.

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não são só as vinculadas a seu problema básico. As infra-estruturas têm – ou podem chegar a ter – uma capacidade de gestão que abarque um território maior que o estritamente utilizado pela infra-estrutura concreta, um território que poderá contribuir para resolver estas complexidades.

A estratégia das infra-estruturas verdes parte, portanto, da oportunidade que apresentam estas operações para tratar de resolver outras problemáticas da metrópole. Uma estratégia que buscará o consenso entre infra-estrutura e paisagem; que não se baseará somente na correção dos impactos ambientais que toda infra-estrutura produz, mas nas possibilidades que se desprendem de transformar os projetos das infra-estruturas em grandes projetos de paisagem.

Se conseguirmos outorgar às infra-estruturas este sentido de projeto de paisagem, poderemos inverter a tendência habitual que elas apresentam como algo necessário e imprescindível, mas que destruirá nossas paisagens e que nos causará danos de difícil correção. As grandes infra-estruturas dentro de uma unidade de paisagem que podem ser gestadas desde suas próprias forças e importância, permitirá superar os duvidosos estudos de impacto ambiental dos novos aeroportos, das autopistas, dos novos traçados ferroviários, para passar a pensar na possibilidade de obter umas novas paisagens, construídas e gestadas desde a própria infra-estrutura, mas vinculadas às lógicas do sistema de espaços livres que se intentará consolidar. O parque do aeroporto, os bosques da autopista ou a paisagem do lixão podem converter-se em novos lugares, em novos espaços livres que resolverão as necessidades de implantar novas infra-estruturas, mas também a de encontrar novas maneiras de criar e gestar nossas paisagens. Sua finalidade terá sido, como comentam Rossana Vaccarino e Torgen Johnson em seu artigo “Paisajes reciclados”,19 criar entornos sustentáveis capazes de gerar paisagens próprios, que integrem os usos concretos e criam novos espaços para o ócio. Os jardins temáticos O estrato livre estará composto por várias unidades de paisagem consolidadas a partir dos projetos de drenagem do território, dos bosques da metrópole e das agriculturas que podem ser compatíveis com os entornos urbanos. O estrato livre contribuirá a estruturar os diferentes espaços livres da metrópole, buscando as continuidades urbanas e ecológicas e tratando de vincular seu funcionamento à estrutura urbana onde se inserta. O estrato livre também incorporará os entornos das infra-estruturas, paisagens resultantes a enfrentar com o projeto das infra-estruturas verdes, que terão que se resolver no mesmo território disponível que se trata de organizar. O estrato livre requererá uma nova política de planificação que, em lugar de considerar estes espaços como vazios urbanos, os considere cheios de vida natural, agrícola e florestal. Uma política de planificação que não os considere tão só como espaços ornamentais, mas como uns espaços básicos para o correto funcionamento da cidade. O território ocupado por este novo modelo de espaços livres se estenderá, por tanto, desde sua vocação ecológica e urbana, como um conjunto de espaços naturais ou agro-florestais que compatibilizarão sua gestão desde a ecologia e a agricultura com o uso como espaços livres da nova metrópole. Seu papel como nova geografia da cidade, como reserva ecológica da metrópole, ou como espaço exterior aberto aos cidadãos, passa a ser a chave em sua compreensão e definição. Mas o jardim da metrópole quer ser algo mais na organização das cidades futuras; também é um lugar que pode receber outras temáticas concretas. Os jardins temáticos são espaços do jardim da metrópole que se destinam a um uso concreto, a uma atividade complexa mas compatível com a filosofia desse estrato livre. Os jardins

19

. Vaccarino, Rossana e Johnson, Torgen, “Paisajes reciclados: el reciclaje como motor de cambio”, 2G, nº 3 (Landscape Architecture: estratégias para la construcción del paisaje), Barcelona, 1997, p. 137-143.

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temáticos estarão destinados ao ócio, aos distintos serviços da cidade ou aos espaços da sustentabilidade que tratarão de resolver as diferentes problemáticas meio-ambientais da metrópole. A vinculação dos jardins temáticos ao conjunto do estrato livre provém de uma tripla constatação. Primeiro, a necessidade de resolver a situação de muitas atividades cidadãs que, por uma parte, não encontram seu lugar adequado no conjunto dos tecidos urbanos mais consolidados e que, por outra, poderiam ser compatíveis com estes lugares. Segundo, se avalia a grande quantidade de solo disponível nos interstícios de nossas metrópoles e a impossibilidade de destiná-los totalmente a espaços naturais ou agro-florestais sem atividades complementárias. E, por último, se comprova a possibilidade de que estas novas atividades podem ser capazes de gestão de um espaço superior ao que requerem e que, por conseguinte, possa definir-se uma unidade de paisagem que inclua a atividade e que se compatibilize com o resto dos espaços livres da metrópole. Os jardins temáticos se definem como uns espaços – grandes ou pequenos, abertos ou fechados – dentro do conjunto do jardim da metrópole, e podem destinar-se a usos de muito diversa índole, mas sempre relacionados com um sistema que se explica desde raciocínios mais gerais que os próprios da nova atividade proposta.

8. Cemintério Lyngby integrado no sistema de parques de Copenhague, Dinamarca, 1967. Plum e Iversen.

Os jardins com tema ecológico darão lugar aos espaços da sustentabilidade. A aplicação de todo o tipo de estratégias ecológicas podem contribuir para resolver as problemáticas meio-ambientais, mais também a fomentar novas maneiras de ocupar o território. Em primeiro lugar, produto de todas as estratégias ecológicas, aparecerão os espaços da sustentabilidade, espaços que darão respostas às diferentes problemáticas meio-ambientais de nosso país: depuração das águas, reservas de água, controle da erosão, tratamento de resíduos de todo tipo, criação de energias alternativas, recuperação de espaços degradados, conservação da diversidade da fauna e da flora, integração das grandes infra-estruturas no território, etc. Em segundo lugar, estes espaços da sustentabilidade serão o resultado do aproveitamento das possibilidades que se desprendem da solução dos problemas meio-ambientais desde uma perspectiva ecológica, o que motivará novas maneiras de ocupar o território e originará novas paisagens, evidentemente artificiais – como, por outro lado, quase todas as paisagens que conhecemos –, produto da aplicação das tecnologias disponíveis a uns novos objetivos. Em terceiro lugar, o fomento deste tipo de espaços em nossa paisagem contribuirá à exploração racional dos recursos ecológicos e poderá somar potencial econômico ao potencial meio-ambiental evidente nestas atuações, que se destaca da solução de uns problemas que, por outra parte, requerem solução, E, por último, os espaços da sustentabilidade, autênticas fábricas de paisagem, serão tanto um equipamento meio-ambiental como um novo tipo de espaço livre, que estabelecerá novas formas de integração na paisagem da nova metrópole.

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9. Parque Central, Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha, 1994. Batlle i Roig arquitectes.

Os jardins temáticos poderão desenhar-se como um fenômeno de paisagem polivalente quando seja possível compatibilizar a função requerida com algum tipo de paisagem; ou poderão organizar-se através de alguma estrutura complexa que sirva para ordenar conjuntamente os espaços com usos concretos e os espaços livres que se possam conter temas. Os jardins temáticos poderão ser uma pequena edícula para olhar a paisagem ou uma depuradora natural de águas residuais, um conjunto de hortas privadas ou um estacionamento, um viveiro de árvores para a cidade ou um clube de golfe, uma escola primária ou o entorno de uma fábrica, uma área de piquenique ou um desaguadouro sustentável, um cemitério ou uma área de esportes municipais. Jardins que compreenderão todo um leque de tipologias diversas, desde as follies sobre a paisagem aos pacotes de usos muito concretos, desde edifícios no parque aos espaços da sustentabilidade. O estrato livre, ecológico e agro-florestal se constrói desde as drenagens do território, os bosques da metrópole e as agriculturas urbanas; mas também é um espaço cheio de novos significados que aceita as novas necessidades da cidade e as transforma no projeto das infra-estruturas verdes e dos diversos jardins temáticos. Uns jardins que voltam a vincular a magia da palavra jardim a qualquer dos modernos temas que a metrópole requer. Um conjunto diverso de jardins temáticos para um bom jardim da metrópole. O jardim da metrópole “Todas as ações que empreendemos com relação à água, o bosque, o ócio, o fogo, a agricultura... têm um mesmo segundo objetivo: evitar a degradação de nosso entorno imediato”.20 Wenche E. Dramstad, James D. Olson e Richard T. T. Forman, Landscape Ecology Principles in Landscape Architecture and Land-Use Planning

“A principal característica de um sistema de espaços livres é seu desenho como uma série de parques, cada um com seu caráter paisagístico específico e com umas funções recreativas especiais, ligados por uma cadeia de passeios, caminhos e avenidas, formando um grande parkway que se estenda desde o coração da cidade até os cenários rurais dos subúrbios”.21 Frederick Law Olmsted

“Se trata, definitivamente, de se dar conta de que o verde é nas cidades muito mais que uma simples pincelada decorativa e benigna, que seu correto aproveitamento beneficia âmbitos

20

. Dramstad, Wenche E.; Olson, James D. e Forman, Richard T. T., Landscape Ecology Principles in Landscape Architecture and Land-Use Planning, Harvard University Graduate School of Design, Cambridge (Mass.), 1996. 21

. Olmsted, Frederick Law, citado em Fein, Albert, Frederick Law Olmsted, George Braziller, Nova York, 1972.

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cidadãos de natureza muito diversa, e que sua gestão é delicada e complexa. Necessário e difícil, o verde urbano é um sinal de mais do que alguns pensam”.22 Ramon Folch, Que lo hermoso sea poderoso

A Consideração conjunta e inter-relacionada nos âmbitos metropolitanos das matrizes ecológicas de Richard T. T. Forman, da reinterpretação contemporânea dos sistemas de parques de Frederick Law Olmsted e dos espaços gerados desde a sustentabilidade como resposta aos problemas meio-ambientais, constitui o embrião do nascimento do que aqui denominamos jardim da metrópole. A superposição intencional da matriz ecológica metropolitana, do sistema de espaços livres urbanos e dos entornos com valor agregado dá como resultado o jardim da metrópole, um conjunto de espaços que integram os valores ecológicos que já não podemos depreciar, que potenciam os valores cívicos que nossas cidades requerem e que recolhem todos os valores agregados que podemos tratar de conseguir em cada intervenção que realizemos sobre o território. O Jardim da metrópole pode desenvolver-se em chave de sistema urbano através de uma gestão integrada de todos seus espaços e de todas suas implicações. O jardim da metrópole não é só a soma de todos os retalhos verdes da cidade ou a conseqüência de aplicar nossa vontade ornamental sobre os âmbitos urbanos, senão que pretende ser um sistema contínuo que se explica em chave de matriz e que dispõe de personalidade própria. As matrizes ecológicas, ordenadas segundo o modelo de Forman através da trilogia patch-corridor-matrix,23 são aplicáveis a qualquer território. Os mosaicos que definem cada uma das paisagens que conhecemos são absolutamente diversos, mas suas possibilidades de ser transformados em um sistema ecológico organizado em chave de matriz são sempre muito elevadas. O modelo elaborado por Forman permite analisar qualquer paisagem, mas o modelo interessa, sobretudo, por suas possibilidades de converter-se em uma proposta de ordenação de nossos entornos metropolitanos. Se trata de um modelo com analogias em muitas disciplinas e que pode ser redesenhado em função dos requerimentos que se estabeleçam. As matrizes ecológicas aplicadas aos entornos metropolitanos podem permitir vincular os espaços que ainda conservam algum interesse natural com os espaços degradados suscetíveis de recuperação, ou aos espaços livres que podem ser obtidos a partir dos processos de transformação urbana. As matrizes ecológicas metropolitanas dão valor a espaços abandonados à espera de conhecer seu destino definitivo e nos preparam o território para poder desenvolver um crescimento sustentável aceitável. As matrizes ecológicas fazem emergir todas as possibilidades ecológicas de nossos territórios e, ao mesmo tempo, nos ajudam a decidir a forma mais adequada de atuar em cada uma das intervenções. Os sistemas de espaços livres urbanos nasceram como desenvolvimento do modelo elaborado por Olmsted nos primeiros system park.24 Um modelo que estabelecia a superação dos conceitos estabelecidos nos primeiros parques públicos e somava a sua definição inicial uma maior integração urbana, uma cuidada sistematização dos elementos utilizados e uma intenção de classificar os usos oferecidos. Como já se comentou anteriormente, os jardins domesticaram a natureza para o ócio, os parques a introduziram nas grandes cidades e os sistemas trataram de organizá-la com o objetivo de conseguir uma melhor ordenação das paisagens urbanas. Os novos sistemas verdes tratam de conseguir os mesmos objetivos que os sistemas de espaços livres urbanos tradicionais no marco da realidade atual das metrópoles. O estabelecimento desses novos sistemas permite vincular os espaços livres urbanos tradicionais no marco da realidade atual das metrópoles. O estabelecimento desses novos sistemas permite vincular os espaços livres urbanos da cada pacote urbano – rua, avenida, passeio, praça e parque – aos espaços livres que podem ser obtidos através da revitalização de todos os interstícios metropolitanos.

22

. Folch, Ramon, Que lo hermoso sea poderoso, Altaffula. Barcelona, 1990. 23

. Ver: Forman, Richard T. T., Land Mosaics. The Ecology of Landscapes and Regions, Cambridge University Press, Cambridge, 1995. 24

. Fein, Albert, op. Cit.

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A matriz ecológica metropolitana, composta por espaços de interesse natural que podem conservar- se e pelos corredores verdes que podem ser potenciados, pode compatibilizar-se com o sistema de espaços livres urbanos composto pelos espaços públicos de cada pacote urbano e pelas vias parque que podem ser obtidas em cada nova intervenção sobre o território. Dessa compatibilização nasce um novo sistema que recolhe os valores ecológicos das matrizes e os valores cívicos dos espaços públicos, um novo sistema que pretende atender tanto à escala territorial da metrópole como a escala próxima de cada assentamento urbano. Este novo sistema quer ser capaz de aglutinar as velhas idéias dos sistemas de parque de Olmsted e as novas necessidades de nossos entornos metropolitanos. Recupera as continuidades que Olmsted explorou em Prospect Park no Brooklin ou no sistema de parques de Boston, e as complementa com as continuidades que a ecologia valida agora como indispensáveis. Não obstante, os espaços disponíveis para formar parte desse novo sistema são também frágeis, estão sujeitos a diferentes expectativas que podem fazer que resultem inutilizados como espaços potenciais do jardim da metrópole. Se trata de espaços que se consideram pendentes de urbanizar, ou que podem ser o melhor lugar para dispor as novas infra-estruturas. Também é nesses lugares onde a metrópole resolve seus problemas meio-ambientais, ou onde tem que circular as energias que se consome. O jardim da metrópole não pretende obviar todas essas problemáticas, mas propõe compatibilizá-las no marco de sua implantação sobre o território. Os entornos com valor agregado são os espaços livres que se podem gerar desde a resolução de cada problema proposto. Os entornos com valor agregado tratam de compatibilizar a existência do jardim da metrópole com o desenvolvimento de novos assentamentos, o traçado de novas infra-estruturas, a implantação de novos usos metropolitanos ou a necessidade de espaços destinados a resolver as problemáticas meio-ambientais. Os entornos com valor agregado podem converter-se em novos fenômenos de paisagem que atenderão tanto a Problemática concreta que se esteja resolvendo como o aumento da qualidade dos espaços naturais próximos. Os entornos com valor agregado são novos espaços livres que se destinam a uma temática concreta, mas que não renunciam a obter a melhor qualidade ambiental possível. Os entornos com valor agregado podem ser novos jardins – os jardins temáticos – que também podem integrar-se no conjunto do jardim da metrópole. Os entornos com valor agregado são o resultado da boa gestão de um problema, a conseqüência de aceitar os crescimentos urbanos que requer a cidade sem renunciar a ele para obter o maior número possível de espaços livres de qualidade. Os entornos com valor agregado também podem integrar os espaços que denominamos intra-estruturas verdes, os entornos corretos das infra-estruturas que necessitamos. Os valores agregados dos jardins temáticos e das infra-estruturas verdes complementam os valores ecológicos e cívicos da matriz ecológica metropolitana e do sistema de espaços livres urbanos. O conjunto de todos eles compõem este novo estrato que denominamos o jardim da metrópole. A sociedade atual magnífica duas situações contrapostas: os espaços naturais protegidos e a cidade compacta bem urbanizada. Entre esses dois mundos, o jardim da metrópole trata de estabelecer um modelo que permita ordenar corretamente a cidade e seus espaços livres. Para consegui-lo, o jardim da metrópole aceita que é resultado da confrontação entre estas duas situações e que, portanto, não só têm que se defender os parques naturais ou as cidades acabadas, mas que se deve trabalhar nos territórios de fronteira entre ambos, para dar lugar a novos espaços que assumam seu papel de lugares de transição. O futuro do jardim da metrópole se determina a partir de um bom desenho desta confrontação, o que aqui denominamos limites complexos. Os limites complexos são também o resultado de uma valorização especial do espacio intermédio, do que se encontra entre o espaço livre e o

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construído, entre o jardim da metrópole e a cidade consolidada. Uns bons limites complexos servem para melhorar as condições dos elementos que separam e unem. Um espaço intermediário que em lugar de buscar a confusão entre as diferentes partes da cidade nos pode ajudar a encontrar a identidade positiva de cada uma delas, e que, tal com expressou o paisagista Gustav Lange, pode ser o elemento mais expressivo do conjunto: “A poesia se cria com a distância entre os elementos”.25 A valorização da distância entre os elementos nas periferias metropolitanas permite potenciar os vazios como elementos interessantes que definem a separação justa entre as diferentes partes da cidade. Bernardo Secchi fala do conceito da “distância justa”26 e Manuel de Sola-Morales de “distância interessante”27 para intentar definir a regularização deste novo componente físico das cidades.

10. Par Central, Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha, 1994. Batlle i Roig arquitectes.

Na construção do jardim da metrópole, a distância interessante nos ajudará a definir as relações justas entre a cidade construída e uns vazios urbanos que já haverão encontrado sua identidade. A vontade de estabelecer claramente a identidade destes vazios urbanos através de idéias, como as do estrato livre, é uma das diferenças principais entre este trabalho e as propostas dos autores que defendem conservá-los, mas que consideram que se trata de um território que não requer nenhum tipo de desenho. Desde os setores ecologistas se promove a conservação destes vazios como espaços necessários para poder conservar os sistemas naturais dentro da metrópole, enquanto que desde os setores do planejamento urbanístico também se promove sua conservação como espaços de defesa do crescimento urbano e como espaços de reserva para atividades urbanas futuras. O jardim da metrópole quer ser o elemento que encontre o equilíbrio entre as distintas propostas, recolhendo as melhores virtudes de cada uma e tratando de resolver as confrontações sem evitá-las. Talvez o destino final do que estamos tratando de definir se resuma na busca de um modelo para desenhar o território metropolitano compreensível e coerente no qual nossa sociedade possa ver-se representada de alguma maneira. Bernardo Secchi p resume brilhantemente com as palavras seguintes: “Nos dizem depois que também é importante interconectá-los com uns corredores porque assim as diferentes espécies, botânicas e animais, podem emigrar de um lugar a outro, e que estas migrações aumentam a biodiversidade. Aumentam a diversidade das espécies que se acham presentes em cada uma dessas áreas, espécies botânicas e animais. E um aumento da biodiversidade redunda em um aumento da capacidade de resistência do sistema ecológico para enfrentar-se com toda a artificialidade que nós introduzimos, Eu não sei si é certo ou não... A mim me agrada o tema; as migrações mesclam as espécies, aumentam a biodiversidade, aumentam a capacidade de resistência... Me agrada porque me parece uma grande metáfora social. Se nós nos mesclamos , nos fazemos mais fortes todos... Mas sobre o

25

. De um artigo de Gustav Lange na Bienal de Paisagem de Barcelona, março de 2001. 26

. De uma conferência de Bernardo Secchi proferida no curso “Planejamento urbanístico em controvérsia” no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB), julho de 2001.

27

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que quero chamar a atenção é sobre isso; eu falei de ponto, de linha e superfície. Começam a converter-se em uma linguagem minha, de arquiteto, de pessoa que projeta um território. Começo a ver coisas que sei como manejar, materiais com os quais trabalhar na construção de um projeto. Todos nossos projetos são composições feitas a base desses elementos. É esse o aspecto que me interessa. Não usar o sistema ambiental só para conter a expansão urbana ou para conter o consumo do solo da cidade, senão utilizá-lo ademais para dar um desenho ao território onde se reconheça, talvez, seu último sentido. Talvez, na cidade decimonônica nós conseguimos sentirmo-nos em casa porque encontramos uma cidade feita de ruas, de calçadas, de pontos, de monumentos que restituíam a seu ponto justo a ordem urbana, e era isso precisamente o que a cidade decimonônica pretendia. Talvez a sociedade da primeira parte do nosso século, um pouco enamorada de todo o maquinismo, de todas as grandes obras de engenharia, se reconhecia a si mesma nos grandes sistemas infra-estruturais. Talvez hoje nós não podemos usar estes elementos para compreender a forma da cidade, que pelo contrário cresce, se dispersa e se confunde por todas as partes, convertendo-se em um amálgama de objetos muito heterogêneos. Mas podemos, pelo contrário, usar uma correta projeção do sistema ambiental, ponto, linha e superfície do sistema ambiental, para conseguir desenhar o território. Com um desenho compreensível, coerente, um desenho no qual nossa sociedade, de alguma forma, consiga sentir-se representada”.28 A matriz ecológica metropolitana A sustentabilidade e a biodiversidade formarão parte dos mitos desse novo século. Pese a ambiguidade da definição e a multiplicidade de interpretação que oferecem, são conceitos que começam a estar presentes em cada uma de nossas atividades. A matriz ecológica metropolitana é o resultado do emprego de ditos conceitos no desenvolvimento territorial das cidades. Como o define Manlio Vendittelli, a sustentabilidade está deixando de ser uma quimera para ser um paradigma, e idéias como matriz ecológica metropolitana talvez possam converter-se em um novo paradigma da ordenação territorial metropolitana.29

Patches e corridors Trampolins Matriz 11. Matrizes ecológicas. Wenche E. Dramstad, James D. Olson e Richard T. T. Forman.

A idéia de matriz ecológica metropolitana parte da aplicação dos princípios do landscape acology sobre nossos entornos metropolitanos. Os teóricos da landscape ecology, como Wenche E. Dramstad, James D. Olson e Richard T. T. Forman,30 desenvolvem o modelo patch-corridor-matrix desde a perspectiva de que todos os mosaicos estão compostos pela combinação desses três tipos de elementos espaciais. O estudo e a análise das diferentes características desses espaços lhes permite chegar a um melhor conhecimento da paisagem, com o objetivo de poder ajudar a desenhar ordenações territoriais mais corretas e conseguir definir as correlações necessárias para um melhor funcionamento dos sistemas ecológicos. A idéia que tratamos de desenvolver aqui complementa este enfoque desde a perspectiva urbana de nossas cidades. A matriz ecológica metropolitana é o resultado de desenvolver o modelo patch-corridor-matrix a partir das possibilidades que nos oferece a atual situação de nossas metrópoles. Os patches (unidades de paisagem) são os espaços de interesse natural existentes ou possíveis que podemos encontrar em nosso território. Os corridors (corredores) são os elementos que nos permitem obter a conectividade ecológica entre os diferentes espaços de interesse natural. As matrix (matrizes) são a malha ou estrutura ecológica que

28

. Secchi, Bernardo “La práctica actual de la proyetación territorial” (conferência proferida no Máster de Projetação Urbanística da Universitat Politécnica de Catalunya), em Eizaguirre, Xabier (ed.), La construcción del território disperso, Edicions UPC, Barcelona, 2001. 29

. Vendittelli, Manlio, La sostenibilità da chimera a paradigma, Franco Angeli, Milán, 2000. 30

. Dramstad, Wench E.; Olson, James

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explica a forma e o funcionamento de um mosaico. A matriz ecológica metropolitana é o sistema composto pelos diversos espaços de interesse natural que podemos potenciar e por diferentes corredores verdes que podemos estabelecer. As análises da ladscape ecology estudam os atributos específicos de cada um desses elementos para estabelecer a linguagem a utilizar em sua classificação. Falam, por exemplo, de patches grandes ou pequenos, alargados ou redondos, irregulares ou suaves... Os corredores podem ser largos ou estreitos, com muita ou pouca conectividade, e podem formar meandros ou ser retilíneos. As matrizes podem ser extensivas ou limitadas, contínuas ou perfuradas, variadas ou homogêneas. Na nossa perspectiva, a aplicação desses princípios aos entornos metropolitanos não só tem que trabalhar com os espaços que contam com uma alta valorização ecológica, mas que também há de incluir todos aqueles que podem se recuperar ou se potenciar, igualmente como todos aqueles lugares que se podem criar de novo a partir de cada uma das intervenções que se realizam. Também se estabelece a necessidade de assimilar estes espaços desde todas as escalas de trabalho, incorporando tanto os grandes espaços de interesse natural já protegidos como os pequenos lugares que podem oferecer alguma valorização ecológica, por pequena que seja. Os espaços de interesse natural (patches) foram os primeiros lugares sobre os quais se centrou o interesse dos ecologistas, uns espaços que podem ser delimitados e se associar a uma ilha natural no meio de território. Muitos deles são objeto de algum tipo de proteção, que dá lugar às normas que hão de tornar possível sua conservação. Suas características e a distribuição sobre o território determinam os benefícios ecológicos que podemos obter. Sem dúvida, uma leitura mais cuidadosa do território mostra que os espaços de interesse natural existentes ou possíveis são muito mais numerosos que os protegidos ou em processo de conservação. Uma análise mais detalhada dos territórios pode oferecer muito mais unidades de paisagem que contribuam a desenhar uma distribuição ecológica mais homogênea. Assim mesmo, uma maior confiança nas possibilidades de intervenção sobre o território abre as portas à criação de novos espaços naturais que complementam os existentes e os potenciais. Os benefícios ecológicos que nos oferece a combinação dos espaços de interesse natural – existentes, recuperados ou criados ex novo – distribuídos adequadamente pelo território, permite estabelecer novos critérios para determinar que modelos de ordenação territorial são mais coerentes. O estudo dos corredores tem ajudado a entender melhor determinados ecossistemas, e se converteu em um fator chave na hora de pensar nas possíveis aplicações urbanas das teorias da ecologia da paisagem. Os corredores ecológicos ou corredores verdes existentes permitem a conectividade entre os diferentes espaços de interesse natural e mostram as enormes possibilidades que podem ser obtidas graças a eles. As funções dos corredores verdes são reguladas por duas características básicas: sua largura e conectividade. No marco das situações metropolitanas, a conectividade ecológica sofre habitualmente muitas interrupções devido às infra-estruturas, nas novas implantações ou nas possibilidades físicas reais de estabelecer um novo corredor. O vento facilita determinados movimentos de espécies se a distribuição de espaços de interesse natural os coloca suficientemente próximos uns dos outros, mas não garante a continuidade física requerida. Os sistemas de drenagem do território são os corredores mais estáveis e contínuos, e os que têm uma maior capacidade de recuperação ainda que totalmente degradados.31 As unidades de paisagem e os corredores conformam as matrizes cuja saúde ecológica se mede pela capacidade de comunicação e conectividade dos sistemas naturais existentes. As matrizes com vários circuitos oferecem uma conectividade de melhor qualidade ecológica e

31

. Ver: Saunders, Denis A. E Hobbs, Richard J., The Role of Corridors, Surrey Beatty & Sons, Chipping Borton, 1991.

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permitem pensar em rotas alternativas para os diferentes movimentos de espécies. A escala e o tamanho da rede que defina a matriz determinarão a efetividade e as possibilidades de conservá-la e melhorá-la. As interseções entre diferentes corredores ou os pontos nos quais um corredor conecta-se com uma unidade de paisagem se converterão em lugares suscetíveis de conservação, com o fim de manter o equilíbrio ecológico da matriz. Os limites dos diferentes espaços que compõem uma matriz ecológica definem sua formalização física e garantem a efetividade de seus conteúdos; são os espaços mais frágeis de uma matriz, mas também os que podem ser manipulados com maior facilidade para melhorar as condições ecológicas de um sistema. A forma dos limites e o tamanho dos espaços de transição determinam indiretamente as influências que se estabelecerão entre ambos sistemas contrapostos: a matriz ecológica e a cidade construída. A simplicidade formal que adotam os esquemas gráficos das complexas decisões ecológicas tenderá a adaptar-se aos difíceis territórios metropolitanos através de um trabalho muito mais detalhado que considere as múltiplas peculiaridades destes lugares. A matriz ecológica metropolitana deverá construir-se a partir de espaços de tipologias muito diversas, algumas das quais talvez não apresentem a qualidade ecológica desejada desde uma perspectiva científica, mas que não tenderíamos a depreciar porque contribuem a construir o mínimo sistema possível. A matriz ecológica metropolitana não poderá ser só uma operação de conservação de espaços de interesse natural, mas uma operação de projeto urbano que tenha em conta os princípios básicos que se tenha estabelecido. A potenciação de uma matriz ecológica em um entorno metropolitano supõe a ativação de sistemas naturais capazes por si mesmo de melhorar a qualidade ambiental do conjunto e, por conseguinte, talvez consigam a transformação de espaços degradados em uns que queremos conservar. Uns sistemas naturais emergentes que contribuirão para a construção de uma matriz ecológica metropolitana cada vez mais eficiente. A matriz ecológica metropolitana poderá integrar em seu conjunto espaços de usos muito diversos, como os espaços agrícolas compatíveis com os espaços livres e esportivos de alto valor natural. Os entornos metropolitanos não podem renunciar ao duplo interesse destes tipos de espaço, posto que se trata de lugares destinados a uma atividade concreta – agricultura, ócio, esporte, etc. – que, simultaneamente, nos podem oferecer um valor natural totalmente compatível com os princípios ecológicos da matriz. A construção da cidade requererá uma multiplicidade de atuações que muitas vezes colocarão em crise determinados lugares da matriz ecológica. Em ocasiões, a matriz não será efetiva devido a intervenções mal planejadas ou a desenvolvimento de ordenações que ignorem ditos princípios. Em outras, alguns destes pontos terão uma grande importância estratégica para conseguir que o sistema ecológico funcione. Estes pontos estratégicos podem ser objeto de uma atenção especial que os converta em lugares a resolver. São o que Richard T. T. Forman denomina military points (pontos militares),32 um elo débil da cadeia, o lugar imprescindível sem o qual o sistema pode carecer de sentido. Sem esses pontos, o sistema se dilui, mas uma resolução brilhante pode conseguir convertê-los na porta do sistema, em um de seus pontos de máxima tensão e expressão. Um de nossos máximos objetivos será conseguir que a construção da cidade seja compatível com a potenciação da matriz. Desta compatibilização podem nascer muitos territórios de projeto, pontos estratégicos que validarão a qualidade e a vigência de ambos sistemas. Para aproximarmo-nos do papel que podem desenvolver as matrizes ecológicas no contexto metropolitano, podemos analisar as propostas de anéis verdes das cidades espanholas de Vitória e Barcelona. As propostas têm a pretensão de superar o simples desenho que agrupa

32

. Forman, Richard T. T., Land Mosaics,op.cit.

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diferentes espaços de interesse natural que tiveram a sorte de receber algum tipo de proteção legal, para iniciar a análise de suas vantagens como embrião da possível matriz ecológica metropolitana. No caso de Vitória, o anel está consolidado em grande parte, e serviu de instrumento para impulsionar novos projetos, como os caminhos urbanos entre o centro e a periferia. No caso de Barcelona, o anel é a simplificação de um projeto mais ambicioso que trata de definir a matriz ecológica metropolitana de Barcelona.

12. Matriz ecológica metropolitana de Barcelona, Espanha.

Desenho da possível matriz ecológica metropolitana de Barcelona, a partir da superposição dos espaços que compõem o anel verde de Barcelona, do conjunto das drenagens do território, os diversos corredores verdes, os diversos espaços agrários que podem ser potenciados e de alguns entornos com valor agregado que poderiam ser incorporados.

As propostas formulam critérios que são válidos para todas as escalas de trabalho, desde a territorial, que nos permite sonhar com os anéis verdes na escala de projeto urbano para construir uma pequena, mas importante, aproximação ao conjunto do jardim da metrópole. E assim se poderia continuar desenhando, ou planejando, com a mesma ilusão e os mesmos critérios, em todas as escalas, até chegar ao último detalhe ecológico, ao último detalhe cívico, ao último detalhe acrescentado, e sempre com todos os valores estéticos possíveis.

13. Zonas húmidas de Salburua, anel verde de Vitória, Espanha.

O sistema de espaços livres urbanos Os espaços livres urbanos da metrópole atual seguem sendo a rua, a avenida, as calçadas, a praça e o parque de cada unidade urbana. Sem dúvida, as distintas ocupações dos interstícios metropolitanos também oferecem outros espaços livres, que muitas vezes têm outros índices de utilização mais elevados que alguns espaços urbanos tradicionais. Os espaços livres do centro de ócio, do centro comercial, do aeroporto, do recinto universitário, do centro empresarial, de algum complexo industrial privado, de alguma instalação esportiva são também espaços livres urbanos que, em geral, respondem exclusivamente ao programa concreto do agente que os faz possível. Entre as unidades urbanos com espaços livres urbanos tradicionais e os interstícios metropolitanos cheios de novas ocupações – os novos espaços livres urbanos –, fica o terrain vague metropolitano, com todo sua desordem formal mas com toda sua riqueza natural potencial. O aproveitamento destes territórios de fronteira permite completar e enriquecer ambas situações: a dos espaços livres urbanos de cada unidade urbana, que habitualmente se desenvolve no limite entre a cidade compacta e algum espaço natural degradado, e a dos

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novos espaços livres urbanos, que, por definição, já se desenvolvem sobre lugares com muitas potencialidades, frequentemente esquecidas.

14. Sistema de parques de Barcelona, Espanha, 1926. Nicolau Maria Rubió i Tudurí.

A idéia de organizar os espaços livres da cidade e de tratar de vinculá-los aos espaços naturais próximos tem sido considerada reiteradamente ao longo da história. Em 1926, Nicolau Maria Rubió i Tudurí o apresentava assim: “As ‘reservas de paisagem’ são extensões consideráveis de campo, ou de bosque, que as grandes cidades adquirem, em lugares pitorescos, às vezes nos limites municipais vizinhos, com o objetivo de prever o desenvolvimento futuro da população e de garantir aos cidadãos o gozo da paisagem que rodeia a cidade. Se aumenta a eficácia destes espaços livres unindo-os, no possível, por meio de avenidas-jardim que permitam aos passeantes transladar-se de uns a outros sem ter que passar pelo tumulto do tráfego. Ademais, convém que os parques suburbanos formem uma cintura e que os parques exteriores se introduzam às vezes até ela, em forma de cunhas de paisagem cravadas na cidade. Uma melhor circulação do ar puro e uma aparência de maior proximidade do campo livre são as consequências benéficas desse sistema”.33 A recuperação da idéia de sistema de parques aplicada às metrópoles atuais permite recuperar o conceito de conexão entre os diferentes espaços livres, aproveitando as possibilidades que oferece a situação urbana antes enunciada. A metrópole atual se estende desde a rede de infra-estrutura que a conecta, e só começa a ser uma cidade eficiente quando esta galáxia de comunicações é suficientemente completa. A idéia de que as redes de ruas, de autopistas, de energia, de telecomunicações e de transporte público tem que ser completas, é uma demanda aceita que só atrasa a negligência das Administrações. A idéia de uma rede de conexões verdes para pedestres, bicicletas, etc., só é um sonho embrionário que frequentemente se reivindica, mas que na maior parte das vezes se destrói.

15. Passeio da margem do rio Arianzón, Burgos, Espanha.

33

. Rubió i Tudurí, Nicolau Maria, El problema de los espacios libres. Divulgación de su teoria y notas para su solución práctica, Ayuntamento de Barcelona, Barcelona, 1926.

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As conexões verdes através de vias parques permitem conectar os espaços livres urbanos tradicionais de um unidade urbana com outro, ou com um espaço livre de nova geração. As conexões verdes também permitem a conexão com os espaços naturais que compõem a matriz ecológica, e estabelecem assim uma rede continua de caminhos que complementaria o resto das redes de comunicações imprescindíveis para a metrópole. Os novos sistemas verdes se constroem desde a idéia da recuperação das conectividades perdidas, mas também abre a base que pode estabelecer cada um dos novos espaços livres. Estes novos espaços livres – margem de cidade compacta ou interstício metropolitano – não podem ser desenhados exclusivamente desde o programa local que os possibilita, mas devem recolher e assumir o papel que lhes corresponda dentro de um suposto sistema ideal. Estes espaços livres poderão formar parte de uma sucessão de espaços que tratem de estabelecer alguma conectividade ou ser imprescindíveis para recuperar algum lugar natural degradado. Estes novos parques também poderão vincular-se aos sistemas naturais que todavia se encontrem no lugar ou aos novos sistemas naturais que se estabeleçam para fazer emergir os valores ecológicos que antes se havia anulado. Um sistema de espaços livres urbanos que se explicará desde essa dupla perspectiva, a de uns espaços que se organizam como um sistema como meio de consolidar as conectividades, e uns espaços construídos a partir de uns sistemas naturais potenciados ou recuperados. Manlio Vendittelli o explica como uma contraposição ao modelo de parque tradicional, que se entende como uma ilha de felicidade em meio de um mar de insustentabilidade, e nos solicita esta dupla idéia: a de parque como sistema natural e a de sistema de parques como instrumento de conectividade.34 A consolidação deste novo sistema de espaços livres requer a realização de múltiplas conexões e uniões verdes entre os diferentes âmbitos da cidade e entre os diferentes espaços livres existentes. As uniões verdes são uma nova versão das vias parque dos velhos system park de Frederick Law Olmsted, umas uniões que promovem o passeio, que apresentam um elevado interesse metropolitano porque permitem a comunicação dos cidadãos com todos os espaços livres disponíveis, porque estabelecem uma rede que oferece a possibilidade de eleger e alargar os caminhos. Nos arredores de Paris se consolidou uma importante rede de liaisons vertes que oferece aos cidadãos uns percursos de qualidade e uma melhoria ambiental evidente.35 As uniões verdes são compatíveis com a revitalização das vias locais como elementos que permitem estruturar as tramas urbanas dispersas pelo território. Todo espaço não construído permite uniões urbanas e pode ser o apoio de uma união verde. É importante analisar a grande quantidade de espaços livres infra-utilizados ou marginalizados como espaços residuais, situados em áreas densamente povoadas. Estes espaços também são suscetíveis de construir boas uniões verdes, e muitas vezes constituem as últimas possibilidades que ficam para estabelecer percursos entre as partes construídas e os espaços naturais. As margens das estradas, autopistas, vias férreas e outras infra-estruturas ; os traçados de infra-estruturas obsoletas, margens de rios e riachos, grandes equipamentos esportivos ou educativos com percursos interiores fechados ao público, praias, etc.,são só alguns exemplos de espaços que podem permitir a continuidade desejada. Nos Estados Unidos, este tipo de espaço público é o mais solicitado pelos cidadãos, tal como explica Arturo Soria em seu artigo “O passo seguinte”, onde analisa a política de criação das greenways (vias verdes) que permitem aos cidadãos sair da cidade a pé, a cavalo ou de bicicleta, quer dizer, sem necessidade de recorrer ao automóvel.36 As dimensões de uma união verde como passeio são variáveis e dependerão sempre das disponibilidades físicas ou das previsões urbanísticas. Uma união verde pode reduzir-se a um

34

. Ver: Vendittelli, Manlio, op. Cit. 35

. Ver: Liaisons vertes em milieu urbain, Institut d’Aménegement et d’Urbanisme de La Région d’Ile-de-France, Paris, 1987. 36

. Soria, Arturo, “El paso siguiente”, em AA VV, La reconquista de Europa, Espacio público urbano 1980-1999, Centre de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB), Barcelona, 1999.

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passeio de cinco metros de largura ao longo de algumas centenas de metros, ou pode converter-se em um autêntico corredor verde de largura suficiente e uns poucos quilômetros de comprimento. Não há regras estritas, mas os espaços de mais de trinta metros de largura que garantissem a continuidade ao longo do território começam a constituir umas vias eficientes. As uniões verdes se entenderão basicamente como espaços arborizados que também poderão exercer funções de drenagem das águas da cidade. Será essencial a continuidade dos percursos para pedestres e bicicletas, e, portanto, a boa resolução de todos os cruzamentos com o resto das infra-estruturas. As uniões verdes poderão ser simples passeios urbanos ou aproximarem-se ao conceito de corredor ecológico, garantindo assim as continuidades naturais. A reconversão desses espaços em drenagens vistos da cidade permite aproveitar a água da chuva para criar espaços úmidos que passarão a formar parte do sistema de parques e do próprio sistema natural. As uniões verdes são uma peça a mais do sistema de percursos urbanos das cidades. Para ilustrar as possibilidades destes sistemas no marco dos entornos urbanos catalães, podemos empregar dois exemplos realizados desde a órbita municipal, mas que são uma boa contribuição para complementar a matriz ecológica metropolitana: o sistema de parques de Sant Cugat del Vallès e o corredor urbano do canal de Sant Climent em Viladecans.

16. Parc del Monestir, sistema de parques de Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha, 1996. Batlle i Roig arquitectes.

Ambos casos são propostas que intentam estabelecer um sistema de parques no interior da cidade aproveitando os vazios que a própria cidade gerou na ocupação do território. Estes vazios (talvegues em ambos casos) se converteram em novos espaços livres da cidade e dão lugar a umas continuidades para o pedestre antes inimagináveis. Estes sistemas de parques se converteram no melhor plano de ordenação para empreender o futuro desenvolvimento de ditas populações, e oferecem três vantagens claras: em primeiro lugar, se obtém muitos espaços livres para a cidade e se conservam os valores naturais do território original: em segundo, se permite o crescimento controlado da cidade com novos bairros que completam o contínuo urbano prévio e definem a forma perimetral do sistema de parques; e, por último, se consegue uma sequência de espaços que conectam o interior da cidade com os espaços naturais próximos. A vinculação entre os novos crescimentos urbanos e o estabelecimento dos sistemas de espaços livres apresenta outra vantagem evidente porque possibilita o financiamento conjunto de todo o âmbito. No caso de Sant Cugat del Vallès, o embrião do sistema de parques permite um passeio que, por um parte, leva desde o centro da cidadeaté o parque agrícola de Torrenegra e o parque de Collserola e, por outra, até Sant Llorenç del Munt, através do hipotético corredor verde de Vallès. Vários espaços livres procedentes de operações urbanísticas independentes acabam formalizando um sistema de parques face a inexistência de um plano municipal a respeito. Espaços de tipologias diferentes acabam encontrando a unidade na continuidade da vegetação, até conseguir a unificação de um vale agrícola reconvertido em parque, os espaços livres de um novo bairro e o parque que acompanha um talvegue.

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17. Parc de La Marina, sistema de parques de Sant Climent, Viladecans, Barcelona, Espanha, 2008. Batlle i Roig arquitectes.

Em Viladecans, os espaços livres gerados em torno do de Sant Climent permitem estabelecer um percurso entre o mar e a montanha que corta e une, simultaneamente, todo o município. Por um lado, se vinculam ao sistema do parque natural de Garraf e, por outro, para o mar, se põem em contato com o parque agrário do Llobregat e os espaços naturais do desta do rio Llobregat. O impulso municipal de recuperação do talvegue de Sant Climent se converte em um plano marcante que ordena todas as intervenções ao longo de seu curso. Um parque que se desenha desde a lógica dos sistemas naturais dos talvegues e que consegue desenhar um sistema de parques que atravessa toda a cidade; que aproveita todos os espaços que encontra para converter-se em uma união verde entre a montanha e o mar. Em ambos exemplos, o planejamento geral não previa estas opções, e os planejamentos parciais optaram por uns espaços livres desagregados e relacionados a partir de unas lógicas mais urbanas. O resultado é uma mostra da capacidade que têm estas idéias de ser transformadas em realidade mantendo todos os demais parâmetros urbanísticos. Ambos os sistemas de parques foram financiados pela iniciativa privada, mas com o controle municipal que supervisionava a execução. Os entornos com valor agregado Os entornos com valor agregado são o resultado do melhor estudo de impacto ambiental que podemos elaborar sobre as intervenções no território. São o resultado positivo de uma boa interação entre o programa concreto a implantar e as capacidades naturais da paisagem que o suportará. São um espaço livre que pode completar os conjuntos da matriz ecológica metropolitana e do sistema de espaços livres urbanos, para dar lugar ao jardim da metrópole. Estes entornos podem ser um valor agregado à intervenção concreta que se está realizando. Habitualmente, se considera que este tipo de intervenção sempre é nocivo para a paisagem que a suporta e que, por conseguinte, cabe determinar o impacto ambiental que produz para, mais tarde, poder praticar as correções necessárias. Em seu livro Que lo hermoso sea poderoso, Ramon Folch comenta: “O último episódio desse processo começa quando a obra civil se está terminando, se bem que pode continuar longo tempo depois de que esta esteja terminada: é a restauração de todas as feridas causadas. Se trata de fixar taludes, de regenerar zonas afetadas por armazenamentos e instalações temporárias, de construir passagens para animais que efetuam deslocamentos através do lugar, etc. Este processo se reduz demasiado frequentemente a uma jardinagem de circunstâncias que pouco tem a ver com uma verdadeira restauração global e que, ademais, sai ser cara de implantação e caríssima de manutenção: se destruiu desnecessariamente o que já havia e não custava nada, e se colocou o que não existia, vive mal e custa muito”.37 Sem dúvida, os entornos com valor agregado aspiram ser algo mais que umas correções ambientais bem realizadas: querem ter sentido por si mesmos, converter-se em um fato paisagístico superior à intervenção concreta realizada. Se trata de atuar com energia com os

37

. Folch, Ramon, Que lo hermoso sea poderoso, op. Cit.

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materiais próprios da paisagem, evitando o desastre e desenhando a natureza com a confiança de que se está buscando um mundo melhor. Lewis Munford o explicava assim na introdução do famoso livro de Ian L. McHarg: “Ainda que se apresenta como uma chamada à ação, não está destinado aos que crêem nos programas intensivos ou nas soluções imediatas, senão melhor, o que nos oferece é um fresco caminho de pedrinhas sobre a paisagem já existente. Nessa obra encontramos os cimentos de uma civilização que, sem dúvida, recolocará um mundo contaminado, de terrenos maltratados pelos grandes deslocamentos de terra, dominado pelas máquinas, desumanizado, ameaçado por explosões e que,nesses momentos, está se desintegrando e desaparecendo ante nossos olhos. Ao apresentarmos esta impactante visão da exuberância dos elementos orgânicos e do deleite humano que a ecologia e o desenho ecológico prometem desentranhar, McHarg reaviva a confiança em um mundo melhor”.38 Como sugere McHarg,39 da correta relação entre as intervenções e a natureza devem surgir estes valores agregados desejados. Os valores agregados destas intervenções poderiam ser os espaços livres que permitam efetuar uma integração correta do objeto correspondente no marco do projeto de paisagem daquele lugar. Estes espaços livres poderiam ser o entorno adequado para a correção necessária do impacto que se produz, ou o resultado de aproveitar a intervenção prevista como se si tratasse de um espaço livre. Em ambos casos, se trata de considerar o conjunto como uma só unidade de paisagem que agrupa a intervenção concreta e seu entorno. Esta unidade tenderia à gestão simultânea da intervenção e do entorno, de maneira que um e outro fossem elementos inseparáveis. Os entornos com valor agregado seriam os espaços livres dessas intervenções, mas também se relacionariam com o sistema global de espaços livres metropolitanos, cumprindo funções cívicas e ecológicas que complementam o conjunto. O projeto das infra-estruturas e dos equipamentos necessários para obter ditos valores agregados dá lugar ao que antes temos denominado de infra-estruturas verdes,uns híbridos de programas concretos e paisagem, uma nova tipologia do espaço livre. As infra-estruturas verdes são os entornos com valor agregado que podem complementar o conjunto formado pela matriz ecológica metropolitana e o sistema de espaços livres urbanos. O Parc del Nus de La Trinitat e o Par del Tramvia, situados na envoltória de Barcelona,são dois exemplos das dificuldades intrínsecas da transformação das infra-estruturas em infra-estruturas verdes, dois exemplos onde o projeto dos entornos das infra-estruturas consegue corrigir as carências iniciais do projeto da própria infra-estrutura. O Parc del Nus de La Trinitat solta um parque no interior de um grande nó viário, enquanto que o Parc del Tramvia trata de conseguir uma nova paisagem sobre o traçado coberto de uma autopista. O Parc del Nus de La Trinitat é o entorno de uma infra-estrutura e uma paisagem em si mesmo, o resultado de um bom estudo de impacto ambiental da complexa infra-estrutura que deveria executar-se. Sem dúvida, o parque é o resultado de um projeto de paisagem que busca referências mais globais, com o objetivo de superar a complexidade do problemas e com a pretensão de obter um parque público para os bairros próximos. O parque é uma paisagem construída desde a topografia e a agricultura, mas também é uma estrutura complexa que tem a pretensão de organizar-se como um espaço livre em meio ao nó viário. A solução adotada trata de vincular este lugar com um suposto sistema geral de espaços exteriores, através da continuidade das diferentes fileiras de árvores que entram na cidade acompanhando as diferentes autopistas. O parque é uma infra-estrutura verde e o resultado de enfrentar o projeto de um difícil ponto de conflito. O Parc del Tramvia ocupa os espaços que o planejamento havia reservado para a passagem de uma autopista. No momento da execução desta infra-estrutura, as insistentes reivindicações municipais conseguiram que a autopista fosse construída de forma semi-enterrada, o que possibilitou a construção de um parque nos terrenos que ficaram liberados. O parque ocupa

38

. McHarg, Ian, op.cit. 39

. IBID.

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uns espaços desconexos e muito mal relacionados com os tecidos urbanos próximos, e trata de converter-se em um elemento de conectividade urbana entre as diferentes partes, transformando o lugar em um bosque metropolitano que poderia rastrear todo o traçado da autopista. O resultado final é um percurso verde que permite as conexões entre dois municípios e um bosque metropolitano que pose ir-se ampliando: um entorno de uma infra-estrutura com uns valores agregados que os municípios podem seguir consolidando.

18. Parc del Nus de La Trinitat, Barcelona, Espanha, 1993. Batlle i Roig arquitectes. 19. Parc del Tranvia, Tiana-Montgat, Barcelona, Espanha, 2001. Batlle i Roig arquitectes.

Ambos projetos põem de manifesto as possibilidades das infraestruturas para levar espaços livres aos entornos urbanos que atravessam. As soluções adotadas só mostram uma parte das imensas possibilidades que poderiam se apresentar se si pudessem projetar as grandes infra-estruturas desde a ótica das infra-estruturas verdes. O projeto conjunto das infra-estruturas e de seus entornos urbanos pode oferecer muitos valores agregados à cidade e ajudar a consolidar o sistema do jardim da metrópole. Os limites complexos Boa parte dos espaços que podem conformar o jardim da metrópole são frágeis, degradados e suscetíveis de ser utilizados para outros usos. Poderiam potenciar-se com valores ecológicos e agrícolas, mas a indefinição dos limites e a falta de concreção urbanística os converte em espaços de reserva para ocupações futuras. Os espaços urbanizados são habitualmente duros, fechados em si mesmo e se encontram incomunicáveis com a paisagem. Estes lugares têm espaços livres, mas quase sempre se projetam desde lógicas exclusivamente urbanas. Estão sempre perto de lugares com valores naturais, mas quase nunca se vinculam diretamente com eles. Os limites complexos pretendem aproximar estes dois tipos de espaços para evitar o isolamento habitual entre ambos. A aceitação da interdisciplinaridade entre ecologistas e urbanistas pode permitir conjugar estes dois mundos diversos, para tratar de conseguir o melhor de um e de outro. Frente à amnésia geográfica dos urbanistas e a oposição constante dos ecólogos, podem se colocar gestões integradas que tratem de ordenar o conjunto para

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potenciar os espaços ecológicos e melhorar os urbanizados. Os limites complexos promovem a urbanização correta dos espaços da ecologia e a naturalização dos espaços urbanizados. Os limites complexos são um intento de conciliação entre as duas situações antes enunciadas, um intento de encontrar uma paisagem coerente a partir do equilíbrio entre urbanistas e ecologistas. Como reclama Juan Manuel Fernández Alonso em seu artigo “A produção contemporânea da paisagem”: “Pode resultar alguma paisagem coerente do intento de conciliação e diálogo entre o novo geocentrismo – síntese da renovada preocupação pelo futuro da natureza e seus eco-sistemas – e o sistema econômico mundial, quando se enfrentam pela formalização do território? Isto é, provavelmente, a interrogação que a arquitetura, o urbanismo e o paisagismo devem tratar de ir descobrindo”.40 Os limites complexos são também a estratégia que nos pode permitir obter continuidades entre as diferentes partes da cidade, o elemento que “liga” o vazio e o cheio, e que permite pensar em uma cidade continua, no marco das novas condições metropolitanas; talvez seja o elemento que necessitamos para poder desenvolver corretamente o modelo em “mancha de azeite” que Manuel de Solà-Morales trata de recuperar quando polemiza sobre o modelo de metrópole universal.41 Esta idéia de contigüidade de nossas cidades pode recuperar-se desde o desenvolvimento do que estamos denominando limites complexos. A contigüidade se obtém a partir de um bom desenvolvimento do grano pequeño, sem perder de vista os objetivos mais gerais. Os limites complexos são o resultado do trabalho conjunto nessas duas escalas: a geográfica, que trata de implantar um modelo de organização territorial, e a próxima, que nos permite construir com habilidade cada um dos lugares que tenha que se resolver.

20. Ilustrações do artigo de Xavier Eizaguirre “El território como arquitectura”.

Os limites complexos não se constroem desde a dupla visão habitual: aos que renunciam à escala grande por considerá-la impossível, e só confiam em sua ação individual, que frequentemente esquece qualquer globalidade, ou a de outros que pretendem traçar grandes idéias sobre os planos que formalizem o futuro da cidade, mas não confiam no projeto individual de cada uma das problemáticas colocadas. Os limites complexos se constroem desde o virtuosismo das distâncias curtas, desde o que Manuel de Solà-Morales compara ao jogo futebolístico defendido por Johan Cruyff, quando explica que nas distâncias curtas é onde se resolvem as grandes questões.42 A nova estrutura da cidade poderá explicar-se desde a formalização desses limites complexos, uns limites que definirão a forma dos tecidos que compõem a cidade e o espaço livre, a cidade como conjunto de espaços construídos, o espaço livre como jardim da metrópole.

40

. Fernández Alonso, Juan Manuel, “La producción contemporânea del paisaje”, Circo, nº 44, Madri, 1997. 41

. Sola-Morales, Manuel de, “Contra El model de metròpoli universal”, em Español, Joaquim, Arquitectes em El paisatge, Col-legi d’Arquitectes de Catalunya, Girona, 2000. 42

. Ibid.

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O jardim da metrópole – como conjunto de interstícios da cidade e configurado desde a construção desses limites complexos – adquire a forma de uma estrutura lógica, similar às estruturas dos tecidos animais e vegetais. Esta estrutura coletará grande parte do existente, mas tratará de explicar uma forma nova. No fundo, se trata de uma revitalização da geografia existente, para dar passo a uma nova geografia da cidade. Como argumenta Xabier Eizaguirre em seu artigo “O território como arquitetura”, a arquitetura pode ter um papel importante na construção do território, ao mover-se além do campo analítico próprio da geografia e preocupar-se de propor, eleger ou discernir as opções a realizar.43 As imagens que acompanham este artigo resultam muito sugestivas pela capacidade que tenham os territórios de adquirir uma estrutura atual, e nos mostram as semelhanças das possibilidades da cidade com outros tecidos intersticiais. Os limites tradicionais entre espaço livre e cidade expressavam a relação buscada entre uma cidade compacta e um pedaço de natureza insertada em seu interior. Os novos assentamentos específicos que poderão implantar-se sobre o sistema de espaços livres, também se resolverão através de uns limites concretos que expressam a relação estabelecida entre o novo uso e os espaços que conformam o jardim da metrópole. Em ambas situações, se busca a especificidade sem renunciar à contigüidade: na primeira , parque e cidade se unem e se separam com clareza, e estabelecem a transição de um mundo a outro; na segunda, o uso específico fica delimitado dentro do conjunto de espaços livres, separando os espaços com função concreta daqueles que definem o sistema. O espaço disperso tende a borrar todas as articulações entre interior e exterior. Em seu lugar, pode trabalhar-se a partir da transição que se articula mediante lugares intermediários definidos que permitem conhecer simultaneamente l mais significativo. No espaço livre pode produzir-se certa estratificação espacial, interpretável como uma sucessão escalonada de coisas dentro de coisas, onde os limites entre as partes acentuam o caráter da cada uma e ajudam a controlar a qualidade dos diferentes espaços da cidade. Robert Venturi falava do limite entre o interior e o exterior como um dos fatos básicos da arquitetura, que também poderia sê-lo da construção de nossas cidades: “O desenhar tanto desde fora para dentro como desde dentro para fora cria tensões necessárias que nos ajudam a fazer arquitetura. Já que o interior é diferente do exterior, o muro – o ponto de transição – passa a ser um fato arquitetônico. A arquitetura como muro entre o interior e o exterior é o registro espacial e o cenário do encontro entre as forças interiores e exteriores de uso e de espaço”.44 As novas implantações requerem limites mais complexos, que permitam resolver corretamente a transição entre uns assentamentos habitualmente muito contundentes e uns espaços livres que se quer preservar. A disposição dos novos assentamentos residenciais nas margens da cidade construída permite conseguir uma transições de qualidade entre ambas paisagens e estabelecer assim uns limites complexos, atentos tanto ao programa concreto que se está resolvendo como ao entorno próximo que se quer integrar. Os limites complexos são o oposto dos indefinidos – o resultado da atual situação das cidades com um crescimento disperso que não valoriza os entornos próximos e com ocupações indiscriminadas atentas só aos programas imediatos –. Os limites indefinidos são também o resultado da extensão indiscriminada de infra-estruturas e da crise evidente das agriculturas próximas, que abandonam territórios ante as novas expectativas. Os limites complexos têm a pretensão de ser uma alternativa aos limites indefinidos, sublimados por alguns como a aceitação da realidade dispersa das metrópoles. Os limites complexos são o resultado da investigação das possibilidades do espaço livre como elemento capaz de articular uma alternativa à facilidade com que se desenvolvem os limites indefinidos.

43

. Eizaguirre, Xabier, “El território como arquitectura”, DAU nº12 (Les escales del paisatge), Lleida, 2000. 44

. Venturi, Robert, Complexity and Contradiction in Architecture, Museum of Modern Art, Nova York, 1966 (versão espanhola: Complejidad y contrdicción en arquitectura, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1974).

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O jardim da metrópole confia nos limites complexos para articular sua relação com a cidade e explicar sua vinculação com o território. Na atual situação das metrópoles, só um elemento como o espaço livre pode ser capaz de articular, organizar, definir, explicar e dar sentido à forma da cidade. Os espaços livres po0dem definir os novos limites da cidade. A proposta do jardim da metrópole trata de superar ao que parece a inevitável crise dos limites, para intentar controlar a dimensão metropolitana desde o trabalho de ditos limites possíveis. Se a palavra metrópole sugere de imediato grandes manchas sobre um mapa, eixos e traçados de múltiplas estradas e trens, movimentos rápidos de pessoas e veículos, a nova proposta trata de obter a máxima superfície de contato entre o edificado e a natureza, e intenta promover a continuidade entre as partes: uma versão atual do que pode ser uma cidade contínua, espaços livres e espaços de circulação onde todo tipo de movimentos são tão importantes como a comunicação simbólica, visual, que expressa a escala geográfica do território.45 Este modelo é perfeitamente compatível com um modelo de cidades compactas, distribuídas em unidades urbanas conectadas mediante uma rede de transporte público eficiente. Na fronteira dessas unidades urbanas – cidades com identidade própria – encontramos importantes zonas de transição, articuladas junto à cidade já consolidada e dos espaços suscetíveis de incorporar-se ao jardim da metrópole. Nessas áreas de transição encontramos enormes possibilidades de crescimento para as cidades, mas também a chave que, portanto, permite evitar uma maior dispersão da urbanização pelo território. O projeto destas transições, do limite complexo entre a cidade e o jardim da metrópole, pode resultar o melhor plano de ordenação territorial, posto que consegue integrar em uma só operação três vantagens claras. Em primeiro lugar, se consegue revitalizar o valor da matriz ecológica metropolitana, porque define com acerto os limites e os acessos. Em segundo, se trata de um valor acrescentado para cada projeto urbano, porque lhe confere seu sentido desde as virtudes dos espaços livres. E, por último, o projeto desses limites complexos trará novos espaços livres ao projeto do jardim da metrópole, novos parques ou novos jardins temáticos, situados entre cada uma das unidades urbanas que constituem o fato metropolitano e o conjunto de espaços que compõem o jardim da metrópole. Os limites complexos explicam a vinculação entre a nova cidade sustentável e seu jardim da metrópole. Os limites complexos nos podem permitir enfrentar a dispersão e a fragmentação das cidades mediante a hibridação dos diversos usos e a conectividade entre as diferentes partes, tal e qual descreve Nan Ellin em seu artigo “Slash City”.46 O jardim da metrópole pretende, talvez de forma atrevida, ser uma opção cultural sobre a metrópole. Em palavras de Manuel de Solà-Morales, 47 o jardim da metrópole também é um espaço unitário e aberto: a imagem visível da continuidade da cidade. O novo estrato que constrói o jardim da metrópole é o novo modelo de espaço livre para conseguir uma cidade sustentável, e pode chegar a ser a idéia que condense e defina a nova forma da metrópole.

45

. Ver: Sola-Morales, Manuel de, “Um nuevo Paseo de Gràcvia”, op. Cit. 46

. Ellin, Nan, “Slash City”, Lótus, nº 110, Milan, 2001. 47

. Sola-Morales, Manuel de, “Um nuevo Paseo de Gràcia”, op. Cit.