Entrevista Charles Teixeira

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U m acidente em 2005 mudou a vida do ex-vigilante e manobrista Charles Teixeira, 33 anos. Perdeu uma perna, aposentou-se, mas não deixou de ter força de vontade. O tênis, que era sua distração, hoje é meta profis- sional. Além diso, Teixeira treina mais dois es- portes. Pedala sozinho pela cidade e passa por todos os problemas de mobilidade de um defi- ciente físico pelas ruas da capital catarinense. Após ganhar campeonatos locais e estaduais, ele quer chegar mais longe. O QUATRO foi até as quadras de tênis da Universidade Federal de Santa Catarina e conversou com o atleta que dá exemplo de persistência. Quatro - Há quanto tempo você treina? Charles Teixeira - O tênis faz dois anos. Há quatro, sofri um acidente e um ano depois, conheci o basquete, o que deu incentivo a outros esportes, como natação, handebol... O próprio tênis, que é um dos esportes que eu me dedico mais. 4 - Quantas vezes por semana você treina? CT - Treino cinco vezes por semana: de segun- da a quinta-feira e sábado pela manhã. 4 - Quanto dura o treino por semana? CT – Geralmente, duas horas por dia. No sá- bado é um pouquinho mais puxado, das nove da manhã ao meio dia. Tenho um Campeonato Inter- nacional de Tênis em São Paulo em vista agora no dia 19. Vamos ver como a gente vai se sair! 4 - É o primeiro campeonato? CT - É o primeiro fora. Houve quatro internos aqui na UFSC e teve um em Gaspar, que foi o Campeonato Catarinense. Eu levei todos até en- tão! (risos) Estou sem adversários em Santa Ca- tarina. 4 - E quais as expectativas para o próximo campeonato? CT - Segundo os professores e as pessoas que acompanham meu treinamento, tenho um bom de- senvolvimento na cadeira. Está tudo correndo bem e espero que eu vá bem nesses cam- peonatos. 4 - Que outros esportes você pratica? CT - Também pratico a vela adaptada uma vez por semana, que é um projeto novo aqui em Floria- nópolis. Em dezembro eu fui parti- cipar do Campeonato Brasileiro de Vela Adaptada em São Paulo. Além disso, estive, em agosto, no Cam- peonato Brasileiro de Handebol no Paraná, fui convidado pelo pessoal de lá pra participar. 4 - E ganhou alguma premiação lá? CT - Em São Paulo, eu fiquei entre os três me- lhores na fase classificatória e na segunda parte eu fiquei em sexto. O pessoal em São Paulo é mais acostumado, enquanto aqui estamos começando. 4 - Você tem intenção de jogar profissional- mente? CT - Eu pretendo ser profissional. Já fui ran- queado pela Federação Catarinense de Tênis. A busca de um Campeonato Brasileiro é intensa da minha parte. O problema está nas autoridades que não dão nenhum apoio, até a própria Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (AFLO- DEF) fica um pouco a desejar em relação a isso. A mídia também não divulga esse tipo de cam- peonato, não traz isso pro conhecimento do público. Só aqui na Universidade e em lugares muito restritos que há esse tipo de modalida- de. A gente sofre um pouco com isso, mas esta- mos batalhando e talvez com esse campeonato de expressão internacional melhore para mim e para os meus companheiros que sempre estão presentes treinando. 4 - Quais as dificuldades na hora do jogo de tênis? CT - A dificuldade de se alcançar a bola é um pouco mais complicada e o esporte adaptado dá oportunidade para a bola quicar duas vezes, é a única regra que muda. O ângulo da quadra fica um pouco menor em relação ao tênis normal, pois você está mais baixo sentado na cadeira de rodas. Mas as dificuldades têm que ser ultra- passadas e o esporte... o resultado compensa, com certeza. 4 - Você virou atleta depois que sofreu o acidente? CT - Sim, gostava muito de esporte antes, mas era sempre por lazer. Agora, já é mais para rendimento mesmo e o intuito é de levar esse campeonato. 4 - Como se tornou deficiente físico? CT - Sofri um acidente auto- mobilístico, fui atropelado por um carro, estava de moto. Após duas semanas, tive que amputar o mem- bro. Mas aceitei desde o princípio já que não tinha o que fazer, né? Foi muito difícil, sofri muito com dores, ainda sofro. A locomoção fica bem mais di- fícil, mas nada que a força de vontade não resolva. Não são problemas, são desafios que a gente têm no dia a dia. 4 - Você é de Florianópolis? CT - Sou, sou manezinho. 4 - Como você se desloca em Florianópolis? CT - Eu geralmente utilizo o ônibus. Comecei a andar de bicicleta também, consigo pedalar, é um pouco dificultoso, mas é prazeroso, a locomoção fica mais rápida. Eu já fui atropelado duas vezes depois do acidente. Quem atropela só vai se dar conta quando vê o ciclista no chão. No meu caso até com a prótese, às vezes, eu caio, aí tem que tirar a prótese, a prótese cai. A gente fica com um pouco de medo, um certo receio de andar. Mas sempre quando é possível, eu tento vir para a Uni- versidade pedalando. 4 - E o ônibus adaptado, funciona bem aqui? CT - Eu acho que para cadeirantes fica um pou- co a desejar. Como eu tenho uma certa mobilidade e consigo andar com a prótese, até tenho que an- dar de muleta, fica um pouco mais fácil para mim. Mas eu creio que para o cadeirante é bem com- plicado. É difícil porque há falta de respeito de muita gente que no ônibus não dá lugar para o de- ficiente sentar, só vai se dar conta que é amputado depois que está saltando, aí pede desculpas... O manezinho até absorve mais esses problemas dos deficientes, mas o pessoal que vem de fora deixa um pouco de lado isso, pensa muito em si. Descobrimos que um grupo de deficientes trei- na tênis nas quadras da UFSC. O tema é cer- tamente delicado, e não poderíamos abordar qualquer pessoa de qualquer forma. Foi assim que conhecemos Charles. Bastidores em http://migre.me/bUzs De amador a multiatleta exemplar Charles Teixeira tem uma perna só e não para. Pratica tênis, vela e anda de bicicleta por Florianópolis Diego Cardoso Nayara D’Alama “A locomoção fica bem mais difícil, mas nada que a força de vontade não resolva” Teixeira durante treino nas quadras da UFSC, de olho em um campeonato internacional de tênis em São Paulo Charles treina 5 vezes por semana até 2 horas por dia 4 COMPORTAMENTO E SOCIEDADE Quatro 15 Florianópolis, novembro de 2009 Diego Cardoso Diego Cardoso

Transcript of Entrevista Charles Teixeira

U m acidente em 2005 mudou a vida do ex-vigilante e manobrista Charles Teixeira, 33 anos. Perdeu uma perna, aposentou-se, mas não deixou de ter força de vontade. O

tênis, que era sua distração, hoje é meta profis-sional. Além diso, Teixeira treina mais dois es-portes. Pedala sozinho pela cidade e passa por todos os problemas de mobilidade de um defi-ciente físico pelas ruas da capital catarinense. Após ganhar campeonatos locais e estaduais, ele quer chegar mais longe. O QUATRO foi até as quadras de tênis da Universidade Federal de Santa Catarina e conversou com o atleta que dá exemplo de persistência.

Quatro - Há quanto tempo você treina?Charles Teixeira - O tênis faz dois anos. Há

quatro, sofri um acidente e um ano depois, conheci o basquete, o que deu incentivo a outros esportes, como natação, handebol... O próprio tênis, que é um dos esportes que eu me dedico mais.

4 - Quantas vezes por semana você treina?CT - Treino cinco vezes por semana: de segun-

da a quinta-feira e sábado pela manhã. 4 - Quanto dura o treino por semana?CT – Geralmente, duas horas por dia. No sá-

bado é um pouquinho mais puxado, das nove da manhã ao meio dia. Tenho um Campeonato Inter-nacional de Tênis em São Paulo em vista agora no dia 19. Vamos ver como a gente vai se sair!

4 - É o primeiro campeonato?CT - É o primeiro fora. Houve quatro internos

aqui na UFSC e teve um em Gaspar, que foi o Campeonato Catarinense. Eu levei todos até en-tão! (risos) Estou sem adversários em Santa Ca-tarina.

4 - E quais as expectativas para o próximo campeonato?

CT - Segundo os professores e as pessoas que acompanham meu treinamento, tenho um bom de-senvolvimento na cadeira. Está tudo correndo bem e espero que eu vá bem nesses cam-peonatos.

4 - Que outros esportes você pratica?

CT - Também pratico a vela adaptada uma vez por semana, que é um projeto novo aqui em Floria-nópolis. Em dezembro eu fui parti-cipar do Campeonato Brasileiro de Vela Adaptada em São Paulo. Além disso, estive, em agosto, no Cam-peonato Brasileiro de Handebol no Paraná, fui convidado pelo pessoal de lá pra participar.

4 - E ganhou alguma premiação lá?CT - Em São Paulo, eu fiquei entre os três me-

lhores na fase classificatória e na segunda parte eu fiquei em sexto. O pessoal em São Paulo é mais acostumado, enquanto aqui estamos começando.

4 - Você tem intenção de jogar profissional-mente?

CT - Eu pretendo ser profissional. Já fui ran-queado pela Federação Catarinense de Tênis. A busca de um Campeonato Brasileiro é intensa da minha parte. O problema está nas autoridades que não dão nenhum apoio, até a própria Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (AFLO-DEF) fica um pouco a desejar em relação a isso.

A mídia também não divulga esse tipo de cam-peonato, não traz isso pro conhecimento do público. Só aqui na Universidade e em lugares muito restritos que há esse tipo de modalida-de. A gente sofre um pouco com isso, mas esta-mos batalhando e talvez com esse campeonato de expressão internacional melhore para mim e para os meus companheiros que sempre estão presentes treinando.

4 - Quais as dificuldades na hora do jogo de tênis?

CT - A dificuldade de se alcançar a bola é um pouco mais complicada e o esporte adaptado dá oportunidade para a bola quicar duas vezes, é a única regra que muda. O ângulo da quadra fica um pouco menor em relação ao tênis normal, pois você está mais baixo sentado na cadeira de rodas. Mas as dificuldades têm que ser ultra-passadas e o esporte... o resultado compensa, com certeza.

4 - Você virou atleta depois que sofreu o acidente?

CT - Sim, gostava muito de esporte antes, mas era sempre por lazer. Agora, já é mais para

rendimento mesmo e o intuito é de levar esse campeonato.

4 - Como se tornou deficiente físico?

CT - Sofri um acidente auto-mobilístico, fui atropelado por um carro, estava de moto. Após duas semanas, tive que amputar o mem-bro. Mas aceitei desde o princípio já que não tinha o que fazer, né? Foi muito difícil, sofri muito com

dores, ainda sofro. A locomoção fica bem mais di-fícil, mas nada que a força de vontade não resolva. Não são problemas, são desafios que a gente têm no dia a dia.

4 - Você é de Florianópolis?CT - Sou, sou manezinho.4 - Como você se desloca em Florianópolis?CT - Eu geralmente utilizo o ônibus. Comecei a

andar de bicicleta também, consigo pedalar, é um pouco dificultoso, mas é prazeroso, a locomoção fica mais rápida. Eu já fui atropelado duas vezes depois do acidente. Quem atropela só vai se dar conta quando vê o ciclista no chão. No meu caso até com a prótese, às vezes, eu caio, aí tem que tirar a prótese, a prótese cai. A gente fica com um pouco de medo, um certo receio de andar. Mas

sempre quando é possível, eu tento vir para a Uni-versidade pedalando.

4 - E o ônibus adaptado, funciona bem aqui?CT - Eu acho que para cadeirantes fica um pou-

co a desejar. Como eu tenho uma certa mobilidade e consigo andar com a prótese, até tenho que an-dar de muleta, fica um pouco mais fácil para mim. Mas eu creio que para o cadeirante é bem com-plicado. É difícil porque há falta de respeito de muita gente que no ônibus não dá lugar para o de-ficiente sentar, só vai se dar conta que é amputado depois que está saltando, aí pede desculpas... O manezinho até absorve mais esses problemas dos deficientes, mas o pessoal que vem de fora deixa um pouco de lado isso, pensa muito em si.

Descobrimos que um grupo de deficientes trei-na tênis nas quadras da UFSC. O tema é cer-tamente delicado, e não poderíamos abordar qualquer pessoa de qualquer forma. Foi assim que conhecemos Charles. Bastidores em http://migre.me/bUzs

De amador a multiatleta exemplarCharles Teixeira tem uma perna só e não para. Pratica tênis, vela e anda de bicicleta por Florianópolis

Diego CardosoNayara D’Alama

“A locomoção fica bem mais difícil, mas nada que a força de vontade não resolva”

Teixeira durante treino nas quadras da UFSC, de olho em um campeonato internacional de tênis em São Paulo

Charles treina 5 vezes por semana até 2 horas por dia

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COMPORTAMENTO E SOCIEDADE Quatro 15Florianópolis, novembro de 2009

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