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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA Luiz Francisco Rebello O essencial sobre D. JOÃO DA CÂMARA

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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Luiz Francisco Rebello

O essencial sobre

D. JOÃO DA CÂMARA

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1. A Cena, revista ilustrada de teatro que se pu-blicou em Lisboa entre Fevereiro de 1896 e Julhode 1898, lançou em Julho do primeiro destes anosum inquérito tendente a apurar, por votação dosseus leitores, as personalidades mais qualificadasnos diversos sectores da vida teatral portuguesa:autores, actores, músicos, críticos e empresários.Os resultados desse inquérito foram dados a co-nhecer nos n.os 15 a 29 da revista: das vinte ecinco respostas recebidas, onze indicavam o nomede D. João da Câmara como «o melhor autor dra-mático», enquanto o seu mais próximo competidor,Eduardo Schwalbach, averbava cinco votos, segui-do por Marcelino Mesquita e Henrique Lopes deMendonça ex aequo, com quatro votos cada um,e António Enes apenas um. Ficavam de fora ou-tros escritores teatrais que com estes mais oumenos regularmente partilhavam os cartazes deLisboa e Porto, como Maximiliano de Azevedo eLino d’Assunção, Ernesto da Silva e Lorjó Tava-

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res, Abel Botelho e Alberto Braga — mas estesdois últimos eram, sobretudo, autores de romancese contos episodicamente atraídos pela escrita dra-matúrgica 1.

Não era surpreendente o resultado do inquérito,excepto no tocante a António Enes, o último da lis-ta, personagem importante da vida nacional — ha-via sido deputado, conselheiro de Estado, ministro,comissário régio em Moçambique —, mas comoautor andava ausente dos palcos desde há muito:as suas peças mais conhecidas, Os Lazaristas eO Saltimbanco, criadas por dois grandes actores,Joaquim de Almeida e António Pedro, remontavama 1875 e 1876; a mais recente, O Luxo, fora es-treada no Teatro Nacional em 1881, e sobre elarecaíra, com ou sem fundamento, a acusação de

1 A votação sobre «actores dramáticos» deu a vitória aEduardo Brazão sobre os irmãos Rosa, João e Augusto, quecom ele partilhavam a direcção do Teatro Nacional de D. Ma-ria II, de que os três iriam afastar-se ainda nesse ano, na se-quência da reforma decretada pelo governo em 4 de Agosto,defendida por António Enes e contestada por D. João da Câ-mara, Schwalbach, Marcelino e Lopes de Mendonça.

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plágio… Era plenamente justificada a atribuição aD. João da Câmara do primeiro lugar; em apenasnove anos, de 1890 à proclamação do vencedor doinquérito, o seu nome, sozinho ou associado ao deoutros, assinara nada menos do que dezanove pe-ças originais e cinco traduzidas, percorrendo eclec-ticamente todos ou quase todos os géneros e re-gistos, do drama histórico em verso à comédia decostumes, da farsa à opereta — e ousara mesmoaventurar-se pelas nebulosas veredas do teatro sim-bolista. Entre elas contava-se a sua obra-prima, OsVelhos, levada à cena em 1893 no D. Maria II —e mais não era preciso para merecer o título de«melhor autor dramático», que sem dúvida foi de-pois de Garrett, e por muito tempo ainda.

Dos três outros distinguidos, Marcelino Mesquitapoderia ter disputado o segundo lugar a Schwal-bach, último a chegar às lides teatrais, mas já con-sagrado após a estreia do drama O Íntimo, em1891, a que versatilmente sucederiam farsas no Gi-násio e revistas no Trindade e no Condes 2. De Mar-

2 No sector do inquérito relativo ao teatro ligeiro, Schwal-bach foi preterido por Sousa Bastos, activo empresário e au-

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celino, porém, todos se lembrariam ainda por cer-to dos versos de Leonor Teles («Ele há tanta mu-lher! Mas por que fantasia / entre tantas só umaa nossa simpatia / distingue, escolhe e quer!»), etão-pouco se teria apagado o eco das ovações que,um ano antes, haviam acolhido O Regente. Melhorse compreende que Schwalbach houvesse sido pre-ferido a Lopes de Mendonça, cujos dramas histó-ricos, de uma erudita fidelidade mas laboriosamenteversificados, dificilmente poderiam ganhar no con-fronto com as facécias revisteiras de Schwalbach.

Certo é, porém, que, Enes excluído, os quatro dra-maturgos — os «quatro mosqueteiros», diríamos, deque D. João da Câmara seria o D’Artagnan… —vieram dar um novo alento à dramaturgia nacio-nal, em crise desde a agonia do romantismo, cujocanto do cisne havia sido, em 1869, A Morgadinhade Valflor, de Pinheiro Chagas, e, no ano seguinte,O Condenado, de Camilo Castelo Branco. Masque nem por isso continuaria inteiramente arredado

tor de dezenas de peças do género, escritas e levadas à cenaentre 1870 e 1909, a que se fará referência no texto.

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dos nossos palcos: o seu eco perdura, transfigura-do, na obra de todos os autores que o inquérito deA Cena distinguiu… e dos que foram preteridos.

2. Mais velho que Marcelino Mesquita e Hen-rique Lopes de Mendonça, nascidos em 1856, eEduardo Schwalbach, nascido em 1860, D. JoãoGonçalves Zarco da Câmara veio ao mundo emLisboa, a 27 de Dezembro de 1852. Era filho dosmarqueses da Ribeira Grande, D. Francisco Gon-çalves Soares e D. Ana da Piedade Brígida Senho-rinha Francisca Máxima Mascarenhas da Silva. NoColégio de Campolide fez os primeiros estudos,que prosseguiu na Bélgica, em Lovaina, de onderegressou a Lisboa em 1872, quando o pai, que oacompanhara, ali faleceu. Matriculou-se então naEscola Politécnica e concluiu os estudos no Insti-tuto Industrial, criado no ano em que nasceu. Comocondutor de obras públicas, trabalhou na constru-ção da linha férrea do ramal de Cáceres, em 1880,e posteriormente nas linhas de Sintra e Cascais.Pelos finais da década de 80 assumiu a chefia darepartição da Administração Central dos Caminhosde Ferro. Daí em diante, a escrita, sobretudo tea-

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tral e jornalística, absorveu-o completamente — atéfalecer na sua cidade natal, a 2 de Janeiro de 1908,seis dias depois de perfazer 56 anos.

Deste breve excurso biográfico, retenhamos doisdados: a sua ligação ao Colégio de Campolide e asua passagem pelo Alentejo em 1880. No primeirofaria representar as suas primeiras — e bem ingé-nuas — produções teatrais, O Diabo, Nobreza eBernarda no Olimpo. Da segunda extrairia a ma-téria-prima, e provavelmente a inspiração, para asua obra maior, Os Velhos.

3. Quando nasce D. João da Câmara, vai de-corrido um pouco mais de ano e meio sobre o pro-nunciamento do marechal duque de Saldanha, que,destituindo o governo autocrático e reaccionário deCosta Cabral, marca o início da política regenera-cionista dos «melhoramentos materiais», que iráreflectir-se em todos os sectores da vida nacional,sem exclusão da actividade cénica.

O processo de transformação sócio-económicado País iniciado com o triunfo da revolução liberalde 1820, que as leis de Mouzinho da Silveira e Joa-quim António de Aguiar (abolição dos morgadios

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e das corporações, proclamação da liberdade de tra-balho e de imprensa, reorganização das finançaspúblicas, extinção das ordens religiosas e confiscodos seus bens e casas, criação de liceus, escolasmédicas e politécnicas) haviam feito avançar, so-frera um grave recuo ao longo da década de 40.Em 1846, a revolta da Maria da Fonte e, no anoseguinte, o movimento da «Patuleia» foram a ex-pressão do descontentamento popular, que irá cres-cer até à queda do cabralismo. E, com a Regene-ração, altera-se a fisionomia estrutural do País. Masas reformas empreendidas ficaram aquém do queo progresso da Nação exigia.

O fomento das comunicações através da cons-trução das redes estradal e ferroviária, a partir de1853, favoreceu a circulação dos produtos agríco-las sem que todavia fosse acompanhado do corres-pondente progresso industrial. Da sua conjunçãocom o desenvolvimento espectacular da banca — emmenos de vinte anos, de 1858 para 1875, o númerode estabelecimentos bancários mais que decupli-cou — resultou a consolidação da grande burgue-sia rural e urbana, que encontrou no parlamenta-rismo e no rotativismo partidário a fórmula política

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que melhor servia os seus interesses. Mas conti-nuavam por resolver os problemas instantes dascamadas sociais mais desprotegidas, marginalizadasdo processo político — a pequena burguesia urbanae rústica, o artesanato, a vasta massa campesina,a que viria a juntar-se um incipiente proletariadoindustrial —, o que daria lugar a protestos como arevolta da «Janeirinha», em reacção contra o im-posto sobre o consumo (1868). Um ano antes ha-via sido abolida a pena de morte para os crimescomuns, depois de o ter sido para os delitos políti-cos em 1852, e em 1869 a escravatura é definiti-vamente extinta em todos os domínios portugueses.

Neste quadro de grande ebulição, começa a de-senvolver-se o movimento associativista e sindica-lista (uma Associação dos Actores é formada em1861), ao mesmo tempo que se organizam forçase agrupamentos políticos e sociais que escapam aoesquema parlamentar do jogo bipartidário alterna-tivo, como o Partido Socialista, fundado em 1875,que irá realizar o seu primeiro congresso quatroanos depois, e o Partido Republicano, que elegeem 1876 o seu primeiro Directório. Ao mesmo tem-po, certos eventos exteriores — o reconhecimento

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da igualdade civil dos negros nos Estados Unidosem 1865, a revolução espanhola de 1868, a guerrafranco-prussiana de 1870, a Comuna de Paris e asua sangrenta repressão em 1871 — repercutem--se no País, onde uma forte consciência republi-cana vai ganhando terreno (o primeiro deputadorepublicano, Rodrigues de Freitas, fora eleito em1876, e em 31 de Janeiro de 1891 irá abortar, noPorto, uma insurreição republicana, que levou àprisão e ao degredo para África, entre muitos ou-tros, o actor Miguel Verdial).

Mas a esclerose evidente das instituições mo-nárquicas, a reacção nacional ao Ultimato inglês de1890, travando o sonho quimérico da expansão ul-tramarina, e a consequente crise económica e fi-nanceira tornavam irreversível o movimento queiria conduzir à queda do regime, com o apoio e oestímulo das associações sindicais, cooperativas epedagógicas, as lojas maçónicas e os grupos anar-quistas. Em 1901, Afonso Costa, eleito deputadorepublicano, apresentou na Câmara uma moçãodeclarando que «o povo português carece de subs-tituir sem demora as actuais instituições políticas».Sucederam-se os surtos grevistas, que vinham já

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de 1872 (a «Pavorosa»), unindo operários, estudan-tes, intelectuais. A ditadura de João Franco, comas suas leis repressivas, o escândalo dos adianta-mentos à Coroa e o assassinato do rei D. Carlose do príncipe herdeiro D. Luís Filipe precipita-ram os acontecimentos. A República é proclamadaem 5 de Outubro de 1910. D. João da Câmara jánão a viu nascer: falecera dois anos e nove mesesantes.

4. Toda esta fermentação, de que apenas fica-ram brevemente esboçados alguns dos aspectos es-senciais, teve o seu reflexo na arte e na literatura,e muito particularmente no teatro, que regista comoum sismógrafo as mais leves variações das estru-turas sociais e económicas sobre as quais assen-ta, sem que deixe simultaneamente, ainda que deforma enviesada, de reagir sobre elas. Como ob-servou, em 1889, o jovem crítico Moniz Barreto, odrama «é uma espécie literária cujo carácter pró-prio é ressentir-se imediata e directamente do es-tado social que a produz» — não só enquanto «es-pécie literária» mas ainda mais ao nível da práticacénica. O que, convém acrescentar, de modo al-

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gum deve entender-se como implicando um rela-cionamento mecânico entre a arte e «o meio, omomento e a raça» — para recorrer às teses deTaine, que tanto influenciaram aquele jovem cola-borador da Revista de Portugal, sem prejuízo daindependência dos seus juízos acerca do autor daFilosofia da Arte — de que ela emerge, antespressupõe uma articulação dialéctica entre as re-lações materiais de produção sobre as quais umadeterminada sociedade num dado momento histó-rico se estrutura e as manifestações literárias eartísticas que dela são a expressão.

Como este complexo jogo de acções e reacçõesse projecta na obra dramatúrgica de D. João daCâmara, e como, através da sua individualidade edo seu estilo próprios, ele respondeu às solicitaçõesde vária ordem (estéticas e ideológicas) do tempoem que a sua obra foi concebida, representada erecebida, ou foi por elas interpelado, é o escopodeste livro. Mas importa, antes ainda, situá-la nocontexto do movimento literário e teatral dos derra-deiros anos do século XIX e primeiros do século XX:aqueles em que essa obra descreve a sua tra-jectória.

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5. Separados por seis anos, dois acontecimen-tos vieram agitar as águas mornas da vida literá-ria portuguesa: a questão coimbrã do Bom Sensoe Bom Gosto em 1865 e as conferências demo-cráticas do Casino Lisbonense em 1871. Aquelamarcou a ruptura entre a geração romântica e ageração realista. Estas visavam, na declaração deum dos promotores, Antero de Quental, «ligar Por-tugal com o movimento moderno» e «estudar ascondições da transformação da sociedade por-tuguesa» — mas só as primeiras cinco puderam serproferidas, interditadas que foram as seguintes porordem do ministro do Reino, marquês de Ávila eBolama, sob a acusação de atacarem «a religiãoe as instituições políticas do Estado» e ofenderem«as leis do Reino e o código fundamental da mo-narquia». A proibição suscitou o indignado protestode Alexandre Herculano e o aplauso de PinheiroChagas, cujo Poema da Mocidade, prefaciado porCastilho, estivera na origem da questão coimbrã.

Coube a Antero, na sessão inicial, apresentar«o espírito das conferências»; e foi ele ainda quem,na seguinte, dissertou sobre as «causas da deca-dência dos povos peninsulares». Falaram ainda (por

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esta ordem) Augusto Soromenho sobre a literaturamoderna, Eça de Queiroz sobre «o realismo comonova expressão da arte» e Adolfo Coelho sobre aquestão do ensino. Interessa-nos sobretudo consi-derar aqui a conferência de Eça, em que se defi-niam as premissas estéticas que suportavam a«nova literatura»: esta deveria «ser perfeitamentedo seu tempo, tomar a sua matéria na vida con-temporânea, ter o ideal moderno que rege as so-ciedades, isto é, a justiça e a verdade» — no quepoderá ver-se a condenação implícita de quase todoo teatro que ocupava então os palcos nacionais eque, num artigo de As Farpas, vindo a lume aindanesse mesmo ano de 1871, o futuro romancista deOs Maias entendia haver «perdido a sua ideia, asua significação, e até o seu fim», circunscrito comoestava a «farsas tão melancólicas como uma ruína»e «dramas tão cómicos como uma caricatura». E So-romenho, na conferência que antecedera a de Eçade Queiroz, havia explicitamente acusado o dramanacional de mostrar-se, tal como o romance, «per-verso, corrupto, falso e falto de probidade intelec-tual», apresentando-se «até como original na maior

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parte dos casos quando era tradução descarada,roubo conhecido» 3.

O teatro era, para Eça de Queiroz, «uma ne-cessidade inteligente e moral» que se revestia de«importância pública», como declarou no citadoartigo de As Farpas, em que atribuía a degene-rescência da arte dramática ao «abaixamento ge-ral do espírito e da inteligência» e às «condiçõesindustriais e económicas dos teatros». Debalde setentaria encontrar, nos palcos portugueses, a expo-sição de «sentimentos, caracteres solidamente de-senhados, costumes bem postos em relevo, tipos fi-namente analisados, estudos sociais concretizadosnuma acção, a natureza, a realidade, a observaçãoda vida»… 4

3 Apenas se conhece na íntegra o texto da segunda confe-rência de Antero de Quental, que a fez publicar em opúsculo.As restantes foram reconstituídas, a partir dos relatos da im-prensa coeva, por António Salgado Júnior em História das Con-ferências do Casino, 1930.

4 Sob o título «O teatro em 1871», o artigo de Eça de Quei-roz está reproduzido no 1.o volume de Uma Campanha Ale-gre, 3.a edição, 1943, 380-400. Veja-se, no mesmo volume, o

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Passados vinte e cinco anos, não era muito dife-rente o diagnóstico de D. João da Câmara sobreo que Fernando Pessoa havia de chamar «o casomental português». Numa crónica publicada na re-vista O Ocidente, em Outubro de 1895, imputavaele a oclusão da «arte redentora» ao «mau gosto,ao desejo de fazer crer o que não é, de dar navista, de ser aplaudido pela tolice aparatosa, [que]são vícios vulgares neste fim de século, e mormen-te na sociedade em que o nível intelectual desceua uma mediocridade assustadora».

E, no entanto, o panorama teatral não era tãodesolador quanto destas palavras poderá depreen-der-se — sobretudo, quando comparado ao que mo-tivara as amargas e duras reflexões de Eça deQueiroz. De 1871 para 1895, a situação evoluíra.O contributo de D. João da Câmara foi decisivopara essa evolução.

artigo introdutório de As Farpas, igualmente da autoria de Eça,em que se contêm referências acutilantes sobre o mesmo tema:ibid., 26-30.

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6. No referido artigo de As Farpas sobre «o tea-tro em 1871», Eça de Queiroz passava em revistaas casas de espectáculos da capital e o que porlá se representava: o Ginásio, o Príncipe Real e oCondes, onde se davam «comédias traduzidas dosvelhos repertórios estrangeiros, ou dramalhões ali-nhavados exclusivamente para a estulta plebe, entrecenários desbotados»; o Trindade, que encetara aópera-cómica, cujas exigências musicais dificilmente«atravessavam as estreitas gargantas nacionais»; oD. Maria, «jangada de Medusa da arte nacional[onde] sobrenada[va]m, num esforço heróico, osrestos da velha geração artística»; e o S. Carlos,que constituía «não um elemento de civilização,mas de decadência»…

Vinte anos depois, no ano em que se estreia aprimeira grande peça de D. João da Câmara, odrama histórico D. Afonso VI, acresciam a estassalas o Teatro da Avenida, inaugurado em Feverei-ro de 1888, ano em que o «velho pardieiro» da Ruados Condes (assim o classificara Teófilo Braga,«um subterrâneo frigidíssimo e tenebroso», na defi-nição do dramaturgo Silva Abranches) reabrira apósa renovação exigida pelo seu estado decrépito; duas

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pequenas salas periféricas — o coração de Lisboasituava-se entre o Passeio Público, a Baixa pomba-lina e o Chiado —, os Teatros Taborda e do Rato,e o Coliseu dos Recreios, inaugurado em Agostode 1890. E, até à implantação da República, umoutro teatro abriria ao público, o D. Amélia, emMaio de 1894, assim como, no Porto, onde funcio-navam os Teatros do Príncipe Real e D. Afonso,iriam surgir, de 1897 a 1899, três novos teatros, oCarlos Alberto, o S. João e o Águia de Ouro. Haviaainda, é claro, os pequenos teatros instalados nasfeiras de Alcântara e de Belém e, espalhadas portodo o país, mais de uma centena de casas de es-pectáculos, de que sete dezenas foram construídase inauguradas entre o início da última década doséculo XIX e o termo da primeira do século XX. Aíse apresentavam, regularmente, com o seu repertó-rio, as companhias das duas grandes cidades e actua-vam os grupos locais de amadores dramáticos, aque então se chamavam «curiosos».

A essa pluralidade de salas correspondia uma di-visão, tendencialmente rígida, dos géneros dramá-ticos e das classes sociais que as frequentavam.Assim, S. Carlos era reservado à ópera, D. Maria

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e D. Amélia ao drama e alta comédia, o Ginásio,à farsa e baixa comédia, o Trindade, o Avenida eo Condes à opereta e à revista, o Príncipe Realao melodrama. E, embora se falasse já em crisedo teatro — foi esse, aliás, o título de uma confe-rência proferida em 1901 por Henrique Lopes deMendonça —, ele mesmo reconhecia que, propor-cionalmente (o número de habitantes de Lisboa nãoatingia então as quatro centenas de milhares), «ra-ras ser[iam] as capitais em que a população indí-gena, sem auxílio da flutuante, que entre nós émínima, concorr[esse] com maior assiduidade aosespectáculos públicos». Nas salas existentes, predo-minavam a alta e a média burguesia em S. Car-los, no D. Maria e no D. Amélia, a média e abaixa burguesia nas restantes, e era essencialmentede extracção popular o público que acorria aosteatros das feiras de Alcântara e Belém.

Abstraindo, por agora, do repertório nacional, emque, falecidos Fernando Caldeira em 1894 e Ger-vásio Lobato em 1895, D. João da Câmara, Mar-celino, Lopes de Mendonça, Schwalbach, ocupa-vam a linha dianteira, acompanhados a partir de1899 por Júlio Dantas, era sobretudo a França que

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fornecia a matéria-prima dramatúrgica exibida nospalcos portugueses. Tomando como referência operíodo em que a companhia dos irmãos Rosa eEduardo Brazão explorou o Teatro de D. Maria(1880-1898), o número de peças originais levadasà cena apenas em meia dúzia excedeu as de pro-veniência francesa (61/55). E quando, por força dacrise aberta pela reforma de António Enes 5, aquelacompanhia se transferiu para o Teatro de D. Amé-lia, essa proporção manteve-se quase idêntica nosdois teatros. A produção boulevardière chegava re-gularmente a Lisboa, por vezes acompanhada atéda encenação parisiense — e assim os nomes quemais frequentemente surgiam nos cartazes, além deDumas filho, Augier, Sardou, eram os de Brieux,

5 Sobre a polémica desencadeada por essa reforma, e muitasoutras, a que os sucessivos concursos para a exploração do Tea-tro Nacional de D. Maria II e os vários projectos da sua reor-ganização deram lugar, e que motivaram acesas discussões naimprensa, a publicação de panfletos por vezes violentos e ar-dentes debates parlamentares, consulte-se a História daqueleTeatro, reconstituída por Gustavo de Matos Sequeira (doisvolumes, 1945).

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Lavedan, Capus, Flers e Caillavet, Bernstein, ou,a um nível de maior exigência, Henry Becque comA Parisiense (em 1902, no D. Amélia) e JulesRenard com Poil de Carotte (no mesmo Teatroem 1903, com o título Cabeça de Estopa). E LaDame de Chez Maxime, de Feydeau, obra-primaparadigmática do teatro cómico da belle époque,crismada de A Lagartixa, foi, em 1900, um anoapós a estreia em Paris, e também no D. Amélia,uma triunfal e esfusiante criação de Ângela Pinto,aplaudida numa centena de representações conse-cutivas. Mas também a Espanha (Dicenta, Gui-merá, Galdós, Codina), a Inglaterra (Pinero, Wil-de), a Alemanha (Sudermann), a Itália (RobertoBracco) — e, tardiamente embora, os nórdicos,Ibsen com A Casa de Boneca em 1899, O PatoSelvagem («bravo», na tradução de Sousa Mon-teiro) e Um Inimigo do Povo em 1900, este últi-mo, imprevisivelmente, no Príncipe Real; e em1908 O Pai, de Strindberg, numa soberba interpre-tação de Ferreira da Silva, actor culto e inteligentecomo poucos, vencida que foi a obtusa interdição,decretada havia quatro anos pelo comissário régioAlberto Pimentel. «Picaresca excomunhão», «coice

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de asno», lhe chamou Joaquim Madureira, que emcarta aberta ao director-geral da Instrução Pública,de quem o comissário legalmente dependia, recla-mou a «vassourada radical duma portaria que, var-rendo as teias de aranha que, na caixa cranianade Pimentel, suprem a massa encefálica dos racio-nais, varr[esse], de vez, da casa de Garrett, osesterquilínios de imbecilidade que […] parece que-rerem, definitivamente, relegar do Normal as ma-nifestações de arte». Para o crítico, a demissão doinepto comissário impunha-se como «uma medidainadiável de profilaxia sanitária» — o que só viriaa acontecer em 1906, quando Pimentel tentou,dessa vez sem êxito, obstar à representação dapeça O Filho Doutor, de Coelho de Carvalho, quepunha em causa o ensino universitário coimbrão 6.

6 Outras intervenções censórias atingiram, neste período, asátira de Abel Botelho Os Vencidos da Vida (1892), o dramade Ernesto da Silva A Vítima (1897), A Noite do Calvário, deMarcelino Mesquita (1903), e impediram a representação, noTeatro de D. Maria, da Pérola, deste último (1885), e O Aze-bre, de Lopes de Mendonça (1909), que acabaram por subir àcena no Teatro do Príncipe Real. A famigerada «lei das rolhas»

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Menos frequente foi a presença da dramaturgiaclássica, reduzida a poucos nomes e títulos. A pri-mazia coube a Molière, de quem os Rosa e Bra-zão levaram à cena A Escola de Maridos em 1891,O Médico à Força em 1894, para uma breve rea-parição do glorioso Taborda, então já afastado dospalcos, e no ano seguinte Sganarelle ou Le Cocu,a que o tradutor, Lopes de Mendonça, chamou Dorde Cotovelo. Ferreira da Silva, que lhes sucedeuna exploração do D. Maria, optou pelo Avarento(1900), Tartufo (1901), As Sabichonas (1902), A Es-cola de Mulheres (1907) e O Burguês Fidalgo(1910) — mas não esqueceu Goldoni (A Hospe-deira, 1899) nem Beaumarchais (O Casamento deFígaro, 1902). E houve ainda A Fera Amansadaem 1896, com o casal Brazão-Rosa Damascenoa personificar o casal Petrucchio-Catarina, umaversão do Falstaff, assinada por Sousa Monteiro,

do ministro Lopo Vaz (Abril de 1890), que o revisteiro SousaBastos qualificou de «tentativa de assassinato dos teatros po-pulares», atingiu também o teatro de revista, impondo, porexemplo, a Baptista Dinis a mudança do título de À Procurado Badalo (1902), considerado «obsceno», para Num Sino…

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em 1899, e Ferreira da Silva a interpretar o ReiLear — mas numa «adaptação à cena moderna»de Júlio Dantas, que para ela também «acomodou»o Rei Seleuco, de Camões. Seria este último, comO Fidalgo Aprendiz, de Francisco Manuel deMelo, nesse mesmo ano de 1905, e três autos deGil Vicente (o Pastoril Português em 1898, aindacom Brazão e os Rosa, e em 1902 a Inês Pereirae a Alma), o único sinal indicativo de que a litera-tura dramática portuguesa não se «reduzia toda aoFrei Luís de Sousa», como dissera Eça de Quei-roz no citado artigo de As Farpas…

Ficaria incompleto este panorama da vida tea-tral nos últimos vinte anos da monarquia se não sefizesse referência, por uma banda, ao teatro musi-cado e, por outra, às companhias estrangeiras queem Portugal nesse espaço de tempo se exibiram.Aquele, não só pela sua crescente implantação naspreferências do público, mas ainda porque D. Joãoda Câmara lhe prestou o seu tributo, ainda quediscreto; estas, pela influência que exerceram naevolução do gosto teatral, quer ao nível da compo-sição dos repertórios, quer, e sob este aspecto commais relevância ainda, da sua execução cénica.

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Deixando para mais adiante a referência à ope-reta, deter-nos-emos um pouco no teatro de revista,como aquela importada de França em meados doséculo XIX. Lisboa em 1850 se chamava a primeiraobra do género estreada em Lisboa; assinavam-naFrancisco Palha e, quem diria, o conspícuo LatinoCoelho, e nela se passavam «em revista» (e daí adesignação corrente) os sucessos mais marcantesda vida social e política do ano pretérito. Mas nãotardou que as revistas «do ano» se multiplicassem,tal o favor do público: de cinco dezenas nos dezanos derradeiros do século, subiram para o dobrono decénio seguinte. «A revista invade tudo, con-quista tudo, e é só ela quase a dar dinheiro», co-mentava um viajante francês que visitara Lisboaem 1897 (Lyonnet, 1898: 22); e o grande senhordo teatro de revista que foi o empresário e autorSousa Bastos podia ironizar, no prólogo da últimaque escreveu (A Nove, em 1909), dizendo que«agora o caso é mais sério, / de revistas há ma-nia; / com mais ou menos critério, / uma revistapor dia!». Ele próprio contribuiu para esse fluxorevisteiro, compondo e pondo em cena no períodoque estamos a considerar algumas que ficaram len-

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dárias, Tim Tim por Tim Tim, Tam Tam, Sal e Pi-menta, Em Pratos Limpos, Talvez Te Escreva,memoráveis ainda pela colaboração plástica e mu-sical que lhes prestaram artistas e compositores daestirpe de Rafael Bordalo Pinheiro, Luigi Manini eAugusto Pina, Freitas Gazul, Tomás Del Negro eFilipe Duarte, e porque nelas deu os primeirospassos de uma gloriosa (e longa) carreira a queseria a actriz mais prestigiosa do século xx: Pal-mira Bastos.

Mas, a meio da década de 90, o trono que SousaBastos ocupava — a que não podiam aspirar osprolíficos Penha Coutinho, Artur Arriegas, Eduar-do Fernandes (o «Esculápio» das gazetilhas emverso) ou mesmo Baptista Dinis, cujas revistas«frescas como os caramelos e estimulantes comoos mariscos» o implacável Madureira saudou «pelaespontaneidade do espírito e pelo imprevisto datécnica» — foi-lhe disputado, ano após ano, porEduardo Schwalbach com Os Retalhos de Lisboa,O Reino da Bolha, as Formigas e Formigueiros,as Agulhas e Alfinetes, O Barril do Lixo. A es-trutura destas revistas, em que generosamente sequis ver uma revivescência do espírito «vicentino»

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e «aristofanesco», não divergia muito do cânone fi-xado por Sousa Bastos, a que Schwalbach acres-centava um propósito «educativo» que as tornavafastidiosas por vezes e, nos primeiros tempos da Re-pública, francamente reaccionárias. E, coincidindocom o crepúsculo da monarquia, foram surgindo osautores que lhes asseguraram a sucessão — Ernes-to Rodrigues, André Brun, Félix Bermudes, JoãoBastos, Lino Ferreira, Alberto Barbosa — e garan-tiram, por meio século ainda, a vigência e o fulgordo espectáculo de revista 7.

Resta falar das companhias e artistas estrangei-ros que incluíram Lisboa nos seus roteiros itineran-tes — e muitas foram, provenientes de França e

7 Está fora do âmbito deste livro a ópera, teatro por mú-sica, contraposto na distinção traçada por João de Freitas Bran-co ao teatro com música, em que se inserem a opereta e arevista. Mas não deixará de registar-se que, no período consi-derado (1890-1910), se ouviram pela primeira vez em S. Car-los cinco óperas de paternidade portuguesa: Frei Luís de Sou-sa, de Freitas Gazul (1891), Irene e A Serrana, de AlfredoKeil (1896 e 1899), Amor de Perdição, de João Arroio (1907),e Mario Wetter, de Augusto Machado (1909).

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Itália, menos de Espanha, desde que o caminho--de-ferro, cuja ligação à fronteira espanhola se con-cluíra em 1863, aproximou Portugal do resto da Eu-ropa. Eram, geralmente, conjuntos formados nabase de um grande primeiro actor ou actriz, de no-me consagrado — Sarah Bernhardt, a Duse, Ré-jane 8, a «divina» Bartet, os dois Ermete, Novellie Zacconi, Mounet-Sully, Coquelin —, quase sem-pre rodeados por elementos de segunda e terceiraordem, que apresentavam em improvisadas mon-tagens peças de êxito pré-assegurado a que, porvezes, se juntavam outras de maior exigência e sig-nificado. E, se não havia novidades no repertóriode Sarah, que já viera a Portugal em 1882 e 1888e voltou em 1895 e 1899 com as sempiternasDama das Camélias, A Tosca e Adrienne Le-

8 Para a petite histoire: Réjane, que em 1899 trouxe ao Tea-tro de S. Carlos a sua louvadíssima criação da Madame SansGêne (interpretada entre nós por Lucinda Simões, 1895), foipresenteada na sua festa artística de despedida por Sua Majes-tade o Senhor D. Carlos com… «duas mulas da raça Alter»!(Apud M. Moreau, O Teatro de S. Carlos, vol. I, 1999: 120.)

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couvreur, e Mounet-Sully e Coquelin se limitavama exportar as suas aplaudidas tiradas declamató-rias do Cyrano de Bergerac (em 1903) e doÉdipo de Sófocles comprimido em dois actos(em 1904), já Eleonora Duse reservou para Lis-boa a criação da Hedda Gabler, de Ibsen (1889),e Zacconi, que deu a conhecer em 1901 O Poderdas Trevas, de Tolstoi, e Almas Solitárias, deHauptmann, suscitou, com a sua interpretaçãodos Espectros (que Novelli, o seu mais directocompetidor, havia trazido ao D. Amélia em 1895),uma animada polémica em que intervieram escri-tores, críticos e médicos psiquiatras como Júliode Matos.

Foi, sem dúvida, importante que a nova drama-turgia assim se divulgasse no nosso país; e sê-lo--ia mais ainda a passagem por Lisboa, em Junhode 1903, de André Antoine com a sua companhiado Teatro Livre que, «entre um comboio e um pa-quete», a caminho da América do Sul, apresentoualgumas peças emblemáticas do seu repertório(Brieux, Curel, Renard, Courteline), o que constituiuum poderoso incentivo à fundação, no ano seguin-te, de um homónimo Teatro Livre, que se propôs

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«dar uma nova e forte seiva ao teatro português»e serviu de trampolim à segunda geração de dra-maturgos naturalistas.

7. Foi com um drama histórico em verso dode-cassilábico, cuja acção se reparte por cinco actos,D. Afonso VI, estreado em 1890 no Teatro deD. Maria II, que verdadeiramente se iniciou a tra-jectória dramatúrgica de D. João da Câmara. Tinhaele então 37 anos. Mas desde os 20 que se dedi-cava à escrita para a cena: no Colégio de Cam-polide fez representar em 1873 e 1874 as suasprimeiras peças num acto, O Diabo, Nobreza eBernarda no Olimpo; nos anos imediatamenteseguintes escreveu várias outras de igual dimen-são (Um Apuro Faz um Médico, Uma Vénus deEspuma, Quem Fumou?, O Chapéu de Três Bi-cos e Ao Pé do Fogão), esta última estreada em1876 no Teatro de D. Maria, onde se manteve porquatro noites. E em 1888 o Teatro do Ginásio le-bou à cena a comédia em verso, também numacto, A Dona Brísida, quiçá mais relevante paraa evolução da sua obra que qualquer daquelas,pois que nela aborda um tema que lhe é recorrente,

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a revivescência de pretéritos amores, num regis-to mais humorístico do que propriamente «sau-doso». 9

Foi, pois, o drama representado pela primeira veza 12 de Março de 1890, e — di-lo Gustavo de Ma-tos Sequeira na sua minuciosa História do Tea-tro D. Maria II — «recebido com entusiásticosaplausos». A sua interpretação beneficiava de umelenco de escol: Eduardo Brazão, os irmãos Rosa,Ferreira da Silva, Rosa Damasceno, Emília Cân-dida, nomes a que, para ficar completa a primeirafila dos artistas da época, teriam de acrescentar--se (pois que António Pedro falecera no ano ante-rior) os de Lucinda Simões, Virgínia e Ângela Pinto,Taborda e Joaquim de Almeida. A seu propósito,e de outros que o precederam, no mesmo palco epela mesma companhia, animados de espírito idên-

9 Perdeu-se o texto de algumas destas peças; as restantes,acrescidas de três outras em mais de um acto (A Pastilha,Constança ou Lutas Íntimas e A Coisa Má), na sua maioriainéditas até agora, serão publicadas pela INCM no volume I

do Teatro Completo.

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tico (O Duque de Viseu, de Lopes de Mendonça,em 1886, Leonor Teles, de Marcelino Mesquita,em 1889, embora de escrita anterior) e lhe sucede-ram (A Morta, de Mendonça, e Alcácer Quibir,de D. João), pôde falar-se numa ressurreição dogénero, moribundo desde o advento da Regenera-ção, que viera pôr na ordem do dia o «drama deactualidade». Façamos um novo flash-back.

José Maria de Andrade Ferreira, escrevendo em1858 sobre a colheita literária desse ano, registavaque «o drama histórico, como mania da época, pas-sou»; e, ao lançar sobre ele um olhar retrospectivoquatro anos depois, lembrava, com algum sentidode humor, que se «tornara o pesadelo das plateiase a cabeça de Medusa dos críticos». Vale a penacontinuar a citação: «Tudo começou a escreverdramas históricos. E que dramas! e em que histó-rias se não foram inspirar! Cada um dos partosabortivos daquelas imaginações lúgubres e escan-decidas, era um tratado de horrores. Parecia queandavam à aposta de quem havia de inventar maisgolpes de punhal, mais imprecações proferidas dedentes cerrados e olhos em fogo, mais amores in-cestuosos e lutas de opróbrio moral! E tudo isto

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passado em subterrâneos lôbregos, ou à claridadeopaca e sinistra de alguma velha sala de armas decastelo roqueiro!» Pode afirmar-se que, entre nós(mas igualmente em França, durante muitos anosmatriz inspiradora das letras nacionais: pense-se emVictor Hugo, em Vigny, em Casimir Delavigne, nopai Dumas), o referente histórico se assumiu comocânone da dramaturgia da primeira geração român-tica. Garrett abrira o caminho com o texto funda-dor que é Um Auto de Gil Vicente, em 1838 —aliás, três anos antes, no Repositório Literário,Alexandre Herculano recomendara que «se apro-veitassem os nossos tempos históricos», em de-trimento dos «tempos antigos» a que a tragédianeoclássica se confinava. Mas, incapazes de en-tender — e transpor para a cena — o «fluxo his-tórico» que «impele as personagens» e determinaos seus comportamentos, a que Engels aludia nabem conhecida carta dirigida a Lassalle a propó-sito da sua tragédia Franz von Sickingen, os nos-sos dramaturgos detinham-se na factualidade ex-terna, real ou ficcionada, apoiados num vocabulárioarcaizante (o Elucidário de Sousa Viterbo era asua fonte obrigatória) apto a criar a almejada «cor

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local» com a colaboração do vestuário e da ce-nografia 10.

É sintomático que a maioria das peças apresen-tadas ao primeiro concurso de originais instituídopelo decreto régio de 15 de Novembro de 1836,com que Garrett iniciou a reforma do teatro nacio-nal, e nomeadamente as quatro premiadas (Os DoisRenegados, de Mendes Leal, O Cativo de Fez,de António Silva Abranches, O Camões do Ros-sio, de Inácio Maria Feijó, Os Dois Campeões, dePedro Sousa de Macedo) pusessem em cena even-tos e personagens do passado, quer houvessemrealmente existido ou apenas na férvida imagina-ção dos seus autores. Também um drama de re-ferência histórica, Álvaro Gonçalves, o Magriçoou os Doze de Inglaterra, de Jacinto Aguiar Lou-reiro, foi escolhido para o espectáculo de aberturado Teatro de D. Maria II, em 13 de Abril de 1846.

10 Para uma definição do drama histórico e da sua tipologia,leia-se com proveito o excelente estudo de Ana Isabel Teixeirade Vasconcelos O Drama Histórico Português do Século XIX,2003.

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E eram da mesma natureza os dramas que, nomesmo ano, o júri dramático do Porto distinguiu:D. Sisnando, Conde de Coimbra, de José Freirede Serpa Pimentel, e O Conde Andeiro, de Ce-sar Perini. Não houve praticamente época da nossahistória que, a partir do Auto de Garrett, não ti-vesse servido de pano de fundo ao labor drama-túrgico dos escritores portugueses da segunda ge-ração romântica (e mesmo para além dela). E nemescritores da estatura de Camilo, Júlio Dinis, Re-belo da Silva, o próprio Herculano, escaparam àvoga do drama histórico — ou à vaga, que come-çou a refluir quando o público se cansou dessa«dança macabra de assassínios, de adultérios e deincestos, tripudiada ao som das blasfémias e dasmaldições» verberada por Garrett 11 — a quem,aliás, ficou a dever-se a obra máxima do teatro ro-mântico, esse trágico e polissémico Frei Luís de

11 E por Fialho de Almeida, que acusava os epígonos doautor do Frei Luís de Sousa de degradarem a História portu-guesa «ao ponto de mais parecer uma verdadeira festa de pos-sessos»…

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Sousa, retrato mítico de uma pátria suspensa e deum povo «que só já tem ser imaginário, ou mes-mo fantasmático», na acertada diagnose de Eduar-do Lourenço.

Mas a representação sucessiva, entre 1886 e1891, de O Duque de Viseu, Leonor Teles, D. Afon-so VI, A Morta e Alcácer Quibir, trazendo denovo à ribalta a evocação de tempos passados, deuum novo alento ao género, que em certa medidaos seus autores reabilitaram. Curiosamente, e con-tra o que é habitual, esta ressurgência antecipou aque, na mesma década, produziu em França oThermidor e Madame Sans Gene, de Sardou(1891 e 1893), Pelo Gládio, de Jean Richepin(1892), Pela Coroa, de François Coppé (1895),Cyrano de Bergerac e L’Aiglon, de Rostand (1897e 1900). E, não menos curiosamente, foi com osautores daquelas peças que surgiram nos palcosportugueses os primeiros textos consequentes dadramaturgia naturalista.

8. Júlio Lourenço Pinto, autor de romances hojeesquecidos, ofuscado que foi, como os demais fic-cionistas da sua geração, pelo génio de Eça de

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Queiroz (e no entanto O Senhor Deputado, edi-tado em 1882, é um documento memorável da in-fluência da escola naturalista, via Zola, nas letrasportuguesas), publicou em 1883, na Revista deEstudos Livres que Teófilo Braga e FranciscoTeixeira Bastos dirigiam, uma série de estudos quedois anos depois reuniu em volume sob o títuloEstética Naturalista. Um desses estudos, reparti-do por três secções, «O naturalismo no teatro»,seguia de perto, decalcando-o por vezes até, o li-vro homónimo que Émile Zola publicara em 1880e em que o autor da saga dos Rougon-Macquartenfeixou as crónicas de crítica teatral escritas paradois jornais de Paris.

Para Lourenço Pinto, o drama histórico «nãopode ser o tipo do drama moderno», embora re-conhecesse que «a evocação do passado não po-dia eximir-se à alçada do dramaturgo»; mas, «paraser verdadeiro, ressuscitando o passado como sefora presente, demandava um grande trabalho deerudição, que não pode ser inteiramente supridopela intuição artística». Esta deveria portantocombinar-se com aquela, nenhuma delas excluin-do a outra, para assim se garantir a autenticidade

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do «pensamento histórico e do espírito de umaépoca». Reportando-nos aos três autores das obrasacima citadas — Lopes de Mendonça, MarcelinoMesquita e D. João da Câmara —, poderá dizer--se que no primeiro a erudição se sobrepunha àintuição artística, no segundo esta prevalecia sobreaquela, e só o autor do Afonso VI e de AlcácerQuibir lograva o equilíbrio entre ambas.

Tem-se querido ver, e não sem alguma razão,neste retorno ao historicismo, a que descontrola-damente sacrificara a segunda geração romântica,uma reacção saudosista (e idealista) à crise da so-ciedade portuguesa no final de Oitocentos, à de-cadência em que a pátria se afundava, dilaceradoo sonho imperialista do «mapa cor-de-rosa» pelabrutalidade do Ultimato inglês. Os dramas históri-cos de Mendonça, Mesquita e Câmara inscrever--se-iam assim, directa ou indirectamente, volensnon volens, no movimento nacionalista novi--romântico emergente (também em França, a pro-pósito do Cyrano, de Rostand, se falou em 1897de um «renascimento do nacionalismo»…), na me-dida em que neles ressoava um eco das pretéritasgrandezas, dos tempos gloriosos dos «nossos egré-

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gios avós», evocados nos versos do «a-propósitopatriótico» de Lopes de Mendonça e Alfredo KeilAs Cores da Bandeira, em 1891, que iriam seros do hino nacional após a implantação da Repú-blica. E era isso bem patente nas peças apresenta-das em 1898 ao concurso instituído para comemoraro centenário da chegada das caravelas portuguesasà Índia, cujo júri, presidido por António Enes, pre-miou o Auto dos Esquecidos, de Sousa Monteiro,e colocou em segundo lugar O Sonho da Índia, deMarcelino Mesquita, e Na Volta da Índia, de ArturLobo d’Ávila 12. Não concorreram Lopes de Men-donça nem D. João da Câmara; mas encomendou--se àquele um Afonso de Albuquerque, ainda nesseano publicado mas só levado à cena em 1906, eescreveu este uma peça num acto, O Beijo do In-

12 Concorreram oito peças mais, de Manuel Silva Gaio,Júlio de Castilho, Cipriano Jardim, Faustino da Fonseca (que,inconformado com a decisão do júri, a impugnou em um vio-lento folheto denunciando o «imoral compadrio» determinanteda «burla» que fora o concurso…) e quatro anónimos, ou quase:Libânio Ferreira, Romão Duarte, Pinto Martins, Carvalheiro eSousa.

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fante, que, em versão italiana, o grande trágicoErmete Novelli representou no Teatro de D. Amé-lia, no ano do centenário também.

Em que se traduziu o avanço destes dramas, aque poderão juntar-se o D. Pedro, de Sousa Mon-teiro, publicado em 1890, e a Inês de Castro, deMaximiliano de Azevedo, estreada no Teatro doPríncipe Real em 1894 com grande êxito popular,sobre aqueles em que, meio século antes, a segun-da geração romântica se desentranhara? Sem dú-vida, a uns e outros era muito próxima a visão idea-lista da História que lhes era subjacente; mas agoraessa visão articulava-se com o cuidado posto nacaracterização psicológica das personagens e naconcatenação dos seus comportamentos com ascoordenadas sociais e políticas do quadro históricoem que se moviam. Não eram já os heróis intei-riços dos primeiros textos do romantismo, o con-fronto abstracto do indivíduo com a colectividade,a redução dos conflitos históricos a conflitos sen-timentais, pródigos em lances de um exacerbadomelodramatismo. E o povo, ausente na tragédiaclássica, presente como espectador na primeirafase do drama romântico, passou a intervir como

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agente — conforme aliás havia recomendado Ale-xandre Herculano aos dramaturgos do seu tempo,lembrando-lhes que não bastava evocar «os gran-des de outrora em seus paços esplêndidos», eratambém preciso «assistir às misérias e agonias dospeões». Por outro lado, complementarmente, a en-cenação destes dramas mereceu da empresa con-cessionária do Teatro de D. Maria uma particularatenção, bem expressa no rigor histórico da ceno-grafia (sobretudo graças à colaboração de LuigiManini), da indumentária e dos acessórios — quefora por onde J. Lourenço Pinto entendia havercomeçado a reacção naturalista no teatro.

Exprimindo-se embora em verso (seria excep-ção a Castro, de Azevedo; e só mais tarde Mar-celino Mesquita, Júlio Dantas e Carlos Malheiro--Dias escolheriam a prosa para as suas comédiashistóricas), o que fatalmente implicava um certograu de convencionalismo, as dramatis personae,mesmo as de origem nobre, definiam-se por umpadrão de humanidade comum que as nivelava (porexemplo, em D. Afonso VI, o monarca, as figuraspopulares do alcoviteiro Simão Peres e Brás dosCães). Melhor do que nenhum outro soube D. João

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da Câmara vencer os escolhos inerentes ao uso doalexandrino emparelhado, alcançando uma notávelfluência dialogal pelo fraccionamento do mesmoverso por diferentes personagens. Enquanto aversificação de Lopes de Mendonça é pesada eacadémica («esculpida em bronze», disse-se, con-victamente…), e desleixada a de Marcelino na pre-cipitação ofegante da escrita, D. João da Câmaraconsegue, sem quebra da densidade poética, impri-mir um tom de coloquialidade ao encadeamento dasréplicas. O que não excluiu a cedência ao gostoda época pelos morceaux de bravoure, como nacena do 2.o acto de Alcácer Quibir em que o pro-tagonista, D. Fuas, recorda os combates em que seenvolveu «por sua dama», o último dos quais as-sim descreve:

CARDEAL: E por quem, já que o vejo e audaz se manifesta,vos feriu, tão medonho, esse gilvaz na testa?

D. FUAS: Senhor, por minha dama.CARDEAL: A mesma?D. FUAS: Senhor, não.

Por outra a quem amei com toda a devoção!……………………………………………………

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Por ela só gastei, por ela, a minha amada,a força do meu braço e o gume desta espada.Por quem eu me bati? Por essa a quem adoro,no vasto azul do céu fulgente meteoro!Por quem este gilvaz? Senhor, por minha dama,senhor, por minha pátria, a luz da minha chama!

A acção de Alcácer Quibir decorre nas vés-peras de uma catástrofe nacional provocada pelaaventura insensata de um rei sonhador; D. Afon-so VI tinha como protagonista um rei mentecaptoe impotente. D. João da Câmara recusava, assim,à partida, as facilidades complacentes de uma dra-maturgia heróica, preferindo-lhe a transposiçãopara a cena de conflitos em que o embate políticoe o embate psicológico se interpenetram. Assim,em D. Afonso VI a luta pelo trono, que constituio fulcro da acção (um tanto diluída num 1.o actoque, pelo seu ambiente de emboscadas e duelos,lembra Le Roi s’amuse, de Victor Hugo, e retar-dada no 4.o, que todavia proporciona um quadrobem colorido da vida conventual seiscentista), nãose trava apenas entre o infante D. Pedro, seu ir-mão e a rainha infiel, apoiados pela nobreza e o

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clero, de um lado, e, do outro, o rei, apoiado peloseu ministro Castelo Melhor, mas também entreeste e o rei, incapaz de aceder à força de vonta-de que o conde em vão procura incutir-lhe. Oli-veira Martins — que por volta de 1878 compuse-ra também um drama em quatro actos (e emprosa) sobre esse monarca «que já nasceu velho»,como ele próprio diz na cena final 13 — pôde, comrazão, escrever que com a peça de D. João daCâmara «saímos por excepção desse mundo ridi-culamente convencional do teatro que nos servemtodos os dias». Palavras que seriam aplicáveis àobra seguinte, Alcácer Quibir, se bem que nestaa intriga sentimental ganhe ascendente sobre a tra-ma histórica e apareça de certo modo desligadadesta.

13 O D. Afonso VI, de Oliveira Martins, que os seus maispróximos amigos (Antero, Batalha Reis) julgaram não ser «viá-vel, ainda no sentido mais estrito da palavra, isto é, represen-tável», e só em 1989 foi dado à estampa, seria, no pensamen-to do seu autor, o segundo painel de um políptico de queapenas outra peça, O Mundo Novo, a última do ciclo projec-tado, chegou a ser escrita, mas cujo texto se perdeu.

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Mas, em ambos, de par com o historicismo neo--romântico, afloram os primeiros vestígios de umalinha estética que D. João da Câmara não tardaráa seguir, por ele introduzida no teatro português, emsimultâneo com a revelação da dramaturgia sim-bolista (é de 1889 A Princesa Maleine, de Mae-terlinck; dois anos depois fundava-se em Paris oTeatro de Arte, o «essencial teatro dos poetas»,como lhe chamou Rachilde). No prefácio à ediçãodas suas primeiras peças, aludia o dramaturgo belgaà presença de «forças desconhecidas e enormespotências, invisíveis e fatais, cujas intenções nin-guém conhece, mas que o espírito do drama supõemaléficas»; e logo no 2.o acto de D. Afonso VI, ecom particular realce ao longo do 3.o, a atmosferado drama mostrava-se ensombrada por negrospresságios, obscuras ameaças, «cruéis visões som-brias», que se adensavam no último acto. Assim,quando Castelo Melhor propõe ao rei a fuga parao Alentejo, a resposta do monarca é esta:

[…] Ai, Conde! E queres tu que eu fuja…Se toda a noite ouvi gemer uma coruja,se o cometa do céu me adivinhou desgraça!

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Ou a seguinte fala de Afonso, que põe fim aodrama:

Olha por nós, Senhor, que as faltas nos relevas,Deus, origem da luz… Senhor também das trevas!

Sobre a acção de Alcácer Quibir, entre a ex-pectativa e o entusiasmo de uns e o cepticismo deoutros que envolvem os preparativos da expediçãoao Norte de África, pairam as mesmas «forçasdesconhecidas, hostis ao sorriso, à vida, à paz, àfelicidade» a que aludia Maeterlinck, expressas nosgemidos e nas imprecações de Sancha Mocho (atéo nome é premonitório: «Deus fez […] / os mo-chos para os agoiros», dissera Afonso no dramaanterior). Na cena final do 3.o acto, após o silên-cio que se segue à oração de D. Sebastião, ro-deado pelos que irão acompanhá-lo na trágica jor-nada, a pobre demente atravessa o palco, como umfantasma vaticinador de desgraças, e a sua vozrouca vai gemendo:

Ai, meus irmãos! Chorai! Chorai! Chorai! Chorai!

Estas sugestões simbolistas, que D. João da Câ-mara irá desenvolver em O Pântano e depurar em

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Meia-Noite, estão ainda patentes em O Beijo doInfante, um acto escrito para o actor italiano Er-mete Novelli, intérprete da personagem do velhomarinheiro André que, no ocaso da vida, e numdeslumbramento, recorda a manhã, esfumada notempo, em que o infante de Sagres o tomou nosbraços e beijou. São essas sugestões que permi-tem a aproximação do teatro de D. João ao deJosé Régio, já sublinhada por António Braz Teixeiraao notar como este «secreta ou subterraneamentedialoga» com aquele. São vários os sinais dessaproximidade: o modelo histórico transposto por Ré-gio no «mistério» Jacob e o Anjo é o mesmo, masagora miticamente sublimado, que serviu a D. Joãopara o protagonista do seu primeiro grande drama;e ambos voltam a encontrar-se no «poema espec-tacular» de Régio, El-Rei D. Sebastião, onde nasprofecias de Simão Gomes, o «sapateiro santo»,ecoam as imprecações alucinadas de Sancha Mo-cho em Alcácer Quibir. Um pouco esquematica-mente, pode dizer-se que o simbolismo no teatroportuguês começa com D. João da Câmara e aca-ba com José Régio — e, entre os dois, atinge o seuponto mais alto com António Patrício, que aliás

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também pôs em teatro a mítica figura do Deseja-do na «tragédia nossa» (que deixou incompleta)Rei de Sempre.

9. Aos dramas históricos sucedeu a comédia emtrês actos Os Velhos, estreada em 11 de Marçode 1893 no Teatro de D. Maria pelo mesmo elencodos dramas anteriores, com Augusto Rosa a menose Virgínia a mais. Surpreendentemente, a que paramuitos é a melhor peça de D. João da Câmara eum texto de referência obrigatória da nossa drama-turgia, foi recebida com indiferença pelo público epela crítica, desconcertados pela simplicidade daacção e da linguagem, que tanto se distanciavamdos embrulhados enredos e das estridências retóri-cas a que estavam habituados. «Gracioso quadrorural, contozinho bem posto em acção e que seescuta com bonomia», foi como o crítico do Diáriode Notícias displicentemente a julgou. Reagiu me-lhor a plateia portuense, na temporada seguinte; esó em 1906, quando Virgínia, Brazão e Ferreira daSilva voltaram a representá-la, lhe foi reconhecidoo seu justo valor. Em 1893, o naturalismo ainda nãose tinha imposto nos palcos portugueses.

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Na Estética Naturalista, de que já falámos, pre-conizava Lourenço Pinto o advento de «um teatroque se cingisse à vida natural e que fosse o espe-lho fiel da sociedade». É certo que, no quadro daRegeneração, o «drama de actualidade» de Men-des Leal, César de Lacerda, Ernesto Biester, sepropunha ser «a reprodução verdadeira dos costu-mes contemporâneos, da vida do nosso tempo, dasociedade actual» — mas não era por se trocaremos castelos e as masmorras medievais pelos salõese escritórios burgueses, eventualmente as fábricase as oficinas, o arnês, o gibão e a cota de malhapela sobrecasaca, o roupão doméstico e a blusa dooperário, a linguagem arcaica pela coloquialidadeda conversação corrente, que deixava de continuar--se «o carnaval da natureza», na frase de Zola queLourenço Pinto fez sua.

E continuou ainda, com os dramas de tese anti-clericalista que, a partir de Os Lazaristas, de An-tónio Enes (1875, o ano em que a Revista Oci-dental publicava a primeira versão de O Crime doPadre Amaro), ora denunciando a intromissão doclero na vida pública e familiar, ora impugnando ocelibato dos padres e a indissolubilidade do casa-

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mento canónico, até à implantação da República pro-liferaram nos palcos portugueses. Eram, sem dú-vida, temas actuais que neles se debatiam; mas asua escrita conformava-se ao cânone fixado pelosdramaturgos do fontismo. Foram, de resto, as der-rapagens românticas da sátira política O GrandeHomem (1881), de Teixeira de Queiroz, que a inte-grou na série romanesca da Comédia Burguesa,que levaram Lourenço Pinto a considerar «falha-da» essa «primeira tentativa de introduzir o natura-lismo no nosso teatro». O mesmo poderia dizer-se,mutatis mutandis, de A Pérola, de Marcelino Mes-quita, «episódio da vida académica», cuja declaradaintenção «fotográfica» o empolamento retórico dodiálogo e o exacerbado sentimentalismo das situa-ções desmentiam — e que, proibido por «imoral»pelo comissário do Teatro de D. Maria, veio a es-trear-se no Príncipe Real em 1885.

Quando se fala em naturalismo (ou realismo: àsemelhança de Lourenço Pinto, rejeitaremos a«subtileza da distinção») a propósito de Os Velhos,é necessário advertir que nenhuma afinidade existecom os pressupostos ideológicos e os propósitoscombativos da obra teatral de Ibsen, Strindberg ou

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Hauptmann; mais próximo estaria o modelo adop-tado por Brieux, Sudermann ou Jules Renard, me-diante o qual o dramaturgo transpõe para as tá-buas do palco situações, personagens e umalinguagem aderentes à vida real, captada na suaquotidiana imediatividade. Não é por acaso que,em dado passo, uma das personagens de Os Ve-lhos alude a «uns livros muito bonitos», umas «his-tórias de aldeia muito simples» — os romances deJúlio Dinis, em quem os doutrinários do naturalis-mo, Lourenço Pinto, Reis Dâmaso, viram um pre-cursor, carinhosamente evocado por Eça de Quei-roz numa página necrológica de As Farpas peloseu «amor à realidade», idealizada nos seus roman-ces como no teatro de D. João da Câmara.

Que novidade trouxe essa comédia à cena por-tuguesa? Antes de mais, a exactidão do quadro emque a acção transcorre, uma aldeia do Alto Alen-tejo que irá ser atravessada pela via férrea; alémdisso, a perfeita caracterização sócio-psicológicadas personagens, pequenos proprietários rurais, aprincípio indignados com a expropriação das suasterras, sacrificadas (dirá o Prior) à «Besta do Apo-calipse, a vomitar lume por esses campos agora tão

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quietinhos», mas a breve trecho dispostos a ouvir«no silvo da locomotiva o hino do progresso»… Re-trato fiel do país rural que Portugal então era, epor muito tempo mais continuou a ser. Os Velhospõem em cena uma animada galeria de criaturasreais, captadas na diversidade dos seus tempera-mentos, obsessões e afectos, bem longe da visãoestereotipada e maniqueísta patenteada em obrasanteriores de ambiente idêntico, como os Campi-nos, de Salvador Marques (1874). Novidade, tam-bém, pela fluência e naturalidade do diálogo, con-trastante com o discurso artificial do drama deactualidade e seus derivados. Alguns exemplos bas-tarão para demonstrá-lo.

PRIOR — Olhe lá, amigo Bento, se você tem consigo anavalha… Amanhã digo missa de Nossa Senhora e pre-ciso da barba feita. O Patacas dá licença. Quero pedirauxílio a Deus em lance tão difícil.

BENTO — Às ordens. Trago tudo comigo.PORFÍRIO (encaminhando o Prior) — Sente-se aqui,

Sr. Prior.PATACAS — Um desgosto assim na nossa idade…!PRIOR — Vocês estão uns rapazes. (Sentando-se.) Obri-

gado, Sr. Porfírio. Mas eu que já cá tenho oitenta e sete!A mim,… a mim é que isto mata!

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BENTO — Quando vi aquela cáfila entrar pelo meu cen-teio… Uma bandeirola na mão é um rei na barriga! Maisalto a cabecinha, Sr. Prior. (Começa a barbeá-lo.)

PATACAS — Lágrimas, queixas, zangas!... Destemperosque para nada servem. O que nós temos que fazer édesde já ir a Marvão consultar o Dr. Rolinha.

PORFÍRIO e BENTO — Apoiado.PRIOR — Aprovo. O Rolinha é homem sério e muito

capaz de os enredar a todos.PATACAS — Expomos-lhe o caso, explicamo-nos com

respeito a preços… Um por todos, todos por um. É pre-ciso não exagerar as pretensões.

PORFÍRIO e PRIOR — Apoiado!BENTO — Escanhoadinho, Sr. Prior?

(Acto I, cena IV.)

Ou ainda:

JÚLIO — Estranho-a agora…! Ainda há bocado tão ale-gre dali saiu, e já tão triste…!

EMILINHA (sorrindo) — Triste!JÚLIO — O que houve…? O que lhe disse o Prior?EMILINHA — O Prior…? Se fosse verdade o que me

disse…!JÚLIO — Que a entristece?

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EMILINHA — Não, não… Pelo contrário.JÚLIO (como quem vai principiar a falar) — Emili-

nha…!EMILINHA — Já esteve hoje na ponte? Vai muito adian-

tada, não vai?JÚLIO — Amanhã começam a chegar os ferros. Interes-

sam-na muito as obras do caminho-de-ferro?EMILINHA — Muito. Basta serem suas. Se se fosse em-

bora…JÚLIO — E sabe porque fiquei?EMILINHA — Porque nos deixaria a todos muitas sau-

dades, se partisse.JÚLIO — Foi porque a vi chorando. Assim eu pudesse,

como já me adivinhou, ter a certeza de que a adivinheitambém!

EMILINHA — Adivinhei-o!... Não. Nem a mim sequer!Mas o Prior disse-me… o que eu sonhava às vezes, masnunca pensei!

JÚLIO — Ó Emilinha, ainda não me disse nada, mas senão é o que eu penso…

EMILINHA — Quando o Prior há pouco estranhou queeu risse, que eu cantasse sempre, mal sabia porque ria,porque cantava; mas quando o Sr. Júlio falou na sua par-tida… então vi que nunca mais havia de rir, nunca maishavia de cantar…!

(Acto II, cena XI.)

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Mas seria de citar a longa sequência da ceia,em que se celebram os cinquenta anos do matri-mónio de Emília e Patacas, que preenche quasetodo o 3.o acto, e que é, para Óscar Lopes, «tal-vez a melhor proeza da peça e do nosso natura-lismo cénico, pela animada verosimilhança com quemovimenta figuras e réplicas comezinhas» 14. Vero-similhança que habilmente se combina com o sen-timentalismo que impregna a acção da peça, com-pondo um tecido em que se enleiam os fios de umdiscreto lirismo, uma suave ironia, uma esparsa eresignada melancolia — e se cruzam, como dizPatacas na réplica final da versão representada, os«velhos caminhos da morte» e o «caminho da au-rora». É que «os tempos correm, os tempos são

14 Em Le Naturalisme au Théâtre, Zola, reportando-se àrepresentação de O Amigo Fritz, de Erckman-Chatrian, naComédie-Française (e levada à cena pela companhia Rosas eBrazão na temporada de 1878-1879), notava que «esta peçaem que se está todo o tempo a comer e os namorados falamuma linguagem familiar» teria, vinte anos atrás, revoltado osclássicos e os românticos — prova evidente da implantaçãocénica do naturalismo.

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outros»; e Emilinha, a neta dos velhos, não casarácom um homem do campo, «que lhe saiba ama-nhar a terra», mas sim com um «homem doscaminhos-de-ferro». A novas fases da vida econó-mica, novas formas de vida hão-de corresponder:também aí se poderá ver uma afirmação do rea-lismo na obra de D. João da Câmara. E foi a partirde Os Velhos que a estética realista se impôs nospalcos portugueses, representada por obras tão sig-nificativas como Dor Suprema, de Marcelino Mes-quita (1895), Crucificados, de Júlio Dantas (1902),O Azebre, de Lopes de Mendonça (1909) — auto-res que igualmente haviam começado por oficiarno templo do teatro histórico —, Casamento deConveniência, de Coelho de Carvalho (1904), e,bem entendido, os diversos «episódios», designaçãocorrespondente às tranches de vie do naturalismofrancês, que constituíram o repertório do TeatroLivre e do Teatro Moderno, que a este sucedeu.

10. Do realismo iria, porém, afastar-se a peçaseguinte de D. João da Câmara, o drama O Pân-tano, pela primeira vez representado — sempre noTeatro de D. Maria e pela mesma companhia (a que

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viera entretanto juntar-se Lucinda Simões) — em10 de Novembro de 1894 15. Desta vez a indife-rença com que Os Velhos haviam sido acolhidosvolveu-se em hostilidade. Fialho de Almeida atri-buiu o insucesso à «insuficiência do desempenho»e à «menos ilustração do público», impreparadosos actores e desorientado este por uma obra que«saía completamente dos moldes clássicos» e quetinha as suas raízes (assim declarava a RevistaTeatral) na «nova religião que as brumas do Nortenos vão infiltrando». Não tanto Ibsen, implicita-mente visado nestas palavras, que aliás o autor deO Pântano considerava «talvez o maior drama-turgo da actualidade», mas Maeterlinck, seria a re-ferência certa, como aliás Fialho bem entendeu, aodizer que o dramaturgo português se lhe adiantara,«procurando realizar por figuração viva o que opoeta flamengo escrevera para marionettes». Nes-tes quatro actos, mas especialmente nos dois in-termédios, cuja acção decorre num velho palacete

15 Nessa noite, o Teatro apresentava um novo tecto pin-tado por Columbano e estreava-se como cenógrafo o mais do-tado discípulo de Manini, Augusto Pina.

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em ruínas, perdido na vasta solidão da charnecaalentejana (curiosamente, a mesma onde se situaa acção de Os Velhos, mas agora focada a umaluz totalmente diversa), corre à superfície aqueleveio misterioso, «reprimido na noite impenetrável danatureza» e a ela hostil, que a relanços aflorava,como vimos, nas peças históricas anteriores. Umdrama de culpa e expiação, de amor, traição emorte, envolve na sua teia obscura as personagensaflitas sobre as quais se abatem forças transcen-dentes à razão, e que se exprimem através de umdiálogo balbuciado, reticente, repetitivo e entrecor-tado por angustiantes silêncios, enquanto lá fora,por contraste (e é impossível deixar de evocar oInterior e A Intrusa de Maeterlinck), repicam ossinos festivos da noite de Natal. Leia-se a cenade abertura do 3.o acto:

JOSÉ — A noite é de luar. Isto vai mal, vai mal. Luar enuvens. Há-de haver logo trovoada.

O DUQUE — Nunca vi noite mais cheia de presságios.Luar e nuvens.

JOSÉ — Luar e nuvens. Passam as sombras sobre opântano e muda-se a neblina em roupa de fantasmas.

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O DUQUE — Andam corujas voando em torno do palá-cio. Nunca vi noite assim terrível de presságios.

JOSÉ — Quando a duquesa, minha senhora, pressentea trovoada, não dorme nem eu durmo. Passam as nuvenssobre a lua e as sombras sobre o pântano. Ergue-se altoa neblina. Olhe aquele! Olhe aquele!... Corre com ovento! Veio esmagar-se aqui nos muros do palácio!... Eh!Eh! Eh! Como correm todos! A dança dos fantasmas! Eh!Eh! Eh!

O palácio que «é como um túmulo» e em quehá «frémitos sinistros», cujas janelas de vidros que-brados são «olhos sem vista que parecem ver cádentro», o pântano sobre o qual os fantasmas e ospesadelos «apenas o sol desce começam a formar--se, dançam no vento, desfazem-se nos ares», cons-tituem-se no símbolo de um lôbrego universo ondese agita desorientada uma humanidade a quem de-ram «asas que só servem para descer ao fundodo abismo». «O pântano alastrou», dirá José, o ve-lho criado vidente e idiota — e acabará por submer-gir as personagens desta dança da morte que os-cila entre o melodrama e a tragédia, num equilíbrioinstável sempre à beira de romper-se, como nas

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sequências finais em que o patético quase soço-bra no ridículo.

Fialho, não obstante reconhecer n’O Pântano«uma obra literária de superior merecimento»,achou que o novo trabalho do autor de Os Velhos«parece antes a exibição duma enfermaria de neu-róticos do que um drama propriamente dito»: equando, daí a dez anos, Maeterlinck, de quem otexto de D. João da Câmara é tributário, trouxeao D. Amélia algumas das suas obras, um outrocrítico teatral, aqui já citado, Joaquim Madureira,cuja truculência verbal nada ficava a dever àdaquele, não teve dúvidas em colocar o autor deA Intrusa «entre os enfermos de um manicó-mio»… Assim os (bons?) espíritos se encontram 16.

16 Como que a confirmar o pensamento de Mallarmé — paraquem «um livro, em nossa mão, supre todos os teatros» e dis-pensa «o espaço brutal da cena» —, a dramaturgia simbolistararas vezes, ou tardiamente, passou entre nós das páginas dolivro para as tábuas do palco: assim o poema dramático deEugénio de Castro Belkiss, publicado em 1894 e posto em óperapor Rui Coelho em 1928, ou o admirável teatro de AntónioPatrício, que só nos anos 70 começou a ser representado.

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A O Pântano sucedeu A Toutinegra Real, co-média que transpõe para um ambiente burguêsalguns tópicos do drama anterior, o que é parti-cularmente sensível no que tange à caracterizaçãopsicológica das personagens (a aura de fatalismoque rodeia a protagonista, a sensibilidade intuitivade outra das figuras principais); e a esta uma ou-tra comédia, O Ganha-Perde, que tem de novo aprovíncia como cenário, desta vez a pretexto deuma crítica bem-humorada, mas superficial, aocaciquismo eleitoralista. Até que em 1897, a 11 deDezembro, o pano do D. Maria volta a subir parauma das melhores obras de D. João da Câmara,A Triste Viuvinha.

Estamos de regresso ao Alentejo, na aldeia deSanta Luzia; e é, como em Os Velhos, um quadroexacto do viver quotidiano numa terra de provín-cia que nos é dado a ver. Não mudam as perso-nagens — ali o prior e o barbeiro, aqui o tabeliãoe o sargento da guarda-fiscal, em ambas o mestre--escola, velhas e jovens camponesas; e é na mes-ma linguagem correntia, simples e desadornada quese exprimem e aos seus sentimentos. Tambémcomo em Os Velhos, os três actos de A Triste Viu-

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vinha estão imbuídos do mesmo lirismo discreto,da mesma suave ironia, da mesma resignada me-lancolia; e os caminhos do passado e do futurocruzam-se e descruzam-se igualmente nesta histó-ria contada em tom menor (intimista, diríamos) deuma mulher que, tendo enviuvado muito cedo, sentedespertar-lhe de novo o sangue para a vida e parao amor: «Que desgraça a minha! Nesta casa nãose respira! Parece-me sempre que tudo está àsescuras, que tenho uma mó em cima do peito! […]Não quero morrer! Não quero levar para a eter-nidade este anseio pior que fome e sede!» Mas,para não desgostar o velho sogro, que vive ape-nas da recordação do filho, acaba por afogar nopeito o afecto nascente por outro homem. Tudo istoé dito em pequenas frases, em surdina, por entresilêncios e reticências, como em O Pântano —mas dentro dos limites de um realismo que nãotransborda para as regiões alucinadas do sobre-natural.

A mais perfeita concordância entre as verten-tes realista e simbolista da dramaturgia de D. Joãoda Câmara (seria excessivo falar em síntese) atin-ge-se em Meia-Noite, cuja estreia teve lugar em

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5 de Janeiro de 1900 no Teatro de D. Amélia, ondese acolheram os irmãos Rosa, Brazão, Rosa Da-masceno, em protesto contra a reforma do D. Ma-ria. Uma vez mais o amor é o tema que constitui,em vários planos, o núcleo central deste como dosoutros dramas: não o amor desvairado que os ro-mânticos exaltavam, mas o deslumbramento ingé-nuo dos seres que pela primeira vez o descobrem(Júlio e Emilinha em Os Velhos, Barros e Assun-ção em A Triste Viuvinha, Cesário e Lucrécia emMeia-Noite, Francisco e Margarida em Casamentoe Mortalha), a dolorosa renúncia dos amores frus-trados (Nazaré e João da Alegria em A Triste Viu-vinha, Romana e Crisóstomo em Meia-Noite), atransmutação em saudade (Patacas e Emília emOs Velhos, Marcolino e Olímpia em Casamento eMortalha) ou a sublimação em criação artística(Sursum-Corda, Crisóstomo, em Meia-Noite). A plas-ticidade do diálogo traduz exemplarmente a diver-sidade de matizes em que se desdobra assim otema dominante do teatro de D. João da Câmara.

A distância que separava A Triste Viuvinha deOs Velhos é maior ainda em relação a Meia-Noi-te: a procurada objectividade da comédia de 1893

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evolui para a subjectividade impressionista do dramade 1900 que, enquanto paráfrase do Cântico dosCânticos, remete para uma transcendência radi-cada no idealismo cristão mais que no fatum acujo peso se vergavam as personagens de O Pân-tano. E não é, decerto, por acaso que a acção selocaliza em pontos altos — os aposentos de umvelho cónego, nos telhados da Sé de Lisboa, e ocoro desta, para além do qual o templo «se esfu-ma». Assim como o casario da cidade, com o rioao fundo, ou o interior da catedral, vistos de longe,a realidade parece diluir-se, perder os seus con-tornos, como que imaterializar-se: «Parece-me queando desencaminhado no labirinto de um sonho,perdida a perspectiva do tempo», diz Crisóstomo,o organista da Sé; e Romana, como em eco: «A vi-da… um sonho… outro sonho… Nunca se é bemacordado!»

Tal como os espaços abertos de Os Velhos ede A Triste Viuvinha se fecham, aqui, no interiordo templo, é na consciência das personagens queo drama se trava, não só entre si mas dentro de-las próprias. Assim Fernando Pessoa entendia o quechamava «teatro estático»: «não a acção nem a

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progressão e consequência da acção, mas a reve-lação das almas através das palavras trocadas».«A mim mesmo digo o que sinto, e me respondo,que alma não há que não tenha duas vozes» — éoutra réplica da peça, que anuncia já um dos tópi-cos fundamentais da dramaturgia (da arte e da li-teratura, em geral) do primeiro terço do século XX,a dissolução da personalidade, que teve em Joyce,Pirandello e Pessoa os mais ousados exploradores.E se, por vezes, o lirismo de D. João da Câmaranão consegue libertar-se de uma certa ganga lite-rária herdada do romantismo, não faltam no seudiálogo passagens de autêntica poesia, como nestafala de Crisóstomo em que ecoam as «correspon-dências» entre os sons e as cores do soneto fa-moso de Baudelaire, retomadas por Gomes Leal nopoema O Visionário:

Queria que as ondas sonoras vibrassem comonum fundo de alvorada pedaços da luz celeste, tãovivas como o vermelho que é a suprema glória, tãodoces como o azul do zénite que é a tranquilidadeimensa. E como a alegria da cor verde que é a es-perança, os brados do oiro fulvo que é a opulên-

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cia, o tom menor de ametista, em que o riso do céuse anuvia numa saudade, seriam as melodias emque o desejo cantasse […] A alegria final deveriatransbordar, toda sair fora do mundo!...

(Acto I, cena VIII.)

11. «Folhetim populista» se chamou a A RosaEnjeitada, o drama em seis actos que se estreouno Teatro do Príncipe Real em 1901 e foi uma dasgrandes criações de Adelina Abranches, na figurade uma prostituta que se redime pelo sacrifício eo amor. É irresistível estabelecer um paralelo entreesta personagem e a protagonista de A Severa, deJúlio Dantas, nesse mesmo ano também represen-tada pela primeira vez, e igualmente uma grandecriação de Ângela Pinto; mas enquanto a acçãodesta põe em confronto um meio popular e fadistacom uma aristocracia boémia, o contraste na peçade D. João faz-se com uma pequena burguesiamovida por mesquinhas ambições, sintetizada napersonagem do usurário Augusto César de Arraio-los, desenhada com o mesmo sentido justo deobservação que em Os Velhos e A Triste Viuvi-

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nha se manifestara já 17. O que de certo modo con-trabalança o intrínseco melodramatismo de A RosaEnjeitada é, para além dessa nota cómica, a pro-funda simpatia do autor pelos miseráveis, pelosseres marginais, pelos deserdados da sorte, sobrequem escreveu algumas crónicas impressionantesno Ocidente 18 — e que o aproxima, antecipando-

17 Quer A Rosa Enjeitada, quer A Severa, forneceram amatéria-prima para duas operetas, esta com libreto de AndréBrun e música de Filipe Duarte (1909), aquela de Silva Tava-res e Vasco de Macedo, respectivamente (1929).

18 Um exemplo particularmente expressivo: «Havia uns ti-pos, velhos quase todos, que um mistério envolvia, e a quemnão era possível supor vida, senão a horas mortas. Eram fei-tos de sombras, delas saíam, com elas desapareciam. Seguiampelos bairros escuros, arrimados às paredes húmidas, esver-dinhadas dos becos cheios de recantos, em que os candeeirosa meia luz desenhavam sombras a dançarem com o vento. Sobrea lama escura, mole, embebida de podridões, os passos nãofaziam bulha. Pareciam sair de um inferno de angústias. Tinhamcabeças lívidas como de espectros. Caminhavam, arrastandoos pés, condenados fatídicos, remexendo os lábios devagarinho,os olhos cheios de febre, a mão esguia, branca, descarnada,trémula, com os dedos espetados, saindo dos farrapos, comoindicando o caminho fatal de todas as noites. Pareciam absor-

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-se-lhe, de Raul Brandão, que o admirava e consi-derava A Rosa Enjeitada «um dos mais belos dra-mas que [tinha] visto na [sua] vida». Poderia serdo futuro autor do Húmus este grito de Rosa: «Sa-ber a gente que vive porque alguma coisa lhe dóisempre!» 19 E, uma vez mais, o destino escolhecriaturas excepcionais — a demente de D. Afon-so VI, o criado semilouco de O Pântano, o cego

tos, filhos de um crime e de uma superstição. E na cidade cheiade pesadelos faziam correr pela espinha da gente o calafriodos mistérios. […] Abortos, larvas, fantasmas monstruosos,que apareciam a horas mortas e sumiam-se aos primeiros al-vores da manhã, que foi feito deles? Sumiram-se com os so-nhos. Viram a luz do dia, sumiram-se. Nunca mais lhes hão-dereflectir as imagens as poças de água estagnada, verde, espe-lho lívido na calçada sob candeeiros trémulos.» («Crónica oci-dental», in Ocidente, n.o 599, 15 de Agosto de 1895.)

19 As primícias teatrais de Raul Brandão, o drama em trêsactos Noite de Natal, escrito em colaboração com Júlio Bran-dão e estreado em Janeiro de 1899 no Teatro de D. Maria,oferecem um parentesco evidente, pela atmosfera, pelo tom,pela depuração do diálogo, com A Triste Viuvinha, que, junta-mente com os anteriores Os Velhos e os posteriores Meia-Noitee A Rosa Enjeitada, eram para Raul Brandão «das poucaspeças modernas que resistirão ao tempo».

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de A Rosa Enjeitada — para fazer ouvir os seusavisos e anunciar os seus desígnios.

Do mesmo ano de A Rosa Enjeitada é a co-média Aldeia na Corte, escrita em colaboraçãocom Delfim Guimarães, o tradutor das baudelairia-nas Flores do Mal, que repete, com menos felici-dade, o ambiente e o tema de O Ganha-Perde, enada acrescenta à sua obra, como também não osactos em verso de 1902, 1903 e 1907 (Os DoisBarcos, O Poeta e a Saudade, em louvor de Gar-rett, e Auto do Menino Jesus), a adaptação doAmor de Perdição (em sete actos, 1904) — Joa-quim Madureira diria que «D. João da Câmara feztudo o que, honrada e lealmente, se podia fazer,mas, fazendo tudo, fez o pior que podia fazer, por-que a única coisa que devia ter feito era não fa-zer nada»… — e os dois actos de Casamento eMortalha, também de 1904, em que a dialécticadas «saudades do que não foi» e das «esperançasdo que há-de ser» é mero pretexto para uma bre-ve intriga repassada de emoção e ironia.

E esta visão panorâmica da criação dramatúr-gica de D. João da Câmara ficaria incompleta seomitíssemos a séria tentativa para a criação de uma

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opereta nacional empreendida em colaboração comGervásio Lobato e o compositor Ciríaco Cardosoentre 1891 e 1894, de que resultaram O Burrodo Senhor Alcaide, O Solar dos Barrigas, Cocó,Reineta e Facada (título depois alterado para Bibi& Companhia), O Valete de Copas, Os Anos daMenina e O Testamento da Velha. A galeria detipos populares que nelas perpassam, próximosparentes de Os Velhos, de O Ganha-Perde, deA Triste Viuvinha, os ingénuos mas saborososenredos que entre eles se travam (esboça-se, naprimeira, uma caricatura do sebastianismo, no pro-longamento de As Profecias do Bandarra, deGarrett) e as inspiradas partituras do maestro por-tuense, garantiram-lhes durante muitos anos umaaudiência a que o progressivo declínio do géneropôs termo quando se extinguiam os últimos ecosda Segunda Guerra Mundial 20.

20 Mencionem-se ainda duas outras operetas, O Oito (1896)e O João das Velhas, esta com Eduardo Schwalbach (1901), emúsica de Filipe Duarte e Nicolino Milano, respectivamente;a colaboração com Lopes de Mendonça e outros nas farsas ZéPalonso (1891) e O Burro em Pancas (1892) e na peça fan-

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Não limitou, porém, D. João da Câmara o seulabor literário — Fialho, colocando-o «entre os maisaltos, desinteressados talentos literários do seutempo», chamou-lhe «galeriano das letras» devidoà «escravidão martirizante sob que viveu nas suasrelações com empresários e editores» — à escritadramatúrgica. São de sua autoria um Livro deLeitura para a 1.a classe das escolas de instruçãoprimária, publicado em 1903 e em que teve Maxi-miliano de Azevedo e Raul Brandão como cola-boradores; os romances históricos El-Rei (1895)e O Conde de Castelo Melhor (1903); um livrode versos, A Cidade (1908), e um volume de Con-

tástica A Aranha (1902); os monólogos Os Gatos, O JuízoFinal, O Dorminhoco, Os Sinos, História da Carochinha, quegrandes artistas como Augusto Rosa e Ferreira da Silva inte-graram no seu repertório; e as traduções de O Casamento deOlímpia, de Émile Augier (1893), e O Mestre de Armas (1894),ambas com Gervásio Lobato, O Flibusteiro, de Jean Richepin,e O Amigo das Mulheres, de A. Dumas filho (1895), O Fiscaldos Wagons-Lits, de Alexandre Bisson (1899), Dor Bendita,de François Coppé (1907), Tanta Bulha por Tão Pouco, deShakespeare, e O Milagre de Santo António, de Maeterlinck(inéditas).

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tos (1900), onde, como no seu teatro, o campo ea cidade servem alternadamente de cenário e seencontram páginas de notação atenta dos costumes,de um desenfastiado humor e até repassadas daenigmática atmosfera conexa ao simbolismo quepaira sobre a sua obra teatral.

12. Se o leitor deste livrinho abrir o 1.o volumedas Memórias de Raul Brandão, documento im-prescindível para o conhecimento e o estudo dosfactos principais e das personalidades mais relevan-tes da vida portuguesa desde o estertor da monar-quia à queda da 1.a República, vistos através daóptica transfiguradora do autor do Húmus, verifi-cará que o primeiro nome a surgir no prefácio é ode D. João da Câmara. E ao longo desse e dosoutros dois volumes irá encontrá-lo mais vezes.Compreende-se. Foi ele quem mais se aproximoudaquele teatro «simples e humano» que mostrasse«a alma descarnada das coisas» e não se perdesseem «palavras, palavras e palavras» com que RaulBrandão sonhava desde 1895 (as citações queprecedem são extraídas de uma crónica sobre«Teatro e actores» publicada no Correio da Ma-

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nhã de 17 de Maio daquele ano). Irritavam-no eaborreciam-no «as peças decorativas do Sr. Lopesde Mendonça e a simplicidade complicada e em-birrenta do Sr. Schwalbach, [onde] não se encon-tra uma palavra, um grito, que exprima a dor, umacena que nos faça estremecer, nos dê risos a valerou verdadeiras lágrimas». E se abria uma excep-ção para a Dor Suprema, de Marcelino Mesquita,«uma catástrofe arrancada com lágrimas e dor àVida e atirada para o palco», era para o autor deOs Velhos, de A Triste Viuvinha, de Meia-Noitee de A Rosa Enjeitada, obras que «ficarão nonosso teatro porque são profundamente humanas»,que as suas preferências se dirigiam. «D. João daCâmara é um dos maiores dramaturgos portugue-ses», afirmou num breve texto publicado em 1903.

É-o, de facto, não só pela sua obra em si masainda pelos caminhos que abriu, por onde seguiramAlfredo Cortez, José Régio, Raul Brandão… Nãose enganava este ao declará-lo. Nem os leitoresde A Cena ao conceder-lhe o primeiro lugar entreos dramaturgos do seu tempo. Não só, porém, doseu tempo, mas de toda a nossa literatura dra-mática.

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Ilustrações

1.a O actor Eduardo Brazão em D. Afonso VI (Teatro Na-cional, 1890).

2.a Cena do 1.o acto de Os Velhos (Teatro Nacional, 1893)com os actores João Rosa e Joaquim Costa.

3.a A actriz Rosa Damasceno em Os Velhos (Teatro Nacio-nal, 1893).

4.a Página de Rafael Bordalo Pinheiro sobre A Triste Viu-vinha (O António Maria, de 16 de Novembro de 1897).

5.a Cena do 3.o acto de A Rosa Enjeitada (Teatro do Prín-cipe Real, 1901) com os actores Adelina Abranches,Ernesto do Vale e Caetano Reis.

6.a Cena da opereta extraída de A Rosa Enjeitada (Tea-tro Maria Vitória, 1929) com os actores Ilda Stichini,Alfredo Ruas e Holbeche Bastos.

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SENA, Jorge de, Do Teatro em Portugal, Lisboa, 1998, pp. 296--301.

SEQUEIRA, Gustavo de Matos, História do Teatro NacionalD. Maria II, vols. I e II, Lisboa, 1946.

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Colecção Essencial

1. IRENE LISBOAPaula Morão

2. ANTERO DE QUENTALAna Maria A. Martins

3. A FORMAÇÃO DA NACIONALIDADEJosé Mattoso

4. A CONDIÇÃO FEMININAMaria Antónia Palla

5. A CULTURA MEDIEVAL PORTUGUESA (SÉCS. XI A XIV)José Mattoso

6. OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CULTURAPORTUGUESAJorge Dias

7. JOSEFA D’ÓBIDOSVítor Serrão

8. MÁRIO DE SÁ-CARNEIROClara Rocha

9. FERNANDO PESSOAMaria José de Lancastre

10. GIL VICENTEStephen Reckert

11. O CORSO E A PIRATARIAAna Maria P. Ferreira

12. OS «BEBÉS-PROVETA»Clara Pinto Correia

13. CAROLINA MICHAËLIS DE VASCONCELOSMaria Assunção Pinto Correia

14. O CANCROJosé Conde

15. A CONSTITUIÇÃO PORTUGUESAJorge Miranda

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16. O CORAÇÃOFernando de Pádua

17. CESÁRIO VERDEJoel Serrão

18. ALCEU E SAFOAlbano Martins

19. O ROMANCEIRO TRADICIONALJ. David Pinto-Correia

20. O TRATADO DE WINDSORLuís Adão da Fonseca

21. OS DOZE DE INGLATERRAA. de Magalhães Basto

22. VITORINO NEMÉSIODavid Mourão-Ferreira

23. O LITORAL PORTUGUÊSIlídio Alves de Araújo

24. OS PROVÉRBIOS MEDIEVAIS PORTUGUESESJosé Mattoso

25. A ARQUITECTURA BARROCA EM PORTUGALPaulo Varela Gomes

26. EUGÉNIO DE ANDRADELuís Miguel Nava

27. NUNO GONÇALVESDagoberto Markl

28. METAFÍSICAAntónio Marques

29. CRISTÓVÃO COLOMBO E OS PORTUGUESESAvelino Teixeira da Mota

30. JORGE DE SENAJorge Fazenda Lourenço

31. BARTOLOMEU DIASLuís Adão da Fonseca

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32. JAIME CORTESÃOJosé Manuel Garcia

33. JOSÉ SARAMAGOMaria Alzira Seixo

34. ANDRÉ FALCÃO DE RESENDEAmérico da Costa Ramalho

35. DROGAS E DROGADOSAureliano da Fonseca

36. PORTUGAL E A LIBERDADE DOS MARESAna Maria Pereira Ferreira

37. A TEORIA DA RELATIVIDADEAntónio Brotas

38. FERNANDO LOPES GRAÇAMário Vieira de Carvalho

39. RAMALHO ORTIGÃOMaria João L. Ortigão de Oliveira

40. FIDELINO DE FIGUEIREDOA. Soares Amora

41. A HISTÓRIA DAS MATEMÁTICAS EM PORTUGALJ. Tiago de Oliveira

42. CAMILOJoão Bigotte Chorão

43. JAIME BATALHA REISMaria José Marinho

44. FRANCISCO DE LACERDAJ. Bettencourt da Câmara

45. A IMPRENSA EM PORTUGALJoão L. de Moraes Rocha

46. RAÚL BRANDÃOA. M. B. Machado Pires

47. TEIXEIRA DE PASCOAESMaria das Graças Moreira de Sá

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48. A MÚSICA PORTUGUESA PARA CANTO E PIANOJosé Bettencourt da Câmara

49. SANTO ANTÓNIO DE LISBOAMaria de Lourdes Sirgado Ganho

50. TOMAZ DE FIGUEIREDOJoão Bigotte Chorão

51/52. EÇA DE QUEIRÓSCarlos Reis

53. GUERRA JUNQUEIROAntónio Cândido Franco

54. JOSÉ RÉGIOEugénio Lisboa

55. ANTÓNIO NOBREJosé Carlos Seabra Pereira

56. ALMEIDA GARRETTOfélia Paiva Monteiro

57. A MÚSICA TRADICIONAL PORTUGUESAJosé Bettencourt da Câmara

58. SAÚL DIAS/JÚLIOIsabel Vaz Ponce de Leão

59. DELFIM SANTOSMaria de Lourdes Sirgado Ganho

60. FIALHO DE ALMEIDAAntónio Cândido Franco

61. SAMPAIO (BRUNO)Joaquim Domingues

62. O CANCIONEIRO NARRATIVO TRADICIONALCarlos Nogueira

63. MARTINHO DE MENDONÇALuís Manuel A. V. Bernardo

64. OLIVEIRA MARTINSGuilherme d’Oliveira Martins

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65. MIGUEL TORGAIsabel Vaz Ponce de Leão

66. ALMADA NEGREIROSJosé-Augusto França

67. EDUARDO LOURENÇOMiguel Real

68. D. ANTÓNIO FERREIRA GOMESArnaldo de Pinho

69. MOUZINHO DA SILVEIRAA. do Carmo Reis

70. O TEATRO LUSO-BRASILEIRODuarte Ivo Cruz

71. A LITERATURA DE CORDEL PORTUGUESACarlos Nogueira

72. SÍLVIO LIMACarlos Leone

73. WENCESLAU DE MORAESAna Paula Laborinho

74. AMADEO DE SOUZA-CARDOSOJosé-Augusto França

75. ADOLFO CASAIS MONTEIROCarlos Leone

76. JAIME SALAZAR SAMPAIODuarte Ivo Cruz

77. ESTRANGEIRADOS NO SÉCULO XXCarlos Leone

78. FILOSOFIA POLÍTICA MEDIEVALPaulo Ferreira da Cunha

79. RAFAEL BORDALO PINHEIROJosé-Augusto França

80. D. JOÃO DA CÂMARALuiz Francisco Rebello

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Composto e impressona

Imprensa Nacional-Casa da Moedacom uma tiragem de 800 exemplares.

Orientação gráfica do Departamento Editorial da INCM.

Acabou de imprimir-seem Janeiro de dois mil e seis.

ED. 1012121ISBN 972-27-1444-9

DEP. LEGAL N.o 234 173/05

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809 789722 714440

ISBN 972-27-1444-9

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D.JOÃODACÂMARA

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Luiz Francisco Rebello

O essencial sobre

D. JOÃO DA CÂMARA

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