ID Brasil

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“Mão”, escultura de Oscar Niemeyer localizada no Memorial da América Latina

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Soy loco por tí, AméricaS

Os Estados Unidos, ao despontar como a maior potência da América no sécu-lo XIX, cunhou a famosa expressão: “A américa para os Americanos”, quando, na verdade, seria “A América para os nor-te-americanos”. E o que restaria à “outra” América? Somente o título de quin-tal dos Estados Unidos e a taxação de subdesenvolvimento? É nesse contexto que o termo latino-americano começa a ganhar força como uma tentativa de resistência à supremacia norte-ameri-cana.No seu princípio, segundo relata o his-toriador Aimer Granados Garcia, se utilizava a expressão “Hispanoamérica”, termo criado em meados do século XIX, quando diante de conturbadas lutas para a independência de várias na-ções, nascia ali uma maior consciência do que constituía a identidade cultural do grupo de países que formavam a an-tiga América espanhola e que por con-ta das diversas tentativas de ataque das quais eram objeto desde o momento da Independência, tentavam se mostrar perante à comunidade internacional como países livres e unidos por uma sé-rie de interesses e vínculos culturaisNo entanto, “A América Latina”, surgiu como expressão pela primeira vez atra-vés de Napoleão III, durante o tempo que buscou uma aproximação com os americanos. O termo latino viria do fato dos americanos terem uma língua originada do Latim, assim como os franceses do famoso general. A segun-da etapa desse processo diz respeito ao momento de criação da ideia de Améri-ca Latina, mas não de seu nome.Em alguns textos de escritores franceses

Latino, eis um termo múltiplo. Se verificarmos no dicionário Aurélio pode significar: indivíduo da raça latina, dito ou escrito em latim, que diz respeito aos povos descendentes dos romanos, ou incorporados no Império Romano... Mas afinal de contas, o que é ser um “latino-americano”? De onde vem esse termo? A Revista ID, nessa edição de abertura, vai explorar a construção da “latinidade” e mostrar que mesmo depois dos 500 anos de sua descoberta, a América Latina esconde mais

segredos, encantos e magias do que já imaginava Colombo quando aportou no Haiti em 1492.

há a distinção do continente americano em duas etnias: uma latina e outra saxô-nica. Ainda nessa fase, os americanos de origem espanhola (hispano-ameri-canos) residentes na Europa (principal-mente em Madrid e Paris) passaram a incorporar esta ideia, mas sempre com o termo “latino” servindo de conotação à América de língua espanhola. Fica-vam excluídos, assim, os americanos de origem portuguesa e francesa.Por isso, talvez, que historicamente o Brasil nunca tenha se sentido incluso na América Latina, seja por uma ques-tão claramente cultural que perpassa por campos linguísticos, de tradição e história, mas também por diferenças nas colonizações que foram cruciais na constituição das peculiaridades dos dois povos.  Os brasileiros, em geral, não se sentem de todo latino-america-nos, e sim simplesmente “brasileiros”, pois o processo de colonização, misci-genação e constituição de uma identi-dade nacional que aconteceu aqui foi totalmente diferente do que ocorreu em qualquer outro lugar.Assim, a denominação América Latina acaba assumindo diversos vieses e tor-na-se até uma denominação “problemá-tica”, pois com diferentes considerações do que de fato é ser latino americano, tudo acaba sendo uma questão de iden-tificação. Se no senso comum o latino é marcado por cor morena, cabelos e olhos casta-nhos escuros, gestos e atitudes exagera-dos e cheios de paixão. A “latino-ame-ricanidade” é muito mais que isso, é se auto reconhecer na alteridade, é viver e conviver num universo repleto de co-

res, mas com igual proporção de pro-blemas. É escutar um mesmo idioma e ser repleto de variações que muitas ve-zes parece até outra língua.O latino americano é antes de tudo um guerreiro. Vai da luta de Che Guevara à superação e espírito positivo de Frida Kahlo, passando pelo mundo extraordi-nário de García Marquez, bebendo da poesia e lirismo do Chico Buarque, da reflexão de Jorge Luíz Borges e da fir-meza da Mercedes Sosa. O latino ame-ricano é um ser de arte.A ID inicia aqui um pontapé inicial por essa viagem pitoresca, repleta de desco-bertas e contradições. Apertem os cin-tos, a viagem está só começando...

Sorriso de quase nuvemOs rios, canções, o medoO corpo cheio de estrelasO corpo cheio de estrelasComo se chama amante

Desse país sem nomeEsse tango, esse rancho

Esse povo, dizei-me, ardeO fogo de conhecê-laO fogo de conhecê-la

“Soy Loco Por Tí, America”(Gilberto Gil, Capian e Torquato Neto)

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EDITORIAL EQUIPEOlá, queridos leitores e queridas leitoras! Sejam bem-vindos e bem-vindas à primeira edição da Revista Id. Se você é jo-vem, universitário ou estudante de ensino médio e tem inte-resse pela América Latina, permita-me apresentá-lo à nossa publicação. Ao longo de 12 edições, a ID trará até você as principais questões que circundam as identidades nacionais dos principais países dessa tão diversa América, tão próxima ao Brasil, mas muito esquecida por nossa memória. Por isso, esperamos que, de alguma forma, possamos abrir caminho para uma mudança nas relações de nosso país com seus vizi-nhos, dando mais importância às suas histórias, a seus heróis e, sobretudo, a seus povos. Exploraremos desde as questões mais cotidianas às de maior relevância, sempre lembrando a você qual a importância disso para a constituição das identi-dades nacionais.Gostaríamos de convidá-los, portanto, a um passeio magnífi-co pelas páginas que lerão a seguir. Com muito prazer, intro-duzimos você a essa edição que inaugura nossas atividades falando de um país tão caro aos nossos corações: o Brasil. País de origem e lar dos membros de nossa equipe, o Brasil é um importante protagonista na luta pelo reconhecimento das nações latinas. Ainda que nossa colonização portuguesa nos diferencie em muitos aspectos dos vizinhos de colonização espanhola, essa nação de proporções continentais continua sendo um forte aliado na representação a nível global dos in-teresses dos povos do Sul, além de compartilhar semelhanças na trágica história das ditaduras no século XX e, ao mesmo tempo, a grande vitória da redemocratização no final dos anos 1980. Sendo assim, não falar de Brasil é ignorar uma porção significativa das forças de resistência contra a dominação do Norte, contra uma hegemonização cultural que desvincula o povo de seu território, de suas práticas e de seus costumes.Por isso, elencamos diversos temas que consideramos funda-mentais para uma reflexão profunda sobre nossa identidade brasileira: o Carnaval, o mito da democracia racial, a música e muito mais. Procuramos embasar nossas matérias em au-tores consagrados nos temas sobre os quais escrevemos, no entanto, sempre atentando para a fluidez da linguagem no tratamento do tema.Para melhorar ainda mais a sua leitura, os designers prepa-ram um projeto gráfico especial para uma rápida assimilação, dando muita atenção às fotografias que iniciam as matérias e à padronização do tamanho dessas últimas. Esperamos que você tenha uma ótima leitura!

Da Redação

AMANDA CARDOSORedatora e Revisora

Rio de Janeiro, RJ

CAROLINE SOARESRedatora e Revisora

Vitória, ES

DAVI VENTURACoordenador e Redator

São Paulo, SP

DOUGLAS NEVESRedator

Rio de Janeiro, RJ

HELENA MARQUESRedatora

Salvador, BA

JOÃO GABRIEL BARRETOEditor e Redator

Rondonópolis, MT

JOÃO PAULO SACONIRedator e Designer

Itu, SP

LEONARDO BOTELHODesigner

Salvador, BA

PEDRO SOBRINHODesigner

Rio de Janeiro, RJ

TERESA RODRIGUESRedatora e Designer

Belém, PA

Os alunos de Comunicação Social da UFRJ construíram essa primeira edição da Revista ID através de muito esforço e da conciliação entre a pluralidade da equipe. Com a união de jovens vindos de diversas partes do Brasil, o projeto se consolidou, tomou forma e chega às mãos de seus leitores permeado pela sensação de dever cumprido e bem realizado.

Acesse a página da Revista ID no Facebook para conhecer nossos conteúdos complementares

indicados ao fim das matérias apresentadas.

facebook.com/RevistaID

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Índice

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4Índios em manifestação contra a construção da Usina de Belo Monte, no estado do Pará

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TERRA DEMARCADA, VIDA GARANTIDA

Imagine você, caro leitor, habitante de uma terra pacífica, povoada pelas mais diversas espécies de frutas e animais. Imagine-se em um grupo onde todos se conhecem e o trabalho é dividido, nin-guém se sobrecarrega. Você e sua famí-lia vivem tranquilamente os seus dias, até que barcos são avistados ao longe; eles se aproximam rapidamente e de-sembarcam dezenas de pessoas na praia próxima à sua comunidade. O contato inicial é um pouco estranho, pois nin-guém se entende, mas nenhuma guerra acontece. Depois, você e todos do seu grupo se juntam para dar início a uma celebração festiva de recebimento des-sas novas pessoas. Alguns anos depois, esses novos integrantes passam a ocu-par sua terra, até que você é expulso de lá. O que você faria?Pois bem, caro leitor, a estrutura fun-diária concentrada é um problema sin-tomático da questão agrária no Brasil. Que o digam as populações indígenas. De 1500 pra cá, apenas 13% de suas terras originais lhes sobraram (98,5% delas na Amazônia Legal) e o resto foi tomado pelas grandes cidades. Não pretendo ser maniqueísta ao abordar esse assunto, mas é válido refletir sobre as origens do nosso território, da nossa gente e, claro, da nossa identidade. Por isso, caros leitores, bato o martelo dizendo: o Brasil pertencia aos indíge-nas. Cerca de cinco milhões de nativos habitavam esta terra naqueles tempos antes da chegada dos caras-pálidas. Com o desembarque deles, vieram tam-bém as doenças do povo europeu e, as-sim, a morte de milhares de indígenas. Começou aí o genocídio. Posterior-mente, veio a tentativa de escravizar os indíos na extração do pau-brasil. Mais um descaso. Não satisfeitos, os portu-gueses ainda disputaram por terras na luta pela exportação da cana. Outro marco infortúnio na vida dos indígenas.

Findaram no esquecimento pelo Esta-do e pelo povo brasileiro.“Como exercer, então, os meus direitos?”, perguntaram-se os índios. E eu lhes respondo: não é possível o exercício de cultura sem um território. Entenden-do a terra como um elemento dotado de significado cultural, falamos aqui de um genocídio das tradições indígenas. E os culpados somos nós, caras-pálidas, por não incorporar o patrimônio cul-tural dos indígenas ao nosso país, por reclamar das intervenções feitas pelas indígenas nas estradas brasileiras, por legar-lhes a eterna dor do abandono. Reproduzimos constantemente discur-sos exclusivos e não nos atentamos ao passado das populações indígenas e da dívida histórica que nós, homens bran-cos e mulheres brancas, temos com elas.No entanto, reparem bem no que foi dito: as terras brasileiras pertenciam aos indígenas; agora, não pertencem somente a eles. Há novos atores sociais nessa dinâmica: madeireiros, fazen-deiros, pequenos produtores rurais, entre muitos outros. O grande dilema da demarcação de terras hoje é conci-liar os interesses entre esses múltiplos atores. Felizmente, muito já foi feito para garantir os direitos indígenas. A Constituição Federal assegura o direi-to às terras tradicionalmente ocupadas através de decreto da FUNAI. A autar-quia é ligada ao Ministério da Justiça e realiza estudos antropológicos no local requisitado, enviando, posteriormente os estudos ao Ministro da Justiça, que decidirá sobre a demarcação. Apenas a FUNAI tem o poder sobre esse proces-so, excluindo o Ministério Público de realizá-lo também, o que leva à moro-sidade do sistema. O decreto 1775/96 também legisla sobre a situação e aten-de ao princípio do contraditório, o qual prevê direito de protesto por outras partes interessadas na demarcação, tais

como os ruralistas. Alguns deles, inclu-sive, alegam que o Ministério supraci-tado atende apenas aos interesses dos indígenas, mas se esquecem do passado violento que mencionei para você, caro leitor. Reclamam de prato cheio e ain-da querem comer do prato do vizinho. Injusto, não?O que fazer, então, para resolver de uma vez por todas a demarcação das terras? A senadora Kátia Abreu, da bancada ruralista e presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil, apoia que a demarcação das ter-ras deve ser feita assim como a reforma agrária: o governo compra, a preço de mercado, as terras desejadas, indenizan-do o produtor, e dá à etnia indígena que reclamou as terras. A solução me parece válida para ambas as partes, visto que o produtor não sai prejudicado e os indí-genas tem seu pedaço de terra assegura-do. O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fala em cautela no processo de demarcação; mas, permitam-me discor-dar dele: falta uma forte decisão políti-ca, reorganização da FUNAI e recursos realocados para esse órgão. Apenas com terras demarcadas é que poderemos dar um descanso para uma nova luta: o res-gate cultural das tradições indígenas no cenário educacional brasileiro. Música, ritos, pinturas, artesanato e mitos fun-dadores. Quantos deles vocês conhe-cem? Sabem o nome de pelo menos uma etnia?Deixo, pois, a minha homenagem aos Tapebas, do Ceará, no título de meu artigo. No filme que produziram em 2013, mostram seu descontentamento e sua luta diária com a demarcação de suas terras, impedida pelos interesses econômicos e políticos dos caras-páli-das. Fica aqui o meu mais sincero apoio aos Tapebas e à sua disposição em nun-ca deixar de lutar. E aí, cara-pálida, va-mos entrar na luta também?

por João Gabriel Barreto

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6Beneficiária do Programa Bolsa Família carrega seus dois filhos no colo

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A fragilização dopatriarcalismo

As mulheres brasileiras foram castiga-das com uma herança indesejada do período colonial, que continua enrai-zada nos núcleos familiares até os dias de hoje: o patriarcalismo. É uma forma de estruturação social caracterizada pela imposição institucional da autori-dade do homem sobre a mulher, filhos e subordinados. Antigo, machista e de-sigual, esse modelo de família e socie-dade teve origem na Grécia antiga e se manteve como modelo social vigente e absoluto até o início da Revolução Francesa. A Revolução colocou em che-que a supremacia masculina, já que de-fendia os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. A partir de 1789, então, começaram a emergir movimentos que discutiam o modelo patriarcal.Uma das consequências do patriarcalis-mo é a visão de uma sociedade dividi-da entre dominantes e dominados, que influenciou claramente no processo de formação da sociedade brasileira.No Brasil, o patriarcado se consolidou com a figura dos senhores de terras, en-genhos e escravos. Exigia-se lealdade dos subordinados, perpetuando, assim, o domínio do patriarca, que tutelava a vida de sua família, trabalhadores e até mesmo de pessoas das redondezas. Desse modo, construía-se uma socieda-de de patamares hierarquizados e desi-guais.No final do milênio passado já estava em evidencia o questionamento das ba-ses fundamentais do patriarcado, prin-cipalmente pelos processos de modifi-cação do trabalho feminino. A inclusão da mulher no mercado de trabalho foi um dos primeiros passos para as próxi-mas conquistas rumo à equidade entre os gêneros. Nesse contexto, destaca-se o movimento feminista. Com a mulher inserida no mercado de trabalho, a ideia do patriarcalismo que legitima o homem como provedor e

protetor da família se desconstrói len-tamente. A mulher amplia sua rede so-cial, preparando inconscientemente o terreno para receber as sementes femi-nistas que estavam sendo germinadas na Europa por Simone de Beauvoir e na América Latina pelas mãos de Patrícia Rehder Galvão (a Pagu), Rosário Cas-tellanos, Dionísia Gonçalves e outras centenas de mulheres.Os movimentos sociais, em particular o feminismo, abalam a solidez da família patriarcal. Os novos comportamentos no campo político, econômico, social, cultural e psicológico configuram o en-fraquecimento desse modelo familiar. A defesa dos direitos da mulher represen-ta uma extensão do movimento pelos direitos humanos. O movimento feminista é diverso e se adapta às culturas, idades e realidades diferentes. Atrelado a outros movi-mentos, especialmente os que tratam do direito humano de escolha “a quem amar”, trouxe um novo panorama da identidade sexual e da personalidade para a família. A crise do patriarcalismo, induzida pela interação entre o capita-lismo e tais movimentos, passou a ser inevitável e cada vez mais decisiva, obri-gando as sociedades a reconstruírem suas instituições patriarcais de acordo com as condições de sua própria cultu-ra e história. O que está em jogo de forma alguma é o desaparecimento da família, mas sim a derrubada dos muros e sua diversifi-cação vinculada à mudança do sistema de poder. As novas famílias não tradi-cionais (mães solteiras, duas mães, dois pais, entre outras configurações) não possuem a figura do patriarca. Não exis-te o histórico dominante e dominado. Esses novos arranjos familiares marcam a reconstrução revolucionária da sexua-lidade e da liberdade. A volta da família patriarcal obsoleta e opressiva como

único modelo de estruturação familiar significaria um retrocesso imenso.Uma questão do cenário atual brasilei-ro que desestabiliza o modelo patriar-cal é o programa governamental Bolsa Família. O capitalismo, associado ao patriarcado, nunca facilitou a vida das mulheres. Em termos financeiros, a his-tória das mulheres costuma aparecer atrelada à dependência financeira de algum homem. O dinheiro do Bolsa Família, que che-ga às mãos de mulheres pobres Brasil adentro, pode ser considerado uma ten-tativa de romper com o ciclo de extre-ma pobreza que as mantém sob o domí-nio do pai, do marido. O fato de receberem dinheiro em vez de cesta básica, por exemplo, leva essas mulheres a se encontrarem diante de um leque de possibilidades de escolha jamais experimentado. Estamos falan-do de uma certa liberdade no que se refere aos homens.Pela primeira vez na vida. Pela primei-ra vez em séculos. O programa coloca a mulher em um patamar mínimo de igualdade para começar a melhorar a vida e traçar seu próprio destino. O Bolsa Família muda não só a situação atual, mas a perspectiva de vida das mu-lheres, como é retratado no mini docu-mentário “Severinas: novas mulheres do sertão”, de Eliza Capai. As mulheres estão caminhando para se libertarem da servidão ao homem e da miséria. Alguns costumam chamar de revolução feminista do sertão. Se a revolução não acontecer pelas mãos das mulheres, não acontecerá. Que o empoderamento, a emancipação, a liberdade e a autonomia atinjam mais mulheres pelo país. Que atinjam mais mulheres pelo mundo.

por Caroline Soares

Saiba mais sobre “Severinas” em nossa página do Facebook.

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8Retrato da união entre uma mão negra e uma mão branca: a não-realidade do Brasil

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O MITO DADEMOCRACIA RACIALpor Amanda Cardoso

Ao contrário do que grande parte da população brasileira afirma, o Brasil é um país racista. Além do racismo pra-ticado no campo privado, é evidente a existência do racismo institucional que estrutura nossa sociedade, praticado e disseminado por instituições públicas e privadas. Esse fenômeno nada mais é do que uma herança da escravidão. A Lei Áurea concedeu aos negros a liber-tação das correntes, das senzalas e das chibatadas, mas não os livrou da segre-gação e do preconceito, que os negava qualquer chance de integração, man-tendo-os a margem da sociedade.Se hoje não temos mais os capitães do mato, temos a ação repressora da polícia militar nas favelas e comunidades po-bres, habitadas em sua grande maioria por pessoas negras. É comum vermos em noticiários relatos de moradores dessas comunidades acusando a polícia de “chegar atirando” e agir de forma vio-lenta com pessoas sem passagem pela polícia ou qualquer envolvimento com o tráfico de drogas. Não é por acaso, que segundo o Mapa da Violência de 2011, jovens negros são as maiores vítimas dos chamados “autos de resistência”, que dão à polícia a “licença” para atirar sob a justificativa de que o suspeito resistiu à prisão. Também não é raro vermos ca-sos de pessoas negras que foram mortas ou presas por terem sido supostamente confundidas com criminosos.Casos como o desaparecimento do pe-dreiro Amarildo e o assassinato da au-xiliar de serviços gerais, Cláudia Silva Ferreira, são exemplos do extremo a que essa política de extermínio pratica pela polícia dentro de comunidades po-bres pode chegar.Além da repressão policial, é notável o abandono e o pouco investimento em políticas públicas para melhorias nesses territórios onde a maior parte da popu-lação é negra. São poucas as ações so-ciais dirigidas a esses locais.

A educação é outro campo onde é no-tável o reflexo da segregação. Apesar das cotas raciais, os negros ainda são minoria nas salas de aula do ensino su-perior; bem como também são minoria no ensino médio. A falta de acesso ou o acesso tardio à educação tem como principal consequência o desemprego. Segundo o relatório da ONU publica-do em setembro deste ano, no Brasil há mais negros desempregados do que brancos.É impossível falar de preconceito institucional sem citar a questão da representatividade. A TV brasileira até hoje perpetua preconceitos com suas novelas que representam os negros sempre dentro dos mesmos estereó-tipos: favelado, bandido, empregada, “macumbeiro/a” (o que contribui para o preconceito contra a cultura e religiões de origem africana), entre outros. É raro vermos pessoas negras em papéis de destaque em uma novela em que a história não se passe durante o período da escravidão. Além disso, no Brasil, sal-vo uma ou duas exceções, não há negros apresentadores de programas de TV ou telejornais. A questão da representa-tividade não se resume só a televisão. Nas capas das revistas e nos desfiles de moda é raríssima a presença de mode-los de pele negra.Esses dados mostram que, apesar de serem maioria na população brasileira, os negros são invisíveis desde que não estejam causando “desordem” pública. E que muitos ainda têm direitos básicos negados por aqueles que deveriam pro-tegê-los e servi-los, deixando claro que o Brasil caminha a passos lentos para se tornar um país verdadeiramente de todos.

Assista ao vídeo “Gritaram-me Negra” em nossa página.

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10Mãe de santo baiana expressa sua fé na Igreja do Bonfim

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um BRASIL DE todos OS DEUSESpor João Paulo Saconi

Quando Pedro Álvares Cabral, suposto descobridor do Brasil, aportou no lito-ral da Bahia visando criar uma futura colônia portuguesa na América, trouxe consigo o Frei Henrique de Coimbra. Muito prestigiado na Igreja Católica, Henrique de Coimbra era considerado um grande missionário por conta de suas expedições para a Índia e para a África. Porém, foi aqui no Brasil que o frade e bispo realizou um feito grandio-so que mudaria para sempre a história do país e ditaria os rumos dos costumes de seu povo: celebrou a primeira missa brasileira na Praia da Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, no litoral sul da Bahia.O ato dogmático de Frei Henrique foi de tamanha importância que, mesmo decorrida uma grande fração de tem-po desde aquela primeira celebração, grande parte do povo brasileiro ainda cultua a missa como um ritual sagrado recorrente e necessário para a vivência de sua religiosidade. Com a primei-ra missa, retratada posteriormente no quadro do pintor Victor Meirelles, os portugueses em conluio com Frei Dom Henrique e os outros missionários que o acompanhavam instauraram, no Bra-sil, a sua primeira instituição religiosa: o catolicismo.

De lá para cá, o catolicismo se ex-pandiu com a catequização dos índios e dos negros africanos pro-

movida pelas missões jesuítas. As-sim como os portugueses viram no Brasil uma oportunidade de expan-são do seu domínio mercantilista, a Igreja Católica também enxergou no território e no povo recém-des-cobertos um novo espaço para a dis-seminação de seus dogmas. Assim foi: nos 514 anos de história do país, o catolicismo consolidou-se como conceito sólido e símbolo da identi-dade do brasileiro que, logo ao nas-cer, é batizado por um padre dentro de uma paróquia.Porém, foi a própria estrutura de co-lonização com a qual a Igreja Cató-lica compactuava que permitiu uma brecha no domínio hegemônico exercido por ela. Sendo a escravidão um pilar necessário para a manu-tenção do sistema agrário e mono-cultor do Brasil colonial, foi a partir dela que a resistência tomou forma. Os navios negreiros trouxeram para as terras brasileiras não apenas ne-gros capturados em suas terras de origem, separados de suas famílias e afastados de suas memórias, mas também trouxeram a cultura afri-cana nos porões, intrínseca àqueles que sobreviveram após a viagem transatlântica.Nas senzalas, os negros criaram uma contra-hegemonia eficiente e inte-ligente para continuar cultuando os deuses de sua religião, mesmo que lhe fossem impostos a língua portuguesa, os nomes bíblicos e os costumes católicos. Ainda catequi-zado, o negro fez uso dos conheci-mentos acerca do catolicismo que lhe foram lecionados para conseguir ocultar dos senhores e capatazes a verdadeira face de sua religião. Des-

sa maneira, surgiram as associações feitas entre os orixás e os santos da igreja católica. Por isso, São Jorge e Ogum são figuras cultuadas através da mesma imagem do cavaleiro em-punhando a lança e matando o dra-gão: hábito que é fruto da resistência da cultura religiosa negra no Brasil.De certa forma, o povo brasileiro constitui esse caráter relacional em sua cultura religiosa, assim como ne-gro construiu durante o período em que foi escravizado e impedido de cultuar sua religião. Ainda que fre-quente a Igreja Católica motivado pela hereditariedade dos costumes familiares e da tradição, ele não hesi-ta em ser pagão quando lhe convém: possui crenças em superstições que nada tem a ver com os dogmas cató-licos. Ainda que frequente a missa aos do-mingos, vá a casamentos e missas de sétimo dia, o brasileiro também pula sete ondas nos primeiros momentos do ano, joga tarô para tentar saber do futuro e deposita flores brancas no mar em oferenda para Yemanjá. Esse sincretismo religioso que per-mite acreditar em um Deus único, onipresente e onipotente, mas que ao mesmo tempo aceita que se cul-tuem outras outros deuses e outros hábitos além daqueles que são pre-gados pelos fundamentos católicos, é marca do brasileiro desde que o primeiro “amém” foi ouvido em ter-ras tupiniquins, na primeira missa de Dom Henrique. A pluralidade étnica que aqui se consolidou com a imigração europeia posterior à escravidão, consolidou ainda mais essa diversidade religiosa que pauta os costumes do brasileiro.

“A Primeira Missa no Brasil”, uma pintura de Victor Meirelles de Lima

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12Criança sorri e imita o Cristo Redentor: pose comum entre visitantes do cartão postal

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CORDIALIDADE QUEENCANTA nações

por Douglas Neves

“Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para

a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial ’.”

(Sérgio Buarque de Holanda)

Brasileiros são reconhecidos como um povo primo de todos os outros povos do mundo. Nascidos no calor dos tró-picos e na vastidão de seu território, nós brasileiros acabamos por gerar uma pluralidade cultural tão forte quanto à própria miscigenação racial, criando uma cultura rica em história, costumes, culinária e folclore que é tão diversifica-da quanto à própria paisagem do país.Constituído por culturas dos mais di-versos países, nós brasileiros acabamos nos tornando um povo caloroso, recep-tivo e hospitaleiro. Características dei-

xadas pela miscigenação cultural ocor-rida no decorrer dos anos, a hospitali-dade e a cordialidade brasileira, que há muito encantam estrangeiros das mais diversas partes do mundo, vêm sendo importantes motivações para que turis-tas viajem para o Brasil. A forma íntima de convívio entre nós brasileiros, em que todos parecem amigáveis, é perce-bida com curiosidade por aqueles que nos visitam em busca do segredo quase mítico da singularidade brasileira. O homem cordial, visto por Buarque de Holanda como algo negativo para a sociedade brasileira, é visto por estran-geiros como algo impressionante, algo que os encanta e deixa-os fascinados pelo jeito passional de se encarar a vida. Toda essa nossa cordialidade e passio-nalidade acaba por encobrir traços de

nossa herança mais remota, manifesta-dos no nosso jeitinho brasileiro, que há muito encanta, porém também preju-dica a nossa imagem. Somos um povo cordial e hospitaleiro, porém marcados por uma dualidade ímpar na forma de encarar a vida e as relações interpes-soais. Toda essa nossa informalidade, esperteza, sincretismo, naturalidade pe-rante às adversidades e a acomodação diante de escândalos públicos, estão es-tritamente ligados com nosso brasilei-rismo que encanta e fascina visitantes. Cordial ou malandro, extrovertido ou indiscreto, maleável ou corruptível, oti-mista ou sonhador? Impossível dizer! Essa é a identidade brasileira dúbia e única!

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O Brasil é reconhecido mundialmente por sua vasta biodiversidade e, mais do que isso, teve sua visão ligada a um exotismo histérico na Europa e Estados Unidos. Ainda no início da colonização portuguesa, no século XVI, alguns viajantes retrataram em cadernos de viagens as situações que aqui viviam e as paisagens que admiravam. Em seguida, no século XIX, a pedido da Corte Real Portuguesa, que acabara de se instalar em solos cariocas, artistas franceses vieram ao Brasil com o objetivo de estudar o espaço e retratar o povo local. No entanto, a imagem que esses viajantes e artistas consolidaram do país no exterior foi a de um Brasil selvagem, exótico, que necessitava de um processo civilizatório.

Sendo assim, a corte portuguesa nunca havia tomado medidas que permitissem que a sua colônia na América pudesse ter infraestrutura suficiente para sua população. Portanto, quando a Corte vem ao Brasil, em 1808, a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, dobra o número de habitantes repentinamente e D. João, nos anos seguintes, abre o Banco do Brasil, constrói o Jardim Botânico, no Rio, funda uma imprensa, cria a universidade de Medicina de Salvador, entre outras facilidades de uso público. As cidades brasileiras, a partir desse momento, começam seu processo de expansão e, nos séculos seguintes, ganham a configuração que conhecemos hoje.

Nesse sentido, o êxodo rural provocado pela crescente urbanização do Brasil provocou um inchaço urbano inevitável, em função da falta de infraestrutura das cidades. Não à toa, surgem no Rio de Janeiro, as ocupações de baixo custo mais famosas do mundo: as favelas. O nome deriva de Canudos, famosa pela guerra histórica, a qual havia sido construída próxima ao Morro da Favela, planta que fazia parte da vegetação local. Assim, quando alguns soldados voltam da guerra para o Rio de Janeiro, instalam-se no Morro da Providência e batizam popularmente o local de favela em referência à original. Ainda hoje, milhões de brasileiros vivem em favelas, muitas vezes marcadas pela violência, pelo tráfico de drogas e pelas baixas condições sanitários.

Já a classe média brasileira foi bastante favorecida nos anos 1950 a 1970, com a expansão do mercado imobiliário no país, com especial atenção a Rio e São Paulo, cidades que, posteriormente, se tornaram símbolos da identidade nacional brasileira e polo de atração de milhões de turistas todos os anos. Por conseguinte, o Brasil tem uma forte densidade populacional na região Sudeste, e também no Sul, o que levou a embates com a preservação da biodiversidade. Só resta à Mata Atlântica, típica da região litorânea, ligando Sul ao Nordeste, apenas 7% do seu território ocupado em 1500. O rio Tietê na cidade de São Paulo quase pede ajuda diária aos paulistanos, que não atentos às leis de preservação ambiental, jogam lixo no rio e nas ruas, fora o próprio despejo de esgoto não tratado nas águas do mesmo.

Contudo, o Brasil ainda possui inúmeras riquezas naturais incontáveis, a começar pela maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. No Nordeste, os milhões de turistas que visitam os milhares de quilômetros de praias voltam todos os anos a Genipabu, Canoa Quebrada e Fernando de Noronha. No Rio de Janeiro, não é raro observar turistas que admiram o Pão de Açúcar, enquanto caminham pelo Aterro do Flamengo, ou mesmo fazem uma trilha pelo Parque Nacional da Floresta da Tijuca. Em Mato Grosso, no Centro-Oeste, a cidade de Chapada dos Guimarães chama a atenção dos ecoturistas, que buscam atividades como rapel, rafting, trilhas e acampamentos.

Portanto, Brasil não é exótico, como pensam os europeus; é um país urbanizado que, apesar dos problemas com o seu meio ambiente, ainda tenta preservar o que lhe resta e cujo povo faz bom proveito de sua terra!

BRASILEM FOCOA Revista ID promove, em algumas páginas, uma releitura fotográfica do Brasil. Contratastando belezas naturais e as

nuances urbanas que o país apresenta, nossos redatores procuraram uma forma de traduzir em imagens toda a beleza de uma pluralidade que um país continental como o Brasil possui. Com o foco naquilo que temos de mais belo e de mais

complexo, as lentes da ID registraram, por diferentes lugares, imagens que você não pode deixar de conhecer, uma vez que traçam um panorama da identidade brasileira como paraíso de riquezas naturais e como país em emergência iminente.

O Brasil é reconhecido mundialmen-te por sua vasta biodiversidade e, mais do que isso, teve sua visão ligada a um exotismo histérico na Europa e Estados Unidos. Ainda no início da colonização portuguesa, no século XVI, alguns via-jantes retrataram em cadernos de via-gens as situações que aqui viviam e as paisagens que admiravam. Em seguida, no século XIX, a pedido da Corte Real Portuguesa, que acabara de se instalar em solos cariocas, artistas franceses vie-ram ao Brasil com o objetivo de estudar o espaço e retratar o povo local. No en-tanto, a imagem que esses viajantes e ar-tistas consolidaram do país no exterior foi a de um Brasil selvagem, exótico, que necessitava de um processo civili-zatório. Sendo assim, a Corte Portuguesa nunca havia tomado medidas que permitissem que a sua colônia na América pudesse ter infraestrutura suficiente para sua po-pulação. Portanto, quando a Corte vem ao Brasil, em 1808, a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, dobra o número de habitantes repentinamente e D. João, nos anos seguintes, abre o Banco do Brasil, constrói o Jardim Botânico, no Rio, funda uma imprensa, cria a univer-sidade de Medicina de Salvador, entre outras facilidades de uso público. As ci-dades brasileiras, a partir desse momen-to, começam seu processo de expansão e, nos séculos seguintes, ganham a con-figuração que conhecemos hoje.Nesse sentido, o êxodo rural provoca-do pela crescente urbanização do Brasil provocou um inchaço urbano inevitá-vel, em função da falta de infraestrutura das cidades. Não à toa, surgem no Rio

de Janeiro, as ocupações de baixo cus-to mais famosas do mundo: as favelas. O nome deriva de Canudos, famosa pela guerra histórica, a qual havia sido construída próxima ao Morro da Fave-la, planta que fazia parte da vegetação local. Assim, quando alguns soldados voltam da guerra para o Rio de Janeiro, instalam-se no Morro da Providência e batizam popularmente o local de fave-la em referência à original. Ainda hoje, milhões de brasileiros vivem em fave-las, muitas vezes marcadas pela violên-cia, pelo tráfico de drogas e pelas baixas condições sanitários.Já a classe média brasileira foi bastante favorecida nos anos 1950 a 1970, com a expansão do mercado imobiliário no país, com especial atenção a Rio e São Paulo, cidades que, posteriormente, se tornaram símbolos da identidade na-cional brasileira e polo de atração de milhões de turistas todos os anos. Por conseguinte, o Brasil tem uma forte densidade populacional na região Su-deste, e também no Sul, o que levou a embates com a preservação da biodi-versidade. Só resta à Mata Atlântica, tí-pica da região litorânea, ligando Sul ao Nordeste, apenas 7% do seu território ocupado em 1500. O rio Tietê na cida-de de São Paulo quase pede ajuda diária aos paulistanos, que não atentos às leis de preservação ambiental, jogam lixo no rio e nas ruas, fora o próprio despe-jo de esgoto não tratado nas águas do mesmo.Contudo, o Brasil ainda possui inúme-ras riquezas naturais incontáveis, a co-meçar pela maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. No Nordeste, os

milhões de turistas que visitam os mi-lhares de quilômetros de praias voltam todos os anos à Genipabu, Canoa Que-brada e Fernando de Noronha. No Rio de Janeiro, não é raro observar turistas que admiram o Pão de Açúcar, enquan-to caminham pelo Aterro do Flamengo, ou mesmo fazem uma trilha pelo Par-que Nacional da Floresta da Tijuca. Em Mato Grosso, no Centro-Oeste, a cida-de de Chapada dos Guimarães chama a atenção dos ecoturistas, que buscam atividades como rapel, rafting, trilhas e acampamentos. No Sul, a neve atrai a atenção de turistas brasileiros que con-vivem com as altas temperaturas dos trópicos o ano todo. Sem esquecer o Norte, o nome da Floresta Amazônica já fala por si só.Portanto, ainda que o imaginário coleti-vo diga o contrário, fortemente influen-ciado pelas representações eurocên-tricas do país, o Brasil não é um lugar exótico. Assim como qualquer outro país é marcado por contrastes fortes entre a ocupação humana e as obras da natureza; é um país urbanizado que, apesar dos problemas com o seu meio ambiente, ainda tenta preservar o que lhe resta e cujo povo faz bom proveito de sua terra!Nas páginas seguintes, você poderá des-frutar de alguns dos mais belos espaços do território brasileiro. Indo além de uma mera exaltação das obras da natu-reza brasileira, a Revista ID enfoca seus registros nas contradições entre as ma-ravilhas naturais e as nuances urbanas, características da atualidade, revelando a você as melhores imagens das cinco regiões do Brasil.

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Teatro Amazonas - Manaus, AM

15Monte Roraima - Uiramutã, RR

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Mirante do Sueste - Fernando de Noronha, PE

Igreja de São Francisco - Salvador, BA

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Palácio da Alvorada - Brasília, DF

Pantanal Matogrossense - Poconé, MT17

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Ponte Estaiada - São Paulo, SP

Favela da Rocinha - Rio de Janeiro, RJ18

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Portal de Gramado - Gramado, RS

Jardim Botânico - Curitiba, PR

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20Capitu, personagem da obra de Machado de Assis, representada por atriz brasileira

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nas páginasde uma nação

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,  Onde canta o Sabiá; 

As aves, que aqui gorjeiam,  Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,  Nossas várzeas têm mais flores,  Nossos bosques têm mais vida, 

Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite,  Mais prazer eu encontro lá;  Minha terra tem palmeiras, 

Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,  Que tais não encontro eu cá;  Em cismar sozinho, à noite Mais prazer eu encontro lá;  Minha terra tem palmeiras, 

Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,  Sem que eu volte para lá; 

Sem que disfrute os primores  Que não encontro por cá; 

Sem qu’inda aviste as palmeiras,  Onde canta o Sabiá.  

(Gonçalves Dias, 1843)

Se Gonçalves Dias tivesse escrito a acla-mada e famosa Canção do Exílio no século XXI, com certeza para além da natureza e a “magia” do Brasil, mencio-naria também a densidade de Machado de Assis, o existencialismo da Clarice Lispector e por quê não a literatura de vanguarda de Nelson Rodrigues? Algo tão peculiar ao Brasil que com certeza seria mencionado em seu exílio.O que começou no início do século XV apenas como uma função catequi-zadora e de propagação do idioma por-tuguês em detrimento à multiplicidade de línguas indígenas foi se expandindo e criando diversas “escolas” ao longo

dos séculos. Do barroco, marcado pe-las oposições e conflitos, passando pelo arcadismo que traz à tona a atmosfera marcada pela ascensão da burguesia e de seus valores.Chegando no século XIX, temos na primeira metade o Romancismo que é sempre marcado como o movimen-to ímpar na literatura brasileira. Tendo como plano de fundo acontecimentos que literalmente mudaram o país como a chegada da Família Real em 1808 e a Independência em 1822, o momento traz consigo ares de nacionalismo, reto-mada dos fatos históricos importantes, idealização da mulher, espírito criativo e sonhador, valorização da liberdade e o uso de metáforas. Clássicos da nossa literatura como o Guarani de José de Alencar, o próprio poema que abre essa matéria, encontrado no livro Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves Dias, e Espumas Flutuantes, de Castro Alves, são exemplos dessa época.Na segunda metade do século XIX, eis que o Realismo habita e faz-se presente nas publicações da época. Com o declí-nio dos ideais românticos, a literatura marcada pela objetividade, uso de cenas cotidianas, crítica social, visão irônica da realidade entra em cena. É nesse pe-ríodo que grandes obras de nossa litera-tura, presentes no cotidiano de escolas primárias, secundárias e vestibulares são escritas como: Vítimas Algozes de Joaquim Manoel Macedo, O Cortiço de Aluisio de Azevedo e não podemos nos esquecer de um autor clássico.

“O todo poderoso do realismo”, ele que é a paixão de muitos professores de língua portuguesa e literatura, criador de um dos maiores mistérios da literatura. Ou você ainda não morre de dúvidas se Ca-pitu realmente traiu Bentinho? Sim, é claro que estou falando do grande Ma-chado de Assis.Falar de um realismo brasileiro sem citá-lo, é a mesma coisa de dissociar o feijão do arroz. O autor que é conside-rado por muitos críticos o grande nome da literatura nacional, além de Dom Casmurro, citado no parágrafo anterior, escreveu grandes obras da escola como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e O Alienista. Conhe-cido pelo seu estilo versátil, Machado não se resume ao rótulo de escritor do Realismo, foi poeta, romancista, cronis-ta, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário.

Machado de Assis testemunhou a mu-dança política no país quando a  Re-pública substituiu o  Império  e foi um grande comentador e relator dos even-tos político-sociais de sua época. No entanto, ficou conhecido como o “pai do realismo” por tê-lo “iniciado” aqui no país com a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas em que retrata a escravidão, as classes sociais, o cientificismo e o po-sitivismo  da época, chegando a criar, inclusive, uma nova filosofia, mais bem desenvolvida posteriormente em Quin-cas Borba (1891) — o  Humanitismo, sátira à lei do mais forte. 

“Morro da Favela”, obra de Tarsila do Amaral muito associada a “O Cortiço”

O ator Reginaldo Faria caracterizado como Brás Cubas para o cinema

por Helena Marques

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Em fins do século XIX, o Parnasianismo e Simbolismo estão em voga. O Parna-sianismo na busca por temas clássicos, valorizou o rigor formal e a poesia des-critiva. Os autores parnasianos usavam uma linguagem rebuscada, vocabulário culto, temas mitológicos e descrições detalhadas. Os principais autores par-nasianos são Olavo Bilac (escritor do Hino Nacional), Raimundo Correa, Alberto de Oliveira e Vicente de Carva-lho. Já no Simbolismo, os escritores usa-vam uma linguagem abstrata e sugesti-va, enchendo suas obras de misticismo e religiosidade. Valorizavam muito os mistérios da morte e dos sonhos, car-regando os textos de subjetivismo. Os principais representantes do Simbolis-mo foram Cruz e Souza e Alphonsus de Guimaraens.No início do Século XX entra em cena o Pré-Modernismo, marcado pelo re-gionalismo,  positivismo, busca dos va-lores tradicionais, linguagem coloquial e valorização dos problemas sociais. Nesse contexto, obras responsáveis por suscitar e abordar de um viés diferente a questão do nacional são escritas. Com destaque para Os Sertões, de Euclides da Cunha, é um misto de literatura com relato histórico e jornalístico em uma resposta realista e pessimista à visão ufanista do Brasil. Monteiro Lobato com o seu Sítio do Picapau Amarelo também recebeu comentários negati-vos de políticos brasileiros, que se quei-xaram de que seu trabalho era “antipa-triota” e que falando mal do governo para crianças foi “indelicado”.

Lobato respondeu que era importante para ele transmitir o seu espírito crítico através de suas histórias e que as pes-soas estavam habituadas a mentir para seus filhos, dizendo que o Brasil era um país realmente maravilhoso.

Ilustração com personagens famosos do Sítio do Picapau Amarelo

Além dessa polêmica existiram outras, uma relacionada as referências evolu-cionistas do autor na obra que influiu para a sua proibição em escolas cató-licas e ao teor racista explicitados por exemplo, quando ele se refere a Tia Anastácia como “mastro de  São Pe-dro  que nem uma macaca de carvão” e que “ninguém iria escapar” o ataque de onças “nem Tia Nastácia, que tem carne preta”. Tanto que o Conselho Nacional de Educação  afirmou que o livro está em desacordo com a legislação brasilei-ra e que deveria não ser mais utilizado por estudantes ou que seja acompanha-do de explicações sobre o conteúdo.No Modernismo, período que come-ça com a Semana de Arte Moderna de 1922, as principais características são nacionalismo, temas do cotidiano (ur-banos), linguagem com humor, liberda-de no uso de palavras e textos diretos. Mario de Andrade,  Oswald de Andra-de, Cassiano Ricardo, Alcântara Ma-chado e  Manuel Bandeira são grandes nomes do movimento.

No movimento neo – realista os escri-tores retomam as críticas e as denúncias aos grandes problemas sociais do Bra-sil. Os assuntos místicos, religiosos e urbanos também são retomados. Jorge Amado com todo o seu lirismo, vocabu-lário escrachado e sem medo de retratar a realidade sem pudores é autor de li-vros que mexeram e mexem com o ima-ginário popular. Gabriela é sinônimo de feminidade e sensualidade, Quincas Berro D’ Água é o típico “fanfarrão” que quase todos conhecem ou ao menos já ouviram falar e Dona Flor e Seus Dois Maridos traz uma arquétipo de dona de casa e seus devaneios sexuais mesclada a um ar de misticismo e religiosidade típicos da Bahia. Clarice Lispector aparece como o gran-

Foto histórica da Semana de Arte Moderna em fevereiro de 1922

de nome feminino existente até então em nossa literatura. A menina ucrania-na, mas com coração e alma brasilei-ra, destaca-se por livros marcados de singularidades e inovações linguísti-cas, encabeçando a lista dos que mais incorporaram traços inéditos à litera-tura nacional. A ficção “clariceana” se concentra nas regiões mais profundas do inconsciente, ficando em segundo plano o meio externo, pois quase tudo se resume à mente das próprias perso-nagens. Clarice nos ensina a “abrir mão de uma terceira perna” como fez G.H em A Pai-xão Segundo G.H, a identificarmos e nos saborearmos com as nossas “Legiões Estrangeiras” ou porquê não mergulhar-mos profundamente em nós mesmos numa viagem densa e complexa como em “Água Viva”?Sendo esteticamente realista, Nelson Rodrigues não deixou de inovar tal como fizeram os outros neo-realistas. O autor transpôs a tragédia grega para o sociedade carioca do início do século XX, e dessa transposição surgiu a “tra-gédia carioca”, com as mesmas regras daquela, mas com um tom contempo-râneo. O erotismo está muito presente na obra de Nelson Rodrigues, o que lhe garante o título de realista. Nelson não hesitou em denunciar a sordidez da so-ciedade tal como o fez Eça de Queirós em suas obras.

A atriz Sônia Braga caracterizada como Gabriela em adaptação

Retrato de Nelson Rodrigues, autor recifense do neo-realismo

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Esse erotismo realista de Nelson teve sua gênese em obras do século XIX, como “O Primo Basílio”, e se desenvol-veu grandemente na obra do autor per-nambucano. De personalidade polêmi-ca, isso é claro, também se refletia em sua obra, que foi um sucesso de público e crítica, conseguindo se expandir pelos quatro cantos do país quando adaptada para a TV e o teatro. Como exemplo da série “A vida como ela é” transmitida pelo programa dominical Fantástico, “Os sete gatinhos”, peça de teatro e “Bo-nitinha, mas ordinária”, filme de grande repercussão e polêmica.Caro leitor, nessa matéria foi feito um passeio pela história da literatura na-cional e é possível notar o quanto ela é rica e densa. Então, que tal abandonar o estereótipo que produções literárias e cinematográficas “tupiniquins” são de baixa qualidade? Que tal deixar de lado um pouco de Harry Potter, Jogos Vorazes, Crepúsculo, Cinquenta Tons de Cinza e afins e dar oportunidade para conhecer um pouco mais do que está tão próximo de nós e tão visível aos nossos olhos? Da poesia de Castro Alves as crônicas reflexivas de Martha Medeiros, vale à pena uma “degusta-ção” a nossa cultura! Óculos em mãos, uma luz ambiente legal e um cantinho confortável em casa, no ônibus, no me-trô ou na transição de uma aula para outra. Pronto, o ambiente está feito! Concentração e olhos bem atentos, é só agora deixar a imaginação realizar o seu trabalho, boa leitura.

Minha terra tem palmaresOnde gorjeia o mar

Os passarinhos daquiNão cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosasE quase que mais amores

Minha terra tem mais ouroMinha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosasEu quero tudo de lá

“Canto de regresso à patria”(Oswald de Andrade)

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24A cantora Marisa Monte representando a música brasileira nas Olímpiadas de Londres

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MUSICALIDADEBRASILEIRA

Desde a bossa nova, nos anos 50, a mú-sica brasileira é reconhecida como uma das melhores do mundo, sendo sempre fortemente elogiada pela sua forma poética de fazer música, caracterizada pela sua percussão e energia ímpar. De fato, o Brasil é muito rico em ritmos musicais que aqui se originaram e tor-naram-se conhecidos mundialmente. Expressões como “Berço do Samba”, “País do futebol” e “Reino do carnaval” são as mais relacionadas ao Brasil no exterior. Somos um povo extremamente musical e constituído pela musicalidade. Como já declamava Caetano Veloso: “Absur-do, o Brasil pode ser um absurdo. Até aí, tudo bem, nada mal. Pode ser um absurdo, mas ele não é surdo. O Brasil tem ouvido musical que não é normal!”. A musicalidade parece fazer parte de nós brasileiros. Somos um povo feito e criado pela música.O escritor Mário de Andrade afirma-va em seu livro Ensaio sobre a Música Brasileira: “Cabe lembrar (...) do que é feita a música brasileira, (...) ela provém de fontes estranhas: a ameríndia em porcentagem pequena; a africana em porcentagem bem maior; a portuguesa em porcentagem vasta. Além disso, a influência espanhola, sobretudo a his-pano-americana do Atlântico (Cuba e Montevidéu, habanera e tango) foi mui-to importante”. Em relação ao inicio do século XX, Mario de Andrade afirmava

que a música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até ago-ra, pois é ela que nos constitui e nos une enquanto nação.O primeiro ritmo musical originalmen-te brasileiro foi o maxixe, formado a partir de uma mistura entre o “lundu” (termo que significa umbigada e era uma espécie de samba muito sensual praticado nas rodas de escravos) e a “modinha”  portuguesa (composição suave, geralmente romântica, tocada na viola e dançada em salões). Com a umbigada do lundu e a poesia da modinha a identidade musical brasileira foi sendo formada. Por volta dos anos 1880 surgia um novo jeito de se fazer música no Brasil, no subúrbio da então capital Rio de Janeiro. Era uma forma mais charmosa e chorosa de se tocar as canções populares vindas da Europa, o que começou a ser chamado de “cho-ro”, que posteriormente deu origem ao samba, ainda no Rio de Janeiro, por vol-ta de 1910, e que depois deu origem a vários subgêneros.

Outros ritmos também foram sendo criados por todo o Brasil:

No Nordeste tivemos o surgimento do baião que deu origem ao forró, ritmo que se popularizou e que hoje é símbo-lo da região Nordeste do país. Temos o frevo, em Pernambuco, ritmo que mistura maxixe com a capoeira, e que em 2012 foi declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade. Na Bahia, temos como maior expres-

são o Axé Music, que foi criado com uma junção do maracatu, reggae e rit-mos afro-brasileiros.

Em Minas Gerais, tivemos o surgimen-to das modas de viola e das “musicas de raiz”, que por sua vez deram origem ao sertanejo. No Rio de Janeiro, temos o surgimento do funk carioca no final da década de 1990 e início dos anos 2000, que depois se popularizou também em São Paulo e que a cada dia tem um forte alcance mundial.

No Norte do país tivemos o surgimento do carimbó, um dos ritmos com maior influência da cultura indígena, vindo a ser considerado Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, e a lambada que teve forte inspiração no carimbó e gui-tarrada, que posteriormente foi muito difundida na cultura latino-americana e espanhola. Podemos perceber após esta breve aná-lise o quão rica é a cultura musical brasi-leira: são vários ritmos e várias histórias por trás do surgimento de cada estilo. Podemos afirmar categoricamente, as-sim como Mário de Andrade e Caeta-no, que somos um povo musical e que essa musicalidade nos constituiu como nação.

por Douglas Neves

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26Destaque do carro abre-alas do Salgueiro no desfile da escola em 2014

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o rito dainversãopor João Paulo Saconi

“O que faz o Brasil, Brasil?” é a questão que o antropólogo carioca Roberto Da-Matta procura responder em seu livro nomeado com esta mesma pergunta e lançado em 1984. Para caracterizar o seu país, o autor conceitua o seu povo: para ele, o brasileiro é um indivíduo dividido entre a casa e a rua. A casa representa a pessoalidade, a harmonia, o reconhecimento pessoal e a superci-dadania. A rua, por sua vez, é um signo que representa a luta, a indiferenciação dos indivíduos em um local onde não há respeito ou amizade e onde imperam leis impessoais.Dessa maneira, o carnaval é contextu-alizado por DaMatta como um rito da inversão. Nos quatro dias de momo, o brasileiro quebra a hierarquização a que está habituado entre a rua e a própria casa. Durante esse período, a rua é tam-bém casa e torna-se tão confortável que chega a ser palco da transformação de um povo batalhador em um povo festei-ro e folião. De uma criança em um su-per-herói de sua fantasia. De um adulto em criança novamente. De um homem em uma mulher e de uma mulher em homem. O carnaval inverte valores co-muns e subverte a lógica do brasileiro e o faz criando uma grande festa popular.Oriundo da cultura portuguesa e pra-ticado pelos escravos brasileiros com o nome de entrudo, o carnaval criou pom-pa nos bailes elitistas do Rio de Janeiro, enquanto o povo era impedido de prati-car seus festejos logo que eles entraram em destaque. Porém, com os ranchos e cordões criados no final do século XIX, o povo pôde voltar às ruas para o seu rito da inversão, contrariando os interesses da elite e pintando mais uma vez as ruas da capital carioca com suas marchinhas e suas danças que, na déca-da de 1920, dariam origem às escolas de samba.Criou-se, então, aquilo que se pode chamar de “o maior espetáculo da Ter-

ra”. É na Rua Marquês de Sapucaí, após o toque da sirene inicial, que as escolas de samba realizam suas apresentações ao longo de 82 minutos de magia car-navalizada e canalizada em forma de fantasias, alegorias e musicalidade. Para contar uma história interessante ao pú-blico nas arquibancadas, a indústria do carnaval trabalha um ano inteiro pro-duzindo um desfile repleto de insights e truques que encantam e prendem o olhar.Ainda assim, com todo o seu passado de subversão e transgressão à sociedade estamental, o carnaval é uma instituição em decadência no país. Cada vez mais, a maior festa popular brasileira deixa de ser vista como um reduto cultural e histórico e se torna marcada por suas mazelas. Por conta de questões como a estigmatização da mulher sambista e da utilização do seu corpo como publici-dade para a festa e também dos exage-ros relacionados à utilização descome-dida de bebidas alcoólicas e substâncias análogas, o carnaval tornou-se carnava-lizado – isso é, dentro da festa da fanta-sia, o verdadeiro objetivo de celebração popular fantasiou-se com a futilidade do folião excessivo – e perdeu o foco em seus maiores objetivos, tornando-se apenas uma festa “para inglês ver”.Porém, as arquibancadas repletas de turistas e o isolamento do verdadeiro povo no setor um (este possui ingres-sos gratuitos que são distribuídos pelas próprias escolas às comunidades) não impedem que os desfiles das escolas de samba tragam, em sua essência ainda preservada diante do desfoque já evi-denciado, personalidades marcantes e marcadas pelo samba. No mesmo as-falto por onde já desfilaram artistas do naipe de Clara Nunes, hoje desfilam religiosamente Beth Carvalho e Pauli-nho da Viola. Na mesma festa em que o Príncipe Charles encantou-se com a cinderela negra Pinah, hoje é o público

quem se encanta com as invenções e reinvenções do carnavalesco Paulo Bar-ros. O mesmo espetáculo já idealizado por gênios como Fernando Pamplona e Joãozinho Trinta, hoje é recriado com a maestria semelhante por artistas como Rosa Magalhães, Renato Lage, Alex de Souza e Alexandre Louzada.Foi a partir da obra dos carnavalescos supracitados que a ID iniciou a sua pes-quisa editorial para abordar o carnaval nessas páginas. Descobrimos, então, que não fomos os únicos a querer tra-zer os aspectos da latinidade para um produto tipicamente brasileiro: a escola de samba Vila Isabel, no ano de 2006, sagrou-se campeã do carnaval carioca com o enredo “Soy Loco Por Ti, Amé-rica - a Vila Canta a Latinidade”. Através das criações do carnavalesco Alexandre Louzada, hoje exercendo o ofício na Portela, a Vila Isabel conquistou um título incontestável e deixou marcas na história do espetáculo ao levar para o desfile a escultura mais alta da história com 14 metros representando Simon Bolívar (recorde quebrado novamente por Louzada, neste ano, com a Portela e um gigante de 18 metros de altura).Com o desfile da Vila Isabel em 2006 em mente e o samba enredo na ponta da língua – e ele diz: “Sangue caliente corre na veia, é noite no Império do Sol. A Vila Isabel semeia sua poesia em portunhol (...)” – ID foi em busca de uma entrevista com Alexandre Louza-da, procurando conhecer mais sobre a construção de um desfile de carnaval, em especial o de 2006 em que ele co-memorou um campeonato com a lati-nidade. Trazemos agora ao leitor um depoimento fiel e bem construído de um dos grandes profissionais da maior festa popular brasileira (e latino-ame-ricana, num dos desfiles de Alexandre Louzada).ID – Como foi o processo de escolha do enredo sobre a América Latina

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para o desfile de 2006 na Vila Isabel?Louzada – Olha, havia uma possibilida-de de patrocínio oferecida por contatos do Martinho da Vila, vinda da PDVSA (Petróleos da Venezuela, empresa es-tatal que explora petróleo). Porém, em conversa com o historiador Alex Varela, egresso da Comissão de Frente da Im-peratriz Leopoldinense e que tinha o desejo de trabalhar comigo, ele me fa-lou sobre José Martí contando sobre a Revolução Cubana e outras coisas. Jun-tos, tivemos a ideia central de falar da América Latina como um todo, falando de sua soberania e tudo que o europeu estragou por aqui.O que me chamou a atenção foi o fato de o Brasil ser um país latino-america-no que nunca havia reconhecido a sua latinidade, sendo a única nação que fala português. É também o único país do mundo com espírito “anti-xenófobo”. Pensei que poderia ser ele a unir todos com um só pensamento: a essência dos

“O Esplendor do Império do Sol”, abre-alas da Vila Isabel em 2006

ideais de Simon Bolívar e uma América única e forte.Imaginei um mosaico de arte e culturas que se mesclassem mostrando as seme-lhanças entre si.ID – Qual a sua lembrança mais mar-cante acerca desse desfile?

Carro alegórico representando o México no desfile da Vila em 2006

Louzada – Acho que o que mais me marcou naquele ano foi o fato de a Vila Isabel ter chegado à concentração intei-ra. Quando montaram as alegorias, isso causou um verdadeiro espanto a todos que passavam e não acreditavam que era a Vila. Recebi os parabéns de vários artistas, de grandes nomes e presiden-tes de outras agremiações pelo trabalho.Outro fato marcante foi a minha fala a todo o povo da Venezuela, logo após a sagração da Vila como vencedora do tí-tulo. Além disso, claro, houve a ousadia de brigar por um samba que misturava palavras em espanhol, que antes do car-naval recebera várias críticas.ID – A Vila trouxe, naquele ano, di-versas alegorias marcantes. Entre elas, uma em homenagem ao Méxi-

Escultura de Simon Bolívar com 14m de altura, a maior até aquele ano

co e outra referente a Simon Bolívar representado com a maior escultura que já havia passado pela Sapucaí até o momento. Qual a sua alegoria pre-ferida nesse desfile?Louzada – A Vila, na minha opinião,

teve a alegoria mais bela já produzida por mim: foi um presépio que represen-tava o Equador todo feito em palhas de diversos tipos.

ID – Como você enxerga a América Latina no contexto do mundo globa-lizado atual?Louzada – Ciência política não é uma matéria que domino, mas ainda assim não sou alienado. Penso nessa união proposta nas Revoluções que aqui aconteceram, mas que postas em práti-ca nos mostraram outro cenário. Eram precisos novos líderes que se utilizas-sem mais dos ideais do que dos interes-ses. Sei que é utópico, mas como artista, sonhador que sou, acredito nas lideran-ças que surgem das mentes jovens, es-clarecidas e emergentes das instituições de ensino. Educação é a chave e é uma das grandes feridas latino-americanas que precisam ser curadas. Nessa glo-balização, percebo a sensível mudança. Talvez a Revolução Cultural seja o ca-minho para sair da pobreza de espírito e vencer a pobreza de fato.

Alegoria da Vila considerada por Louzada a mais bela de sua carreira

Sei que é utópico, mas como artista, sonhador

que sou, acredito nas lider-anças que surgem

das mentes jovens (...) Educação é a chave.

”Alexandre Louzada

Ouça ao samba da Vila Isabel de 2006 em nossa página.

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30Rapaz joga futebol em Fortaleza com a “Brazuca”, bola oficial da Copa do Mundo no país

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PAÍS DOFUTEBOLpor Amanda Cardoso e Teresa Rodrigues

As luzes, a torcida, a emoção de ver o time do coração jogar. Ir ao estádio é uma experiência essencial para gran-de parte dessa nação apaixonada pelo futebol. Chamado de “The Beautiful Game” em terras estrangeiras (“o lindo jogo”, em tradução livre), o esporte é considerado um legítimo brasileiro de pais ingleses.Vamos aos dados: o futebol brasilei-ro movimenta R$ 16 bilhões por ano, possui 30 milhões de praticantes (se os futebolistas formassem um país, seria o quinto mais populoso da América La-tina), a Seleção Brasileira possui cinco títulos mundiais e o consenso mundial é que o melhor jogador da história é do interior de Minas Gerais. Isso já seria evidência o suficiente para dar ao Bra-sil a honra de ser considerado o país do futebol, não é?

Talvez não seja bem assim. O futebol é um esporte de origem britânica, atu-almente os campeonatos e times euro-peus são os mais famosos e aclamados pelo mundo e o esporte é bem mais rentável na Arábia, um país sem mui-ta tradição futebolística. De fato, são crescentes as contestações sobre o me-recimento dessa alcunha por parte do Brasil. Então por que ele seria o país do futebol?A resposta parece simples: o Brasil é o maior campeão de Copas do Mundo. Mas muito antes de se tornar o único

pentacampeão mundial de futebol, o nosso país já carregava esse “título”. De historiadores a sociólogos, muitos já tentaram responder essa pergunta, ana-lisando a história do futebol brasileiro por diferentes vieses: étnico, histórico-cultural, social, político. Como era de se esperar, ninguém conseguiu ter a pa-lavra final sobre o assunto. Não que as questões levantadas não sejam impor-tantes, elas apenas são racionais demais.Não há raciocínio lógico que possa ex-plicar o amor do brasileiro por futebol. O esporte arrasta milhares de torcedo-res fanáticos aos estádios, uniformiza-dos com as cores de seus times do co-ração da cabeça aos pés, empunhando bandeiras e gritando seus hinos.Não há estudo que possa desvendar o mistério por trás do talento dos brasilei-ros nos gramados, dos dribles descon-certantes, do “futebol arte” que deixa os adversários comendo poeira dentro de campo, que leva a torcida ao delírio e que transformou jogadores brasileiros em “Fenômenos” e “Reis” conhecidos nos quatro cantos do mundo.

“Copa do Mundo é a pátria de chuteiras.”

(Nelson Rodrigues)

O futebol está entranhado na essência do país de tal maneira que brasileiros escolhem ou herdam seus times da mes-ma maneira que acontece ao se escolher uma religião. Mesmo aqueles que não são os maiores interessados adotam equipes para chamar de suas; são tor-cedores não praticantes. Afinal, para ser torcedor muitas vezes também é preci-so ter fé. Tudo pode acontecer naqueles 90 minutos de bola em campo.Engana-se quem acha que o futebol se restringe ao que acontece nos campos. Ele está presente na maneira em que nos comunicamos – quem nunca fez algo “show de bola” ou já foi “jogado para

escanteio”? É uma das maiores formas de socialização, pois une pessoas de di-ferentes classes, raças e credos em prol de uma só causa: torcer pela vitória de um time ou pela derrota do rival. É uma paixão que reúne amigos para as “pela-das” do fim de semana, para as apostas nos bolões e para discussões acaloradas em volta de uma mesa de bar.

A relação passional que toda uma na-ção mantém pelo esporte certamente foi uma das principais razões pela qual a Copa do Mundo de 2014 tenha sido considerada a “Copa das Copas”. Não era só no campo: era nas ruas pintadas, nos bairros silenciosos quando a Sele-ção jogava, nos gritos sincronizados de gol que eram replicados por todo o ter-ritório. Se restava alguma dúvida para quem é de fora, os brasileiros estampa-ram seu amor pelo futebol para todo o mundo ver.Ainda mais que uma paixão, o futebol é uma herança nacional em seu sentido mais literal. Não é difícil saber chutar uma bola, mas os pequenos brasileiros parecem ter nascido com uma sede de gol. Não é necessário um estudo para con-cluir que o número de taças é só um detalhe. O Brasil é o país do futebol porque o ama e o vive como nenhuma outra nação.

Pelé em campo, o melhor jogador do mundo nasceu em Três Corações - MG

Abertura da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, realizada em São Paulo

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32Dançarino de gafiera vestindo trajes que caracterizam o “malandro carioca”

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estereótipos donosso brasil

por Helena Marques

Não dificilmente escutamos as seguin-tes expressões: “João tem cara de india-no”, “Pedro parece um alemão”, “Virgínia nem tem cara de mulher brasileira”. Num país com tanta miscigenação, onde se-diou e sedia o encontro de várias etnias é impossível não vir a seguinte pergun-ta em mente: “E brasileiro tem cara de quê?”.No território onde tudo se misturou é até difícil conceber a ideia que ainda assim há um “pré-conceito” formado e reforçado perante as diversas faces do “ser brasileiro”. Há aqueles que perpas-sam gerações, ou vocês nunca ouviram expressões como: “Todo baiano é pregui-çoso”, “Os cariocas são malandros” e “Mi-neirinho como quieto”? A ID investigou a origem desses estereótipos divulgados incansavelmente e tentou desmistificá--los. Curiosos com o resultado?

“O carioca é malandro”

Rio é a terra do carnaval, do samba, das lindas mulatas e praias famosas nos mais diversos lugares dos planetas. Se desde os tempos do saudoso Bezerra da Silva, onde a malandragem era assunto presente em várias músicas esse estere-ótipo já era disseminado, hoje, através de artista contemporâneos como Dio-go Nogueira, a ideia de que “malandro é malandro e mané é mané” ainda é re-forçada. Mas de onde surgiu tudo isso?O estereótipo do típico malandro bra-sileiro surgiu na primeira metade do século XX. Carregado de um certo ro-mantismo, foi principalmente imortali-zado pelas letras de samba. De acordo com este estereótipo, o malandro ha-bita os guetos, usa chapéu-palheta ou panamá e calça sapatos de cores branco e preta. Veste camisa preta com listras brancas (é sua identidade), detalhes vermelhos ou regata listrada, levando sempre uma navalha no bolso do paletó (e vai para a Barão de Mauá). É boêmio, vive de pequenos golpes, aprecia rodas

de samba e não acredita no trabalho como um modo de vida confiável. No entanto, é sensível e sentimental, além de galante, cavalheiro e um amante in-vejável. Ok, mas o que isso tem a ver com a identidade carioca de ser?Os primeiros sambistas da Estácio e da Lapa – bairros do centro do Rio – fala-vam de um certo carioca, aquele meio marginalizado da sociedade, mas que usava terno branco de linho inglês, cha-péu de palha, calçado branco e preto, camisas em listras horizontais colori-das, navalha no bolso, que sobrevivia às custas de algum esquema ou golpe.O jogo de cartas, a “gigolagem” (táticas de conquista baratas para usufruir dos bens e do dinheiro das mulheres em geral), pequenos estelionatos, alguma forma de ganhar dinheiro, sem grandes esforços ou em algum emprego formal, fizeram a fama deste carioca descrito nos sambas de Moreira da Silva, Wilson Baptista e Geraldo Pereira, entre outros sambistas da época – anos 1930 e 1940.

“Meu chapéu do lado   Tamanco arrastando

Lenço no pescoço Navalha no bolso

Eu passo gingando Provoco e desafio Eu tenho orgulho Em ser tão vadio Sei que eles falam

Deste proceder Eu vejo quem trabalha

Andar no miserê Eu sou vadio

Porque tive inclinação Eu me lembro era criança

Tirava samba-canção” (Wilson Baptista)

E assim, a figura do malandro foi sen-do construída e costurada nos discos de 78 rotações. Compositores dizen-do que a malandragem existia, mas querendo se regenerar, eles registram

que o malandro, apaixonado, prome-tia abandonar aquela vida e a orgia. Porém nos anos de 1940 é que a figu-ra do malandro foi disseminada através de uma personagem de quadrinhos que virou símbolo da malandragem e do carioca no Brasil e no mundo. Criado pelos animadores do Estúdio Disney como parte da estratégia da chamada “Política da boa vizinhança” empreendi-da pelos Estados Unidos durante a Se-gunda Guerra Mundial, o papagaio Zé Carioca passou a representar o Brasil entre os animais falantes que compõem o Universo Disney.O personagem dos quadrinhos mistura a simpatia e a cordialidade que possui nos desenhos animados à malandra-gem, à esperteza, que, se não chega a se tornar crime, tampouco pode ser considerada ética. Zé Carioca harmo-niza o paradoxo de cordialidade e ma-landragem, não como contradição, mas como condição intrínseca de sua per-sonalidade: sua cordialidade suaviza a malandragem, evitando que ele (e, por extensão, o brasileiro que representa) se torne o vilão da história. Sua malan-dragem reveste-se de função narrativa – é ela que impulsiona suas desventuras.Mas para quem conhece o Rio, seja ele carioca, fluminense ou até um mero tu-rista que cai de amores por essa terra, sabe muito bem que isso ficou retido ao início do século XX. Não há como negar que o carioca tem uma espécie de “borogodó”, um feeling, um “sex appeal” diferente, mas o estilo “malandro” fica restrito ao uniforme dos dançarinos de gafieira da Lapa ou dos quadrinhos do Zé Carioca. Quer conhecer mais? Que tal disfrutar uma noite de pura boemia nos Arcos da Lapa ou curtir aquele “sambinha” em Santa Teresa? A Cidade Maravilhosa e o Cristo Redentor estão de braços aber-tos te esperando! Não perca tempo e venha conhecê-los!

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“Todo baiano é preguiçoso”

A preguiça baiana foi um perfil cons-truído historicamente e reforçado pela mídia, que reproduz os interesses da elite. Desde o século XVI, a elite local depreciava os negros escravos, descritos como desorganizados e sujos, depois como analfabetos e sem conhecimento, e, finalmente, como preguiçosos. A fa-mosa Ladeira da Preguiça, em Salvador, ganhou este nome por ter sido a via de acesso de mercadorias vindas do por-to para a cidade, levadas em carretões puxados a boi e empurrados por escra-vos. Do alto de seus casarões, ao verem os escravos tomando fôlego para subir com sacos de 60 quilos nas costas, as elites gritavam: “Sobe, preguiça! Sobe, preguiça!”.Essa foi uma forma de interiorização da dominação, no período da escravidão. Depois, a depreciação assumiu a forma da exclusão. O mesmo aconteceu com negros, índios e imigrantes nordestinos, nas regiões Sul e Sudeste, quando, a partir da década de 1950, intensificou-se a imigração. A imagem de preguiçoso espalhou-se. Chamados genericamente de “baianos”, os imigrantes eram, em sua maioria, mestiços, afrodescenden-tes, oriundos de fazendas afetadas pela seca e sem qualificação profissional.Após ter sido a capital da colônia, Sal-vador permaneceu com uma vida eco-nômica, social, política e cultural mais ou menos isolada, até os anos 40 do sé-culo passado. Assim, enquanto a Bahia estava em seu lugar, ou seja, não havia migração baiana em grande escala para as regiões sudeste e sul e por outro lado Salvador ainda não havia sido incorpo-rada à dinâmica do capitalismo indus-trial, essas imagens sobre a preguiça não haviam sido formuladas.Foi no movimento de inserção da Bahia

na divisão inter-regional do trabalho – tanto em termos econômicos quanto em termos do mercado de bens simbó-licos – que os baianos gradativamente “adquiriram” a fama de serem preguiço-sos. Nesse percurso - momento em que a Bahia começou a se projetar também pela via artístico-cultural (através do movimento tropicalista de 1967) e tu-rística – é que a adjetivação da preguiça foi sendo colada à imagem de identi-dade baiana, legitimando-se no senso comum uma representação de que os baianos fazem “corpo mole”, são folga-dos, indolentes, não gostam de traba-lhar e vivem em festa o ano todo.A indústria do turismo aprendeu a ex-plorar esse filão para atrair multidões de estressados de todos os cantos do país. Quer descansar, vá à Bahia, a terra onde a festa nunca termina e ninguém se pre-ocupa com o relógio. Isso começou nos anos 1960 e foi nessa época que a ca-pital baiana passou por uma grande ci-rurgia urbana, com o objetivo de incre-mentar o turismo – e se descobriu que o mito da preguiça tinha apelo delicioso para os forasteiros.Grandes nomes da MPB como os tro-picalistas Gal Costa, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil incor-porariam, mais tarde, a imagem da preguiça baiana. Quando chegaram no eixo Rio – São Paulo tinham um jeito de dizer que eram diferentes, um falar cantado, arrastado que não pertencia àquele mundo urbano aonde estavam chegando.

Nas canções de Dorival Caymmi que ressaltavam o ar particular das terras soteropolitanas havia sempre um tom de “maresia” e descanso. Como “Passar uma tarde em Itapuã” e em “A lenda do Abaeté” mais uma vez os ares de misti-cismo e folga tomam conta da música:

“Diz alguém olhando a lua Pela praia as criancinhas

Brincam à luz do luar O luar prateia tudo

Coqueiral, areia e mar A gente imagina

Quanta a lagoa linda é A lua se enamorando Nas águas do Abaeté”

Os anos passaram, a sociedade brasilei-ra se transformou nos mais diferentes âmbitos, desde o socioeconômico, pas-sando pelo político e ambiental, mas o estigma ainda é propagado aos quatro cantos: o baiano é preguiçoso. Na TV, no cinema, na internet não dificilmente ainda se encontra o personagem “baia-no” como uma criatura caricata que se veste de branco dos pés à cabeça e anda reclamando de trabalho. Na “prática” tudo isso é bem diferente. Para os curiosos de plantão, que tal tirar “um dia de folga”, andar pelos casarões seculares do Pelourinho, pelo entorno entre o Mercado Modelo e o Elevador Lacerda para observar o quanto o povo baiano trabalha e tem orgulho de seu trabalho?Logo cedo, por volta das 5h da manhã, as barraquinhas, onde posteriormente haverá artesanatos e lembrancinhas, co-meçam a ser montadas. Caso o amigo leitor esteja ainda mais curioso e decida querer viver um dia como um típico so-teropolitano, convido-o, então, para em torno das 5h30 da manhã estar em uma das estações de ônibus da cidade com destino para o centro da cidade e orla marítima para ver o quão o baiano é um povo trabalhador e que a preguiça só fica a cargo de um estereótipo fruto de produções midiáticas preconceituosas. A Bahia é linda, querido leitor da ID, mas sem o produto do trabalho de mi-lhares de pessoas que contribuem para que seu status de paraíso e o 3º lugar mais visitado no Brasil seja mantido, isso seria impossível. Portanto, de pre-guiçosos, os baianos só possuem a fama.

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“O mineirinho como quieto”

Alexandre Pires já deve estar cansado de cantar desde os tempos do grupo “Só Pra Contrariar” os seguintes versos:

“Eu não tenho culpa de comer quietinho No meu cantinho boto pra quebrar

Levo minha vida bem do meu jeitinho Sou de fazer, não sou de falar”

Essa música, que é originalmente da década de 1990, virou um hit por todo o país e reforçou ainda mais esse estere-ótipo, uma vez que é o próprio mineiro, interpretado por Alexandre, descreven-do a sua “mineiridade”.Data-se que esses modos discretos e gentílicos “típicos” do povo mineiro apareceu pela primeira vez na literatu-ra no início do século XX, através do escritor Alceu Amoroso Lima, em seu livro Voz de Minas. Ele tenta explicar as características dos mineiros escrevendo sobre sua psicologia, sociologia, cultu-ra e espiritualidade, descrevendo o mi-neiro de maneiras muito variadas. Este livro acaba por ser a síntese do imaginá-rio criado em torno do povo mineiro, sendo referência em várias obras sobre a tal mineiridade.

“O gesto acanhado do mineiro, sua so-briedade de modos e de palavras, seu

olhar amortecido e discreto, se não dão à sua figura física aquela luminosidade

que irradia dos homens exuberantes e extrovertidos, representam a tradução exterior mais autêntica do que é o seu

espírito. O mineiro é discreto e econômico até nos modos. Não desperdiça nada. É

moderado em tudo, desde o aperto de mão, rápido e sem pressão, até o olhar,

que não é nele senão um reflexo remoto dos sentimentos.”

(Alceu Amoroso Lima)

Os causos mineiros também são reco-nhecidos como uma característica pe-

culiar do povo. Nesses causos aparecem um senso de humor discreto e também a ideia de que o mineiro come quieto, esconde o jogo, faz-se de desentendido para sobreviver. Fernando Sabino, gran-de escritor e jornalista mineiro também já dissertou suas considerações perante esse aspecto:

“Evém mineiro. Ele não olha: espia. Não presta atenção: vigia só. Não conversa:

confabula. Não combina: conspira. Não se vinga: espera. Faz parte do decálogo,

que alguém já elaborou. E não enlouque-ce: piora. Ou declara, conforme manda a

delicadeza. No mais, é confiar desconfian-do. Dois é bom, três é comício. Devagar

que eu tenho pressa.”

Assim, a “mineirice” vem sendo disse-minada ao longo desse nosso Brasil há um século e é reforçada através dos meios de comunicação em massa, seja através da internet, músicas, televisão, o estereótipo está aí. Mas não há melhor maneira de desmistificar um estereó-tipo do que “ir à fonte”. Caro leitor da ID, Minas Gerais é o estado brasileiro com o maior número de municípios no Brasil, ao todo são 853, faz divisas com São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em um território tão plural e que recebe influências de tantos locais é difícil acreditar numa homoge-neidade de comportamentos tão pura e restritiva, não é mesmo? Portanto, re-tire as malas do armário, fique de olho nas promoções de passagens aéreas e mãos à obra! O povo, a cultura e o ar-quétipo mineiro merecem ser desmiti-ficados, essa é a hora!

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36Brasil e suas dimensões continentais representados em meio à América do Sul

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o brasil queninguém viu

por Helena Marques

Com dimensões continentais, o Bra-sil possui diversos colírios aos nossos olhos, do Oiapoque ao Chuí. Em mais de 500 anos de colonização, seja através de belezas naturais ou outras criadas pelo homem, não há dúvidas: O Brasil é mesmo lindo! Mas que tal mudar um pouco o roteiro e optar por um destino menos óbvio? Não que as belas praias do paradisíaco litoral nordestino, a sel-fie clássica no Cristo, a trilha na Cha-pada dos Veadeiros, ver a disputa entre Garantido e Caprichoso e ficar “enso-pado” diante das Cataratas do Iguaçu saiam de nossas rotas e desejos.Mas que tal explorar locais totalmen-te inusitados nos cincos cantos o país? A ID elencou nessa edição especial do Brasil cinco locais incríveis desco-nhecidos do grande público, nas cinco regiões do país. Caro amigo leitor, pre-pare-se: imagens lindíssimas estarão ao alcance de suas vistas em um “piscar de olhos”.

“Na sacada dos sobrados Da velha são Salvador

Há lembranças de donzelas Do tempo do Imperador

Tudo, tudo na Bahia Faz a gente querer bem A Bahia tem um jeito...”

(Caetano Veloso)

Se a Bahia é conhecida pela sua energia única, por um dos maiores carnavais do mundo e pelo povo simpático e acolhe-dor, as suas belezas naturais não se res-tringem às belas praias de um dos maio-res litorais do Brasil, tampouco aos pontos turísticos pra lá de conhecidos como o Pelourinho, o Mercado Modelo e o Elevador Lacerda. O MAM (Museu de Arte Moderna) da Bahia é um dos locais mais bonitos da cidade para ser conhecido e visitado.Localizado no coração da cidade (cen-tro de Salvador), perto dos famosos pontos turísticos enumerados acima, o

MAM parece estar esquecido nos des-tinos de muitos turistas quando vão à cidade e até mesmo pela população local, que muitas vezes o desconhece pela sua pouca presença na mídia. Com uma privilegiada vista para Baía de To-dos os Santos, o lugar possui cinco sa-las de exibições, consagrando-se como um grande espaço para exposições de artistas nacionais e internacionais, e considerado o principal ambiente para a arte contemporânea no estado e um dos mais importantes do país.

O espaço já foi fazenda, residência de desembargador, indústria de alimen-tos, depósito de combustíveis e quartel naval durante a 2ª Guerra Mundial. O edifício foi tombado pelo Instituto Pa-trimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1943 e somente passou a sediar o que hoje conhecemos como Museu de Arte Moderna da Bahia a partir de 1963. Onde antigamente era uma senzala, há um café e restaurante muito bacana chamado Solar Café. Ao lado do Solar há um grande jardim chamado Parque das Esculturas. É um caminho de calça-das, escadas e decks de madeira onde estão expostas várias esculturas de ar-tistas baianos e um ótimo lugar para ver o por do sol da Baía de Todos os Santos. Aos sábados tem o “Jazz no Mam”, que conta com apresentações de jazz ao ar livre, na beira do mar custando R$10,00 inteira e R$5,00 meia. Que tal, então, experimentar essa maravilha de lugar?

O Rio de Janeiro continua lindo!

Localizado em Botafogo, com vista para o Pão de Açúcar, Baía de Guana-bara e Corcovado, o Mirante do Pasma-do é um ponto quase desconhecido da cidade do Rio de Janeiro. Cercado por densa vegetação, o que oculta um pou-co as cercanias, é um recanto agradável para ver as árvores e pássaros.Apesar de bem localizado, para chegar ao topo do Mirante somente de car-ro particular ou táxi, pois não existem ônibus, nem outro meio de transporte que leve ao topo. A exceção seria subir caminhando por uma pequena ladeira sinuosa e pavimentada, mas somente se vê tráfego de carros no local e prati-camente nada de movimento de pedes-tres subindo ou descendo. A prudência sugere subir e descer de táxi ou carro particular. O acesso à rampa é pela Rua General Severiano.O local é tranquilo, sossegado e não muito movimentado. A vista fica emol-durada pelo verde da copa das árvores, folhagens e vegetação circundante. Para quem gosta de verde é um prato feito. Entretanto, mesmo com a vegetação da copa das árvores obstruindo a vista em alguns pontos, existe um ganho nisto.

Trata-se de um local diferente, com muita vegetação circundante, o que o torna muito bonito e com um clima muito agradável. Pode-se observar a ve-getação e os pássaros tranquilamente.Com vista privilegiada para uma das nove maravilhas do mundo e para o

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lendário Pão de Açúcar, o Mirante do Pasmado é uma bela escolha para aque-les que querem apreciar os pontos mais famosos do Rio longe das filas e sem nenhum custo por isso. Além de ares bucólicos, em plena capital, a atmosfera tranquila pode ser um belo revigorante para aqueles que buscam fugir do stress diário, apreciar a natureza e não pagar nada por isso. O Rio e o Mirante estão de braços abertos te esperando!

Cânions e trilhas combinam com o friozinho em Aparados da Serra

O Sul do Brasil, Rio Grande do Sul e Santa Catarina compartilham uma fronteira com atrações singulares: estão lá o maior conjunto de cânions do rele-vo brasileiro e também as temperaturas mais baixas do país tropical. Em Cam-bará do Sul, a 180 km de Porto Alegre, é comum fazer frio próximo de 0°C ainda no outono, em maio e junho. O inver-no não desaponta quem gosta de ficar tremendo ao ar livre, vendo a paisagem coberta do branco da geada. As cami-nhadas nas trilhas dos cânions aquecem o corpo tanto quanto o chimarrão, a be-bida quente que os sulistas sorvem com cuia e bomba.Dois parques nacionais administrados pelo Instituto Chico Mendes concen-tram os principais pontos visitados. No Parque Nacional de Aparados da Serra está o cânion de Itaimbezinho, cujos paredões chegam a 720 metros de al-tura. Rochas cheias de fendas, aliás: em tupi-guarani, “ita” significa pedra e “aimbé”, cortante. Lá as duas trilhas são fáceis para qualquer idade ou preparo físico.

No Parque Nacional da Serra Geral, os contornos ondulantes do cânion da Fortaleza deslumbram os turistas com ânimo para uma subida íngreme. A be-

leza compensa. São vales profundos, como se fossem montanhas com a gar-ganta aberta, numa extensão gigante de 9,5 km. Como em Itaimbezinho, a mata verde se agarra às rochas e as araucárias parecem se equilibrar na beira dos pre-cipícios. Majestosa na vida adulta, com 30 metros de altura, a araucária ou pi-nheiro-do-Paraná é um dos símbolos da Região Sul.

“Sou da tribo da pedra Sou pop, sou som

Sou balanço do norte Sou forte, eu sou

Sou Belém, sou do Pará Sou Amazônia

Sou Brasil Sou da zoeira”

(Joelma Mendes)

O Monte Roraima é indecifrável, exó-tico, primitivo, grandioso e totalmente desafiador. O lugar é uma espécie de elo perdido, é uma amostra real de como foi o começo da vida na Terra. Podemos dizer que por ali o tempo não passou e nem vai passar. É um dos lugares mais antigos do planeta e já era muito antigo ainda na época dos dinossauros. Esti-ma-se que tenha surgido quando ainda estava nas profundezas do mar, há 2 bi-lhões de anos.Se encontra na tríplice fronteira de Venezuela, Guiana e Brasil e é um dos pontos mais altos do nosso país: possui 2875 metros de altitude e sua área é de aproximadamente 40 km². É acessível apenas pela Venezuela, já que os lados de Brasil e Guiana são visualizados com paredões intransponíveis. A fauna também é marcada por um acentuado endemismo, especialmente entre répteis e anfíbios. Esse ambiente é protegido no território venezuelano pelo Parque Nacional Canaima e no ter-ritório brasileiro pelo Parque Nacional

do Monte Roraima. As incursões ao Monte são feitas ca-minhando em belíssimas trilhas pela região de savana do Parque Nacional Canaima, na Venezuela. Ida e volta, in-cluindo roteiros no topo do “tepui“, po-dem ser programados para demorar de 5 a 7 dias e podem contar com guias ou carregadores indígenas das tribos Pe-món e Taurepang.

“Esse é meu país sem comparação Já tem o formato do coração

Todo canto é lindo pra mim tanto faz Quando eu quero mais

Eu vou pra Goiás” (João Neto & Frederico)

Localizado no estado de Goiás, às mar-gens do Lago Serra da Mesa na cidade de Uraçu, o reservatório de Serra da Mesa existe desde 1997 e é formado pelos rios Tocantins, Maranhão, Traí-ras e Bagagem. É o maior reservatório do Brasil em volume de água, com 54.4 bilhões de m³ e com uma área de 1.784 km². Suas águas são alcalinas, dificul-tando assim a proliferação de mosqui-tos, pernilongos e mutucas.O lago é rodeado por morros com ele-vações que podem alcançar os 1400 metros de altitude, tornando a paisa-gem exuberante. Possui um clima quen-te e seco no inverno e quente e úmido no verão.

Há um memorial amplo e com diver-sas atrações, tendo uma parte coberta com quadros, miniaturas e explicações e uma parte externa com uma vila indí-gena, área simulada da vida no campo antigamente e uma réplica de uma vila retratando o início de Uruaçu.  Que tal abrir mão dos destinos mais conheci-dos do Brasil e visitar esse local cheio de cores e sensações diferentes? Sem dúvidas, é uma viagem inesquecível!

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Multidão sai às ruas do Rio de Janeiro para protestar nas “Jornadas de Junho de 2013”

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O BRASILDO AMANHÃpor João Gabriel Barreto

Caros leitores, vocês puderam apreciar um panorama dos cenários cultural, po-lítico e social brasileiros, constituintes da chamada identidade nacional, mas já se perguntaram em qual direção essas situações caminham? O mito da demo-cracia racial, a intolerância religiosa, o problema na demarcação de terras in-dígenas e várias outras questões foram aprofundadas aqui, na tentativa de não compreendê-la apenas como parte de nossa cultura, mas também passível de adaptações. A Revista ID acredita que problematizá-las é relevante para a to-mada de uma posição frente ao exercí-cio da cidadania, a níveis local e global, e ao próprio pertencimento a uma cul-tura. Acreditamos que uma sociedade se compõe não só de suas tradições, mas também das reinvenções do espaço, das instituições e dos costumes que seus indivíduos incorporam. Nesse sentido, reforçamos a necessidade de se debater constantemente as questões exemplifi-cadas aqui, sempre com a finalidade de restaurar nossas práticas sociais, em vez de legá-las a um mero destino imutável, cristalizado no famoso discurso de que são simples elementos de nossa cultura.No contexto do Brasil, é inevitável co-mentar o fatalismo enraizado no dis-curso cotidiano. Contudo, a ID acre-dita que tudo pode ser mudado e que a história de um país está fadada, não a um destino, mas à disputa constante de hegemonias e ideologias, que lutam por um espaço de visibilidade, contri-buindo para a construção de uma iden-tidade brasileira. No entanto, não é raro ouvir que o país está à beira de um abis-mo, especialmente no que diz respei-to ao campo político. Ainda é comum perceber que qualquer acontecimento é motivo para dizer que “é por isso que o Brasil não vai pra frente” ou que “o país vai afundar”. Será mesmo que esse é o futuro que devemos projetar para uma nação? Acreditamos que essa visão

pessimista deve ser superada por uma lógica de construção cooperativa e con-tínua do povo, ao invés da costumeira crença no imutável.Convidamos, portanto, você a refletir sobre o histórico do Brasil em seus 514 anos de existência: de onde viemos e para onde caminhamos? No aspecto político, fomos de colônia à Monar-quia, de República democrática à Di-tadura Militar e, de novo, à democracia republicana; desde os primórdios, mo-delos de organização permeados pela luta de interesses das classes sociais em uma luta ferrenha pelo direito ao poder. Hoje, vê-se no Congresso um corpo conservador, representante dos velhos interesses das tradições brasileiras, den-tre os quais os evangélicos, os ruralis-tas, os coronéis da mídia e os antigos militares autoritaristas. Ainda assim, o que se viu em junho de 2013 foi um momento de percepção da necessidade de reavaliar as instituições, os partidos e o próprio sistema democrático. Embo-ra alguns se aliassem à direita e outros à esquerda, um pedido era uníssono entre os manifestantes: mudança. A ID aprova essa crítica e conclama você, lei-tor, a fazer parte também desse desejo de transformação.De modo semelhante, não é incomum notar a contrapartida dos movimentos sociais, que prezam pela resistência e pelo princípio de terem seus direitos consolidados. Incluem-se aí as mulhe-res, os negros, a população LGBTTI-QAP+, as comunidades indígenas, en-tre muitos outros grupos em condições históricas de opressão pela elite brasi-leira. A ID apoia fortemente a resistên-cia promovida por esses movimentos, levando em conta a situação histórica de opressão que recai sobre tais grupos.Na área das artes e expressões culturais, nunca se viu uma alavancada tão forte do cinema nacional nas telas de dentro e fora do Brasil, bem como o incentivo

às produções teatrais, através dos pro-gramas do Estado de fomento à cultura. A cultura popular ganha cada vez mais traços regionais e segue cumprindo seu papel de manter vivas as tradições dos cinco cantos do país. No Rio de Janeiro, por exemplo, o funk já virou patrimô-nio imaterial. O Carnaval segue movi-mentando a indústria do turismo e atrai milhões de visitantes todos os anos, curiosos pelos desfiles nos Sambódro-mos do Rio e São Paulo e pelas festas de rua nas cidades do Nordeste.Não poderíamos deixar de comentar que a inserção do Brasil nas cadeias de produção internacionais e os progra-mas sociais dos últimos 12 anos con-tribuíram amplamente para a elevação do país a um novo patamar econômico: somos hoje a sexta maior economia do mundo, não nos encontramos no mapa da fome estrutural e construímos uma grande classe média consumidora dos mais variados produtos. Alimentou-se no país, então, um senti-mento que há muito tempo não se via: a esperança de mudar, de alavancar o país. Por isso, a Revista ID, ainda que tente fugir dos clichés em seu corpo editorial, endossa o maior deles: a espe-rança é a última que morre. Assim, caro leitor, convidamos você a uma missão: não a deixe morrer.

“Esperança”.

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“Podem ter a certeza de que não foi quando descobriu a América, mas sim quando estava

a descobri-la, que Colombo se sentiu feliz.”

(Fiódor Dostoiévski)

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