Introdu˘c~ao a F sica de Neutrinos › jspui › bitstream › ...Elaborado por Joseneide Ferreira...

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciˆ encias Exatas e da Terra Departamento de F´ ısica Bacharelado em F´ ısica Introdu¸ ao ` a F´ ısica de Neutrinos Jedson Fernandes de Amorim Natal, RN, Brasil 2019

Transcript of Introdu˘c~ao a F sica de Neutrinos › jspui › bitstream › ...Elaborado por Joseneide Ferreira...

  • Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Centro de Ciências Exatas e da Terra

    Departamento de F́ısica

    Bacharelado em F́ısica

    Introdução à F́ısica de Neutrinos

    Jedson Fernandes de Amorim

    Natal, RN, Brasil2019

  • Jedson Fernandes de Amorim

    Introdução à F́ısica de Neutrinos

    Monografia de Graduação apresentada aoCurso de Bacharelado em F́ısica do Depar-tamento de F́ısica da Universidade Federaldo Rio Grande do Norte como requisito par-cial para a obtenção do grau de Bacharelem F́ısica.

    OrientadorProf. Dr. Farinaldo da Silva Queiroz

    Natal, RN, Brasil2019

  • Amorim, Jedson Fernandes de. Introdução à física de neutrinos / Jedson Fernandes deAmorim. - 2019. 69f.: il.

    Monografia (Bracharelado em Física) - Universidade Federal doRio Grande do Norte, Centro de Ciências Exatas e da Terra,Departamento de Física. Natal, 2019. Orientador: Farinaldo da Silva Queiroz.

    1. Física - Monografia. 2. Modelo padrão - Monografia. 3.Detecção de neutrinos - Monografia. 4. Oscilação e observação deneutrinos - Monografia. 5. Limite sobre a massa dos neutrinos -Monografia. 6. Dirac e Majorana e duplo decaimento beta -Monografia. I. Queiroz, Farinaldo da Silva. II. Título.

    RN/UF/CCET CDU 53

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

    Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Ronaldo Xavier de Arruda - CCET

    Elaborado por Joseneide Ferreira Dantas - CRB-15/324

  • Monografia de Graduação sob o t́ıtulo Introdução à F́ısica de Neutrinos, apresentada por

    Jedson Fernandes de Amorim e aceita pelo Departamento de F́ısica do Centro de Ciências

    Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sendo aprovada por

    todos os membros da banca examinadora abaixo especificada:

    Prof. Dr. Farinaldo da Silva Queiroz

    Orientador

    Instituto Internacional de F́ısica - IIF

    Prof. Dr. Paulo Rogério Dias Pinheiro

    Coordenação do Curso de Ciência e Tecnologia - CCCT

    Universidade Federal do Maranhão - UFMA

    Instituto Internacional de F́ısica - IIF

    Dr. Daniel Alberto Camargo Vargas

    Instituto Internacional de F́ısica - IIF

    Natal-RN, 31 de maio de 2019

  • “It is no good to try to stop knowledge from going forward.

    Ignorance is never better than knowledge.”

    Enrico Fermi

  • Resumo

    A f́ısica de neutrinos surge com a proposta de Pauli de uma terceira part́ıcula com o objetivo

    de solucionar a não conservação de energia e momento linear no decaimento beta. Desde então,

    os três sabores de neutrinos tem sido largamente estudadas com intuito de entender todas as

    caracteŕısticas dessas part́ıculas. Este trabalho busca dar uma visão geral sobre cada um dos

    neutrinos e sobre alguns trabalhos realizados para melhor entendê-los. No primeiro caṕıtulo

    trataremos de uma breve visão histórica da f́ısica neutrinos. No segundo caṕıtulo estudaremos

    de maneira qualitativa as simetrias discretas CP, distiguiremos as diferenças entre helicidade

    e quiralidade, no restante do caṕıtulo trataremos da estrutura e como o setor eletrofraco do

    modelo padrão é constrúıdo. No caṕıtulo seguinte trataremos dos experimentos que detectaram

    cada um dos neutrinos do modelo padrão e em seguida, discutiremos a oscilação de neutrinos em

    um caso geral de N sabores e estudaremos em mais detalhes o caso particular de dois sabores e

    por fim, apresentaremos alguns experimentos que corroboram a teoria da oscilação de neutrinos.

    No quarto caṕıtulo faremos uma análise não muito sofisticada de como são dados os limites sobre

    a massa dos neutrinos. No quinto caṕıtulo trataremos de algumas caracteŕısticas da equação

    de Dirac e de Majorana e a relação com os neutrinos. Nas considerações finais trataremos de

    aspectos que podem ser estudados na oscilação de neutrinos na matéria.

    Palavras-chave: Experimento de Wu. Modelo padrão. Experimento de Cowan-Reines.

    Experimento de Lederman-Schwartz-Steinberger. Detecção do neutrino do tau. Oscilação de

    neutrinos. Observação da oscilação. Limite sobre a massa dos neutrinos. Dirac e Majorana.

    Duplo decaimento beta sem neutrinos.

    i

  • Abstract

    Neutrino physics arose with Pauli’s proposal for a third particle as a solution to the beta

    decay based on energy and momentum conservation arguments. Since then, the sources and

    three flavours of neutrinos has been widely studied in order to understand all the features of

    these particles. This work has the goal of giving an overview about each neutrino of the standard

    model and previously works that tried to better understand it. In the first chapter we review

    the history of neutrino physics. In the second chapter we will give a qualitative introduction

    about the two discrete symmetries CP, later we will give the main differences between helicity

    and chirality, lastly we will deal with the structure of the standard model and how to build

    the weak sector. In the third chapter we study how the neutrinos were detected, and provide a

    mathematical treatment about neutrino oscillations with N flavors and analyze graphically the

    case of two flavors, we finish with a discussion about some experiments that support this theory.

    In the fourth chapter we perform a non sophisticated analysis about some experiments that give

    an upper limit on neutrino’s masses. In the fifth chapter we deal with some differences between

    Dirac and Majorana equations and we will do a relation between neutrinos and these equations.

    In our final considerations we treat about some aspects of neutrinos oscillation in matter that

    can be performed in future.

    Keywords: Wu’s experiment. Standard Model. Cowan-Reines experiment. Lederman-

    Schwartz-Steinberger experiment. Tau’s neutrino detection. Neutrinos oscillation. Observation

    of oscillation. Upper limit on neutrino mass. Dirac and Majorana. Neutrinoless double beta

    decay.

    ii

  • Lista de figuras

    1 Esboço de uma predição teórica e experimental de um espectro para o elétron

    em um decaimento beta negativo (β−). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

    2 Referenciais inerciais de uma part́ıcula com spin. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

    3 Ilustração do experimento de C.S. Wu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    4 Seção de choque para aniquilação elétron pósitron via fóton. . . . . . . . . . . . 11

    5 Pico de ressonância do bóson Z. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    6 Potencial da densidade de lagrangiana do campo de Higgs. . . . . . . . . . . . . 15

    7 Ilustração do experimento para detecção do neutrino do elétron. . . . . . . . . . 19

    8 Ilustração do experimento para detecção do neutrino do múon. . . . . . . . . . . 20

    9 Ilustração do experimento para detecção do neutrino do tau. . . . . . . . . . . . 22

    10 Ilustração do significado f́ısico das oscilações de neutrinos. . . . . . . . . . . . . . 23

    11 Representação dos autoestados de sabor no espaço dos autoestados de massa. . . 26

    12 Probabilidades de oscilação versus distância em um caso de máxima mistura. . . 28

    13 Probabilidade de oscilação versus distância com o ângulo de mistura θ = π10 . . . 28

    14 Probabilidade de oscilação versus energia em um caso de máxima mistura. . . . 29

    15 Fluxo de neutrinos solares em termos de sua energia para diferentes reações

    nucleares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

    16 Ilustração da produção de neutrinos atmosféricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    17 Espectro do elétron no decaimento beta negativo considerando um núcleo Zd = 30. 34

    18 Esboço do espectro do elétron para o 3He para as massas do antineutrino pequena

    e pouco distintas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    iii

  • 19 Esboço do espectro do elétron para o 3He para as massas do antineutrino pequena

    e pouco distintas no intervalo de energia cinética entre 18.5KeV e 18.6KeV . . . 35

    20 Ilustração do experimento para medição da massa dos antineutrinos do elétron. . 36

    21 Esboço da linearização do espectro do elétron no decaimento beta do Tŕıtio. . . 37

    22 Ilustração do experimento para a medida do momento linear do múon. . . . . . 39

    23 Diagrama de Feynman para o duplo decaimento beta (0νββ). . . . . . . . . . . . 44

    24 Ilustração do duplo decaimento beta com e sem neutrinos. . . . . . . . . . . . . 45

    iv

  • Sumário

    Resumo i

    Abstract ii

    Lista de figuras iii

    1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

    2 Algumas Simetrias e o Setor Eletrofraco do Modelo Padrão . . . . . . . 4

    2.1 Simetrias discretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

    2.2 Helicidade e Quiralidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    2.3 Experimento de Wu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    2.4 Estrutura do Modelo Padrão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

    2.5 Mecanismo de Higgs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

    2.6 Massa dos Férmions . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    3 Detecção e Oscilação de Neutrinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    3.1 Detecção de Neutrinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    3.2 Oscilação de Neutrinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    3.3 Observação da Oscilação de Neutrinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

    4 Limite sobre a massa dos neutrinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    4.1 Experimento Troitsk (2011) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    4.2 Decaimento do Ṕıon (1996) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    4.3 Colaboração ALEPH (1998) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

    5 Dirac e Majorana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

    5.1 Equação de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

    5.2 Condição de Majorana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

    5.3 Duplo decaimento beta sem neutrinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

    6 Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

    Referências Bibliográficas 47

    Apêndice A 51

  • Caṕıtulo 1

    Introdução

    O ińıcio dos estudos da radioatividade data do fim do século XIX e ińıcio do século XX

    no mesmo peŕıodo em que a teoria da relatividade restrita é proposta e tem-se relações

    matemáticas para a energia das part́ıculas em estado de repouso. Nesse sentido, os decai-

    mentos radioativos alfa, beta e gamma começam a serem analisados em um contexto de

    conservação de energia e momento.

    Na época sabia-se que os três tipos de decaimento eram problemas de dois corpos,

    ou seja, além dos novos núcleos formados t́ınhamos que no decaimento alfa átomos de

    Hélio eram liberados, no decaimento beta eram os elétrons e no decaimento gama o átomo

    mudava de um estado mais energético para um menos energético liberando radiação gama.

    A partir do momento em que medidas de energia e momento linear das part́ıculas pu-

    deram ser realizadas, observou-se que nos decaimentos alfa e gama, a soma dos momentos

    lineares e da energia dos produtos finais coincidiam, respectivamente, com o momento

    linear e a energia de repouso do átomo inicial.

    No caso do decaimento beta a conservação de energia e momento linear não era ob-

    servada. Além disso, a soma da energia dos produtos finais bem como dos momentos

    lineares eram quantidades variáveis, isto significa que em cada medida esta soma era

    diferente como pode ser visto pela curva azul na figura 1.

    O núcleo produzido após o decaimento é mais massivo que o elétron e este portanto,

    recebe quase toda a energia cinética. O pico em vermelho na figura 1 é a predição teórica

    de que o número de elétrons medidos (N(Te)) com relação ao número total de medidas

    (Ntotal) tem aproximadamente um único valor para a energia cinética do elétron (Te) e é

    igual a energia liberada1 (Er) após o decaimento.

    Já a curva azul mostra que em alguns casos a energia é conservada, ou seja, na cauda

    1A energia liberada em um processo pode ser interpretada como sendo aproximadamente a diferençaentre as energias de repouso dos produtos iniciais pelos produtos finais e é uma quantidade fixa pordefinição.

    1

  • Te

    NHT

    eL

    Nto

    tal

    Figura 1: Esboço de uma predição teórica (pico vermelho) e experimental (curva azul) de um espectropara o elétron em um decaimento beta negativo (β−).

    do gráfico teŕıamos Te ≈ Er mas, na maioria dos casos teŕıamos uma energia cinética

    faltando que não é medida no núcleo decaido e também varia em cada medida.

    Com o objetivo de solucionar o problema da conservação de energia e momento Wolf-

    gang E. Pauli [38] em 1930 propôs que, no produto final do decaimento, houvesse uma

    terceira part́ıcula de carga zero e spin 1/2 a qual, chamou de nêutron e mais tarde

    renomearam-no para neutrino.

    Em 1934 Enrico Fermi2 prôpos a teoria que descreve o decaimento beta e prevê o

    espectro cont́ınuo do elétron, bem como os analisa nos casos em que a massa do neutrino

    é diferente de zero.

    Em 1937 Ettore Majorana3 propõe que possa existir part́ıculas de spin 1/2 que são

    iguais as suas antipart́ıculas e apresenta uma versão da equação de Dirac para este tipo

    de férmion.

    Na década de 50 já se sabia da existência do múon4 e que ele podia decair em um

    elétron, observou-se que o espectro deste decaimento assim como o decaimento beta era

    cont́ınuo [31], sugerindo que o múon decaia em 3 part́ıculas. Além disso, considerando

    que o decaimento µ± −→ e±+ ν + ν̄ ocorre, é posśıvel calcular o tempo de vida do múon

    muito próximo daquele medido experimentalmente [32].

    Inspirado no trabalho de Gell-Mann e Pais sobre a posśıvel oscilação de part́ıculas

    neutras em suas antipart́ıculas, especificamente o Kaon (K0) em Antikaon (K̄0), o f́ısico

    2Uma tradução dos trabalhos de Fermi sobre o decaimento beta pode ser encontrada em [30]3Uma discussão sobre o trabalho de Majorana pode ser encontrada em [34]4Até o fim da década de 50 o múon era chamado de mesotron.

    2

  • Bruno Pontecorvo propõe em 1957 que o neutrino (ν), que é uma part́ıcula neutra, possa

    oscilar em seu antineutrino (ν̄) [15]. Sendo que esta oscilação somente ocorrerá caso os

    neutrinos conservem a paridade e não tenham um número quântico caracteŕıstico diferente

    para a part́ıcula e antipart́ıcula.

    Mesmo após os trabalhos sobre a não conservação de paridade no decaimento beta

    se mostrarem bastante incisivos, Bruno Pontecorvo sustenta a possibilidade do neutrino

    oscilar em seu antineutrino baseado na ideia de que estas part́ıculas são massivas e que

    os neutrinos são part́ıculas de Majorana [16].

    Quando verifica-se que há um neutrino associado ao múon então, Bruno Pontecorvo

    em 1967 propõe também a oscilação entre neutrino de diferentes sabores [17], ou seja, o

    neutrino do elétron pode oscilar para o neutrino do múon bem como o processo inverso

    poderá ocorrer.

    Mais tarde na década 70, com o entendimento de que no decaimento de part́ıculas onde

    elétrons ou múons eram produtos finais era necessário que estes fossem acompanhados,

    respectivamente, pelo antineutrino do elétron ou antineutrino do múon. Na aniquilação

    e+-e− surgiu a hipótese de uma nova part́ıcula bastante massiva sendo ela um bóson (B±)

    de spin 1 decaindo nos canais, B± −→ e± + (νe/ν̄e) e B∓ −→ µ∓ + (ν̄µ/νµ) ou um novo

    lépton (l±) de spin 1/2 o qual, tinha um neutrino (νl) associado [33] onde posteriormente

    se evidenciaria ser o lépton tau (τ±) e o neutrino do tau (ντ ).

    Neste trabalho discutiremos um pouco sobre o modelo padrão e sua estrutura, ana-

    lisaremos os experimentos que detectaram os neutrinos do modelo padrão. Além disso,

    trataremos da oscilação de neutrinos no vacúo de um ponto de vista matemático e ve-

    remos alguns experimentos que corroboram esta teoria. Por fim, analisaremos alguns

    experimentos que tratam do limite sobre a massa dos neutrinos e finalmente trataremos

    das diferenças das densidades de lagrangiana de Dirac e Majorana no contexto da f́ısica

    de neutrinos.

    3

  • Caṕıtulo 2

    Algumas Simetrias e o Setor Eletro-

    fraco do Modelo Padrão

    Quando tratamos sistemas quânticos no contexto de f́ısica de part́ıculas não estamos,

    em geral, interessados em equações de movimento pois, devido à certas transformações lo-

    cais e globais pode-se encontrar como as part́ıculas interagem com outras. Neste caṕıtulo

    discutiremos de três importantes simetrias discretas: paridade, reversão temporal e con-

    jugação de carga bem como introduziremos os conceitos de quiralidade e helicidade de

    uma part́ıcula. Em posse destes conceitos, analisaremos no contexto de reações nucleares

    o experimento de Wu, o qual nos dará uma importante caracteŕıstica da estrutura do

    modelo padrão.

    Por fim, discutiremos um pouco sobre quebra espontânea de simetria e como os bósons

    e férmions do modelo padrão ganham massa.

    2.1 Simetrias discretas

    Para exemplificar o uso de simetrias discretas começaremos por tratar de sistemas

    clássicos pois, são mais simples de compreender e em geral não precisaremos escrever uma

    transformação espećıfica. Sabemos que o campo magnético de um fio infinito ao longo do

    eixo z é:

    ~B =µ0I

    2πrθ̂ (2.1)

    Se aplicarmos a transformação de paridade ou inversão espacial ~r → ~rP = −~r terei

    que:

    θ̂ −→ θ̂P = −θ̂

    I −→ IP = −I

    4

  • A corrente muda de sinal devido ao caráter vetorial da densidade de corrente e por-

    tanto, o campo ~B mantém-se invariante sobre transformação de paridade. Apesar de

    termos tratado de um caso espećıfico, o campo magnético sob transformação de pari-

    dade não altera seu sinal. Para obter uma visão mais geral de como eletromagnetismo se

    transforma sobre conjugação de carga e reversão temporal vamos analisar as equações de

    maxwell no vácuo.

    ∇ ·E = ρε0

    (2.2)

    ∇×E = −∂B∂t

    (2.3)

    ∇ ·B = 0 (2.4)

    ∇×B = µ0J + µ0ε0∂E

    ∂t(2.5)

    Suponha agora que apliquemos a inversão temporal sobre todos os termos das equações

    acima, ou seja, t→ tP = −t terei que:

    ρ(t, r) −→ ρP (t, r) = ρ(−t, r)

    J(t, r) −→ JP (t, r) = −J(−t, r)

    Para que as equações (2.2)− (2.5) mantenham-se invariantes é necessário que E e B

    tranformem-se da seguinte forma.

    E(t, r) −→ ET (t, r) = E(−t, r)

    B(t, r) −→ BT (t, r) = −B(−t, r)

    Não é d́ıficil ver que sob conjugação de carga, ou seja, ρ → ρC = −ρ os campos E e

    B devem inverter de sentido.

    Agora que tratamos de um caso clássico, vamos analisar as transformações discretas

    em densidades de lagrangiana bastante comuns do modelo padrão. A forma mais geral

    para transformar um campo é por meio de uma transformação de similaridade.

    φ̂(xµ) −→ φ̂U(x̃µ) = Uφ̂(xµ)U−1

    5

  • Quando tratamos de um contexto de mecânica quântica utilizamos uma transformação

    unitária com o operador U † em vez de uma transformação de similaridade5. A regra de

    qual transformação utilizar depende do contexto em que estamos situados.

    Para as transformações discretas anteriormente discutidas é sempre posśıvel achar

    uma transformação que deixe a densidade de lagrangiana, de uma part́ıcula livre, invari-

    ante pois, é intuitivo pensar que a part́ıcula livre não deve ter nenhuma restrição sobre

    transformações sendo elas cont́ınuas ou discretas.

    A ideia geral é que dado que temos em mãos a transformação discreta, iremos verificar

    se uma densidade de lagrangiana de interação é invariante. Comecemos analisando se a

    seguinte densidade de lagrangiana6 é invariante sob paridade.7

    Lint = ˆ̄νL(xν)γµ(1− γ5)L̂(xν)W+µ (xν) (2.6)

    Analisemos inicialmente a parte vetorial:

    ˆ̄νL(xν)γ0L̂(xν)

    P

    −−−−−→ ˆ̄νL(x̃ν)γ0L̂(x̃ν) (2.7)

    −ˆ̄νL(xν)γiL̂(xν)P

    −−−−−→ + ˆ̄νL(x̃ν)γiL̂(x̃ν) (2.8)

    Para a parte axial vetorial terei que:

    −ˆ̄νL(xν)γ0γ5L̂(xν)P

    −−−−−→ + ˆ̄νL(x̃ν)γ0γ5L̂(x̃ν) (2.9)

    ˆ̄νL(xν)γiγ5L̂(xν)

    P

    −−−−−→ − ˆ̄νL(x̃ν)γiγ5L̂(x̃ν) (2.10)

    Por fim, para o bóson W−µ terei que:

    W+0 (xν)

    P

    −−−−−→ W+0 (x̃ν) (2.11)

    W+i (xν)

    P

    −−−−−→ −W+i (x̃ν) (2.12)

    Se multiplicarmos a equação 2.7 por 2.11 e somarmos ao produto de 2.8 com 2.12 não

    5Na mecânica quântica transformações unitárias mantém a probabilidade invariante.6Na representação de Dirac é definido como γ5 := iγ0γ1γ2γ37Uma discussão das transformações discretas para a densidade de lagrangiana de dirac pode ser en-

    contrada em [1, p. 415], [2, p. 200] e uma apresentação mais detalhada no Apêndice A.

    6

  • será d́ıficil notar que a parte vetorial é invariante. Mas, se o mesmo procedimento for

    feito para o termo axial vetorial não teremos invariância sobre paridade.

    Podemos ir além e analisar se Lint é invariante sob conjugação de carga. Sob con-

    jugação de carga o bóson transforma-se como segue:

    W+µ (xν)

    C

    −−−−−→ −W−µ (xν) (2.13)

    Analisando o parte vetorial terei que:

    ˆ̄νL(xν)γµL̂(xν)

    C

    −−−−−→ − ˆ̄L(xν)γµν̂L(xν) (2.14)

    Já podemos perceber que sob conjugação de carga a parte vetorial é invariante vejamos

    agora o termo axial vetorial:

    −ˆ̄νL(xν)γµγ5L̂(xν)C

    −−−−−→ − ˆ̄L(xν)γµγ5ν̂µ(xν) (2.15)

    Já o termo axial vetorial não é invariante e portanto, conclúımos que Lint não é

    invariante sob conjugação de carga. A aplicação da paridade junto à conjugação de carga

    na densidade de lagrangiana Lint mostrará que ao invés de descrevermos um vértice com

    W+, neutrino e antilépton descreveremos um vértice com W−, antineutrino e um lépton.

    2.2 Helicidade e Quiralidade

    Helicidade é uma quantidade que diz o quão paralelo está o spin de uma part́ıcula com

    relação ao seu momento linear.8

    h :=Σ · (14×4 ⊗ p)

    |p|(2.16)

    Em geral não estamos interessados no fator numérico que esta projeção nos dará,

    desejamos apenas saber que dado que uma part́ıcula tem um spin e um momento linear

    definidos queremos saber se eles estão paralelos, ou seja, h é positivo, para h negativo

    quando eles estão anti-paralelos e h nulo quando são ortogonais.

    8Há diferentes definições de Σ, utilizaremos a definição como sendo Σ := 12×2 ⊗ S = 12

    (σ 00 σ

    )

    7

  • A helicidade é uma quantidade que muda de valor de acordo com o referencial em que

    é medida. Suponha que em um referencial inercial W1 a part́ıcula tenha momento ~p como

    mostrado na figura 2, teremos helicidade positiva. Caso estejamos em um referencial W2

    que se move com momento ~p+~� com relação à W1 veremos que a helicidade será negativa.

    W1 W2 ~p+ ~�

    ~S

    ~p

    ~S ′

    −~�

    Figura 2: Exemplo de uma part́ıcula de spin ~S visto de diferentes referenciais inerciais.

    É importante ressaltar que part́ıculas sem massa viajam com velocidade c e é im-

    posśıvel encontrar um referencial em que o momento mude de sentido.

    Diferentemente da helicidade a quiralidade de uma part́ıcula é uma caracteŕıstica

    intŕınseca. Quando medimos a quiralidade de uma part́ıcula e ela é positiva dizemos que

    ela é de mão direita, no caso em que a quiralidade é negativa dizemos que a part́ıcula é

    de mão esquerda. Os projetores de quiralidade são definidos como segue:9

    PL =1

    2(1− γ5)

    PR =1

    2(1 + γ5)

    Para exemplificar o funcionamento destes operadores, suponha que ΨL := PLΨ é uma

    part́ıcula de mão esquerda.

    PLΨL = P2LΨ = PLΨ = ΨL

    PRΨL = PRPLΨ = 0

    Não é d́ıficil ver que se utilizarmos o projetor de mão esquerda em uma part́ıcula

    9PL onde o L significa ”Left-handed”do inglês de mão esquerda e PR onde o R significa ”Right-handed”do inglês de mão direita.

    8

  • de mão esquerda o autovalor deve ser +1, já no caso oposto em que o projetor é de

    mão direita atuando em uma part́ıcula de esquerda então o autovalor será 0 pois, ΨL

    não é autoestado de PR, de outra forma, posso utilizar o resultado de que (γ5)2 = 1.

    Se refizermos os mesmos passos para uma part́ıcula de mão-direita obteremos resultados

    análogos.

    2.3 Experimento de Wu

    Nas seções anteriores estudamos os conceitos de helicidade e quiralidade bem como

    tratamos de algumas simetrias discretas no contexto da f́ısica clássica e da f́ısica quântica.

    Ao longo do século XX novas part́ıculas foram sendo descobertas e discutir se as simetrias

    de paridade, conjugação de carga e reversão temporal podem ser violadas passou a ser

    objeto de pesquisa.

    Uma das primeiras reações nucleares a serem analisadas e também de grande im-

    portância na f́ısica dos neutrinos é o decaimento β. Em 1956 Lee e Yang [18] propuseram

    que na análise do decaimento do Co-60, em uma região de campo magnético ~H, a quan-

    tidade de elétrons medidos em uma região θ ∈ [−π2, π

    2] deve ser igual a quantidade de

    elétrons medida em uma região θ ∈ [π2, 3π

    2], como está ilustrado na figura 3.

    θ

    z

    ~H

    ~Sν̄

    ~pν̄

    ~SNi

    ~pNi = 0

    ~Se−

    ~pe−

    (a) Decaimento proposto inicialmente.

    θP

    ~Se−

    ~pe−

    ~SNi

    ~pNi = 0

    ~Sν̄

    ~pν̄

    (b) Decaimento após operação de paridade P .

    Figura 3: Proposta do experimento de T.D. Lee e C.N.Yang para verificar se há violação de paridade nodecaimento β− do Co-60. Visto do centro de massa do Nı́quel.

    Em 1957 C.S. Wu e seu grupo [19] mostraram experimentalmente que o caso do de-

    9

  • caimento β− da figura 3(b) não foi observado nenhuma vez implicando portanto, em uma

    máxima violação de paridade.10

    Utilizando dos conceitos das seções anteriores pode-se interpretar do experimento que

    os elétrons são de mão esquerda e os anti-neutrinos11 são de mão direita.

    2.4 Estrutura do Modelo Padrão

    O modelo padrão em sua forma mais moderna é composto pelos grupos SU(3)C , o

    qual por transformação local descreverá as interações fortes além deste, temos o produto

    SU(2)⊗ U(1)Y que descreve as interações eletrofracas onde SU(2) pode ser dividido em

    dubletos de mão esquerda e singletos de mão direita.νee

    L

    νµµ

    L

    νττ

    L

    ud

    L

    cs

    L

    tb

    L

    eR µR τR uR, dR cR, sR tR, bR

    Utilizaremos a seguinte notação para os dubletos do SU(2)⊗U(1)Y e para os tripletos

    no caso de SU(3)C .

    lL :=

    νll

    L

    νlLlL

    QiL :=uidi

    L

    uiLdiL

    q :=qr

    qg

    qb

    A partir de agora analisaremos alguns processos f́ısicos em que o modelo padrão na

    forma em que foi proposta reproduz muito bem os resultados experimentais. Note que não

    acrescentamos neutrinos de mão direita pois, atualmente sabe-se que não há comprovação

    experimental da existência de tais neutrinos. Na seção anterior foi apresentado que via

    decaimento β− há apenas antineutrinos de mão direita e elétrons de mão esquerda bem

    como no decaimento β+ temos neutrinos de mão esquerda e pósitrons de mão direita.

    Quando desejamos calcular seções de choque é necessário fazer uma soma sobre todas

    10Após a confirmação experimental de C.S. Wu e seu grupo em 1957 T.D. Lee e C.N. Yang receberamo prêmio nobel pela previsão teórica da violação de paridade no decaimento β−.

    11Na época ainda não se conhecia a natureza de antipart́ıcula do neutrino no decaimento β−, essaterminologia de antipart́ıcula é devido à uma transformação global que tem como quantidade conservadao número leptônico impondo quais reações nucleares são posśıveis.

    10

  • as posśıveis helicidades das part́ıculas envolvidas na amplitude de espalhamento.12

    〈|M|2

    〉=

    1

    4

    ∑h1,h2,h3,h4

    |M(h1, h2, h3, h4)|2

    No processo de aniquilação e−e+ → µ−µ+ via fóton virtual, o resultado da seção

    de choque apenas reflete o resultado experimental quando consideramos elétrons de mão

    direita e pósitrons de mão esquerda bem como, múons de mão direita e antimúons de mão

    esquerda como podemos ver no seguinte gráfico.

    Figura 4: Comparação entre resultado teórico e experimental da seção de choque na aniquilação e−e+ →µ−µ+ via fóton virtual. Retirado de [6, p. 138].

    A aniquilação elétron-pósitron foi largamente utilizada para confirmar diversos resul-

    tados do modelo padrão ao invés de analisar um único processo como feito acima, diversas

    aniquilações foram realizadas no colisor LEP13 com um dos objetivos de comparar pre-

    visões teóricas com os resultados experimentais da taxa de produção de outros pares

    antiférmion-férmion (f̄f) e seções de choque via bóson Z0 e fóton γ virtuais.

    e−e+γ,Z0

    −−−−−→ f̄f

    12hi =↑↓ onde ↑ é o spin no sentido do momento e ↓ significa que o spin está no sentido oposto ao domomento.

    13LEP do inglês ”Large Electron Positron Collider”.

    11

  • No ińıcio da seção impomos que o modelo padrão é composto por 3 neutrinos sendo

    1 para cada lépton e de antemão não temos qualquer argumento para sustentar essa

    quantidade de neutrinos, como discutimos anteriormente uma das ideias do colisor LEP

    era também de verificar a taxa de produção de outros pares de férmion-antiférmion na

    região de ressonância de energia do Z0 onde a contribuição do fóton e higgs é pequena.

    Sabemos que a largura ou taxa (Γ) do bóson Z0 é a igual a soma da taxa de produção

    de todos os posśıveis pares de férmion-antiférmion na energia de ressonância de Z0.

    ΓZ = Γeē + Γµµ̄ + Γτ τ̄ + Γνeν̄e + Γνµν̄µ + Γντ ν̄τ + Γhádrons (2.17)

    Com o objetivo de confirmar que no modelo padrão há apenas 3 neutrinos. Mede-se a

    taxa de produção do bóson Z, dos léptons e dos hádrons, exceto a taxa dos neutrinos, a

    qual é calculada de maneira teórica e igual para todos os neutrinos. Podemos reescrever

    a equação 2.17 na seguinte forma:

    ΓexpZ = Γexpeē + Γ

    expµµ̄ + Γ

    expτ τ̄ +NνΓ

    teóricaνν̄ + Γ

    exphádrons (2.18)

    Isolando o número de neutrinos (Nν) em 2.18:

    Nν =ΓexpZ − Γ

    expeē − Γexpµµ̄ − Γexpτ τ̄ − Γexphádrons

    Γteóricaνν̄

    O valor obtido para a quantidade de neutrinos foi de Nν ≈ 3. Esse resultado também

    foi analisado observando a seção de choque dos hádrons, podemos parametrizar Γexphádrons

    em 2.18 com relação ao número de neutrinos previsto teoricamente e utilizar a seguinte

    expressão para a seção de choque da aniquilação14 e+e− −→ qq̄:

    σhádrons =12πΓexpeē Γ

    exphádrons

    m2ZRQED

    E2cm

    (E2cm −m2Z)2 +E2cmΓ

    expZ

    m2Z

    (2.19)

    Note que se o número de neutrinos aumentar na equação 2.18 então, a taxa de hádrons

    diminui e consequentemente o pico da seção de choque na equação 2.19 diminui, como

    pode ser visto também na figura 5.

    14Os hádrons são produzidos por hadronização dos quarks e este processo está além do escopo destetrabalho.

    12

  • Figura 5: Seção de choque dos hádrons obtido na região de ressonância do Z0 com curvas considerandoum modelo padrão com 2, 3 e 4 neutrinos leves onde os pontos em vermelho são os dados experimentais.Adaptado de [21, seção 1.5.3].

    Como falei anteriormente há a confirmação experimental apenas dos neutrinos de mão

    esquerda e antineutrinos de mão direita. Sabemos que a densidade de lagrangiana de

    Dirac descreve férmions.

    L = ˆ̄Ψ(ih̄cγµ∂µ −mc2)Ψ̂

    Fazendo-se uso dos projetores de quiralidade da seção 2.2 podemos facilmente reescre-

    ver a expressão acima como:

    L = ih̄c ˆ̄ΨLγµ∂µΨ̂L + ih̄c ˆ̄ΨRγµ∂µΨ̂R −mc2( ˆ̄ΨLΨ̂R + ˆ̄ΨRΨ̂L)

    Se estamos descrevendo os neutrinos então, teremos apenas a componente de mão-

    esquerda (Ψ̂L := ν̂L) e podemos concluir que no modelo padrão os neutrinos não tem

    massa e a expressão acima toma a seguinte forma:

    L = ih̄cˆ̄νLγµ∂µν̂L

    13

  • 2.5 Mecanismo de Higgs

    Sabemos que sob transformações locais a densidade de lagrangiana de Dirac e Klein-

    Gordon para a part́ıcula livre bem como a de Proca não são invariantes.15

    Desejamos que os bósons de calibre do setor eletrofraco ganhem massa e que as in-

    terações surjam de maneira natural a partir de transformações locais. Podemos escrever

    a densidade de lagrangiana do modelo padrão como sendo a seguinte soma.

    L = LLéptons + LQuarks + LCalibre + LY ukawa + LHiggs

    A densidade de lagrangiana de Higgs invariante sob transformações locais em SU(2)⊗

    U(1)Y é frequentemente encontrada na forma como segue:16

    LHiggs = (DµΦ̂)†(DµΦ̂) +m2(Φ̂†Φ̂)−λ

    4!(Φ̂†Φ̂)2

    Em que Φ̂ é o dubleto de Higgs definido da seguinte maneira:

    Φ̂ :=

    φ̂+φ̂0

    =φ̂1 + iφ̂2φ̂3 + iφ̂4

    A derivada covariante Dµ contém os campos Bµ associado ao único gerador de U(1) e

    W iµ associado as matrizes de Pauli17, as quais são os geradores de SU(2).18

    Dµ = ∂µ − igBµ − ig′σiW iµ

    A ideia geral é que dos 4 campos escalares reais no dubleto de Higgs, os quais cor-

    respondem a 4 graus de liberdade é necessário que 3 deles tornem-se não massivos de tal

    maneira que possamos tornar massivos 3 bósons de calibre.19

    15Uma discussão sobre transformações locais utilizando grupos não abelianos pode ser encontrada em[2, p. 312]

    16É comum na literatura encontrarmos as densidades de lagrangiana sem constantes f́ısicas e faremoso mesmo aqui, ou seja, x

    µ

    h̄c −→ xµ e mc2 −→ m.

    17Um Breve discussão sobre grupos e álgebra de Lie bem como dos geradores de U(N) e SU(N) podeser encontrada [4, p. 63].

    18Vale ressaltar que o campo de SU(2) descrito aqui é apenas para os dubletos de mão esquerda comodefinimos na estrutura do modelo padrão.

    19As interações entre os bósons de calibre e férmions são propostas por Sheldon L. Glashow no trabalhoPartial-Symmetries of Weak Interactions [20] em 1960 sendo que apenas o fóton é considerado não massivo

    14

  • O potencial da densidade de lagrangiana de Higgs tem a seguinte forma:

     F ¤=12 m

    2

    Λ F ¤=-

    12 m2

    Λ

     F ¤

    V H F ¤L

    Figura 6: V (Φ̂, Φ̂†) = −m2(Φ̂†Φ̂) + λ4! (Φ̂†Φ̂)2

    Não é d́ıficil notar que o potencial é invariante sob a transformação Φ̂ −→ −Φ̂ sendo

    necessário definir um valor esperado do vácuo para que a esta simetria seja quebrada.

    〈0| Φ̂†Φ̂ |0〉 = 〈0| φ̂†1φ̂1 + φ̂†2φ̂2 + φ̂

    †3φ̂3 + φ̂

    †4φ̂4 |0〉 =

    12m2

    λ

    Para que 3 bósons de calibre ganhem massa é necessário que 3 campos escalares tenham

    valor esperado de vácuo iguais a 0. Portanto, conveciona-se que o valor esperado dos

    campos φ̂1, φ̂2, φ̂4 sejam nulos e φ̂3 será escrito da seguinte forma:

    φ̂3 := v + ĥ

    Onde: v2 := 〈0| φ̂†3φ̂3 |0〉 = 12m2

    λe 〈0| ĥ |0〉 = 0

    Como tornamos os outros 3 campos não-massivos ao definir o valor esperado do vácuo

    iguais a zero e como LHiggs é invariante sobre SU(2) ⊗ U(1)Y então, podemos utilizar o

    chamado calibre unitário que é simplesmente uma rotação de forma à retirar os 3 campos

    escalares não massivos.

    Φ̂ −→ Φ̂′ = UΦ̂ =

    0v + ĥ

    já a massa dos bósons de calibre são incógnitas até a década de 80. Mas, a ideia de tornar campos escalaresnão massivos para que bósons de calibre tornem-se massivos é desenvolvido ao longo da década de 60.

    15

  • Vamos tratar apenas da parte cinética de LHiggs que nos dará a massa dos bósons de

    calibre.

    Lcinético = (DµΦ̂)†(DµΦ̂) =∣∣∣DµΦ̂∣∣∣2

    Reescrevendo na forma matricial.

    Lcinético =

    ∣∣∣∣∣∣∂µ − igBµ − ig′W 3µ −ig′W 1µ − g′W 2µ−ig′W 1µ + g′W 2µ ∂µ − igBµ + ig′W 3µ

    0v + ĥ

    ∣∣∣∣∣∣2

    Façamos a seguinte convenção W+µ = W1µ − iW 2µ e W−µ = W 1µ + iW 2µ logo,

    Lcinético =

    ∣∣∣∣∣∣∂µ − igBµ − ig′W 3µ −ig′W+µ

    −ig′W−µ ∂µ − igBµ + ig′W 3µ

    0v + ĥ

    ∣∣∣∣∣∣2

    Após alguns cálculos encontramos que:

    Lcinético = (∂µĥ)(∂µĥ) + g′2v2W+µ W

    µ− + v2(gBµ − g′W 3µ)(gBµ − g′W µ3)

    + g′2ĥ2W+µ W

    µ− + ĥ2(gBµ − g′W 3µ)(gBµ − g′W µ3)

    + 2g′2ĥvW+µ W

    µ− + 2ĥv(gBµ − g′W 3µ)(gBµ − g′W µ3)

    A massa dos bósons são os termos multiplicados por v2, o restante são termos de

    interação. Note que para o bóson W±µ a massa é bem definida mas, para Bµ e W3µ há uma

    mistura. Podemos reescrever o termo de massa na forma matricial como segue:

    (gBµ − g′W 3µ)(gBµ − g′W µ3) =(Bµ W µ3

    ) gg −gg′−gg′ g′g′

    BµW 3µ

    Já sabemos de antemão que o fóton não tem massa logo, após diagonalizarmos teremos

    que o autovalor α1 = 0 está associado ao fóton e o autovalor α2 = g2 + g

    ′2 está associado

    ao bóson Z0. Logo,

    Aµ =1√

    g′2 + g2(g′Bµ + gW

    3µ) := cos θwBµ + senθwW

    Zµ =1√

    g′2 + g2(gBµ − g′W 3µ) := senθwBµ − cos θwW 3µ

    16

  • Podemos portanto, identificar a massa dos bósons de calibre como segue:

    MW = g′v e MZ =

    g′v

    cos θw

    A massa do campo de Higgs (ĥ) pode ser encontrada no potencial V (Φ̂, Φ̂†). Nossa

    densidade de lagrangiana de calibre é definida como sendo:

    LCalibre := −1

    4BµνB

    µν − 14W iµνW

    µνi

    Se fizermos Bµ e W3µ em função de Aµ e Zµ nossa densidade de lagrangiana terá

    termos cinéticos sem interações e teremos diversos termos de interação entre eles e de

    autointeração.

    LCalibre = −1

    4FµνF

    µν − 14ZµνZ

    µν − 14W+µνW

    µν− + interações

    Após obtermos a massa dos bósons de calibre pode-se obter através de LLéptons as

    interações entre os férmions e os bósons da teoria eletrofraca e caso desejemos obter as in-

    terações para LQuarks seria necessário acrescentar as interações fortes mas, o procedimento

    feito anteriormente é independente da inclusão de SU(3).

    2.6 Massa dos Férmions

    Agora que temos em mãos o mecanismo de geração de massa para os bósons de calibre

    esperamos também que os férmions ganhem massa devido as interações com o Higgs. A

    densidade de lagrangiana de Yukawa pode ser escrita da seguinte forma:

    LY ukawa = −∑l

    yl

    (ˆ̄lLΦ̂l̂R +

    ˆ̄lRΦ̂†l̂L

    )−∑i

    yi

    (ˆ̄QiLΦ̂Q̂

    iR +

    ˆ̄QiRΦ̂†Q̂iL

    )−∑j

    yj

    (ˆ̄QjLiσ

    2Φ̂Q̂jR +ˆ̄QjR(iσ

    2Φ̂)†Q̂jL

    )

    A densidade de lagrangiana acima produz a interação com Higgs e dá massa dos

    férmions do modelo padrão sendo que yi são chamados de constantes de Yukawa e são

    diferentes para cada férmion do modelo padrão.

    17

  • Caṕıtulo 3

    Detecção e Oscilação de Neutrinos

    Apresentaremos de uma maneira simples como foi feita a detecção de neutrinos do

    Modelo Padrão. Em seguida, veremos como surgiu a proposta de oscilação de neutrinos

    bem como faremos uma análise para um caso geral de N neutrinos particularizando para o

    caso de 2 sabores. Por fim, discutiremos sobre os experimentos que observaram a oscilação

    bem como outros motivados em corroborar na descrição deste fenômeno.

    3.1 Detecção de Neutrinos

    Vimos no caṕıtulo anterior que através do experimento LEP há a necessidade de

    apenas 3 neutrinos leves e no caso do Modelo Padrão teremos 3 neutrinos não massivos.

    Discutiremos a seguir como cada um dos neutrinos do modelo padrão foram detectados.

    Neutrino do Elétron - Experimento de Cowan-Reines (1957)

    O experimento tem como proposta verificar se o decaimento beta inverso irá ocorrer

    pois, considerando que os neutrinos e antineutrinos existam então, espera-se que a reação

    nuclear abaixo ocorra.20

    ν̄e + p+ −→ n0 + e+

    A proposta do experimento era verificar se a partir dos produtos finais do decaimento

    era posśıvel captar dois sinais elétricos caracteŕısticos, um deles proveniente de uma ani-

    quilação pósitron-elétron e outro da captura do nêutron no detector.

    Como os neutrinos interagem pouco com a matéria é posśıvel contruir barreiras de

    forma que as part́ıculas carregadas e outros átomos não cheguem ao aparato experimental

    como mostrado na figura 7.

    20Na época não se sabia se havia apenas um neutrino mas, na notação mais moderna o decaimentobeta é com o antineutrino do elétron.

    18

  • Inicialmente os antineutrinos21 passam pelo 1o cintilador22 e interagem com os prótons

    do Cádmio duplamente ionizado (Cd2+) na solução de CdCl2 + H2O fazendo com que

    o decaimento inverso ocorra. Teremos em 1 que o pósitron proveniente do decaimento

    aniquila-se com o elétrons da solução produzindo raios gama (Γ) os quais, interagem com

    o cintilador fazendo com que este emita fótons (γ) em uma faixa próxima do viśıvel de

    forma que os fotomultiplicadores23 possam captar.

    Na 2o reação o cádmio, com N nêutrons, absorve o nêutron permanecendo em um

    estado instável por um curto tempo e em seguida emite radiação gama retornando a um

    estado estável.

    CdN + n0 −→ Cd∗N+1 −→ CdN+1 + Γ

    Por fim, o raio gama pode interagir com o 2o cintilador ou com o 1o e produz o fóton

    que o fotomultiplicador mede.

    ν̄e do reator

    1o Cintilador

    fotomultiplicadores

    CdCl2 +H2O 1

    Γ

    γ

    Γ

    γ

    2

    Γ

    γ

    2o Cintilador

    CdCl2 +H2O

    3o Cintilador

    Figura 7: Esquema do experimento para a detecção de neutrinos, inspirada em [40, p. 12]. Em 1 há umaaniquilação de elétron pósitron produzindo dois feixes de radiação gama (Γ). Em 2 temos a absorçãode um neutron pelo Cd atômico liberando radiação gama (Γ). O śımbolo γ é a radiação em uma faixapróxima do viśıvel, produzido após interagir com os cintiladores.

    21Os antineutrinos foram produzidos através do decaimento beta de nêutrons, os quais eram proveni-entes do reator de uma usina nuclear.

    22Cintiladores são compostos que captam fótons altamente energéticos e re-emitem fótons em faixaspróximas do viśıvel.

    23Fotomultiplicadores são dispositivos eletrônicos que captam fótons com frequências próximas doviśıvel e transformam em sinais elétricos.

    19

  • Por fim, foi observado que os dois sinais recebidos eram caracteŕısticos de uma ani-

    quilação pósitron-elétron e outro da captura de nêutron. Vale ressaltar que o 2o tubo com

    a solução de CdCl2 + H2O e que o 3o cintilador eram utilizados apenas para verificar se

    havia algum sinal remanescente após todo o processo descrito anteriormente.

    Neutrino do Múon - Experimento de Lederman-Schwartz-Steinberger (1962)

    A ideia geral do experimento é verificar se os neutrinos associados aos múons são

    diferentes dos neutrinos associados aos elétrons. Em prinćıpio consideraremos que os

    neutrinos do elétron e do múon como sendo iguais e será denotado por ν. Sabemos que

    ṕıons carregados24 decaem na maioria das vezes da seguinte maneira:

    π± −→ µ± + (ν/ν̄) (3.1)

    Inicialmente ṕıons carregados são produzidos em um acelerador e direcionados ao

    aparato experimental como mostrado na figura 8 e os ṕıons logo decaem como mostrado

    na equação 3.1. Após isto, desejamos fazer com que as part́ıculas carregadas sejam paradas

    em uma proteção e apenas os neutrinos ou antineutrinos atravessem.

    π± do acelerador

    µ±ν/ν̄

    Proteção

    ν/ν̄

    Placa de Alumı́nio

    µ∓

    µ∓

    e∓

    Detector

    Figura 8: Esquema do experimento que verifica se neutrinos relacionado ao múon são diferentes daquelesdo elétron. A proteção é feita de forma que apenas os neutrinos atravessem e próxima o suficiente deonde os ṕıons são produzidos para que não ocorra o decaimento do múon.

    Em seguida os neutrinos ou antineutrinos irão interagir com a placa de alumı́nio via

    decaimento beta e caso exista neutrinos para o elétron (νe) e neutrinos para o múon (νµ)

    24Ṕıons podem ser produzidos através da colisão de prótons com átomos de Beŕılio (Be).

    20

  • então, não devemos detectar elétrons ou pósitrons.

    ν + n0 −→ p+ + e−

    ν̄ + p+ −→ n0 + e+

    ν + n0 −→ p+ + µ−

    ν̄ + p+ −→ n0 + µ+

    Apenas múons ou antimúons associados, respectivamente, aos antineutrinos ou neu-

    trinos do acelerador foram observados no detector, exceto por elétrons ou pósitrons pro-

    venientes de neutrinos não produzidos no acelerador, ou seja, apenas os dois últimos

    decaimentos foram observados no detector, fruto de neutrinos do acelerador. Portanto,

    inferiu-se que os neutrinos associados aos elétrons e múons eram diferentes.

    Neutrino do Tau - Colaboração DONUT (2000)

    A proposta do experimento é verificar que o lépton tau (τ) é produzido a partir da

    interação de neutrinos (ντ ) com aço através da seguinte do seguinte forma do decaimento

    beta.

    ντ + n0 −→ p+ + τ− (3.2)

    Além disso, desejava-se medir as energias dos produtos finais decorrentes do decai-

    mento do tau. Assim como outras part́ıculas, sabemos que o tau tem vários canais de

    decaimento e escreverei alguns deles abaixo.

    τ− −→ e− + νe + ντ (3.3)

    τ− −→ µ− + νµ + ντ (3.4)

    τ− −→ π− + ντ (3.5)

    τ− −→ 2π− + π+ + π0 + ντ (3.6)

    Começaremos definindo as seguintes abreviações, X− é uma part́ıcula carregada ne-

    gativatimente e pode conter neutrinos do elétron e do múon, no decaimento 3.4 teŕıamos

    que X− ≡ µ− + νµ e no decaimento 3.6 teŕıamos que X− ≡ e− + νe. Já Y − é composta

    por várias outras part́ıculas com carga final negativa sem a presença de neutrinos, por

    exemplo, no decaimento 3.6 teŕıamos que Y − = 2π− + π+ + π0.

    21

  • Na figura 9 o méson Charm25 (D−s ) decai no tau e antineutrino do tau e em seguida,

    o tau decai em algum canal. As part́ıculas carregadas são paradas na proteção de forma

    que apenas neutrinos do tau atravessam.

    Após isto, há a interação dos neutrinos do tau de acordo com a reação 3.2 na região

    1 e o tau, antes de decair, deixa o registro de sua trajetória na região 2, já na região 3

    o tau decai e deseja-se apenas os canais em que houver o neutrino do tau e a part́ıcula

    Y −, a qual deixa na região 4 o registro de sua trajetória e por fim, o momento linear da

    part́ıcula é registrado no detector.

    D−s do aceleradorν̄τ

    τ−

    ν̄τ

    ντ

    X−

    Proteção

    ν̄τ

    ντ

    ντ

    Placas de aço

    AgBr

    τ−Y −

    12

    3 4

    Detector

    Figura 9: Ilustração do experimento para a detecção de neutrinos do tau, inspirada em [14] e [39]. Aproteção evita que part́ıculas carregadas cheguem ao detector. Em 1 os neutrinos do tau interagem como aço e produzem o tau denotado pela seta vermelha. Em 2 temos a faixa preta significa que o trajeto dotau foi registrado com o escurecimento da placa de Brometo de Prata (AgBr), antes de seu decaimento.Em 3 há o decaimento do tau em Y −, nesta região há apenas plástico. Em 4 a part́ıcula Y − é carregadae portanto, deixa um rastro na placa de Brometo de Prata (AgBr) e em seguida é medida no detector.

    A partir do escurecimento das placas de AgBr é posśıvel reconstruir o trajeto do tau e

    com a medição dos momentos lineares das part́ıculas que compõem Y −, podemos observar

    um aparente desvio desta part́ıcula em relação a trajetória do tau na região 2.

    3.2 Oscilação de Neutrinos

    Começaremos analisando como a ideia de oscilação de neutrinos foi matematicamente

    formulada, em seguida trataremos da oscilação no vacúo em um caso geral de N sabores

    e iremos particularizar para 2 sabores a fim de ilustrar como é tratado o problema da

    oscilação de maneira f́ısica.

    25Os mésons Charm (D−s ) foram produzidos devido a colisão de prótons à 800 GeV em átomos detungstênio.

    22

  • Primórdios da Oscilação de Neutrinos

    A ideia geral de oscilação de neutrinos é que se fizermos uma medida da quantidade

    de neutrinos a distâncias diferentes da fonte, mediremos uma quantidade diferente como

    ilustrado na figura 10.

    νe

    LFonte

    νeνµ

    νeνµ

    νµ νµ

    νe

    Figura 10: Nesta ilustração consideramos que, por exemplo um reator produziu inicialmente apenasneutrinos do elétron, ou seja, a fonte. Em seguida mediremos a quantidade de neutrinos a diferentesdistâncias (L) do reator.

    Em 1969 V. Gribov e B. Pontecorvo propõem estudar a oscilação de neutrinos prove-

    nientes do sol e juntos formulam em termos matemáticos a oscilação entre os neutrinos.

    A densidade de lagrangiana abaixo descreve a interação entre neutrinos de diferentes

    sabores.26

    L = meeν̄eνe +mµµν̄µνµ +meµν̄eνµ +mµeν̄µνe

    Em que mee e mµµ são as massas dos neutrinos, respectivamente, do elétron e do

    múon e os outros termos meµ e mµe são constantes que relacionam a interação entre os

    neutrinos. Colocando na forma matricial, teremos que:

    L =(ν̄e ν̄µ

    )mee meµmµe mµµ

    νeνµ

    ≡ V̄ MDVPodemos encontrar uma matriz A que diagonaliza MD e relaciona os neutrinos de

    sabor com a base diagonal. Obteremos portanto, que V ′ = AV e M ′ = AMDA†.

    L =(n̄1 n̄2

    )m1 00 m2

    n1n2

    ≡ V̄ ′M ′V ′Na próxima seção veremos essas bases do ponto de vista da mecânica quântica.

    26Nesta lagrangiana considera-se implicitamente que existem neutrinos com as duas quiralidades. Alémdisso, ela pode ser facilmente adaptada para o caso de 3 neutrinos. Por fim, originalmente considerava-seque νl = ν

    cl (condição de majorana), ou seja, que o neutrino é igual a seu antineutrino [17].

    23

  • Oscilação no Vacúo para N Sabores

    A mistura entre as massas vista na seção anterior implica na oscilação de neutrinos,

    comecemos por definir o que são autoestados de sabor e autoestados de massa. No modelo

    padrão existem 3 neutrinos de sabor sendo um para cada famı́lia de cada lépton que é o

    neutrino do elétron (νe), neutrino do múon (νµ) e neutrino do tau (ντ ).

    Apenas por generalidade, considerarei um modelo em que há N neutrinos de sabores

    ou f́ısicos, ou seja, são aqueles que interagem via força fraca e que vemos frequemente no

    decaimento de outras part́ıculas e denotarei tais neutrinos por vetores ortonormais |νi〉 no

    espaço de Hilbert, onde i = 1, 2, . . . , N .

    Consideraremos também que há N neutrinos de massa ou não-f́ısicos, estes neutrinos

    serão denotados por vetores ortonormais |ni〉 no espaço de Hilbert onde i = 1, 2, . . . , N e

    são autoestados de massa de um Hamiltoniano Ĥ, ou seja, Ĥ |ni〉 = Ei |ni〉.

    Comecemos considerando que os autoestados de sabor podem ser, em geral, uma

    combinação de todos autoestados de massa.

    |νi〉 =N∑j=1

    Aij |nj〉 (3.7)

    Utilizando a condição de ortonormalidade A†A = 1 a transformação inversa tem a

    seguinte forma:

    |nj〉 =N∑k=1

    A∗kj |νk〉 (3.8)

    Aplicando o operador de evolução temporal na equação 3.7 e substituindo a equação

    3.8 em |νi(t)〉.

    |νi(t)〉 := Û |νi〉 =N∑

    k,j=1

    AijA∗kje−i

    Ejh̄t |νk〉

    Consideremos agora que um reator ou qualquer outra fonte produza neutrinos de um

    único sabor, ou seja, em t = 0 teremos um autoestado de sabor denotado aqui por |νl〉.

    Desejamos saber, por exemplo a probabilidade, em um tempo t 6= 0, que o neutrino de

    sabor |νl〉 transite ou oscile para o neutrino |νi〉.

    P (νl −→ νi) := 〈νl|νi(t)〉 〈νi(t)|νl〉 = |〈νl|νi(t)〉|2 =

    ∣∣∣∣∣〈νl|N∑

    k,j=1

    AijA∗kje−i

    Ejh̄t |νk〉

    ∣∣∣∣∣2

    24

  • Lembrando que 〈νl|νk〉 = δlk logo,

    P (νl −→ νi) =

    ∣∣∣∣∣N∑

    k,j=1

    AijA∗kje−i

    Ejh̄tδlk

    ∣∣∣∣∣2

    =

    ∣∣∣∣∣N∑j=1

    AijA∗lje−i

    Ejh̄t

    ∣∣∣∣∣2

    Podemos reescrever a probabilidade de oscilação na sua forma final, como segue.

    P (νl −→ νi) =N∑

    m,j=1

    AijA∗ljAlmA

    ∗ime−i

    (Ej−Em)h̄

    t (3.9)

    Por fim, vale ressaltar que a partir da conservação da probabilidade, teremos que:

    P (ν1 −→ νi) + P (ν2 −→ νi) + . . .+ P (νN −→ νi) = 1

    Oscilação em 2 Sabores

    Trataremos de um caso bastante particular mas, que ilustra muitas das caracteŕısticas

    da oscilação de neutrinos no vacúo. Tomemos o caso para N = 2 no caso ultrarelativ́ıstico,

    ou seja, |~pi| � mic para i = 1, 2.

    Outras considerações a serem feitas é que a matriz de mistura (A) é real e os momentos

    lineares são iguais, ou seja, |~p1| = |~p2| = p, na prática isto significa que os autoestados de

    massa estão em fase e permanecerão desta forma. Podemos escrever a matriz de mistura

    para este caso como segue:

    A =

    A11 A12A21 A22

    Utilizando a relação de ortogonalidade A†A = 1 encontraremos as seguintes condições:

    A211 + A212 = 1 (3.10)

    A221 + A222 = 1 (3.11)

    A11A12 + A21A22 = 0 (3.12)

    Podemos parametrizar os coeficientes da matriz de mistura em termos de funções

    trigonométricas, ou seja, para a relação 3.10 fazemos A11 := cosθ1 e que A12 := senθ1.

    Analogamente para a relação 3.11 escolheremos que A21 := cosθ2 e A22 := senθ2. Por fim,

    para que a relação 3.12 seja satisfeita podemos escolher θ1 = θ2 − π2 = θ.

    25

  • Analisamos as relações de ortogonalidade da matriz de mistura, a fim de que os coefi-

    cientes escolhidos fossem similares a uma matriz de rotação como ilustrado na figura 11.

    |n1〉

    |n2〉

    |ν1〉

    θ1

    |ν2〉

    θ2

    Figura 11: Autoestados de sabor representados no espaço dos autoestados de massa.

    Reescrevendo a matriz de mistura em sua forma final.

    A =

    cosθ senθ−senθ cosθ

    (3.13)Suponhamos agora que uma determinada fonte produz neutrinos do múon provenientes

    do decaimento de ṕıons carregados, desejamos saber a probabilidade de que os neutrinos

    do múon possam oscilar em neutrinos do elétron. De outra maneira, desejamos encontrar

    P (ν2 −→ ν1) ≡ P (νµ −→ νe).

    Como estamos no caso ultrarelativ́ıstico podemos expandir em série de taylor apenas

    até 1a ordem as energias dos autoestados de massa.

    Ei =[(pc)2 + (mic

    2)2]1/2

    = pc

    [1 +

    (mic

    p

    )2]1/2≈ pc+ 1

    2

    (mic2)2

    pc(3.14)

    Utilizando a expressão para a probabilidade 3.9, a matriz de mistura 3.13, a apro-

    ximação 3.14 e definindo ∆E2ij := (mic2)2 − (mjc2)2 = −∆E2ji, teremos que:

    P (ν2 −→ ν1) =2∑

    k,j=1

    A1jA∗2jA2kA

    ∗1kexp

    (−i1

    2

    ∆E2jkpch̄

    t

    )

    26

  • Expandindo o somatório e identificando os coeficientes da matriz de mistura obtemos:

    P (ν2 −→ ν1) = 2cos2θsen2θ − 2cos2θsen2θcos(

    1

    2

    ∆E221pch̄

    t

    )

    Sabemos que sen2θ = 2cosθsenθ e que sen2(θ2

    )= 1

    2− 1

    2cosθ. Dado estas relações,

    não é dif́ıcil demonstrar que a probabilidade de transição terá a seguinte forma.

    P (ν2 −→ ν1) = sen2 (2θ) sen2(

    1

    4

    ∆E221pch̄

    t

    )

    Na prática não utilizamos o tempo como variável então, neste caso iremos definir

    t ≈ Lc

    onde L é a distância da fonte até onde medimos a quantidade de neutrinos, como

    mencionei anteriormente p� mic e podemos definir uma energia comum dos autoestados

    de massa como sendo E ≈ pc. Reescrevendo a probabilidade de transição do neutrino do

    múon para o neutrino do elétron em sua forma final.27

    P (νµ −→ νe) = sen2 (2θ) sen2(

    1.27[GeV ]

    [eV ]2[km]

    ∆E221[eV ]2

    E[GeV ]L[km]

    )

    A partir da expressão anterior podemos ver que o primeiro termo com o ângulo de

    mistura altera apenas a amplitude da probabilidade e o segundo termo com a energia e

    distância tratam da oscilação e da forma da curva. Utilizando a conservação da probabi-

    lidade teremos que:

    P (νµ −→ νµ) = 1− sen2 (2θ) sen2(

    1.27[GeV ]

    [eV ]2[km]

    ∆E221[eV ]2

    E[GeV ]L[km]

    )

    Na figura 12 temos um caso em que θ = π2

    que é chamado de máxima mistura, sendo

    este o único caso em que podemos medir a diferentes distâncias uma oscilação total entre

    neutrinos do múon em neutrinos do elétron.

    Note que nos vales do gráfico azul P (νµ −→ νe) = 0, isto significa que nestes pontos

    teremos apenas neutrinos do múon e nos picos em que P (νµ −→ νe) = 1 teremos apenas

    neutrinos do elétron. Além disso, entre os picos e vales podemos ter qualquer proporção

    de neutrinos do múon e do elétron em relação a quantidade inicial.

    27Encontramos frequentemente na literatura as seguintes convenções: [L] = [km]; [E] = [GeV ] =

    103[MeV ]; [∆E221] = [eV ]2; 14h̄c ≈

    1.27[GeV ][eV ]2[km]

    27

  • PHΝΜ®ΝeL

    PHΝΜ®ΝΜL

    0 20 40 60 80 100

    0.0

    0.2

    0.4

    0.6

    0.8

    1.0

    L @kmD

    Pro

    bab

    ilid

    ad

    e

    Figura 12: Probabilidade de oscilação com ∆m221 = 10−3 [eV ]2

    [c]4 e energia E = 10[MeV ] em função da

    distância (L) da fonte com máxima mistura.

    É posśıvel ver na figura 13 que há uma lacuna entre as probabilidades. Definiremos

    N0 como sendo a quantidade de neutrinos que saiu da fonte, neste caso em especif́ıco a

    amplitude de oscilação é sen2(π5

    )≈ 0.3455 isto quer dizer que para qualquer distância L

    a quantidade de neutrinos do elétron medida devem estar no intervalo Ne ∈ [0, 0.3455N0]

    e a quantidade de neutrinos múon devem estar no intervalo Nµ ∈ [0.6545N0, N0].

    PHΝΜ®ΝeL

    PHΝΜ®ΝΜL

    0 20 40 60 80 100

    0.0

    0.2

    0.4

    0.6

    0.8

    1.0

    L @kmD

    Pro

    bab

    ilid

    ad

    e

    Figura 13: Probabilidades de oscilação com ∆m221 = 10−3 [eV ]2

    [c]4 e energia E = 10[MeV ] em função da

    distância (L) da fonte com ângulo de mistura θ = π10 .

    28

  • Na figura 14, notamos que a frequência de oscilação em energias abaixo de 10 MeV é

    alt́ıssima e a transição não é tão viśıvel, já para energias maiores que 10 MeV a frequência

    de oscilação vai diminuindo e torna-se aparente a oscilação de neutrinos.

    0 20 40 60 80 100

    0.0

    0.2

    0.4

    0.6

    0.8

    1.0

    E @MeVD

    PHΝΜ®Ν

    eL

    Figura 14: Probabilidades de oscilação com ∆m221 = 10−3 [eV ]2

    [c]4 detector a uma distância L = 100[km] da

    fonte em função da energia (E) dos autoestados de massa em um caso de máxima mistura.

    3.3 Observação da Oscilação de Neutrinos

    Após a confirmação da existência de neutrinos e com a proposta de oscilação. Muito

    se investiu para observá-la, isto significa que há uma variedade enorme de experimentos e

    cada um deles contém diversas etapas em que diferentes fontes de neutrinos são estudadas.

    Trataremos de alguns deles em etapas espećıficas, apresentando algumas motivações e

    respectivos resultados.

    Experimento de Homestake (1968)

    O primeiro experimento na busca de neutrinos é dedicado ao setor solar, desejava-se

    verificar o fluxo de neutrinos provenientes do sol e comparar com o modelo solar daquela

    época,utilizando o decaimento inverso abaixo.

    νe +37Cl −→ e− + 37Ar

    29

  • A quantidade de neutrinos do elétron (νe) medida é dada pela quantidade de argônio

    (Ar) obtida e para que esse decaimento ocorresse é necessário uma energia mı́nima Emin =

    0.814MeV .

    Há um conjunto de reações nucleares responsáveis pela produção de neutrinos no sol

    a cadeia próton-próton (PP ) e o ciclo carbono-nitrogênio-oxigênio (CNO) são processos

    bastante influentes e requerem pouca energia para serem iniciados.

    Figura 15: Fluxo de neutrinos solares em termos de sua energia. Para o os picos 7Be e pep a unidade écm−2s−1 e para as outras curvas a unidade é MeV −1cm−2s−1. Figura adaptada de [8, p. 362]

    Na figura 15 podemos observar que a energia mı́nima (Emin) é alta o suficiente para

    que o experimento de Homestake não captasse os neutrinos provenientes da cadeia PP

    que de acordo com o modelo solar é a reação mais frequente devido a abundância de

    hidrogênio no sol.

    Além disso, de acordo com o modelo solar as reações que produzem a maior quanti-

    dade de neutrinos acima da energia mı́nima é através do 7Be e 8B e mesmo as predições

    do fluxo de neutrinos sendo somadas a todas as outras reações acima da energia mı́nima,

    observou-se que apenas 1/3 dos neutrinos previstos foram observados. Devido a este re-

    sultado duas possibilidades postas em bastante evidência é que o modelo solar, já bem

    consolidado na época, poderia estar errado ou de alguma forma os neutrinos solares esta-

    vam desaparecendo.

    30

  • Colaboração GALLEX/GNO (1991/1998)

    Como vimos, havia a necessidade de escolher outra reação nuclear em que a energia

    mı́nima fosse menor a fim de que os neutrinos da cadeia PP e de outros processos fossem

    contabilizados.

    νe +71Ga −→ e− + 71Ge

    A energia mı́nima do neutrino para que a transformação de Gálio (Ga) em Germânio

    (Ge) é Emin = 0.233MeV . Mesmo com uma energia mı́nima menor, concluiu-se dos

    experimentos que em torno 60% dos neutrinos previstos foram observados28.

    Colaboração Super-Kamiokande (1998)

    Deseja-se estudar o fluxo de neutrinos provenientes da colisão de raios cósmicos com

    part́ıculas da atmosfera. A ideia é medir o fluxo de neutrinos provenientes da atmosfera a

    diferentes valores de ângulos θ em relação ao zênite do detector e com estes dados verificar

    se há simetria no fluxo de neutrinos para θ e θ + π, como ilustrado na figura 16.

    Espera-se que os neutrinos em energias muito altas não tenham interação com a terra

    e portanto, o fluxo de neutrinos em θ seria igual ao fluxo em θ + π.

    Observou-se que o fluxo de neutrinos do elétron (νe) eram simétricos quanto ao ângulo θ

    em relação ao zênite mas, no caso do fluxo de neutrinos do múon (νµ) havia mais neutrinos

    provenientes do ângulo θ do que θ+π. Portanto, tomaram como possibilidade, os neutrinos

    do múon estarem oscilando em neutrinos do tau, sendo este último extremamente dif́ıcil

    de ser detectado e este experimento não era senśıvel ao neutrino do tau então, não foi

    posśıvel nesta etapa confirmar esta oscilação.

    Colaboração SNO (2002)

    A proposta desta colaboração era de medir o fluxo de neutrinos do elétron, múon e

    tau provenientes do sol com uma energia mı́nima Emin = 5MeV , ou seja, a reação mais

    provável é pelo Boro ( 8B) como ilustrado na figura 15. A quantidade de neutrinos eram

    28Esta porcentagem varia bastante, primeiramente devido ao ciclo solar de aproximadamente 11 anose segundo, devido a grande barra erro das medidas. Mas, o fato é que a quantidade de neutrinos medidaé sempre muito menor que a prevista.

    31

  • Figura 16: Raios cósmicos interagem com part́ıculas da atmosfera de forma a produzir ṕıons e kaons, osquais decaem em neutrinos. Figura adaptada de [7, p. 212].

    medidas através das seguintes reações.

    νe +2H −→ p+ + p+ + e−

    νl +2H −→ p+ + n0 + νl

    νl + e− −→ νl + e−

    A primeira reação é de corrente carregada e apenas ocorre com o neutrino do elétron,

    já a segunda pode ocorrer com qualquer um dos três neutrinos l = e, µ, τ em igual pro-

    babilidade. Na última temos um espalhamento com o elétron em que é mais provável

    ocorrer com o neutrino do elétron mas, este espalhamento pode ocorrer em menor chance

    com os neutrinos do tau ou do múon.

    Após várias medições, observou-se que o fluxo de neutrinos do elétron, múon e do tau

    somados estavam de acordo com o fluxo de neutrinos do elétron previsto no modelo solar.

    Conclui-se portanto, que os neutrinos do elétron estavam oscilando em outros sabores.

    32

  • Caṕıtulo 4

    Limite sobre a massa dos neutrinos

    Neste caṕıtulo analisaremos os métodos para a inferência do limite superior sobre

    a massa dos neutrinos do elétron e do múon e também veremos de maneira bastante

    qualitativa os resultados para o limite sobre a massa do neutrino do tau.

    4.1 Experimento Troitsk (2011)

    O espectro do decaimento beta para um certo átomo pode ser um cálculo bastante

    complicado pois, há diversas transições permitidas e proibidas que devem ser contabili-

    zadas. Além disso, para átomos pesados e polieletrônicos há outros efeitos que devem

    também ser levados em conta. Portanto, iremos fazer uma análise do espectro para o

    decaimento β− de uma forma heuŕıstica não levando em conta o rigor matemático e f́ısico

    das transições e veremos mais a frente que isto será o suficiente para compreender como

    a massa do antineutrino do elétron é medida.

    O número de elétrons com energia cinética Te é dado pela expressão abaixo:29

    N(Te) ∝ (T 2e + 2Temec2)1/2((Er − Te)2 −m2ν̄ec4)1/2(Te +mec

    2)(Er − Te)F (Zd, Te) (4.1)

    A função que contabiliza a interação eletromagnética entre o núcleo decáıdo e o elétron

    é dado pela função de Fermi30, dada pela equação 4.2, em que o sinal positivo escolhido

    é quando o decaimento é β− e sinal negativo quando o decaimento é β+ e Er é a energia

    liberada após o decaimento que é dado aproximadamente por Er ≈ (mn −mp)c2.

    29A dedução heuŕıstica da equação 4.1 com mν = 0 pode ser encontrada em [9, cap. 9]. Uma deduçãopara mν 6= 0 pode ser feita de maneira análoga.

    30A função de Fermi utilizada aqui é em um caso não relativ́ıstico a dedução dela é bastante complexae é raramente feita na literatura. Uma discussão pode ser encontrada em [10, p. 12].

    33

  • F (Zd, Te) =±2πZde2

    √me

    h̄√

    2Te

    (1− exp

    (±2πZde

    2√meh̄√

    2Te

    )) (4.2)Para ilustrar como seria o espectro dos elétrons em um decaimento beta negativo

    faremos um gráfico de N(Te) versus Te utilizando um núcleo Zd = 30 com diferentes

    massas de antineutrinos e tomaremos a constante de proporcionalidade igual a 1.31

    mΝ = 0 KeVc2

    mΝ = 9 KeVc2

    mΝ = 29 KeVc2

    mΝ = 49 KeVc2

    mΝ = 69 KeVc2

    mΝ = 89 KeVc2

    mΝ = 109 KeVc2

    mΝ = 129 KeVc2

    mΝ = 149 KeVc2

    mΝ = 169 KeVc2

    0 100 200 300 400 500

    0

    2000

    4000

    6000

    8000

    10 000

    12 000

    TeHKeVL

    NHT

    eL

    x1

    05

    Figura 17: Esboço de um espectro do elétron para o decaimento β−.

    Observamos que na figura 17 para valores de massa muito distintos o espectro do

    elétron no decaimento também será muito diferente.

    Utilizando agora Zd = 2 e valores de massa pouco distintos e muito pequenos. Podemos

    inclusive aproximar a equação 4.1 tomando-se Er−Te � mν̄ec2 teremos que ((Er−Te)2−

    m2ν̄ec4)1/2 ≈ Er − Te e portanto veremos os espectros sobrepostos como pode ser visto na

    figura 18.

    N(Te) ≈ (T 2e + 2Temec2)1/2(Te +mec2)(Er − Te)2F (Zd, Te)

    Se analisarmos o caso em que Te −→ Er − mν̄ec2 então, na equação 4.1 o termo de

    massa será predominante e haverá uma distorção muito pequena na cauda do gráfico como

    pode ser visto na figura 19, a qual é apenas um pequeno intervalo entre 18.5 KeV e 18.6

    KeV.

    31Em geral estes gráficos são feitos tomando-se o número de elétrons com energia Te dividido pelonúmero total de elétrons medidos mas, aqui só estamos interessados no formato da curva dado umamassa do antineutrino do elétron.

    34

  • mΝ = 0 eVc2

    mΝ = 1.8 eVc2

    mΝ = 5.8 eVc2

    mΝ = 9.8 eVc2

    mΝ = 13.8 eVc2

    mΝ = 17.8 eVc2

    mΝ = 21.8 eVc2

    mΝ = 25.8 eVc2

    mΝ = 29.8 eVc2

    mΝ = 33.8 eVc2

    0 5 10 15

    0.0

    0.2

    0.4

    0.6

    0.8

    1.0

    TeHKeVL

    NHT

    eL

    x1

    05

    Figura 18: Esboço do espectro do 3He utilizando as massas do antineutrino pequena e pouco distintas.

    mΝ = 0 eVc2

    mΝ = 1.8 eVc2

    mΝ = 5.8 eVc2

    mΝ = 9.8 eVc2

    mΝ = 13.8 eVc2

    mΝ = 17.8 eVc2

    mΝ = 21.8 eVc2

    mΝ = 25.8 eVc2

    mΝ = 29.8 eVc2

    mΝ = 33.8 eVc2

    18.50 18.52 18.54 18.56 18.58 18.60

    0

    0.00002

    0.00004

    0.00006

    0.00008

    TeHKeVL

    NHT

    eL

    x10

    5

    Figura 19: Esboço do espectro do elétron para o 3He para as massas do antineutrino pequena e poucodistintas no intervalo de energia cinética entre 18.5 KeV e 18.6 KeV.

    Experimentalmente observa-se que o espectro do elétron no decaimento do Tŕıtio (3H)

    e de vários outros átomos não muda após várias medidas, ou seja, em geral o espectro

    medido é sempre o mesmo. A proposta do experimento é medir apenas a região na cauda

    do espectro do elétron no decaimento do Tŕıtio.

    3H −→ 3He+ e− + ν̄e

    35

  • Fonte de elétrons

    ××××××××××××

    • • • • • • • • • • • •

    ~E

    Espectrômetro

    Detector

    Figura 20: Ilustração do experimento para medição da massa dos antineutrinos do elétron.

    Após o decaimento, os elétrons podem ter tanto momento linear longitudinal quanto

    transversal em relação a fonte e o detector portanto, um campo magnético no sentido do

    momento linear longitudinal evitará que os elétrons se espalhem. Para filtrar os elétrons

    com energia cinética acima de 18.5 KeV, aplica-se um campo elétrico no mesmo sentido

    do movimento dos elétrons.

    Por fim, os elétrons que passaram pelo campo elétrico terão a energia, devido ao

    momento linear transversal, medidos no espectrômetro32 e o momento linear longitudinal

    remanescente será medido no detector.

    Após a medição da região final do espectro os dados passam por uma linearização. Se

    tomarmos a equação 4.1 e isolarmos apenas os termos com (Er−Te) teremos uma função

    linear em Te.33

    √N(Te)

    F (Zd, Te)pe(Te +mec2)1/2= ((Er − Te)2 −m2ν̄ec

    4)1/4(Er − Te)1/2 (4.3)

    Onde: pec = (T2e + 2Temec

    2)1/2

    Normalmente a curva com massa do antineutrino igual a zero é tomada como referência

    e as outras curvas com mν̄e 6= 0 seriam as curvas experimentalmente. A figura 21 ilustra

    o que deveŕıamos obter em um experimento para a análise da massa do antineutrino do

    elétron.

    32O espectrômetro utiliza de um campo magnético variável para medir a velocidade transversal estatécnica é conhecida na literatura como Magnetic Mirror.

    33A linearização do espectro do elétron no decaimento beta foi utilizado pelo f́ısico Franz N. D. Kuriee são amplamente utilizados na análise deste tipo de decaimento e os gráficos produzidos por esta funçãosão conhecidos na literatura por Plots de Kurie.

    36

  • A energia cinética máxima utilizando a curva com mν̄e = 0 é dado por Tmax = Er e

    para mν̄e 6= 0 teremos que T′max = Er −mν̄ec2. Portanto, a diferença de energia cinética

    entre a curva com mν̄e = 0 e a curva com mν̄e 6= 0 nos daria a energia de repouso do

    antineutrino, ou seja, E0ν̄e := Tmax − T′max = mν̄ec

    2.

    mΝ = 0 eVc2

    mΝ = 1.8 eVc2

    mΝ = 5.8 eVc2

    mΝ = 9.8 eVc2

    mΝ = 13.8 eVc2

    mΝ = 17.8 eVc2

    mΝ = 21.8 eVc2

    mΝ = 25.8 eVc2

    mΝ = 29.8 eVc2

    mΝ = 33.8 eVc2

    18.50 18.52 18.54 18.56 18.58 18.60

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    TeHKeVL

    NHT

    eL

    FHZ

    d,

    TeLp

    eIT

    e+

    me

    c2M

    X1

    05

    Figura 21: Esboço da linearização do espectro do elétron no decaimento beta do Tŕıtio.

    A figura 21 é produzida pela equação 4.3 e portanto, não contém as barras de erro que

    tratam dos erros sistemáticos e do experimento. Além disso, note que para uma pequena

    variação na massa do antineutrino teremos uma curva bastante diferente sendo necessário

    uma extrema precisão e barras de erro muito pequenas.

    Portanto, o que um experimento como este pode nos dizer é que o limite máximo sobre

    a massa do antineutrino34 de acordo com [26] foi de:

    mν̄e < 2.2 eV/c2

    4.2 Decaimento do Ṕıon (1996)

    A ideia geral é que podemos medir o momento linear do múon a partir do decaimento

    do ṕıon e inferir a massa do neutrino do múon.

    π+ −→ µ+ + νµ

    34Assume-se para os neutrinos invariância CPT, ou seja, a massa das part́ıculas são iguais aos de suasrespectivas antipart́ıculas.

    37

  • Para fazer esta inferência, consideramos que o ṕıon irá decair quase em repouso ou

    mesmo em repouso no referencial do laboratório35 (pπ+ ≈ 0). Utilizando a conservação

    da energia e do momento linear neste decaimento, teremos que:

    Eπ+ = Eµ+ + Eνµ e pνµ = −pµ+

    Utilizando a relação da energia E2 = (pc)2 + (mc2)2 e aplicando o resultado da con-

    servação do momento linear não é complicado mostrar que com alguns passos algébricos

    obteremos a seguinte relação para a massa do neutrino do múon.

    m2νµc4 = m2π+c

    4 +m2µ+c4 − 2mπ+c2

    (p2µ+c

    2 +m2µ+c4)1/2

    (4.4)

    Antes de prosseguirmos para uma explicação do experimento, faremos um cálculo

    simples para saber o valor aproximado do momento linear do múon que obteremos se a

    massa do neutrino for nula. Utilizando a massa do ṕıon mπ+ ≈ 139.57MeV/c2 e para

    o múon mµ+ ≈ 105.66MeV/c2 teremos que pµ+ ≈ 29.79MeV/c. Neste experimento,

    deseja-se limitar a medição de múons com momentos entre 29.6MeV/c e 29.9MeV/c.

    Na figura 22 um feixe de prótons atinge um alvo produzindo ṕıons os quais, irão

    desacelerar dentro do alvo e decairão na superf́ıcie do alvo (região tracejada) quase em

    repouso. Em seguida, os múons passam por um conjunto de colimadores que irá centralizá-

    lo e filtrá-lo no intervalo de momento linear o qual, definimos anteriormente.

    A fim de medir apenas as part́ıculas com momento linear na direção do movimento,

    o feixe entra em uma região de campo magnético constante e passará por fendas de

    tamanhos diferentes antes de chegar no detector.

    Para que a massa do neutrino tenha um valor bem definido, é necessário que as massas

    do ṕıon e do múon tenham grande precisão e o medida do momento do múon neste

    experimento deve também ter um erro pequeno. Com este tipo de experimento onde os

    múons decaem aproximadamente em repouso obteve-se o seguinte limite sobre a massa

    35A técnica utilizada neste experimento para fazer com os ṕıons decaiam quase em repouso ou mesmoem repouso é conhecida na literatura por Surface Muon Beam, uma discussão pode ser encontrada em[17].

    38

  • Alvo

    p+

    π+

    µ+Colimadores ⊙

    Campo B⊙Detector

    Figura 22: Ilustração do experimento para a medida do momento linear do múon.

    do neutrino do múon de acordo com [28] foi de:

    mνµ < 0.17MeV/c2

    4.3 Colaboração ALEPH (1998)

    Há diferentes maneiras de produzir o lépton tau, uma delas era a partir do decaimento

    do méson strange (D−s ) como discutimos no experimento da colaboração DONUT. Neste

    experimento é importante saber a energia com que o tau é produzido. Dessa forma, a

    aniquilição apresentada a seguir nos permite produzir elétrons e pósitrons em uma deter-

    minada faixa de energia a qual, será conservada quando o tau e antitau forem produzidos.

    e+e−Z0,γ

    −−−→τ+τ−

    O descrição e a análise estat́ıstica deste experimento36 é bastante sofisticada e apresen-

    taremos apenas ideia geral, onde calcula-se o espectro diferencial da taxa de decaimento

    (dΓ) em relação a energia (Eh) e massa (mh) dos hádrons de maneira teórica e ajusta esta

    curva teórica aos dados experimentais obtidos através dos seguintes canais.

    τ− −→ 3π− + 2π+ + π0 + ντ

    τ− −→ 2π− + π+ + ντ

    O limite superior obtido de acordo com [29] foi de:

    mντ < 18.2MeV/c2

    36A descrição completa deste trabalho poderá ser encontrada em [29].

    39

  • Caṕıtulo 5

    Dirac e Majorana

    Discutiremos de maneira breve as caracteŕısticas das part́ıculas as quais, a equação

    Dirac descreve e em seguida falaremos sobre a condição de Majorana e algumas de suas

    implicações. Por fim, abordaremos o duplo decaimento beta no contexto de f́ısica de

    neutrinos.

    5.1 Equação de Dirac

    As part́ıculas fundamentais que compõem o modelo padrão são férmions de spin 1/2

    que são descritas pelo hamiltoniano de Dirac os quais, obedecem a equação de Schrödinger,

    ih̄ ˙|Ψ〉 = Ĥ |Ψ〉, e sem a presença de qualquer interação pode ser escrito como segue:

    Ĥ = cγ0γip̂i + γ0mc2 , i = 1, 2, 3

    O fato da equação de Dirac37 descrever férmions de spin 1/2 pode ser visto como a

    não conservação do momento angular orbital. De outra maneira, podemos dizer que o

    hamiltoniano (Ĥ) não comuta com o momento angular orbital (L) e faz-se necessário a

    adição do momento angular de spin (S) para que haja conservação, matematicamente

    podemos escrever que38:

    [Ĥ, 12×2 ⊗L⊗ 1S + 12×2 ⊗ 1L ⊗ S

    ]≡[Ĥ,L+ S

    ](5.1)

    Com um pouco de álgebra não será complicado mostrar que:

    [Ĥ,L+ S

    ]=

    [Ĥ, �ijkx̂j p̂kei +

    1

    ]= 0

    37Discussões mais aprofundadas podem ser encontradas em[1, p. 40].38As identidades 1L, 1S e 12×2 na equação 5.1 tratam, respectivamente, do espaço de posição, do espaço

    de spin e o último apenas coloca os operadores em uma dimensão matricial 4×4 na qual, o hamiltonianose encontra.

    40

  • Escreveremos a densidade de lagrangiana (LD) para a equação de dirac na base qui-

    ral39, ou seja, o espinor Ψ̂ é uma matrix 4×1 e na notação quiral são divididos em partes

    de mão esquerda (ψ̂L) e mão direita (ψ̂R) que são ambas matrizes 2×1 como segue:

    Ψ̂ :=

    ψ̂Lψ̂R

    ≡ψ̂L

    0

    + 0ψ̂R

    ≡ Ψ̂L + Ψ̂Rlogo, LD terá a seguinte forma:

    LD = ih̄c ˆ̄ΨLγµ∂µΨ̂L + ih̄c ˆ̄ΨRγµ∂µΨ̂R −mc2( ˆ̄ΨLΨ̂R + ˆ̄ΨRΨ̂L) (5.2)

    Já mencionamos em caṕıtulos anteriores que o número leptônico está associado a uma

    transformação global a qual, não altera as equações de movimento e é utilizado com intuito

    de classificar quais reações nucleares ou mesmo certos tipos de interações entre férmions

    podem ou não ocorrer, ou seja, transformações globais são em geral feitas em densidades

    de lagrangiana de interação. Para o modelo padrão os números leptônicos são definidos

    como seguem:

    Lνe , Lνµ , Lντ := −1

    Le, Lµ, Lτ := −1

    νee

    L

    νµµ

    L

    νττ

    L

    Para os singletos de mão direita, considerando também os neutrinos, os números

    quânticos seguem a mesma regra. Na equação 5.2 que descreve um férmion livre não

    é dif́ıcil ver que ela é invariante sob a seguinte transformação:

    Ψ̂ −→ Ψ̂′ = eiLθ(Ψ̂L + Ψ̂R) e ˆ̄Ψ −→ ˆ̄Ψ′ = e−iLθ( ˆ̄ΨL + ˆ̄ΨR)

    5.2 Condição de Majorana

    A condição de Majorana nos diz que Ψ̂ = Ψ̂c, fisicamente esta condição significa que

    uma part́ıcula é igual a sua antipart́ıcula. A equação de Dirac e de Majorana descrevem

    39A base quiral é encontrada impondo que as matrizes na representação de dirac transformem-se deforma que, γ0C = Sγ

    0DS† = γ5D, γ

    iC = γ

    iD e γ

    5C = Sγ

    5DS† = −γ0D. A matriz de transformação é definida

    como sendo S = 12

    (1 −11 1

    ). Uma discussão sobre o assunto pode ser encontrada em [1, p. 94].

    41

  • part́ıculas com as mesmas caracteŕısticas exceto, pela condição imposta anteriormente.

    Escrevendo Ψ̂c explicitamente em termos das componentes 2×1 teremos que:

    Ψ̂c := CΨ̂∗ = γ2Ψ̂∗ =

    0 σ2−σ2 0

    ψ̂∗Lψ̂∗R

    = σ2ψ̂∗R−σ2ψ̂∗L

    Aplicando Ψ̂ = Ψ̂c e comparando os dois lados da expressão concluimos que:

    ψ̂L = σ2ψ̂∗R ←→ Ψ̂L = Ψ̂cR (5.3)

    ψ̂R = −σ2ψ̂∗L ←→ Ψ̂R = Ψ̂cL (5.4)

    A expressão 5.2 tem 4 coordenadas que são Ψ̂L, Ψ̂R,ˆ̄ΨL e

    ˆ̄ΨR e podemos obter 4

    equações de movimento. Mas, temos a seguinte definição ˆ̄Ψ := Ψ̂†γ0 a qual, relaciona

    duas equações de movimento. Utilizando as equações de Euler-Lagrange para campos40

    podemos obter as seguintes equações de movimento a partir de LD:

    ih̄cγµ∂µΨ̂L = mc2Ψ̂R (5.5)

    ih̄cγµ∂µΨ̂R = mc2Ψ̂L (5.6)

    Utilizando os resultados 5.3 e 5.4 podemos reescrever as equações acima como segue:

    ih̄cγµ∂µΨ̂L = mc2Ψ̂cL

    ih̄cγµ∂µΨ̂R = mc2Ψ̂cR

    Nao será complicado ver que se fizermos a conjugação de carga e utilizarmos 5.3 e 5.4

    em uma das