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Revista SÍNTESE D IREITO DE F AMÍLIA ANO XVIII – Nº 104 – OUT-NOV 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – Nº 46/2000 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Álvaro Villaça Azevedo, Daniel Ustárroz, João Baptista Villela, José Roberto Neves Amorim, Priscila M. P. Correa da Fonseca, Sergio Matheus Garcez, Sergio Resende de Barros COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Antonio Cesar Peluso, Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, Daniel Ustárroz, Filipe Mahmoud dos Santos Vigo, Flávio Tartuce, Jamile Calado, João Paulo Monteiro de Lima, Rafael Guimarães de Oliveira, Rogério Tadeu Romano, Samara Ribeiro de Souza, Tauã Lima Verdan Rangel, Vladimir Polizio Junior ISSN 2179-1635

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Revista SÍNTESE Direito De Família

ano XViii – nº 104 – out-noV 2017

repositório autorizaDo De JurispruDência

Superior Tribunal de Justiça – Nº 46/2000

Diretor eXecutiVo

Elton José Donato

Gerente eDitorial

Milena Sanches Tayano dos Santos

coorDenaDor eDitorial

Cristiano Basaglia

eDitora

Simone Costa Saletti Oliveira

conselho eDitorial

Álvaro Villaça Azevedo, Daniel Ustárroz, João Baptista Villela, José Roberto Neves Amorim, Priscila M. P. Correa da Fonseca, Sergio Matheus Garcez, Sergio Resende de Barros

colaboraDores Desta eDição

Antonio Cesar Peluso, Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, Daniel Ustárroz, Filipe Mahmoud dos Santos Vigo, Flávio Tartuce, Jamile Calado,

João Paulo Monteiro de Lima, Rafael Guimarães de Oliveira, Rogério Tadeu Romano, Samara Ribeiro de Souza, Tauã Lima Verdan Rangel, Vladimir Polizio Junior

ISSN 2179-1635

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1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito de Família.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Capa: Tusset Monteiro Comunicação

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO DE FAMÍLIA Nota: Continuação de REVISTA IOB DE DIREITO DE FAMÍLIA v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 18, n. 104, out./nov. 2017

ISSN 2179-1635

1. Direito de família – periódicos – Brasil

CDU: 347.6(05)(81) CDD: 340

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

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Carta do Editor

Escolhemos o assunto “Separação e Divórcio” para ser discutido no as-sunto especial da Revista SÍNTESE Direito de Família, com artigos dos juristas: Antonio Cesar Peluso, Flávio Tartuce, João Paulo Monteiro de Lima e Samara Ribeiro de Souza.

E, também, na Seção “Com a Palavra, o Procurador”, artigo de Rogério Tadeu Romano intitulado “A Dissolução da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Vínculo Matrimonial. Consequências”; na Seção “Em Poucas Palavras”, arti-go de Jamile Calado intitulado “A Separação e o Divórcio no Novo CPC’; e, por fim, na Seção “Acontece”, artigo intitulado “STJ Considera Legal Divórcio Feito Sem Audiência de Conciliação”.

Após o advento da EC 66, o divórcio (direto) passou a conviver com a separação de fato, sem natureza de pré-requisito para aquele, e a separação de corpos.

A entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66, que modificou o art. 226 da Constituição Federal, para deixar de condicionar o divórcio à pré-via separação judicial ou de fato, não aboliu a figura da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, mas apenas facilitou aos cônjuges o exercício pleno de sua autonomia privada. Ou seja, quem quiser pode se divorciar dire-tamente; quem preferir pode apenas se separar.

Para compor a edição, contamos com a participação do ilustres juris-tas: Vladimir Polizio Junior, Rafael Guimarães de Oliveira, Tauã Lima Verdan Rangel e Filipe Mahmoud dos Santos Vigo.

E, ainda, na Seção “Parecer Jurídico”, artigo de Antonio Janyr Dall’Agnol Junior e Daniel Ustárroz intitulado “Sentido da Averbação Premonitória e o Alcance da Tutela Constitucional do Bem de Família (Inteligência do Artigo 828 do NCPC/2015)”.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos

Gerente Editorial

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .................................................................... 7

Assunto Especial

Separação e Divórcio

DoutrinaS

1. O Desamor Como Causa de Separação e DivórcioAntonio Cesar Peluso .................................................................................9

2. Da Infeliz Manutenção da Separação de Direito no Novo CPCFlávio Tartuce ..........................................................................................20

3. Emenda Constitucional nº 66/2010: a Suposta Extinção Tácita da Separação Judicial/ExtrajudicialJoão Paulo Monteiro de Lima e Samara Ribeiro de Souza ........................25

com a palavra, o procuraDor

1. A Dissolução da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Vínculo Matrimonial. ConsequênciasRogério Tadeu Romano ............................................................................43

em poucaS palavraS

1. A Separação e o Divórcio no Novo CPCJamile Calado ...........................................................................................57

acontece

1. STJ Considera Legal Divórcio Feito Sem Audiência de Conciliação ..........59

Parte Geral

DoutrinaS

1. Possibilidade Jurídica de União Estável Ou Casamento entre Mais de Duas Pessoas: Interpretação Conforme a ConstituiçãoVladimir Polizio Junior .............................................................................61

2. A Busca pela Felicidade Como Paradigma dos Arranjos Familiares ContemporâneosRafael Guimarães de Oliveira e Tauã Lima Verdan Rangel .......................88

3. Famílias Poliafetivas e a Sucessão LegítimaFilipe Mahmoud dos Santos Vigo .............................................................98

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JuriSpruDência

Acórdãos nA ÍntegrA 1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1312. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1463. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1684. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios ................................180

ementário

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................197

Seção Especialparecer JuríDico

1. Sentido da Averbação Premonitória e o Alcance da Tutela Constitucional do Bem de Família (Inteligência do Artigo 828 do NCPC/2015)Antonio Janyr Dall’Agnol Junior e Daniel Ustárroz .................................218

Clipping Jurídico ..............................................................................................238

Bibliografia Complementar .................................................................................242

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................244

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected] Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastrodeauto-res e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected]

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Assunto Especial – Doutrina

Separação e Divórcio

O Desamor Como Causa de Separação e Divórcio

AnTOnIO CESAR PELuSODesembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Proposição e delimitação do tema; 2 Sentido imediato da situação; 3 Uma avaliação sócio-histórica; 4 Evolução do conceito de família; 5 Alguns aspectos jurídicos; 6 O primeiro aspecto diz respeito à proscrição da arbitrariedade de um dos cônjuges; 7 O valor psicológico do pacto e as ciladas do desamor; 8 Oficialização do repúdio como causa incondicional de separação e divórcio.

INTRODUÇÃO

Tentei mostrar a tendência legislativa de supremacia do princípio da rup-tura sobre o princípio da culpa, ou da simples eliminação deste, na discipli-na das causas e efeitos da separação e do divórcio. Desse quadro resultava a conclusão de que as consequências econômicas da separação, ou do divórcio, devem independer de juízo ético jurídico de culpa. O que ajuda a entender essa tendência é a percepção de que os sistemas jurídicos se apoiam sempre nalguma concepção sociológica da família, a qual é vista, hoje, como uma en-tidade histórica cuja estrutura e funções variam no decurso do tempo, e que se apresenta agora como espaço de realização pessoal e afetiva (as pessoas unem--se para serem felizes).

Nessa moldura, as pessoas são tuteladas, pelo Direito, dentro da famí-lia, porque esta é organismo destinado a promover a dignidade da pessoa e o desenvolvimento de suas virtualidades. De modo que, quando falhe nesse papel, se desvanece o interesse normativo na coesão dos parceiros: o divórcio e a separação aparecem, então, como remédios para livrar a pessoa à degrada-ção a que estaria submetida, se continuasse em estado de sofrimento dentro da família.

Por conseguinte, e era esta a linha de meu raciocínio, as causas e os efeitos da dissolução devem abstrair a indagação de culpa, que só cabe nos limites duma concepção contratual do casamento. Daí ter acabado por sugerir que, como causas objetivas do divórcio, se estabelecesse: a) previsão do decur-

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so de certo tempo, a contar de uma separação de corpos, de fato ou judicial, como experimento de reflexão e sinal consequente da falência do matrimônio; b) causas autônomas, figuradas em fatos objetivos cuja natureza impediria que, sem grave sacrifício pessoal a um ou ambos os cônjuges, ou à prole, que se aguardasse o decurso do tempo. Tais fatos devem refletir, na sua objetividade, razões normativas ligadas à dignidade ou inteireza biopsicológica dos consortes e dos filhos, sem prejuízo de exceções tendentes a impedir o manejo vantajoso da própria torpeza.

1 PROPOSIÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA

Estas ideias básicas, sobretudo a da tutela da dignidade da pessoa na con-dição de casado e a necessidade de um prazo de separação prévia, requerida pelas legislações mais avançadas, é que vão iluminar o ensaio crítico a respeito do desamor como causa normativa de separação e de divórcio. Mas o que sig-nificaria tal desamor?

Parece claro que a situação empírica, a que se remete a palavra, exclui toda coincidência com as situações suscetíveis de se traduzir em causas legais ditadas pelo princípio da culpa, ou só pelo princípio da ruptura, porque, nesses casos, o desamor seria, e é, irrelevante do ponto de vista normativo, ainda quan-do a impossibilidade da vida em comum provenha de razões subjetivas impu-táveis ao cônjuge que tome a iniciativa da separação, ou do divórcio, a menos que se valha da própria torpeza (aqui interviriam fatores éticos impedientes).

Tampouco pode corresponder a uma situação de consenso dissolutório, porque este, de per si, pode ser considerado, em teoria, como causa objetiva suficiente: se os cônjuges querem ambos a ruptura, já não interessa ao ordena-mento, em princípio, que o queiram por desamor ou outro motivo.

Não alcança sequer os casos de decisão unilateral madura. Uma decisão madura, excepcional, e, por isso, à margem da tipologia jurídico-normativa, seria aquela identificada por certa lucidez objetiva que fosse apta a justificar a impossibilidade da vida em comum e o sofrimento que a subsistência dela acabaria impondo a ambos os cônjuges, e que, por isso, tornasse teoricamente possível não o convencimento do outro, mas a criação de uma base objetiva, não excludente de uma posição de consenso e de trocas racionais satisfatórias.

A situação típica deve reduzir-se, pois, e este o tema que me propuseram, à situação de quem, não tendo razões legais, que são causas objetivas, no sen-tido de passíveis dalgum controle objetivo-normativo, diria ao juiz: “Eu já não amo, ou não tolero o parceiro”.

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E a pergunta é imediata: tal situação deve constituir, de lege ferenda, causa de separação, ou de divórcio? A vida jurídica ou social ganharia algo em transformá-la em causa de separação e de divórcio?

Não lhes vou antecipar minha resposta, pelo menos não sem antes pôr--lhes à consideração alguns aspectos que me parecem pertinentes à construção da resposta.

2 SENTIDO IMEDIATO DA SITUAÇÃO

E o primeiro está em dissecar, de acordo com o modelo proposto, o senti-do imediato e mais superficial da manifestação de desamor, a qual aparece, por definição, como “um não ter razões”, não porque não a tenha nenhuma o côn-juge decidente, senão porque não tem nenhuma capaz de se justificar perante o outro, segundo critérios racionais, sujeitos a discutibilidade. E um “fechar-se” em razões subjetivas que exclui toda relação dialógica com o parceiro. É o “não te quero”, puro e simples. Não é dar razão, mas anunciar a decisão.

O decidente pode ter, e com certeza tem, razões, mas estas, verdadeiras ou falsas, escapam a uma situação comunicativa, dentro da qual possa servir ao parceiro como causa objetivável, no sentido de eliminar, na origem e no signi-ficado relacional, a arbitrariedade da decisão.

3 UMA AVALIAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

Este dado convida a uma investigação de ordem sócio-histórica porque o desamor aparece como o equivalente moderno do repúdio como figura jurídi-ca. E, sob tal ponto de vista, representaria um retrocesso que poderia remontar ao Deuteronômio, não fosse esta uma tradição estranha às nossas raízes.

No direito romano, o repudium (que se prende à ideia de vergonha, do verbo pudere = re pudet) era o momento formal da revogação do consenso e, nos períodos antigo e clássico, marcados pela supremacia sócio-jurídica do pater familias, era privilégio do marido, que costumava usá-lo em caso de adul-tério, esterilidade, desobediência etc. O casamento mantinha-se ali, enquanto se mantinha a vontade arbitrária do marido, ou a affectio maritalis, e a ruptura, pelo divórcio, independia de toda intervenção estatal. Talvez fosse interessante recordar que tal ordem jurídica prescindia de solenidade para aperfeiçoar o casamento.

Sob o inegável influxo do Cristianismo, uma constituição imperial de Constantino, em 331, preocupada com a situação do cônjuge repudiado e a prole comum, pôs termo, por ser fátuo e arbitrário, ao divórcio unilateral imo-

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tivado, passando a admiti-lo apenas por causas graves e precisas. Justiniano mantém o repudium, agora já causal, alargando-lhe as hipóteses, como a de o cônjuge, por exemplo, esconder maquinações contra o imperador (contra imperium).

Na França, com a Constituição de 1791, que equiparou o casamento ao contrato, Lei de 1792 introduziu, como expressão da ordem revolucionária, o repúdio, mediante divórcio por simples incompatibilidade de gênio (humeur). Mas teve vida curta.

Subsiste, hoje, apenas em países muçulmanos, cujas sociedades perma-necem impregnadas pela ideologia da dominação masculina.

Se, hegelianamente, a verdade é histórica, porque vale para sua época, e se a História retrata a evolução constante do espírito humano, então o repúdio seria um retrocesso a estágios arcaicos da cultura e da civilização.

Mas o repúdio, ou melhor, o poder de repudiar, é uma tentação per-manente, não só como aspiração nostálgica do poder patriarcal absoluto, mas também porque descende do Princípio do Prazer.

Freud já demonstrou que não pode o homem deixar-se governar pelo Princípio do Prazer, que não conhece limites, adiamentos nem o outro. A civili-zação nasce de um pacto fundante que, pela Lei, a do Incesto, figurando a sub-missão ao poder coletivo e o afrouxamento do poder individual, impõe limites e restrições à sofreguidão do Princípio, em nome da sobrevivência da espécie, a qual estaria, doutro modo, condenada ao repouso absoluto da morte fatal.

4 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA

A questão pode ser analisada também dentro do quadro de evolução simultânea da concepção da família: já não vige o casamento por razão, repre-sentado pelo velho modelo de negócio entre famílias que decidiam a sorte dos filhos, mas o chamado modelo romântico, de tipo individualista.

Sem avançar sobre a vertente psicológica do problema, pode dizer-se que o ideal romântico é ingrediente da solidez do matrimônio, porque supõe um consentimento esclarecido na assunção das responsabilidades, não apenas legais, senão afetivas e sociais oriundas do casamento, cuja instituição tende a conciliar os valores de liberdade e solidariedade.

O Direito, como um dos processos de adaptação social, não pode con-descender com a situação extrema de rompimento da relação amorosa, subja-cente ao casamento, sem razões objetivas, porque a questão não é apenas de liberdade individual, hipótese em que nada teria o sistema jurídico a dizer sobre

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a relação, senão também de solidariedade e ética: o casamento não é apenas experiência, mas também compromisso para estabelecer e reforçar relações intersubjetivas (Carbonnier). E nele há, pois, assunção de responsabilidade, à moda algo ingênua de Saint Exupéry: “Somos responsáveis por quem cativa-mos”. Há, portanto, no atual perfil normativo do casamento, um apelo aos mais elevados sentimentos de solidariedade e responsabilidade do espírito humano.

Ainda neste modelo, o repúdio agravaria as mulheres, porque sua lógica interna é específica, quem sabe, nem tanto porque sejam mais generosas, senão porque as exigências profundas da sua identidade psicossomática são modu-ladas por outros fatores constitutivos: têm menor senso de aventura e de risco; seus investimentos na relação amorosa são menos reservados e mais absolutos (apostam mais na probabilidade do sucesso), e é mais delicada sua sensibili-dade afetiva. Como tais, tendem a ser mais vítimas que sujeitos de desamor. Seria, pois, reforçar a desigualdade real e o poder masculino, outro aspecto de retrocesso histórico.

5 ALGUNS ASPECTOS JURÍDICOS

Essa evolução corresponde também, no plano jurídico, de um lado, ao refinamento da consciência normativa sobre a dignidade da pessoa humana como sujeito e, de outro, a uma intuição do legislador acerca dos graves incon-venientes psíquicos do repúdio, os quais só viriam a ser percebidos, aprofunda-dos e sistematizados a partir das teorias freudianas. Vamos examinar cada um desses aspectos, que, aliás, se interpenetram e complementam.

6 O PRIMEIRO ASPECTO DIZ RESPEITO À PROSCRIÇÃO DA ARBITRARIEDADE DE UM DOS CÔNJUGES

A condição jurídica de sujeito impõe a necessidade de receber e ava-liar razões, racionalizar a ruptura, que é acontecimento dramático na sua vida. (Pode-se imaginar que o outro, por fugir a esse imperativo ético, dê, proposi-tadamente, uma causa objetiva para levar ao divórcio, mas essa é alternativa degradante, de certo modo já coibida por cláusulas de dureza, que impedem a alegação da própria torpeza na obtenção do divórcio. A doutrina fala, aqui, em divórcio-repúdio, divorce-répudiation, divorce contre sói même. De qualquer modo, isso dá motivo ao outro e protege-se de certa maneira – pensar bem nisto).

O casamento, enquanto relação amorosa que se funda num compromis-so solene, com valor psicológico, social e jurídico, representa um mergulho confiante, um ato de fé, o empenho contínuo de valores, sentimentos, negócios,

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profissão, destino, patrimônio de duas pessoas que redefinem suas vidas em função um do outro.

É então exigência primária de justiça compreender a separação, ter refe-rências objetivas e aceitáveis, tais como aquelas que compõem as causas objeti-vas de admissibilidade de separação e de divórcio. São justificações civilizadas, nascidas da particular consideração que deve ter cada um dos cônjuges como pessoa humana, sujeito de direito, valor primeiro e fundamento último de toda ordem jurídica.

As causas jurídico-objetivas prescindem da bilateralidade, pois corres-pondem a fatos que simbolizam a fratura dos fundamentos do pacto ou da pro-messa, e, portanto, expressam já um prestar contas exigido pela ética, e são per-cebidos como tais pelos parceiros. O repúdio envolve uma impermeabilidade ética, isto é, não ter razões compreensíveis ao outro. As causas do desamor são as causas que calam, que não se dizem, não se encontram nem se apalpam, porque habitam as penumbras do inconsciente. O que se diz, diz-se para se justificar a si próprio, racionalizações do que não se conhece. As razões que apresente o repudiante, na mesa da denúncia, não se prendem, no plano ra-cional, ao pacto como relação dialógica, porque representam uma deliberação arbitrária (um já não querer).

E, se não há comportamentos redutíveis a fatos capazes de justificar, pe-rante um padrão objetivo de valores, a quebra da afeição, então o que sobra ao outro é o juízo de que o repudiador se desencantou!

Que significa isto no fundo: o reduzir o outro a objeto, a uma coisa. É, na verdade, uma reificação, porque, sem razões por avaliar, o outro se converteria em objeto de ato de disposição jurídica, como res que pudesse ser descarta-da. Eis a degradação: sentir-se rejeitado, não ser pessoa, desqualificar o outro como pessoa humana, como objeto possível de amor, não ser amável, assinala o fracasso da pessoa e como projeto a mais feroz e cruel violência contra o ser humano, carente e deficiente por natureza. O repúdio é mais do que agressão porque esta propicia reação que testemunha a vida, as potências interiores, o impulso da sobrevivência. Na rejeição, não: não há o de que se defender, é a prostração absoluta, a abolição dos horizontes.

Isto é que se quer evitar, preservando a dignidade do consorte objeto de repúdio.

A decisão tem o sentido de um alívio para o decidente, e por isso sua condição emotiva não entra em questão de imediato, não suscita necessidade pronta de tutela jurídica, protege-o a decisão mesma. (Pode haver algum sofri-mento na perspectiva ou necessidade de continuar, depois, a viver sob o mes-

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mo teto do parceiro, mas saber se o decidente pode ou não deixar a habitação comum é outra questão). Donde o que releva é voltar os olhos ao parceiro (e, com isso, à própria relação), visto sob dois prismas, o de sujeito do pacto e o de pessoa humana. E a esses dois prismas correspondem, respectivamente, a qualificação de repúdio, como ofensa ao pacto, e a de rejeição, como ofensa à pessoa.

7 O VALOR PSICOLÓGICO DO PACTO E AS CILADAS DO DESAMOR

O repúdio ofende a natureza do pacto de diversos modos. Em primeiro lugar, porque tem a pretensão de revogar (tirar a vox) o valor psicológico do compromisso formalizado.

É preciso redescobrir esse valor. Que significa, em termos psicológicos, o compromisso matrimonial? Não é, com certeza, a garantia de indissolubilidade. Seu sentido profundo é outro e está ligado não ao ato jurídico, instantâneo, do casar-se, mas ao ineliminável processo de envolvimento pessoal que culmina nesse ato. Não é preciso insistir, aqui, em coisa tão óbvia, que o compromisso seja o ato final de um longo, ou mais ou menos longo (e a duração aqui é mais de tempo psicológico que real) processo de interações dos parceiros, no qual se inscrevem algumas práticas antiquadas, mas não menos significativas.

O solene exerce, aqui, funções psicológicas de extrema importância, porque o pacto simboliza, sela, perante os parceiros e a sociedade, a promessa de compartilharem um projeto de vida comum, o reconhecimento público da condição recíproca de ser escolhido como companheiro e a satisfação íntima desse reconhecimento. Na verdade, o papel do compromisso é documentar a exteriorização social da entrega e da promessa, com todo o sentido profundo de revelação que incide na relação interna dos promitentes e responde a instâncias profundas de cada um.

Este é o mecanismo inconsciente que explica não apenas o ritual jurídi-co, mas o ritual festivo, a celebração dos casamentos, transformados em noites de sonhos, onde se misturam e explicam gastos elevados (as despesas chegam, não raro, ao preço de uma casa), as intermináveis sessões fotográficas, as trocas entre as famílias e entre os nubentes, os quais, como centro das celebrações, recuperam as fantasias infantis de príncipe e de princesa.

Não é à toa nem coincidência que o concubinato se aproxime do casa-mento e passe a ser objeto de tratamento analógico baseado em princípios do direito matrimonial: isto significa que o compromisso, inerente ao casamento, como símbolo e realidade, é um dos alvos inconscientes da regularização social do concubinato.

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Mas o pacto desempenha ainda outra função, que está à raiz do meca-nismo do chamado pensamento mágico, pelo qual a verbalização responde a uma necessidade interna de segurança, ou seja, a de que o compromisso “vale” e, porque “vale”, materializa a opção psicológica, aplacando as ansiedades e satisfazendo às expectativas profundas. Está aqui, aliás, a razão psicológica por que, por exemplo, certas mulheres insistem na ideia de realização do casamen-to depois do nascimento de um filho: o papel, a certidão do oficial, exorciza a censura, atuante nos porões do psiquismo, à condição de filho bastardo. E, também, por que certas mulheres resistem a não dispensar o nome do marido: adotá-lo ajuda a sentir-se a primeira, a única, a escolhida. Todas são manifes-tações de transcendental relevância para o ser humano, que não vive sem os símbolos.

Por isso, o pacto estabelece o vínculo psicológico, que é o substrato do casamento, como aliança entre duas pessoas e correspondência entre dois de-sejos, revestida pelo vínculo jurídico.

Ora, o desfazimento do vínculo jurídico não basta para dissolver a alian-ça, se não é acompanhado pela dissolução do vínculo psicológico. Essa ruptura, que é ou deve ser pressuposta pela ordem jurídica, só é viável à medida que se perceba que a separação é também não um evento pontual, mas um processo dialético entre as duas pessoas do pacto e seus desejos, embora em sentido inverso. E, para o compreender hoje, a sociologia inventariou padrões de com-portamento que permitem reconstituir etapas desse processo, não menos longo, chamado de processo de transição.

Mas ambos devem ter a mesma oportunidade de o percorrer, metaboli-zando, amadurecendo a ideia e assumindo e vivenciando a ruptura, não como ato impulsivo, senão como a obra de uma certa consciência que reflita de al-gum modo a reorganização interior. Só é preciso tempo para o pacto, é preciso tempo para o desfazer. Daí, aliás, ser superficial a crítica ao fato de os processos judiciários de separação e de divórcio serem longos e demorados: a demora quase sempre encobre a necessidade de tempo para a reordenação psicológica dos conflitantes.

8 OFICIALIZAÇÃO DO REPÚDIO COMO CAUSA INCONDICIONAL DE SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO

O desamor (a declaração) não atinge, não desfigura apenas o pacto em si, na sua dinâmica intrínseca, mas, por força de uma causalidade circular, re-percute no destino do parceiro de um modo não apenas injusto, de certo ponto de vista, mas também sobremodo desvantajoso a ambos.

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Somos todos capazes de a perceber, do ângulo objetivo de um juízo social, como rejeição, cuja dor só é comparável à da morte física de parente próximo. Nela, o parceiro em situação de rejeição e perda, de desvalorização suprema, humilhação, privação do seu papel, e de confusão exacerbada pela confiança e a paz aparentes daquele que sai (as quais são explicadas pelas transformações internas elaboradas no processo de transição, por que passou desde a primeira ideia de separar-se), defronta-se com o sentimento de aberra-ção temporária, que precisa ser administrada, independentemente da qualida-de de vida no casamento, isto é, de, nele, ter sido ou não feliz. É da natureza a resistência à mudança. Mudar postula tempo para descobrir explicações no passado, na história do casal, rearticular as forças interiores para não morrer e construir uma ordem a partir do caos.

Não é só isso. As pessoas não se conhecem, não conhecem suas razões íntimas e últimas. É preciso que, à falta de causas objetivas, consideradas pelos sistemas jurídicos como signos ou presunções de ruptura, os parceiros tenham um tempo de re-flexão (fletir-se para trás) fora do cenário da crise.

Do ponto de vista psicológico, à luz da dinâmica dos papéis e das fun-ções experimentadas no casamento, o repúdio negaria ao parceiro oportunida-de para o processo de transição, que é um processo de discriminação pessoal (redefinir sua identidade) indispensável à conversão da separação jurídica em separação autêntica. Nesse passo, estou a chamar a atenção para o decisivo papel das projeções psíquicas, que, dentro do casamento, se desenrolam numa dialética de provocações inconscientes e recíprocas, como a que se estabelece e perpetua em termos de agressor e vítima, porque esta é incapaz de advertir, aceitar e viver a própria agressividade, exercida pelo outro como resposta ao estímulo da vítima, a qual, aparecendo então como vítima, se inocenta do reco-nhecimento de qualquer traço agressivo. É o caso, por exemplo, da mulher do alcoólatra cuja violência, posta em ato, por exemplo, contra os filhos, é o refle-xo da agressividade do parceiro (o homem ou a mulher, dizem os psicanalistas, é aqui o “sintoma” do parceiro). O parceiro acredita no outro e ouve-o como a voz do seu próprio inconsciente.

Nesse quadro, o decidente pode ser apenas o porta-voz, o reflexo espe-cular, do que o parceiro experimenta mas nega inconscientemente e, com a denúncia, se encontra em dificuldade para descobrir, dadas as vantagens se-cundárias de que desfruta, ou seja, a negação do desejo oculto de que a relação acabou. O seu não querer pode ser o não querer do outro (pode não querer separar-se). É preciso, enfim, em termos psicanalíticos, descobrir, sob o discurso manifesto, aquele que é verbalizado, o discurso latente, o que está oculto, para

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saber se o desamor não é só validação de um desejo perverso coibido pela lei interna.

Podem intervir, também, mecanismos diversos, como a necessidade de atribuir ao consorte as causas da quebra das condições do ajustamento afetivo, impulsos ditados por autoestima quase nula, inseguranças infantis, defesas e compensações inconscientes. Há ainda necessidade de garantir outra relação afetiva, ou relação futura, pondo à prova, em diferente dinâmica de vida, a própria resolução.

Ora, tudo isto é grave, porque, de um lado, bloqueia a possibilidade da discriminação, cujo movimento permitiria recolher, como resíduo, o que é seu e está depositado no outro, em termos de agressividade, defeitos, responsabili-dade intransferível nos destinos da relação e da ruptura. E, de outro, perpetua, ainda que sob o signo hipotético da separação jurídica, o vínculo psicológico, quem sabe as relações agressor-vítima, mediante conflitos, jurídicos ou não, em que se traduzem e prolongam as peripécias de uma relação inacabada. Eis a razão por que, sob os mais vários pretextos, há tantos processos judiciais entre os separados e os divorciados: estão em juízo a completar, no diálogo formal do contraditório e com a voz alheia, o processo de transição.

O tempo de reflexão permitiria, aqui, tornar decente o processo de ruptu-ra, ou, e já seria um avanço, para guardar a indecência menos exaltada doutras rupturas jurídicas (o conflito amoroso parece, em geral, uma guerra civil, em que são permitidas todas as armas e autorizados todos os expedientes).

Aliás, a prática psicanalítica demonstra que certos sintomas do paciente identificado são, na verdade, sintomas do casal.

O divórcio é sempre uma exceção estatística e psicológica. A sociedade é contra o divórcio (a prática social). E o Direito freia ou canaliza a propensão ao divórcio como exceção, fora do mundo jurídico, o ordenamento correspon-dente a uma rede de telas mais estreitas de costume perante o trabalho, a fa-mília, o meio cultural etc.). Mas a sociedade quer o divórcio de certos casais avançando a hipótese de que isso atende a uma exigência de higiene social, porque os divórcios reforçam os casamentos que funcionam. Observar que os que proclamam a dissolubilidade do vínculo são os que não se divorciam (prá-tica é diferente da opinião).

O casamento e a família não podem ser vistos apenas como uma expe-riência analisável na história, um fluxo objetivo, perceptível ao observador cien-tífico ou ao legislador local, mas também como um compromisso ou empenho de estabelecer e reforçar relações intersubjetivas. Isto é um valor ou conjunto de valores.

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Toda promessa implica riscos de descumprimento, mas há uma aposta na sua eternidade, sem a qual se desqualificaria a relação amorosa para degradar--se num frio contrato aleatório, bem próximo aos de caráter patrimonial. Há um pulo na escuridão, um ato de fé, a cegueira da confiança no outro, a atração irresistível invencível da fusão.

A questão da validade do vínculo ético incluso na promessa solene do casamento, não há obrigação de prometê-la (as pessoas podem unir-se num projeto de comunhão de vidas, até com pacto claro de provisoriedade e de precariedade). Mas, se espontaneamente prometem, essa promessa deve ter al-guma validade, não é razão suficiente para justificar a indissolubilidade do vín-culo, porque esta questão tem outras raízes, mas para exigir responsabilidade incompatível com a deserção imotivada.

São estas, enfim, algumas das razões que me levam a temer que o sistema jurídico e a vida social nada ganhariam, transformando o repúdio, sob o rótulo de desamor, em causa de separação, ou de divórcio.

(In: Seleções Jurídicas, ADV-COAD, mar. 1998, p. 36/40)

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Assunto Especial – DoutrinaSeparação e Divórcio

Da Infeliz Manutenção da Separação de Direito no Novo CPC

FLávIO TARTuCEAdvogado, Parecerista e Consultor em São Paulo, Doutor em Direito Civil pela USP, Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP, Professor do Programa de Mestrado e Doutorado da FADISP, Professor e Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Civil, Direito Contratual e Direito de Família e das Sucessões da EPD, Professor da Rede LFG, em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas e pós-graduações, Professor do Curso CPJUR, Autor da Editora GEN (Forense e Método), Diretor Nacional e Vice-Presidente do IBDFAMSP.

Uma grande infelicidade, um total retrocesso. Com essas fortes palavras pode ser resumida a manutenção da separação judicial e extrajudicial no novo Código de Processo Civil brasileiro. Vários dispositivos da norma instrumental emergente continuam a tratar das categorias, o que não deveria ocorrer, em hipótese alguma.

Não se olvide que, quando da elaboração do parecer final no Senado Federal, pelo Relator Senador Vital do Rêgo, foram apresentadas propostas de alteração por meio da Emenda nº 61 – do Senador Pedro Taques –, da Emenda nº 129 – do Senador João Durval – e das Emendas nºs 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142 e 143 – do Senador Antonio Carlos Valadares –, visando à retirada do texto dos tratamentos relativos ao malfadado instituto da separação judicial do texto do novo Código.

Todavia, as emendas foram afastadas pelo Senador Vital do Rego, que assim argumentou:

As emendas em pauta insurgem-se contra a referência à separação (em todas as suas modalidades) como forma de dissolução da sociedade conjugal ao longo do texto do SCD. Argumenta que, com a Emenda à Constituição nº 66, de 2010, esse instituto teria sido abolido do ordenamento jurídico.

Não vingam, porém, as emendas.

É pacífico que, após a Emenda à Constituição nº 66, de 2010, não há mais qual-quer requisito prévio ao divórcio. A separação, portanto, que era uma etapa obri-gatória de precedência ao divórcio, desvestiu-se dessa condição.

Todavia, não é remansoso o entendimento acerca da não subsistência da separa-ção no âmbito da doutrina civilista. [...].

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Afinal de contas, a Constituição Federal apenas afastou a exigência prévia de separação para o divórcio, mas não repeliu expressamente a previsão infracons-titucional da separação e do restabelecimento da sociedade conjugal. Há quem sustente que a separação continua em vigor como uma faculdade aos cônjuges que, querendo “dar um tempo”, preferem formalizar essa separação, sem romper o vínculo matrimonial. Eventual reatamento dos laços afetivos desses cônjuges separados não haverá de passar por novo casamento, com todas as suas forma-lidades, mas se aperfeiçoará pelo restabelecimento da sociedade conjugal, ato bem menos formal, que pode ocorrer por via judicial ou extrajudicial.

Sublinhe-se que nem mesmo os dispositivos do Código Civil que tratam de se-paração foram revogados. Ora, será uma intervenção indevida, uma invasão científica, utilizar uma norma processual para fazer prevalecer uma das várias correntes doutrinárias que incandescem na seara do direito civil.

Dessa forma, enquanto o Código Civil não for revogado expressamente no tocan-te à previsão da separação e do restabelecimento da sociedade conjugal, deve o Código de Processo Civil – norma que instrumentaliza a concretização dos di-reitos materiais – contemplar expressamente as vias processuais desses institutos cíveis.

No futuro, em outra ocasião, se assim se entender mais adequado, poder-se-á, por via legislativa própria, modificar dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil para proscrever a separação como um instituto de direito de família.

Na votação final dos destaques no Senado Federal, realizada no dia 17.12.2014, havia uma insurgência pontuada pela Senadora Lídice da Mata a respeito dessa manutenção. Porém, a ilustre senadora acabou por ser conven-cida pela conservação da separação judicial no texto, retirando, ao final, o seu destaque. Assim, o novo Código de Processo Civil nasce com um instituto morto em vários de seus dispositivos.

Entre os vários diplomas que podem ser mencionados, em termos gerais de incidência das regras atinentes às ações de direito de família, o art. 693 do CPC/2015 enuncia que “as normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união es-tável, guarda, visitação e filiação” (destacamos). Na sequência, vêm as regras específicas “Do Divórcio e da Separação Consensuais, da Extinção Consensual de União Estável e da Alteração do Regime de Bens do Matrimônio”.

Quanto ao divórcio e à separação judicial consensuais, como primeiro diploma especial, o art. 731 do novo CPC estabelece que as suas homologações, observados os requisitos legais, poderão ser requeridas em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão: a) as disposições relativas à descrição e

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à partilha dos bens comuns; b) as disposições concernentes à pensão alimentí-cia entre os cônjuges; c) o acordo atinente à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e d) o valor da contribuição para criar e educar os filhos. Nos termos do seu parágrafo único, se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, conforme as normas relativas à partilha de bens, constantes dos arts. 647 a 658 do mesmo Estatuto Processual emergente.

Eventualmente, o divórcio, a separação e a extinção de união estável, feitos consensualmente – não havendo nascituro, filhos incapazes e observa-dos os requisitos legais –, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731. Assim, confirmando a evolução inaugurada pela Lei nº 11.441/2007 – que inseriu o art. 1.124-A no antigo CPC –, pelo art. 733 do novo Código de Processo Civil, continua viável juridicamen-te o divórcio extrajudicial, por escritura pública. Lamenta-se, mais uma vez, que a separação extrajudicial esteja expressa no comando.

Como é notório, é forte a corrente doutrinária e jurisprudencial segundo a qual a Emenda Constitucional nº 66/2010, conhecida como Emenda do Di-vórcio, extingue o instituto da separação de direito, a englobar tanto a separa-ção judicial quanto a extrajudicial. Isso porque o art. 226, § 6º, da Constituição Federal foi alterado, passando a enunciar, de forma direta e objetiva, que “o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio”.

No âmbito doutrinário, a tese que propugna o fim da categoria é defendi-da, entre outros, por Luiz Edson Fachin, Giselda Hironaka, Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Berenice Dias, Zeno Veloso, Álvaro Villaça Azevedo, Rolf Madaleno, José Fernando Simão, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Entendemos que essa é verdadeiramente a posição majoritária sobre a temática no Brasil.

Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de voto prolatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão pode ser extraído trecho com a seguinte manifes-tação acidental:

Assim, para a existência jurídica da união estável, extrai-se o requisito da exclu-sividade de relacionamento sólido da exegese do § 1º do art. 1.723 do Código Civil de 2002, fine, dispositivo esse que deve ser relido em conformidade com a recente EC 66, de 2010, a qual, em boa hora, aboliu a figura da separação judi-cial. (STJ, REsp 912.926/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 22.02.2011, DJe 07.06.2011)

Em julgado mais recente, segue a mesma linha a Ministra Isabel Galotti, em decisão monocrática:

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Após a EC 66/2010, não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da separação judicial. Não foram delegados ao legislador infraconstitucional po-deres para estabelecer qualquer condição que restrinja direito à ruptura do víncu-lo conjugal. (STJ, Documento nº 40398425, despacho/decisão, DJe 22.10.2014)

Seguindo essa visão, deve-se entender que estão revogados tacitamente os dispositivos infraconstitucionais que tratam dos institutos da separação ju-dicial e extrajudicial, caso dos arts. 1.571, 1.572, 1.573, 1.574, 1.575, 1.576, 1.578 e 1.580 do Código Civil, além dos arts. 1.120 a 1.124-A do Código de Processo Civil de 1973. Tais comandos estão revogados de forma tácita por uma incompatibilidade constitucional superveniente, como sustentam os dou-trinadores anteriormente citados. A mesma dedução vale para todas as regras do novo Código de Processo Civil que mencionam a separação de direito.

Dando sustentáculo final à premissa aqui defendida, devem ser citadas as precisas e corretas palavras de Lênio Luiz Streck, um dos maiores juristas bra-sileiros da atualidade, que, antes mesmo da aprovação do texto final do novo CPC no Senado Federal, já sustentava a inconstitucionalidade do que chamou de repristinação da separação judicial1. Introduzindo o tema, aduz o doutrina-dor, sobre a Emenda Constitucional nº 66/2010, que

não pode haver dúvida de que, com a alteração do texto constitucional, desa-pareceu a separação judicial no sistema normativo brasileiro – e, antes que me acusem de descuidado, não ignoro doutrina e jurisprudência que seguem rota oposta ao que defendo no texto, mas com elas discordo veementemente. Assim, perde o sentido distinguir-se término e dissolução de casamento. Isso é simples. Agora, sociedade conjugal e vínculo conjugal são dissolvidos mutuamente com o divórcio, afastada a necessidade de prévia separação judicial ou de fato do casal. Nada mais adequado a um Estado laico (e secularizado), que imputa inviolável a liberdade de consciência e de crença (CF/1988, art. 5º, VI). Há, aliás, muitos ci-vilistas renomados que defendem essa posição, entre eles Paulo Lôbo, Luís Edson Fachin e Rodrigo da Cunha. Pois bem. Toda essa introdução me servirá de base para reforçar meu posicionamento e elaborar crítica para um problema que veri-fiquei recentemente. E já adianto a questão central: fazendo uma leitura do Pro-jeto do novo CPC, deparei-me com uma espécie de repristinação da separação judicial. Um dispositivo tipo-Lázaro. Um curioso retorno ao mundo dos vivos.2

E arremata, em palavras finais:

1 STRECK, Lênio Luiz. Por que é inconstitucional “repristinar” a separação judicial no Brasil. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-nov-18/lenio-streck-inconstitucional-repristinar-separação-judicial>. Acesso em: 21 dez. 2014. Vale lembrar que a repristinação é a restauração de vigência de uma norma revogada, pela revogação, por uma terceira norma, de sua norma revogadora.

2 STRECK, Lênio Luiz. Op. cit. Acesso em: 21 dez. 2014.

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O legislador do novo CPC tem responsabilidade política (no sentido de que falo em verdade e consenso e jurisdição constitucional e decisão jurídica). Para tanto, deve contribuir e aceitar, também nesse particular, a evolução dos tempos elimi-nando do texto todas as expressões que dão a entender a permanência entre nós desse instituto cuja serventia já se foi e não mais voltará. Não fosse por nada – e peço desculpas pela ironia da palavra “nada” –, devemos deixar a separação de fora do novo CPC em nome da Constituição. E isso por dois motivos: a um, por ela mesma, porque sacramenta a secularização do direito, impedindo o Estado de “moralizar” as relações conjugais; a dois, pelo fato de o legislador constituinte derivado já ter resolvido esse assunto. Para o tema voltar ao “mundo jurídico”, só por alteração da Constituição. E, ainda assim, seria de duvidosa constitucionali-dade. Mas aí eu argumentaria de outro modo. Portanto, sem chance de o novo CPC repristinar a separação judicial (nem por escritura pública, como consta no Projeto do CPC). É inconstitucional. Sob pena de, como disse Marshall em 1803, a Constituição não ser mais rígida, transformando-se em flexível. E isso seria o fim do constitucionalismo. Esta é, pois, a resposta adequada à Constituição. Espero que o legislador que aprovará o novo CPC se dê conta disso e evite um périplo de decisões judiciais no âmbito do controle difuso ou nos poupe de uma ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal já tem trabalho su-ficiente.3

Infelizmente, o legislador não se atentou a isso. O trabalho não será só do Supremo Tribunal Federal, mas de toda a doutrina e jurisprudência nacionais. Já começamos a desempenhá-lo, condenando essa triste opção constante do novo Código de Processo Civil brasileiro, que será por nós duramente combatida nos próximos anos.

3 STRECK, Lênio Luiz. Op. cit. Acesso em: 21 dez. 2014.

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Assunto Especial – Doutrina

Separação e Divórcio

Emenda Constitucional nº 66/2010: a Suposta Extinção Tácita da Separação Judicial/Extrajudicial

JOãO PAuLO MOnTEIRO DE LIMAAdvogado, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

SAMARA RIBEIRO DE SOuZAPós-Graduanda em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio de Jesus, Advogada.

RESUMO: Sabe-se que o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010 trouxe grandioso debate sobre a permanência do instituto da separação judicial em nosso ordenamento jurídico. Destarte, doutrina e jurisprudência têm se mostrado divergente sobre o tema, sendo certo que entendimento majoritário versa sobre a aplicabilidade do sistema (pela manutenção da separação judicial após a EC 66), não obstante posição contrária de eminentes juristas brasileiros. Faz-se incontroversa, contudo, a necessidade de se apontar as teses discordantes para que, ao fim, permita-se concluir qual se mostra mais coerente com os anseios da sociedade atual e a natural evolução do Direito brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Emenda Constitucional nº 66/2010; separação judicial; supressão; manutenção; evolução do Direito.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Direito de família: conceito e natureza jurídica; 2 Casamento; 3 Da dis-solução da sociedade e do vínculo conjugal; 3.1 Morte; 3.2 Nulidade ou anulação do casamento; 3.3 Divórcio; 4 A dissolução da sociedade conjugal à luz da Emenda Constitucional nº 66/2010; 4.1 Das propostas da emenda constitucional; 4.2 O posicionamento doutrinário; 4.3 O posicionamen-to jurisprudencial; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

É sabido que a Emenda Constitucional nº 66/2010, assim chamada de Emenda do Divórcio, integrou-se em nosso ordenamento jurídico com o ob-jetivo de alterar a previsão legal que se encontra no § 6º do art. 226 da nossa Constituição da República. Tal dispositivo continha a seguinte redação: “O ca-samento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

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Após sua alteração pela referida emenda, o texto constitucional passou a vigorar com a atual redação: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. A Emenda do Divórcio, com efeito, é considerada polêmica desde a sua entrada em vigor, por isso é uma fonte valiosa de estudos e debates pela doutrina e jurisprudência.

Como observado, o constituinte de 1988 condicionava o requerimento do divórcio ao cumprimento de alguns requisitos, quais sejam: estar separado judicialmente há mais de um ano ou, caso estivesse separado de fato por mais de dois anos, poderia requerer o divórcio direto, o que já não condizia com nossa atual realidade e necessitava da mencionada modificação.

É indiscutível que o surgimento dessa Norma trouxe-nos facilidades ao procedimento do divórcio; no entanto, isso não significa que o instituto da se-paração judicial tenha se dissipado de nosso ordenamento jurídico.

Não resta dúvida de que a aludida emenda veio com o objetivo de tão so-mente extinguir os requisitos temporais para o pedido de divórcio. Tanto é ver-dade que em sua ementa dispõe o seguinte: “Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos”.

Ao analisar tal ementa, verifica-se, com clareza, que a EC 66/2010 entrou em vigor com o exclusivo objetivo de suprimir os requisitos temporais para o divórcio, sendo, erroneamente, interpretada de outra forma por alguns juristas.

1 DIREITO DE FAMÍLIA: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

De acordo com o Código Civil brasileiro de 2002, podemos conceituar o direito de família como o ramo de direito civil que tem como escopo o es-tudo de diversos institutos, como o casamento, a união estável, as relações de parentesco, filiação, alimentos, bem de família, tutela, curatela e guarda. Não obstante, o direito de família compreende, ainda, o estudo de novos modelos de família que vêm surgindo atualmente.

De acordo com Flávio Tartuce1, o direito de família brasileiro pode ser dividido em dois livros: direito existencial de família e direito patrimonial de família.

O primeiro diz respeito à pessoa humana e é constituído por normas de caráter cogente, não podendo ser contrariadas por simples vontade das partes,

1 Manual de direito civil: volume único. 2. ed. Rio de Janeiro: Método, 2012. p. 1034.

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caso contrário não terá eficácia por fraude à lei imperativa. Por outro lado, o direito patrimonial de família tem como objeto principal, obviamente, o pa-trimônio. Diferentemente do primeiro, suas normas são de ordem privada, ou seja, admitem que as partes convencionem o contrário.

Noutro passo, Maria Helena Diniz2, em sua doutrina, conceitua o direito de família como sendo:

O complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela.

Não obstante a tutela e a curatela não serem provenientes de relações familiares, tais institutos possuem conexão com o direito de família.

Dessa feita, podemos concluir que o direito de família tem como escopo primordial a regulamentação das relações matrimoniais, as relações de filiação, bem como a regulamentação do instituto da união estável.

No tocante à sua natureza jurídica, ainda que o direito de família seja um ramo do direito privado, possui intervenção estatal, uma vez que o seu objeto possui demasiada relevância social e não poderia ser diferente quando falamos de família.

Como já mencionado, o direito de família possui normas de caráter co-gente ou de ordem pública, as quais não podem ser descumpridas por simples desejo das partes, devendo tais normas serem interpretadas restritivamente. Uma exceção a essa regra é a matéria dos regimes de bens, pois mostram-se normas supletivas, tendo em vista o espaço que se dá à autonomia das partes.

Oportuno se faz esclarecer que institutos como o casamento, a união estável, o reconhecimento de paternidade e adoção são provenientes de atos voluntários; no entanto, a vontade só se concretiza quando da sua realização, pois seus efeitos já estão previamente estabelecidos em lei.

O direito de família tem como característica a extrapatrimonialidade, logo, um direito personalíssimo, conferindo aos seus atos a irrenunciabilidade e a intransmissibilidade, bem como não admitindo que seu exercício seja prati-cado por intermédio de procurador.

2 Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 3.

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2 CASAMENTO

Acerca do conceito atual do casamento, Silvio Rodrigues3 entende que:

É o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência.

Por outro passo, Maria Helena Diniz4 define o casamento como:

O vínculo jurídico entre homem e mulher que visa ao auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família. Trata-se, portanto, da união do homem e da mulher com a legitima-ção da autoridade civil ou religiosa.

De acordo com o art. 1.511 do Código Civil, o casamento pode ser con-siderado como um ato jurídico solene que consiste na união de duas pessoas com a finalidade de estabelecer comunhão plena de vida.

A comunhão de vidas é gerada pela relação matrimonial e tem como efeitos, entre outros, as seguintes situações: a formação do vínculo conjugal entre os cônjuges, bem como a criação do vínculo de parentesco por afinidade, formando um vínculo entre os cônjuges com os parentes do outro.

Como consequência, o casamento traz consigo a alteração do estado ci-vil dos consortes, que, se eram solteiros, divorciados ou viúvos, adquirem o es-tado civil de casados. Assim, o estado civil dos cônjuges demonstra sua situação pessoal e patrimonial perante terceiros, imprimindo segurança caso mantenham algum tipo de relação jurídica.

E, ainda, o casamento traz consigo a tarefa de assumir direitos e deveres estabelecidos pelo nosso ordenamento jurídico que determina que o homem e a mulher assumem reciprocamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Salienta-se, por fim, que hodiernamente não mais se pode admitir a conceituação de casamento restrita às pessoas de sexos distintos, notadamente porque o ordenamento jurídico já reconheceu a proteção do Direito brasileiro à união homoafetiva: a Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafeti-vos (STF, ADPF 132/RJ, 05.05.2011).

3 Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, v. 6, 2004. p. 19.

4 Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 39.

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3 DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE E DO VÍNCULO CONJUGAL

3.1 Morte

A morte de um dos cônjuges implica alguns efeitos na esfera do direito de família, tais como a extinção do poder familiar em relação aos filhos, a dis-solução da sociedade conjugal, bem como do vínculo conjugal. Assim, não há que se falar em obstáculo para contrair novas núpcias.

Ocorrendo tal fato, o cônjuge sobrevivente passa ao estado civil de viu-vez. Com isso, caso o marido tenha falecido, a mulher permanecerá com o seu sobrenome. No entanto, ao contrair outro casamento, poderá requerer junto ao Cartório de Registro Civil a retirada do sobrenome do marido falecido.

O término do casamento não se concretiza somente com a morte efetiva, comprovada mediante certidão de óbito expedida pelo cartório de registro civil. A morte presumida também constitui forma dissolutória do casamento.

Ademais, o Código Civil anterior não admitia que a morte presumida pro-duzisse efeito dissolutório do casamento. Assim, o cônjuge ficava no estado de semiviuvez, não sendo possível a contração de novo matrimônio. Os efeitos da morte presumida só atingiam a sociedade conjugal, visto que o desaparecimen-to do cônjuge importava causa de separação, por se tratar de conduta desonrosa ou grave violação dos deveres do casamento.

Por se tratar de causa suspensiva, caso a cônjuge supérstite opte por contrair novo matrimônio antes de decorrido o prazo, deverá o seu casamento sujeitar-se ao regime da separação obrigatória de bens, conforme determinam os arts. 1.523, II, e 1.641, I, in verbis:

Art. 1.523. Não devem casar:

[...]

II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anu-lado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal.

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento.

No entanto, o parágrafo único do art. 1.523, do Código Civil assevera que tal obrigatoriedade é afastada quando comprovada a inexistência de gravi-dez na data do novo casamento.

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Não é demais destacar que, assim como na situação acima, o cônjuge so-brevivente que tiver filhos do casamento anterior não deverá casar novamente enquanto não houver realizado a partilha dos bens deixados pelo falecido, uma vez que, não obedecida tal restrição, ao novo casamento será imposto o regime da separação obrigatória de bens.

3.2 Nulidade ou aNulação do casaMeNto

Como se sabe, a validade do casamento é obtida com base na aptidão física, intelectual e nas condições de ordem moral e social dos nubentes. No caso de inobservância de tais condições, o ato será transformado em nulo ou anulável.

Convém destacar que os atos nulos, de modo geral, não produzem efeitos em nosso ordenamento jurídico. No entanto, a nulidade do matrimônio opera de maneira distinta ao da regra geral, preservando o que preceitua o art. 1.561, §§ 1º e 2º, do Código Civil brasileiro, ipsis litteris:

Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

§ 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.

§ 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.

Assim como ocorre nas anulabilidades pertinentes às relações negociais, também ocorre no instituto do casamento. Todavia, sua anulabilidade não se-gue integralmente as normas gerais, visto que poderá gerar diversos efeitos civis, especialmente para os filhos havidos durante o casamento.

O casamento é considerado nulo quando contraído pelo enfermo men-tal que não tenha o necessário discernimento para os atos da vida civil, por não estar em seu juízo perfeito. Também se aplica a nulidade, quando houver infringência de qualquer impedimento descrito no art. 1.521 do Código Civil. Impende destacar que, nos casos de nulidade por enfermidade, não haverá ne-cessidade de prévia declaração de interdição, bastando provar a enfermidade, pois a incapacidade de consentir provém das condições pessoais, e não de decretação judicial.

Os casos de nulidade relativa/anulabilidade, por seu turno, encontram-se previstos no art. 1.550 do Código Civil:

Art. 1.550. É anulável o casamento:

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I – de quem não completou a idade mínima para casar;

II – do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III – por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consenti-mento;

V – realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

VI – por incompetência da autoridade celebrante.

Não obstante a anulabilidade conter vícios que atentem contra a ordem pública, encontra-se presente em seu instituto o interesse privado, não trazen-do, assim, consequências de gravidade tão relevante como se percebe nas hi-póteses de nulidade.

No casamento anulável, enquanto não se obtém a decisão judicial que se pretende em ação anulatória com o intuito de desconstituir o matrimônio, seus efeitos continuam sendo produzidos regularmente.

No que diz respeito aos efeitos produzidos pela sentença que reconhece a anulabilidade, assim como na decretação da nulidade, seus efeitos são ex--tunc, ou seja, retroagirão reconduzindo as partes ao estado em que se encon-travam anteriormente.

Nesse sentido prelecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho5:

Por conta da natureza declaratória do provimento jurisdicional pretendido, essa ação é imprescritível e os efeitos da sentença proferida têm, naturalmente, eficá-cia retroativa (ex-tunc).

O referido tema possui tratamento legal no art. 1.563 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.563. A sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data da sua celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a resultante sentença transitada em julgado.

Ainda que a anulabilidade possua efeitos retroativos, estes não atingem aos terceiros de boa-fé, como no caso dos filhos e dos eventuais credores do casal.

5 Novo curso de direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 238.

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Em relação aos cônjuges, findo o processo anulatório do matrimônio, sendo o regime o da comunhão e a caracterização da boa-fé, os bens serão divi-didos equitativamente entre os consortes, como se houvesse morte de um deles. Todavia, se apenas um dos cônjuges tiver agido de má-fé, a este será imputado a perda das vantagens que receberia caso agisse de boa-fé, tais como a meação a que faria jus. É o que dispõe o art. 1.564, I, do Código Civil, in verbis:

Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá:

I – na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente.

Já o cônjuge que agiu de boa-fé poderá pleitear a meação relacionada aos bens adquiridos pelo culpado, integrantes do patrimônio do casal. Além disso, caso o cônjuge inocente ou a família necessitarem de alimentos, o culpa-do terá a obrigação de prestá-los. No entanto, vale salientar que essa obrigação alimentar, em relação ao cônjuge, subsistirá somente até a sentença anulatória; após isso, cessará sua obrigação, tendo em vista a inexistência de vínculo con-jugal.

Por fim, os efeitos patrimoniais atingem também a terceiros, visto que, embora viciado o casamento, os direitos ali adquiridos permanecem sólidos.

3.3 divórcio

O divórcio dissolve o casamento, sem ter a separação a mesma força, tendo esta alcance somente na dissolução da sociedade conjugal.

De acordo com Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald6:

O divórcio é a medida jurídica, obtida pela iniciativa das partes, em conjunto ou isoladamente, que dissolve integralmente o casamento, atacando, a um só tempo, a sociedade conjugal (isto é, os deveres recíprocos e o regime de bens) e o vínculo nupcial formado (ou seja, extinguindo a relação jurídica estabelecida).

É sabido que existem duas formas de se obter o divórcio, podendo ser judicial ou administrativamente.

Quanto à forma judicial, com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, não há que se falar em prazo para se requerer o divórcio. Portanto, não se faz mais necessária a espera por dois anos de separação de fato ou de um ano da separação de direito para a realização da dissolução do casamento.

6 Curso de direito civil. Famílias. Bahia: JusPodivm, 2013.

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No divórcio judicial, que pode ser tanto consensual como litigioso, as partes discutem assuntos inerentes à dissolução do casamento, tais como o regi-me de visitas, a guarda dos filhos, matérias preliminares constantes do art. 337 do novo Código de Processo Civil, podendo, inclusive, requerer a produção de prova.

Importante destacar que, caso um dos divorciandos venha a óbito du-rante o processo, ocorrerá a dissolução automática do casamento e a perda do objeto da ação, inexistindo a possibilidade de substituição processual dado o caráter personalíssimo do divórcio.

Pois bem, no caso do divórcio litigioso, ou seja, quando não houver con-cordância no que se refere às cláusulas da dissolução, o divórcio sempre depen-derá de ação judicial para que o Estado-juiz decida na demanda.

O divórcio, como já mencionado, tem natureza personalíssima, ou seja, somente os cônjuges podem requerer, em destaque ao princípio da autonomia privada no âmbito do direito de família.

É oportuno lembrar que esse caráter personalíssimo diz respeito tão somente aos efeitos pessoais, haja vista que nos efeitos patrimoniais ocorre a transmissão de direitos, em virtude do falecimento de uma das partes, onde os sucessores poderão requerer os seus direitos.

Não obstante a natureza personalíssima do divórcio, quando figurar no polo da ação cônjuge incapaz, é permitido que este seja representado ou assis-tido pelo seu curador, ascendente ou irmão, na ordem preferencial.

O divórcio administrativo/extrajudicial, por outro lado, foi implementa-do através da Lei nº 11.441/2007, a qual possibilitou a realização do divórcio por escritura pública junto aos Tabelionatos de Notas, devendo-se observar os seguintes requisitos: a inexistência de interesse de incapaz e de litígio entre os divorciandos, visto que a existência de filhos menores ou incapazes acarretará intervenção do Ministério Público – portanto, deverá ser realizado na esfera judicial.

Tendo em vista o divórcio ser uma forma dissolutória do vínculo matri-monial, ocorrendo o falecimento posterior de um dos ex-cônjuges, tal fato não afetará o estado civil, permanecendo o de divorciados. Todavia, não é o que acontece na separação, uma vez que eventual óbito acarretará na mudança de estado civil de separado para viúvo.

Tal retomada acontece, pois a separação só atinge a sociedade conjugal, estando o seu vínculo matrimonial intacto.

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A Lei nº 11.441/2010 acrescentou ao antigo Código de Processo Civil (de 1973) o art. 1.124-A, que tratava da realização do divórcio extrajudicial por escritura pública. O novo Código (de 2015) dispôs sobre a matéria em seu art. 733, que assim diz:

O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposi-ções de que trata o art. 731.

Sabe-se que tal novidade caracteriza notável avanço não só para a socie-dade, mas para a legislação brasileira, uma vez que referida medida trouxe o “desafogamento” do Judiciário ao evitar inúmeros processos de demanda con-sensual que poderiam ser resolvidos de forma célere, com a simples assinatura da escritura pública junto ao Tabelião.

Para a realização do divórcio administrativo, a lei estabelece que as par-tes deverão comparecer ao Tabelionato de Notas assistidas de um advogado, comum ou não, onde será lavrada a escritura pública, que conterá cláusulas ajustadas por ambas as partes.

Exige, ainda, que a escritura deverá conter acordo relativo à partilha dos bens do casal, à permanência ou supressão do sobrenome de casado e à pres-tação de alimentos.

Importante frisar que, tanto no divórcio por escritura pública quanto no judicial, as partes podem estabelecer cláusulas diversas, como a instituição de bem de família ou a doação recíproca ou para terceiros. Destaca-se, porém, que a escritura pública, após sua lavratura, não poderá ser modificada, exceto quando tais alterações versarem sobre erros materiais.

4 A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010

4.1 das propostas da eMeNda coNstitucioNal

A Emenda, objeto do presente estudo, originou-se com as seguintes pro-postas: PEC 22/1999, PEC 413/2005, PEC 28/2009 e PEC 33/2007.

Fundamentalmente, a Emenda nº 66/2010 pretendeu facilitar a imple-mentação do divórcio no Brasil, com o escopo principal de suprimir os requisi-tos temporais para se requerer o divórcio.

A PEC 22/1999 iniciou com a proposta de igualdade de prazos para a conversão das separações de fato e de direito em divórcio. Tinha como proposta a seguinte redação:

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Art. 226. [...]

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após comprovação de separação de fato ou de direito por mais de 1 (um) ano.

Por outro lado, a PEC 413/2005 trouxe a seguinte redação: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei”. A essa PEC fora apensada a PEC 33/2007, de autoria, inicialmente, do Depu-tado Antonio Carlos Biscaia e, posteriormente, do Deputado Sérgio Barradas Carneiro, mas que foi desapensada em 2009, assim que houve o arquivamento da primeira proposta, oportunidade em que foi retirada a expressão “na forma da lei”.

Por fim, a PEC 33/2007 foi apensada à PEC 28/2009, que, por sua vez, deu origem à Emenda Constitucional nº 66/2010, tendo como autor o Senador Demóstenes Torres.

Assim, onde se lia:

Art. 226. [...]

§ 6º O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judi-cial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

Agora, lê-se somente:

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

No relatório da PEC 28/2009, constou como justificativa da emenda a supressão do lapso temporal de um ano, contado da separação judicial, e de dois anos, contados da data da separação de fato, para obtenção do divórcio, como já evidenciado na redação do § 6º do art. 226 da Constituição Federal.

4.2 o posicioNaMeNto doutriNário

Diante do elucidado, denota-se que, com o surgimento da Emenda nº 66/2010, eliminaram-se, de forma permanente, os requisitos temporais para a obtenção do divórcio, de modo a facilitar a sua dissolução, em razão da auto-nomia da vontade dos cônjuges.

Todavia, questões de caráter hermenêutico pertinentes à emenda eviden-ciam-se de maneira controvertida, vez que a redação constitucional nada diz além da supressão dos requisitos do lapso temporal.

Assim, o cerne da controvérsia do presente tema reside na permanência ou não do instituto da separação em nosso ordenamento jurídico.

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Acerca do assunto lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald7:

A Emenda Constitucional nº 66/2010 extirpou do sistema jurídico brasileiro a separação, judicial ou em cartório, unificando as causas dissolutórias do matri-mônio (que passaram a ser, tão somente, a morte e o divórcio).

Referidos autores entendem que pensamento diverso atenta contra a mens legis da Emenda Constitucional nº 66/2010 e confere sobrevida a um instituto que se revela inócuo juridicamente, vez que não se pode convolá-lo em divórcio.

Esquecem, porém, que o instituto da separação não se presta somente à conversão. Como o próprio Conselho Nacional de Justiça deixou evidente em decisão do pedido de providências requerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, tal instituto possui consequências jurídicas próprias.

O certo é que, diferentemente da jurisprudência, conforme se abordará no item posterior, é majoritário o entendimento no sentido de que a Emenda Constitucional nº 66 pôs fim à separação.

Nesse diapasão, leciona Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho8:

Muito bem, a partir da promulgação da emenda, o instituto da separação judicial desapareceu de nosso sistema e, por consequência, toda a legislação (o que regu-lava) sucumbira, sem eficácia, por conta de uma não recepção.

Com isso, consideramos tacitamente revogados os arts. 1.572 a 1.578, perdendo sentido também a redação do art. 1.571 no que tange à referência feita ao instituto da separação.

Ainda nas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho9, estes apontam críticas à separação após a alteração constitucional, a fim de embasar seu posicionamento sobre o assunto, valendo destacar:

E o fato de a separação admitir a reconciliação do casal – o que não seria possível após o divórcio, pois, uma vez decretado, se os ex-consorte pretendessem relatar precisariam se casar de novo – não ser para justificar a persistência do instituto, pois as suas desvantagens são, como vimos acima, muito maiores.

7 Curso de direito civil. Famílias. Bahia: JusPodivm, 2013. p. 423.

8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Direito de família: as famílias em perspectiva constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 553.

9 Idem.

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Ademais, uma simples observação do dia a dia forense permite constar que não são tão frequentes os casos em que há um arrependimento posterior à separação judicial, dentro de um enorme universo de separações que se con-vertiam em divórcios.

Maria Berenice Dias10 também assim entende:

É um instituto que traz em suas entranhas a marca de conservadorismo atualmen-te injustificável. É quase um limbo: a pessoa não está mais casada, mas não pode casar de novo. Se, em um primeiro momento, para facilitar a aprovação da Lei do Divórcio, foi útil e, quiçá, necessária, hoje inexiste razão para mantê-la [...].

Portanto, de todo o inútil, desgastante e oneroso, tanto para o casal como para o próprio poder Judiciário, impor uma duplicidade de procedimentos para manter, durante o breve período de um ano, uma união que não mais existe, uma sociedade conjugal “finda”, mas não “extinta”.

Rodrigo Cunha Pereira11, de modo mais incisivo, cita críticas ao instituto, afirmando: ele significa mais gastos financeiros, mais desgastes emocionais e contribui para o emperramento do Judiciário, na medida em que significa mais processos desnecessários.

Por derradeiro, há doutrina em sentido contrário ao ora destacado, in-terpretando que a eliminação da separação de fato e de direito somente diz respeito ao requisito prévio do divórcio. Vejamos, assim, as palavras de Regina Beatriz Tavares da Silva12: “Conclui-se que a legislação infraconstitucional há de ser interpretada de forma a eliminar a separação de direito e de fato, exclu-sivamente, como requisito prévio do divórcio, desonerando aquele que pode optar por divorciar-se diretamente”.

Referida doutrinadora assevera ainda:

Desse modo, permanece a separação, judicial e extrajudicial, para quem a pre-ferir, por respeito aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como detalhado antes. Reitere-se que essa espécie dissolutória não colide com a emenda constitucional do divórcio.13

10 BERENICE, Maria. Divórcio já!: comentários à Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

11 A Emenda Constitucional nº 66/2010: semelhanças, diferenças e inutilidades entre separação e divórcio e o direito intertemporal. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=647>. Acessado em: 26 mar. 2017.

12 Divórcio e separação após a EC nº 66/2010. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 196.

13 Nova lei do divórcio não protege a família. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-jul-17/lei- -divorcio-nao-protege-dignidade-membros-familia>. Acesso em: 24 mar. 2017.

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Como se vê, para Regina Tavares, devem ser conservadas as espécies de dissolução do casamento, competindo às pessoas a liberdade de escolha por qual delas melhor lhe convir.

Todavia, podemos concluir, com os entendimentos anteriormente apon-tados, que a posição majoritária de nossa doutrina curva-se no sentido de que a Emenda Constitucional de nº 66, do ano de 2010, suprimiu a existência da separação em nosso ordenamento jurídico.

4.3 o posicioNaMeNto jurisprudeNcial

Após minucioso estudo sobre a permanência do instituto da separação judicial, em que pese a doutrina brasileira, imperioso se faz a abordagem do tema sob o enfoque da jurisprudência de nossos tribunais.

Com efeito, da mesma maneira como se mostraram nossos doutrinado-res, a jurisprudência também não se revela pacífica em relação à separação judicial após o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010.

Inicialmente, portanto, destacarmos diversos julgados contrários à exis-tência da separação judicial hodiernamente. No entanto, para fins didáticos, fez-se coerente apontar somente excertos das decisões atinentes ao assunto, evitando a transcrição de matérias sem relevância ao tema ora proposto.

Dessa forma, vejamos, por exemplo, julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que, embora evidencie entendimento minoritário, posiciona-se contrário à separação judicial:

A nova ordem constitucional introduzida pela EC 66/2010, além de suprimir o instituto da separação judicial, também eliminou a necessidade de se aguar-dar o decurso de prazo como requisito para a propositura da separação judicial [...]. (TJDF, AC 20100110642513, Relª Ana Maria Duarte Amarante Brito, DJ 07.10.2010)

Outrossim, ainda em relação à extinção da separação judicial após a EC 66/2010, em acórdão proferido pela Desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende, do Tribunal de Justiça do Paraná, em 08.02.2012, nos autos do Agra-vo de Instrumento nº 803.244-0, da 2ª Vara de Família de Londrina, apontou a Magistrada em seu relatório:

[...] Diante da alteração da Constituição houve a extinção do instituto da separa-ção judicial. Diversas são as razões favoráveis para essa conclusão.

Sob o prisma da interpretação sistemática, não pode prevalecer norma infracons-titucional que trate das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal se a Cons-tituição expressamente as modificou, restringindo-as apenas ao divórcio.

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Assim, a separação, que tinha como escopo final a dissolução do vínculo con-jugal, perde a sua razão, já que não é mais requisito necessário a possibilitar a ação do divórcio...

Malgrado tenham nossos tribunais, logo após a edição da Emenda Constitucional nº 66, apresentado posição condizente com a extirpação da separação do orde-namento jurídico, opinião esta que entendemos não coerente, notadamente dian-te da relevância do tema, é fato que a emenda citada não se flagra incompatível com a atual redação do § 6º do art. 226 da Carta Maior.

O posicionamento condizente com a manutenção da separação judicial, inclusive, mostra-se majoritário, conforme julgados de diversos tribunais esta-duais que assim dispõem:

[...] A Emenda Constitucional nº 66/2010 não aboliu a separação judicial do or-denamento jurídico pátrio, limitando-se à desconstitucionalização do tema, con-ferindo ao legislador ordinário liberdade para sua regulamentação, em consonân-cia com os reclamos da sociedade pós-moderna. Deve ser reformada a sentença que julga procedente pedido de divórcio direto, sem observância do lapso tempo-ral exigido pelo art. 1.580 do Código Civil [...]. (TJMG, AC 10479130039270001, 2ª C.Cív., Rel. Des. Afrânio Vilela, DJ 16.09.2014)

[...] Para a decretação da dissolução do matrimônio, imperiosa a realização da referida audiência, porquanto a nova redação do art. 226, § 6º, da Constituição Federal, oriunda da Emenda Constitucional nº 66/2010, somente tornou desne-cessário o decurso de prazo para o divórcio, não tendo sido revogados os demais dispositivos que regulamentam a matéria [...]. (TJRS, AI 70060515863, 7ª C.Cív., Rel. Des. Jorge Luís Dall’Agnol, DJ 27.08.2014)

Diferentemente dos tribunais do Distrito Federal e do Paraná, o Tribunal do Estado de Minas Gerais, logo após a EC 66/2010, já apresentava postura favorável à manutenção da separação judicial, conforme ementa a seguir apre-sentada, datada 19.07.2011:

A regra trazida ao nosso ordenamento jurídico pela EC 66/2010 não tem o con-dão de revogar as disposições legais que tratam da separação e da separação de corpos, não obstante não se possa negar que, realmente, esse último instituto tenha, de fato, perdido algumas de suas implicações a partir da vigência daquela. Sentença que não aprecia todos os pedidos formulados na inicial pelo autor é nula pelo vício de ser infra petita. (TJMG, AC 1.0024.10.150966-9/001, 6ª C.Cív., Rel. Des. Edivaldo George dos Santos, DJ 19.07.2011)

O colendo Superior Tribunal de Justiça, a respeito do tema em comento, entendeu, por unanimidade, pela não supressão da separação judicial, confor-me Sentença Estrangeira nº 2302, julgada em 12.05.2011. Posteriormente, a

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Comissão de Direito de Família e Sucessões aprovou enunciados que concluem pela manutenção da separação judicial em nosso ordenamento jurídico, confor-me Enunciado nº 514, in verbis:

Enunciado nº 514 – Art. 1.571. A Emenda Constitucional nº 66/2010 não extin-guiu o instituto da separação judicial e extrajudicial.

O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, cumpre destacar, também entende mantida a separação judicial após a alteração constitucional ocorrida em 2010, conforme entendimento unânime expressado no Recurso Extraordiná-rio nº 227114, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 21.11.2011, assim ementado:

Direito constitucional. Princípio da isonomia entre homens e mulheres. Ação de separação judicial. Foro competente. Art. 100, I, do Código de Processo Ci-vil. Art. 5º, I, e art. 226, § 5º, da CF/1988. Recepção. Recurso desprovido. O inciso I do art. 100 do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei nº 6.515/1977, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. O foro espe-cial para a mulher nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende o princípio da isonomia entre homens e mulhe-res ou da igualdade entre os cônjuges. Recurso extraordinário desprovido. (STF, RE 227114, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 22.11.2011)

Vale destacar, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça, por votação unânime em 14.09.2010, pronunciou-se pela manutenção da separação, ao lado do divórcio, no julgamento do pedido de providências do Instituto Bra-sileiro de Direito de Família – IBDFAM, tendo como Relator Jefferson Luis Kravchychyn, a respeito da alteração da Resolução nº 35/2007 sobre a Lei nº 11.441/2007, que versa sobre os procedimentos extrajudiciais de divórcio, separação e inventário:

Pedido de providências. Proposta de alteração da Resolução nº 35 do CNJ em ra-zão do advento da Emenda Constitucional nº 66/2010. Supressão das expressões “separação consensual” e “dissolução da sociedade conjugal”. Impossibilidade. Parcial procedência do pedido. A Emenda Constitucional nº 66, que conferiu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, dispõe sobre a dissolu-bilidade do casamento civil pelo divórcio, para suprimir o requisito de prévia se-paração judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Divergem as interpretações doutrinárias quanto à supressão do instituto da separação judicial no Brasil. Há quem se manifeste no sentido de que o divórcio passa a ser o único meio de dissolução do vínculo e da socieda-de conjugal, outros tantos, entendem que a nova disposição constitucional não revogou a possibilidade da separação, somente suprimiu o requisito temporal para o divórcio. Nesse passo, acatar a proposição feita, em sua integralidade,

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caracterizaria avanço maior que o recomendado, superando até mesmo possível alteração da legislação ordinária, que até o presente momento não foi definida.

Na data de 22.03.2017, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça sustentou que a única alteração ocorrida com EC 66 foi a supressão do requisito temporal e do sistema bifásico para que o casamento possa ser dissolvido pelo divórcio. Assim se manifestou a Ministra Isabel Galloti:

[...] O texto constitucional dispõe que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, imprimindo faculdade aos cônjuges, e não extinguindo a possibilida-de de separação judicial. Ademais, sendo o divórcio permitido sem qualquer restrição, forçoso concluir pela possibilidade da separação ainda subsistente no Código Civil, pois quem pode o mais, pode o menos também [...].14

Portanto, importante salientar que os Tabelionatos de Notas não podem se opor à lavratura de escritura de separação, nem mesmo à sua conversão. O que não se tornou problema, uma vez que, embora moderada a procura por separações, ainda persiste a sua demanda. Sem falar da procura pelo restabele-cimento conjugal, que também subsiste.

Assim, em respeito aos vários julgados apresentados, podemos concluir que, de fato, a separação judicial restou mantida em nosso ordenamento jurídi-co, com amparo na vontade de nossos tribunais.

CONCLUSÃO

A Emenda nº 66, de 2010, trouxe ao ordenamento jurídico não simples modificação do texto constitucional, mas gerou diversos debates na doutrina e jurisprudência sobre seu alcance, em que pese a permanência ou extinção do instituto da separação judicial e extrajudicial.

Nesse espeque, no presente estudo objetivou-se apontar os principais efeitos da citada emenda, abordando os diversos posicionamentos de nossos juristas sobre o tema.

De início, tornou-se de demasiada importância a abordagem de linhas gerais sobre o direito de família, abrindo caminho para o importante estudo sobre o casamento e a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, sendo suas causas, a saber, a morte, a anulação ou nulidade, a separação e o divórcio.

14 Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not% C3%ADcias/Quarta-Turma-define-que-separa%C3%A7%C3%A3o-judicial-ainda-%C3%A9-op% C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-disposi%C3%A7%C3%A3o-dos-c%C3%B4njuges>.

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Em continuidade, sobre o objetivo principal deste trabalho, qual seja, a respeito da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal à luz da Emenda Constitucional nº 66, fez-se necessário destacar as diversas teses defendidas por aqueles que acreditam estar a separação judicial e extrajudicial extintas desde a promulgação da EC 66.

Por outro lado, de fato, não se pode negar o posicionamento majoritário da jurisprudência pátria acerca da permanência, hodiernamente, da separação judicial e extrajudicial em nosso país, mesmo após o advento da EC 66, sobre-tudo pela vontade legislativa que objetivou, indubitavelmente, tão somente a supressão do requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos para o divórcio.

REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentários à Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Famílias. Bahia: JusPodivm, 2013.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. Direito de família: as famílias em perspectiva constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

PEREIRA, Rodrigo Cunha. A Emenda Constitucional nº 66/2010: semelhanças, diferen-ças e inutilidades entre separação e divórcio e o direito intertemporal. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=647>.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, v. 6, 2004.

SILVA, Regina Beatriz Tavares. Nova lei do divórcio não protege a família. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-jul-17/lei-divorcio-nao-protege-dignidade-mem-bros-familia>.

______. Divórcio e separação após a EC 66/2010. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. Rio de Janeiro: Método, 2012.

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Assunto Especial – Com a Palavra, o Procurador

Separação e Divórcio

A Dissolução da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Vínculo Matrimonial� Consequências

ROgéRIO TADEu ROMAnOProcurador Regional da República aposentado, Professor de Processo Penal e Direito Penal, Advogado.

SUMÁRIO: I – Separação e divórcio; II – Dissolução conjugal e dissolução do vínculo matrimonial; III – A separação judicial; IV – Separação de fato; V – Separação de corpos; 5.1 Divórcio antes da Emenda Constitucional nº 66, de 2010; 5.2 Divórcio após a Emenda Constitucional nº 66, de 2010; VI – Regime de bens e consequências; VII – Regime alimentar.

A sociedade conjugal, embora contida no matrimônio, é um instituto jurídico menor do que o casamento, regendo apenas o regime matrimonial de bens dos cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consor-tes ou de cada um deles.

I – SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO

A Lei nº 6.515/1977, editada após a emenda do divórcio, deixou patente a distinção entre separação judicial e divórcio.

De início, proibia a conversão da separação em divórcio em menos de um ano, fato que apresentava flagrante inconstitucionalidade.

Na separação, faz-se a partilha, o regime de guarda dos filhos, inclusive, se for o caso, o compartilhamento.

Qual a difereNça eNtre separação e divórcio?

Separação é uma forma de dissolução da sociedade conjugal, que extin-gue os deveres de coabitação e fidelidade próprios do casamento, bem como o regime de bens. Fica mantido, contudo, o vínculo matrimonial entre os se-parados, permitindo-se a reconciliação a qualquer tempo, o que os impede de contrair outro casamento até que seja realizado o divórcio. Já o divórcio é uma forma de dissolução total do casamento por vontade das partes. Somente após o

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divórcio é permitido aos cônjuges contrair outro casamento. Em caso de recon-ciliação do casal após o divórcio, é necessário um novo casamento.

Quais são os reQuisitos para se fazer o divórcio ou a separação extrajudicial?

Com a publicação da Lei nº 11.441, de 04.01.2007, tornou-se possível a realização de divórcio e separação em cartório, mediante escritura pública da qual constarão as disposições relativas à partilha dos bens comuns do ca-sal, quando houver, e à pensão alimentícia, desde que seja consensual, não haja filhos nascituros ou incapazes do casal e que haja assistência de advoga-do, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. De acordo com a Resolução CNJ nº 220/2016, que alterou a Resolução CNJ nº 35/2007, as partes devem, ainda, declarar ao tabelião que o cônjuge virago não se encon-tra em estado gravídico, ou, ao menos, que não tenha conhecimento sobre essa condição.

Há exceção a essa regra, contudo, em virtude da inclusão dos §§ 1º e 2º ao art. 310 da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça/TJRJ – Parte Extrajudicial, senão vejamos:

Art. 310. As partes devem declarar ao Tabelião, no ato da lavratura da escritura, que não têm filhos comuns ou, havendo, que são absolutamente capazes, indi-cando seus nomes e as datas de nascimento.

§ 1º Havendo filhos menores, será permitida a lavratura da escritura, desde que devidamente comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões refe-rentes aos mesmos (guarda, visitação e alimentos), o que deverá ficar consignado no corpo da escritura.

§ 2º Nas hipóteses em que o Tabelião tiver dúvida a respeito do cabimento da es-critura de separação ou divórcio, diante da existência de filhos menores, deverá suscitá-la ao Juízo competente em matéria de registros públicos.

É possível divorciar seM prÉvia partilha?

Sim, é possível, com fundamento no art. 1.581 do Código Civil (este arti-go revogou o art. 31 da Lei do Divórcio):

Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.

Deve-se evitar, pois perpetua o litígio, o que é fonte de sérias desavenças e tu-multos processuais.

Portanto, o divorciado pode casar antes de proceder a partilha, mas não deve (é bem diferente de ser proibido), a fim de evitar confusão patrimonial com a nova sociedade conjugal, conforme se vê:

Art. 1.523. Não devem casar:

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[...]

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

[...]

Não há impedimento ao casamento de pessoa divorciada e nem existe vedação à decretação do divórcio sem partilha de bens, porém, se o divorciado casar, o regime de casamento será obrigatoriamente o de separação total, con-forme se constata:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento.

Ou seja, há uma limitação na liberdade de convenção dos cônjuges, porque a falta de partilha no divórcio é causa suspensiva, determinando que se aguarde prazo ou condição que, naquele dado momento, desautorize o enlace. Assim, os nubentes não podem escolher livremente o regime de bens, o que é uma sanção negativa ao descumprimento do dever jurídico, imposta, pois, pela lei. É um ônus, um encargo que a pessoa deve suportar se decidir por determi-nado ato.

Há o entendimento de que o que se quer é evitar uma eventual turbação patrimonial, por isso o novo casamento será celebrado obrigatoriamente pelo regime da separação, sem comunhão de aquestos (bens aquestos são aqueles adquiridos pelo esforço comum do casal e não de um só dos cônjuges na vi-gência do matrimônio, ou seja, são os bens adquiridos na constância do casa-mento).

coMo ficará o regiMe de beNs?

Temos diversos regimes de bens que podem ser objeto hoje de mudança mediante certas condições legais.

O antigo Código Civil impossibilitava alteração do regime de bens esco-lhido por ocasião da celebração do casamento, ao dispor, no art. 230, que: “O regime de bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável”.

O atual Código Civil, ao contrário, em seu art. 1.639, § 2º, dispõe que “é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões in-vocadas e ressalvados os direitos de terceiro”.

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É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição da inexistência de dívida de qualquer natureza, sen-do “exigida ampla publicidade”.

O Desembargador do TJRS e Presidente do IBDFAM-RS, Luiz Felipe Brasil dos Santos, em artigo intitulado “A mutabilidade dos regimes de bens”, explanou:

Inovando profundamente na matéria, o Código Civil de 2002 subverte o sistema anterior, e passa a admitir a alteração do regime de bens no curso do casamento, nas condições postas pelo art. 1.639, § 2º. Sinale-se que, desta forma, o ordena-mento jurídico nacional, na linha das legislações mais recentes, faz com que a autonomia de vontade dos cônjuges, no que diz com o ajuste dos efeitos patrimo-niais do casamento, amplie-se consideravelmente, não se manifestando apenas no momento anterior ao matrimônio, através da pactuação do regime de bens que adotarão ao casar – momento em que, pelo consagrado princípio da livre estipulação (art. 1.639, caput), poderão escolher (salvante as hipóteses em que é obrigatório o regime da separação de bens – art. 1.641 do CC) o regime de bens que melhor lhes aprouver – como podendo vir a modificar, ante circunstâncias que a extraordinária dinâmica da vida venha a lhes apresentar, a escolha feita naquele momento precedente.

Para o STJ, é possível alterar o regime de bens do casamento, desde que respeitados os efeitos da opção anteriormente feita pelo casal.

O tema “Alteração do regime de bens na constância do casamento” pos-sui 14 acórdãos. “É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando, então, o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os côn-juges, será objeto de autorização judicial, com a ressalva dos direitos de tercei-ros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”, diz um dos acórdãos.

Para os ministros do STJ, o Judiciário deve aceitar o desejo do casal de alterar o regime conjugal, uma vez que “a paz conjugal precisa e deve ser pre-servada”. No entendimento da Corte, diante de manifestação expressa dos côn-juges, não há óbice legal, por exemplo, de um casal partilhar os bens adquiridos no regime de comunhão parcial, na hipótese de mudança para separação total, desde que não acarrete prejuízo para ambos – entendeu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reformar decisão Justiça do Rio Grande do Sul. No caso, o casal recorrente argumentou que o marido é empresário e está exposto aos riscos do negócio, enquanto a esposa tem estabilidade financeira graças a seus dois empregos, um deles como professora universitária.

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Os Magistrados de primeiro e segundo graus haviam decidido que é pos-sível mudar o regime, mas não partilhar os bens sem que haja a dissolução da união. Assim, o novo regime só teria efeitos sobre o patrimônio a partir do trân-sito em julgado da decisão que homologou a mudança.

O relator do recurso interposto pelo casal contra a decisão da Justiça gaú-cha, Ministro Marco Aurélio Bellizze, ressaltou que os cônjuges, atualmente, têm ampla liberdade para escolher o regime de bens e alterá-lo depois, desde que isso não gere prejuízo a terceiros ou para eles próprios. É necessário que o pedido seja formulado pelos dois e que haja motivação relevante e autorização judicial.

Bellizze ressaltou que ainda há controvérsia na doutrina e na jurispru-dência sobre o momento em que a alteração do regime passa a ter efeito, ou seja, a partir de sua homologação ou desde a data do casamento. O ministro salientou, porém, que há hoje um novo modelo de regras para o casamento, em que é ampla a autonomia da vontade do casal quanto aos seus bens.

No STJ, tem prevalecido a orientação de que os efeitos da decisão que homologa alteração de regime de bens operam-se a partir do seu trânsito em julgado. A única ressalva apontada na legislação diz respeito a terceiros. O § 2º do art. 1.639 do Código Civil de 2002 estabelece que os direitos destes não serão prejudicados pela alteração do regime.

“Como a própria lei resguarda os direitos de terceiros, não há por que o julgador criar obstáculos à livre decisão do casal sobre o que melhor atende a seus interesses”, disse o relator. “A separação dos bens, com a consequente individualização do patrimônio do casal, é medida consentânea com o próprio regime da separação total por eles voluntariamente adotado”, concluiu o mi-nistro.

Para que tal modificação ocorra, é imprescindível a autorização judicial, que se dará mediante o ajuizamento de procedimento próprio por ambos os cônjuges, por intermédio de advogado. O pedido deve ser comprovadamente motivado, cabendo ao juiz acolher tal motivação.

Além disso, deve-se também preservar os direitos e interesses de tercei-ros, o que, aliás, tem se mostrado a maior preocupação dos juízes em relação a esses pedidos.

Para tanto, recomenda-se demonstrar ao juiz, por meio de certidões ne-gativas dos cônjuges e documentos, que os direitos de terceiros serão preserva-dos, ou seja, que o pedido não é uma tentativa de fraudar eventuais direitos de terceiros, por exemplo, credores.

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II – DISSOLUÇÃO CONJUGAL E DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO MATRIMONIAL

A sociedade conjugal e o vínculo matrimonial são inconfundíveis, pois a sociedade conjugal, de forma simples, significa o convívio, os deveres entre os cônjuges; já o vínculo matrimonial seria o casamento válido propriamente dito, sendo o vínculo matrimonial um instituto maior que a sociedade conjugal. Discorre sobre isso Maria Helena Diniz (2008):

O casamento é, sem dúvida, um instituto mais amplo que a sociedade conjugal, por regular a vida dos consortes, suas relações e obrigações recíprocas, tanto mo-rais quanto as materiais, e seus deveres para com a família e a prole. A sociedade conjugal, embora contida no matrimônio, é um instituto jurídico menor do que o casamento, regendo apenas o regime matrimonial de bens dos cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes ou de cada um deles. Daí não se poder confundir o vínculo matrimonial com sociedade?

Com base no art. 1.571 do Código Civil, incisos I, II, III, IV e § 1º, o vín-culo matrimonial somente é dissolvido pelo divórcio ou pela morte de um dos cônjuges. A separação judicial, embora coloque termo à sociedade conjugal, mantém intacto o vínculo matrimonial, impedindo os cônjuges de contrair no-vas núpcias. Pode-se, no entanto, afirmar que representa a abertura do caminho à sua dissolução.

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I – pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial;

IV – pelo divórcio.

§ 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

Confunde assim muito a população, justamente pelos efeitos práticos en-tre divórcio e separação judicial serem muito parecidos.

III – A SEPARAÇÃO JUDICIAL

A separação, portanto, é considerada uma dissolução da sociedade con-jugal, ou seja, um instituto que visa a pôr fim aos deveres implícitos em uma relação matrimonial, quais sejam, fidelidade recíproca, vida em comum, no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e consideração mútuos, todos contidos no art. 1.566 do Código Civil,

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porém os cônjuges não podem contrair novas núpcias, justamente por não rom-per com o vínculo matrimonial já detalhado anteriormente.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através da formulação da Súmula nº 39, acabou com uma discussão que já levava tempo, qual foi, a ex-tinção da separação judicial após a criação da possibilidade de divórcio:

39. A Emenda Constitucional nº 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, não baniu do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, dispensados, porém, os requisitos de um ano de separação de fato (quando litigioso o pedido) ou de um ano de casamento (quando consensual).

Referência: Incidente de Prevenção ou Composição de Divergência em Apelação Cível nº 70045892452, julgado em 05.04.2012. Sessão do 4º Grupo Cível. Disponibilização DJ nº 4820, de 27.04.2012, Capital, 2º Grau, p. 210.

De acordo com Maria Helena Diniz (2009):

Duas são as espécies de separação judicial: a) consensual (CC, art. 1.574), ou por mútuo) consentimento dos cônjuges casados há mais de uma ano, cujo acor-do não precisa ser acompanhado de motivação, mas, para ter eficácia, requer homologação judicial depois de ouvido o Ministério Público; b) a litigiosa, ou não consensual, efetivada por iniciativa da vontade unilateral de qualquer dos consortes, ante as causas previstas em lei.

Portanto, as pessoas entram com a ação de separação apenas para dis-cutir culpa, o que torna um procedimento mais demorado e oneroso para uma dissolução da sociedade conjugal.

IV – SEPARAÇÃO DE FATO

É uma situação fática. A separação de fato pode ser entendida como uma decisão, dos próprios cônjuges, não sendo mais possível conviver em harmonia, em pôr fim à sociedade conjugal, sem, no entanto, recorrer aos meios legais.

Para caracterização da separação de fato, é necessário o preenchimento de alguns requisitos de acordo com Guilherme Calmon Nogueira Gama:

Dentro da distinção entre características e requisitos, importante enunciar ini-cialmente as características da separação de fato: (a) objetivo de dissolução da família matrimonial anteriormente formada (ainda que de um somente); (b) insta-bilidade; (c) continuidade; (d) notoriedade; (e) ausência de formalismo. E, como requisitos, mais uma vez, é relevante a distinção entre os requisitos objetivos e subjetivos. Assim, podem ser enumerados os requisitos indispensáveis à configu-ração da separação de fato: A? requisitos objetivos: (a) a existência de casamento válido; (b) ausência de óbice a dissolução da sociedade conjugal; (c) superve-

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niente falta de comunhão de vida; (d) lapso temporal de separação fática; (e) falta de justo motivo para a separação; B? requisitos subjetivos: (a) intenção de não mais conviver (impossibilidade de reconstituição da vida em comum); (b) ausên-cia de affectio maritalis.

Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, podemos ve-rificar que, mesmo a separação sendo de fato e não judicial, desde que com-provada, não há mais deveres entre os cônjuges, pois caracterizaria o fim da sociedade conjugal, como por exemplo o dever da fidelidade recíproca:

Direito civil. Doação. Aquisição de imóvel em nome da companheira por ho-mem casado, já separado de fato. Distinção entre concubina e companheira. As doações feitas por homem casado à sua companheira, após a separação de fato de sua esposa, são válidas, porque, nesse momento, o concubinato anterior dá lugar à união estável; a contrario sensu, as doações feitas antes disso são nulas. Recurso especial de M. S. O. conhecido em parte e, nessa parte, provido; recur-so especial de F. P. P. T. não conhecido. (REsp 408.296/RJ, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, J. 18.06.2009, DJe 24.06.2009)

Analisando o julgado, é notória a justificativa do julgador, pois, se é pos-sível contrair união estável sendo separado de fato, seria contraditório dizer que implicaria o dever da fidelidade.

V – SEPARAÇÃO DE CORPOS

A separação de corpos também é uma alternativa aos cônjuges que não convivem mais em harmonia e querem se distanciar para evitarem conflitos, porém difere da separação de fato, pois, nesse caso, é necessária a decretação judicial por meio de um procedimento cautelar.

É uma alternativa para os cônjuges que querem pôr fim aos deveres con-jugais e ao regime de bens sem pôr fim ao vínculo matrimonial. Discorre sobre isso Maria Berenice Dias (2011):

[...] a separação de corpos é a alternativa para quem deseja pôr fim aos deveres conjugais e ao regime de bens, mas não quer dissolver o casamento. Muitas vezes, os cônjuges invocam até razões religiosas para não desejarem o divórcio.

5.1 divórcio aNtes da eMeNda coNstitucioNal Nº 66, de 2010

O conceito de divórcio nada mais é do que a dissolução da sociedade conjugal, bem como, do vínculo matrimonial, ou seja, do casamento válido, que se opera mediante a uma sentença judicial, podendo assim, depois de de-cretada, realizar um novo casamento.

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Outrossim, antes de 2010, para poder entrar com um pedido de divórcio na justiça, era pré-requisito, comprovar-se por meio de uma certidão de averba-ção no assento do casamento, que encontrava-se separado judicialmente, por no mínimo um ano, ou, separado de fato por no mínimo dois anos.

5.2 divórcio após a eMeNda coNstitucioNal Nº 66, de 2010

Somente em 2010, foi criada uma Emenda Constitucional, a nº 66, de 2010, a qual aboliu a obrigatoriedade da separação para a realização do divór-cio. Contudo, a separação permanece no ordenamento jurídico, como opção aos cônjuges que não têm interesse na manutenção da sociedade conjugal, mas que por qualquer razão também não desejam dissolver o vínculo matrimonial pelo divórcio.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto cons-titucional:

Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 226. [...]

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.” (NR)

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, em 13 de julho de 2010.

VI – REGIME DE BENS E CONSEQUÊNCIAS

Em bem traçado estudo disse Danilo Montemurro:

•Regimedacomunhãoparcialdebens(esteéoregimelegal);

•Regimedacomunhãototaldebens;

•Regimedaseparaçãoconvencionaldebens;

•Regimedaseparaçãoobrigatóriadebens;

•Regimedaparticipaçãofinalnosaquestos;

•Regimedacomunhãoparcialdebens(regimelegal).

É dito como “regime legal”, pois é o regime que a lei escolhe quando o casal contrai matrimônio sem especificar qual regime gostaria de ser adotado. É também o regime vigente nos casos da união estável. Qualquer outro regime de

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bens deve, no momento do matrimônio ou da união estável, ser escolhido pelo casal por meio de escritura pública (pacto antenupcial).

Todos os bens adquiridos na constância do casamento, seja pela esposa ou pelo marido, ainda que registrado no nome de apenas um deles, será dividi-do igualmente. Metade para cada um. Os bens adquiridos antes do casamento pertencem a quem os adquiriu e não serão divididos.

Assim, em caso de divórcio, o casal deverá definir como os bens serão divididos. Poderá um comprar a parte do outro, ou colocar à venda e dividir o dinheiro, ou poderão dividir os bens de maneira que cada um fique com o mesmo valor patrimonial, ou, ainda, permanecer em condomínio, ou seja, cada um fica com o equivalente à metade de cada propriedade, o que considero a pior hipótese e uma péssima ideia.

Lembro que, no divórcio litigioso, alguns juízes determinam a venda de todo o acervo patrimonial e depois divide o valor obtido com as vendas. Essa venda é realizada em leilão judicial, ato que, além de demorado, resulta em considerável perda no valor dos bens, pois serão avaliados em valor abaixo do mercado e podem ser arrematados por valor abaixo do avaliado. Péssimo negócio para ambos.

Ainda, muitos juízes, especialmente em relação aos bens imóveis, aca-bam determinando o registro em nome de ambos, cabendo, a cada um, o equi-valente a 50% do bem. Solução de difícil praticidade e que acaba colocando o casal em uma situação ainda pior. Péssimo negócio para ambos.

O melhor é ser feito consensualmente, dividindo-se o patrimônio igual-mente, ainda que haja concessões e prejuízos. Para os bens de fácil liquidez, sugiro que sejam vendidos e dividido o resultado.

Por fim, alego que existem algumas exceções, que podem ser de bens provenientes de herança ou gravados com cláusula de incomunicabilidade, ou aqueles que servem ao exercício profissional, insistindo, assim, para que seja sempre consultado um advogado de sua confiança.

regiMe da coMuNhão uNiversal de beNs

Somente por pacto antenupcial, é o regime que determina que todos os bens pertencem a ambos. No casamento sob este regime, ocorre não apenas a união de vidas, mas também a união de patrimônio. Assim, com o divórcio, todo o acervo patrimonial deve ser dividido.

As observações e sugestões para a divisão dos bens no regime da comu-nhão parcial também podem ser aplicadas aqui neste caso. Outrossim, também existem exceções para este regime.

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regiMe da separação de beNs

Opção de regime escolhido por via de pacto antenupcial e que, na sepa-ração ou divórcio, não há divisão patrimonial, pois cada um possui seu acervo patrimonial particular. O que é adquirido por um a este pertence mesmo após o divórcio.

Contudo, como ambos os cônjuges são responsáveis, na proporção de seu patrimônio, para manutenção da família, as dívidas e eventuais emprés-timos contraídos para manter o necessário à economia doméstica comuni-cam-se, devendo cada um arca com a parte proporcional ao patrimônio que possui.

Ainda, importante saber que o regime não afasta eventual obrigação ali-mentar, um verdadeiro direito constitucional impositivo.

Outro regime de bens pode ser aceito pelos cônjuges antes do casamen-to, por escritura, em cartório competente, através de pacto pré-nupcial.

Essa obrigação alimentar é passível de regime de revisão, sendo que a sentença, nessa parte, não faz coisa julgada.

VII – REGIME ALIMENTAR

A ação de alimentos disciplinada pela Lei nº 5.478-68, em seu art. 2º, prevê que o credor “exporá suas necessidades, provando apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar ao devedor [...]”.

O fundamento da obrigação alimentar e da solidariedade familiar está no princípio da dignidade da pessoa humana, uma das colunas do Estado Demo-crático de Direito, conforme art. 1º, III, da CF.

Temos ainda que, consagrado constitucionalmente, encontra-se o dever de alimentar, consoante os arts. 229 e 230 da Carta Magna, in verbis:

Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maio-res têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

O art. 227 da Constituição Federal ainda determina que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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O referido preceptivo orienta a legislação infraconstitucional pertinente, a exemplo dos arts. 1.694, 1.696 e 1.699, todos do Código Civil, todos consa-grando e revestindo de imperatividade o dever de alimentar:

De acordo com o prescrito neste Capítulo, podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir.

O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos, uns em falta dos outros.

Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, redução ou majoração do encargo.

A respeito do tema, vejamos as lúcidas palavras de Silvio Rodrigues:

[...] Uma vez fixada, a pensão alimentícia pode ser alterada, por reclamação de qualquer das partes, desde que evidencie ter sobrevindo mudança na fortuna de quem fornece os alimentos, ou na de quem os recebe; assim, por exemplo, se com o seu crescimento os filhos necessitam de maiores recursos para estudo e vestuário, ou se provam que a situação financeira do pai melhorou, em relação à anterior, deve o juiz conceder o aumento de pensão alimentícia [...].

Nessa linha de raciocínio, o pedido a ser formulado pela parte requerente deverá encontrar embasamento fático e jurídico, demonstrando, à saciedade, o bom-senso na delimitação e no equilíbrio existente entre a necessidade de quem os requer e a possibilidade de prestar alimentos, a contrário senso, chega-ria a arranhar profundamente princípios morais e humanitários universalmente estabelecidos.

A jurisprudência na análise do tema recepciona fielmente o pedido em apreço, posto que o bem jurídico tutelado é o bem-estar da criança e do ado-lescente, vejamos:

Alimentos. Ação revisional. O que deve provar o autor. Na ação revisional de alimentos, deve-se provar a necessidade de ser a pensão alterada e que o alimen-tante tem condições de suportar sem aumento. (TJMG, Ap. 49.997, 3ª C.Cív., v.u., J. 09.08.1979, RT 541/256)

Quando se fala em alimentos, determina-se o direito de exigi-los e a obrigação de prestá-los, demonstrando, assim, o caráter assistencial do instituto. Na sua finalidade, os alimentos visam a assegurar tudo aquilo que é necessário para propiciar a subsistência de quem não tem meios de obtê-los ou se encontra impossibilitado de produzi-los.

O dever de sustento é vinculado ao pátrio poder e só cessa com a maiori-dade, ainda que, pela sua idade, o filho já esteja apto para o trabalho; portanto,

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é dever incontroverso dos pais prestarem aos filhos menores tudo o que é neces-sário para torná-los um ser em condições de viver e de se desenvolver.

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

O poder familiar ou o pátrio poder é um sistema de direitos e deveres li-mitado pelas normas jurídicas, que permeia a relação entres os pais e seus filhos na qualidade de crianças ou adolescentes, não emancipados ou não sujeitos a outra restrição familiar legal ou judicial, propiciando legitimamente a forma como devem ser cumpridos os ditames impostos pela legislação para formação da pessoa em desenvolvimento com dignidade social e humana na entidade familiar e na sociedade.

O referido poder familiar é exercido pelos pais/genitores, quanto à pes-soa de seus filhos, competindo-lhes o dever quase que absoluto de assistir, criar e educar seus filhos até a maioridade em decorrência do poder familiar (arts. 5º e 1.630 do NCC).

Nesse sentido, a posição majoritária defende:

São considerados encargos de família os filhos que até 24 anos de idade estejam cursando estabelecimento de ensino superior não gratuito. (TJSC, AC 98.004021-3, de Joinville, 1ª C.Cív., Rel. Des. Orli Rodrigues, J. 18.08.1998).

[...] Cursando o filho escola universitária, presume-se a necessidade de alimentos até que complete 24 anos. (RT 640/77)

Alimentos. Exoneração pretendida. Filha que completa 21 anos, que não tem ren-dimentos próprios e cursa estabelecimento de ensino superior. Prestação devida pelo pai. Confirmação da sentença. (RJTJSP 60/40)

Com base nos princípios da solidariedade familiar e capacidade financei-ra, os alimentos pleiteados na revisional deverão ser judicialmente considerados devidos, desde que demonstrado que o menor que os pretende deles necessita, ao passo que o requerido pode perfeitamente fornecê-los sem desfalque algum do necessário ao seu sustento.

O dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores (tecnicamen-te crianças e adolescentes), enquanto não atingirem a maioridade civil ou por outra causa determinada pela legislação, decorre do poder familiar (art. 229, primeira parte da CF/1988; art. 22 da Lei nº 8.069/1990 – ECA; arts. 1.630, 1.634 e 1.635, III, do NCC); e, por outro lado, alguns parentes (arts. 1.694, 1.696/1.698 do NCC), cônjuges (1.566, III, 1.694, 1.708 do CC atual), compa-nheiros (arts. 1.694, 1.708, 1.724 do NCC) ou pessoas integrantes de entidades familiares lastreadas em relações afetivas, podendo buscar alimentos com base na obrigação alimentar, no direito à vida e nos princípios da solidariedade, ca-pacidade financeira, razoabilidade e dignidade da pessoa humana.

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Nesse sentido, a 3ª Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça deci-diu, no julgamento do Recurso Especial nº 241.832/MG, que:

O dever de prestar alimentos aos filhos menores impúberes independe da de-monstração da necessidade para que se estabeleça a relação obrigacional entre o alimentante e o alimentando, bastando que haja a comprovação do vínculo jurídico a unir as partes.

Diga-se ainda que:

Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes, ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais, conforme preceitua o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.609/1990).

A Lei nº 5.478/1968, em seu art. 2º, embasa a sua pretensão:

O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e so-brenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe.

Com base no art. 400 do Código Civil brasileiro, a obrigação de ali-mentar deverá se estabelecer no parâmetro das necessidades do requerente e com as possibilidades do requerido, cumprindo assim o binômio necessidade/possibilidade:

Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do Reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

Uma questão diz ainda a união de aquestos.Nesse regime, cada cônjuge mantém patrimônio próprio, comunicando-

-se tão somente os bens adquiridos pelo casal, a título oneroso (mediante paga-mento), durante a constância da união.

No caso de dissolução da sociedade conjugal, deverão ser divididos ape-nas os bens adquiridos durante o casamento, excluindo-se aqueles que já per-tenciam exclusivamente a cada um dos consortes.

Concernente aos bens móveis, haverá presunção de terem sido adquiri-dos durante a união, admitindo prova em contrário.

Os cônjuges que optarem pelo regime de participação final nos aquestos poderão fazer constar do pacto antenupcial a possibilidade de livremente dispo-rem dos bens imóveis, desde que particulares, dispensando a outorga do outro, como se exige a regra.

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Assunto Especial – Em Poucas Palavras

Separação e Divórcio

A Separação e o Divórcio no Novo CPC

JAMILE CALADO1

Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-Goiás (2014), Curso Básico de Formação – Técnicas de Conciliação – Tribunal de Justiça de Goiás em parceria com o Terceiro Centro de Conciliação da PUC-GO (2014), Curso de Introdução ao Código de Defesa do Consumidor pelo Instituto Legislativo Brasileiro (2014), Curso de Direito Constitucional pelo Instituto Legislativo Brasileiro (2014), trabalho voluntário como Articuladora de Política Pública para Juventude no Território de Irecê, Bahia (2015-2016).

O novo Código de Processo Civil estabelece um procedimento especial para as chamadas “ações de família”, quais sejam, o divórcio, a separação, o reconhecimento e a extinção da união estável, a guarda, a visitação e a filiação. Quanto às ações de alimentos, há previsão para aplicação do Código de Proces-so Civil apenas no que for cabível.

A possibilidade da dissolução do casamento veio com a Emenda Consti-tucional nº 9, de 22 de junho de 1977, que introduziu no nosso ordenamento a possibilidade de pôr termo no casamento pelo divórcio, condicionado, contu-do, à prévia separação do casal. Veio, então, a Lei nº 6.515/1977, que regula-mentou a separação judicial e o divórcio. Embora separação judicial, manteve o mesmo conteúdo que antes tinha o desquite.

Promulgada a Constituição de 1988, o divórcio passou a depender de separação judicial de um ano ou de separação de fato de dois anos, segundo o § 6º do art. 226. Esse foi o sistema vigente até 13 de julho de 2010, quando a Emenda Constitucional nº 66. A partir de então, o § 6º do art. 226 da Consti-tuição passou a ter a seguinte redação: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

No novo CPC, os arts. 693 a 699 trazem as regras que deverão ser aplica-das exclusivamente às demandas mencionadas, quando contenciosas ou con-sensuais, ressalvando-se as disposições estabelecidas em leis especiais.

1 A autora publicou artigos na Revista Geração Z (edição nº 10, 2016, e edição nº 11, 2016), além de artigo jurídico pela Editora Lex Magister, versão digital (2016).

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Cabe ressaltar algumas novidades. A maior polêmica ficou pela manu-tenção da separação, que outrora encontrava interpretação do seu desuso, es-corada na Emenda Constitucional nº 66, que alterou o § 6º do art. 226 da CF. Desse modo, resta preservada a possibilidade de invocar a separação, como forma de cessar a convivência conjugal. Quanto ao rito do divórcio, a alteração ocorreu no momento da oferta da contestação pelo réu; agora, como acontece em outras demandas, a contestação ou reconvenção deverão ser ofertadas em até 15 dias úteis após o término da última audiência de tentativa de conciliação, consoante art. 697 do NCPC.

Da mesma forma merece destaque o fato de, agora, o MP não ter mais participação obrigatória em todas as ações de divórcio, sendo sua participação exigida somente quando houver interesse de incapaz e, também, no momento prévio ao eventual acordo, conforme comando previsto no art. 698 do mesmo Código.

No tocante à criança e ou adolescente, no processo de divórcio, quando se notar indícios de alienação parental, quando tomar o depoimento da crian-ça, é obrigatório o acompanhamento de profissional especializado – ainda que goze o juiz do livre convencimento, depende de análise técnica específica de um psicólogo ou assistente social, conforme arts. 447, § 4º, e 699, ambos do NCPC.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Federal nº 13.105. Código de Processo Civil. Brasília, 16 de março de 2015.

______. Constituição Federal (1988). Brasília, 5 de outubro de 1988.

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Assunto Especial – Acontece

Separação e Divórcio

STJ Considera Legal Divórcio Feito Sem Audiência de Conciliação

No entendimento dos ministros do STJ, a audiência não era necessária. Para o relator do recurso, não houve prejuízo às partes. Portanto, a decisão do juiz de homologar o acordo sem a realização de audiência foi, a seu ver, cor-reta.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou legal acordo de divórcio feito sem a realização de audiência prévia de conciliação entre as partes. A decisão confirma o entendimento de primeira e segunda ins-tâncias.

Os ministros lembraram que a questão já foi debatida no STJ e que, desde a edição da Lei nº 11.441/2007 (lei que possibilitou divórcios, partilhas e in-ventários feitos de forma administrativa), casos semelhantes têm entendimento pacífico na Corte.

A controvérsia no caso analisado diz respeito à filha do casal. Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a audiência deveria ter ocorrido para preservar os direitos da menor de idade. Ao recorrer para o STJ, o MPMG buscou anular o acordo homologado pelo juiz de primeira instância.

CELERIDADE

No entendimento dos ministros do STJ, a audiência não era necessária. Para o relator do recurso, Ministro Marco Buzzi, não houve prejuízo às partes. Portanto, a decisão do juiz de homologar o acordo sem a realização de audiên-cia foi, a seu ver, correta, visto que primou pela celeridade processual.

“Em que pese a audiência de ratificação ter cunho eminentemente for-mal, sem nada produzir, bem como ausente questão de direito relevante a ser decidida, não se justifica, na sua ausência, a anulação do processo. Assim, não se vislumbra a utilidade de dita audiência”, argumentou o ministro.

O ministro citou ainda outros julgados do STJ sobre o assunto, justifi-cando a teoria de intervenção mínima do Estado, já que, nos casos de acordo consensual, não há o que se julgar.

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NOVO CPC

Marco Buzzi destacou ainda que as novas alterações do Código de Pro-cesso Civil (CPC) reforçam o posicionamento de dar ênfase aos acordos con-sensuais. “O novo Código de Processo Civil, a entrar em vigor em março do ano em curso, não mantém mais a exigência, implicando o fim de qualquer controvérsia que ainda pudesse ser suscitada”, disse.

Para que o acordo fosse anulado, na visão dos ministros, seria necessário que o Ministério Público apontasse alguma violação clara de direito de uma das partes, o que não houve.

Fonte: site do STJ.

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Parte Geral – Doutrina

Possibilidade Jurídica de União Estável Ou Casamento entre Mais de Duas Pessoas: Interpretação Conforme a Constituição

vLADIMIR POLIZIO JunIOR1

Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual Constitucional pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora (UNLZ), Argentina, Especialista em Direito Constitucional, em Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal e Direito Processual Penal, Ex-Defensor Público, Professor, Jornalista e Advogado em São Paulo/SP.

Dignidade pressupõe não ser recriminado nem discriminado por es-colhas pessoais, que dizem respeito tão somente à vida íntima e pri-vada, que não podem ser reprimidas por preconceito moral.

RESUMO: A união estável ou o casamento não monogâmico tem amparo constitucional nos mesmos princípios adotados pelo STF no reconhecimento das uniões homossexuais. O Estado, que é laico, não pode se omitir diante de um fato social e tratar de modo diferenciado quem busca sua felicidade de forma não convencional; pelo contrário, deve interferir para proteger e resguardar as pessoas que se unem sob um conceito cada vez mais amplo de família, cujo liame subjetivo deve se pautar no amor familiar, na comunhão e na identidade dos seus membros. A família, monogâmica ou não, é a base da sociedade; da mesma forma que não pode ser limitada pela identidade do sexo dos que, unidos pelo amor, reciprocamente se nutrem de afeto, de respeito, de carinho, de compreensão, de apoio, também não pode deixar de ser reconhecida quando for plúrima, sob pena de se violar direito individual daqueles que optam assim viver. Discriminação e preconceito não se coadunam aos princípios republicanos da Constituição Federal, da qual emana supremo o princípio da dignidade da pessoa humana, com suas diversas particularidades.

PALAVRAS-CHAVE: União plúrima; união múltipla; poligamia; união poliafetiva; direitos fundamentais.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Dos fundamentos constitucionais; 2 Da união homoafetiva; 3 Da poligamia; 3.1 Da poligamia no Brasil; 4 Do relacionamento consentido entre mais de duas pessoas; 5 Da neces-sidade de interpretação conforme o art. 235 do Código Penal; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Não é apenas a garantia constitucional de liberdade religiosa que ampara a possibilidade jurídica de se regularizar um relacionamento plúrimo, porque o

1 Autor de inúmeros artigos em livros, revistas e publicações especializadas, e das seguintes obras: Lei de Acesso à Informação – Manual teórico e prático (1. ed., 2015), Novo Código Florestal (2. ed., 2014), Meio ambiente e os tribunais (1. ed., 2014), Crimes contra a vida e os tribunais (1. ed., 2014), Crimes contra o patrimônio e os tribunais (1. ed., 2014), Liberdade de expressão e os tribunais (1. ed., 2014).

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direito de ter reconhecida a união estável ou de casamento entre mais de duas pessoas advém, antes, do direito humano fundamental de primazia da digni-dade da pessoa humana. Dignidade pressupõe, pois, não ser recriminado nem discriminado por escolhas pessoais, que dizem respeito apenas e tão somente à vida íntima e privada, que não podem ser tolhidas ou reprimidas por precon-ceito moral.

O Estado não pode tutelar o indivíduo sobre aspectos relacionados à sua intimidade, sobre quem e como deve amar. Nesse ponto, o julgamento pelo STF da ADIn 4.277/DF (2011), que reconheceu aos casais homoafetivos idênticos direitos daqueles conferidos aos casais heteroafetivos, representou o amadure-cimento do constitucionalismo brasileiro, pois confirmou o princípio da digni-dade da pessoa humana como vetor para os demais princípios constitucionais, com repercussões em todo o ordenamento.

A busca da felicidade, pois, não pode ser embargada por preconceitos morais que repudiam a diversidade; a base para a construção de um Estado De-mocrático de Direito está justamente na pluralidade, na convivência pacífica e harmoniosa com o diferente. A família formada por um homem e uma mulher não é diferente daquela formada por duas mulheres ou por dois homens, por-que o sentimento que os une e os tornam partícipes dessa sociedade invisível denominada família é o amor, não somente o amor sexual, mas também, e sobretudo, aquele oriundo do companheirismo, do carinho, do afeto, do res-peito, da cumplicidade dos seus membros. Da mesma forma, se mais de duas pessoas se unem com os mesmos sentimentos dos casais monogâmicos, não há lastro jurídico constitucional possível para impedir igual tratamento: essa nova espécie de família pode viver em união estável ou regularizar a relação por casamento civil.

1 DOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS

Dentre os fundamentos republicanos estabelecidos pelo constituinte de 1988 está “a dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III). Esse princípio, como explica Moraes (2011, p. 24), “concede unidade aos direitos e garantias funda-mentais, sendo inerente às personalidades humanas”, e afasta a noção “de pre-domínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual”. Ferraz Filho (2013, p. 5) o define como “valor-fonte de todos os direitos fundamentais”, e completa:

Esse valor, que se apresenta como fundamento e fim último de toda a ordem po-lítica, busca reconhecer não apenas que a pessoa é sujeito de direitos e créditos diante dessa ordem, mas que é um ser individual e social ao mesmo tempo. [...] Sucede que o ser humano se completa e se plenifica com a presença de todas as

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dimensões em um contexto harmônico, interdisciplinar e interativo. Isso é que vai, em última análise, permitir a democracia e a atualidade dos direitos fun-damentais, a dignidade da pessoa humana constitui, por assim dizer, um valor único e individual, que não pode, seja qual for o pretexto, ser sacrificado por interesses coletivos.

No STF, o Ministro Ayres Britto, ao discorrer sobre a dignidade da pes-soa humana no julgamento da ADIn 4.277/DF (2011, p. 14), assim entendeu o alcance da expressão:

34. Óbvio que, nessa altaneira posição de direito fundamental e bem de per-sonalidade, a preferência sexual se põe como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana” (inciso III do art. 1º da CF), e, assim, poderoso fator de afirmação e elevação pessoal. De autoestima no mais elevado ponto da consciência. Autoestima, de sua parte, a aplainar o mais abrangente caminho da felicidade, tal como positivamente normada desde a primeira declaração norte--americana de direitos humanos (Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de 16 de junho de 1776) e até hoje perpassante das declarações constitucionais do gênero. Afinal, se as pessoas de preferência heterossexual só podem se rea-lizar ou ser felizes heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes homossexualmente. Ou “homoafetivamente”, como hoje em dia mais e mais se fala, talvez para retratar o relevante fato de que o século XXI já se marca pela preponderância da afetivida-de sobre a biologicidade. Do afeto sobre o biológico, este último como realidade tão-somente mecânica ou automática, porque independente da vontade daquele que é posto no mundo como consequência da fecundação de um individualiza-do óvulo por um também individualizado espermatozoide.

A dignidade da pessoa humana, pois, contém um princípio implícito, que dele decorre naturalmente, que assegura a todos o direito de perseguir a felicidade. Nesse sentido ementa de lavra do Ministro Celso de Mello, do STF, relator do RE 477.554 (2011):

Dignidade da pessoa humana e busca da felicidade. O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor--fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de di-reito constitucional positivo. Doutrina. O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo,

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esterilizar direitos e franquias individuais. Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitu-cional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado.

Dessarte, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana constitui a garantia reconhecida pelo constituinte de 1988 de que o ser humano deve ser tratado com dignidade, a qual pressupõe respeito às suas convicções pessoais, porque ele possui o direito de ser feliz. No aspecto individual, essa dignidade revela-se na não submissão ao interesse coletivo, de modo que a busca da felicidade não pode ser obstada pela eventual norma restritiva. Essa garantia, como salientou em seu voto o Ministro Ayres Britto, já estava consig-nada na Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de 1776, que, no seu item 1, estabelecia:

Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de socie-dade, não podem, por qualquer contrato, privar ou despojar sua posteridade; ou seja, o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir proprieda-des, e de buscar e obter felicidade e segurança.2

A Constituição Federal também dispõe, ao elencar os objetivos funda-mentais republicanos, a obrigação de “promover o bem de todos, sem pre-conceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de dis-criminação” (art. 3º, IV). Disso deflui que a promoção do bem comum, que é o bem-estar coletivo, sem diferenças entre uns e outros, é o escopo do Estado Nacional. Sobre o tema, oportuna advertência de Agra (2012, p. 181):

Quando a Constituição fala que não pode haver preconceito em relação a raça, sexo, cor, idade, origem etc., não está falando, de forma absoluta, que é impos-sível qualquer tipo de discriminação com base nestes elementos. Por exemplo, pode haver diferenciação de sexo, possibilitando a inscrição de apenas mulhe-res, em um concurso para trabalhar como carcereira em um presídio feminino. Portanto, o que a Constituição veda são diferenciações com base nos elementos mencionados que não tenham um amparo lógico plausível que os justifique, que eles sejam alçados a critérios diferenciadores sem uma forte motivação que os ampare.

Lembra Ferraz Filho (2013, p. 8) que o bem comum, inerente a “todos os seres humanos”, constitui o “fim último da democracia constitucional bra-

2 Tradução livre.

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sileira”, advertindo que não se trata de “um ideal irrealizável”. Agra (2012, p. 129) lembra que os objetivos fundamentais constituem princípios de conte-údo polissêmico, “que impedem definições precisas acerca de sua essência”, concluindo que “formam as normas do welfare state brasileiro, isto é, são nor-mas programáticas que têm o objetivo de criar um Estado de bem-estar social. Possuem eficácia mediata, no sentido de que o legislador infraconstitucional não pode afrontar o conteúdo de suas disposições”.

O princípio constitucional do bem comum, sem quaisquer formas de preconceito ou discriminação, portanto, reconhece o direito humano inerente a todos individualmente de não serem diferenciados indevidamente. Nesse mes-mo sentido também dispõe o caput do art. 5º da Carta Política, encartado no Capítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, inserido no Título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, de lavra do consti-tuinte de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[...]

Aponta Peña de Moraes (2013, p. 321) que

Os direitos fundamentais, especialmente os direitos individuais, procedem à li-mitação do poder político na medida em que estatuem, relativamente ao Estado e aos particulares, um dever de abstenção, isto é, asseguram a existência de uma esfera de ação própria, inibidora de interferências indevidas, de forma que são satisfeitos por um abster-se ou não atuar.

Seriam tais direitos, assim, exemplos do que denominou Georg Jellinek status negativus ou status libertatis, porque consistiriam, os direitos individuais, decorrentes da inação estatal. Alexy (2012, p. 258), ao discorrer sobre essa te-oria, aponta que nessa situação estariam apenas as ações consideradas, para o Estado, juridicamente irrelevantes, como “o saborear de um vinho e o passeio em sua própria propriedade”. Isso porque ao conceito de status negativo, como aponta Novelino (2013, p. 381), hodiernamente são conferidos dois significa-dos: (i) em sentido stricto, oriundo do pensamento de Jellinek, “diz respeito

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exclusivamente a liberdades jurídicas não protegidas”; (ii) em sentido lato, aco-lhido majoritariamente pela doutrina, “se refere aos direitos de defesa, ou seja, direitos a ações negativas do Estado que protegem o status negativo em sentido estrito”, ocasionando “uma obrigação negativa endereçada ao Estado para que deixe de fazer algo”.

Ciente das inúmeras críticas à teoria dos status de Jellinek, Alexy (2012, p. 270-271) lembra que “o legislador está vinculado aos direitos fundamen-tais”, sendo inaplicáveis essas teses “sob a vigência da Constituição alemã”. E adverte:

Mas isso não significa que o conceito de status negativo tenha se tornado obsole-to. Quando da discussão acerca do conceito de liberdade jurídica não protegida, foi demonstrado que as normas de direitos fundamentais devem ser concebidas também como normas permissivas. A partir dessa base é possível construir o con-ceito de status negativo fundamental. O conceito do status negativo fundamental [...] é constituído pela totalidade daquilo que lhe é facultado em virtude de uma norma constitucional permissiva. O status negativo fundamental pode ser violado também pelo legislador, como, por exemplo, por meio de estabelecimento de normas proibitivas que contradigam uma norma de direito fundamental permis-siva. O problema do conteúdo do status negativo é solucionável, portanto, por meio da introdução do conceito de status negativo fundamental.3

A doutrina de Alexy, ainda que amparada na realidade alemã, é pertinente de estudo porque também a Constituição brasileira limita a atuação do legislador superveniente, que está adstrita aos direitos fundamentais nela consagrados. Os direitos e garantias individuais assegurados pelo constituinte de 1988, portanto, tutelam o que deve ser resguardado pelo Poder Público em favor dos indivíduos que compõem a sociedade, seja por meio da ação, normatizando e disciplinando o exercício de alguns direitos e garantias, seja por meio da inação, não diminuin-do o campo da legalidade do que se é constitucionalmente assegurado.

A garantia do direito à inviabilidade da intimidade e da vida privada (inciso X, art. 5º, da CF), nesse diapasão, nada mais é que a positivação do direito humano de não ser devassado na sua intimidade ou privacidade; a vida em sociedade não obsta do ser humano a garantia do direito ao sigilo de sua vida pessoal e, consequentemente, de liberdade para agir, nessa seara, da forma que bem desejar, desde que não incorra em ilicitude. Para Ferraz Filho (2013, p. 19), “a intimidade está intrinsicamente ligada à própria vida privada”, daí ser garantida a “inviolabilidade da esfera privada”, porque “o privado é fundamen-tal para o desenvolvimento biológico e para a satisfação das necessidades vitais

3 Grifos nossos.

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da pessoa humana”, e pode ser desfrutado pela pessoa “individualmente ou em pequenos grupos”.

2 DA UNIÃO HOMOAFETIVA

A Lex Mater estabelece, na cabeça do art. 226, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, asseverando que, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (§ 3º do art. 226 da CF). Na parte em que disciplina a união estável, o Códi-go Civil, no seu art. 1.723, dispõe ser “reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Com base tão só nos dispositivos mencionados, poucos eram os julgados que buscavam fundamentação em direitos fundamentais para divergir do apa-rente imperativo da diversidade de sexos. No STJ (2005) já se decidiu:

1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo ca-samento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do direito das obrigações.

Não se falava, portanto, em união estável que não fosse entre um homem e uma mulher. Na prática, estavam excluídas da proteção estatal entidades fa-miliares formadas por pessoas do mesmo sexo.

No direito comparado, o tema é controverso. Sabrina Ragone (2013, p. 241), comparando a jurisprudência da Europa sobre o assunto, concluiu que “o reconhecimento de formas de proteção para casais do mesmo sexo é um dos mais atuais desafios dos sistemas jurídicos europeus”4.

Mas o Direito não é estanque, e a jurisprudência nacional, acompanhan-do a melhor doutrina, entende que o alcance dos direitos fundamentais não deve ser menor do que aquele adequado para atender às necessidades da so-ciedade em um determinado momento. Sem essa interpretação consentânea do Texto Constitucional, os conflitos imanentes da própria evolução social não seriam enfrentados com justiça; mais que isso, os fundamentos pretendidos pelo Estado Democrático de Direito brasileiro, como a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem comum, seriam lançados meramente à condição de nor-

4 Tradução livre.

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mas programáticas. Daí por que José Afonso da Silva (2013, p. 469), ao dispor sobre a eficácia dos direitos fundamentais, assenta que “a garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais”. O atual ministro do STF, Luís Roberto Barroso (2013, p. 334-335), é preciso em seu escólio:

A nova interpretação constitucional surge para atender às demandas de uma so-ciedade que se tornou bem mais complexa e plural. Ela não derrota a interpreta-ção tradicional, mas vem para atender às necessidades deficientemente supridas pelas fórmulas clássicas. Tome-se como exemplo o conceito constitucional de família. Até a Constituição de 1988, havia uma única forma de se constituir famí-lia legítima, que era pelo casamento. A partir da nova Carta, três modalidades de família são expressamente previstas no texto constitucional: a família que resulta do casamento, a que advém das uniões estáveis e as famílias monoparentais. Contudo, por decisão do Supremo Tribunal Federal, passou a existir uma nova espécie de família: a que decorre de uniões homoafetiva. Veja-se, então, que onde havia unidade passou a existir uma pluralidade.

A nova interpretação incorpora um conjunto de novas categorias, desti-nadas a lidar com as situações mais complexas e plurais [...]. Dentre elas, a nor-matividade dos princípios (como dignidade da pessoa humana, solidariedade, segurança jurídica), as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a ar-gumentação jurídica. Nesse novo ambiente, muda o papel da norma, dos fatos e do intérprete. A norma, muitas vezes, traz apenas um início de solução, inscrito em um conceito indeterminado ou em um princípio. Os fatos, por sua vez, pas-sam a fazer parte da normatividade, na medida em que só é possível construir a solução constitucionalmente adequada a partir dos elementos do caso concre-to. E o intérprete, que se encontra na contingência de construir adequadamente a solução, torna-se coparticipante do processo de criação do Direito.

De fato, em 2011, o STF, no julgamento da ADIn 4.277/DF, reconheceu a inexistência de vedação constitucional para que duas pessoas do mesmo sexo constituíssem família. Da ementa, destacamos:

3. Tratamento constitucional da instituição da família. Reconhecimento de que a Constituição Federal não empresta ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. A família como categoria sociocultural e princípio espiritual. Direito subjetivo de constituir família. Interpretação não reducionista. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade

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cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a pró-pria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Cami-nhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Compe-tência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.

4. União estável. Normação constitucional referida a homem e mulher, mas ape-nas para especial proteção desta última. Focado propósito constitucional de esta-belecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia entre as duas tipologias do gênero humano. Identidade constitucional dos conceitos de “entidade fami-liar” e “família”.A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente com-bate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu § 3º. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a socieda-de, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos.

Dessarte, embora a Constituição e o Código Civil fossem expressos em asseverar que apenas homem e mulher poderiam formar união estável, pela aplicação dos próprios princípios constitucionais concluiu-se que família, ou entidade familiar, poderia também ser formada entre pessoas do mesmo sexo, seja entre homens, seja entre mulheres. O novel conceito de família, ou de en-tidade familiar, dada a sinonímia entre ambas as expressões, comprova a evolu-ção do direito nacional. No STF está pacificado o entendimento de que pessoas

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do mesmo sexo podem formar união estável, e consequentemente família5; em 2013, por meio da Resolução nº 175, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ estabeleceu ser vedado “às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável”, de sorte que não mais há qualquer divergência sobre a possibilidade de pessoas do mes-mo sexo constituírem união estável e, querendo, convertê-la em casamento, ou mesmo em casar-se sem a prévia união, tal qual se permite aos casais heteros-sexuais.

Na verdade, a família pode advir de um contrato, que é o casamento, mas também da união estável, relacionamento em que, por perdurar no tempo, cria laços afetivos muitas vezes mais sólidos que das uniões contratuais; é con-sequência de uma situação fática, a qual merece proteção estatal.

Um passo imenso na sedimentação dos direitos e das garantias funda-mentais significou o reconhecimento de que pessoas do mesmo sexo, da mesma forma como os de sexo opostos, podem constituir família e juntar-se em união estável ou casamento. Como afirmou em voto o Ministro Ayres Britto (2011, p. 14), no julgamento da ADIn 4.277/DF, “os únicos fundamentos para a dis-tinção entre as uniões heterossexuais e as uniões homossexuais, para fins de proteção jurídica sob o signo constitucional da família, são o preconceito e a intolerância, enfaticamente rechaçados pela Constituição já em seu preâmbu-lo”, completando que “não se pode ceder, no caso, a considerações de ordem moral, exceto por uma, que, ao revés, é indispensável: todos os indivíduos de-vem ser tratados com igual consideração e respeito”6.

A união homoafetiva concretiza, assim, o respeito à dignidade da pessoa humana, à autonomia da vontade, à igualdade e, sobretudo, ao sagrado direito de buscar a felicidade. O tratamento anteriormente conferido a essas uniões consistia verdadeira violação aos princípios estabelecidos pelo constituinte de 1988.

3 DA POLIGAMIA

As premissas desenvolvidas para conferir aos casais homossexuais igual-dade de direitos com os casais heterossexuais são lastreadas em princípios cons-titucionais, na melhor interpretação que permite o moderno constitucionalismo. Afinal, casais do mesmo sexo havia, mas lhes era subtraído o direito de viver em sociedade em igualdade de direitos com casais héteros; não seria a norma,

5 Nesse sentido: RE 687.432; RE 477.554.

6 Grifos no original.

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tampouco a interpretação jurisprudencial, que daria azo ao surgimento da ho-mossexualidade, de muito superada a tese de tratar-se de uma patologia. Como assentado na Resolução nº 1/1999 do Conselho Federal de Psicologia – CFP, “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”, e não era sem tempo.

O que havia era um nítido descompasso entre a norma e a realidade. Após anos de infindáveis discussões legislativas inócuas, pautadas na morali-dade religiosa, houve por bem a Suprema Corte sedimentar o avanço rumo à consolidação dos princípios basilares da Carta Magna, permitindo a liberdade de opção entre as pessoas na sua vida íntima e privada, até então alijadas de um tratamento equânime. Prevaleceram, destarte, os princípios da igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporciona-lidade e, até mesmo, o da segurança jurídica, porque as incertezas com relação às consequências jurídicas das relações homoafetiva geravam insegurança não só aos participantes da relação como para a própria sociedade.

Idênticos argumentos, todavia, podem ser utilizados em outras relações que são fáticas, mas que, por existirem em quantidade menor, não atraem o clamor midiático e tampouco aprofundados estudos jurídicos. São aquelas em que a família é constituída pela união de mais de duas pessoas, normalmente um homem com mais de uma mulher. Como lembra Azeredo (2009, p. 45):

Ainda que seja difícil encontrar sujeitos que aceitem a exposição de reconhecer que vivam uma relação consentidamente não monogâmica, até por conta da repulsa e reprovação social – o que, na prática, inviabiliza, até mesmo, uma pesquisa de campo mais aprofundada –, certo é que elas existem. Ainda que sem muita ostensividade, elas são de pleno conhecimento do meio em que estão inseridas, mesmo “à boca pequena”, entreouvida entre conhecidos, vizinhos e porteiros.

Entrementes, não se alija de um direito humano fundamental grupos mi-noritários, os quais, justamente por não comporem a maioria da sociedade, ne-cessitam de maior proteção. Sobre o tema, oportunas as colocações do Ministro Gilmar Mendes, ao discorrer sobre o significado “da união homoafetiva como afirmação de direito de minorias” em voto na ADIn 4.277/DF (2011, p. 778):

É evidente também que aqui nós não estamos a falar apenas da falta de uma dis-ciplina legislativa que permita o desenvolvimento de uma dada política pública. Nós estamos a falar, realmente, do reconhecimento do direito de minorias, de direitos fundamentais básicos. E, nesse ponto, não se trata de ativismo judicial, mas de cumprimento da própria essência da jurisdição constitucional.7

7 Grifos no original.

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Da mesma forma, relacionamentos entre mais de duas pessoas existem e necessitam de proteção estatal. Nessa relação poliafetiva, existam ou não filhos, não podem ser privados seus participantes da constituição de união estável ou, querendo, contrair casamento. Não se trata de conferir a essa realidade fática somente os efeitos patrimoniais da relação, e sim a totalidade dos direitos a que fazem jus os casais heterossexuais e, hodiernamente, os casais homossexuais.

No direito comparado, a justiça estadunidense de Utah, em 2013, no case Brown v. Buhman, reconheceu a inconstitucionalidade da lei estadual proibi-tiva da poligamia por violação à liberdade de credo assegurada pela Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, e julgou procedente o pedido de uma família polígama adepta de uma vertente fundamentalista segui-dora do pensamento inicial da Igreja Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, na qual a união de um homem com várias mulheres é permitido. Na Europa, como aponta Vaquero (2012, p. 552), o tema é controverso:

Frente à boa vontade da maioria dos muçulmanos europeus, persiste a incom-preensível disposição no ânimo de uma minoria que quer impor o caráter tota-lizador de sua religião contra os valores essenciais da sociedade democrática em que vivem, provocando situações inusitadas, sem juízo nem razão, contra as quais se deve atuar de forma contundente, porque merecem uma resposta firme. Os exemplos têm ocorrido em toda Europa.8

Com relação à Espanha, lembra Cardo (2011, p. 15) que o conceito de casamento, assentado “em uma série de valores muito ligados à doutrina cató-lica”, constitui uma das principais razões para o não reconhecimento de casa-mento polígamo realizado em país que o admitem, sobretudo por muçulmanos. O professor destaca que a situação atual “é marcada por uma enorme indefini-ção”, que não pode ser solucionada com a anulação dos demais casamentos, pois (i) nem sempre é fácil identificar o primeiro, havendo ainda a possibilidade de que sejam simultâneos; e (ii) consistiria em forma de discriminação contra o cônjuge com menor tempo de matrimônio. Para solucionar o problema, propõe:

No contexto atual, caracterizado pelo notável incremento da imigração, o respei-to às liberdades ideológica e religiosa, por um lado, e o propósito de impulsio-nar as medidas de conciliação da vida laboral e familiar, por outro, justificam o reconhecimento dos efeitos dos casamentos polígamos validamente celebrados conforme a lei do país dos contraentes; questão distinta é a conveniência de que o legislador introduza certas medidas, de ordem a reduzir o custo econômico e organizativo que teriam de suportar as empresas.9

8 Tradução livre.

9 Tradução livre.

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No Reino Unido, viviam em 2008 cerca de 1.000 famílias legalmente em poligamia (Follett, 2008), e os principais problemas enfrentados são com rela-ção aos benefícios sociais e pensão (Fairbairn, 2014). Marie-Aude Labbé (2004, p. 79) sustenta que o ideal para a França seria a adoção de medidas legislativas para “defender uma política de integração dos muçulmanos e de erradicação dos efeitos nefastos da poligamia”10.

A poligamia, contudo, já foi regra entre os seres humanos (Revista Veja, 2012):

É a união reprodutiva entre mais de dois indivíduos de uma mesma espécie. Entre os humanos, já foi a regra. O Velho Testamento faz várias referências ao assunto. O personagem Jacó, por exemplo, teve duas esposas e 12 filhos, que teriam dado origem às doze tribos de Israel. Ainda é praticada no Oriente Médio e em partes da África e da Ásia, além dos Estados Unidos, onde seitas fundamentalistas, não reconhecidas pela organização principal da religião mórmon, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, permitem o casamento poligâmico. Regu-lamentada pelo Alcorão, é relativamente comum no mundo islâmico, apesar de estar perdendo adesão. O profeta Maomé chegou a ter 16 esposas, mas hoje o permitido são, no máximo, quatro. Foi proibida no Nepal em 1963, na Índia, parcialmente, em 1955, na China em 1953 e, no Japão, em 1880. Nunca foi permitida no Brasil.

O Brasil é um Estado laico. Entretanto, se abordada a questão apenas sob o aspecto da fé professada, seriam incluídos no manto protetivo da norma apenas os teístas e excluídos os que nada professam, daí por que não nos parece razoável a abordagem sob esse prisma. Isso porque a garantia do direito de ter reconhecida a união estável ou o casamento entre mais de duas pessoas decor-re, entre nós, antes mesmo da constitucional liberdade de fé, do impedimento à discriminação de qualquer forma e do direito de se buscar a felicidade, ins-trumentos pelos quais a dignidade da pessoa humana é eficazmente protegida. Ademais, implicaria o exercício de um direito sob uma condicionante, a per-missão ou autorização pela religião seguida, criando uma dificuldade irrazoável para o exercício de uma liberdade inerente da condição de ser humano, porque atrelaria o direito à religião quando, na verdade, o direito deve estar atrelado à sociedade.

Não se trata, pois, do acolhimento, pelo direito, de dogma religioso, mas sim no reconhecimento de uma situação fática, na qual é irrelevante qualquer condicionante de cunho religioso. A religião, aqui, tem relação com a moral e, embora também se refira ao exercício das liberdades individuais intrínsecas do

10 Tradução livre.

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ser humano, não prepondera sobre o direito humano fundamental de se buscar a felicidade, assegurado universalmente independente da fé professada.

Dessarte, o aval da religião para a constituição de família possui rele-vância apenas no âmbito subjetivo do indivíduo, dado seu aspecto moral. O reconhecimento ou o impedimento na formação de um tipo específico de fa-mília, diverso da tradicional união entre um homem e uma mulher, não pode transpassar, no campo da liberdade religiosa, a garantia do direito de ser feliz e de não ser discriminado por isso.

Entretanto, o acolhimento da poligamia, que é a união de um homem com mais de uma mulher, ou da poliandria, que a união de uma mulher com mais de um homem, não atenderiam à premissa constitucional de igualdade entre os seres humanos e de respeito pelo diferente. Na verdade, constitui um ir-relevante jurídico a sexualidade dos componentes dessa relação, bastando que seja composta por mais de duas pessoas; não cabe ao direito tutelar o instinto sexual, ou desejo, fenótipo ou genótipo dos que, unidos em família, passam a coabitar. A relevância jurídica surge, portanto, quando esses indivíduos se unem e constituem um núcleo familiar, porque é essa instituição que merece proteção, bem como, individualmente, seus componentes, de nada importando a anatomia do sexo que apresentam.

3.1 da poligaMia No brasil

No município paulista de Tupã, em agosto de 2012, foi lavrada a primei-ra escritura pública de união poliafetiva, entre duas mulheres e um homem, na qual restou consignado (Instituto Brasileiro de Direito de Família):

Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos en-tre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade.

Para José Fernando Simão (2013), “o sistema não concebe, com base em um valor secular, a possibilidade de dupla união como forma de constituição de família”, lembrando que, “se sempre existiram famílias poligâmicas e isso não se nega, nunca o sistema jurídico brasileiro as admitiu. Muito menos sob a forma de união estável, que como forma de constituição de família, conta com a proteção da Constituição”11. Ele argumenta que a escritura firmada em Tupã

11 Destaque no original.

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viola “duas regras que aniquilam qualquer possibilidade de se admitir a bigamia no sistema jurídico brasileiro, uma de ordem civil e outra criminal”, aduzindo que o casamento bígamo é causa de nulidade absoluta e que bigamia é conduta típica penal.

O Código Civil e a Constituição Federal brasileira não exigem dualidade de sexo como elemento de existência do casamento. Se muda a realidade so-cial, mudam também os elementos de existência do casamento.

Assim, o STJ, ao admitir o casamento de pessoas do mesmo sexo, apenas percebeu que o conceito de casamento se alterou com o passar dos séculos. Não se trata mais de união entre o “homem e a mulher”, mas sim de união entre “pessoas”.

O mesmo não pode se dizer da poligamia escriturada em Tupã. Não se trata de elemento de existência, mas sim de requisito de validade do negócio jurídico. Havendo causa de proibição legal, seja ela culminada de sanção pe-nal ou civil, a afronta à norma cogente acarreta nulidade absoluta da escritura poligâmica tupanense.

A única conclusão que se chega é que e escritura é nula, nos termos do art. 166, por motivo evidentemente ilícito (contra o direito) e por fraudar norma imperativa que proíbe uniões formais ou informais poligâmicas.

Há projeto de lei no Congresso Nacional, denominado “Estatuto da Família”12, alvo de inúmeras controvérsias. Tecendo críticas sobre vários pon-tos, Regina B. T. Silva (2014) entende que a proposta “parte de premissas in-dividualistas, aparentemente baseadas no afeto, mas que pretendem impor em nossa legislação, por meio de engodo linguístico, a devassidão”, por que

[...] consta do título das Entidades Familiares, art. 14, caput, que “as pessoas integrantes da entidade familiar têm o dever recíproco de assistência, amparo material e moral, sendo obrigadas a concorrer, na proporção de suas condições financeiras e econômicas, para a manutenção da família”. E no parágrafo único do mesmo artigo, que “a pessoa casada, ou que viva em união estável, e que constitua relacionamento familiar paralelo com outra pessoa, é responsável pelos mesmos deveres referidos neste artigo, e, se for o caso, por danos materiais e mo-rais”. Os amantes terão direito a pensão alimentícia e poderão, ainda, requerer reparação dos danos morais e materiais por falta das mesmas atenções e benesses dadas às famílias oriundas de casamento ou união estável. Isso é poligamia.

O Estatuto chega ao cúmulo, nas suas justificativas, de argumentar que “a realidade social subjacente obriga a todos, principalmente a quem se dedica ao

12 Projeto de Lei do Senado nº 470, de 2013.

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seu estudo, a pensar e repensar o ordenamento jurídico para que se aproxime dos anseios mais importantes das pessoas”. Desde quando é anseio social no Brasil que as relações conjugais ou de união estável admitam relações paralelas ou mancebia? Vê-se que o projeto distorce o pensamento social e quer institu-cionalizar a poligamia.

Além da poligamia velada, o projeto pretende institucionalizar a poliga-mia consentida. Ora, quem recebe um trio formado por duas mulheres e um homem ou por dois homens e uma mulher em sua casa e lhe diz: “Venha, sente--se e coma à minha mesa?” Esse ditado bem representa e resume que relações paralelas não são aceitas pela sociedade e devem ser repudiadas pela legislação e por todas as formas de expressão do Direito.

A questão que se põe, ainda que relevantes os argumentos suscitados, pode ser enfrentada por dois enfoques: (i) o direito individual de buscar a feli-cidade tem lastro na Constituição Federal, no princípio da dignidade da pessoa humana, contra o qual leis infraconstitucionais não podem se opor; (ii) ques-tões morais dizem respeito à individualidade de cada um, sendo necessário, e até mesmo indispensável numa sociedade pluralista e democrática, primar pela convivência harmoniosa com quaisquer minorias, sejam étnicas, religiosas, se-xuais, e até mesmo da forma como constituem família; conviver com o diferente não significa necessariamente concordar e defender esse comportamento, mas sim respeitar o direito individual alheio de buscar a felicidade como melhor lhe aprouver. Oportuno o escólio de Andreas Bucher (2000, p. 129), para quem “se pode não querer aceitar a poligamia, mas não se pode – deve – ignorá-la nem rechaçá-la completamente sem atribuir-lhe o menor efeito jurídico”13.

4 DO RELACIONAMENTO CONSENTIDO ENTRE MAIS DE DUAS PESSOAS

A família, considerada base da sociedade e detentora de especial pro-teção pelo Texto Constitucional, não se constitui por um conceito unívoco. Como explica o Ministro Ayres Britto, em seu voto na ADIn 4.277/DF (2011, p. 645-646):

Deveras, mais que um singelo instituto de Direito em sentido objetivo, a família é uma complexa instituição social em sentido subjetivo. Logo, um aparelho, uma entidade, um organismo, uma estrutura das mais permanentes relações intersub-jetivas, um aparato de poder, enfim. Poder doméstico, por evidente, mas no sen-tido de centro subjetivado da mais próxima, íntima, natural, imediata, carinhosa, confiável e prolongada forma de agregação humana. Tão insimilar a qualquer ou-tra forma de agrupamento humano quanto a pessoa natural perante outra, na sua

13 Tradução livre.

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elementar função de primeiro e insubstituível elo entre o indivíduo e a sociedade. Ambiente primaz, acresça-se, de uma convivência empiricamente instaurada por iniciativa de pessoas que se veem tomadas da mais qualificada das empatias, porque envolta numa atmosfera de afetividade, aconchego habitacional, concre-ta admiração ético-espiritual e propósito de felicidade tão emparceiradamente experimentada quanto distendida no tempo e à vista de todos. Tudo isso perme-ado da franca possibilidade de extensão desse estado personalizado de coisas a outros membros desse mesmo núcleo doméstico, de que servem de amostra os filhos (consanguíneos ou não), avós, netos, sobrinhos e irmãos. Até porque esse núcleo familiar é o principal lócus de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º), além de, já numa dimensão de moradia, se constituir no asilo “inviolável do indivíduo”, consoante dicção do inciso XI desse mesmo artigo constitucional. O que responde pela transformação de anônimas casas em personalizados lares, sem o que não se tem um igualmente personalizado pedaço de chão no mundo. E sendo assim a mais natural das coletividades humanas ou o apogeu da integra-ção comunitária, a família teria mesmo que receber a mais dilatada conceituação jurídica e a mais extensa rede de proteção constitucional. Em rigor, uma palavra--gênero, insuscetível de antecipado fechamento conceitual das espécies em que pode culturalmente se desdobrar.14

Hodiernamente, portanto, o conceito do Professor Silvio Rodrigues (1997, p. 5) de que na família “se assentam não só as colunas econômicas, como se esteiam as raízes morais da organização social”, daí por que o Esta-do, “na preservação de sua própria sobrevivência”, teria “interesse primário em proteger a família, por meio de leis que lhe assegurem o desenvolvimento estável e a intangibilidade de seus elementos essenciais”, exige a adequação do intérprete para não tolher, do indivíduo, sua dignidade constitucionalmen-te assegurada. Há várias possibilidades de família, que não pode, nem deve, sujeitar-se à submissão estatal para que receba a proteção estatal. E, se existem de fato outras formas de família, cabe ao Direito evoluir conforme a evolução da própria sociedade. Nesse ponto, oportuno escólio do Ministro Luiz Fux, ao proferir seu voto julgamento da ADIn 4.277/DF (2011, p. 667-668):

Poderia dizer-se, com algum cinismo, que se trata de “ato jurídico inexistente”, vetusta e míope categorização, felizmente há muito abandonada. (É curioso re-cordar, aliás, que as clássicas lições do direito civil não raro mencionavam, como exemplo de “ato jurídico inexistente”, o casamento entre pessoas do mesmo sexo...). Como já se sabia em Roma, ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade, está o direito) – o Direito segue a evolução social, estabelecendo normas para a disciplina dos fenômenos já postos. Não é diferente neste caso: o ato de constitui-

14 Grifos no original.

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ção da união homoafetiva existe, ocorre e gera efeitos juridicamente relevantes, que, portanto, merecem tratamento pelo Direito.

O liame subjetivo que mantém a união familiar é o afeto. Para Louzada (2011, p. 21), “o amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça”, lembrando ser necessário “que se enfrente o problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate à porta da hodiernidade, e mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação estável padronizada”; ainda que o pensamento seja relacionado à união homoafetiva, tem cabimento para qualquer união de pessoas que voluntariamente desejem constituir família. Como apontado pelo Ministro Ayres Britto (2011, p. 646), em seu voto na ADIn 4.277/DF,

família é, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se, no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada. O que a credencia como base da sociedade, pois também a sociedade se deseja assim estável, afetiva, solidária e espiritualmente estruturada (não sendo por outra razão que Rui Barbosa definia a família como “a Pátria amplificada”).15

O afeto, como elemento moderna família, foi identificado na ementa do RE 477.554-AgRg/MG, pelo STF (2011):

A dimensão constitucional do afeto como um dos fundamentos da família mo-derna. O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do pró-prio conceito de família.

Nesse prisma, não cabe ao Estado tutelar sobre a vida íntima do indiví-duo, que possui a garantia do direito de buscar sua felicidade. E, se essa felici-dade for facilitada num relacionamento hétero, homo ou múltiplo, diz respeito apenas àqueles que compõem a relação, não a terceiros.

A constituição de família, que pode ser fática, superou o limite da di-versidade de sexo não pela alteração normativa, mas sim, e isso deve ser res-saltado, pela evolução jurisprudencial sedimentada pelo STF na votação da ADIn 4.277/DF. O próprio conceito de casal, que, para Ferreira (1986, p. 362), exigia diversidade de sexo, hodiernamente também é utilizado para identificar homem e homem ou mulher e mulher.

A multiplicidade de pessoas que, unidas, mantêm um relacionamento estável constitui a nova fronteira a ser enfrentada pelo Direito, porque negar--lhes o reconhecimento dessa situação de fato constitui violação a princípios

15 Grifo no original.

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constitucionais sagrados, exatamente àqueles que lastrearam o reconhecimento jurídico da união entre homossexuais. Vejamos:

a) Princípio da igualdade. A família constituída por mais de duas pes-soas não pode ser discriminada porque, como dito na ementa do RE 477.554 do STF, de lavra do Ministro Celso de Mello (2011), “toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independente de orientação sexual ou de identidade de gênero”, resultando que “a família resultante de união homoafetiva não pode sofrer discrimi-nação, cabendo-lhe os mesmos direitos que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas”. Tratar de forma diferenciada família baseada no amor e no afeto porque formada por mais de suas pessoas importa violação ao princípio da igualdade.

b) Princípio da liberdade. A pessoa que livremente opta por viver num relacionamento múltiplo tem violada a autonomia de sua vontade, impedindo-a de desenvolver sua sexualidade da forma que melhor lhe aprouver.

c) Princípio da dignidade da pessoa humana. O relacionamento entre mais de duas pessoas merece o reconhecimento, a consideração e o respeito, pois constitui meio de se buscar a felicidade.

d) Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. O impedimento para a existência de um relacionamento entre mais de duas pessoas apenas se justificaria se houvesse outro bem jurídico, de igual hierar-quia, tutelado; ausente essa condicionante, entretanto, a negativa do reconhecimento do status de família para união entre mais de duas pessoas constitui preconceito moral. No STF, em voto do Ministro Celso de Mello (2011, p. 296-297), está dito ser “arbitrário e inacei-tável qualquer estatuto que puna,que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual”. E completa:

“Essa afirmação, mais do que simples proclamação retórica, traduz o re-conhecimento, que emerge dos quadros das liberdades públicas, de que o Estado não pode adotar medidas nem formular prescrições normativas que provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a exclusão jurídica de grupos, minoritários ou não, que integram a comunhão nacional.

Esta Suprema Corte, ao proferir referido julgamento, viabilizou a plena re-alização dos valores da liberdade, da igualdade e da não discriminação, que representam fundamentos essenciais à configuração de uma sociedade verdadeiramente democrática, tornando efetivo, assim, o princípio da igual-

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80 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 104 – Out-Nov/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

dade, assegurando respeito à liberdade pessoal e à autonomia individual, conferindo primazia à dignidade da pessoa humana, rompendo paradigmas históricos, culturais e sociais e removendo obstáculos que, até então, invia-bilizaram a busca da felicidade por parte de homossexuais vítimas de trata-mento discriminatório.”16

e) Princípio da segurança jurídica. A incerteza sobre as consequências jurídicas do relacionamento entre mais de duas pessoas geram inse-gurança jurídica para os que dela participam e também para a so-ciedade. Pilar Juárez Pérez (2012, p. 41) lembra que, na Espanha, a ausência de uma regulamentação sobre a poligamia gera decisões conflitantes, “que vão desde sua tipificação como delito penal até a concessão de importantes efeitos de ordem social”, resultando numa conclusão “tão inevitável quanto lógica: a necessidade de dotar de uma maior segurança e previsibilidade jurídicas as respostas dos nos-sos tribunais para a instituição da poligamia, que em sua máxima ex-tensão somente pode advir da mão do legislador, que até o momento a tem ignorado quase por completo.17

5 DA NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME O ART. 235 DO CÓDIGO PENAL

O Código Penal, oriundo do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, dispõe, no seu art. 235, que “contrair alguém, sendo casado, novo casa-mento”, constitui crime de bigamia.

A interpretação conforme a Constituição do mencionado dispositivo, à luz dos direitos humanos fundamentais, encontra tipicidade na conduta daque-le que omite do futuro cônjuge sua condição de já casado, desde que não possa ser presumida por todos que participam na relação. Isso porque, se o novo côn-juge passou a coabitar com o casal, não há se falar em fato típico.

O bem juridicamente tutelado, que é o casamento, continua a sê-lo, mas sob esse novo prisma, da boa-fé, objetiva e subjetiva, entre os envolvidos na relação.

CONCLUSÃO

Na vigência do Código Civil de 1916, os filhos havidos fora do casa-mento eram denominados ilegítimos; com o Código Civil de 2002, todas as diferenças foram abolidas. No Código Civil de 1916, foi introduzido o desquite,

16 Grifos no original.

17 Tradução nossa.

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que autorizava a separação de corpos, mas mantinha o vínculo matrimonial; o divórcio, e o consequente fim do vínculo matrimonial, surgiu em 1977, com a Lei nº 6.515 (Dias, Larratéia). Com a Lei nº 11.441, de 2007, casais sem filhos menores ou incapazes podem divorciar-se sem a necessidade de um processo judicial. Ao casamento, que antes se exigia diversidade de sexos, desde 2013 não se faz mais qualquer distinção.

Esses exemplos comprovam o aggiornamento a que se submete o Direito para atender a realidade social do seu tempo, pois não é a sociedade que deve adaptar-se ao seu regramento jurídico, e sim este conjunto normativo que deve refletir os instrumentos adequados para atender ao que for necessário na socie-dade. Essa evolução, contudo, nem sempre acontece por meio do legislador, porque há situações em que, de uma mesma norma, passa-se a identificar um novo prisma, o qual permite um significado diverso daquele que até então se extraia do texto.

Nesse diapasão, o julgamento da ADIn 4.277/DF, em 2011, pelo STF, representou um divisor de águas, porque interpretou um dispositivo fruto do constituinte de 1988, que previa união estável entre homem e mulher (art. 216, § 3º, da CF), com princípios fundamentais, também estabelecidos pelo consti-tuinte de 1988; o desfecho foi a prevalência destes sobre aquele. O princípio da dignidade da pessoa humana não pode tolerar discriminações pautadas em um pretenso valor moral divorciado do moderno constitucionalismo, violador do respeito à individualidade, castrador do direito natural e inerente da condição humana de se buscar a felicidade.

De muito há famílias, com e sem filhos, formadas por pessoas do mesmo sexo, mas que eram injustamente alijadas dos iguais direitos concedidos aos casais heterossexuais. O reconhecimento da união homoafetiva, e posterior-mente do casamento entre homossexuais, representa um caminho em direção à sedimentação de tão caras garantias.

Entretanto, a evolução do direito é uma constante, porque seu escopo é justamente atender aos anseios da sociedade do seu tempo. O reconhecimento da união homoafetiva, conferindo-lhe iguais direitos aos da heteroafetiva, re-presenta uma conquista de toda a sociedade. Mas não esgota o tema, porque a questão não pode se limitar à identidade do sexo dos que, unidos pelo amor, reciprocamente se nutrem de afeto, de respeito, de carinho, de compreensão, de apoio. A plenitude dos direitos fundamentais exige que não haja interferên-cia estatal também sobre a quantidade de pessoas que participam da relação, porque diz respeito apenas àqueles que dela compõem, e que lhes sejam as-segurados os mesmos direitos garantidos aos relacionamentos monogâmicos, sejam homo ou heterossexuais.

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Como salientou o Ministro Luiz Fux, do STF, em seu voto na ADIn 4.277/DF (2011, p. 671):

O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre os indiví-duos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistên-cia e suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão, a existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo, com isso, a respectiva proteção cons-titucional.18

Dessarte, não é o fato de que um homem se uniu a uma mulher, ou uma mulher se uniu a outra, ou mesmo um homem se uniu a outro, mas sim a pre-sença de um sentimento que ultrapasse os limites do desejo sexual e alcance um patamar superior, ao qual denominou Fux “verdadeiro amor familiar”, que nada mais é senão uma afeição singular, personalíssima. Focar no sexo dos indivíduos que compõem a relação é afastar-se do essencial, porque não é a diversidade de sexo que torna um relacionamento feliz e duradouro; o impor-tante é não ceifar as possibilidades inerentes da vida humana que permitam a busca da felicidade. E se essa busca conduz à necessidade de um parceiro do mesmo sexo, ou de múltiplos parceiros, constitui fato irrelevante para o Estado e para o Direito, porque relacionado ao exercício da liberdade individual do ser humano.

Compreensão diversa incorreria em discriminação indevida, de verda-deira intromissão em questão afeta à esfera íntima daquele que opta por um relacionamento com mais de duas pessoas, em união poliafetiva, que não pode ser privado de buscar sua felicidade por preconceitos morais. Aliás, o único impedimento seria com base na moral, porquanto nenhuma ilegalidade há na formação fática dessa relação; nem mesmo o crime de bigamia, que pune quem contrai novo casamento sendo casado, porque não resiste a uma interpretação consentânea do Texto Constitucional pautada na prevalência dos direitos e ga-rantias fundamentais.

De muito a separação entre Igreja e Estado veda que dogmas religiosos tenham amparo jurídico e se tornem impositivos universalmente. O que há, e sempre deve haver, é o respeito entre os semelhantes, sobretudo com quem pensa diferente. O preconceito e a discriminação, em qualquer sociedade, fo-

18 Grifos no original.

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mentam o ódio e a discórdia e não têm lugar em um Estado Democrático e de Direito como o brasileiro.

O reconhecimento da união plúrima, conferindo-lhe as mesmas garan-tias inerentes à relação estável e do casamento monogâmicos, não constitui um incentivo a essa espécie de composição familiar, mas sim na aplicação da isonomia entre as diversas formas pelas quais essa célula mater da vida social possa se manifestar; não é o Estado quem cria a instituição família, mas sim a sociedade, na medida em que seus indivíduos se unem por laços duradouros. Famílias oriundas de casais homo ou heterossexuais não podem possuir mais direitos que aquelas resultantes da pluralidade de membros.

Destarte, nenhum impedimento existe para que mais de duas pessoas formalizem juridicamente uma situação que de fato já existe. Essa união está-vel entre as pessoas pode, assim, ser convertida até mesmo para o casamento, desde que presentes os mesmos pressupostos necessários para casais hétero ou homossexuais. No acórdão da ADIn 4.277/DF (2011), ficou assim consignado:

6. Interpretação do art. 1.723 do Código Civil em conformidade com a Consti-tuição Federal (técnica da “interpretação conforme”). Reconhecimento da união homoafetiva como família. Procedência das ações. Ante a possibilidade de inter-pretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pú-blica e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Interpretação consentânea do art. 1.723 do Código Civil exige que para união estável haja “união contínua, pública e duradoura entre pessoas como família”, excluindo qualquer referência à identidade de sexos ou à quantidade de pessoas, bastando a existência da continuidade do relacionamento entre os parceiros. Sejam dois, sejam mais. E reconhecida a possibilidade de união está-vel, da mesma forma se reconhece a possibilidade de casamento.

O conceito de família, portanto, não pode ser limitado ou reduzido por complexos do legislador; há, como leciona Alexy, um campo de status negativo fundamental, que não pode ser ultrapassado. Uma realidade social não suporta, em um Estado republicano e democrático, ser menoscabada por valores morais segregacionistas. A busca do bem comum, que na sempre atual lição de João XXXII (1963) constitui o “conjunto de todas as condições de vida social que con-sintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”, cons-titui o fim primeiro e último de qualquer ordenamento, não subsistindo qualquer

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fundamentação idônea, no campo do moderno constitucionalismo, que impeça isonomia de uniões poliafetivas com o tratamento hodiernamente conferido aos pares homoafetivos na busca de sua felicidade. Todos têm direito de desenvolver integralmente a personalidade e de não ser discriminado por isso.

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Nota:

Artigo publicado originalmente na Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 51-80, 2015.

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Parte Geral – Doutrina

A Busca pela Felicidade Como Paradigma dos Arranjos Familiares Contemporâneos1

RAFAEL guIMARãES DE OLIvEIRAAcadêmico do Curso de Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos (Famesc).

TAuã LIMA vERDAn RAngELProfessor Orientador, Doutorando vinculado ao programa de Pós-Graduação e Sociologia em Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

RESUMO: O objetivo do presente é analisar as constantes mudanças no direito de família, em tese, os novos arranjos familiares em decorrência do alargamento do vocábulo família, eis que tal instituto está em constante mutação. Em contrapartida, será abordada a evolução familiar e um modelo fa-miliar, qual seja, o poliamorismo, entidade essa que se inseriu no ordenamento jurídico e vem sendo reconhecida no âmbito do Direito.

PALAVRAS-CHAVE: Busca pela felicidade; família contemporânea; transformação familiar.

ABSTRACT: The purpose of the present is to analyze the constant changes, as a result of the exten-sion of the word family, since this institute is constantly changing. Proving thus, that the paradigm of family arrangements aim at the protection and inclusion of all and any class. However, alluded paradigm still presents restrictions on the inclusion of all social classes. In this tuning, aiming to demonstrate, as a strong ally the principle of happiness as the mutations of society.

KEYWORDS: Pursuit of happiness; contemporary family; family transformation.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Da família à luz da Constituição; 2 O princípio da busca pela felicidade como desdobramento da dignidade da pessoa humana; 3 A busca pela felicidade e as reconfigurações familiares contemporâneas; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A busca pela felicidade parece ser um desejo comum a todos os seres humanos, em todas as épocas da história, sendo que cada um escolhe o meio de vida que interpreta como sendo o mais adequado para alcançá-la.

1 Trabalho vinculado ao grupo de Pesquisa “Faces e interfaces do Direito: sociedade, cultura e interdisciplinaridade do Direito”.

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É nesse contexto que, firmando-se como um posto de partida para o de-senvolvimento deste trabalho, imperiosa a abertura com o questionamento sobre a felicidade e como ela é definida, a qual é analisada com uma complexidade de significações dadas a esse termo, que diversificam de acordo com aspectos situados a nível individual e coletivo. Considerando, assim, que, em qualquer estudo que se realize, é necessário avaliar o contexto histórico e cultural para que se possa apreender mais fidedignamente a realidade do objeto de estudo, o que não seria diferente para este termo. Sendo assim, diante da complexidade e amplitude de significações de felicidade, opta-se por desenvolver um estudo da semântica da palavra, partindo de sua definição, qual seja:

O termo felicidade, segundo o dicionário eletrônico Michaelis, sf (lat felicitate) refere-se ao “Estado de quem é feliz. Ventura. Bem-Estar, contentamento. Bom resultado, bom êxito. F. eterna: bem-aventurança. Em Latim, a palavra felix (ge-nitivo felicis) queria dizer – originalmente – “fértil”, “frutuoso” (“que dá frutos”), “fecundo”. Mais tarde felix tornou-se sinônimo de “afortunado”, “alegre”, “satis-feito”. (Bragança, 2012, apud Lopes, 2013)

De tal, estabelecida como um “estado”, pode-se situar a felicidade como uma condição ligada àquela situação vivenciada. Neste sentido, atribui-se a essa condição um efeito prolongado, ou mesmo de plenitude, ou seja, ser feliz é, segundo essa definição, estar completo permanentemente (Lopes, 2013, s.p.).

Assim, é possível considerar que, desde os primórdios da história da hu-manidade, o tema de maior importância subjacente às diversas atitudes do ser humano é a busca pela felicidade. Essa busca incessante move toda a huma-nidade a estudar, trabalhar, crer e realizar planos, formar vínculos afetivos e depois continuar a agir quando surgir uma nova necessidade a se suprir.

Já agora, após breve análise do termo “felicidade”, imperioso o trabalho da “evolução” familiar, abordando os “novos” arranjos familiares contemporâ-neos, haja vista que tais mudanças ao longo da sociedade vêm apresentando modificações e novas configurações. De tal, pode-se perceber que a família nuclear ainda é predominante, mas nos deparamos cada vez mais com o sur-gimento de “novos” arranjos familiares, novas maneiras de ver e ser família. Tais “arranjos” baseiam-se mais no afeto e nas relações de cuidado do que em laços de parentesco ou consanguinidade (Losacco, 2007, p. 64 apud Santana; Oliveira; Meira, 2013).

Essas mudanças acabam por repercutir no exercício não só da mater-nidade, mas também da paternidade. Com isso, percebe-se o crescimento da participação dos homens na criação dos filhos, não exercendo só o papel his-toricamente delegado a eles, de provedores e procriadores, mas se envolvendo também na questão do cuidado e do afeto. Por outro lado, diante de uniões

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desfeitas, gravidez na adolescência, mulheres que estão se tornando chefes de família entre outros fatores, percebe-se que o homem tem se ausentado nas relações com seus filhos, seja pelo abandono, separação, morte ou negligência. Assim, vivenciamos um momento contraditório de “pais cuidadores” e “pais ausentes”.

Dito isso, a família como instituição socializadora de seus membros é o espaço de proteção e cuidado onde as pessoas se unem pelo afeto ou por laços de parentesco, independente do “arranjo” familiar em que se organize. Para fins do presente artigo, entende-se família “enquanto um processo de articulação de diferentes trajetórias de vida, que possuem um caminhar conjunto e a vivência de relações íntimas, um processo que se constrói a partir de várias relações, como classe, gênero, etnia e idade” (Freitas, 2002, p. 8 apud Santana; Oliveira; Meira, 2013).

Por meio de tais questões, far-se-á um breve resgate histórico sobre a origem da família, buscando destacar os papéis delegados historicamente ao homem e à mulher, bem como o surgimento dos novos “arranjos” familiares que impossibilitam considerar a família como um modelo único a ser seguido.

1 DA FAMÍLIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO

De início, tratando-se do direito constitucional, sendo o mesmo que en-volve todas as disciplinas elencadas em nosso ordenamento jurídico, mantendo uma forte presença no direito civil, em especial no direito de família, posto que trouxe mais inovações ao tornar homem e mulher iguais em direitos, assim como os filhos, independente da origem, entre outros.

Com base em tais mudanças trazidas pela Norma Constitucional e refle-tindo no Código Civilista, tem-se a principal finalidade da abordagem no traba-lho, podendo assim apontar as mais perceptíveis transformações, que acompa-nharam mudanças de toda uma geração. De tal a família tradicional, formada pelo pai, mãe e filhos, não é a única possibilidade, nem o casamento é regra para que uma família se inicie. Famílias paralelas, reconstituídas, monoparen-tais, multiparentais ou mesmo unipessoais encontram respaldo na lei, doutrina e jurisprudência, posto que o Direito deve atender aos anseios sociais. Ensina, assim, Luís Roberto Barroso que:

A fase atual é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito civil. Há regras específicas na Constituição, impondo o fim da suprema-cia do marido no casamento, a plena igualdade entre os filhos, a função social da propriedade. E princípios que se difundem por todo o ordenamento, como a igualdade, a solidariedade social, a razoabilidade. (Barroso, 2007, s.p.)

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De tal, é na Constituição Federal que a família encontra respaldo, bem como as características inovadoras que trouxeram proteção às mais diversas for-mações familiares. Contudo, fazendo-se tracejar a evolução histórica da família desde os primórdios, tem-se o retrato da família patriarcal, que imperou durante séculos, e foi a organização familiar básica de muitas sociedades, inclusive da sociedade brasileira, para quem foi o grande modelo de vida, influenciada pela miscigenação das culturas indígena, europeia e africana, o que deflagrou uma população formada por traços diversos. Tal entidade tinha como característica principal o fato de ser extensa, composta pelo núcleo central (pai, esposa e filhos legítimos). Contudo, contava com grupos de agregados (tios, tias, primos, noras, genros, serviçais, escravos, entre outros), todos dominados pelo patriar-ca, dotado de autoridade absoluta.

Dito isso, a partir da metade do século XIX, a família patriarcal começou a enfraquecer. O êxodo rural e a urbanização se deram de forma acelerada. Houve movimentos de emancipação feminina, surgimento da indústria e revo-luções econômico-sociais, além das imensas transformações comportamentais que puseram a fim à instituição familiar nos antigos moldes patriarcais como a única formação familiar possível. Consoante essa evolução, a família moderna transformou-se em um núcleo superior a partir do desgaste do modelo clássico, matrimonializado, patriarcal, hierarquizado e heterossexual, centralizador de prole numerosa que conferia status ao casal.

Em mesma ótica, percebe-se que as novas ordenações constitucionais trouxeram para o direito de família significativa evolução ao ordenamento jurí-dico brasileiro, principalmente no sentido de reconhecer o pluralismo familiar existente no plano fático, em virtude das novas espécies de família que se cons-tituíram ao longo do tempo. Destarte, não foi com o advento da Carta Magna de 1988 que a mudança na concepção de família ocorreu. A Lei Maior apenas codificou valores já sedimentados, reconhecendo a evolução da sociedade o inegável fenômeno social das uniões de fato (Yassue, 2010).

2 O PRINCÍPIO DA BUSCA PELA FELICIDADE COMO DESDOBRAMENTO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

De certo é que o principio da busca pela felicidade tem sido utilizado para fundamentar recentes decisões judiciais, haja vista ter ganhado evidência quando da Emenda Constitucional nº 66/2010, por meio da qual extinguiu a separação judicial do ordenamento jurídico pátrio, sendo possível a dissolução da sociedade marital somente através do divórcio, na atualidade. Em mesma sistemática e não menos importante, fora as recentes e constantes decisões no que diz respeito à regulamentação do casamento entre homossexuais, já imple-

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mentado por meio de resoluções e recomendações judiciais em vários Estados brasileiros. Assim, embora o conceito de felicidade ser interpretado de forma diferente por inúmeras pessoas, é notório que se trata de um objetivo, mesmo que abstrato, a ser alcançado em vários momentos da vida.

Em mesma toada, entendem-se tais modificações e fundamentos decorre-rem do princípio da dignidade da pessoa humana, tratando-se de uma aspiração universal, tanto que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a felicidade como direito humano fundamental, constituindo objetivo fundamen-tal de toda e qualquer política pública a ser adotada pelo Estado (Schafranski, 2012, apud Matiello, 2013). Com base em tal reconhecimento e destaque que as decisões judiciais têm dado à aludida felicidade é que se faz pertinente e atual o estudo e abordagem do tema, tendo como objetivo principal o presente artigo e entendimento sobre o conceito de felicidade com espeque na dignidade da pessoa humana.

Destarte, listado como direito a ser buscado por todos, a felicidade é como sendo, a tradução de uma vida digna, a qual deve ser respeitada e res-guardada pelo Estado. Constante isso, entende-se que a felicidade somente será alcançada com consequente positivação normativa. Embora ainda não explícito na Constituição Federal, não deixa de ser utilizado como razão de decidir em situações da vida levadas a litígio perante o Poder Judiciário. Decorre, assim, da importância que se dá aos princípios constitucionais, sendo a busca pela fe-licidade ainda implícita, contudo entendido como decorrente da própria busca pela dignidade humana. Supõe-se a ausência de normatização, considerando a própria dificuldade em quantificar, qualificar e conceituar a felicidade, no cerne de identificar o parâmetro de aferir a concretização do entendido direito.

3 A BUSCA PELA FELICIDADE E AS RECONFIGURAÇÕES FAMILIARES CONTEMPORÂNEAS

Preliminarmente, consoante já abordado em linhas supras, sobre o prin-cípio da dignidade da pessoa humana, bem como a busca pela felicidade, impe-rioso, agora, abordar as reconfigurações familiares, conforme o subtítulo indica, pois tal instituição certamente é a mais antiga, e por isso que nas últimas déca-das percebe-se um aumento significativo pelo interesse em estudar a entidade familiar nos mais diversos campos do conhecimento. Frente a essas alterações, na estrutura familiar, observa-se que o conceito de família se diversificou. As-sim, tem-se a necessidade de tratar as famílias no plural, abandonando o termo singular, pois impossível que um único conceito dê conta dessa complexidade (Musito, 2001, apud Daí Prá, 2013, p. 07).

Em tal sentido, pode-se dizer que a coexistência de configurações e es-truturas familiares diversas tem ampliado não só o conceito de família, mas

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também suas implicações na sociedade, gerando a necessidade de aceitar e conviver com o diferente. Partindo de tal premissa, o conceito de família, sua composição e funcionamento, é imprescindível que se faça uma análise das fa-mílias atuais. Lado outro, as famílias têm diferentes configurações, e tais podem variar desde as mais clássicas, como, por exemplo, pai, mãe e filhos, que repro-duzem o modelo denominado “tradicional”, definido pela consanguinidade e parentesco. Referidos laços de consanguinidade e parentesco eram parâmetros que definiam, com precisão, a configuração familiar da maioria das pessoas. Com o passar do tempo, determinados fenômenos sociopolíticos e o avanço da tecnologia, entre outras, trouxeram maiores níveis de complexidade na defini-ção da configuração do grupo familiar (Wagner; Levandowski, 2008, apud Daí Pra, p. 08).

Contudo, na atualidade, para identificar e classificar os membros de uma família, usam-se outras concepções, tais como o parentesco, a coabitação, a afinidade, dentre outras, pois aquela antiga classificação de consanguinidade já não se enquadra nos moldes modernos. Deste modo, pode-se dizer que a com-posição da família hoje tem sua definição muito além dos fatores biológicos e legais, tornando os aspectos de subjetividade um importante papel na definição da configuração familiar, pois esses aspectos integram os significados da convi-vência (Wagner, 2011, apud Dai Pra, p. 08).

Partindo, então, de configurações e estruturas familiares, que se definem pelos aspectos relativos às regras, ao poder, aos limites e aos contratos de con-vivência, podemos constatar a vasta pluralidade dos núcleos familiares na atua-lidade. Em tal premissa, é importante desconstruir a ideia de que a configuração determina a estrutura das famílias. Isto é, que as famílias monoparentais, ho-moafetivas, entre outras, possuem um funcionamento típico devido a sua com-posição. Nas palavras de Friederich Engels em dizer que a família progride na medida em que progride a sociedade, que vai se modificando porque a família é produto do sistema social e a cultura da época irá refletir no sistema (Engels, 1980, p. 81-82, apud Madaleno, 2017, p. 8).

Tratando das entidades familiares, imperioso se faz o trabalhar com men-cionadas, eis que diversas são; assim, iniciando a abordagem da temática pro-posta, tem-se a família paralela ou simultânea, cabendo declinar, em primeiro momento acerca de tal modelo familiar, o instigante questionamento de Pablo Stolze (2008), qual seja: “Você seria capaz de amar duas pessoas ao mesmo tempo?”. A resposta é uma só – sim! O ser humano é dotado da capacidade de distribuir amor, seja para com os pais, seja para com os filhos, os irmãos e os amigos. Mas, quando se questiona a possibilidade de manter vínculo de natu-

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reza afetiva e sexual simultaneamente com mais de uma pessoa, todo mundo grita: não!

Fato é que a sociedade formada pelo Cristianismo sempre repudiou essa realidade que sempre existiu, não sendo factível imposição legal que imponha o dever de fidelidade no matrimônio, e o dever de lealdade na união estável. Nada consegue sobrepor-se a uma sociedade patriarcal e muito machista. Caso é que, mesmo sendo casados ou tendo uma companheira, homens partem em busca de novas emoções, contudo sem abrir mão dos vínculos familiares que já possuem, haja visto ser prescindível a exposição da “família perfeita” para com a sociedade. Fato que dispõe tal indivíduo de se sobrecarregar para dois lares, duas famílias, esposas e até mesmo a concepção de filhos com ambas. Quer se trate em casamento ou união estável. Gera, assim, as mencionadas famílias si-multâneas. Expressão preferível a paralela, uma vez que linhas paralelas nunca se encontram, e a simultaneidade, muitas vezes, é conhecida e até aceita, ao passo que os filhos se conhecem e as mulheres tomam ciência da existência da “outra”. Gera-se, com isso, um arranjo familiar que satisfaz a todos. A esposa, com seu marido perfeito para ostentar socialmente; a companheira nada exige e se conforma em não compartilhar com o companheiro todos os momentos, mas acolhe com carinho e afeto sempre que ele tem disponibilidade.

Ressai assim, que tal descumprimento do dever de fidelidade e adultério – que nem mais crime é – os homens assim agem. Nessa toada, as uniões pa-ralelas, como já mencionado em linhas supras, são, de regra, repudiadas pelos autores, tornando-se matéria conflituosa para a jurisprudência brasileira, que ora a reconhece como entidade familiar, ora a nega. Dessa feira, não foram estabelecidos critérios materiais para sua configuração, tornando sua existência tormentosa e incerta quanto à geração de efeitos (Krapf, 2013, p. 04).

Nessa toada, renomados autores vêm designando a constituição de nú-cleos familiares concomitantes no âmbito da conjugalidade de poliamor, fenô-meno que vem se expandindo no Brasil, após enorme quantidade de adeptos em outros países. O termo advém do neologismo inglês “polyamory”, que sig-nifica “muitos amores”, e retrata as relações amorosas que negam a monogamia como princípio ou necessidade, defendendo a possibilidade de envolver-se em relações íntimas, profundas e possivelmente duradouras com vários parceiros de forma simultânea (Dias, 2007, p. 49). Nessa acepção, ocorrendo a inexistên-cia de regras, o Estado, por meio do Judiciário, tem o dever de apreciar a simul-taneidade familiar à luz dos casos concretos, não podendo simplesmente das as costas à situação de fato, conforme reverbera Carlos Eduardo Pianovski Ruzy:

Evidenciada a configuração da simultaneidade familiar, não é possível, de ante-mão, reputá-la como irrelevante para o Direito. Se é certo que uma dada espécie

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de simultaneidade familiar se apresenta, desde logo, no interior do sistema – no caso, a bigamia, situada no lugar do ilícito, mas nem por isso totalmente ineficaz –, a maior parte das hipóteses em que podem ser identificadas famílias simultâ-neas parte da exterioridade do sistema, do “não direito”, como situações de fato. (Ruzy, 2005, p. 236)

Assim, fundamental, nesse momento, investigar os pressupostos para afe-rição de uma família paralela no âmbito da conjugalidade, a fim de que, em-bora de forma paralela e outro relacionamento anterior, haja a clara intenção de construir um núcleo familiar novo, indicando uma comunhão de vida e de interesse, reclamando não apenas publicidade e estabilidade, mas, sobretudo, um nítido caráter familiar, evidenciado pela affectio maritalis.

Ora, para que seja viável a aplicação de novas regras familiaristas em benefício da convivente paralela, deve ser comprovada uma relação duradoura, contínua, e com forte ligação socioafetiva, a demonstrar uma verdadeira consti-tuição de união estável paralela a um núcleo familiar (Stolze, 2008, s.p.).

Nesse novo arranjo familiar, ainda que visto com determinado precon-ceito, Tribunais já enfrentaram e decidiram sobre tal demanda, consoante julga-do do Tribunal de Justiça do Pernambuco abaixo transcrito.

Direito de família. Uniões estáveis simultâneas. Reconhecimento. Partilha de bens. Triação. 1. Estando demonstrada, no plano dos fatos, a coexistência de duas relações afetivas públicas, duradouras e contínuas, mantidas com a fina-lidade de constituir família, é devido o seu reconhecimento jurídico à conta de uniões estáveis, sob pena de negar a ambas a proteção do direito. 2. Ausentes os impedimentos previstos no art. 1.521 do Código Civil, a caracterização da união estável paralela como concubinato somente decorreria da aplicação analógica do art. 1.727 da mesma lei, o que implicaria ofensa ao postulado hermenêutico que veda o emprego da analogia para a restrição de direitos. 3. Os princípios do moderno direito de família, alicerçados na Constituição de 1988, consagram uma noção ampliativa e inclusiva da entidade familiar, que se caracteriza, diante do arcabouço normativo constitucional, como o lócus institucional para a con-cretização de direitos fundamentais. Entendimento do STF na análise das uniões homoafetivas (ADIn 4277/DF e ADPF 132/RJ). 4. Numa democracia pluralista, o sistema jurídico-positivo deve acolher as multifárias manifestações familiares cultivadas no meio social, abstendo-se de, pela defesa de um conceito restritivo de família, pretender controlar a conduta dos indivíduos no campo afetivo. 5. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as compa-nheiras e o companheiro. Meação que se transmuda em “triação”, pela simulta-neidade das relações. 6. Precedentes do TJDF e do TJRS. (TJPE, APL 2968625/PE, 5ª C.Cív., Rel. José Fernandes, DJ 13.11.2013, publ. 28.11.2013)

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Do tracejado alhures, no momento em que o formato hierárquico da família cedeu à sua democratização, em que as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo, e o traço fundamental é a lealdade, não mais existem razões morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais que justifiquem a excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas (Dias, 2016, p. 148-149).

Em mesmo parecer, Paulo Lobo interpreta que, “a família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liber-dade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca” (Lobo, s.d. apud Dias, 2016, p. 149). Ora, extrai-se assim que o direito de família não mais se restringe aos valores destacados de ser e ter, porque, ao menos entre nós, desde o ad-vento da Carta Magna de 1988, prevalece a busca e o direito pela conquista da felicidade a partir da afetividade (Madaleno, 2017, p. 29).

CONCLUSÃO

Ante o exposto, percebe-se que a entidade familiar está em constante mudança, eis que não é mais vista como sendo única aquela “família tradicio-nal”, com o pai como único provedor e a mãe como única responsável pelas tarefas domésticas e cuidado com os filhos. Contudo, apesar de todas assas transformações acontecidas na estrutura familiar, e na qualidade do relaciona-mento entre seus membros, a família, de forma geral, mantém-se inalterável a sua função de apoio, proteção e responsabilidade para com os filhos.

Em mesmo contexto, as mudanças na estrutura familiar acontecem de forma tão rápida, que nem sempre a literatura consegue acompanhar, e, deste modo, necessitando de mais tempo para melhor se aprofundar nesse contexto tão amplo. Assim, fica evidente que ainda são deficientes algumas definições e conceitos disponíveis para contemplar os fenômenos atuais das relações fami-liares, desde a nomenclatura até a descrição de seu funcionamento e função.

Fica claro, assim, que a busca de novas definições que deem conta de tal diversidade e complexidade seja um dos maiores desafios mais emergentes para com aqueles que trabalham e estudam as relações familiares. Diz-se, então, que os acontecimentos e as transformações na configuração e funcionamento da família, com mudanças dos padrões de funcionamento entre seus membros. Tais transformações fazem surgir relevantes consequências para a estrutura e dinâmica da família. No entanto, a partir da diversidade na configuração fami-liar, nem sempre a literatura consegue acompanhar. É necessário que haja mais pesquisas nesse tema tão amplo, pois ainda são deficientes algumas definições e conceitos para que se possam contemplar os fenômenos atuais das relações familiares.

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Parte Geral – Doutrina

Famílias Poliafetivas e a Sucessão Legítima

FILIPE MAhMOuD DOS SAnTOS vIgO1

Advogado atuante no Rio de Janeiro, Bacharel pelo Centro Universitário La Salle com bolsa integral pela monitoria do Núcleo de Prática Jurídica, iniciando a prática ainda no 1º período como conciliador do II JEC de Niterói.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Princípios fundamentais norteadores do direito de família; 1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 1.2 Princípio da igualdade e da liberdade; 1.3 (Sub-) Princípio da mono-gamia; 1.4 Princípio da autonomia da vontade e da menor intervenção estatal; 1.5 Princípio da plurali-dade de formas de família; 1.6 Princípio da afetividade; 1.7 Princípio da proibição do retrocesso social; 2 Conceito de família e entidade familiar; 2.1 Evolução histórica do conceito de família; 2.2 A família no Código Civil de 1916; 2.3 A família constitucionalizada de 1988 e no Código Civil de 2002; 3 Direito sucessório; 3.1 Sucessão hereditária; 3.1.1 Sucessão legítima; 3.2 Sucessão do companheiro(a); 3.3 Sucessão poliafetiva; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A família, desde a sua origem, vem sofrendo diversas transformações, por ser um organismo sociocultural, sofrendo influências das mais variadas, como, por exemplo, o tempo e o espaço.

A presente monografia versa sobre as famílias poliafetivas, em específico sobre o direito sucessório dessas famílias. Para tal, o presente trabalho é inicia-do com um estudo sobre o direito de família latu sensu, abordando os princípios constitucionais e infraconstitucionais, formadores e definidores da família, prin-cípios esses que garantem uma maior liberdade e igualdade, a fim de assegurar a dignidade da pessoa humana.

Para o estudo dos princípios abordados no presente trabalho de conclu-são de curso, foram escolhidos apenas alguns deles, visto que nem mesmo a doutrina e a jurisprudência são pacíficas sobre quantos e quais seriam todos os princípios existentes na seara do direito de família.

1 Após a conciliação, estagiou na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, passando pelas Varas Cível, Violência Doméstica, Criminal e de Família, onde realizou atendimento ao público e elaboração de petições, das mais simples, como juntada, as mais complexas, como inicial de guarda com pensão, contestação, recursos dos mais diversos. Nos últimos anos, atuou como monitor junto ao Núcleo de Prática Jurídica da faculdade nos núcleos Criminal e Cível, simultaneamente. Fluente em Espanhol e Inglês, hoje faz extensão em Inglês Jurídico (Contracts and Litigation) na FGV.

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Avançada a formação da família, com a constitucionalização do direito civil, a partir da Carta Federativa de 1988, adentramos num novo modelo fa-miliar, qual seja, a união estável, reconhecida por força do art. 226 da Carta Magna, sobretudo o § 3º (terceiro) deste mesmo artigo.

Através do estudo principiológico e da conceituação e caracterização da família como locus de amor e afeição, passaremos a um estudo histórico sobre como foi o desdobramento familiar através do tempo até chegarmos à atual definição.

Para este estudo, por óbvio, foram destacados apenas alguns pontos tem-porais mais determinantes e relevantes, a fim de exemplificar e dar uma se-quência às transformações estudadas.

Por fim, chegando ao ponto principal do trabalho, é estudado o direito sucessório. Para chegar ao direito sucessório desse novo modelo familiar, faz-se mister o estudo da sucessão em geral, para chegar à sucessão na união estável, para só então adentrar à sucessão na família poliafetiva.

Como a família poliafetiva aceita diversas configurações, sendo, concei-tualmente, aquela família formada por 3 (três) ou mais pessoas, serão tomadas como ponto de estudo somente aquelas famílias formadas por 3 (três) pessoas, aquelas, data vênia, com permissão do silogismo, denominadas “trisais”. Por essa razão, utilizando-se igualmente do silogismo, o foco do presente trabalho será dado à denominada “triação”.

Os dados coletados para o presente trabalho poderão ser encontrados em livros, artigos publicados, decisões de tribunais, tendo seu conteúdo preservado e respeitado.

Na pesquisa, foram adotados o método indutivo e o método dedutivo. O raciocínio indutivo foi feito mediante análise da jurisprudência, doutrina e legislação nos ramos do direito de família, onde se pretendeu obter conclusões mais amplas a partir dos dados coletados a respeito do tema pesquisado.

Já o método dedutivo partiu da identificação de dados gerais sobre os princípios e fundamentos, para extrair afirmações que permitam demonstrar que o fenômeno jurídico não mais comporta abordagem à luz apenas das regras de positivadas, expressas em textos legais.

Será, então, descritiva por objetivar descrever os aspectos jurídicos, pro-movendo-se interpretação necessária à formulação de respostas para as ques-tões sobre o tema.

1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA

Ao realizarmos um estudo sobre qualquer assunto jurídico, são indis-pensáveis, hoje, o estudo e a análise dos princípios que o envolvem. Com o

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advento da Constituição da República Federativa Brasileira, obra da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), promulgada em 5 de outubro de 1988, com o fim do período da ditadura militar, atrelou-se o modelo social, assumindo-se a democracia, passando a ter, como centro dessa nova ordem jurídica, o homem e seus direitos.

Por isso que dizemos princípios norteadores, pois eles darão a direção que toda e qualquer norma infraconstitucional, positivada ou não, deverá se-guir. Como o próprio nome já sugere, eles vêm primeiro, introduzem a regra. Não seria diferente em se tratando do direito das famílias (família no plural, pois ela é eudemonista, plural, podendo ser constituída não mais somente pelo casamento).

Antes de começarmos a falar sobre o assunto propriamente dito, impe-rioso afirmar que o presente trabalho não visa a esgotar todos os princípios exis-tentes em questão de direito de família, pois tal pretensão seria demasiadamente utópica, visto a quantidade de princípios existentes e as diversas nomenclaturas adotadas pelos doutrinadores. Aqui trataremos dos princípios mais influentes no assunto abordado, qual seja, o reconhecimento das famílias poliamorosas, com base na afetividade.

Desde a promulgação de nossa Carta Magna, ocorreu o que chamamos de constitucionalização do direito civil, especialmente do direito de família. Essa denominada constitucionalização nada mais é do que a interpretação das normas jurídicas sob a luz dos princípios constitucionais.

Com a constitucionalização do direito civil, os princípios tomaram cada vez mais força, passando a ser o foco principal em nosso ordenamento jurídico. Os princípios aplicáveis advêm da Magna Carta, das leis infraconstitucionais e há, ainda, aqueles que não estão positivados, expressos.

Nos ensinamentos de Maria Berenice Dias, os princípios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional, o que provocou sensível mudança na manei-ra de interpretar a lei2.

Apesar das diversas classificações dentre os princípios, importante saber que não há hierarquia entre eles, devendo respeitar-se mutuamente. Caso aja um conflito entre os princípios, será necessário fazer uma ponderação de valo-res, esta devendo ser feita pelo jurista avaliador do caso concreto.

2 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito da famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 56.

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Os princípios são fundamentais, pois serão, como dito alhures, nortea-dores, para o legislador quando da edição de novas normas, bem como para os juristas, que os utilizarão no caso de existência de lacunas ou omissões da lei.

Caso ocorra a inobservância desses princípios para a edição das leis e até mesmo para a sua aplicação, estaríamos correndo grandes riscos de sermos in-justos, aplicando uma verdade moralista, que se afasta daquele ideal de justiça buscado pelo direito (dever ser).

1.1 priNcípio da digNidade da pessoa huMaNa

Dentre todos os princípios a serem estudados, o mais importante e primá-rio de todos, do qual todos os restantes serão derivados, devendo, necessaria-mente, respeitá-lo, é o macroprincípio da dignidade da pessoa humana.

Este, como positivado no art. 1º, III, da Carta Maior, é a base do Estado Democrático de Direito. Portanto, encontra-se intimamente atrelado aos con-ceitos de liberdade, igualdade e autonomia, a saber:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político. (grifos não presentes no original)3

A dignidade da pessoa humana como preceito decorre da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, da ONU, a qual afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”4.

Contudo, para uma melhor aplicabilidade de tal princípio, é preciso sa-ber qual seria o conceito, a concepção de dignidade adotada pelo nosso orde-namento. Em resposta, temos que a definição adotada foi a kantiana, em que

3 Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 11 nov. 2015.

4 ONU. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Disponível em: <http://www.humanrights.com/pt/what-are-human-rights/universal-declaration-of-human-rights/articles-01-10.html>. Acesso em: 13 nov. 2015.

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todo homem é um ser digno por ser racional. Dessa forma, não há como se falar em um homem indigno, pois a racionalidade é intrínseca ao homem, não sendo possível separá-la deste.

Por meio de tal definição, travamos uma grande e especial discussão que permeia esse princípio, qual seja, a diferenciação entre o que é moral e o que seria ética. Muitas pessoas se confundem ao acreditarem serem sinônimas. A seguir, em breve estudo, trataremos dessa diferenciação e de sua importância dentro do princípio em questão.

A Moral trata de um julgamento pessoal, em que a sanção encontrada para quando se ultrapassam os limites da moralidade é o famoso e popular-mente conhecido “peso na consciência”, em que “[...] o homem tende a ser o legislador de si mesmo”5. Não passa de uma reprovação pessoal para com suas atitudes, não havendo uma real e efetiva punição. Já a Ética é um juízo de valor no qual há uma racionalização do caso. A Ética estuda a natureza das coisas, aquilo que, caso seja retirado, deteriora, perde sua forma, passa a ser coisa diversa.

Aquele que se diz moralista entende tão somente a letra de lei, fria e puramente, como escrita. Por outro lado, aquele que é ético interpreta a lei de acordo com o caso apresentado, procurando dentro da lei, juntamente com os princípios que a amparam e embasam, a melhor solução para o caso que se apresenta.

Exemplificando o anteriormente escrito, um moralista jamais permitiria que uma mãe, que fosse prostituta, tivesse direito de guarda ou visitação de seu filho, pois leva uma vida moralmente reprovada pela sociedade. Contrapondo a esse pensamento, aquele que é ético analisaria o caso, podendo permitir o direito de visitação, ou até mesmo a guarda do filho, analisando o princípio do melhor interesse da criança. Por ser esse ramo o mais humano de todos, é o mais sujeito a preconceitos moralistas, o que aumenta o risco de se cometerem injustiças.

Esta distinção entre moral e ética se faz necessária para o estudo do pre-sente princípio, pois nela pauta-se o direito de muitos daqueles que se dizem indefensáveis. Nem sempre a ética coincidirá com a moral, mas o fato de ser amoral não pode ser o suficiente para a exclusão de um sujeito que faltou com ela.

Nenhum sujeito deixará de ser digno por ter praticado uma conduta amo-ral ou, até mesmo, antiética. A sua dignidade independe de merecimento moral

5 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 396.

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ou social; ela é intrínseca à vida, inerente à pessoa. Negar-lhe a dignidade é negar-lhe seus direitos fundamentais. No entanto, essa teoria tem sido muito relativizada na vida prática, onde muitos têm sido excluídos, considerados in-dignos por um julgamento moral de seus atos.

Segundo os ensinamentos da grandiosa Professora e jurista Maria Helena Diniz, esse princípio “constitui base da comunidade familiar, garantindo o ple-no desenvolvimento e a realização de todos os seus membros [...]”6.

Segundo explica Ingo Wolfang Sarlet:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva re-conhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e con-sideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto con-tra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantis as condições existenciais mínimas para uma vida saudáveis, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.7

Um princípio não deve conter exceções, pois, caso haja, este pode ser desclassificado como um princípio e se tornar uma norma. A partir desse racio-cínio, é possível visualizar não só a distinção entre moral e ética, mas a valori-zação da ética em detrimento da moral. As normas positivadas devem garantir os direitos das pessoas despidas de qualquer moralismo jurídico, sob pena de infringir a dignidade da pessoa humana.

Cabe ao Estado abster-se de atos que venham a ferir a dignidade da pes-soa humana, mas não somente isto: cabe, igualmente a ele, o dever de propor-cionar meios para que os seres humanos vivam dignamente.

1.2 priNcípio da igualdade e da liberdade

Esses princípios serão discutidos num mesmo capítulo, pois estão inti-mamente atrelados um ao outro, visto que somente haverá uma real liberdade quando todos os indivíduos forem iguais. Para tal, não significa tratar todos de uma mesma maneira, mas sim de modo a, tratando diferentemente cada um, tentar igualar as desigualdades.

Como já afirmava o ilustre Rui Barbosa, os iguais devem ser tratados iguais e os desiguais, desiguais na medida exata da sua igualdade ou desigual-

6 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de família. 20. ed. São Paulo: Saraiva, v. V, 2005. p. 22-25.

7 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 59-60.

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dade, posto que tratar os iguais com desigualdade ou os desiguais com igualda-de geraria, por fim, uma desigualdade.

A igualdade é expressamente prevista em diversos artigos da Constituição Federal, a citar os arts. 5º, I, e 226, § 5º.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igual-mente pelo homem e pela mulher.

E também em artigos do Diploma Civil, como o art. 1.511:

Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igual-dade de direitos e deveres dos cônjuges.

A igualdade da qual trata a Constituição é uma igualdade lato sensu, no sentido de erradicar toda e qualquer diferença, seja de cunho religioso, racial, educacional, financeiro, sexual. Ele promove o bem de todos despido de todo e qualquer preconceito.

Isto porto, é possível afirmar que esse princípio foi o estopim para o de-clínio do pátrio poder. Com ele a família passou a ser gerida por ambos os côn-juges, que ora tinham poder de decisão com a mesma força, sem um sobrepor ao outro.

A que se falar, também, na igualdade entre todos os filhos. Esse princípio consagrou a possibilidade do filho adulterino, como era denominado o filho havido fora do casamento, ou aqueles que fossem adotados fossem reconheci-dos pelo pai, tendo os mesmos direitos e qualificações, vedada toda e quaisquer discriminações.

Segundo afirma Maria Berenice Dias, a negativa de sua existência gera grandes injustiças, senão vejamos:

Não ver essa relação, não lhe outorgar qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes. Como não mais admite a Constitui-ção tratamento discriminatório dos filhos, negar à mãe os direitos decorrentes

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da união que a mesma manteve com o seu genitor é excluir o direito sucessório do filho com relação a ela. Ou seja, deixar de reconhecer o direito da mãe, pela via inversa e reflexamente, é não reconhecer o direito que o filho teria à heran-ça dela. Assim, mesmo que o filho não possa ser considerado ilegítimo, acaba sujeitando-se a tratamento diferenciado, que a justiça não pode chancelar. (grifos no original)8

Tais igualdades foram reafirmadas pela legislação infraconstitucional, no Código Civil, em seus arts. 1.596 a 1.629 do Código Civil.

Por derradeiro, outra importante igualdade a ser ressaltada no presente trabalho é a igualdade entre as entidades familiares. O art. 226 da Lei Maior determina que a família tem especial proteção do Estado.

Como não determinou qual(is) modelo(s) tem(têm) especial proteção, mas sim todas as famílias e suas mais diversas formações, estas não possuem uma hierarquia entre si.

Quando falamos em liberdade, falamos também na autonomia privada (“autonomia” é uma palavra de origem grega: “autós”, que significa próprio, com o verbo “nomía”, administrar, ou seja, autoadministrar, administrar a si próprio), o direito de poder gozar da vida privada sem a interferência de tercei-ros ou do Estado.

Segundo o autor fluminense Daniel Sarmento, autonomia privada é o po-der que a pessoa tem de autorregulamentar os próprios interesses; para o autor,

esse princípio tem como matriz a concepção do ser humano como agente mo-ral, dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, e que deve ter a liberdade para guiar-se de acordo com estas escolhas, desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores relevantes para a comunidade.9

No direito de família, a autonomia privada se traduz nas escolhas do(a) parceiro(a) com quem irá namorar, casar, ter filhos, quantos filhos, em suma, constituir e extinguir uma família ou entidade familiar.

1.3 (sub-) priNcípio da MoNogaMia

Este sequer é um princípio expresso em nosso ordenamento jurídico, não havendo qualquer proibição ao seu avesso. As normas positivadas pelo Direito são normas que visam a controle para o alcance de um convívio ideal da so-

8 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 51.

9 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 188.

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ciedade, o dever ser. Esse controle das normas é feito por meio da imposição de proibições, em cuja proibição, contida na monogamia, encontra-se numa ordem sexual. Contudo, essa proibição deveria ser uma decisão entre o próprio casal, trisal, quadrisal. O Estado não deveria intervir no pacto particular do ca-sal, mas essa questão será tratada mais a frente, no “princípio da autonomia da vontade e da menor intervenção estatal”.

Essa suposta proibição era acreditada por causa do art. 240 do Códi-go Penal, que era o tipo penal do adultério, revogado pela Lei nº 11.106, de 28.03.2005. Vale ressaltar aqui que adultério significa transgressão de regra de fidelidade conjugal, infidelidade por relação carnal com parceiro diverso do casamento, adulteração, falsificação. O art. 1.566 do Diploma Civil fortalece tais pensamentos quando estipula o dever de fidelidade em seu inciso I:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos. (grifos meus)10

A fidelidade nada mais é do que um respeito recíproco. Sendo assim, não há quaisquer proibições ao relacionamento não monogâmico, tampouco há uma imposição da monogamia ou deste como princípio do direito de família; afinal, a fidelidade é um princípio intrínseco ao relacionamento, seja ele qual for.

O fato de um relacionamento não ser monogâmico não significa que será promíscuo ou livre de proibições e regramentos. Um relacionamento que não seja monogâmico tem tantas restrições quanto o que o é, como, por exemplo, a proibição de relacionamentos extraconjugais.

O relacionamento poliamoroso em muito se diferencia dos chamados relacionamentos abertos. Este último é um relacionamento principal em que, por meio de um acordo de vontades de ambas as partes, um ou ambos do casal podem ficar com pessoas fora do relacionamento, podendo haver, ou não, limi-tação ou imposições sobre quem seriam essas pessoas.

10 Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 11 nov. 2015.

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Desta forma, visam apenas ao desejo, não havendo intenção de se apai-xonar ou namorar ninguém além do parceiro que já existe. Um exemplo mais conhecido da prática acima abordada é o swing, ou troca de casais.

No relacionamento poliamoroso, assim como o relacionamento mono-gâmico, não é permitido que aja relações fora da já existente. Tal qual uma família é calcada no afeto, amor, conjugalidade, companheirismo, fidelidade.

Costuma-se dizer que ele é geométrico, podendo se dar de diversas for-mas. Exemplificando com um “trisal”: ele pode ser de três formas, quais sejam, o triangular, o relacionamento em “V” e o relacionamento em “T”.

O triangular, no qual os três envolvidos se relacionam, como um casa-mento/relacionamento em grupo, mas nem sempre todos os membros se rela-cionam entre si.

Quando nem todos possuem um relacionamento amoroso, temos o rela-cionamento em “V”, em que apenas uma das partes se relaciona com mais de uma pessoa.

Temos, ainda, o relacionamento em “T”, no qual há um relacionamento principal, firme, e um terceiro intervém nesse relacionamento.

No modelo de relacionamento no qual nem todos se relacionam entre si, temos como exemplo Wagner Domingues da Costa, popularmente conhecido como Mr. Catra, que tem 3 (três) mulheres.

Nesse modelo familiar, que é uma realidade de fato na sociedade, caso um dos seus integrantes tenha relacionamento fora daquele estabelecido e acor-dado por todos os envolvidos, estará diante de uma traição, um concubinato, assim como no relacionamento monogâmico.

A traição, o concubinato, é uma relação havida sem o consentimento dos demais envolvidos, seja um relacionamento a 2 (dois), 3 (três) ou quantos forem os envolvidos. O concubinato, segundo a etimologia da palavra, significa sexo casual (concu – coito, cópula casual / binatus – com alguém); assim, estaria mais próximo do relacionamento aberto, no qual a distinção é, tão somente, o fato do consentimento dos demais integrantes.

Ademais todo o explícito, esse subprincípio vem carregado de moralis-mo, o que nos leva a cometer diversas injustiças, sendo, inclusive, contra uma das premissas maiores que é a dignidade da pessoa humana (princípio discutido anteriormente).

A dignidade da pessoa humana, com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos, defende a liberdade como uma das suas máximas, vindo

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essa expressa no artigo III desta última: “Todo homem tem direito à vida, à li-berdade e à segurança nacional” (grifos nossos).

Apenas sabemos o que é direito quando conhecemos o seu antagônico. A liberdade traz consigo, conceitualmente, uma possibilidade de escolha. Esco-lha do que fazer ou não fazer. A função do Direito é fazer com que essas esco-lhas não ultrapassem um limite socialmente aceitável para a convivência. Desta forma, quando imposto um relacionamento monogâmico, não há possibilidade de escolha sobre como gerir a própria liberdade pessoal, sexual e emocional.

A monogamia é um instituto que cabe à escolha dos envolvidos no rela-cionamento. Trata-se de uma liberdade de escolha, especialmente após o fim da culpa pelo término do matrimônio. Trata-se de direitos cujo cumprimento não pode ser pleiteado em juízo.

1.4 priNcípio da autoNoMia da voNtade e da MeNor iNterveNção estatal

Este princípio encontra-se intimamente ligado ao princípio da liberdade. Ele versa sobre a liberdade do casal de escolha do parceiro, se terão filhos, quantos filhos; em suma, do planejamento familiar, em se tratando do direito de família. É principalmente defendido pelo advogado e atual Presidente da IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, na sua obra intitulada Princípios funda-mentais norteadores do direito de família11.

Quando tratamos da menor intervenção estatal, igualmente falamos da autonomia privada, autonomia de cada cidadão e do casal. Isto nos leva a tratar sobre uma linha muito tênue, que é o limite entre o público e o privado. Nesse ponto, temos a seguinte indagação: as regras do direito de família são de direito público ou de direito privado?

Muitos doutrinadores defendem que é parte integrante do direito público, porém, conforme leciona Orlando Gomes, este é parte do direito privado pelos sujeitos das relações que disciplina, pelo conteúdo dessas relações, pelos fins de seu ordenamento e a forma de atuação, sendo, assim, integrante do direito civil12.

Embora haja um interesse coletivo, as relações ocorrem entre particula-res, portanto há o predomínio do interesse individual. Ao Estado cabe, portanto, apenas “tutelar a família e dar-lhes garantias, inclusive de ampla manifestação

11 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

12 GOMES, Orlando. Direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 6.

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de vontade e de que seus membros vivam em condições propícias à manuten-ção do núcleo afetivo”13.

Segundo esse princípio, o Estado deve funcionar como um garantidor das garantias e direitos fundamentais da entidade familiar, fazer o papel de “Estado--protetor”, conforme dispõe o art. 226 da Carta Federativa: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (grifos nossos).

Contudo, não significa que não haverá limites. Os limites existem, mas têm a sua barreira nos princípios garantidos pelo macroprincípio da dignidade da pessoa humana. Segundo explica Sarlet, “não significa, contudo, a impossi-bilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana”14.

De acordo com Rodrigo da Cunha, segundo Pedro Henrique Vianna Barbosa em seu artigo “A constitucionalização do princípio da intervenção mí-nima do Estado nas relações familiares”15, a intervenção do Estado deve, apenas e tão somente, ter o condão de tutelar a família e dar-lhe garantias, inclusive de ampla manifestação de vontade e de que seus membros vivam em condições propícias à manutenção do núcleo afetivo. O limite para a intervenção esta-tal, neste sentido, é a garantia da autonomia privada dos membros da família. Violada a autonomia familiar, estará configurado o excesso do Estado em sua intervenção16.

No entanto, ainda é possível verificar leis infraconstitucionais violando flagrantemente essa vedação, a citar o art. 1.641, II, do Diploma Civil, que li-mita as pessoas com idade superior a 70 anos escolherem livremente o regime de bens no casamento.

1.5 priNcípio da pluralidade de forMas de faMília

O atual princípio tem seu marco na Constituição da República de 1988, momento em que há a ruptura com o modelo familiar fundado no casamento. Há quem diga que a Constituição reconhece tão somente aquelas elencadas no art. 226 da Constituição. Contudo, isso não é uma verdade.

13 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 182.

14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 124.

15 Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2014/trabalhos_12014/PedroHenriqueVBarbosa.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2015.

16 Ibid., p. 182.

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Jacques Lacan, em 1938, em seu texto Complexos familiares, defende que a família é, antes de tudo, uma instituição psíquica em que não há neces-sidade de uma ligação biológica, ocupando, cada um de seus membros, um lugar, uma função. Calcado na principiologia constitucional, Paulo Luiz Netto Lôbo afirma que “a exclusão [dos demais modelos familiares] não está na Cons-tituição, mas na interpretação”17. A família passou a ser local de amor e afeto.

A aceitação e reconhecimento dos demais modelos familiares, além da-queles que já estão expressos na letra da lei, encontra seu fundamento nos princípios da liberdade e igualdade, tudo isto baseado, ainda, na dignidade da pessoa humana, previstos não somente na Constituição, mas também em seu preâmbulo.

A maior dificuldade nessa aceitação e reconhecimento amplo ocorre devido ao conservadorismo, o protecionismo à “verdadeira família”. Contudo, esses modelos familiares que hoje estão mais expostos sempre existiram de fato, mesmo quando a família era fundada somente pelo casamento. Esse reconheci-mento, portanto, não cria novos modelos familiares, mas os ampara legalmente, dando-lhes a especial proteção prevista pela Carta Magna, de modo que passam a gozar dos direitos e garantias constituintes do direito de família.

Quando falamos de família, falamos de afeto entre as partes que a consti-tuem, falamos sobre o amor que as envolve. São laços afetivos que une as partes a fim de construírem uma história juntos, afastando os relacionamentos casuais e despretensiosos.

Tratar as relações poliafetivas como sociedades de fato, adentrando o campo dos direitos obrigacionais, em analogia ao que afirma Rodrigo da Cunha Pereira18, é o mesmo que lhes negar direitos, impondo tais relacionamentos, bem como os que neles estão envolvidos, indignidade.

1.6 priNcípio da afetividade

Este, pode-se dizer, é o princípio mais importante ao direito de família após a sua constitucionalização. Ele constitui o liame entre o que é e o que não é família, pois, para a caracterização de família, para a distinção de um relacio-namento casual, despretensioso para um relacionamento familiar, é necessário identificar o afeto inter partes.

17 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista Brasileira do Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, n. 12, p. 44, jan./mar. 2012.

18 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Esse princípio, juntamente com o macroprincípio da dignidade da pessoa humana, é o responsável pelo reconhecimento e “surgimento” (entre aspas, pois não surgiram, mas sim passaram a ser reconhecidos ou, minimamente, debatido a respeito) de novas entidades familiares.

Apesar de não estar expresso na Constituição, ele é uma das maiores inovações trazidas por ela. A partir desse marco, a família passou a ser enten-dida muito mais do que vínculo biológico ou uma relação de casamento. Nas palavras de Maria Berenice Dias:

A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimen-tos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. Despontam novos modelos de família, mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeitas à regra e mais ao desejo.19

Para Paulo Luiz Neto Lôbo, a afetividade é o fundamento e a finalidade da família20. Nessa família socioafetiva, cada membro passa a ser valorizado individualmente, em detrimento da valorização da entidade em si.

1.7 priNcípio da proibição do retrocesso social

Este princípio é bem simples e tem a exata função que explicita em sua nomenclatura. O princípio em questão relaciona-se diretamente com o Estado, intentando que se proíbam os retrocessos, seja na esfera legislativa, com o sur-gimento de novas leis, seja na esfera judiciária, com seus julgados.

Tem o papel de diminuir as desigualdades existentes e maximizar o al-cance dos direitos sociais. Segundo conceitua Maria Berenice Dias, a vedação ao retrocesso é a proibição da legislação ordinária impor restrições ou limita-ções às garantias constitucionais e ao direito subjetivo21.

2 CONCEITO DE FAMÍLIA E ENTIDADE FAMILIAR

2.1 evolução histórica do coNceito de faMília

Falar sobre o direito de família requer um estudo histórico sobre esta en-quanto instituição. O homem sempre viu a necessidade de viver em sociedade, buscando sempre se unir a alguém em busca da felicidade e da autorrealização.

19 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 61.

20 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do III Congresso brasileiro de Direito de Família – Família e cidadania – O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 91.

21 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 69.

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Até chegar ao atual conceito de família, ele sofreu diversas mutações. Aqui faremos um breve estudo salientando algumas passagens para melhor compreensão do atual modelo familiar.

De acordo com Cristiano Chaves, segundo referencia Roniele Ferreira Netto e Renata Magalhães Ruas,

a família, na história dos agrupamentos humanos, é o que precede a todos os demais, como fenômeno biológico e como fenômeno social, motivo pelo qual é preciso compreendê-la por diferentes ângulos (perspectivas científicas), numa espécie de paleontologia social.22

A família é reconhecidamente um organismo cultural e mutaciona de acordo com a criação humana, acompanhando as evoluções da sociedade com o decorrer da modificação de seus costumes, crenças, cultura e moral.

Nas palavras de Euclides de Oliveira:

Há, sim, uma imortalização na ideia de família. Mudam os costumes, mudam os homens, muda a história; só parece não mudar esta verdade: “a atávica ne-cessidade que cada um de nós sente de saber que, em algum lugar, encontra-se o seu porto e o seu refúgio, vale dizer, o seio de sua família, este lócus que se renova sempre como ponto de referência central do indivíduo na sociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à segurança que dificilmente pode ser substituída por qualquer outra forma de convivência social”. Na ideia de família, o que mais importa – a cada um de seus membros, e a todos a um só tempo – é exatamente pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é pos-sível integrar sentimentos, esperanças e valores, permitindo a cada um, se sentir a caminho da realização de seu projeto pessoal de felicidade.23

Ela é reconhecida, desde muito antes de nossa Carta Magna assim deter-minar expressamente, como célula germinadora do Estado e da sociedade, visto que a família antecede ambos.

Nos primórdios, nas sociedades denominadas primitivas, era comum a poligamia, tanto a pologinia (grego: poly – muitas, gyne – mulheres; aquele re-lacionamento em que existem várias mulheres) como a poliandria (grego: poly – muitos, andros – homem; aquele relacionamento com a presença de vários homens).

22 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/o-abandono-afetivo-na-filiacao-sob-a-otica-da- -psicologia-juridica/117144/>. Acesso em: 13 nov. 2015.

23 OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Do direito de família. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo Código Civil. 2. ed. 2. tir. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 7.

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Nessa primeira fase, os filhos havidos eram considerados comuns. Im-perava o que Engels (1984), segundo cita Ana Paula de Jesus Passos Luna em seu artigo “O novo conceito de família – Evolução histórica e repercussão no ordenamento jurídico brasileiro”, denominou como “matrimônio por grupos”.

Esse modelo era possível graças à compersão (termo utilizado para de-nominar a ausência ou superação dos ciúmes). A partir do momento em que o ciúme começou a se fazer presente, não mais foi possível viver de uma maneira livre, como antes.

A partir de então, começaram as maiores transformações nos modelos familiares até chegarmos ao que temos atualmente.

Engels divide essas transformações em 4 (quatro) etapas: família consan-guínea, punaluana, pré-monogâmica ou sindiásmica e monogâmica.

Nela, os grupos conjugais se separam por gerações. Todos os avôs e avós, dentro dos limites da família, são, em seu conjunto, marido e mulher entre si.24

Com o surgimento da percepção de incesto, surge, também, a família pu-naluana (punalua = companheiro íntimo). Nesta, eram proibidos os relaciona-mentos entre membros da própria família. Inicialmente, excluíram-se os aque-les entre pais e filhos, mais adiante se excluíram, também, os relacionamentos entre irmãos. Em seu auge, fora proibido até mesmo o relacionamento entre primos de segundo e terceiro graus.

Segundo nos ensina Friedrich Engels, nesses “matrimônios por grupos”, enfatizava-se a relação entre mães e filhos, uma vez que não era possível des-cobrir quem era o pai.

Em todas as formas de famílias por grupos, não se pode saber com cer-teza quem é o pai de uma criança, mas sabe-se quem é a mãe. Muito embora ela chame seus filhos a todos da família comum e tenha para com eles deveres maternais, a verdade é que sabe distinguir seus próprios filhos dos demais. É claro, portanto, que, em toda a parte onde subsiste o casamento por grupos, a descendência só pode ser estabelecida do lado materno e, portanto, reconhece--se apenas a linhagem feminina. De fato, é isso que ocorre com todos os povos que se encontram no estado selvagem e no estado inferior da barbárie [duas das três fases históricas citadas por Rodrigo da Cunha Pereira para a evolução

24 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: texto integral. Trad. Ciro Mioranza. 2. ed. rev. São Paulo: Escala [s.d.]. p. 47. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, v. 2.

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da família em Direito de família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 12]25.

Assim, a família começa a se fortalecer como uma instituição social e religiosa. Com esse fortalecimento, temos o surgimento da fase sindiásmica ou pré-monogâmica.

Como sugerido pelo próprio nome, aqui começa a ser extinto o casa-mento em grupo, começando a ser visto um primeiro molde de um casamen-to monogâmico. Contudo, nessa fase, somente as mulheres eram proibidas de relacionar-se com mais de um homem, devendo-lhe respeito e fidelidade. Esse direito era apenas pertinente aos homens, desde que a concubina não fosse levada ao lar conjugal.

Essa fase trouxe consigo também a possibilidade da dissolução conjugal, pelo varão ou repúdio de sua esposa, no caso de infidelidade ou esterilidade. No entanto, os filhos permaneciam com a mãe. Assim, temos que a família era formada em torno da mulher, pois, nos outros modelos familiares, não havia di-ficuldade de encontrar mulheres para se relacionar, o que não era uma verdade nesse modelo, visto que a varoa apenas podia relacionar-se com um homem.

Com o tempo, a busca pela procriação, pelas riquezas e conservação dos bens que haviam construídos fez com que cada vez mais os homens se mantivessem somente com uma esposa. Com essas transformações, instituiu--se o patriarcalismo, no lugar da família matriarcal e, com este, instituiu-se a monogamia.

Conforme podemos perceber, a família já teve diversas funções, passan-do desde o político ao procracional, religioso e até mesmo econômico. Algu-mas dessas características permanecem até os tempos modernos.

Nosso ordenamento jurídico, inicialmente, baseou-se no conceito e es-truturação familiar adotada pelo direito romano, calcada na fase monogâmica da evolução familiar anteriormente estudada. Neste, a família era uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional, que era organizada em torno do pater famílias, ou seja, em torno do homem.

Aqui, a mulher não tinha sequer capacidade jurídica, pois era dependen-te do homem. O papel da mulher neste modelo familiar era de procriação e de cuidado do lar e dos filhos.

Desta forma, algumas atitudes que a mulher tinha eram hipervalorizadas numa visão ruim e depreciativa, sendo até mesmo consideradas crimes, quan-

25 Idem, p. 49.

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do, para o homem, eram vistas como algo honroso ou, quando ruim, um leve desagrado.

A própria palavra “família” tem origem romana, significando famulus. Na origem da palavra, era tomada como escravo, referindo-se não somente à famí-lia, mas igualmente aos servos e parentes que se encontravam sob a autoridade do pater famílias (Leite, 2005, p. 23).

Tal conceito de família foi adaptado pela Igreja Católica, tornando o ca-samento em uma instituição sacralizada e indissolúvel, independentemente da existência de afeto. Essa união era o único meio formador da família cristã, que necessariamente era composta por um homem e uma mulher.

Para a convalidação dessa união, era de suma importância a copulação do casal. Dessa forma, manteve-se a função primordial da procriação no casa-mento.

2.2 a faMília No código civil de 1916

O modelo patriarcal, hierarquizado, monogâmico, sexista, em que a família funcionava como uma unidade econômica, era claramente observado em nosso antigo diploma civil (1916), influência de nossa colonização por-tuguesa.

Tal diploma não admitia outra forma de constituição de família que não fosse por meio do casamento, resquício deixado pelo período canônico. Por óbvio que havia pessoas que vivam tal tipo de relacionamento, contudo eram discriminadas, bem como os filhos havidos por tal relação – relações essas que receberam o nome de concubinato.

Tampouco era admitia a dissolução do casamento, sendo possível ape-nas uma separação de corpos, caso em que a mulher sofria discriminação pela sociedade, passando a ser mal vista. Apenas era aceita a anulação do casamen-to pelo marido, no caso de sua mulher ser considerada desonesta, o que era denominado desquite.

A supremacia do homem sobre a mulher era atestada em diversos arti-gos deste que foi o primeiro Código Civil da República. Como exemplo maior, temos o art. 233, que expressava o papel do homem como chefe da família (“o marido é o chefe da sociedade conjugal...”).

Nesse modelo familiar, a mulher teve, até mesmo, a sua capacidade mi-tigada, sendo sempre relativamente capaz, dependendo da anuidade e do con-sentimento do marido para a prática dos atos da vida civil como, por exemplo, trabalhar, nunca adquirindo uma capacidade plena.

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Outro exemplo de supressão da mulher em detrimento da autoridade do marido, que era o chefe da família nesta época, era o caso de divergência, na qual prevaleceriam o entendimento e as vontades do marido.

Eduardo de Oliveira Leite, em sua obra Direito civil aplicado (São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 5, 2005), dividiu o direito de família em três te-mas, quais sejam, o casamento, o parentesco e os institutos de direito protetivo, como tutela, curatela, ausência.

Marise Soares Corrêa ressalta:

Assim, deve-se comentar também que a família brasileira guardou as marcas de suas origens: da família romana, a autoridade do chefe de família; e da medieval, o caráter sacramental do casamento. Desta maneira, a submissão da esposa e dos filhos ao marido, ao tornar o homem o chefe de família [...] encontra a sua origem no poder despótico do pater famílias romano. Ainda o caráter sacramental do casamento advém do Concílio de Trento, do século XVI.26

Na transição para o que temos como modelo e conceito atual de famí-lia, houve algumas leis esparsas que inicialmente diminuíram as desigualdades, como o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/1962), fazendo esta passar de “subordinada” a colaboradora do marido na sociedade conjugal e recuperar a sua capacidade plena, e a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/1977), sepultando a impossibilidade de dissolução do casamento.

2.3 a faMília coNstitucioNalizada de 1988 e No código civil de 2002

Com a Revolução industrial, ocorreu o início da derrocada do modelo institucionalizado de família, por causa da necessidade de mais mão de obra, fazendo a mulher ingressar no mercado de trabalho.

A Constituição da República foi o maior marco para todas as alterações havidas posteriormente no direito de família, alterando, inclusive, o conceito de família. Esta definiu a família com os preceitos da igualdade, da liberdade e com a máxima da dignidade da pessoa humana.

Três grandes modificações sofridas no direito de família com a vigência deste novo parâmetro foram a ampliação das formas de constituição da família, a família pluralizada ou eudemonista, a facilitação da dissolução do casamento e a igualdade de deveres e direitos entre o homem e a mulher na sociedade conjugal.

26 CORRÊA, Marise Soares. A história e o discurso da lei: o discurso antecede à história. Porto Alegre: PUCSRS, 2009. p. 81.

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Nas palavras de Maria Berenice Dias:

O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do princípio eudemonista pelo ordenamento altera o sen-tido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito, como se interfere da primeira parte do § 8º do art. 226 da CF: o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram.27

Em decorrência das alterações trazidas pela nova Constituição, o Código Civil de 19616 perdeu muito a sua força, surgindo assim diversas leis para ade-quar a família aos novos preceitos constitucionais, como, por exemplo, a Lei da União Estável (nºs 8.971/1994 e 9.278/1996). Não seria possível vivermos na sociedade atual com leis do século passado, devendo estas se atualizarem com a evolução da sociedade.

Com tantas evoluções à vista, foi elaborado um novo diploma civil, que entrou em vigor no ano de 2003. Contudo, o projeto original deste diploma denominado “novo” era datado de 1975, sendo, portanto, anterior até mesmo à Constituição. Assim, estava em desacordo com a Carta Magna vigente, sofrendo diversas alterações e emendas visando à consonância com a Lei Maior, visto que já nascera velho.

Ana Clara Matos nos ensina:

Do ponto de vista legislativo, o advento da Constituição de 1988 inaugurou uma diferenciada análise jurídica das famílias brasileiras. Uma outra concepção de família tomou corpo no ordenamento. O casamento não é mais a base única desta entidade, questionando-se a ideia da família restritamente matrimonial. Isto se constata por não mais dever a formalidade ser o foco predominante, mas sim o afeto recíproco entre os membros que a compõem, redimensionando-se a valo-rização jurídica das famílias extrapatrimoniais.28

A Carta Federativa trouxe um novo modelo familiar calcado na família pluralizada, igualitária, democrática, hétero ou homoparental. Nesse novo mo-delo familiar, esta passa a ter o afeto como o seu maior e principal meio de for-mação, de modo que se ampliaram as maneiras de se constituir família, dando especial proteção a todas elas, conforme expressa o art. 226, §§ 3º e 4º.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

27 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 52-53.

28 MATOS, Ana Clara Harmatiuk. “Novas” entidades familiares e seus efeitos jurídicos. In: Família e solidariedade: teoria e prática do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 35-48.

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§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Este é um ponto de muito questionamento e divergência na doutrina, pois parte da doutrina entende que o legislador exauriu os modelos familiares reconhecidos, sendo taxativos os três modelos familiares apresentados no texto constitucional (família casamentária, união estável e família monoparental).

Para esses doutrinadores, não é possível conferir status de família a outros modelos além dos explicitados, mais especificamente à família poliafetiva, ob-jeto de estudo do presente trabalho, pois a família tem como pressupostos a fidelidade e a lealdade, além de se submeter ao (sub-) princípio da monogamia.

Desta forma, caso comprovada a existência de um relacionamento para-lelo a uma família (formada por quaisquer modelos dentre os 3 anteriormente explicitados), é possível a aplicação da Súmula nº 380 do STF, em que equipara esse relacionamento estranho à sociedade conjugal a uma sociedade de fato, prestando-lhe apenas indenização por serviços prestados.

Essa situação é degradante e humilhante, conflitante diretamente com tudo o que é pregado e explicitado pela Carta Magna.

Para uma maior parcela da doutrina, o artigo é meramente exemplificativo, devendo ser reconhecida toda e qualquer forma de constituição de família, desde que respeitada a máxima do princípio da dignidade da pessoa humana. Para essa parcela, os três modelos familiares foram citados expressamente na Constituição apenas por serem os modelos mais comuns encontrados na sociedade.

Quando tratamos de liberdade, é uma liberdade latu sensu, englobando a livre escolha do parceiro e, também, a livre escolha da maneira que se deseja constituir, manter e extinguir a entidade familiar.

Para Luiz Netto Lôbo, segundo Mariana Rodrigues Rendwanski:

O fato de, em seus parágrafos, referir a tipos determinados, para atribuir-lhes cer-tas consequências jurídicas, não significa que reinstituiu a cláusula de exclusão, como se ali estivesse a locução “a família, constituída pelo casamento, união estável ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”. A in-terpretação de uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos.29

29 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=128>. Acesso em: 14 mar. 2012.

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O caput do artigo, anteriormente mencionado, da Constituição Federal traz uma conceituação genérica e indeterminada de família, afirmando apenas que esta tem especial proteção do estado, porquanto abrangeria todas as demais formas de família que se encaixarem dentro da sua conceituação.

Para o autor, conforme citado por Mariana Rodrigues Rendwanski:

A Carta Federal não é um sistema fechado, hermético; ao contrário se abebera das novidades da vida social e admite a atualização de seus princípios e regras, para não se engessar suas conquistas.30

Partindo desse princípio, deve-se, sempre, fazer a melhor interpretação de seus artigos. Por melhor interpretação, entende-se aquela que engloba o maior número de possibilidade e cidadãos, sem excluí-los ou discriminá-los por quaisquer motivos. Exemplo concreto de tal interpretação pode ser dado citando o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou, em sentido vinculante e eficácia erga omnes, o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar31.

A Constituição conferiu proteção à família. Contudo, é muito difícil con-cretamente conceituar o que seria família nos tempos atuais, dadas as mais diversas combinações possíveis e por não ser, este, um conceito imutável, está-tico. Contudo, é possível afirmar que a proteção conferida engloba todo e qual-quer grupamento de pessoas onde se encontre o vínculo afetivo, onde os seus integrantes se enxerguem como família. Onde há um suporte emocional que proporciona ao(s) outro(s) encontrar(em) a sua felicidade e realização pessoal.

“A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no pão de igualdade, de liberdade, de solidariedade e de responsabilidade recípro-ca”, de acordo com Maria Berenice Dias32.

Imperioso ressaltar que o Código as protege, com base no princípio da isonomia igualmente, não havendo qualquer tipo de hierarquia entre elas. Caso contrário, estaríamos legitimando uma possível desigualdade que nos levaria a resultados odiosos.

Desta forma, consoante o entendimento de Silvana Maria Carbonera, “[...] o afeto, que começou como um sentimento unicamente interessante para

30 Idem.

31 BRASIL. STF, ADIn 4277/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Brito, J. 05.05.2011; BRASIL. STF, ADPF 132/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Brito, J. 05.05.2011. Disponíveis em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 11 nov. 2015.

32 DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 53.

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aqueles que o sentiam, passou a ter importância externa e ingressou no meio jurídico”33.

Não obstante todas as mudanças ocorridas em nosso ordenamento jurídi-co, e, mais ainda, na sociedade, “pensar em família ainda traz a mente o mode-lo convencional, um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos”34.

Esse pensamento conservador, apesar de não tão explicitado nos tempos atuais, ainda é o motivo de muitas discriminações em nossa sociedade. Discri-minações que geram uma certa perseguição aos modelos não convencionais de família, como no caso da família poliafetiva. Esses mesmos olhares discrimina-tórios já pairaram sobre as uniões estáveis, anteriormente denominadas concu-binato e, até recentemente, sobre as uniões homoafetivas, que eram repudiadas e não reconhecidas como entidades familiares, não gozando de qualquer pro-teção pelo Estado.

Em livre interpretação sobre o afirmado pela jurista Maria Berenice Dias, “mais do que uma sociedade de fato [como há muito fora considerada], trata-se de uma sociedade de afeto [...]”35, seguindo e respeitando os mesmos preceitos de uma relação monogâmica (hétero ou homoafetiva).

Esse modelo familiar de fato existe em nossa sociedade e não é dos tem-pos atuais. Desde o início da história das relações familiares, conforme estu-dado anteriormente, é possível verificar a existência de relacionamentos entre mais de duas pessoas.

Esses relacionamentos, com o passar dos anos, apenas foram sendo mas-carados e escondidos, feitos à margem da sociedade e do próprio direito, por muitas vezes até mesmo sobre a forma de traição. Contudo, há quem tenha optado por conviver desta forma, respeitando a afetividade, a solidariedade e a dignidade de todos os envolvidos.

Ainda citando a grandiosa jurista Dias, “não se pode fugir de estabelecer analogia com as demais relações que têm o afeto por causa, ou seja, o casa-

33 CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 247.

34 LÔBO, Paulo Luis Neto. A repersonalização das relações de família. In: DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coord.). Direito de família contemporânea e novos direitos: estudo em homenagem ao professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 94-114.

35 DIAS, Maria Berenice. União homossexual. O preconceito e a justiça. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2006. p. 15-21.

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mento e as uniões estáveis. Não se podem confundir questões jurídicas com as questões morais e religiosas”36.

Esses relacionamentos, por muitas vezes, ostentam uma vida comum e pública, calcadas na afetividade, convergindo para a comunhão dos interesses dos envolvidos em busca de suas realizações pessoais, objetivando constituir uma família. Elas, de fato, são uma família, apesar da reticência do seu reconhe-cimento e aceitação pela sociedade e pelo Judiciário. Porém, por serem uma família de fato, não pode o Direito fechar os olhos e negar-lhes que esse relacio-namento gera efetivos direitos e deveres, devendo o Legislativo ou o Judiciário, subsidiariamente, ampará-las legalmente.

A derrocada do modelo sacralizado do matrimônio é um grande avanço no sentido da possibilidade de reconhecimento das mais diversas entidades fa-miliares, pois a sua impossibilidade de convergência em casamento não pode condená-la à invisibilidade.

Há de se reconhecer os preceitos maiores da liberdade de escolha do(a, os, as) parceiro(a, os, as), da livre formação da entidade familiar, da menor intervenção estatal e, mais ainda, da dignidade da pessoa humana. Quando três ou mais pessoas decidem por bem conviver numa mesma família, não lhes carece a transparência e a lealdade, requisitos para o seu reconhecimento como entidade. Dessa forma, não há como deixar de se reconhecer a validade desse relacionamento.

Negar-lhes essa validade seria negar o reconhecimento de todos os di-reitos no âmbito do direito de família e sucessório. A reticência negativa deste modelo familiar é proveniente de pré-conceitos e engessamento do pensamen-to. O amor não há como ser destruidor, visto que é um sentimento verdadeiro e puro, visando sempre a agregar, como já dito na música “Amar alguém”, da Marisa Monte:

Amar alguém só pode fazer bem

Não há como fazer mal a ninguém

Mesmo quando existe um outro alguém

Mesmo quando isso não convém

Amar alguém e outro alguém também

É coisa que acontece sem razão

Embora soma, causa e divisão

Amar alguém só pode fazer bem37

36 Idem.

37 MONTE, Marisa. Amar alguém. In: O que você quer saber de verdade. Rio de Janeiro: Phonomotor, 2011.

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3 DIREITO SUCESSÓRIO

3.1 sucessão hereditária

A sucessão é uma das muitas modalidades de aquisição de posse previs-tas pela legislação pátria. A sucessão hereditária, prevista no Código Civil de 2002, ocorre somente nos casos de falecimento e tem por finalidade definir o destino do patrimônio do de cujus. Ela tem a sua abertura no exato momento do falecimento e segue regras criteriosas definidas na citada lei civil.

O Diploma Civil de 2002 estipulou duas modalidades sucessórias, a tes-tamentária e a legítima. Por ser mais comum e frequente a sucessão legítima, trataremos mais especificamente dela na presente monografia.

3.1.1 Sucessão legítima

A sucessão legítima é aplicada por força de lei e em dois casos espe-cíficos. O primeiro é quando o falecido não deixou testamento; o segundo é quando o testamento for caduco, inválido, revogado ou ainda quando não en-globar e dispor sobre todos os bens que o falecido possuía. Nesse caso, estes bens olvidados ou deixados fora do testamento obedecerão ao regramento da sucessão legítima.

Em ambos os casos, são convocados os herdeiros legítimos (aqueles in-dicados pela lei), seguindo a ordem da vocação hereditária, estipulada pelo Código Civil no art. 1.829:

Art. 1.829. Sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se ca-sado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

Grande inovação trazida neste diploma legal é a escalação do cônjuge como herdeiro necessário, disposto no art. 1.845 da referida lei. O Código Ci-vil de 1916 não elencava o cônjuge como herdeiro necessário, podendo ser afastado da sucessão pela via testamentária. Uma grave consequência desse afastamento era a exclusão do cônjuge na sucessão no caso de dissolução da sociedade conjugal.

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Herdeiro necessário, como o próprio nome explicita, são aqueles neces-sários, que não podem ser excluídos da sucessão.

Desde o novo CC/2002, o cônjuge passou a ter direito à herança, além da meação. A meação é a parte que cabe ao cônjuge supérstite e se constitui da metade dos bens comuns, aqueles adquiridos na constância da entidade fami-liar. Ela é, pois, uma consequência da conjugalidade, não se confundindo com a sucessão ou a herança propriamente dita.

Imperioso ressaltar que o disposto no art. 1.829, a respeito da vocação hereditária, apenas se aplica para as sucessões iniciadas após a vigência do novo diploma legal. Para aquelas que tiveram sua abertura anterior ao novo Código, este é categórico ao afirmar, no art. 2.041, que a sucessão respeitará o disposto no Código de 1916.

Por força do art. 1.830 do Código Civil, é condição que o cônjuge so-brevivente, para que tenha direito sucessório do de cujus, não esteja separado judicialmente, ou de fato por tempo superior a 2 (dois) anos. Dessa forma, nem todo cônjuge sobrevivente tem direito à sucessão.

Pela vocação hereditária prevista no art. 1.829 da legislação civil, o côn-juge concorrerá com os descendentes e, na falta destes, concorrerá com os ascendentes. Na ausência de ambos, a sucessão será deferida integralmente ao cônjuge, segundo o dispositivo 1.837 daquela mesma legislação.

No caso da concorrência com os ascendentes, esta ocorre em qualquer que seja o regime de bens que vige a sociedade conjugal. Já no tocante à con-corrência com os descentes, esta depende do regime adotado pelo pacto ante-nupcial, não concorrendo nos casos de separação obrigatória de bens, prevista no art. 1.641 do diploma civil e quando for adotada a comunhão universal de bens.

O pacto antenupcial é onde se determina o regime de bens adotado na constância do relacionamento, devendo ser celebrado por meio de instrumento público, sendo esse solene, sob pena de nulidade. Havendo qualquer vício no documento, o regime adotado será o da comunhão parcial de bens, assim como na ausência de definição pelos constantes da sociedade conjugal, caso em que o Estado supre essa vontade (art. 1.640 do CC/2002).

Por essa razão, faz-se mister um breve estudo sobre os possíveis regimes previstos na legislação pátria.

O primeiro regime a ser estudado será o da comunhão parcial de bens, por ser o mais comum e a regra geral. Previsto nos arts. 1.658 e seguintes. À exceção das hipóteses do art. 1.659, os bens adquiridos na constância do rela-cionamento comunicam-se pertencendo a ambos do casal.

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Já no regime da comunhão universal de bens, prevista nos arts. 1.667 e seguintes, determina que todos os bens se comunicam, mesmo aqueles adqui-ridos antes do relacionamento; com exceção prevista no art. 1.668. O oposto ocorre na separação de bens, onde nenhum bem se comunica, devendo cada um contribuir para as despesas do casal na proporção de seus rendimentos.

Outra inovação trazida pela nova legislação civil vigente foi o regime da participação final dos aquestos, prevista pelos arts. 1.672 e seguintes. Nesse regime de bens, seguirá como uma separação de bens, não se comunicando os bens, contudo, na dissolução da conjugalidade; aplicar-se-á como uma co-munhão parcial, excluindo desta os bens anteriores à sociedade e aqueles sub--rogados, os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade e as dívidas relativas a esses bens.

3.2 sucessão do coMpaNheiro(a)

O Códex Civil traz, em seu art. 1.725, a regra sucessória daqueles que mantêm união estável, sendo esta equiparada ao casamento mantido sob o re-gime da comunhão parcial de bens, desde que não haja contrato escrito entre os conviventes dispondo de maneira diversa.

O art. 1.790 daquela mesma lei traz regras mais específicas no tocante à sucessão do companheiro. Regras como a limitação a quota equivalente àquela atribuída ao filho, caso seja filho comum, em não sendo, aquele teria direito tão somente à metade do que couber a cada filho.

Caso concorra com outros parentes, terá direito somente a 1/3 (um terço) da herança. Na ausência de outros parentes, diferentemente do casamento civil, onde o cônjuge herda toda a herança, o companheiro herda somente os bens adquiridos onerosamente na constância da união, excluindo-se os bens particu-lares. Não é garantido, ainda, ao cônjuge, a beneficie do art. 1.832.

Por essas razões, não se pode falar numa isonomia. Claramente há uma deterioração da união estável em face ao casamento. Por fazer essas diferencia-ções, esta previsão fere gravemente a máxima da dignidade da pessoa humana, princípio basilar de todo nosso ordenamento jurídico atual, bem como a proi-bição do retrocesso social, como estudado nos pontos 1.1 e 1.7 do Capítulo 1 da presente monografia.

3.3 sucessão poliafetiva

Se a união estável, que já é reconhecida e regulamentada pelo ordena-mento pátrio, sofre diversos preconceitos do próprio direito, conforme visto aci-ma no tocante à sucessão, a união poliafetiva, constante de 3 ou mais pessoas,

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carece totalmente de reconhecimento e proteção legal para seus membros. Por ser mais comum o relacionamento a três nas suas mais diversas configurações (três pessoas do mesmo sexo ou duas do mesmo sexo e uma de sexo diferente), trataremos apenas dos relacionamentos a 3 (três).

Muitas vezes, ainda é possível encontrar o termo pejorativo concubinato para definir essas relações, mesmo quando há o consentimento de todos os en-volvidos, convivendo com o intuito de formar uma família, constituindo, assim, em conformidade com todos os princípios do direito de família e em analogia à união estável, uma entidade familiar.

Ademais, deve, para ser reconhecida de tal forma, preencher os requisi-tos previstos no art. 1.723 do Códex Civil, quais sejam, a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Imperioso ressaltar que, no presente estudo, trataremos somente daque-las uniões em que é respeitada a boa-fé de todos os envolvidos no relaciona-mento, ou seja, onde todos os envolvidos têm conhecimento uns dos outros e se aceitam dessa forma. Caso contrário, não passaria de uma traição à parte que ignora o relacionamento mantido junto ao 3º (terceiro) envolvido.

Por ser análoga à união estável, que, por sua vez, é equiparável ao casa-mento, essas uniões merecem total proteção do Estado, tanto na constância da mesma quanto no momento de sua dissolução ou sucessão.

Por tratar tão somente sobre o direito sucessório no presente estudo, aten-taremos, por óbvio, a este ponto específico do Direito.

O cônjuge supérstite, como estudado anteriormente neste mesmo capí-tulo, goza do direito à meação, constante da metade dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal. Quando tratamos de direito poliafetivo, te-mos mais de 2 pessoas envolvidas; em se tratando de três pessoas, como dito no início deste tópico, tratamos da triação (Portanova, 2005).

Triação é a meação que se transmuda para atender à necessidade especí-fica deste tipo de relacionamento, constante da terça parte dos bens adquiridos na constância da conjugalidade, respeitando-se, desta forma, o princípio da igualdade.

Por respeitar o princípio da igualdade, os bens serão divididos pelo mé-todo da triação apenas a partir do momento em que se configurar e estabelecer a união tríplice. Caso aja uma união dúplice superveniente, os bens adquiridos na constância dessa união dúplice seguirão o critério da meação.

Conforme Marília Andrade dos Santos:

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Reconhecida a união dúplice ou paralela, por óbvio, não se pode mais conceber a divisão clássica de patrimônio pela metade entre duas. Na união dúplice do homem, por exemplo, não foram dois que construíram o patrimônio. Foram três: o homem, a esposa e a companheira. Logo, a clássica divisão pelo critério da meação é incompatível com a formação de patrimônio por três pessoas, e não mais por duas. Aqui é preciso um outro pensar, diria um outro paradigma de di-visão. Aqui se pode falar em uma outra forma de partilhar, que vai denominada, com a vênia do silogismo, de “triação”, que é a divisão em três e que também deve atender ao princípio da igualdade. A divisão do patrimônio pressupõe que os beneficiados sejam contemplados igualmente com sua parcela, da forma mais justa e equânime possível. Por isso, quando temos um único casal, divide-se o patrimônio por dois. Mas, quando o direito passa a regular a partilha da união dúplice, nada mais responde ao critério igualizador do que a divisão por três.38

Nesse sentido, temos o precursor julgamento do Desembargador Rui Portanova no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Apelação. União dúplice. União estável. Prova. Meação. “Triação”. Sucessão. Prova do período de união e união dúplice. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período con-comitante a outra união estável também vivida pelo de cujus. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Meação (triação). Os bens adqui-ridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o de cujus. Meação que se transmuda em “triação”, pela duplicidade de uniões. Deram provimento à apelação. Por maioria.39

O Tribunal de Justiça de São Paulo vem, igualmente, julgando nesse sen-tido:

Inventário. Reserva de bens. Meação. Pretensão de ex-concubina em ação de reconhecimento do concubinato e partilha. Admissibilidade. Alegação verossi-milhante. Tutela antecipada. Natureza adulterina da relação e contribuição in-direta da companheira. Irrelevância. Improvimento ao agravo de instrumento. Aplicação do art. 273, caput, e inciso I do Código de Processo Civil, e da Súmula nº 380 do Supremo Tribunal Federal. Pode ser concedida, a título de antecipada de tutela, e ação declaratória da existência de concubinato, cumulada com pe-dido de partilha, a reserva de bens capazes de garantir, no inventário, o alegado

38 SANTOS, Marília Andrade dos. Meação em razão da extinção de união estável adulterina: estudo de caso. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9243/meacao-em-razao-da-extincao-de-uniao-estavel-adulterina>. Acesso em: 8 dez. 2015.

39 TJRS, AC 70011258605, 8ª C.Cív., Rel. Rui Portanova, J. 25.08.2005. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 8 dez. 2015.

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direito de meação da ex-concubina de de cujus, ainda que este fosse casado e aquela não trabalhasse fora.40

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é reticente em reconhecer esse mode-lo de relacionamento, o que é seguido pela maior parte do ordenamento pátrio. Entretanto, negar esse reconhecimento é negar todos os direitos sucessórios aos envolvidos neste relacionamento; é cometer um atentado à dignidade dessas pessoas, é fechar-lhes os olhos e ignorar uma situação de fato e marginalizar essas pessoas, privilegiando uns em detrimento de outros, causando injustiças incalculáveis.

“O direito não deve pretender desconstituir fatos da vida”41. Essas rela-ções são concretas e o Direito não deve fechar os olhos para elas e nem tentar desconstituí-las, entendendo-as como uma sociedade de fato e menosprezan-do as relações construídas com base nos princípios basilares do direito de fa-mília, tais quais todas as demais famílias existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

O fato de não vivermos da maneira como os demais não os torna excluí-dos ou inexistentes, apenas os torna distintos. Contudo, o Direito deve trabalhar no sentido de igualar essas diferenças, tratando os desiguais na proporção da sua desigualdade.

Dessa forma, a sucessão transmudada em triação deve ser reconhecida e amplamente aplicada a fim de garantir todos os direitos a todos os envolvidos na relação e, assim, garantir a igualdade e a dignidade de todos.

CONCLUSÃO

Após o estudo realizado na presente monografia, é possível afirmar que as famílias poliafetivas são uma realidade na sociedade, constituindo uma enti-dade familiar que, no entanto, carecem de legitimação e, por sua vez, de prote-ção especial do Estado, como determina a Carta Magna.

É necessário que ocorram muitas mudanças, a começar pela quebra des-se protecionismo ao conservadorismo retrógrado, que não está aberto às mu-danças do cotidiano da cultura e, dessa forma, da própria sociedade.

40 TJSP, AC 060.781-4, apud GOMES, Cristiane Trani. Consequências patrimoniais do concubinato adulterino. Disponível em: <http://www.revista.mcampos.br/artigos/dirpdis/dirpdis1411034.htm>. Acesso em: 8 dez. 2015.

41 ALVES, Jones Figueirêdo. O direito não deve pretender desconstituir fatos da vida. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jan-26/jones-figueiredo-direito-nao-pretender-desconstituir-fatos-vida>. Acesso em: 27 out. 2015.

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A nossa Constituição traz como máxima o princípio da dignidade da pessoa humana. Há que se respeitar tudo que advém desse princípio, como a liberdade, por exemplo. A liberdade de escolher como e com quem se relacio-nar. A igualdade em reconhecer o próximo como um igual, respeitando as suas peculiaridades.

Fechar os olhos para uma dada situação não faz ela deixar de existir, que se extinga; fechar os olhos apenas faz se aprofundarem as diferenças e, com isso, as injustiças.

O direito deve acompanhar a evolução da sociedade, deve se renovar junto com o avanço e a mutação da cultura e do próprio povo. O reconheci-mento dessas uniões, que há tanto tempo existem em nosso país, é um grande avanço, mesmo que muitos insistam em negar-lhes garantias fundamentais.

Para reconhecer o direito do próximo, não é preciso ser ou viver como ele; basta saber que ele é uma pessoa com os mesmos direitos que todas as demais.

Dessa maneira, propõe-se uma mudança no posicionamento da jurispru-dência dos Tribunais de Justiça e até mesmo do STJ, onde estes não podem ser parciais, conservadores e pessoais perante casos de poliafetividade, tendo em vista sua função de ser, acima de tudo, justo!

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

8089

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.675.394 – Ma (2016/0296025‑0)Relator: Ministro Raul AraújoRecorrente: W. C. G.Advogado: Rodrigo Vieira Silveira e outro(s) – MA012973Recorrido: Ministério Público do Estado do MaranhãoRecorrido: L. C. B. G.Advogado: Defensoria Pública do Estado do MaranhãoInteres.: M. H. S. de C. B. V.Advogados: Paulo Afonso Cardoso – MA003930

Larisse Barros Lima e outro(s) – MA008763

eMeNta

RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM GUARDA EM FAVOR DE TERCEIRO – AÇÃO PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONTRA AMBOS OS GENITORES – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM RELAÇÃO AO PAI E PROCEDÊNCIA EM RELAÇÃO À MÃE – VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA DA GENITORA – NULIDADE ABSOLUTA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL – ANULAÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA – DESNECESSIDADE – LITISCONSÓRCIO PASSIVO SIMPLES (CPC/1973, ART. 48) – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EM RELAÇÃO AO GENITOR – RECURSO PROVIDO

1. No litisconsórcio simples, “os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos”, a teor do art. 48 do CPC/1973.

2. No caso, na ação de destituição de poder familiar paterno e materno cumulada com a concessão de guarda em favor de terceira pessoa pro-posta pelo Ministério Público, a sentença julgou improcedente o pedido de perda do poder familiar em relação ao pai, e procedente em relação à mãe. Em consequência, a guarda da criança foi concedida ao genitor, resguardando-se o direito de visitas da guardiã de fato. Reconhecida, no entanto, a existência de nulidade absoluta por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa da genitora, o eg. Tribunal de Justiça de origem deu provimento ao apelo da mãe para “anular a sentença, bem como todos os atos praticados desde a nomeação do curador especial nos quais não houve possibilidade de defesa da mãe da criança, deter-minando o retorno dos autos à origem para que seja oportunizado o ofe-

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recimento de contestação, com o regular processamento do feito” e, em consequência, determinou o retorno da situação de guarda ao status quo ante, restabelecendo-a em nome da guardiã de fato.

3. Em se tratando de litisconsórcio simples, a nulidade do processo por violação do direito à ampla defesa da genitora, no caso, não enseja a invalidade do processo em relação ao genitor, nos termos do art. 48 do CPC/1973.

4. Recurso especial provido.

acórdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira (Presidente), Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 29 de agosto de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Raul Araújo Relator

relatório

Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): Trata-se, na origem, de ação de destituição de poder familiar paterno e materno cumulada com concessão de guarda em favor de terceiro, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Maranhão em desfavor de W. C. G. e L. C. B. V., em relação à menor R. C. B. G., alegando que a criança encontra-se sob a guarda de fato da Sra. M. H. S. de C. B. V. desde os dois anos de idade, entregue pela própria mãe, tendo a guar-diã de fato informado que os pais foram negligentes e não prestaram nenhuma assistência à filha, com a qual não teriam convívio familiar algum. Foi deferida medida liminar suspendendo o poder familiar dos requeridos, concedendo-se a guarda provisória da criança à guardiã de fato (fl. 470).

O pedido de perda do poder familiar foi julgado improcedente em rela-ção ao pai e procedente em relação à mãe e, em consequência, a guarda da criança foi concedida para o genitor, resguardando-se o direito de visitas em ralação à guardiã de fato (fls. 469/485).

Sobrevieram as apelações de M. H. S. de C. B. V. (guardiã de fato), do Ministério Público do Estado do Maranhão e da genitora, L. C. B. G., esta última

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por intermédio da Defensoria Pública. Ante o efeito suspensivo dos recursos, a criança foi mantida aos cuidados da guardiã de fato (fls. 749/750).

O eg. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão deu provimento ao apelo da genitora para “anular a sentença, bem como todos os atos praticados desde a nomeação do curador especial nos quais não houve possibilidade de defesa da mãe da criança” (fl. 831), determinando o retorno da guarda ao status quo ante, ou seja, à guardião de fato. O primeiro apelo deixou de ser conheci-do, por intempestividade, e o segundo apelo foi julgado prejudicado, estando o respectivo acórdão assim ementado:

“PROCESSO CIVIL – DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – APELAÇÃO – RÉU REVEL – NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL – AUSÊNCIA DE OPOR-TUNIDADE PARA APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PRO-CESSO LEGAL – NULIDADE ABSOLUTA – MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA

I – Reveste-se de nulidade absoluta a sentença que viola o princípio constitucio-nal e direito fundamental de garantia ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal), corolário do princípio do devido processo legal, caracterizado pela possibilidade de resposta e a utilização de todos os meios de defesa em direito admitidos (STJ, AgRg-REsp 1089338/SP, Min. Marco Buzzi, 4ª T., DJe 04.02.2014).

II – Hipótese na qual a mãe biológica da menor foi destituída de seu poder fami-liar pela sentença sem que lhe tenha sido conferida a oportunidade de apresentar contestação e praticar os demais atos relativos à sua defesa.

III – Primeiro apelo não conhecido (intempestivo); segundo apelo prejudicado; terceiro apelo provido.” (fls. 821/822)

Opostos embargos de declaração por W. C. G., foram rejeitados (fls. 921/929).

Foram interpostos dois recursos especiais.

O primeiro, pelo Ministério Público do Estado do Maranhão (fls. 931/946), com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, aponta violação dos arts. 9º, II, 48 e 473 do CPC/73, sustentando, de início, que a citação da mãe biológica já se havia consumado validamente, tendo ela sido representada na audiência por sua curadora especial (Defensoria Pública). Afirmou, ainda, ser despropositada a anulação do processo, pedindo que os efeitos da anulação da sentença não alcancem o litisconsorte simples (pai biológico).

O segundo recurso especial, interposto por W. C. G. (fls. 992/1.004) com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, aponta ofensa aos arts. 48 e 515 do CPC/1973, bem como divergência jurisprudencial. Alega que

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a nulidade de citação de um dos litisconsortes não enseja a nulidade do pro-cesso em razão dos demais. Acrescenta ter ocorrido “coisa julgada material, em decorrência da preclusão gerada pela intempestividade do recurso de apelação da guardião da criança, associado ao fato de que as demais apelações, em ne-nhum momento, atacam esta parte dispositiva da sentença” (fl. 1.003).

As partes apresentaram contrarrazões (fls. 1.077/1.087 e 1.094/1.101).

Os recursos foram inadmitidos na origem (fls. 1.147/1.151 e 1.153/1.156), tendo ascendido ao Superior Tribunal de Justiça em razão da interposição de agravos.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento dos re-cursos (fls. 1.270/1.289).

Os agravos interpostos foram conhecidos, negando-se provimento a am-bos os recursos especiais (fls. 1.291/1.296).

Inconformado, W. C. G. interpôs agravo interno, provido por esta relatoria para determinar a autuação do recurso como recurso especial (fls. 1.351/1.353).

No que se refere ao recurso especial do Ministério Público do Estado do Maranhão, foi mantida a decisão de seu improvimento, à míngua de agravo interno.

É o relatório.

voto

Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo (Relator):

1. Conforme relatado, cuida-se de ação de destituição de poder familiar paterno e materno, cumulada com a concessão de guarda em favor de terceira pessoa, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Maranhão, no ano de 2009, em desfavor de W. C. G. e L. C. B. V., em relação à menor R. C. B. G., alegando que a criança encontrava-se sob a guarda de fato da Sra. M. H. S. de C. B. V. desde os dois anos de idade, entregue pela própria mãe. Os pais, se-gundo afirmado pela guardiã de fato da criança, teriam sido negligentes e não prestaram nenhuma assistência à filha, com a qual não teriam convívio familiar algum.

Deferida medida liminar, o poder familiar dos requeridos foi suspenso, concedendo-se a guarda provisória da criança à guardiã de fato (fl. 470).

A sentença, no entanto, julgou improcedente o pedido de perda do poder familiar em relação pai, e procedente em relação à mãe. Em consequência, a

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guarda da criança foi concedida ao genitor, resguardando-se o direito de visitas em relação à guardiã de fato (fls. 469/485).

Sobrevindo as apelações de M. H. S. de C. B. V. (guardiã fática), do Ministério Público do Estado do Maranhão e da genitora, por intermédio da Defensoria Pública, a criança foi mantida sob os cuidados da guardiã de fato em razão do efeito suspensivo dos recursos (fls. 749/750).

O eg. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, no entanto, reconhe-cendo a existência de nulidade absoluta por ofensa aos princípios do contradi-tório e da ampla defesa, deu provimento ao apelo da mãe para “anular a senten-ça, bem como todos os atos praticados desde a nomeação do curador especial nos quais não houve possibilidade de defesa da mãe da criança, determinando o retorno dos autos à origem para que seja oportunizado o oferecimento de con-testação, com o regular processamento do feito” (fl. 831) e, em consequência, determinou o retorno da situação de guarda ao status quo ante, restabelecendo--a em nome da guardiã de fato.

Daí o presente recurso especial, interposto pelo genitor.

Insurge-se exclusivamente contra a extensão dos efeitos da anulação da sentença em relação ao pai, sustentando que a nulidade de citação de um dos litisconsortes simples não enseja a nulidade do processo em relação aos demais.

Conforme argumenta, “a sentença nunca poderia ser anulada em sua totalidade, pois se está diante de um litisconsórcio passivo facultativo simples, ou seja, os fundamentos e o dispositivo da sentença relativo a cada um dos litisconsortes passivos dependerá da defesa e das provas produzidas no curso do processo em contraditório, não ensejando em um julgamento uniforme para ambas as partes” (fl. 998).

Alega, ainda, a existência de coisa julgada material em relação à guarda deferida ao pai, “em decorrência da preclusão gerada pela intempestividade do recurso de apelação do guardião da criança, associado ao fato de que as demais apelações, em nenhum momento, atacam esta parte dispositiva da sentença” (fl. 1.003).

2. A matéria está devidamente prequestionada (fls. 924/929).

No caso, o pedido de destituição do poder familiar foi decidido pelo il. Juízo de primeiro grau nos seguintes termos:

“No presente caso não vislumbro elementos consistentes para a destituição do poder familiar paterno.

Com efeito, apesar da ausência inicial do pai biológico da vida da criança R. C., ao longo da marcha processual houve uma sadia reaproximação entre ambos, o que se configura extremamente positivo para a evolução psicológica da criança.

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Os estudos de caso apontaram nessa direção, conforme se vê na prova técnica alojada nos autos, especialmente às fls. 343 e 386/388. Tampouco ficou com-provado qualquer indício de situação de risco à criança provocada pelo pai bio-lógico, que, ao contrário, vem cuidando da filha com zelo e responsabilidade consoante estudos de caso produzido nos autos.

O mesmo não se pode dizer da mãe biológica da infante, que abandonou a filha aos cuidados de terceiros violando assim gravemente os princípios relativos ao poder familiar materno.

[...]

Em relação à constelação familiar onde a criança foi criada após o abandono ma-terno, deve ser reconhecido que a infante formou laços de afetividade que foram benéficos para sua própria evolução psicossomática.

Não se pode olvidar que a Sra. M. H. teve papel fundamental no resgate emo-cional da criança R., resultando numa situação comum em tais casos: a criança formou vínculos que (sic) a família que a acolheu e agora resgata os vínculos com o pai biológico, o que na verdade são duas colunas na construção da sua perso-nalidade. Isso deve ser essencialmente levado em contra pelas partes envolvidas no presente conflito familiar.

É consabido que o norte da Justiça da Infância é o superior interesse da criança. No caso em julgamento existe um conflito intra-familiar que vem colocando a criança R. numa situação emocionalmente difícil, o que requer a intervenção dos órgãos de acompanhamento da rede de proteção (Cras/Creas) para estabilizar essa dinâmica familiar.

O estudo de caso aponta para o deferimento da guarda para o pai biológico, apesar de que em caráter complementar, sugere a concessão de uma guarda compartilhada. Ocorre que os próprios conflitos entre a guardião de fato e o pai biológico não recomendam esse tipo de guarda uma vez que a igualdade de po-deres em relação à infante pode acirrar ainda mais a disputa pela criança, o que seria manifestamente nefasto à sua estrutura emocional.

O estudo técnico de fls. 343 esclareceu que embora R. esteja bem cuidada junto à família da Sra. M. H., isso não é suficiente para que a mesma continue com a guarda da criança, haja vista que a estrutura familiar do pai biológico também é satisfatória para o crescimento da criança. No presente caso, devem prevalecer os laços sangüíneos em face do reatamento dos laços afetivos, materiais e pes-soais entre pai/filha.

Esse o caminho que melhor conduz ao superior interesse da criança.

Isto posto, julgo improcedente a perda do poder família paterno e com escopo nos arts. 1.638, II, CC c/c art. 1º e 24, ECA, determino a perda do poder familiar de L. C. B. G. em relação à sua filha, R. C. B. G.

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Indefiro a guarda da infante para a Sra. M. H. S. C. B.e defiro a guarda da criança R. C. B. G. para seu pai biológico W. C. G., resguardando o direito de visitas da anterior guardiã de fato, a ser regulamentado em ação própria.” (fls. 482/485)

Por sua vez, o v. acórdão recorrido, que anulou a r. sentença, está assim fundamentado:

“Sustenta a terceira apelante nulidade absoluta do feito por não ter sido conferido à defesa da ré L. C. B. G. (mãe biológica da criança) oportunidade para apresen-tação de sua contestação.

Dessume-se dos autos que o juízo a quo nomeou a Defensoria Pública como curadora especial da requerida (fl. 270), em razão da ausência de êxito na cita-ção. Entretanto, às fls. 287/288, proferiu novo despacho judicial, em audiência, determinando nova tentativa de citação pessoal.

Às fls. 346/347 consta, respectivamente, o mandado de citação e a certidão de não localização da ré para citação.

Diante do insucesso da nova busca, o Ministério Público solicitou, então, que o despacho de fl. 270. fosse integralmente cumprido, de modo que fosse concedida ao curador especial a oportunidade (de apresentar contestação (fls. 372/375).

Ocorre que tal pedido não foi deferido, de maneira que não foi concedida à requerida L. C. (mãe biológica) oportunidade para apresentação de sua defesa.

Decerto, a ausência de contestação da ré, progenitora da criança, viola diversos princípios constitucionais, dentre os quais o devido processo legal, o contraditó-rio e a ampla defesa.

[...]

Convém ressaltar que, in casu, é cogente o acolhimento da nulidade, na medida em que resultou grave prejuízo, visto que acarretou a destituição do poder fami-liar da mãe da criança. Decerto, a falta de intimação pessoal e vista dos autos para o Defensor Público viola, ainda, a Lei Complementar nº 80/1994.

[...]

Constata-se, portanto, que requerida, ora terceira apelante, não obteve uma úni-ca oportunidade para se defender, de forma que todos os atos foram praticados à sua revelia.

Cumpre pontuar que, conquanto a Defensora Pública tenha se feito presente na audiência de fls. 287/288, o autor requereu nova citação pessoal – pedido este deferido pelo juízo – o que revogou implicitamente a nomeação da curadoria.

Assim sendo, a mãe biológica da menor teve seu poder familiar destituído sem que lhe fosse facultada a participação no processo ou, ao menos, do curador especial, nos termos do art. 9º, inc. II, do CPC.

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Desse modo, diante da transgressão ao princípio constitucional e direito funda-mental de garantia ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, CF), corolário do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), faz-se cogente o reconhe-cimento da nulidade absoluta.

Em decorrência do reconhecimento da referida nulidade, deixo de adentrar ao mérito da demanda, razão pela qual julgo prejudicado o segundo apelo.

Do exposto, em parcial acordo com o parecer ministerial, não conheço do pri-meiro apelo, por intempestivo; conheço e dou provimento ao terceiro apelo para anular a sentença, bem como todos os atos praticados desde a nomeação de curador especial nos quais não houve a possibilidade de defesa da mãe da crian-ça, determinando o retorno dos autos à origem para que seja oportunizado o oferecimento de contestação, com o regular processamento do feito.

Em decorrência, a situação da guarda da menor retorna ao status quo ante, ou seja, à Sra. M. H. S. de C. B. V., até ulterior decisão do juízo de origem.

Por conseguinte, julgo prejudicado o segundo apelo.” (fls. 827/831)

Especificamente quanto à anulação da sentença também em relação ao litisconsorte passivo, genitor da criança, o eg. Tribunal de Justiça assim se ma-nifestou em embargos de declaração:

“Inicialmente, no que tange aos argumentos de que a decisão não poderia ter sido igual para todos em virtude de litisconsórcio facultativo e de que a questão da guarda formou coisa julgada, não merecem prosperar, na medida em que, consoante noção cediça, a apelação possui devolutividade ampla, permitindo ao Tribunal o reexame das questões impugnadas no recurso.

Desse modo, tenho que a questão da guarda não transitou em julgado, haja vista ser indissociável das demais matérias, constando, portanto, do mesmo capítulo.” (fl. 924)

3. O recurso será examinado à luz do Enunciado nº 2 do Plenário do STJ, nos seguintes termos: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”.

Acerca do litisconsórcio, o Código de Processo Civil de 1973, vigente à época, assim estabelecia:

Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:

I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;

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II – os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;

III – entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;

IV – ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao nú-mero de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou di-ficultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.

Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela na-tureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar ex-tinto o processo.

Quanto ao sistema adotado pelo antigo Código, ensina o Professor Humberto Theodoro Júnior:

“O elenco do art. 46 compreende, como se vê, tanto o litisconsórcio necessário como o facultativo. Aliás, como regra geral, os casos arrolados pelo Código, no dispositivo comentado, podem ser havidos como de litisconsórcio facultativo, pois, segundo o próprio texto legal, as partes podem litigar em conjunto, mas nem sempre estão forçadas a tanto.

Conjugados o art. 46 como o 47, conclui-se que, nas mesmas hipóteses do pri-meiro dispositivo, o litisconsórcio será necessário (isto é, não poderá ser dispen-sado pelos litigantes) ‘quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes.

Em síntese, o sistema do Código é de reunir no art. 46 os casos em que litiscon-sórcio pode ser facultativo, e no art. 47 especificar as condições para que ele seja necessário.” (Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processu-al civil e processo de conhecimento, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 135)

Ao lado dessa primeira classificação, explicitamente adotada pelo Códi-go, existe, também, uma segunda, cuja distinção se dá especificamente quanto à autonomia processual e o regime de tratamento dos litisconsortes.

Com efeito, assim dispunha o Código então vigente:

Art. 48. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros.

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Art. 49. Cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo e todos devem ser intimados dos respectivos atos.

Comentando o art. 48 do CPC/1973, explicam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero que “existem dois regimes que se aplicam ao litisconsórcio: o regime comum e o regime especial. O primeiro pressupõe a existência de li-tisconsórcio simples; o segundo, de litisconsórcio unitário” (Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo, 6. ed.rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 136/137).

A propósito da distinção entre o litisconsórcio unitário e o simples, co-lhem-se os ensinamentos de Fredie Didier Jr.:

“Diz-se que há litisconsórcio unitário quando o provimento jurisdicional de mé-rito tem que regular de modo uniforme a situação jurídica dos litisconsortes, não se admitindo, para eles, julgamentos diversos. O julgamento terá de ser o mesmo para todos os litisconsortes. O litisconsórcio unitário é a unidade da pluralidade: vários são considerados um: o litisconsórcio unitário não é o que parece ser, pois várias pessoas são tratadas no processo como se fossem apenas. Para que assim se caracterize o litisconsórcio, dependerá ele da natureza da relação jurídica controvertida no processo: haverá unitariedade quando o mérito do processo envolver uma relação jurídica indivisível. É imprescindível perceber que são dois os pressupostos para a caracterização da unitariedade, que devem ser investiga-dos nesta ordem: a) os litisconsortes discutem uma única relação jurídica; b) essa relação jurídica é indivisível.

[...]

O litisconsórcio comum (ou simples) é aquele em que a decisão judicial pode ser diferente – a mera possibilidade de a decisão ser diferente já torna simples o litisconsórcio. Ocorre quando há pluralidade de relações jurídicas sendo dis-cutidas no processo ou quando se discute uma relação jurídica cindível (como normalmente ocorre nos casos de solidariedade, conforme já visto). O litiscon-sórcio simples é o que parece ser: cada um dos litisconsortes é tratada como parte autônoma.” (Curso de Direito Processual Civil – Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento, v. 1, 15. ed. rev. atual. Ed. JusPodivm, 2013, p. 358/359).

Portanto, enquanto no litisconsórcio unitário, os litisconsortes são consi-derados como se fossem apenas um, no litisconsórcio simples, diferentemente, “os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos”, a teor do art. 48 do CPC/1973.

E o que distingue um caso de outro é a relação jurídico-material subja-cente à causa, conforme bem esclarece Humberto Theodoro Júnior:

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“Em regra, o litisconsórcio cria uma unidade procedimental, mas conserva a au-tonomia das ações cumuladas, de sorte que os pedidos reunidos pelos diversos autores, ou contra os diversos réus, mesmo sendo julgados por sentença formal-mente una, podem ter desfechos diferentes. Em casos particulares, contudo, os colitigantes integram relação materialmente una e incindível. Mesmo não sen-do necessário o litisconsórcio, o pedido que cada um formula é o mesmo e se funda na mesma causa de pedir. Não é possível, portanto, o mesmo pedido, em tais circunstâncias, ser submetido a julgamento diferente para cada um dos colitigantes. É a partir do direito material que se estabelecerá a cindibilidade ou incindibilidade das causa objeto de um litisconsórcio. Se, no plano material, não for possível senão um julgamento, a hipótese será, processualmente, de litis-consórcio unitário. Ao invés de cúmulo de ações, ter-se-á uma única ação, com pluralidade de titulares. Se for possível, materialmente, definir direitos distintos, embora conexos, para cada colitigante, a solução uniforme para todos eles não será obrigatória. Ter-se-á um cúmulo de ações em processo único, podendo, por isso, haver julgamento diferente para cada ação acumulada pelos vários litiscon-sortes.” (Ob. cit., p. 134).

No caso dos autos, a ação de destituição do poder familiar foi proposta pelo Ministério Público do Estado do Maranhão contra ambos os genitores da criança, e, subsidiariamente, buscava a concessão da guarda em favor de ter-ceiro.

Acerca da natureza das relações materiais existentes entre as partes, as-sim como do desenrolar da causa, apresentou o douto representante do Parquet Estadual, nas razões do recurso especial por ele interposto, minuciosa e eluci-dativa exposição:

“Como dito alhures, trata-se a presente demanda de uma ação de destituição do. poder familiar dos genitores da criança R... (pedido principal), com pedido cumu-lativo de concessão de guarda em favor da Sra... (pedido subsidiário).

Fato relevante para o caso é que W... e L..., pais biológicos da criança, desde muito antes do início da demanda, já estavam separados, sendo definida a guarda da criança em favor de L..., cabendo à W... o pagamento de pensão alimentícia. A partir desse momento, os interesses dos pais biológicos se tornaram antagôni-cos, de modo que a sua participação na vida da filha passou a se dar de modo distinto.

Observe-se também que, para a formação da demanda, impôs-se, por determina-ção legal, a indicação de ambos os genitores no polo passivo, em litisconsórcio necessário ‘simples’, posto que, ante o fato antecedente (separação do casal e fixação da guarda em favor da mãe biológica), não havia a obrigatoriedade da sentença ser unitária, ou seja, o destino dos réus poderia ser diverso como de fato ocorreu.

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[...]

Ora, o processo tramitou durante mais de 05 (cinco) anos, tendo o litisconsorte que compareceu à lide (in casu, o pai biológico) apresentado todos os elementos de defesa, inclusive, formulado acordo de visitação e período de férias, onde aquiesceram o autor da ação, a Curadora Especial da mãe biológica e a pretensa guardiã da criança.

Foram realizados vários estudos psicossociais, que concluíram não haver motivos para a destituição do poder familiar do pai biológico, devendo este assumir a guarda da criança, eis que este um dos deveres inerentes ao exercício do poder familiar.

A omissão da mãe biológica, mesmo que tenha se dado pelo fato da sua Curadora Especial (Defensoria Pública) não ter apresentado contestação, não pode nulificar todo o processo em que o pai biológico exerceu plenamente a sua defesa, com-provando ter plenas condições de exercer o seu poder familiar.

Muito menos, essa formalidade, fruto de uma ficção jurídica que é a citação editalícia (eis que, por óbvio, a Defensoria Pública apresentaria defesa genérica), pode ser capaz de anular todo o processo também em relação ao pai biológico.

Ora, tal medida exigirá, provavelmente, que o pai biológico aguarde mais 05 (cinco) anos (quando então a menina já estaria com 15 anos de idade), para só então ter reconhecido, mais uma vez, que não existiam motivos para sua desti-tuição de poder familiar.

Essa grave injustiça que representa o acórdão recorrido deve, portanto, ser repa-rada com a máxima brevidade possível.” (fls. 942/945)

De fato, as circunstâncias da causa deixam claro a existência de relações jurídicas distintas entre as partes, mormente ao se considerar, pelas informações que constam do recurso especial do Ministério Público do Estado do Maranhão, que os pais da criança encontravam-se separados desde muito antes do início da demanda, estando então a guarda da menor atribuída à mãe biológica, e o pai incumbido do pagamento de pensão alimentícia.

Nesse quadro, e considerando-se, ainda, a situação específica dos autos, que dão conta da reaproximação de pai e filha e a consequente improcedên-cia da ação em relação ao genitor, expressamente reconhecida pelo Ministério Público Estadual, autor da ação, não se justifica a imposição do regime litiscon-sorcial unitário ao caso. A hipótese, com efeito, é de litisconsórcio facultativo simples.

Tanto isso é verdade que a respectiva sentença, embora formalmente una, não decidiu de forma unitária, julgando de modo diverso a situação de cada um dos litisconsortes.

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No caso, portanto, ante a regra do art. 48 do CPC/1973, a nulidade pro-cessual verificada em relação à citação da genitora não exige, como conse-quência, a anulação do processo em relação ao genitor.

A propósito:

“PROCESSUAL CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LITISCONSÓRCIO FA-CULTATIVO – CERCEAMENTO DE DEFESA DE UM DOS LITISCONSORTE – NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA – VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA

1. Havendo relação jurídica em que há formação de litisconsórcio facultativo ativo, a ocorrência de nulidade processual decorrente de deficiência inerente à realização dos atos processuais relacionados a apenas uma das partes não con-tamina o provimento jurisdicional dirigido aos demais litisconsortes se com estes não guardar nenhuma correspondência.

2. Nas hipóteses em que o acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime as questões suscitadas nas razões recursais, não há por que falar em violação do art. 535, II, do CPC.

3. Recurso especial interposto por Syntex do Brasil Indústria e Comércio provido. Recurso especial interposto pela União conhecido parcialmente e improvido.”

(REsp 532.559/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª T., DJ de 31.05.2007)

“CADERNETA DE POUPANÇA – Correção monetária. Ação Rescisória. Litiscon-sórcio ativo facultativo. Menores. Falta de intervenção do Ministério Público. Prescrição

1. A nulidade do processo por falta de intervenção do Ministério Público, exigida em razão da menoridade de alguns dos autores, não é causa de invalidade do processo em relação aos autores maiores (art. 48 do CPC), quando o litisconsór-cio é facultativo.

2. Ação de cobrança de remuneração de caderneta de poupança intentada por diversos autores cuja pretensão foi julgada prescrita, por aplicação do art. 178, § 10, III, do CCivil. Ação rescisória por ofensa ao disposto nos dispositivos legais que regulam a prescrição e por nulidade do processo por falta de intervenção do MP.

3. Procedência da rescisória quanto aos menores, com anulação do processo por falta de intervenção do MP; mas o julgamento da ação deve prosseguir com re-lação aos autores maiores, para exame da questão atinente à prescrição. Recurso conhecido e provido em parte.”

(REsp 469.055/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., DJ de 04.08.2003)

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Nesse mesmo sentido, frise-se a posição defendida pelo ilustre Repre-sentante do Parquet Estadual, autor da ação de destituição do poder familiar, conforme acima demonstrado.

Nesses termos, portanto, e considerando-se que, no caso, inexiste re-curso apto à impugnação da sentença no tocante à improcedência da ação em relação ao pai e a consequente concessão da guarda em seu favor, visto que a apelação da interessada foi julgada intempestiva, não se justifica o retorno dos autos ao Tribunal de origem, devendo ser mantida a sentença em relação ao decidido quanto ao poder familiar do pai.

Do exposto, dá-se provimento ao recurso especial para reformar em parte o v. acórdão recorrido, a fim de afastar os efeitos da nulidade do processo em relação ao litisconsorte passivo ora recorrente, mantendo na íntegra a r. sen-tença em relação ao genitor da criança, devendo a ação ter prosseguimento no primeiro grau apenas em relação à genitora da menor, a quem será designado prazo para contestação (pela Defensoria Pública).

É como voto.

certidão de julgaMeNto Quarta turMa

Número Registro: 2016/0296025-0

Processo Eletrônico REsp 1.675.394/MA

Números Origem: 00200143420098100002 0413102016 198882009 200143420098100002 35245042009 413102016

Em Mesa Julgado: 29.08.2017

Segredo de justiça

Relator: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Simões Martins Soares

Secretário: Bel. Romildo Luiz Langamer

autuação

Recorrente: W. C. G.

Advogado: Rodrigo Vieira Silveira e outro(s) – MA012973

Recorrido: Ministério Público do Estado do Maranhão

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Recorrido: L. C. B. G.

Advogado : Defensoria Pública do Estado do Maranhão

Interes.: M. H. S. de C. B. V.

Advogados: Paulo Afonso Cardoso – MA003930 Larisse Barros Lima e outro(s) – MA008763

Assunto: Direito civil – Família – Relações de parentesco – Guarda

certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator.

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira (Presidente), Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

8090

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.337.420 – RS (2012/0162113‑5)Relator: Ministro Luis Felipe SalomãoRecorrente: A. C. J. C. (menor)Repr. por: S. J. M. e outrosAdvogado: Sebastião Ventura Pereira da Paixão Júnior e outro(s) – RS058450Recorrido: A. C. e outrosAdvogados: Antônio Carlos Gomes Nunes e outro(s) – RS002913

Luís Fernando Nunes Amaro – RS032669 Fernando Bisso Castilhos e outro(s) – RS086234

eMeNta

RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ADOÇÃO – ILEGITIMIDADE ATIVA – SUCESSÃO – CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL – REGIMES JURÍDICOS DIFERENTES – ART. 1.790, CC/2002 – INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF – EQUIPARAÇÃO – CF/1988 – NOVA FASE DO DIREITO DE FAMÍLIA – VARIEDADE DE TIPOS INTERPESSOAIS DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA – ART. 1.829, CC/2002 – INCIDÊNCIA AO CASAMENTO E À UNIÃO ESTÁVEL – MARCO TEMPORAL – SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO

1. A diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável, promovida pelo art. 1.790 do Código Civil de 2002 é inconsti-tucional, por violar o princípio da dignidade da pessoa humana, tanto na dimensão do valor intrínseco, quanto na dimensão da autonomia. Ao outorgar ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles conferi-dos ao cônjuge pelo art. 1.829, CC/2002, produz-se lesão ao princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente. Decisão proferida pelo Plenário do STF, em julgamento havido em 10.05.2017, nos RE 878.694/MG e RE 646.721/RS.

2. Na hipótese dos autos, o art. 1.790, III, do CC/2002 foi invocado para fundamentar o direito de sucessão afirmado pelos recorridos (irmãos e sobrinhos do falecido) e consequente legitimidade ativa em ação de anu-lação de adoção. É que, declarada a nulidade da adoção, não subsistiria a descendência, pois a filha adotiva perderia esse título, deixando de ser herdeira, e, diante da inexistência de ascendentes, os irmãos e sobrinhos seriam chamados a suceder, em posição anterior à companheira sobre-vivente.

3. A partir da metade da década de 80, o novo perfil da sociedade se tornou tão evidente, que impôs a realidade à ficção jurídica, fazendo-se

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necessária uma revolução normativa, com reconhecimento expresso de outros arranjos familiares, rompendo-se, assim, com uma tradição secu-lar de se considerar o casamento, civil ou religioso, com exclusividade, o instrumento por excelência vocacionado à formação de uma família.

4. Com a Constituição Federal de 1988, uma nova fase do direito de fa-mília e, consequentemente, do casamento, surgiu, baseada num explícito poliformismo familiar, cujos arranjos multifacetados foram reconhecidos como aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado família, dignos da especial proteção do Estado, antes conferida unicamente àquela edi-ficada a partir do casamento.

5. Na medida em que a própria Carta Magna abandona a fórmula vin-culativa da família ao casamento e passa a reconhecer, exemplificada-mente, vários tipos interpessoais aptos à constituição da família, emerge, como corolário, que, se os laços que unem seus membros são oficiais ou afetivos, torna-se secundário o interesse na forma pela qual essas famílias são constituídas.

6. Nessa linha, considerando que não há espaço legítimo para o estabele-cimento de regimes sucessórios distintos entre cônjuges e companheiros, a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previs-to no art. 1.829 do CC/2002. Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002 (RE 878.694/MG, Rel. Min. Luis Roberto Barroso).

7. A partir do reconhecimento de inconstitucionalidade, as regras a se-rem observadas, postas pelo Supremo Tribunal Federal, são as seguintes: a) em primeiro lugar, ressalte-se que, para que o estatuto sucessório do casamento valha para a união estável, impõe-se o respeito à regra de transição prevista no art. 2.041 do CC/2002, valendo o regramento des-de que a sucessão tenha sido aberta a partir de 11 de janeiro de 2003; b) tendo sido aberta a sucessão a partir de 11 de janeiro de 2003, aplicar--se-ão as normas do art. 1.829 do CC/2002 para os casos de união está-vel, mas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudi-ciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública, na data de publicação do julgamento do RE 878.694/MG; c) aos processos judiciais com sentença transitada em julgado, assim como às partilhas extrajudi-ciais em que tenha sido lavrada escritura pública, na data daquela publi-cação, valerão as regras dispostas no art. 1.790 do CC/2002.

8. Recurso especial provido.

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acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 22 de agosto de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

relatório

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão:

1. A. C. e outros, irmãos e sobrinho do adotante, ajuizaram ação de anu-lação de adoção (fls. 3-19) em face de A. C. J. (menor) e outros, sob o fundamen-to de que a adoção da menor realizada por J. N. C. não atendeu às exigências legais, principalmente no que respeita à manifestação de vontade legítima do adotante. Afirmaram que o falecido nunca tivera intenção de adotar a infante, destacando que sua capacidade mental estava muito reduzida quando do pro-cesso de adoção, em virtude de acidente de carro sofrido em maio de 2005, que resultou em múltiplas sequelas.

Os autores afirmaram, ainda, legitimidade ativa para a ação por serem irmãos e sobrinhos do falecido J. N. C., sendo que, anulada a adoção, titularão a condição de seus herdeiros, hoje ocupada pela adotada, ré.

Contestando a ação (fls. 154-201), as rés alegaram, dentre outras ques-tões, a ilegitimidade ativa dos autores, visto que, na ordem de vocação here-ditária, estariam em quarto lugar. Aduziram que, antes dos parentes colaterais (irmãos e sobrinhos) do falecido adotante, está a companheira, uma das rés, e que, “portanto, não se beneficiarão do resultado da ação” (fl. 159).

Analisando a preliminar suscitada, a sentença de piso entendeu por aco-lhe-la, extinguindo o feito (fl. 300).

Sobreveio apelação (fls. 305-313), a qual o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul deu parcial provimento, nos termos do acórdão, cuja ementa se reproduz (fl. 361):

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ADOÇÃO – EXTINÇÃO DO FEITO POR ILEGITIMIDADE ATIVA DOS COLATERAIS – REFORMA DA SEN-TENÇA – PARTE ATIVA LEGÍTIMA – COMPANHEIRA SOBREVIVENTE – NÃO

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AFASTAMENTO DA REGRA DO ART. 1.790, III, DO CÓDIGO CIVIL – APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

Opostos embargos de declaração pelas rés (fls. 375-376), foram rejeita-dos (fls. 378-385).

Sobreveio recurso especial interposto por A. C. J. C. (menor), com fulcro no art. 105, III, a, da Constituição Federal de 1988.

Nas razões recursais, a recorrente alega negativa de vigência ao art. 267, VI, do Código de Processo Civil de 1973, assim como do art. 1.790, III, do Có-digo Civil.

Alega que os recorridos não possuem legitimidade ativa para ação de anulação de adoção proposta na origem, nem mesmo interesse processual, se-quer material, tuteláveis.

Sustenta ser equivocada a interpretação dada pelo acórdão recorrido ao art. 1.790, III do CC. Afirma que o tribunal de origem, “na ânsia de fazer vingar sua tese, reduziu o instituto da união estável a uma mera figura de decora-ção, rebaixando, inaceitavelmente, o status jurídico da figura da companheira. Quando a ordem civil caminha para a igualdade e o fim das amarras do forma-lismo na vida matrimonial, o v. acórdão recorrido pegou a contramão da histó-ria discriminando a companheira como se, de fato, esposa não fosse” (fl. 402).

O recurso especial recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem (fls. 422-426), ascendendo a esta Corte após o provimento de agravo de instru-mento (fl. 1032).

O parecer do Ministério Público Federal (fls. 1044-1046) é pelo não pro-vimento do recurso.

É o relatório.

eMeNta

RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ADOÇÃO – ILEGITIMIDADE ATIVA – SUCESSÃO – CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL – REGIMES JURÍDICOS DIFERENTES – ART. 1.790, CC/2002 – INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF – EQUIPARAÇÃO – CF/1988 – NOVA FASE DO DIREITO DE FAMÍLIA – VARIEDADE DE TIPOS INTERPESSOAIS DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA – ART. 1.829, CC/2002 – INCIDÊNCIA AO CASAMENTO E À UNIÃO ESTÁVEL – MARCO TEMPORAL – SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO

1. A diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável, promovida pelo art. 1.790 do Código Civil de 2002 é inconsti-tucional, por violar o princípio da dignidade da pessoa humana, tanto na dimensão do valor intrínseco, quanto na dimensão da autonomia. Ao

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outorgar ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles conferi-dos ao cônjuge pelo art. 1.829, CC/2002, produz-se lesão ao princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente. Decisão proferida pelo Plenário do STF, em julgamento havido em 10.05.2017, nos RE 878.694/MG e RE 646.721/RS.

2. Na hipótese dos autos, o art. 1.790, III, do CC/2002 foi invocado para fundamentar o direito de sucessão afirmado pelos recorridos (irmãos e sobrinhos do falecido) e consequente legitimidade ativa em ação de anu-lação de adoção. É que, declarada a nulidade da adoção, não subsistiria a descendência, pois a filha adotiva perderia esse título, deixando de ser herdeira, e, diante da inexistência de ascendentes, os irmãos e sobrinhos seriam chamados a suceder, em posição anterior à companheira sobre-vivente.

3. A partir da metade da década de 80, o novo perfil da sociedade se tornou tão evidente, que impôs a realidade à ficção jurídica, fazendo-se necessária uma revolução normativa, com reconhecimento expresso de outros arranjos familiares, rompendo-se, assim, com uma tradição secu-lar de se considerar o casamento, civil ou religioso, com exclusividade, o instrumento por excelência vocacionado à formação de uma família.

4. Com a Constituição Federal de 1988, uma nova fase do direito de fa-mília e, consequentemente, do casamento, surgiu, baseada num explícito poliformismo familiar, cujos arranjos multifacetados foram reconhecidos como aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado família, dignos da especial proteção do Estado, antes conferida unicamente àquela edi-ficada a partir do casamento.

5. Na medida em que a própria Carta Magna abandona a fórmula vin-culativa da família ao casamento e passa a reconhecer, exemplificada-mente, vários tipos interpessoais aptos à constituição da família, emerge, como corolário, que, se os laços que unem seus membros são oficiais ou afetivos, torna-se secundário o interesse na forma pela qual essas famílias são constituídas.

6. Nessa linha, considerando que não há espaço legítimo para o estabele-cimento de regimes sucessórios distintos entre cônjuges e companheiros, a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previs-to no art. 1.829 do CC/2002. Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002 (RE 878.694/MG, Rel. Min. Luis Roberto Barroso).

7. A partir do reconhecimento de inconstitucionalidade, as regras a se-rem observadas, postas pelo Supremo Tribunal Federal, são as seguintes:

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a) em primeiro lugar, ressalte-se que, para que o estatuto sucessório do casamento valha para a união estável, impõe-se o respeito à regra de transição prevista no art. 2.041 do CC/2002, valendo o regramento des-de que a sucessão tenha sido aberta a partir de 11 de janeiro de 2003; b) tendo sido aberta a sucessão a partir de 11 de janeiro de 2003, aplicar--se-ão as normas do art. 1.829 do CC/2002 para os casos de união está-vel, mas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudi-ciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública, na data de publicação do julgamento do RE 878.694/MG; c) aos processos judiciais com sentença transitada em julgado, assim como às partilhas extrajudi-ciais em que tenha sido lavrada escritura pública, na data daquela publi-cação, valerão as regras dispostas no art. 1.790 do CC/2002.

8. Recurso especial provido.

voto

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

2. A controvérsia dos autos consiste em definir se os irmãos e sobrinhos são legitimados ativos para a ação de anulação de adoção proposta após o fa-lecimento do adotante.

A sentença de piso, na análise da preliminar levantada, entendeu por acolhe-la, extinguindo a ação de anulação de adoção (fl. 300). Todavia, no julgamento da apelação, os desembargadores do Tribunal de Justiça gaúcho reformaram a decisão singular, considerando os autores legitimados ativos para a ação anulatória, baseados nas disposições do art. 1.790, III, do Código Civil de 2002. Confiram-se os termos do acórdão:

Trata-se de ação de anulação de adoção ajuizada pelos irmãos e sobrinhos de J. N., falecido em 2007 sem deixar ascendentes e tendo como descendente apenas a apelada A. C.

[...]

A r. sentença julgou extinto o feito sem resolução de mérito, por ilegitimidade ativa de todos os autores e por ilegitimidade passiva da requerida S., na confor-midade do inciso VI, do art. 267, do CPC.

No que diz respeito à apelada S., o Magistrado a quo decretou a sua ilegitimidade passiva tendo em vista que “[...] a postulação de anulação da adoção de A. C. pelo falecido J. N. não modifica sua condição de genitora de A. C. e os direitos dela decorrentes, porque esta não foi modificada pela adoção, permanecendo integro o seu vínculo parental, como foi expressamente ressalvado na sentença de adoção, [...]”.

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Quanto aos autores/apelantes, a r. sentença reconhecendo como inconstitucional o dispositivo do art. 1.790, III, do Código Civil, não reconheceu os autores como herdeiros sucessíveis na hipótese de anulação da adoção, já que tal direito seria da requerida S. (companheira), por força do art. 1.829, III do Código Civil, apli-cável por analogia equitativa, declarando-os parte ativa ilegítima.

O apelo deve ser parcialmente provido. No que diz respeito à apelada S., a sen-tença não deve ser reformada. Com efeito, tenho que a mesma é parte passiva ilegítima já que a anulação da adoção de A. C. pelo falecido J. N. não modifica sua condição de genitora e os direitos dela decorrentes. [...]

No que tange ao pedido de reforma da sentença na parte referente a ilegitimidade ativa dos apelantes, o recurso prospera.

Ao contrário do entendimento professado elo Magistrado a quo, sempre entendi que o dispositivo constante no art. 1.790, III, do Código Civil é perfeitamente aplicável.

O entendimento constante dos autos é no sentido de que o Código Civil, no que diz respeito ao direito sucessório do companheiro ou da companheira, teria con-substanciado um retrocesso, que não pode ser aceito, mormente por afrontar a Carta Magna, em seu art. 226, § 3º. Por isso, no entendimento do Magistrado, na hipótese de procedência da presente ação, anulação da adoção, a companheira S., equiparada à figura da cônjuge sobrevivente (art. 1.829, III), herdaria a tota-lidade da herança do falecido J. N., determinado assim a ilegitimidade ativa dos apelantes para o ajuizamento da presente ação.

Sempre adotei a posição legalista, aplicando o art. 1.790, III, do Código Civil. A sucessão entre companheiros não estava regulada diretamente nas disposições do Código Civil de 1916. A legislação especial (Leis nºs 8.971/1994 e 9.728/1996) regulava a matéria. O inciso II do art. 2º da Lei nº 8.971/1994 dizia que “na falta de descendentes e ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança”. Importante salientar que mesmo com o advento da Lei nº 9.278/1996, o art. 2º da Lei nº 8.971/1994, que regulou o direito da compa-nheira à herança de seu falecido companheiro, reconhecida a união estável, não havia sido revogado, o que veio acontecer com o novo Código Civil.

Assim, esse era o entendimento, diante da ausência de regulação pelo Código Civil de 1916 da questão da sucessão entre companheiros: o companheiro sobre-vivente, assim como o cônjuge supérstite, afastava da sucessão os colaterais e o Estado, tendo direito à totalidade da herança.

Apesar desse entendimento, decorrente da Lei nº 8.971/1994, o novo Código Civil deu nova regulamentação à matéria, conforme o art. 1.790, III.

[...]

Dessa forma, hipoteticamente, não existindo filhos comuns ou mesmo do de cujus (nem mesmo a adoção), a demandante, pela norma expressa do art. 1.790, III, do CC, concorreria com os demais parentes sucessíveis – ascendentes e co-laterais até quarto grau, garantindo-se a ela, o direito a um terço da herança, resguardados, diga-se de passagem, à demandante, o direito à meação.

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[...]

No que diz respeito à herança, há a participação do companheiro(a), na forma estabelecida no art. 1.790, do Código Civil.

Ainda hipoteticamente, em caso de procedência da ação de anulação de adoção e reconhecida a união estável, incide o inciso III do art. 1.790, do CC, já que a apelada, por concorrer com outros parentes sucessíveis, teria direito a um terço da herança.

Apenas pra salientar, reforçando a tese de que a união estável não se equipara ao casamento, temos que no caso de casamento, o cônjuge sobrevivente continua preferindo os colaterais na herança, herdando a totalidade de bens, na falta de descendentes e ascendentes. O companheiro(a) sobrevivente, quando não hou-ver descendentes nem ascendentes, não fica com a totalidade da herança, mas a divide com os colaterais. Esse foi o tratamento diferenciado que o novo Código Civil fez entre os institutos familiares do casamento e da união estável.

[...]

Assim, no caso em exame, o apelo, nesse ponto, deve ser parcialmente provido, devendo ser reformada a sentença, aplicando-se a norma expressa do art. 1.790, III, do Código Civil.

Consequência disso, os autores seriam em princípio herdeiros por serem parentes colaterais do falecido, afastando a companheira – S. que somente herdaria na falta de parentes colaterais (e na hipótese de anulação da adoção). Melhor expli-cando, na hipótese e anulação da adoção, o entendimento a prevalecer é de que os autores são herdeiros do falecido em sequência aos direitos sucessórios de A. C., que desapareceriam se procedente a ação de anulação de adoção.

[...]

Como visto, sendo reconhecidos como herdeiros sucessíveis, na hipótese de anu-lação da adoção, afastando a companheira S., tenho que os mesmos têm legitimi-dade para figurar no polo ativo a demanda.

Isso posto, dou parcial provimento ao apelo para declarar os apelantes parte ativa legitima desconstituindo a sentença e determinando o retorno dos autos ao primeiro grau.

3. Conforme se percebe, a questão apresentada se definirá a partir da tão debatida aplicabilidade do art. 1.790, III, do diploma material civil de 2002, cuja pecha de inconstitucionalidade fora reiteradamente apontada pela doutrina.

Ressalte-se, que, especificamente no que respeita aos incisos III e IV do citado artigo, o vício reconhecido pelo juiz sentenciante foi por este relator defendido anteriormente, em arguição de inconstitucionalidade apresentada no REsp 1.135.354/PB, Julgado em 03.10.2012. Entretanto, na Corte Especial, a ilustrada maioria de seus integrantes entendeu impossível a apreciação da discussão acerca da inconstitucionalidade do art. 1.790, incisos III e IV, do

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CC/2002, naquele caso específico, por óbice processual, consistente na falta de interposição de recurso extraordinário contra fundamento constitucional do acórdão recorrido (Súmula nº 126/STJ).

No caso agora examinado, a discussão acerca do art. 1.790 do Código Civil foi entregue a esta Corte de forma diferente. O acórdão hostilizado pelo recurso enfrentou a questão exclusivamente pela ótica infraconstitucional, con-forme se depreende dos excertos do próprio decisum.

Com efeito, na hipótese dos autos, o art. 1.790, III do CC/2002 foi invo-cado para fundamentar o direito de sucessão afirmado pelos recorridos (irmãos e sobrinhos do falecido) e consequente legitimidade ativa em ação de anulação de adoção.

É que, declarada a nulidade da adoção – se acolhido o pedido dos au-tores, irmãos e sobrinhos do de cujus –, não subsistiria a descendência, pois a filha adotiva perderia esse título, deixando, consequentemente, de ser herdeira, e, diante da inexistência de ascendentes, os irmãos e sobrinhos seriam cha-mados a suceder. Nessa esteira, os autores da anulatória de adoção afirmaram que, acolhida a demanda, a companheira sobrevivente não ocuparia a posição seguinte na ordem de vocação hereditária, nos termos do dispositivo invocado. Confira-se:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas con-dições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Como sabido, o regime sucessório da união estável, previsto no Código Civil de 2002, é tema instigante e, ao longo dos anos, tem despertado intenso debate doutrinário e jurisprudencial. Isso pela alteração perpetrada pelo legis-lador de 2002 na ordem de vocação hereditária prevista na lei pretérita (Lei nº 8.971/1994), que criou um sistema, para os companheiros, diverso daquele previsto para os cônjuges casados.

De fato, a Lei nº 8.971/1994, parcial e tacitamente revogada pelo Código Civil/2002, dispunha, em seu art. 2º:

Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

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I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;

II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;

III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.

Promulgado o Código Civil de 2002, este diploma ampliou as hipóteses de concorrência do companheiro sobrevivente, determinando que, à falta de ascendentes e descendentes do falecido, deverão ser chamados outros parentes sucessíveis para participar da herança, aquinhoando estes, inclusive, percentual superior ao que tocaria ao convivente supérstite.

Nos termos do que dispõe o art. 1.790, III, daquele Diploma, quanto aos “bens adquiridos onerosamente na constância da união estável”, quando o companheiro sobrevivente concorrer com “outros parentes sucessíveis”, terá di-reito a apenas um terço da herança, tocando aos colaterais os outros dois terços do mesmo acervo hereditário”, conforme visto.

Assim, os “outros parentes sucessíveis”, afora descendentes e ascenden-tes (incisos I e IV), são mesmo os colaterais até o quarto grau, por força do que dispõem os arts. 1.592 e 1.839 daquele código.

Por sua vez, a ordem de vocação hereditária aplicável ao casamento, no diploma civil atual, é diversa da desenhada acima, especialmente no que concerne aos parentes legitimados a concorrer com o cônjuge sobrevivente, conforme se depreende do art. 1.829, verbis:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se ca-sado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

Com efeito, segundo a ordem de vocação engendrada pelo Código Ci-vil/2002 para o casamento, o cônjuge supérstite concorre apenas com os des-cendentes, na ausência dos quais serão chamados os ascendentes.

Ademais, em frontal diferença de tratamento com a regra para a união estável, na ausência de descendentes e ascendentes, o cônjuge recebe a totali-dade da herança, inclusive os bens particulares.

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4. Nessa linha de ideias, parece mesmo que a escancarada dessemelhan-ça entre as regras ditadas para o casamento e a união estável não possui razões que a justifique e, portanto, não se sustenta diante da realidade.

Como se sabe, o direito é fato, norma e valor, na clássica teoria tridimen-sional de Miguel Reale, razão pela qual a alteração substancial do fato deve necessariamente conduzir a uma releitura do fenômeno jurídico à luz dos novos valores.

O que se deve ter presente, portanto, é o fato de que viver em união está-vel hoje, depois da Constituição de 88, significa algo totalmente diverso do que era em tempos passados.

De fato, a partir da metade da década de 80, passou a ser impossível sustentar o monopólio do casamento para constituição da família ou a inferiori-dade da mulher diante do marido.

O novo perfil da sociedade se tornou tão evidente e contrastante com o ordenamento então vigente, impondo-se a realidade à ficção jurídica, que se fez necessária uma revolução normativa, com reconhecimento expresso de outros arranjos familiares, rompendo-se, assim, com uma tradição secular de se considerar o casamento, civil ou religioso, com exclusividade, o instrumento por excelência vocacionado à formação de uma família.

Seguindo esse rumo, uma nova fase do direito de família e, consequen-temente, do casamento, surgiu em 1988, baseada num explícito poliformismo familiar, cujos arranjos multifacetados foram reconhecidos como aptos a cons-tituir esse núcleo doméstico chamado “família”, dignos da “especial proteção do Estado”, antes conferida unicamente àquela edificada a partir do casamento.

Nesse ponto, refiro-me ao art. 226 da Constituição Federal de 1988, que, de maneira eloquente, abandona de vez a antiga fórmula que vinculava, inexo-ravelmente, a família ao casamento, consagrada em todos os demais diplomas anteriores.

Com efeito, quanto à forma de constituição dessa família, estabeleceu a Carta Cidadã, no caput do mencionado dispositivo, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, sem ressalvas, sem reservas, sem “poréns”.

Na linha desse raciocínio, o comando principal do artigo revelou-se na proteção especial, em si, independentemente de formalidades cartorárias ou religiosas, fundamentada, a proteção, principalmente, na dignidade da pessoa humana, erguida, no texto constituinte, como fundamento da República (art. 1º, inciso III).

Daí que, em seus parágrafos, o art. 226 expõe, exemplificadamente, es-ses novos arranjos familiares que, de tão evidentes para a realidade social, não poderiam ser desconsiderados pela nova Carta, além de destinatários de es-

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pecial proteção estatal, a saber, a união estável e a “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” – a chamada “família monoparental”.

Nesse momento, vêm a calhar as palavras do eminente Ministro Carlos Ayres Brito, na relatoria da ADPF 132/RJ, sobre a interpretação do art. 226 da CF/1988:

De toda essa estrutura de linguagem prescritiva (“textos normativos”, diria Frie-drich Müller), salta à evidência que a parte mais importante é a própria cabeça do art. 226, alusiva à instituição da família, pois somente ela – insista-se na observa-ção – é que foi contemplada com a referida cláusula da especial proteção estatal. Mas família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída [...].

(ADPF 132, Relator(a): Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, Julgado em 05.05.2011, DJe-198 Divulg. 13.10.2011, Public. 14.10.2011)

É bem de ver que o casamento, efetivamente, continua importante no âmbito constitucional. A verdade é que as disposições sobre ele continuaram substancialmente as mesmas no texto original.

A mudança que se percebe é a nova óptica pela qual a família passou a ser vista, um novo olhar, um olhar claramente humanizado, cujo foco, antes no casamento, voltou-se para a dignidade de seus membros.

Essa mudança foi analisada na mencionada ADPF 132/RJ:

“O casamento é civil e gratuita a celebração”. Dando-se que “o casamento re-ligioso tem efeito civil, nos termos da lei” (§§ 1º e 2º). Com o que essa figura do casamento perante o Juiz, ou religiosamente celebrado com efeito civil, compa-rece como uma das modalidades de constituição da família. Não a única forma, como, agora sim, acontecia na Constituição de 1967, litteris: “A família é cons-tituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos” (caput do art. 175, já considerada a Emenda Constitucional nº 1, de 1969). É deduzir: se na Carta Política vencida, toda a ênfase protetiva era para o casamento, visto que ele açambarcava a família como entidade, agora, na Constituição vencedora, a ênfase tutelar se desloca para a instituição da família mesma. Família que pode prosseguir, se houver descendentes ou então agregados, com a eventual dissolu-ção do casamento (vai-se o casamento, fica a família). Um liame já não umbilical como o que prevalecia na velha ordem constitucional, sobre a qual foi jogada, em hora mais que ansiada, a última pá de cal.

E é diante desses fatos, dessas transformações, que não se mostra consen-tâneo com a nova ordem constitucional diferenças desarrazoadas de tratamento entre os institutos relacionados à família, tendo em vista o fato de a Carta de 1988 ter colocado todos esses novos arranjos sob o mesmo manto da “especial proteção”.

Destarte, como afirmado, o cerne da proteção constitucional, antes foca-lizado unicamente no casamento, desloca-se para a família, imediatamente, e

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de maneira mediata para os seus membros, de modo que não há mais como por em dúvida a funcionalização da família para o desenvolvimento da personali-dade de seus membros, “devendo a comunidade familiar ser preservada (ape-nas) como instrumento de tutela da dignidade da pessoa humana” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 56).

Nesse sentido, concluiu Tepedino:

À família, no direito positivo brasileiro, é atribuída proteção especial na medida em que a Constituição entrevê o seu importantíssimo papel na promoção da dignidade da pessoa humana. Sua tutela privilegiada, entretanto, é condicionada ao atendimento desta mesma função. Por isso mesmo, o exame da disciplina ju-rídica das entidades familiares depende da concreta verificação do entendimento desse pressuposto finalístico: merecerá tutela jurídica e especial proteção do Es-tado a entidade familiar que efetivamente promova a dignidade e a realização da personalidade de seus componentes.

(TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 395)

Com base nessas ponderações, mostra-se impossível sustentar que a Car-ta Cidadã tenha adotado predileção pela família constituída pelo casamento, relegando às uniões estáveis e às famílias monoparentais apenas a qualidade de “entidades familiares”, como se as ditas “entidades familiares” fossem algo diferente de uma família, traçando, assim, regras sucessórias, que, ao invés de protetivas, se mostram injustificadamente diferentes.

Como assinalado, à medida que a própria Constituição Federal abandona a fórmula vinculativa da família ao casamento e passa a reconhecer, exempli-ficadamente, vários tipos interpessoais aptos à constituição de família, emerge como corolário que, em alguma medida, torna-se secundário o interesse da Carta Cidadã em relação à forma pela qual essas famílias são constituídas em seu íntimo, em sua inviolável vida privada, se os laços que unem seus membros são oficiais ou afetivos.

5. Exatamente na linha desses pensamentos, em julgamento ocorrido em maio deste ano, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar sobre a constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, posicionou-se pela sua dissonância com a atual Carta Política, declarando que “o art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucio-nais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso”.

Os recursos, a partir dos quais se discutiu a questão, foram os RE 878.694/MG (Tema nº 809 de Repercussão Geral) e o RE 646.721/RS (Tema nº 498). O pri-meiro deles de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, e, o segundo, cuja controvérsia dizia respeito, mais especificamente, à sucessão de companheiro homoafetivo, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello.

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Extrai-se do judicioso voto proferido pelo eminente Ministro Luís Roberto Barroso, que o Código Civil, ao diferenciar o casamento e as uniões estáveis no plano sucessório, promoveu um retrocesso e uma inconstitucional hierar-quização entre as famílias, ao reduzir o nível de proteção estatal conferido aos indivíduos somente pelo fato de não estarem casados, violando a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, e contrariando, ademais, a vedação à proteção insuficiente, bem como a proibição ao retrocesso. (Informa-tivo nº 864 do STF, acórdão pendente de publicação)

Confira-se o trecho do voto publicado no Informativo da Corte:

O Supremo Tribunal Federal afirmou que a Constituição contempla diferentes formas de família, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. Portanto, não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada por casamento e a constituída por união estável. Tal hierarquização entre en-tidades familiares mostra-se incompatível com a Constituição. O art. 1.790 do Código Civil de 2002, ao revogar as Leis nºs 8.971/1994 e 9.278/1996 e discri-minar a companheira (ou companheiro), dando-lhe direitos sucessórios inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalida-de de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso.

Nas palavras do eminente relator, a diferenciação de regimes entre ca-samento e união estável somente poderia ser considerada legítima caso não resultasse na hierarquização de uma entidade familiar em relação a outra.

Noutras palavras, se baseada em circunstâncias inerentes às peculiarida-des de cada tipo de entidade familiar, a diferenciação seria possível.

Também, na ADPF 132, o Supremo Tribunal Federal já havia afirmado que as diferenças aceitáveis entre união estável e casamento já são antecipadas pela própria Constituição, a exemplo da submissão da união estável à prova dessa estabilidade, exigência que não é feita para o casamento, ou “quando a Constituição cuida da forma de dissolução do casamento civil (divórcio), dei-xando de fazê-lo quanto à união estável (§ 6º do art. 226)”.

Ainda no julgamento do RE 878.694/MG, Sua Excelência, o Ministro Roberto Barroso, destacou que, após a Constituição de 1988, as leis relativas ao regime sucessório nas uniões estáveis foram progressivamente concretizando aquilo que a CF/1988 já sinalizava: cônjuges e companheiros devem receber a mesma proteção quanto aos direitos sucessórios, pois, independentemente do tipo de entidade familiar, o objetivo estatal da sucessão é garantir ao parceiro remanescente meios para que viva uma vida digna.

Com efeito, “o Código trouxe dois regimes sucessórios diversos, um para a família constituída pelo matrimônio, outro para a família constituída por união estável.

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Com o CC/2002, o cônjuge foi alçado à categoria de herdeiro neces-sário (art. 1.845), o que não ocorreu – ao menos segundo o texto expresso do CC/2002 – com o companheiro” (RE 878.694/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Julgado em 10.05.2017)

Dessa forma, caso o Código Civil continue a ser interpretado em sua literalidade, um indivíduo jamais poderá excluir seu cônjuge da herança por testamento, mas este mesmo indivíduo, caso integre uma união estável, poderá dispor de toda a herança, sem que seja obrigado a destinar qualquer parte dela para seu companheiro ou companheira.

Nessa linha de ideias, seguiu o ilustre Ministro, externando sua indigna-ção com as disposições do art. 1.790 do CC, verbis:

49. Como decorrência lógica da inexistência de qualquer hierarquia entre as diferentes entidades familiares e do direito a igual proteção legal de todas as famílias, é inconstitucional o art. 1.790, do Código Civil, ao prever regimes su-cessórios distintos para o casamento e para a união estável. Se o legislador civil entendeu que o regime previsto no art. 1.829 do CC/2002 é aquele que melhor permite ao cônjuge viver sua vida de forma digna após o óbito de seu parceiro, não poderia, de forma alguma, estabelecer regime diverso e menos protetivo para o companheiro.

[...]

53. Não há que se falar aqui que a diferença de regimes sucessórios decorreria da própria autonomia da vontade, já que conferiria aos indivíduos a possibilidade de escolher o sistema normativo (casamento ou união estável) que melhor se ajusta aos projetos de vida de cada um. O que a dignidade como autonomia protege é a possibilidade de opção entre um e outro tipo de entidade familiar, e não entre um e outro regime sucessório.

Pensar que a autonomia de vontade do indivíduo referente à decisão de casar ou não casar se resume à escolha do regime sucessório é amesquinhar o instituto e, de forma geral, a ideia de vínculos afetivos e de solidariedade. É pensar de forma anacrônica e desprestigiar o valor intrínseco da família, restringindo-a a um aspecto meramente patrimonial, como costumava ocorrer preteritamente à Constituição de 1988.

54. Em verdade, a ideia de se prever em lei um regime sucessório impositivo parte justamente da concepção de que, independentemente da vontade do indivíduo em vida, o Estado deve fazer com que ao menos uma parcela de seu patrimônio seja distribuída aos familiares mais próximos no momento de sua morte, de modo a garantir meios de sustento para o núcleo familiar. E não faz sentido desproteger o companheiro na sucessão legítima apenas porque não optou pelo casamento.

55. Diante do exposto, conclui-se que a diferenciação entre os regimes sucessó-rios do casamento e da união estável promovida pelo art. 1.790 do Código Civil de 2002 viola o princípio da dignidade da pessoa humana, tanto na dimensão do valor intrínseco, quanto na dimensão da autonomia. Além disso, ao outorgar ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles conferidos ao cônjuge pelo

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art. 1.829, o CC/2002 produz lesão ao princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente.

[...]

57. Como se viu, o conjunto normativo resultante do art. 1.790 do Código Civil veicula uma proteção insuficiente ao princípio da dignidade da pessoa humana em relação aos casais que vivem em união estável. A depender das circunstân-cias, tal regime jurídico sucessório pode privar o companheiro supérstite dos recursos necessários para seguir com sua vida de forma digna. Porém, a defici-ência da atuação estatal em favor da dignidade humana dos companheiros não é justificada pela tutela de nenhum outro interesse constitucional contraposto. Conforme já analisado, não se pode defender uma preferência constitucional ao casamento para justificar a manutenção da norma do Código Civil menos protetiva da união estável em relação ao regime sucessório aplicável. À luz da Constituição de 1988, não há hierarquia entre as famílias e, por isso, não se pode desigualar o nível de proteção estatal a elas conferido.

[...]

63. Fica claro, portanto, que o art. 1.790 do CC/2002 é incompatível com a Constituição Federal. Além da afronta à igualdade de hierarquia entre entidades familiares, extraída do art. 226 da Carta de 1988, violou outros três princípios constitucionais, (i) o da dignidade da pessoa humana, (ii) o da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e (iii) o da vedação ao retrocesso.

(http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160901-05.pdf##LS).

Com base nos fundamentos acima demonstrados, a tese final firmada pela Corte Suprema, para os devidos fins de repercussão geral, foi a de que “no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.

6. Por oportuno, cumpre registrar que a Terceira Turma deste Tribunal, no julgamento do REsp 1.332.773/MS, em julho deste ano, adequando-se à nova sistemática do regime sucessório da união estável ditada pelo Pretório Excelso, reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que aceitava critérios distintos de herança.

No caso do julgamento proferido sob a relatoria do eminente Ministro Ricardo Villas Boas Cuêva, o tribunal de origem havia deferido pedido de ha-bilitação de herdeiros colaterais (irmãos e sobrinhos) do falecido na sucessão decorrente de união estável, uma vez que o de cujus não teria deixado pais e não teve filhos com a companheira.

Concluiu o eminente relator – em tese que, de alguma maneira, asseme-lha-se à presente discussão –, que o pleito recursal não encontrava respaldo na doutrina e na jurisprudência, destoando o acórdão da razoabilidade à falta de justo motivo para o discrímen.

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Confira-se a ementa do acórdão:

RECURSO ESPECIAL – CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES – DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS – IMPOSSIBILIDADE – ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – INCONSTITUCIONALIDADE – STF – REPERCUSSÃO GERAL RECONHE-CIDA – ART. 1.829 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – PRINCÍPIOS DA IGUALDA-DE, DIGNIDADE HUMANA, PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE – INCIDÊNCIA – VEDAÇÃO AO RETROCESSO – APLICABILIDADE

1. No sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002, conforme tese estabeleci-da pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento sob o rito da repercussão geral (Recursos Extraordinários nºs 646.721 e 878.694).

2. O tratamento diferenciado acerca da participação na herança do companheiro ou cônjuge falecido conferido pelo art. 1.790 do Código Civil/2002 ofende fron-talmente os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade e da vedação ao retrocesso.

3. Ausência de razoabilidade do discrímen à falta de justo motivo no plano su-cessório.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1332773/MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., Julgado em 27.06.2017, DJe 01.08.2017)

7. Voltando ao caso dos autos, conclui-se que são procedentes as razões recursais quanto à ilegitimidade ativa dos autores da ação de anulação de ado-ção, porque dita legitimidade fora fundamentada no art. 1.790 do CC/2002, cuja aplicabilidade não se sustenta diante da nova ordem instaurada, mormente após o julgamento do STF havido em maio deste ano.

Com efeito, tendo sido retirados, do ordenamento jurídico, as disposi-ções previstas no art. 1.790 do Código Civil, o companheiro passa a figurar ao lado do cônjuge na ordem de sucessão legítima (art. 1.829).

Desse modo, concorre com os descendentes, a depender do regime de bens adotado, assim como com os ascendentes, aqui, independentemente do regime. Na falta de descendentes e de ascendentes, o companheiro receberá a herança sozinho, exatamente como previsto para o cônjuge, excluindo os cola-terais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos--netos).

Assevere-se, por sua relevância, que, no julgamento do RE 878.694/MG, o relator declarou: “com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada

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escritura pública” (STF, Recurso Extraordinário nº 878.694/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso).

Acontece que, para o caso dos autos, a ponderação feita pelo Ministro Roberto Barroso não se opera, pois há ação de anulação de adoção, cuja solu-ção sequer foi alcançada.

Na verdade, apenas a título de registro, penso que, havendo sentença ou acórdão aplicando o art. 1.790 da codificação material, a partir do assenta-mento da tese de sua inconstitucionalidade, esse deve ser revisto em superior instância, com a subsunção do art. 1.829 do Código Civil.

Na mesma linha, o entendimento do professor Flávio Tartuce, externado em artigo publicado logo após o julgamento da matéria pela Excelsa Corte. (http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/STF+encerra+o+julgamento+sobre+a+inconstitucionalidade+do+art+1790+do)

8. Nesse passo, também apenas como registro, penso interessante a de-limitação, no tempo, das regras postas pelo Supremo Tribunal Federal, com o julgamento do RE n. 878.694/MG, considerando-se o mandamento de transição eleito com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002.

Destarte, no julgamento do recurso, o Ministro Roberto Barroso, no des-fecho de seu voto, esclareceu o que se segue:

68. Por fim, é importante observar que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorri-das desde o advento do CC/2002. Assim, levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos pro-cessos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública.

(http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160901-05.pdf##LS)

Acrescente-se, por oportuno, que a Suprema Corte optou, ainda, por ga-rantir regimes sucessórios iguais a cônjuges e companheiros, determinando es-tender-se aos companheiros o regime estabelecido pelo próprio CC/2002 para os cônjuges, em detrimento do restabelecimento, para os companheiros, do regime previsto pelas Leis nºs 8.971/1994 e 9.278/1996.

Confiram-se, nesses termos, uma vez mais, as palavras do eminente Re-lator:

Considerando-se, então, que não há espaço legítimo para que o legislador in-fraconstitucional estabeleça regimes sucessórios distintos entre cônjuges e com-panheiros, chega-se à conclusão de que a lacuna criada com a declaração de

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inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a apli-cação do regramento previsto no art. 1.829 do CC/2002, e não daquele estabe-lecido nas leis revogadas.

Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002.

(http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160901-05.pdf##LS)

Diante desse quadro, tem-se a seguinte configuração: a) em primeiro lu-gar, ressalte-se que, para que o estatuto sucessório do casamento valha para a união estável, impõe-se o respeito à regra de transição prevista no art. 2.041 do CC/2002, valendo o regramento desde que a sucessão tenha sido aberta a partir de 11 de janeiro de 2003; b) tendo sido aberta a sucessão a partir de 11 de janeiro de 2003, aplicar-se-ão as normas do 1.829 do CC/2002 para os casos de união estável, mas, aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública, na data de publicação do julgamento do RE 878.694/MG; c) aos processos judiciais com sentença transitada em julgado, assim como às partilhas extrajudiciais em que tenha sido lavrada escritura pública, na data daquela publicação, valerão as regras dispostas no art. 1.790 do CC/2002.

Por fim, anoto que o completo debate da questão impõe, ainda, sejam feitas algumas ponderações acerca das situações que, agora, se verificarão, considerando-se a regra de transição eleita pelo Supremo Tribunal Federal e, principalmente, quanto à opção feita pela maioria da Corte, no que respeita ao regime sucessório a ser seguido, a partir da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002.

É bem de ver, então, que o companheiro passa a ocupar, na ordem de su-cessão legítima, posição idêntica a do cônjuge. Quer isso dizer que, a partir de agora, concorrerá com os descendentes (inciso I), a depender do regime de bens adotado para a união (comunhão universal, separação obrigatória e comunhão parcial); concorrerá com os ascendentes, independentemente do regime (inciso II); e na falta de descendentes e de ascendentes, receberá a herança sozinho, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios--avôs e sobrinhos-netos), antes com ele concorrentes.

Nessa linha, Giselda Hironaka destaca que “a imissão do cônjuge nas classes anteriores à terceira, se faz de forma gradativa e proporcional à im-portância que o legislador empresta aos descendentes e aos ascendentes em relação ao apreço e carinho que o morto presumidamente guardaria para cada qual. Por isso é que a quota do cônjuge vai aumentando dependendo da classe em que se encontre”. (http://www.professorchristiano.com.br/artigosleis/artigo_giselda_concorrencia.pdf)

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Saliente-se, entretanto, que, para todos os casos previstos acima, impõe--se – da mesma forma exigida para o casamento – o respeito à regra de transição prevista no art. 2.041 do CC/2002, valendo o regramento desde que a sucessão tenha sido aberta a partir de 11 de janeiro de 2003.

Em verdade, os desdobramentos da decisão da Suprema Corte serão inú-meros.

Destaco uma primeira, de indiscutível relevância, que diz respeito à in-clusão, ou não, do companheiro no rol de herdeiros necessários, disposto no art. 1.845 do CC/2002.

Quanto ao ponto, o voto condutor do RE 878.694/MG não oferece res-posta expressa. Todavia, a doutrina vem-se posicionando positivamente a essa questão, apontando, nessa extensão, as situações que se apresentariam, caso fosse tomado esse rumo.

Com efeito, destaca o Professor Flávio Tartuce que, reconhecida ao com-panheiro a condição de herdeiro necessário, incidirão, em relação àquele, por exemplo, as regras previstas nos arts. 1.846 e 1.849 do CC/2002, ocasionando restrições na doação e no testamento, “uma vez que o convivente deve ter a sua legítima protegida, como herdeiro reservatário”.

Outro efeito previsto pelo mesmo doutrinador, refere-se ao fato de o companheiro passar a ter o dever de declarar os bens recebidos em antecipa-ção, sob pena de serem considerados sonegados (arts. 1.992 a 1.996), caso isso igualmente seja reconhecido ao cônjuge.

Ainda há o direito real de habitação, sobre o qual a jurisprudência recen-temente se posicionou no sentido de que o diploma civil de 2002 não teria revo-gado as disposições constantes na Lei nº 9.278/1996, subsistindo a norma que confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, tendo em vis-ta a omissão do Código Civil quanto à matéria em relação aos companheiros na união estável, consoante o princípio da especialidade (AgRg-REsp 1436350/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T, Julgado em 12.04.2016, DJe 19.04.2016).

Inaugurada a nova ordem jurídica em relação ao companheiro, subsistirá o entendimento firmado pela Terceira Turma do STJ, consistente na aplicabili-dade da Lei nº 9.278/1996, ou será reconhecido ao companheiro o direito real, nos exatos termos a que se confere ao cônjuge, previsto no art. 1.831 do Código Civil.

Ressalte-se que, anteriormente à decisão proferida no recurso especial destacado acima, já havia decidido a mesma Turma de Direito Privado, no sentido de que “a Constituição Federal (art. 226, § 3º) ao incumbir o legisla-dor de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o ca-samento, conduz também o intérprete da norma a concluir pela derrogação

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parcial do § 2º do art. 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habi-tação, em antecipação ao que foi finalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002” (REsp 821660/DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., Julgado em 14.06.2011, DJe 17.06.2011).

Há, ademais, outra importante questão, qual seja a exigência de outorga uxória ou marital contemplada no art. 1.647, a ser aplicada ou não à união estável.

Em relação à questão, pondera José Fernando Simão, diretor consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo:

Como a união estável pode nascer sem qualquer instrumento que a comprove, temos que distinguir as situações fáticas. Se as pessoas se declaram em união estável, as regras da outorga uxória e marital se aplicam in totum a elas, nos exa-tos termos do art. 1.647 do CC. É o caso de uma aquisição de imóvel em que o vendedor se declara “solteiro em união estável”.

Se houver um contrato de união estável ou sentença registrados no 1º Registro Civil de Pessoas Natural, em seu livro E, os efeitos são idênticos[1].

Se a união estável não contar com essa comprovação documental, se for simples-mente um fato da vida, haverá sim a incidência das regras referentes à outorga conjugal, mas não perante terceiros de boa-fé, que desconheçam a existência de união estável. Seus efeitos se limitam à relação entre os companheiros.

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

(http://www.conjur.com.br/2016-dez-25/processo-familiar-entao-stf-decidiu--destino-artigo-1790-cc-parte)

Flávio Tartuce, já referenciado neste voto, busca esclarecer algumas destas questões, sustentando que a equiparação entre cônjuge e companheiro faz sentido “somente para os fins de normas de solidariedade, caso das regras sucessórias, de alimentos e de regime de bens. Em relação às normas de for-malidade, como as relativas à existência formal da união estável e do casamen-to, aos requisitos para a ação de alteração do regime de bens do casamento (art. 1.639, § 2º, do CC e art. 734 do CPC) e às exigências de outorga conjugal, a equiparação não deve ser total” (STF encerra o julgamento sobre a inconstitu-cionalidade do art. 1.790 do Código Civil. E agora? http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI259678,31047).

Seguindo esse raciocínio, José Fernando Simão acrescenta que somen-te serão legítimas as diferenciações de regras que disserem respeito à criação, comprovação e extinção do casamento e união estável, tais como o procedi-mento de habilitação e comprovação do vínculo pela certidão de casamento.

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Por sua vez, será ilegítima a diferenciação de regras de concorrência sucessória , as que se referirem ao direito real de habitação e a presunção pater is est do art. 1.597, bastando, nesse caso, que a companheira leve ao Registro Civil seu contrato de união estável, por instrumento público ou particular, para que a presunção se aplique, assim como ocorre com os cônjuges.

9. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para declarar a ilegitimidade ativa dos ora recorridos para a ação de anulação de adoção, res-tabelecendo os termos da sentença de origem, inclusive no tocante aos ônus sucumbenciais.

É o voto.

voto

Ministra Maria Isabel Gallotti: Senhor Presidente, também cumprimento o eminente Relator e adiro ao seu voto por força da interpretação vinculante que o Supremo Tribunal Federal fez. Penso que não resta outra possibilidade a este Tribunal.

Portanto, acompanho o Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

8091

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.516.599 – PR (2015/0037833‑7)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: G. Â. G.Advogados: Pedro Henrique Xavier – PR006511

Eduardo de Oliveira Leite – PR010334 Muriel Gonçalves Martynychen – PR036811

Recorrido: G. F. M.Advogado: Vanessa Cristina Cruz Scheremeta – PR027134Advogada: Fernanda Barbosa Pederneiras Moreno – PR035146

eMeNta

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO – CERTIDÃO DE ÓBITO – UNIÃO ESTÁVEL – RECONHECIMENTO – PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL – INTERESSE DE AGIR

1. Ação de retificação de registro civil (certidão de óbito) ajuizada em 11.09.2009, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 12.12.2013 e concluso ao Gabinete em 25.08.2016. Julgamento pelo CPC/1973.

2. O propósito recursal é decidir sobre o pedido de retificação de certi-dão de óbito para que nela se faça constar que a falecida, filha da recor-rida, convivia em união estável com o recorrente.

3. A ausência de específica previsão legal, por si só, não torna o pedido juridicamente impossível se a pretensão deduzida não é expressamente vedada ou incompatível com o ordenamento pátrio.

4. Se na esfera administrativa o Poder Judiciário impõe aos serviços no-tariais e de registro a observância ao Provimento nº 37 da Corregedoria Nacional de Justiça, não pode esse mesmo Poder Judiciário, no exercício da atividade jurisdicional, negar-lhe a validade, considerando juridica-mente impossível o pedido daquele que pretende o registro, averbação ou anotação da união estável.

5. A união estável, assim como o casamento, produz efeitos jurídicos típicos de uma entidade familiar: efeitos pessoais entre os companheiros, dentre os quais se inclui o estabelecimento de vínculo de parentesco por afinidade, e efeitos patrimoniais que interessam não só aos conviventes,

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mas aos seus herdeiros e a terceiros com os quais mantenham relação jurídica.

6. A pretensão deduzida na ação de retificação de registro mostra-se ne-cessária, porque a ausência de expresso amparo na lei representa um entrave à satisfação voluntária da obrigação de fazer. Igualmente, o pro-vimento jurisdicional revela-se útil, porque apto a propiciar o resultado favorável pretendido, qual seja, adequar o documento (certidão de óbito) à situação de fato reconhecida judicialmente (união estável), a fim de que surta os efeitos pessoais e patrimoniais dela decorrentes.

7. Afora o debate sobre a caracterização de um novo estado civil pela união estável, a interpretação das normas que tratam da questão aqui debatida – em especial a Lei de Registros Públicos – deve caminhar para o incentivo à formalidade, pois o ideal é que à verdade dos fatos corres-ponda, sempre, a informação dos documentos, especialmente no que tange ao estado da pessoa natural.

7. Sob esse aspecto, uma vez declarada a união estável, por meio de sentença judicial transitada em julgado, como na hipótese, há de ser aco-lhida a pretensão de inscrição deste fato jurídico no Registro Civil de Pessoas Naturais, com as devidas remissões recíprocas aos atos notariais anteriores relacionados aos companheiros.

8. Recurso especial desprovido, ressalvando a necessidade de se acres-centar no campo “observações/averbações” o período de duração da união estável.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Tercei-ra Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das no-tas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Dra. Fernanda Barbosa Pederneiras Moreno, pela parte recorrida: G. F. M.

Brasília (DF), 21 de setembro de 2017 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

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relatório

O Exmo. Sr. Ministro Nancy Andrighi (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por G. Â. G., fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/PR.

Ação: de retificação de registro, ajuizada pela recorrida em face do re-corrente, em que pleiteia a “retificação da certidão de óbito de A. F. M., para que passe a constar que ela vivia em união estável com G. Â. G. e deixou bens a partilhar” (fl. 09, e-STJ).

Sentença: o Juízo de primeiro grau julgou procedentes, em parte, os pedi-dos, para determinar que “no assento de óbito lavrado sob nº 034822, à fl. 159 do livro C-162 do 20 Serviço de Registro Civil de Pessoas Naturais de Curitiba (fl. 17), faça-se constar, em retificação, que a falecida deixou bens” (fl. 101, e-STJ).

Acórdão: o TJ/PR deu parcial provimento à apelação da recorrida “para que na certidão de óbito de A. F. M. conste como estado civil: ‘solteira com união estável’, e, para que anote-se no campo ‘observações averbações’ que a relação de companheirismo foi mantida com G. Â. G.”. Eis a ementa do acórdão:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – CERTI-DÃO DE ÓBITO – ESTADO CIVIL – RETIFICAÇÃO PARA CONSTAR RELAÇÃO DE COMPANHEIRISMO – OMISSÃO LEGISLATIVA DA LEI DE REGISTROS PÚ-BLICOS – INDECLINABILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – INTER-PRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO – AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA – TUTELA CONSTITUCIONAL DAS UNIÕES ESTÁVEIS – PEDIDO POSSÍVEL – INTERESSE DE AGIR DEMONSTRADO – CORREÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO – RELEVÂNCIA SOCIAL – TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PROVA DA UNIÃO ESTÁVEL – RECONHECIMENTO DA ENTIDADE FAMILIAR EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIO-NAL – ART. 273, § 6º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – JURISDIÇÃO DE NATUREZA EXAURIENTE E DE CERTEZA – FORMAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL – PARCIAL PROCEDÊNCIA PARA ACRÉSCIMO DE INFORMAÇÃO SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL – RELAÇÃO DE COMPANHEIRISMO INDEPENDE DO ESTADO CIVIL DAS PESSOAS

1. A omissão legislativa acerca das relações de companheirismo, para fins de re-gistro civil (inclusive na certidão de óbito), não afasta a pretensão da parte Autora de requerer perante o Poder Judiciário a proteção de sua esfera jurídica.

2. A Constituição Federal de 1988 incumbiu ao Estado o dever de proteção de qualquer entidade familiar, formada ou não pelo casamento. Portanto, deverá ser coibido qualquer tratamento jurídico discriminatório entre o casamento e a união estável.

3. A relação de união estável pode ser registrada na certidão de óbito, ainda que inexista previsão legal especifica nesse sentido, pois, a informação de que a

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pessoa falecida vivia em união estável é de relevante interesse jurídico, porque publiciza a existência da entidade familiar e gera efeitos, além dos pessoais, pa-trimoniais para as partes envolvidas e para terceiros.

4. A decisão que antecipa os efeitos da tutela, nos termos do art. 273, § 60, do Código de Processo Civil tem natureza de decisão de mérito, consoante exegese do art. 269, inciso II, do CPC, e faz, portanto, coisa julgada material, pois o juízo é de cognição exauriente e de certeza.

5. Sendo as uniões estáveis famílias de constituição fática, formadas indepen-dentemente de registro público, são passíveis de assento no registro civil para constar a existência da relação de companheirismo, complementando o estado civil oficializado perante o Estado.

Recurso conhecido e parcialmente provido.

Recurso especial: alega-se ofensa aos arts. 3º, 267, VI, 295, III, do CPC/1973, e ao art. 80 da Lei nº 6.015/1973, além de divergência jurispru-dencial.

Sustenta o recorrente, em preliminar, a impossibilidade jurídica do pe-dido, porque este “não é protegido pela legislação nacional”, e a ausência do interesse de agir, ao argumento de que “a presente ação não preenche o requi-sito da utilidade, pois não propicia à autora o resultado favorável pretendido” (fl. 211, e-STJ).

Afirma, ademais, que “já restou incontroverso em decisão interlocutória pendente de trânsito, em ação paralela, em trâmite na 2ª. Vara de Família, que o requerido viveu em união estável com a falecida de 1994 a 2006” (fl. 212, e-STJ), bem como que “nenhum direito da parte autora foi violado, carecendo a mesma de interesse de agir” (fl. 214, e-STJ).

No mérito, pondera que “a inclusão de união estável em assento de óbito não está em consonância com os termos da Lei de Registros (Lei nº 6.015/73), em especial com o seu art. 80 que prevê somente a inclusão de estado civil, ou seja, solteiro, casado, separado judicialmente, divorciado ou viúvo” (fl. 215, e-STJ).

Defende, outrossim, que a união estável “não modifica o estado civil das pessoas” e “não se opõe a terceiros de forma registral” (fl. 215, e-STJ).

Pleiteia, ao fim, a reforma do acórdão recorrido, “mantendo-se o assento de óbito com a única averbação de que a falecida filha da Apelada deixou bens a inventariar” (fl. 219, e-STJ).

Juízo prévio de admissibilidade: o recurso foi admitido pelo Tribunal de origem.

Parecer do MPF: da lavra do Subprocurador-Geral da República, Maurício de Paula Cardoso, pelo não provimento do recurso.

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É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Nancy Andrighi (Relator):

O propósito recursal é decidir sobre o pedido de retificação de certidão de óbito para que nela se faça constar que a falecida, filha da recorrida, convi-via em união estável com o recorrente.

1 DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Discute-se, nesta ação de retificação de registro, a possibilidade de que, na certidão de óbito de A. F. M., filha da recorrida, passe a constar que ela vivia em união estável com G. Â. G. e que deixou bens a partilhar.

Sobre o assento de óbito, estabelece o art. 80 da Lei nº 6.015/1973:

Art. 80. O assento de óbito deverá conter:

1º) a hora, se possível, dia, mês e ano do falecimento;

2º) o lugar do falecimento, com indicação precisa;

3º) o prenome, nome, sexo, idade, cor, estado, profissão, naturalidade, domicílio e residência do morto;

4º) se era casado, o nome do cônjuge sobrevivente, mesmo quando desquitado; se viúvo, o do cônjuge pré-defunto; e o cartório de casamento em ambos os casos;

5º) os nomes, prenomes, profissão, naturalidade e residência dos pais;

6º) se faleceu com testamento conhecido;

7º) se deixou filhos, nome e idade de cada um;

8º) se a morte foi natural ou violenta e a causa conhecida, com o nome dos atestantes;

9º) lugar do sepultamento;

10º) se deixou bens e herdeiros menores ou interditos;

11º) se era eleitor.

12º) pelo menos uma das informações a seguir arroladas: número de inscrição do PIS/Pasep; número de inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, se contribuinte individual; Número de Benefício Previdenciário – NB, se a pessoa falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS; número do CPF; núme-ro de registro da Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor; número do título de eleitor; número do registro de nascimento, com informação do livro, da folha e do termo; número e série da Carteira de Trabalho.

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Parágrafo único. O oficial de registro civil comunicará o óbito à Receita Federal e à Secretaria de Segurança Pública da unidade da Federação que tenha emitido a cédula de identidade, exceto se, em razão da idade do falecido, essa informação for manifestamente desnecessária. (grifou-se)

Como se pode ver, a Lei de Registros Públicos – datada de 31.12.1973, frise-se – não prevê a anotação, no assento de óbito, da eventual existência de união estável da pessoa falecida, pela mesma razão, certamente, que o seu art. 29 não exige a respectiva inscrição no registro civil de pessoas naturais.

No entanto, ao contrário do que consta da sentença, a ausência de es-pecífica previsão legal, por si só, não torna o pedido juridicamente impossível se a pretensão deduzida não é expressamente vedada ou incompatível com o ordenamento pátrio.

Sobre o tema, discorre Cândido Rangel Dinamarco:

A demanda é juridicamente impossível quando de algum modo colide com re-gras superiores do direito nacional e, por isso, sequer comporta apreciação me-diante exame de seus elementos concretos. Já a priori ela se mostra inadmissível e o autor carece de ação por impossibilidade jurídica da demanda.

[...]

A casuística da impossibilidade jurídica do pedido evidencia que a este se chega por exclusão e pelas situações negativas, sendo mais fácil falar dela que da pos-sibilidade. Isso tem um sólido fundamento sistemático, que é a garantia do con-trole jurisdicional, portadora da regra de que em princípio todas as pretensões de tutela jurisdicional serão apreciadas pelo Estado-juiz (Const., art. 5º, inc. XXXV), só não o sendo aquelas que encontrarem diante de si alguma dessas barreiras intransponíveis. [...] Negar aprioristicamente o direito ao processo – e portanto ao provimento jurisdicional – constitui exceção ao sistema. (Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, v. II, 2004. p. 301-2)

Especificamente quanto à questão versada no recurso especial, Mario de Carvalho Camargo Neto, membro da Associação dos Notários e Registradores do Brasil, sustenta a possibilidade de inscrição da união estável no Registro Civil da Pessoa Natural e sua averbação à margem da certidão de nascimento dos companheiros:

A publicidade do estado da pessoa natural, como defendido no I Fórum Interna-cional de Cooperação Jurídica, Notarial e Registral, realizado em Punta del Este, somente é eficaz quando realizada pelo registro civil das pessoas naturais, haja vista que qualquer interessado em conhecer o estado de uma determinada pessoa deve buscar uma certidão de nascimento ou casamento atualizada, a qual, por meio da sistemática de anotações e averbações, contém todas as informações acerca do estado da pessoa natural e suas eventuais alterações.

[...]

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Apenas haverá publicidade verdadeira e eficaz na medida em que a união es-tável for inscrita nos Registros Públicos, que, como exposto anteriormente, para se revestir de publicidade positiva, adequada cognoscibilidade e oponibilidade, deverá ser realizada no registro público com atribuição específica para o ato.

[...]

Surge, neste cenário, a possibilidade de se averbar a união estável à margem do registro de nascimento de ambos os conviventes, o que garantiria que toda a pessoa que obtivesse certidão atualizada soubesse da existência de registro de tal união.

Ressalte-se que a averbação no registro de nascimento é um meio de publicidade da união estável, como fato relevante à vida da pessoa natural. Não significa, necessariamente, alteração do estado civil. (Revista Síntese Direito de Família, ano XIV, n. 76, fev./mar. 2013, p. 95-111)

Nessa mesma toada, a Corregedoria Nacional de Justiça, ante a ausência de norma legal e atenta à necessidade de “conferir segurança jurídica na rela-ção mantida entre os companheiros e desses com terceiros, inclusive no que tange aos aspectos patrimoniais”, editou o Provimento nº 37, em 07.07.2014, que dispõe sobre o registro de união estável, no Livro “E”, por Oficial de Re-gistro Civil das Pessoas Naturais, exigindo, ademais, a respectiva anotação nos atos anteriores, com remissões recíprocas.

Ora, se na esfera administrativa o Poder Judiciário impõe aos serviços no-tariais e de registro a observância ao Provimento nº 37 da Corregedoria Nacio-nal de Justiça, não pode esse mesmo Poder Judiciário, no exercício da atividade jurisdicional, negar-lhe a validade, considerando juridicamente impossível o pedido daquele que pretende o registro, averbação ou anotação da união es-tável.

Por tudo isso, no particular, deve ser rejeitada a preliminar.

2 DO INTERESSE DE AGIR

Enquanto entidade familiar, a união estável em nada se diferencia do casamento, porque essa foi a vontade do constituinte originário de 1988, ins-culpida no § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

Entretanto, quando analisada sob o aspecto formal, a união estável, em diversos segmentos, recebe tratamento diferenciado do legislador, quando com-parada ao casamento.

Um deles, como já adiantado, diz respeito à ausência de previsão legal do registro da união estável, da averbação de sua dissolução, e da consequente anotação nos atos notariais anteriores, conferindo a devida publicidade ao ver-dadeiro estado da pessoa natural.

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E a principal razão para isso é que a união estável, ao contrário do ca-samento, se constitui de uma relação de fato; informal, portanto. A união está-vel não tem hora nem dia certo para existir; apenas acontece na vida de duas pessoas quando, gradativamente, a convivência entre elas passa a ser pública, contínua, duradoura e nasce o objetivo comum de constituir uma família.

Cumpre salientar, todavia, que a união estável, assim como o casamento, produz efeitos jurídicos típicos de uma entidade familiar: efeitos pessoais entre os companheiros, dentre os quais se inclui o estabelecimento de vínculo de parentesco por afinidade, e efeitos patrimoniais que interessam não só aos con-viventes, mas aos seus herdeiros e a terceiros com os quais mantenham relação jurídica.

Não por outro motivo, o art. 319, II, do CPC/15 passou a exigir, como requisito da petição inicial, que se indique “a existência de união estável”, para os devidos fins processuais.

Ao comentar tal novidade legislativa, afirmou o Des. Jones Figueirêdo Alves, em artigo publicado na Revista Consultor Jurídico (disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-set-04/processo-familiar-estado-civil-conviventea-cordo-cpc2015, publicado em 04.09.2016, acesso em 24.08.2017):

Exatamente. Esse tratamento processual novo no elenco dos requisitos da ini-cial traz consigo um apontamento induvidoso. As relações convivenciais não são menos importantes que as conjugais; cumprem as funções constitucionais de família, figurando a união estável como entidade familiar tipificada em seus elementos, diante dos diversos modelos de família.

De tal magnitude, bem por isso cuida ainda a novel disposição do art. 319, em seu § 1º, do CPC/2015, de determinar diligências judiciais necessárias, por reque-rimento da parte autora, à obtenção dos dados de qualificação da parte adversa, de forma a demonstrar o seu atual estado civil, ou mais designadamente, se achar constituída ou não uma união estável. Na hipótese, requisições, a respeito, ao Registro Civil de Pessoas Naturais.

Posto isso, impende considerar, para os fins do art. 319, II, do novo CPC, que as pessoas que vivem em união estável, sejam elas solteiras, separadas de fato ou judicialmente, viúvas ou, ainda, divorciadas, não guardam o seu estado civil anterior; muito ao revés, situam-se em nova entidade familiar, a da união estável. Essa condição, tem o pressuposto lógico de um novo estado civil, a saber tratar-se de “uma qualidade de pessoa” condizente com suas atuais relações de união, de onde se extraem, por ditado da própria lei, direitos e deveres.

Nessa perspectiva se revela a importância do eventual registro, averba-ção ou anotação no Registro Civil das Pessoas Naturais da situação de união estável, de modo a conferir-lhe efetiva publicidade e oponibilidade erga omnes.

Assim, a pretensão deduzida nesta ação de retificação de registro mostra--se necessária, porque a ausência de expresso amparo na lei representa um entrave à satisfação voluntária da obrigação de fazer. Igualmente, o provimento

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jurisdicional revela-se útil, porque apto, em tese, a propiciar o resultado favorá-vel pretendido, qual seja, adequar o documento (certidão de óbito) à situação de fato reconhecida judicialmente, a fim de que surta os efeitos pessoais e pa-trimoniais dela decorrentes.

Configurado está, portanto, o interesse de agir.

3 DO MÉRITO

O estado da pessoa natural é o atributo da personalidade relacionado à sua posição na sociedade e compreende o estado político, relativo à cidadania e à nacionalidade; o estado individual, relacionado à idade, ao sexo e à capa-cidade; e o estado familiar, referente ao parentesco e à situação conjugal, esta última denominada comumente de estado civil.

Especificamente quanto à situação conjugal, o ordenamento jurídico pre-vê o estado civil de solteiro, casado, separado judicialmente, divorciado e o de viúvo, mas nada regula, expressamente, sobre a união estável.

É dizer, não há previsão legal do estado civil de companheiro, conviven-te ou consorte. Talvez por isso, inclusive, o governo brasileiro, em sua página eletrônica, traga a público a informação de que o registro da escritura de união estável não implica alteração do estado civil dos companheiros, ressaltando que, mesmo nessa hipótese, “os dois continuam solteiros” (disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2012/03/certidao-de-uniao-estavel-nao--altera-estado-civil, atualizada em 28.07.2014; acesso em 24.08.2017).

Essa omissão legislativa, no entanto, há muito é criticada por parte da doutrina, preocupada sobretudo com a necessidade de se garantir a publicidade e a oponibilidade do estado familiar, a fim de que se confira maior segurança aos companheiros, aos seus herdeiros e aos terceiros que com quaisquer deles venham a estabelecer relações jurídicas.

Nessa linha, leciona Rodrigo da Cunha Pereira:

A relevância do estado – de um modo geral e, principalmente, do estado fami-liar – para o direito é atribuir segurança às relações jurídicas, tendo em vista que ele é definidor e determinante de uma situação patrimonial. Afinal, se alguém se qualifica como solteiro está implícita nesta concepção a ampla liberdade no trân-sito dos negócios jurídicos, especialmente o imobiliário, desde que a pessoa seja maior e capaz. No entanto, se alguém se qualifica como casado, entende-se que sua liberdade sofre restrições, sendo necessária a outorga marital ou uxória para alienação dos bens imóveis – exceto nos regimes de separação absoluta e na par-ticipação final dos aquestos, inscrevendo-se, para este último, cláusula expressa neste sentido no pacto antenupcial, desde que se trate de bens particulares. (g.n.)

O que se busca, neste diapasão, é dar segurança – senão absoluta, pelo menos a maior segurança possível – de forma que seja preservada a boa-fé dos sujeitos

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de uma relação jurídica, e se reduza a possibilidade de incidência de vícios de consentimento, por conseguinte, da anulabilidade dos atos jurídicos.

[...]

O estado civil reflete a posição da pessoa, com a gama de relações jurídicas da qual faz parte, perante a sociedade. Se a finalidade precípua do estado é esta, não há razões para negar a atribuição de um estado familiar para a união estável. Não há dúvidas que seria aguçar, ainda mais, o paradoxo já existente quanto à posi-tivação da união estável, mas também refletiria a situação jurídica vivida pelos sujeitos da relação. (A criação de um novo estado civil no direito brasileiro para a união estável. In Questões controvertidas no Direito de Família e Sucessões. São Paulo: Método, v. 3, 2005. p. 263-8 – sem grifos no original)

O próprio legislador, atento a essa circunstância, propôs o PL 2.285/07 – que tramita conjuntamente com o PL 674/07 – para regulamentar o estado civil das pessoas que vivem em união estável: o primeiro, refere-se a elas como companheiros; o segundo, como consortes.

No entanto, até que eventualmente se defina por um ou outro, o certo é que as necessidades humanas não podem esperar a edição das leis e os eventu-ais conflitos não podem ser ignorados pelo Poder Judiciário.

No particular, a mãe de A. F. M. – recorrida – busca, desde 2009, conste da certidão de óbito da filha a sua verdadeira referência familiar e patrimonial: que vivia em união estável e deixou bens a partilhar.

Segundo o acórdão recorrido, “na ação de reconhecimento e dissolução de união estável houve o julgamento parcial da ação com resolução do mérito, diante do reconhecimento parcial do pedido inicial, declarando-se que, à data da morte de A. F. M., esta vivia em união estável com G. Â. G.” (fl. 194, e-STJ). Consta, ainda, “que a existência da união estável é incontroversa entre outubro/novembro de 1994 a 20 de outubro de 2006” (fl. 198, e-STJ).

O TJ/PR, à vista desse contexto, concluiu que “é possível que se acres-cente no registro civil que a falecida vivia em união estável” e determinou que “na certidão de óbito de A. F. M. conste como estado civil: ‘solteira com união estável’, e para que anote-se [sic] no campo ‘observações averbações’ que a relação de companheirismo foi mantida com G. Â. G.” (fl. 200, e-STJ).

Com efeito, afora o debate sobre a caracterização de um novo estado civil pela união estável, a interpretação das normas que tratam da questão aqui debatida – em especial a Lei de Registros Públicos – deve caminhar para o incentivo à formalidade, pois o ideal é que à verdade dos fatos corresponda, sempre, a informação dos documentos, especialmente no que tange ao estado da pessoa natural.

Sob esse aspecto, uma vez declarada a união estável, por meio de sen-tença judicial transitada em julgado, como na hipótese, há de ser acolhida a

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pretensão de inscrição deste fato jurídico no Registro Civil de Pessoas Naturais, com as devidas remissões recíprocas aos atos notariais anteriores relacionados aos companheiros.

Por todo o exposto, deve ser mantido o acórdão recorrido no que tange à anotação na certidão de óbito de A. F. M. de que esta vivia em união estável. Nada obstante, por todos os motivos expostos, há de ser acrescentada no cam-po “observações/averbações” a informação de que a união estável perdurou de outubro/novembro de 1994 a 20 de outubro de 2006.

Forte nessas razões, nego provimento ao recurso especial, ressalvando a necessidade de se acrescentar no campo “observações/averbações” o período de duração da união estável.

certidão de julgaMeNto terceira turMa

Número Registro: 2015/0037833-7

Processo Eletrônico REsp 1.516.599/PR

Números Origem: 10245697 1024569700 1024569701 17212008 201200445611 8712009

Pauta: 21.09.2017 Julgado: 21.09.2017

Segredo de Justiça

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Durval Tadeu Guimarães

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: G. Â. G.

Advogados: Pedro Henrique Xavier – PR006511 Eduardo de Oliveira Leite – PR010334 Muriel Gonçalves Martynychen – PR036811

Recorrido: G. F. M.

Advogado: Vanessa Cristina Cruz Scheremeta – PR027134

Advogada: Fernanda Barbosa Pederneiras Moreno – PR035146

Assunto: Registros Públicos – Registro civil das pessoas naturais

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susteNtação oral

Dra. Fernanda Barbosa Pederneiras Moreno, pela parte Recorrida: G. F. M.

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Minis-tra Relatora.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

8092

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e TerritóriosPoder Judiciário da UniãoÓrgão: 1ª Turma CívelClasse: Agravo de InstrumentoNº Processo: 20160020476327AGI (0050313‑37.2016.8.07.0000)Agravante(s): I. R. da S.Agravado(s): S. L. de S. L. e outrosRelator: Desembargador Teófilo CaetanoAcórdão nº 1034076

eMeNta

PROCESSUAL CIVIL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – OBRIGAÇÃO EXEQUENDA ORIGINÁRIA DE ATO ILÍCITO – ALIMENTOS IMPRÓPRIOS E INDENIZAÇÃO ORIGINÁRIA DE DANO MORAL – OBRIGADO – ADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO – INEXISTÊNCIA – PENHORA – VENCIMENTOS – IMPLANTAÇÃO DA CONSTRIÇÃO NA FOLHA DE PAGAMENTO DO EXECUTADO – LEGALIDADE E LEGITIMIDADE QUANTO À VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR – PRESERVAÇÃO – ENQUADRAMENTO NAS RESSALVAS PONTUADAS PELO LEGISLADOR – VERBA INDENIZATÓRIA – PENHORA DE VENCIMENTOS – IMPOSSIBILIDADE – ENQUA-DRAMENTO NA INTANGIBILIDADE (CPC, ART. 833, IV) – RESSALVAS À IMPENHORABILIDADE RESTRITAS À QUITAÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA E O QUE EXCEDER A 50 SALÁRIOS MÍNIMOS (CPC, ART. 833, § 2º) – DESCONSIDERAÇÃO PARCIAL DA PROTEÇÃO (CPC/1973, ART. 649, IV; NCPC, ART. 833, IV C/C § 2º) – LIBERAÇÃO PARCIAL – DETERMINAÇÃO – AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO

1. Conquanto os salários, subsídios, soldos, remunerações, proventos, vencimentos e honorários auferidos por profissional liberal usufruam de intangibilidade legalmente assegurada, sendo absolutamente impenho-ráveis, conforme apregoa o art. 833, inciso IV, do estatuto processual vigente, contemplara o preceptivo duas ressalvas ao véu de incolumida-de que encerra, legitimando excepcionalmente a penhora de verbas de natureza remuneratória para a satisfação de obrigação alimentícia e as importâncias excedentes a 50 salários mínimos mensais (§ 2º).

2. A relativização da salvaguarda conferida às verbas de natureza sa-larial à margem das exceções pontuadas pelo legislador não se afigura juridicamente viável diante da textualidade do regramento legal que as guarnece com o véu da impenhorabilidade absoluta, encerrando a des-

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consideração da veemência utilizada pelo legislador processual, sempre econômico na redação, para frisar a intangibilidade que lhes é assegu-rada, a criação de ressalva à garantia, passando o exegeta a atuar como legislador positivo.

3. Os alimentos impróprios, porquanto germinados de ato ilícito e não de vínculo de parentesco ou do dever de solidariedade recíproca, des-tinando-se a fomentar o destinatário com lastro para o custeio de suas despesas cotidianas, enquadram-se se como obrigação de natureza ali-mentar, qualificando-se como espécie de prestação alimentar, inserindo--se, diante da natureza jurídica que encerram, na ressalva expressamente contemplada pelo § 2º do art. 833 do novel estatuto processual, tornando legítima a penhora do auferido pelo obrigado à guisa de remuneração, inclusive com a implantação da verba em folha de pagamento, como forma de realização da obrigação alimentar.

4. A obrigação derivada de indenização fixada à guisa de compensação do dano moral experimentado pela vítima de ilícito civil, a despeito da sua gênese, não encerra natureza alimentar, mas indenizatório, não se enquadrando, portanto, nas ressalvas contempladas pelo legislador ao véu de intangibilidade conferido às verbas de natureza alimentar, tor-nando inviável que o auferido pelo obrigado à guisa de remuneração seja penhorado como forma de realização da obrigação indenizatória (CPC, art. 833, § 2º).

5. Agravo conhecido e parcialmente provido. Unânime.

acórdão

Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Teófilo Caetano – Relator, Romulo de Araujo Mendes – 1º Vogal, Hector Valverde – 2º Vogal, sob a presidência do Senhor Desembargador Teófilo Caetano, em proferir a seguinte decisão: Co-nhecer e dar parcial provimento, unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 26 de julho de 2017.

Documento assinado eletronicamente Teófilo Caetano Relator

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relatório

Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto por I. R. da S. em face da decisão que, nos autos da ação de indenização por ato ilícito, em fase de cumprimento de sentença, promovida em seu desfavor pelas agravadas – S. L. de S. L., rep. por V. de S. B., e outra –, deferira o pedido formulado pelo Parquet de expedição de ofício ao seu órgão empregador de molde a ser implantado o desconto das parcelas identificadas pela contadoria devidas às agravadas, até o limite de 50% (cinquenta por cento) do valor mensal da sua remuneração, na forma do art. 530, § 2º, c/c art. 526, § 3º, do estatuto processual. Objetiva o agravante, mediante a agregação de efeito suspensivo ao recurso, o sobrestamento da decisão vergastada, e, alfim, a desconstituição do decisório.

Como estofo da pretensão reformatória, argumentara o agravante, em suma, que as agravadas, menores impúberes, aviaram ação de indenização por ato ilícito em seu desfavor, em razão do acidente automobilístico que levara a óbito seu pai, tendo sido condenado ao pagamento de R$ 50.000,00 a título de danos morais, para cada uma delas, e ao pagamento de pensionamento, até que cada uma complete 25 anos de idade, na importância equivalente a um salário mínimo para cada uma. Sustentara que, deflagrado o cumprimento de sentença em seu desfavor, o juiz da execução, acolhendo pedido formulado pelo Minis-tério Público, deferira a implantação das parcelas devidas diretamente em sua folha de pagamento, ignorando o regramento que está inserto no art. 833, inciso IV, do estatuto processual.

Assinalara que, considerando que o legislador veda a penhora dos salá-rios, soldos, proventos e vencimentos, não tendo contemplado nenhuma ressal-va apta a legitimar a penhora do produto do labor do obrigado como forma de ser viabilizada a satisfação das obrigações pecuniárias que o afligem, a penhora determinada revela-se ilegal. Anotara que essa apreensão ressoa ainda mais evidente quando se depara com o fato de que a penhora deriva da condenação proveniente de compensação proveniente do dano moral, o que denuncia a ilegalidade da constrição que atingira suas verbas salariais.

Admitido o processamento do agravo sob a forma instrumental, o efeito suspensivo reclamado fora parcialmente deferido, e, nessa ocasião, fora deter-minada a comunicação do decidido ao ilustrado prolator do provimento arros-tado, assinado prazo para as agravadas, querendo, contrariarem o agravo, e, outrossim, determinada a oitiva da douta Procuradoria de Justiça1.

1 Decisão de fls. 299/309-v.

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As agravadas, conquanto devidamente intimadas, não contrariaram o re-curso2.

A douta Procuradoria de Justiça oficiara pelo conhecimento e provimen-to do recurso3.

É o relatório.

votos

O Senhor Desembargador Teófilo Caetano – Relator:

Cabível, tempestivo, dispensado o preparo, subscrito por Defensora Pú-blica devidamente habilitada, satisfazendo, pois, os pressupostos objetivos e subjetivos de recorribilidade que lhe são próprios, conheço do agravo.

Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto por I.r R. da S. em face da decisão que, nos autos da ação de indenização por ato ilícito, em fase de cumprimento de sentença, promovida em seu desfavor pelas agravadas – S. L. de S. L., rep. por V. de S. B., e outra –, deferira o pedido formulado pelo Parquet de expedição de ofício ao seu órgão empregador de molde a ser implantado o desconto das parcelas identificadas pela contadoria devidas às agravadas, até o limite de 50% (cinquenta por cento) do valor mensal da sua remuneração, na forma do art. 530, § 2º, c/c art. 526, § 3º, do estatuto processual. Objetiva o agravante, mediante a agregação de efeito suspensivo ao recurso, o sobrestamento da decisão vergastada, e, alfim, a desconstituição do decisório.

Emerge do alinhado que o objeto do agravo está circunscrito à aferição da coexistência de estofo legal apto a legitimar a penhora do auferido pelo agravante a título de soldo diretamente em sua folha de pagamento, como for-ma de ser viabilizada a satisfação do débito que o aflige, e cuja satisfação é perseguida pelas agravadas através do cumprimento de sentença que manejam. É que, deferida a pretensão formulada pelo Parquet em favor das agravadas, fora determinada a expedição de ofício ao órgão do qual o agravante é servidor para que sejam descontadas as parcelas alcançadas pela Contadoria, até o limite mensal de 50% do valor do que aufere mensalmente, diretamente em sua folha de pagamento, o que, segundo sustentara o agravante, é inviável, porquanto encerra a penhora de verbas impenhoráveis, consoante os termos do art. 833, inc. IV, do estatuto processual, notadamente quanto à parcela decorrente de

2 Fl. 318.

3 Fls. 321/324.

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condenação a título de dano moral. Consignadas essas premissas, a resolução do inconformismo não encerra dificuldade.

O aduzido pelo agravante encontra parcial lastro material, que resplan-dece da documentação que colacionara, pois demonstrara que a constrição em sua folha de pagamento fora determinada para satisfação de parcelas advindas da condenação que lhe fora imposta a título de pensionamento e danos morais em favor das agravadas. Ou seja, comprovara o agravante que o importe cuja constrição fora determinada tem gênese salarial. A penhora, portanto, é parcial-mente incabível. Vejamos.

É entendimento pacificado que, consoante se afere do estampado literal-mente no art. 833, inciso IV c/c § 2º do novel estatuto processual, o legislador contemplara com o atributo da impenhorabilidade o produto do trabalho assa-lariado, não prescrevendo, excetuado em se de tratando de débito alimentício ou o valor excedente a 50 salários mínimos mensais, outras ressalvas à sal-vaguarda. A intangibilidade derivada de aludido preceptivo traduz verdadeiro dogma destinado a resguardar o fruto do labor de constrição judicial, somente sendo permitida a mitigação da proteção naquelas situações pontualmente ex-cetuadas. Essa é a exegese que emerge da literalidade de aludido dispositivo, cujo conteúdo é o seguinte:

“Art. 833. São impenhoráveis:

[...]

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

[...]

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos men-sais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.”

Do estampado em aludido dispositivo deriva a irreversível constatação de que o produto oriundo do labor do devedor é impassível de ser penhorado, ressalvadas as duas exceções pontuadas. Deflui do nele esculpido, ainda, a cer-teza de que, em não contemplando outras ressalvas a esse regramento, salvo em se tratando de obrigação alimentícia e o que exceder a limitação fixada, dele não é passível se extrair exceção além daquela que expressamente prescreve

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ao véu que resguarda os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunera-ções, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlio e montepios, tornando-os intangíveis, ainda que qualificada a inadimplência do obreiro e sua renitência em não satisfazer os débitos que legitimamente restaram consolidados em seu desfavor.

Alinhadas essas premissas afere-se, então, que efetivamente a decisão ar-rostada, em destoando parcialmente do legalmente emoldurado, pois deferira a penhora de verba comprovadamente originária dos vencimentos auferidos pelo agravante, conforme anotado nos fundamentos da própria decisão vergastada, não se amolda ao preceituado no que toca às parcelas derivadas da condena-ção à indenização do dano moral experimentado pelas agravadas que lhe fora imposta, devendo a constrição ser mantida, em contrapartida, relativamente ao débito cuja satisfação é perseguida pelas agravadas e deriva de obrigação alimentícia.Consoante acentuado, em não contemplando o legislador proces-sual ressalva à intangibilidade que conferira ao produto do labor, ressalvada a penhora para satisfação de obrigação alimentícia e o que exceder o limite fixado, inexiste lastro apto a legitimar a penhora das remunerações auferidas pelo devedor ou de parcela delas destacada, ainda que lhe sejam resguardados produtos suficientes ao guarnecimento das suas despesas cotidianas.

Conforme regra comezinha de hermenêutica, aonde o legislador não res-salvara, não é lícito nem permitido ao exegeta extrair da norma exceção que não alcançara, notadamente quando a exceção destoa da finalidade teleológica do preceituado. Patenteado que o almejado pelo legislador fora resguardar o produto do labor e as verbas de natureza salarial em geral com o véu da intan-gibilidade, tornando-os impassíveis de serem constritados, não impregnando no que preceituara nenhuma exceção, além das expressamente consignadas, a esse regramento.

Com efeito, em não se enquadrando o débito exequendo relativamente ao dano moral na ressalva legal e expressamente contemplada – débito origi-nário de obrigação alimentícia –, não auferindo o agravante renda superior ao limite acobertado pela salvaguarda – 50 salários mínimos –, não se legitima a construção de interpretação destinada à relativização do dogma da impe-nhorabilidade das verbas de natureza salarial, assim como fora procedido pelo legislador no tocante à obrigação alimentícia. A intangibilidade, ao invés, sobe-jando e emergindo incólume e impassível de dúvida do texto legal, deve ser res-guardada pelo interprete e assegurada pelo aplicador da lei, não se afigurando legítima sua mitigação como forma de legitimação da constrição de parte das verbas de natureza salarial.

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A argumentação alinhavada, aliás, encontra respaldo no entendimento firmado pela Corte Superior de Justiça sobre a questão. Ante a literalidade da proteção dispensada às verbas de natureza salarial, a Corte Superior, a quem compete dizer a derradeira palavra na exegese do direto federal infraconsti-tucional e velar pela uniformidade da sua aplicação, firmara o entendimento, em sede de julgamento de recurso representativo da controvérsia na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil, ou seja, sob a forma de julgamento de recursos repetitivos, que são absolutamente impassíveis de penhora quaisquer verbas de natureza salarial auferidas pelo devedor, conforme testifica o aresto adiante ementado:

“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ART. 543-C, DO CPC – PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHO-RA ELETRÔNICA – SISTEMA BACEN-JUD – ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDI-NÁRIAS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA – ART. 11, DA LEI Nº 6.830/1980 – ART. 185-A, DO CTN – CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – INOVAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI Nº 11.382/2006 – ARTS. 655, I, E 655-A, DO CPC – INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DAS LEIS – TEORIA DO DIÁLO-GO DAS FONTES – APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI DE ÍNDOLE PROCESSUAL

1. A utilização do Sistema Bacen-Jud, no período posterior à vacatio legis da Lei nº 11.382/2006 (21.01.2007), prescinde do exaurimento de diligências ex-trajudiciais, por parte do exeqüente, a fim de se autorizar o bloqueio eletrôni-co de depósitos ou aplicações financeiras (Precedente da Primeira Seção: EREsp 1.052.081/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª S., Julgado em 12.05.2010, DJe 26.05.2010. Precedentes das Turmas de Direito Público: REsp 1.194.067/PR, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., Julgado em 22.06.2010, DJe 01.07.2010; AgRg-REsp 1.143.806/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 08.06.2010, DJe 21.06.2010; REsp 1.101.288/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em 02.04.2009, DJe 20.04.2009; e REsp 1.074.228/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008. Precedente da Corte Es-pecial que adotou a mesma exegese para a execução civil: REsp 1.112.943/MA, Relª Min. Nancy Andrighi, Julgado em 15.09.2010).

[Omissis]

4. Por seu turno, o art. 655, do CPC, em sua redação primitiva, dispunha que in-cumbia ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a ordem de penhora, cujo inciso I fazia referência genérica a “dinheiro”.

5. Entrementes, em 06 de dezembro de 2006, sobreveio a Lei nº 11.382, que alterou o art. 655 e inseriu o art. 655-A ao Código de Processo Civil, verbis: “Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

II – veículos de via terrestre;

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III – bens móveis em geral;

IV – bens imóveis;

V – navios e aeronaves;

VI – ações e quotas de sociedades empresárias;

VII – percentual do faturamento de empresa devedora;

VIII – pedras e metais preciosos;

IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;

X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

XI – outros direitos.

[...] Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade super-visora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução. [...]”

[Omissis]

13. À luz da regra de direito intertemporal que preconiza a aplicação imediata da lei nova de índole processual, infere-se a existência de dois regimes normativos no que concerne à penhora eletrônica de dinheiro em depósito ou aplicação fi-nanceira: (i) período anterior à égide da Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006 (que obedeceu a vacatio legis de 45 dias após a publicação), no qual a utilização do Sistema Bacen-Jud pressupunha a demonstração de que o exeqüente não lo-grara êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens; e (ii) período posterior à vacatio legis da Lei nº 11.382/2006 (21.01.2007), a partir do qual se revela prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a fim de se autorizar a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras.

14. In casu, a decisão proferida pelo Juízo Singular em 30.01.2008 determinou, com base no poder geral de cautela, o “arresto prévio” (mediante bloqueio ele-trônico pelo sistema Bacen-Jud) dos valores existentes em contas bancárias da empresa executada e dos co-responsáveis (até o limite do valor exeqüendo), sob o fundamento de que “nos processos de execução fiscal que tramitam nesta vara, tradicionalmente, os executados têm se desfeito de bens e valores depositados em instituições bancárias após o recebimento da carta da citação”.

15. Consectariamente, a argumentação empresarial de que o bloqueio eletrôni-co dera-se antes da regular citação esbarra na existência ou não dos requisitos

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autorizadores da medida provisória (em tese, apta a evitar lesão grave e de difícil reparação, ex vi do disposto nos arts. 798 e 799, do CPC), cuja análise impõe o reexame do contexto fático-probatório valorado pelo Juízo Singular, providência obstada pela Súmula nº 7/STJ.

16. Destarte, o bloqueio eletrônico dos depósitos e aplicações financeiras dos executados, determinado em 2008 (período posterior à vigência da Lei nº 11.382/2006), não se condicionava à demonstração da realização de todas as diligências possíveis para encontrar bens do devedor.

17. Contudo, impende ressalvar que a penhora eletrônica dos valores deposi-tados nas contas bancárias não pode descurar-se da norma inserta no art. 649, IV, do CPC (com a redação dada pela Lei nº 11.382/2006), segundo a qual são absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remu-nerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quan-tias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”.

[Omissis]

19. Recurso especial fazendário provido, declarando-se a legalidade da ordem judicial que importou no bloqueio liminar dos depósitos e aplicações financeiras constantes das contas bancárias dos executados. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ nº 08/2008.” (os grifos não são do original)

(REsp 1184765/PA, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., Julgado em 24.11.2010, DJe 03.12.2010) (os grifos não são do original)

Aludido entendimento, que ratificara a apreensão que emana da literali-dade do art. 843, inciso IV do novel estatuto processual, sempre fora e continua sendo o posicionamento perfilhado pela Corte Superior de Justiça acerca da ab-soluta impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, consoante asseguram as ementas dos precedentes ratificadores doravante observados:

“PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – IMPENHORABILIDADE ABSOLU-TA DOS VENCIMENTOS E PROVENTOS DE APOSENTADORIA – 1. A Primeira Seção, ao julgar o REsp 1.184.765/PA, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux e de acordo com o regime dos recursos repetitivos, cujo acórdão veio a ser publicado no DJe de 03.12.2010, deixou consignado que o bloqueio de ativos financeiros em nome do executado, por meio do Sistema BacenJud, não deve descuidar do disposto no art. 649, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.382/2006, segundo o qual são absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os

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honorários de profissional liberal”. 2. Sobre a interpretação a ser conferida ao art. 649, IV, do CPC, extraem-se dos vários precedentes jurisprudenciais desta Corte os seguintes enunciados: “É possível a penhora ‘on line’ em conta cor-rente do devedor, contanto que ressalvados valores oriundos de depósitos com manifesto caráter alimentar” (REsp 904.774/DF, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salo-mão, DJe de 16.11.2011); “São impenhoráveis os valores depositados em conta destinada ao recebimento de proventos de aposentadoria do devedor” (AgRg-Ag 1.331.945/MG, 4ª T., Relª Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 25.08.2011); “Inde-vida a penhora sobre percentual da remuneração depositado em conta-corrente, pena de violação do art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil” (AgRg-REsp 1.147.528/RO, 1ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 10.12.2010); “Inde-vida penhora de percentual de depósitos em conta-corrente, onde depositados os proventos da aposentadoria de servidor público federal. A impenhorabilidade de vencimentos e aposentadorias é uma das garantias asseguradas pelo art. 649, IV, do CPC” (AgRg-REsp 969.549/DF, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 19.11.2007, p. 243); “É inadmissível a penhora parcial de valores depositados em conta-corrente destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do devedor” (AgRg-REsp 1.023.015/DF, 3ª T., Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 05.08.2008). 3. No caso concreto, como bem observou o recorrente, o Tribunal de origem violou o art. 649, IV, do CPC, na medida em que decidiu que a au-sência de saques na conta bancária destinada ao recebimento de verbas salariais descaracteriza a natureza alimentar de tais verbas. Ao contrário do que decidiu o Tribunal de origem, nestes autos não deve ser aplicada a orientação firmada pela Terceira Turma desta Corte, no RMS 25.397/DF (Relª Min. Nancy Andrighi, DJe de 03.11.2008), porque no referido caso, como bem salientado pelo juiz do primeiro grau de jurisdição, o próprio executado reconheceu que mantinha a quantia bloqueada como uma espécie de “reserva disponível”. 4. Recurso es-pecial provido. (REsp 1211366/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 06.12.2011, DJe 13.12.2011)

“PROCESSO CIVIL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA DE VALORES EM CONTA CORRENTE – PROVENTOS DE FUNCIONÁRIA PÚBLICA – NATU-REZA ALIMENTAR – IMPOSSIBILIDADE – ART. 649, IV, DO CPC – 1. É possível a penhora on line em conta corrente do devedor, contanto que ressalvados valo-res oriundos de depósitos com manifesto caráter alimentar. 2. É vedada a penhora das verbas de natureza alimentar apontadas no art. 649, IV, do CPC, tais como os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposen-tadoria e pensões, entre outras. 3. Recurso especial provido.” (REsp 904.774/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 18.10.2011, DJe 16.11.2011)

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – REMUNERAÇÃO DEPOSITADA EM CONTA CORRENTE – PENHORA – PARCELA – IMPOSSIBI-LIDADE – ART. 649, IV, DO CPC – QUESTÃO FEDERAL – PREQUESTIONA-MENTO – AUSÊNCIA – NÃO CONHECIMENTO – SÚMULAS NºS 282 E 356

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DO STF – REEXAME DE PROVAS – RECURSO ESPECIAL – IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ – 1. Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justi-ça, é incabível a incidência de penhora sobre percentual de valores depositados em conta corrente a título de remuneração (CPC, art. 649, IV). 2. A validade da cláusula que, em contrato de empréstimo, permite o desconto de parcelas em folha de pagamento não foi objeto de decisão por parte do Tribunal a quo, o que inviabiliza sua apreciação em sede de recurso especial, devido à ausência do indispensável prequestionamento da questão federal suscitada. Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 3. Tendo as instâncias ordinárias assentado tratar-se de discussão quanto à impenhorabilidade de parcela de remuneração depositada em conta corrente, torna-se inviável a apreciação da questão relativa à possibilidade de desconto de valores em folha de pagamento, porquanto de-mandaria a revisão do acervo fático-probatório dos autos, o que se sabe vedado em sede de recurso especial. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 4. Agravo interno desprovido.” (AgRg-Ag 1388490/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., Julgado em 16.06.2011, DJe 05.08.2011)

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALEGAÇÃO DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – PENHORA ON LINE (BACEN-JUD) – INTERPRE-TAÇÃO DO ART. 649, VI, DO CPC – IMPENHORABILIDADE – VENCIMENTOS – NATUREZA ALIMENTAR – 1. É inadmissível a penhora do saldo em conta-cor-rente relativo a vencimentos, dado o caráter alimentar que possuem. 2. Ademais, o Tribunal a quo concluiu, com base nas provas dos autos, que a natureza dos valores penhorados é salarial. Rever os fundamentos que ensejaram esse entendi-mento exigiria reapreciação do conjunto probatório, o que é vedado em recurso especial, ante o teor da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg-Ag 1296680/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 26.04.2011, DJe 02.05.2011)

“EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA ON LINE – CONTA CORRENTE CONJUN-TA – TERCEIRO NA EXECUÇÃO – IRRELEVÂNCIA – POSSIBILIDADE DE SE PENHORAR A TOTALIDADE DA CONTA CORRENTE – 1. No caso de conta conjunta, cada um dos correntistas é credor de todo o saldo depositado, de forma solidária. O valor depositado pode ser penhorado em garantia da execução, ain-da que somente um dos correntistas seja responsável pelo pagamento do tributo. 2. Se o valor supostamente pertence somente a um dos correntistas – estranho à execução fiscal – não deveria estar nesse tipo de conta, pois nela a importância perde o caráter de exclusividade. 3. O terceiro que mantém dinheiro em conta corrente conjunta, admite tacitamente que tal importância responda pela execu-ção fiscal. A solidariedade, nesse caso, se estabelece pela própria vontade das partes no instante em que optam por essa modalidade de depósito bancário. 4. In casu, importante ressaltar que não se trata de valores referentes a ‘vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e des-

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tinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autôno-mo e os honorários de profissional liberal’, previstos como impenhoráveis pelo art. 649, IV, do Código de Processo Civil, inexistindo óbice para a penhora da conta corrente conjunta. Recurso especial improvido.” (REsp 1229329/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 17.03.2011, DJe 29.03.2011)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – PENHORA DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA– CORRENTE DESTINADA AO RECEBIMENTO DE APOSENTADORIA POR PARTE DO DEVEDOR – IMPOSSIBILIDADE, RESSAL-VADO O ENTENDIMENTO PESSOAL DO RELATOR – RECURSO IMPROVIDO – 1. É inadmissível a penhora parcial de valores depositados em conta-corrente destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do devedor. Pre-cedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (AgRg-REsp 1023015/DF, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., Julgado em 19.06.2008, DJe 05.08.2008)

“CIVIL E PROCESSUAL – RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL – EXECUÇÃO – PENHORA – PER-CENTUAL EM CONTA-CORRENTE – VENCIMENTOS – PREQUESTIONAMEN-TO – PRESENÇA – I – Indevida penhora de percentual de depósitos em conta--corrente, onde depositados os proventos da aposentadoria de servidor público federal. A impenhorabilidade de vencimentos e aposentadorias é uma das garan-tias asseguradas pelo art. 649, IV, do CPC. II – Agravo desprovido.” (AgRg-REsp 969549/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., Julgado em 18.09.2007, DJ 19.11.2007 p. 243)

Conquanto a questão não enseje interpretação uniforme no âmbito desta egrégia Corte de Justiça, a verdade é que o entendimento que majoritariamen-te tem prevalecido é no sentido na impenhorabilidade absoluta das verbas de natureza salarial, conforme testificam os arestos adiante ementados, os quais, assinale-se, são originários da 1ª, 3ª, 4ª e 5ª Turmas Cíveis, conforme testificam os arestos adiante sumariados:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO – TÍTULO EXECUTI-VO EXTRAJUDICIAL (CHEQUE) – PENHORA – DESCONTO DIRETAMENTE EM FOLHA DE PAGAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO – IMPENHORABILIDADE DOS VENCIMENTOS – DESPROVIMENTO – I – O salário é absolutamente impe-nhorável, salvo para cumprimento de obrigação de idêntica natureza alimentar (art. 649, inc. IV, § 2º, do Código de Processo Civil). II – Agravo desprovido.” (TJDF, 1ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20080020020683 AGI DF, Reg. Int. Proces. 305873, Rel. Des. Nívio Geraldo Gonçalves, data da decisão: 14.05.2008, publicada no Diário da Justiça de 19.05.2008, p. 36)

“PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPENHORABILIDADE DE SALÁRIO – PREVALÊNCIA DA EXEGESE DO ART. 649, INCISO V, DO CÓ-DIGO DE PROCESSO CIVIL – 1. A respeito de impenhorabilidade de salário,

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deve-se prestigiar a exegese do art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, por serem impenhoráveis os vencimentos da Agravante. 2. Agravo parcialmente provido, suspendendo a determinação de bloqueio do percentual de 30% (trin-ta por cento) dos vencimentos da Agravante. Manteve-se, todavia, o bloqueio da quantia excedente, cuja origem não restou proveniente de verba salarial.” (TJDFT, 1ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20080020085072 AGI DF, Reg. Int. Proces. 314953, Rel. Des. Flávio Rostirola, Data da decisão: 23.07.2008, Publi-cada no Diário da Justiça de 28.07.2008, p. 19)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – DÉBITO NÃO ALIMENTAR – PE-NHORA DE SALÁRIO – IMPOSSIBILIDADE – ART. 649, IV, DO CPC – Para fins de cobrança de dívida não alimentar o salário é absolutamente impenhorável, conforme dispõe o art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil.” (TJDFT, 1ª Turma Cível, Agravo de Instrumento nº 20080020064194 AGI DF, Reg. Int. Proces. 313837, Rel. Des. Natanael Caetano, Data da decisão: 25.06.2008, pu-blicada no Diário da Justiça de 14.07.2008, p. 57)

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA MENSAL DE 30% DA VERBA SALARIAL DA EXECU-TADA – ART. 649, IV, CPC – IMPOSSIBILIDADE – DECISÃO REFORMADA – 1. Indevida a penhora de percentual de depósitos em conta-corrente, onde depo-sitados os proventos de servidor público. A impenhorabilidade de vencimentos e aposentadorias é uma das garantias asseguradas pelo art. 649, IV, do CPC. Prece-dentes. Novo posicionamento do relator. 2. Agravo de Instrumento conhecido e provido.” (TJDFT, 3ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20080020131048 AGI DF, Reg. Int. Proces. 326212, Rel. Des. Humberto Adjuto Ulhôa, Data da decisão: 08.10.2008, publicada no Diário da Justiça de 28.10.2008, p. 109)

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CAUTELAR – OPERAÇÃO DE CRÉDITO BANCÁRIO OBJETO DE QUESTIONAMENTO JUDI-CIAL – LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA – ABSTENÇÃO DE DESCONTO NA CONTA-CORRENTE DA REQUERENTE DE VALORES REFERENTES A CRÉ-DITOS BANCÁRIOS – PERTINÊNCIA – PENHORA MENSAL DE 30% DE VER-BA SALARIAL – ART. 649, IV, CPC – IMPOSSIBILIDADE – MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL – POSSIBILIDADE – DE-CISÃO CONFIRMADA – 1. Nos autos da ação cautelar originária a requerente afirma haver débitos inexistentes, cobrados pelo requerido, suplicando que lhe seja apresentado o valor real de seu débito. A matéria, tal como apresentada, deve ser analisada com a profundidade necessária pelo MM. Juiz monocrático em momento oportuno, eis que não se presta o Agravo de Instrumento para o aprofundamento das provas produzidas nos autos originários, sob pena de su-pressão de instância. 2. Indevida a penhora de percentual de depósitos em conta--corrente, onde depositados os proventos de servidor público. A impenhorabi-lidade de vencimentos e aposentadorias é uma das garantias asseguradas pelo art. 649, IV, do CPC. Precedentes. Novo posicionamento do relator. 3. É possí-vel a fixação de multa diária para o caso de descumprimento de decisão judi-

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cial. Precedentes. 4. Agravo de Instrumento conhecido e não provido.” (TJDFT, 3ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20080020086612 AGI DF, Reg. Int. Proces. 315743, Rel. Des. Humberto Adjuto Ulhôa, Data da decisão: 30.07.2008, publi-cada no Diário da Justiça de 06.08.2008, p. 45)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – PENHORA – SALÁRIO A QUALQUER TÍTULO – DEPÓSITO EM CONTA-CORRENTE – Nos termos do art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, são absolutamente impenho-ráveis os salários, vencimentos ou proventos do devedor, ainda que deposita-dos em sua conta-corrente bancária.” (TJDFT, 4ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20070020124321 AGI DF, Reg. Int. Proces. 304475, Rel. Des. Sérgio Bitten-court, Data da decisão: 23.04.2008, publicada no Diário da Justiça de 12.05.2008, p. 278)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – DECISÃO QUE DETERMINA BLOQUEIO ELETRÔNICO DE 30% DE NUMERÁRIO EM CONTA CORRENTE – VERBA SALARIAL – IMPENHORABILIDADE – 1. A jurisprudência predominante, no âmbito das Cortes de Justiça, orienta-se quanto à impenhora-bilidade de verba decorrente de salário. 2. O bloqueio de numerário em conta corrente da parte executada é medida extrema e deve ser promovida quando evi-denciada a dificuldade do credor em satisfazer seu crédito. 3. Recurso provido. Maioria.” (TJDFT, 5ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20080020032243 AGI DF, Reg. Int. Proces. 315394, Rel. Des. Dácio Vieira, Data da decisão: 25.06.2008, publicada no Diário da Justiça de 21.08.2008, p. 74)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO – PENHORA ELETRÔ-NICA DE 30% DE PENSÃO ALIMENTÍCIA DA DEVEDORA – IMPENHORABILI-DADE

1. ‘Os créditos oriundos de pensão e de salário, somente em casos excepcionais, como na obrigação alimentar, podem ser penhorados para satisfazer as necessi-dades do alimentando, conforme expressa previsão legal do § 2º do art. 649, do Código de Processo Civil’ (Reg. AC. 280233). 2. ‘O legislador assegura a impe-nhorabilidade absoluta do salário (art. 649, IV, CPC), assim, inviável o deferimen-to de bloqueio e penhora de salário, proventos e pensões, ainda que parcialmen-te’ (AGI 2006 00 2 015270-3). 3. Recurso provido. Unânime.” (TJDFT, 5ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20080020102608 AGI DF, Reg. Int. Proces. 320354, Rel. Des. Romeu Gonzaga Neiva, Data da decisão: 03.09.2008, publicada no Diário da Justiça de 15.09.2008, p. 99)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PE-NHORABILIDADE – SALÁRIO – 1. Os créditos oriundos de pensão e de salário, somente em casos excepcionais, como na obrigação alimentar, podem ser pe-nhorados para satisfazer as necessidades do alimentando, conforme expressa pre-visão legal do § 2º do art. 649 do Código de Processo Civil. 3. Recurso conhecido e não provido.” (TJDFT, 5ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20070020121205

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AGI DF, Reg. Int. Proces. 300977, Relª Desª Haydevalda Sampaio, Data da deci-são: 09.04.2008, publicada no Diário da Justiça de 23.04.2008, p. 109)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – PENHORA – VALORES DEPOSITADOS EM CONTA SALÁRIO

1. Os créditos oriundos de salários, somente em casos excepcionais, como na obrigação alimentar, podem ser penhorados para satisfazer as necessidades do alimentando (art. 649, inciso IV). 2. Recurso conhecido e não provido.” (TJDFT, 5ª T.Cív., Agravo de Instrumento nº 20080020121189 AGI DF, Reg. Int. Proces. 296096, Relª Desª Haydevalda Sampaio, Data da decisão: 27.02.2008, publica-da no Diário da Justiça de 03.03.2008, p. 67)

Aliás, deve ser acentuado que, conquanto os créditos perseguidos nas ações que transitam pela Justiça do Trabalho, detendo natureza salarial, tam-bém revistam-se de caráter alimentar, o colendo Tribunal Superior do Trabalho é intransigente com a proteção legalmente dispensada às verbas salariais, per-filhando o entendimento de que são absolutamente impenhoráveis, ainda que para a satisfação de créditos trabalhistas, conforme testificam os arestos adiante sumariados:

“MANDADO DE SEGURANÇA EXECUÇÃO DEFINITIVA – PENHORA DE 30% DO NUMERÁRIO EXISTENTE NA CONTA SALÁRIO DO EX-SÓCIO (SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO) DA EMPRESA EXECUTADA CABIMENTO EXCEPCIO-NAL DO WRIT –ILEGALIDADE DO ATO COATOR

1. O ex-sócio (servidor público aposentado) da Empresa Executada impetrou mandado de segurança contra o despacho proferido em sede de execução defi-nitiva que determinou a penhora de 30% do numerário existente em sua conta salário, o que, a seu ver, é absolutamente impenhorável, a teor do art. 649, IV, do CPC. 2. O 10º TRT denegou a segurança, ao fundamento de que o ato coator era passível de impugnação mediante recurso próprio (in casu, os embargos à penhora), e entendeu que a aplicação do art. 649, IV, do CPC deve ser flexibi-lizada, mormente porque os créditos trabalhistas têm natureza alimentar, à luz do art. 100, § 1º-A, da CF.” (TST, Subseção II Especializada em Dissídios Indivi-duais, Mandado de Segurança nº 550/2007-000-10-00.9, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, Data da decisão: 07.10.2008, publicada no Diário da Justiça de 10.10.2008)

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – PENHORA DE 30% DO SALÁRIO – ILEGALIDADE – Sendo os valores penhorados relativos aos salários do impetrante, tem-se que houve ofensa ao seu direito líquido e certo, insculpido no art. 649, inciso IV, do CPC, tendo em vista que incluem-se entre os bens absolutamente impenhoráveis os salários pagos pelo empregador ao ora recorrente como retribuição pelos serviços prestados, não sendo passíveis de pe-nhora, diante do seu caráter nitidamente alimentício, a teor daquele preceito.

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Recurso provido, para afastar o não cabimento do mandamus e, nos termos do art. 515, § 3º, do CPC, conceder desde logo a segurança.” (TST, Subseção II Espe-cializada em Dissídios Individuais, Recurso Ordinário em Mandado de Seguran-ça nº 49/2008-000-10-00, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, Data da decisão: 30.09.2008, publicada no Diário da Justiça de 10.10.2008)

“MANDADO DE SEGURANÇA – EXECUÇÃO DEFINITIVA – PENHORA DE VA-LORES EM CONTA-CORRENTE ORIUNDOS DE SALÁRIO PERCEBIDO PELA SÓCIA (FUNCIONÁRIA PÚBLICA ESTADUAL) DA EMPRESA– EXECUTADA CABIMENTO EXCEPCIONAL DO WRIT – ILEGALIDADE DO ATO COATOR – 1. A sócia da Empresa-Executada, na condição de funcionária pública municipal, impetrou mandado de segurança contra o despacho judicial proferido em sede de execução definitiva, que liberou 70% do valor bloqueado junto ao Banco Banrisul de sua conta corrente e determinou que o restante (30%) fosse converti-do em penhora, em razão da natureza alimentar do crédito da execução. 2. O 4º TRT concedeu a segurança, ao fundamento de que os valores percebidos a título de salário e benefícios previdenciários são absolutamente impenhoráveis, por ex-pressa previsão legal (CPC, art. 649, IV e VII), não podendo ser objeto de constri-ção judicial.” (TST, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Mandado de Segurança nº 190/2006-000-04-00.7, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, Data da decisão: 06.03.2007, publicada no Diário da Justiça de 30.03.2007)

Alinhada a fundamentação acima delineada afere-se que, patenteado que somente as parcelas destinadas à satisfação do pensionamento assegurado às agravadas afastam a impenhorabilidade dos vencimentos percebidos pelo agravante, devem ser excluídas da constrição determinada pela decisão arros-tada as parcelas relativas à condenação imposta ao agravante a título de inde-nização do dano moral que provocara às agravadas. Há que ser acentuado, a seu turno, que o pensionamento mensal assegurado às agravadas, ostentando natureza alimentar, deve necessariamente ser implantado na folha de pagamen-to do agravante, pois legalmente resguardada essa fórmula de realização da obrigação que o aflige.

Como corolário, revestindo-se a decisão arrostada de ilegitimidade na parte em que não ressalvara o alcance da penhora a ser implantada na folha de pagamento do agravante, afere-se que deve ser assegurado o véu de impenho-rabilidade dos valores penhorados relativamente à condenação a título de dano moral, legitimando que ao agravo se proceda seu parcial provimento. O agravo, portanto, deve ser provido em parte, resguardando-se a implantação em folha de pagamento somente do equivalente aos alimentos assegurados às agravadas.

Esteado nos argumentos alinhados, ratificando a antecipação de tutela inicialmente concedida, dou parcial provimento ao agravo de instrumento para, reformando parcialmente a ilustrada decisão arrostada, determinar a exclusão

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da constrição que determinara as parcelas relativas à satisfação da obrigação que aflige o agravante a título de indenização do dano moral que provocara às agravadas, preservando a constrição no pertinente às parcelas relativas ao pensionamento assegurado às agravadas, que devem ser implantadas na folha de pagamento do obrigado. Sem custas.

É como voto.

O Senhor Desembargador Romulo de Araujo Mendes – Vogal

Com o relator

O Senhor Desembargador Hector Valverde – Vogal

Com o relator

decisão

Conhecer e dar parcial provimento, unânime.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência8093 – Ação negatória de paternidade – anulação de registro – vício de consentimento – legitimida-

de ativa da avó“Apelação cível. Família. Ação negatória de paternidade cumulada com anulação de registro. Vício de consentimento. Legitimidade ativa da avó. Ausência de descrição do efetivo vício. Indeferimento da ini-cial. Não cabimento. Ao verificar o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC ou que apresente defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende ou a complete, indicando como precisão o que deve ser corrigido ou complementado. Inteligência do art. 321 do CPC. Caso em que a sentença que indeferiu a petição inicial deve ser desconstituída. Em prosseguimento do julgamento, por maioria, deram provimento à apelação, vencido o relator.” (TJRS – AC 70070029590 – 8ª C.Cív. – Rel. Alexandre Kreutz – J. 14.09.2017)

8094 – Ação negatória de paternidade – ausência de vínculo biológico – registro de nascimento – vício de consentimento – filiação socioafetiva – não configuração

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Civil. Família. Ação negatória de paternidade. Ausência de vínculo biológico. Registro de nascimento firmado com vício de consentimento. Filiação socioafetiva. Não configuração. Agravo interno desprovido. 1. ‘É possível a desconstituição do registro quando a paternidade registral, em desacordo com a verdade biológica, efetuada e declarada por indivíduo que, na fluência da união estável estabelecida com a genitora da criança, acredita, verdadeiramente, ser o pai biológico desta (incidindo, portanto, em erro), sem estabelecer vínculo de afetividade com a infante’ (REsp 1.508.671/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 09.11.2016). Precedentes. 2. Na hipótese dos autos, infirmar as conclusões do julgado para reconhecer que o agravado não foi induzido a erro pela genitora do agravante demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que encontra vedação na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 808.552 – (2015/0276998-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 29.08.2017 – p. 2349)

8095 – Ação negatória de paternidade – retificação de registro público – paternidade biológica não reconhecida

“Apelação cível. Ação negatória de paternidade c/c retificação de registro público. Paternidade biológica não reconhecida. Realização de exame de DNA. Paternidade socioafetiva indeterminada requerida revel e não localizada. Ausente estudo psicossocial. Julgamento antecipado da lide. Impossibilidade. Acolhimen-to de preliminar de cerceamento de defesa. Dever do juiz de ouvir o autor. Possibilidade de realização de estudo psicossocial com o requerente. Nulidade da sentença. Retorno dos autos ao juízo a quo. Recurso conhecido e provido. Por unanimidade.” (TJSE – AC 201700813530 – (17089/2017) – Rel. Des. Luiz Antônio Araújo Mendonça – DJe 14.08.2017 –p. 32)

8096 – Alimentos – ação de prestação de contas – legitimidade de quaisquer dos genitores“Apelação cível. Ação de prestação de contas. Alimentos. Legitimidade de quaisquer dos genitores. Inte-ligência do art. 1.583, § 5º, do Código Civil. Recurso provido.” (TJRR – AC 0010.16.829888-2 – Rel. Des. Cristóvão Suter – J. 17.08.2017)

8097 – Alimentos – execução – habeas corpus – prisão civil – renovação“Direito civil e processual civil. Habeas corpus. Ação de execução de alimentos. Prisão civil. Renovação. Alegação de ausência de prévia intimação do paciente e do Ministério Público. Tese não comprovada. Prova pré-constituída não colacionada aos autos. Writ não conhecido no tocante. Possibilidade de reno-vação do Decreto prisional em face do inadimplemento das parcelas vencidas no curso do processo de execução. Súmula nº 309 do STJ. Recalcitrância do devedor. Manutenção da prisão civil até o efetivo pa-gamento do débito alimentar ou até o exaurimento do prazo máximo de prisão previsto em lei. Ordem par-cialmente conhecida e, nesta extensão, denegada, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça. Trata-se de pedido de habeas corpus liberatório, com requesto de medida liminar, impetrado pelo Advogado Antônio Carlos Ivan Pinheiro Landim em favor de Sávio Dantas da Silva, acoimando de ilegal ato judicial da lavra do MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Solonópole/CE, autorida-de apontada como coatora, que, em 07.07.2017, nos autos da ação de execução de alimentos (Processo nº 2520-47.2015.8.06.0000), sem justa causa, determinou a renovação da prisão civil do paciente pelo período de 02 (dois) meses. O impetrante alega que a renovação da prisão civil do paciente, nos moldes como decretada pelo impetrado (fls. 16/18), padece de ilegalidade manifesta, uma vez que foi decretada sem a prévia intimação do executado e do Ministério Público, sustentando que a referência feita pelo im-

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petrado relaciona-se, na verdade, com o Decreto prisional primitivo, razão pela qual requer a revogação da prisão em face da manifesta ilegalidade. Como sabido, a ação constitucional de habeas corpus visa à análise da legalidade da ordem de prisão a limitar o exercício do direito à liberdade de locomoção. Para tanto, faz-se necessária prova pré-constituída das supostas ilegalidades constantes de eventual Decreto pri-sional, pois o procedimento não comporta dilação probatória. No caso, a ação não se encontra instruída com a integralidade das peças acostadas aos autos principais, não logrando o impetrante em comprovar a veracidade de seu inconformismo, inexistindo prova de que o magistrado impetrado, limitando-se a reproduzir os atos processuais produzidos antes da decisão primitiva, tenha renovado o Decreto prisio-nal sem, antes, intimar o paciente e o ministério público, inviabilizando dessa forma o conhecimento do mandamus neste ponto, especialmente quando se sabe que o rito do remédio heróico não comporta dilação probatória. De fato, não como aferir, de forma segura e estreme de dúvidas, de que o reitor do feito, antes de renovar o Decreto prisional, não tenha realmente oportunizado a prévia manifestação do executado e do órgão ministerial, mormente porque somente foram colacionadas aos autos digitais as cópias dos documentos relacionados ao cumprimento dos mandados de prisão, além dos documentos pessoais do próprio paciente, inviabilizando o conhecimento do mandamus em face da deficiente instru-mentalização do feito. Em tópico diverso, aduz o impetrante que a renovação da prisão civil do paciente padece de manifesta ilegalidade, na medida em que a nova ordem de prisão, nos termos da decisão de fls. 16/18, diz respeito ao mesmo período de inadimplência já utilizado para justificar a anterior decisão de prisão civil, sendo que esta já foi devidamente cumprida pelo executado pelo prazo de 30 (trinta). No particular, cumpre observar que em se tratando de prisão civil por débito alimentar, o âmbito do habeas corpus se limita ao aspecto da legalidade, ou seja, se obedecido o devido processo legal, se a decisão que Decretou a prisão está devidamente fundamentada, como prevê a Constituição Federal, e, se prolatada por juízo competente, o que é absolutamente o caso dos autos. Com efeito, extrai-se dos autos que em desfavor do paciente foi ajuizada ação de execução de alimentos, promovida por seu filho Sávio Dantas da Silva Júnior, com base no art. 528 do CPC. O executado, intimado para comprovar o pagamento das prestações em atraso ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, quedou-se inerte, não atendendo a nenhu-ma das determinações insertas no § 3º do art. 528 do CPC, deixando de realizar o pagamento da dívida, além de não ter justificado a impossibilidade de fazê-lo. Em consequência, foi então decretada sua prisão civil, fixando-se o prazo de 30 (trinta) dias para o cumprimento da reprimenda, sendo que, mesmo após o cumprimento da medida privativa de liberdade, o executado permaneceu inadimplente, entendendo o magistrado impetrado por renovar a prisão civil do paciente, justificando a adoção da medida extrema em razão da recalcitrância do paciente em adimplir a dívida alimentar para com seu filho. Nesse diapa-são, conquanto sucinta, não se vislumbra ilegalidade na decisão hostilizada, ao renovar a prisão civil do paciente, desta feita estabelecendo o prazo de 2 (dois) meses, uma vez que, além de ter respeitado o lapso temporal máximo previsto em lei para o cumprimento da prisão civil (três meses), também levou em consideração o inadimplemento das parcelas vencidas após a o primeiro Decreto prisional. Deveras, o primeiro Decreto prisional foi exarado em 04.10.2016 (fls. 14/15), referente às parcelas anteriores ao ajuizamento da ação de execução, sendo o mandado de prisão só foi expedido em 24.05.2017 (fl. 21), restando cumprido em 08.06.2017 (fl. 20), cujo débito foi atualizado até 27.04.2017 (fl. 21). Por sua vez, a renovação da prisão civil do paciente somente se deu em 07.07.2017 (fls. 16/18), constatando-se assim que a dívida permanece atual, nos termos do que dispõe a Súmula nº 309 do Superior Tribunal de Justiça. Portanto, exsurgindo inquestionável que parcelas venceram após o cumprimento da prisão anterior e no curso do processo de execução, permanecendo recalcitrante o paciente no pagamento de sua obrigação alimentar, ausente justificativa plausível para o não adimplemento do débito, não se vislumbra ilegalidade apta a autorizar a concessão da ordem, sendo de rigor a manutenção da reprimenda, observado o limite temporal previsto em lei.” (TJCE – HC 0625328-45.2017.8.06.0000 – Rel. Francisco Gomes de Moura – DJe 29.08.2017 – p. 74)

8098 – Alimentos – execução – prisão civil“Alimentos. Execução. Prisão civil. Ausência de ilegalidade na ordem de prisão. Recorrente que não de-positou a integralidade das prestações devidas. Ausência de justificativa plausível. Ordem de prisão decre-tada nos exatos termos da Súmula nº 309 do STJ e jurisprudência dominante. Discussão sobre a alteração das possibilidades do alimentante devem ser discutidas em ação própria, que no caso em tela já foi julgada improcedente em primeira instância. Decisão mantida. Recurso não provido.” (TJSP – AI 2122783-67.2017.8.26.0000 – São Paulo – 5ª CDPriv. – Rel. Moreira Viegas – DJe 14.08.2017)

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8099 – Alimentos – exoneração – obrigação – direito civil – família – apelação cível – alimentos – exoneração

“Obrigação alimentar prolongada. Situações excepcionais não comprovadas. 1. Os alimentos entre ex--cônjuges ou ex-companheiros devem ser fixados, como regra, com termo certo, admitindo-se a manu-tenção por prazo indeterminado diante de situação excepcional, como a incapacidade permanente para o trabalho ou a impossibilidade de reinserção no mercado de trabalho. Precedentes do STJ. 2. Quando fixados alimentos sem prazo determinado, a análise da pretensão do devedor de se exonerar da obrigação não se restringe à prova da alteração do binômio necessidade-possibilidade, mas deve ponderar outras circunstâncias excepcionais, como a capacidade potencial do alimentado para o trabalho e o tempo de-corrido entre o início da prestação alimentícia e a data do pedido de desoneração. Precedentes do STJ.” (TJES – Ap 0001023-08.2014.8.08.0061 – Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior – DJe 15.09.2017)

8100 – Alimentos – prisão civil – necessidade“Recurso em habeas corpus. Prisão civil. Alimentos. Necessidade de exame de provas. Inadequação da via eleita. Súmula nº 309/STJ. 1. É cabível a prisão civil do alimentante inadimplente em ação de execução contra si proposta, quando se visa ao recebimento das últimas três parcelas devidas a título de pensão alimentícia, mais as que vencerem no curso do processo. Precedentes. 2. Inviável a apreciação de provas na via estreita do habeas corpus. 3. Afasta-se a multa do parágrafo único do art. do art. 1.026, § 2º, do CPC quando não se caracteriza o intuito protelatório na interposição dos embargos de declaração. 4. Recurso parcialmente provido, apenas para afastar a multa do art. 1.026, § 2º, do CPC.” (STJ – Rec-HC 86.324 – (2017/0153926-6) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 02.10.2017 – p. 1753)

8101 – Alimentos – união estável – ônus da prova“Apelação cível. Direito de família. Embargos à execução. Alimentos. União estável. Ônus da prova. Audiência de instrução e julgamento. Oitiva de testemunhas. Não comparecimento das partes. Cerce-amento de defesa. Não ocorrência. A união estável caracteriza-se pela convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, quando inexistir causa de impedimento ao casamento. O ônus da prova incumbe ao Autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. Não há cer-ceamento de defesa se a parte deixa de, injustificadamente, comparecer à audiência de instrução para a qual foi providenciada intimação das testemunhas postas em rol.” (TJMG – AC 1.0236.12.002320-5/001 – 7ª C.Cív. – Relª Alice Birchal – DJe 18.09.2017)

8102 – Alimentos avoengos – inclusão no polo passivo dos avós maternos – cabimento“Agravo de instrumento. Família. Ação de alimentos avoengos. Inclusão no polo passivo dos avós mater-nos. Cabimento. Precedentes do STJ. Considerando que os alimentos avoengos podem traduzir obriga-ção conjunta que deve/pode ser rateada entre os coobrigados, possível o chamamento ao processo dos avós maternos. Precedentes do STJ e desta Corte de Justiça. Agravo de instrumento provido.” (TJRS – AI 70074632027 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl – J. 28.09.2017)

8103 – Alimentos provisórios – ex-companheira – dilação probatória – necessidade“Agravo de instrumento. Direito de família. Alimentos provisórios. Ex-companheira. Ausente qualquer situação excepcional a permitir a exoneração sumariamente. Necessidade de dilação probatória. Ine-xistindo inequívoca prova da incapacidade da agravante manter sua própria subsistência, sem contar com a suplementação financeira do alimentante, seu ex-companheiro, inviável a fixação de alimentos de maneira sumária. Não provido.” (TJMG – AI-Cv 1.0319.17.001028-8/001 – 3ª C.Cív. – Rel. Judimar Biber – DJe 29.08.2017)

8104 – Alimentos provisórios – majoração – valor excessivo“Alimentos provisórios. Majoração para valor excessivo. Mantença do montante outrora fixado. Obser-vância ao binômio necessidade x possibilidade. Arbitramento provisório que pode ser revisto empós da instrução do feito. Decisão reformada. Agravo provido.” (TJSP – AI 2117094-42.2017.8.26.0000 – São Paulo – 2ª CDPriv. – Rel. Giffoni Ferreira – DJe 25.09.2017)

8105 – Bem de família – fraude à execução reconhecida em ação pauliana – impenhorabilidade“Agravo interno no agravo em recurso especial. Embargos à execução. Impenhorabilidade de bem de família. Fraude à execução reconhecida em ação pauliana. Acórdão em sintonia com o entendimento

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firmado no STJ. Ausência de prequestionamento. Recurso não provido. 1. Reconhecida a fraude à execu-ção, deve ser afastada a impenhorabilidade do bem de família. Precedentes desta Corte. 2. No presente caso, as conclusões relativas à caracterização de fraude à execução não podem ser revistas por esta Corte Superior, em sede de recurso especial, pois demandaria, necessariamente, reexame de fatos e provas, o que é vedado em razão do óbice da Súmula nº 7 do STJ. 3. O tema inserto nos arts. 1º, 3º, caput, e 4º, da Lei nº 8.009/1990, tidos por contrariados, não foi objeto de debate no acórdão recorrido, tampouco foram opostos embargos de declaração a fim de suprir eventual omissão. É entendimento assente neste Superior Tribunal de Justiça a exigência do prequestionamento dos dispositivos tidos por violados, ainda que a contrariedade tenha surgido no julgamento do próprio acórdão recorrido. Incidem, na espécie, as Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.097.404 – (2017/0104533-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 28.08.2017 – p. 1291)

8106 – Bem de família – ação de anulação de hipoteca – imóvel dado em garantia“Civil e processual civil. Ação de anulação de hipoteca. Bem de família. Imóvel dado em garantia. Inciso v do art. 3º da Lei nº 8.009/1990. Honorários advocatícios de sucumbência. Majoração. Descabimento. Sentença mantida. 1. Nos termos do inciso V do art. 3º da Lei nº 8.009/1990, a regra da impenhorabilidade de bem família não é oponível diante da ‘execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar’. 2. Na espécie, verificando-se que a Autora e seu cônjuge, no exercício de sua autonomia da vontade, deram o imóvel em garantia real, afasta-se a regra da impenho-rabilidade do bem de família, razão pela qual não há que se falar em anulação da execução hipotecária. 3. O valor fixado a título de honorários advocatícios de sucumbência mostra-se razoável e condigno a re-munerar o trabalho técnico-jurídico desenvolvido pelos patronos da parte Ré, não devendo ser majorado, eis que em conformidade com as balizas insculpidas nos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC/1973. Apelações Cíveis desprovidas.” (TJDFT – Proc. 20140111373833APC – (1041927) – 5ª T.Cív. – Rel. Angelo Passareli – J. 08.09.2017)

Comentário Editorial SÍnTESEAdoto, inicialmente, o relatório da sentença, in verbis:

“Altair Teixeira Rosa Fontenele de Melo ajuizou ação anulatória de hipoteca com pedido de liminar em desfavor de TAM Linhas Aéreas S/A, na qual, em síntese, alega que deu em hipoteca bem de família denominado apartamento 302, do Bloco P, da QI-05, do SRIA/Guará, em garantia de dívida contraída junto à ré, no tocante a compra e venda de passagens aéreas de terceiros, por pessoa jurídica da qual seu esposo é sócio, e cujo crédito não reverteu em benefício da entidade familiar, mas, sim, da pessoa jurídica com personalidade distinta.

Afirma que a empresa Itiquira Turismo Ltda. celebrou junto à ré, termo de confissão de dívida em 28.02.2007, lavrado em cartório; que, por desconhecimento e por imposição da ré, interveio como hi-potecante, dando em hipoteca o único bem em que reside com seu marido, filhos e netos; que a referida empresa não cumpriu com as suas obrigações contidas no termo de confissão de dívida em virtude de estar enfrentando grave crise financeira que, inclusive, culminou com pedido de recuperação judicial, processo nº 60721-7/2007; que nos autos da ação de execução apresentou, a autora e o seu marido, exceção de pré-executividade, visando desconstituir o título executado, mas foram sucumbentes; que a matéria aqui posta não foi objeto da exceção.

Narra que jamais gozou de qualquer tipo de benefício e muito menos sua família pelo ato de disposição em favor de terceiro, pessoa jurídica, regularmente constituída e diz que as certidões dos Cartórios Imobiliários dão conta de que não possui outro imóvel além do hipotecado, onde adoto, inicialmente, o relatório da sentença, in verbis: reside com a sua família.

No mais, discorre sobre o direito que entende aplicável ao caso e refuta a incidência da exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/1990, pois o crédito não reverteu para a entidade familiar.

Requer tutela antecipada para suspender os efeitos da hipoteca, haja vista o trâmite da ação de execu-ção da confissão de dívida garantida pelo imóvel.

Ao final, pleiteia a ‘anulação’ da hipoteca lançada na confissão de dívida e averbada na matrícula do imóvel, dando-se baixa no gravame.

Com a inicial vieram os documentos. Foi indeferido o pedido antecipatório.

A autora interpôs agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu a antecipação de tutela, o qual, por sua vez, foi conhecido e improvido.

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Regulamente citada, a ré apresentou contestação, na qual, preliminarmente, conexão com os autos do processo de execução nº 66176-8/2008, bem como a impossibilidade jurídica do pedido, visto que toda e qualquer alegação referente à nulidade da hipoteca deve ser discutida nos autos da ação de execução; e, ilegitimidade ativa.

No mérito, nega que tenha obrigado a autora a dar o imóvel em garantia hipotecária, o que ocorreu de forma espontânea pela autora e seu marido; que apesar da alegação da autora de que o bem, objeto da presente demanda, se trataria de bem de família, tal alegação não coaduna com a verdade, pois con-figura-se claramente na hipótese de exceção prevista na Lei nº 8.009/1990; ademais, afirma que não há nos autos qualquer documento que comprove seja o imóvel bem de família, porquanto, no momento da celebração e registro em cartório do Contrato de Confissão de Dívida, existia um outro imóvel, qual seja, QI 05, conj. 05, casa 02, Guará I; que o imóvel que a autora pretende a declaração de nulidade da hipoteca não era residência da família à época da celebração do referido contrato de confissão de dívida, conforme se infere dos dados dos celebrantes; que providenciou todas as diligências possíveis para receber seu crédito, mas restaram infrutíferas.

Pede pelo acolhimento das preliminares e, acaso ultrapassadas, a improcedência do pedido.

Com a contestação vieram os documentos.

Réplica.

Em especificação de provas, a parte requerida requereu a produção das provas orais, testemunhal e depoimento pessoal da autora, bem como prova documental suplementar.

Foi deferida a juntada de extrato completo da Junta Comercial da Empresa Itiquira Turismo Ltda., cujo documento foi juntado.

Manifestação da parte autora.

Designada audiência de instrução e julgamento, à oportunidade, restou infrutífera a conciliação. No momento aprazado foram afastadas as preliminares e determinado o apensamento destes autos aos da execução, em razão da conexão.

A seguir, os autos vieram conclusos para sentença.”

Acrescento que o Juiz a quo julgou improcedentes os pedidos iniciais, condenando a Autora ao paga-mento das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais).

Interpostos Embargos de Declaração pela parte Ré, foram eles rejeitados.

Irresignadas, ambas as partes interpõem recursos de Apelação.

Em suas razões recursais, a Autora sustenta que o contrato de confissão de dívida foi uma imposição da Ré, destacando que não o assinou.

Afirma que a dívida é da empresa e não da Autora e de sua família, não havendo prova nos autos que confirmem que o crédito seria usado pela entidade familiar.

Assevera que o bem dado em hipoteca é o único bem da entidade familiar, razão pela qual defende a sua impenhorabilidade.

Colaciona jurisprudência que entende abonar a sua tese.

Aduz, ainda, que sequer é sócia da empresa.

Requer, assim, o conhecimento e o provimento do recurso para que, reformada a sentença, seja reco-nhecida a impenhorabilidade do imóvel objeto da demanda e declarada a nulidade da hipoteca.

Por sua vez, a Ré, em suas razões recursais, pleiteia, em síntese, a majoração dos honorários advoca-tícios, ao argumento de que os requisitos previstos no § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil de 1973 não foram observados na r. sentença.

O TJDF negou provimento aos recursos.

Yone Frediani, em estudo sobre o bem de família, assim considerou:

“O bem de família poderá consistir em prédio residencial urbano ou rural, suas pertenças e acessórios, destinando-se ao domicílio familiar, podendo, ainda, ser constituído por valores mobiliários.

O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo se provenientes de tributos relativos ou prédio ou despesas de condomínio. A isenção perdurará enquanto viverem os cônjuges e na falta destes até que os filhos completem a maioridade, vale dizer, nesse caso, a impe-nhorabilidade é relativa.

[...]

No entanto, da leitura do texto legal apontado, constata-se, desde logo, que a impenhorabilidade do bem de família é relativa, diante das exceções previstas no art. 3º e respectivos incisos, quais sejam:

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a) créditos de trabalhadores da própria residência e de suas contribuições previdenciárias;

b) crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel;

c) crédito decorrente de pensão alimentícia;

d) impostos, taxas e contribuições devidas, relativos ao imóvel familiar;

e) execução de hipoteca existente sobre o imóvel, oferecido como garantia real;

f) aquisição do imóvel com produto de crime;

g) obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Por oportuno, resta-nos ressaltar que, à semelhança das disposições contidas no diploma civilista, torna-se imprescindível a fixação do domicílio familiar com ânimo de permanência, a fim de que possa estar o imóvel revestido de impenhorabilidade.” (Bem de família. Repertório de Jurisprudência IOB, 3/23193, v. III, nº 21/2005, p. 647, 1ª quinz. nov. 2005)

8107 – Bem de família – coisa julgada – impenhorabilidade“Apelação cível. Direito processual civil. Embargos à execução. Coisa julgada. Bem de família. Impenho-rabilidade. Declaração judicial anterior no bojo da mesma relação executiva. Preclusão máxima iden-tificada. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada. Sucumbência invertida e redimensionada. 1. Não obstante constituir matéria de ordem pública, a questão da impenhorabilidade não é imune aos efeitos da coisa julgada (preclusão máxima). Inviabilidade, assim, de ser novamente discutida e decidi-da. Precedentes do STJ. 2. Havendo sentença de mérito, proferida em outro feito autônomo incidental à execução, já transitada em julgado, na qual se declarou a impenhorabilidade do imóvel utilizado como residência do recorrente, a eficácia da sentença também atinge os demais atos de constrição dentro da mesma relação jurídica executiva, em face de a sentença transitada em julgado ter decidido, em definiti-vo, a relação de direito material deduzida na demanda, abrangendo as questões de fato e de direito que poderiam ter sido alegadas pelas partes ou interessados, incluindo-se, com efeito, a discussão e fixação da tese acerca da impenhorabilidade. 3. Sucumbência invertida. Honorários advocatícios redimensionados.” (TJES – Ap 0003713-72.2014.8.08.0008 – Rel. Des. Robson Luiz Albanez – DJe 13.09.2017)

8108 – Bem de família – execução de título extrajudicial – imóvel do devedor locado a terceiro“Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Alegação de bem de família. Imóvel do devedor locado à terceiro. Súmula nº 486, do STJ. Necessidade de comprovação de que a renda obtida com a lo-cação seja revertida para a subsistência ou a moradia da família. Recorrente que não cumpriu os requisitos exigidos para obtenção da impenhorabilidade. Recurso conhecido e não provido.” (TJPR – AI 1687032-7 – 13ª C.Cív. – Rel. Des. Athos Pereira Jorge Junior – DJe 03.10.2017 – p. 379)

8109 – Bem de família – penhora – único imóvel utilizado como residência familiar – impenhorabi-lidade

“Civil. Agravo de instrumento. Ação de execução. Título extrajudicial. Imóvel. Penhora. Bem de família. Único imóvel utilizado como residência familiar. Impenhorabilidade. Nos termos da jurisprudência pa-cificada no âmbito do STJ, interpretando-se as disposições contidas nos arts. 1º e 5º, Lei nº 8.009/1990, conclui-se que a impenhorabilidade ex lege conferida ao bem de família está condicionada à demons-tração, pelo devedor, de que se está diante do único imóvel utilizado como residência ou fonte do sus-tento familiar; além das hipóteses previstas no art. 435, CPC/2015, é admissível a juntada de documentos posterior à apresentação da inicial ou da peça de defesa, caso não vislumbrada a finalidade de ocultação premeditada do documento (má-fé) e uma vez evidenciada sua necessidade para a justa composição da lide.” (TJMG – AI-Cv 1.0016.16.002473-9/001 – 18ª C.Cív. – Rel. Vasconcelos Lins – DJe 22.09.2017)

8110 – Concubinato – presença de certidão de casamento do falecimento com sua esposa – ausência de prova de separação de fato

“Processual civil. Embargos de declaração. Alegada omissão. Caso de concubinato e não de união estável. Presença de certidão de casamento do falecimento com sua esposa. Ausência de prova de separação de fato a permitir a união estável com a recorrente. Temas debatidos no acórdão recorrido. Ausência de omissão. Impossibilidade de utilização dos embargos de declaração para promover o rejulgamento e a reanálise das provas produzidas no processo. Recurso com pressupostos vinculados. Ausência dos requisitos do art. 1.022 do CPC/2015. Embargos de declaração conhecidos e desprovidos. No caso dos autos, o falecido era casado com outra mulher durante o período em que a Autora/Recorrente diz ter

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mantido relação afetiva com ele. Há certidão de casamento nos autos (fl. 69). A relação estabelecida entre o falecido e a autora da ação, ora Recorrente, não pode ser classificada, portanto, como união estável, pois esta pressupõe que não existiam impedimentos matrimoniais. Por existir impedimento, o Sr. J. V. de A. era casado ao tempo em que a Autora da ação diz ter mantido relação afetiva com ele, a relação entre ele e a Recorrente não pode ser considerada união estável, mas sim concubinato impuro, nos termos do art. 1.727 do Código Civil. Não existem provas no processo que indiquem que o de cujus, Sr. J. V. de A., estava separado de fato durante o período em que a recorrente alega ter mantido relação afetiva com ele. E a prova desse fato caberia à autora/recorrente realizar, no momento processual adequado, pois representa fato constitutivo do seu direito. Ainda assim, acrescente-se que não é possível em sede de embargos de declaração efetuar a reavaliação das provas produzidas no processo com o intuito de rejulgar a causa, pois o cabimento dos embargos de declaração está adstrito à presença dos pressupostos previstos no art. 1.022 do CPC/2015 (antigo art. 535, CPC/1973). Trata-se de recurso com pressupostos vincula-dos e que serve somente para suprir omissões, reparar contradições, corrigir obscuridades ou erros materiais contidos, internamente, na decisão recorrida.” (TJRN – EDcl-AC 2016.020656-0/0001.00 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. João Rebouças – DJe 30.08.2017 – p. 49)

8111 – Curatela – ação de interdição – interesse de incapaz“Ação de interdição e curatela. Interesse de incapaz. Pedido de desistência formulado pela parte autora. Sentença que extinguiu o processo, sem resolução de mérito, na forma do art. 267, VIII do CPC/1973. Ape-lação cível. Insurgência quanto à falta de intimação do Ministério Público. Pretensão de anulação da sen-tença. Acolhimento. Inteligência do art. 279, § 1º do CPC. Autos remetidos à instância de origem a fim de oportunizar a intervenção do Ministério Público. Recurso conhecido e provido. Decisão unânime.” (TJAL – Ap 0002015-21.2010.8.02.0046 – Relª Desª Elisabeth Carvalho Nascimento – DJe 11.09.2017 – p. 49)

8112 – Curatela provisória – genitora – suposto dever do filho de prestar contas – período anterior“Apelação cível. Ação de exigir contas. Genitora sob curatela provisória. Suposto dever do filho de prestar contas. Período anterior à interdição. Ausência de provas da incapacidade anterior e da administração de bens alheios. Pedido improcedente. Recurso não provido. 1. A ação de prestação de contas compete a quem tem o direito de exigi-las ou a obrigação de prestá-las, em razão da administração de bens, negócios ou interesses alheios, por vínculo legal ou negocial. 2. Não tendo a autora, por meio de sua curadora, comprovado que seu filho geria exclusivamente seus bens, tampouco que sua incapacidade remonta à época em que com ele residia, não há que se falar em dever de prestar contas. 3. A prova dos autos não comprova incapacidade anterior, no período alegado, em que a autora administrava seus interesses e determinava o que queria que fosse realizado com sua renda, ainda que sob o auxílio do filho requerido. 4. Recurso não provido, sentença de improcedência confirmada.” (TJMG – AC 1.0049.16.000784-2/001 – 2ª C.Cív. – Relª Hilda Teixeira da Costa – DJe 18.08.2017)

8113 – Divórcio – comunhão parcial – partilha“Divórcio. Comunhão parcial. Partilha. Sentença de procedência e de parcial procedência da reconven-ção. Irresignação da divorcianda reconvinte. 1. Conciliação/mediação. Tentativa realizada em audiência de instrução e julgamento. Suficiência da tentativa, para os termos do art. 3º, § 3º, do CPC. Ausência de violação ao art. 334 do CPC. 2. Julgamento citra petita. Nulidade reconhecida. Julgamento do mérito (art. 1.013, § 3º, II, CPC). Ausência de decisão quanto ao termo final do casamento. Fixação em 19 de maio de 2010, data alegada pela ré. Não comprovação de outra data pelo autor (art. 373, I, CPC). Presunção da data da ré pela proximidade da data de ajuizamento do divórcio direto. 3. Partilha. Inclusão de parte do imóvel em Bertioga. Aquisição parcial com recursos exclusivos do cônjuge varão. Doação de imóvel a ele por seus pais, sem declaração expressa de benefício a ambos os cônjuges. Presunção de benefício apenas ao donatário. Precedente do STJ. Venda do imóvel para aquisição do imóvel em Bertioga. Sub-rogação em bem particular. Exclusão da partilha (arts. 1.659, II, e 1.660, III, CC). Partilha apenas de 15% (quinze por cento) do imóvel, pela não comprovação de aquisição por bens particulares. Não comprovação, pela ré-reconvinte (art. 373, II, CPC), quanto à existência de construções ou outros bens a partilhar. 4. Justiça gratuita. Hipossuficiência financeira comprovada, por declaração de pobreza, firmada de próprio punho, em conjunto com documentação juntada. Comprovação de insuficiência da renda mensal para arcar com as necessidades básicas, em conjunto com as despesas processuais. Inteligência do art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal c/c arts. 98 e 99 do Código de Processo Civil. Justiça gratuita deferida. Sentença parcialmente reformada, para (i) declarar a dissolução do casamento em 19 de maio de 2010, na forma

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do art. 1.013, § 3º, inciso II, do CPC; (ii) determinar a partilha de 15% (quinze por cento) da propriedade do imóvel da matrícula nº 57.942 do 1º CRI de Santos, pela meação das partes, na forma dos arts. 1.658 e 1.660 do Código Civil; (iii) manter a partilha, em partes iguais, dos direitos aquisitivos do imóvel do contrato de fls. 21/22; e (iv) conceder à apelante os benefícios da justiça gratuita. Sucumbência recíproca proporcional (art. 86, CPC). Justiça gratuita à ré-reconvinte (art. 98, § 3º, CPC/2015). Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Ap 0003152-79.2010.8.26.0075 – Guarujá – 3ª CDPriv. – Rel. Carlos Alberto de Salles – DJe 25.09.2017)

8114 – Divórcio – gratuidade de justiça – guarda compartilhada – alimentos – partilha de bens e dívidas

“Apelação cível. Divórcio. Gratuidade de justiça. Guarda compartilhada. Alimentos. Partilha de bens e dívidas. Sucumbência. 1. Preliminar: a ausência de procuração do advogado do réu é irregularidade sanável a qualquer tempo. Sanada a irregularidade durante a instrução, como de fato o foi, não há razões por que declarar a nulidade dos atos praticados antes da juntada do referido documento. 2. Gratuida-de de justiça ao réu: os contracheques trazidos aos autos indicam que os ganhos líquidos percebidos pelo réu/apelante não chegam a alcançar dez salários-mínimos. Além disso, ele possui dívidas que estão sendo aqui partilhadas. Logo, descabe afastar a presunção legal em favor do réu, que afirmou não ter condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo próprio. 3. Guarda compartilhada: (a) o fato das partes terem realizado acordo estabelecendo a guarda unilateral há mais de ano não impede a rediscussão desse tema; (b) segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ‘a nova redação do art. 1.584 do Código Civil irradia, com força Vinculante, a peremptoriedade da guarda compartilhada. O termo ‘será’ não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção – jure tantum – de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esse o sistema eleito, salvo se um dos genitores [ascendentes] declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (art. 1.584, § 2º, in fine, do CC)’. No caso dos autos, ambos os genitores têm condições morais e psicológicas para dispensar aos filhos o cuidado e afeto necessários para um saudável desenvolvimento. Nesse passo, ape-sar de o pedido da mãe ser no sentido do estabelecimento da guarda unilateral para si, mostra-se viável o estabelecimento da guarda de forma compartilhada, de modo a permitir maior ampliação do convívio com o filho. Eventual necessidade de repartição formal de dias de convivência deverá ser decidido na origem, conforme orientação do art. 1.584, § 3º: ‘Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.’ 4. Alimentos para os filhos: o genitor comprovou de forma satisfatória a sua impossibilidade financeira e, consequentemente, a impossibilidade de prestar, a título de alimentos, o valor arbitrado na sentença. Além dos dois alimentados menores de idade, o alimentante tem outros dois filhos que também são por ele auxiliados. Logo, impõe-se a redução dos alimentos para valor compatível com a realidade das partes. 5. O apartamento: o apelante pretende excluir da partilha os valores dados do FGTS dados como entrada no preço do apartamento. Contudo, apesar de o apelante não ter sacado os valores de sua conta vinculada ao FGTS, ele adquiriu tais valores na constância da do casamento, regido pelo regime da comunhão parcial de bens. Além disso, o apelante empregou tais valores na aquisição de um imóvel para a sociedade conjugal. Logo, não há falar em sub--rogação, como bem apontou o juízo apelado. Precedentes. 6. O automóvel Zafira: apesar de constar no DUT do automóvel um determinado valor de venda, a alienação do bem comum pelo réu ocorreu após a separação das partes e sem a participação da autora. Logo, para efeitos de partilha, deve ser conside-rado o valor constante da tabela Fipe. Além disso, a sentença a compensação na partilha das parcelas pagas por um ou outro ex-cônjuge após a separação. 7. As dívidas com IPTU: tratando-se de obrigação tributária que decorre da propriedade sobre imóvel, não importa quem está no uso do bem comum, sendo de ambas os condôminos a responsabilidade pela quitação do IPTU. Contudo, aquele que pagar a dívida por inteiro tem o direito de ressarcir-se por metade daquilo que pagou (art. 283 do Código Civil). 8. As demais dívidas contraídas no curso do casamento: (a) Cheque Especial Caixa Econômica Federal: a autora provou que pagou a dívida junto á instituição bancária, contraída no curso do casamento. Além disso, ambas as partes concordaram com a partilha de tal dívida, devendo, por isso, ser partilhada; (b) empréstimos Banco do Brasil: são comuns as dívidas contraídas por um dos cônjuges na vigência da sociedade conjugal, presumindo-se que tenham revertido em prol da entidade familiar. Logo, ausente provas de que os empréstimos bancários em nome do réu não tenham revertido em favor das partes, a partilha é de rigor; (c) empréstimo bancário feito pela mãe da autora: ambas as partes concordaram que

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os valores oriundos dos empréstimos bancários realizados pela mãe da autora foram entregues ao réu du-rante o casamento. Nesse contexto, ausente provas de que os valores não foram empregados na sociedade conjugal, tal dívida deve ser partilhada igualmente; (d) aluguel garagem: inexistindo provas da existência da dívida alegada pelo réu, não há como partilhá-la; (e) dívida com parcelamento dos cartões de crédito: descabida a pretensão do réu de partilhar dívidas com cartões de crédito, na medida em que não juntou aos autos prova da existência das referidas dívidas, tampouco as faturas detalhadas demonstrando as despesas realizadas. 9. A ação indenizatória propostas pela autora: ainda que fosse comum o automóvel que deu origem ao fato que ensejou a demanda indenizatória proposta pela autora, o direito lá discutido tinha por base o dano extrapatrimonial sofrido exclusivamente por ela. Não se tratava, portanto, de in-denização por danos materiais ocorridos com aquele bem, mas de danos morais sofridos pela autora em função da violação de um direito de personalidade seu. Logo, não há comunhão sobre essa indenização. 10. Partilha dos bens móveis que guarneciam a residência do ex-casal: as partes concordaram com a partilha dos bens móveis que guarneciam a residência do casal, não havendo razões para excluí-los da partilha. 11. A sucumbência: ambas as partes sucumbiram em igual medida, impondo-se assim, o redi-mensionamento da sucumbência. Rejeitaram a preliminar e deram parcial provimento ao apelo.” (TJRS – AC 70073433005 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Rui Portanova – J. 17.08.2017)

8115 – Divórcio – mulher contra o marido – pedido de alimentos provisórios“Ação de divórcio proposta pela mulher contra o marido. Pedido de alimentos provisórios. Elementos constantes dos autos a indicar a conveniência de seu deferimento. Autora desempregada e em dificuldades financeiras. Marido, engenheiro civil, com emprego regular, que pode continuar provisionando provisoria-mente o sustento da mulher. Caso em que, ademais, não foi postulada, nem fixada de ofício, pensão para a filha do casal. Caráter familiar, portanto, de que se revestem, na espécie, os provisórios. De resto, em casos como o presente, mais do indagar acerca das necessidades da mulher, há o julgador que estar atento à sua dependência econômica relativamente ao marido. ‘A pensão entre ex-cônjuges é de natureza negocial e só deve ser preservada se o cônjuge a quem seria atribuível não tiver adequadas rendas próprias’ (Orlando Gomes). Doutrina que, embora antiga, há de ser levada em conta, face às notórias condições de inferio-ridade das mulheres frente ao mercado de trabalho, em que pese sua igual qualificação para as mesmas tarefas desempenhadas pelos homens. Deve-se, enfim, considerar esse dado do dia-a-dia de nossa cultura nos julgamentos acerca de alimentos (CPC, art. 335). Mais ainda, decisão, pelo pensionamento, que se funda no dever de solidariedade entre os cônjuges. Recente precedente do STJ. Decisão de primeira instân-cia, que negou os provisórios, reformada. Agravo de instrumento da mulher parcialmente provido.” (TJSP – AI 2086857-59.2016.8.26.0000 – Americana – 10ª CDPriv. – Rel. Cesar Ciampolini – DJe 02.10.2017)

8116 – Divórcio – partilha de bens, alimentos e danos morais – verba alimentar provisória – manu-tenção

“Agravo de instrumento. Família. Ação de divórcio, cumulada com partilha de bens, alimentos e da-nos morais. Verba alimentar provisória. Manutenção. No caso, o alimentante não trouxe elementos a demonstrar a alegada incapacidade financeira para suportar o encargo alimentar, tampouco a afastar o reconhecimento acerca da desnecessidade da divorcianda em receber o pensionamento no patamar fixado na origem, o que já foi objeto, aliás, de anterior agravo de instrumento (AI 70067098020). Agravo de instrumento desprovido.” (TJRS – AI 70074594706 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl – J. 28.09.2017)

8117 – Divórcio – partilha de bens – verbas trabalhistas“Apelação cível. Divórcio. Partilha de bens. Verbas trabalhistas. Saldo em depósito em conta vinculada ao FGTS. Verbas trabalhistas. As verbas trabalhistas de natureza remuneratória, correspondente a período aquisitivo no curso do regime de bens (união estável ou casamento), ainda que levantadas após a separa-ção do casal, devem ser partilhadas. Já as verbas trabalhistas de natureza indenizatória não são partilhá-veis. Precedentes desta Câmara e do Superior Tribunal de Justiça. Caso em que sentença que determinou a partilha está correta. Saldo de FGTS. Viável a partilha do saldo do FGTS de qualquer dos cônjuges, quando percebido e sacado no curso da comunhão de bens. No caso, provado que o saldo permaneceu em depósito até o término da comunhão e não foi investido na sociedade conjugal, não falar em partilha do numerário. Precedentes. Caso em que a sentença vai modificada no ponto. Deram parcial provimento.” (TJRS – AC 70074267535 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Rui Portanova – J. 14.09.2017)

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8118 – Herança – inventário e partilha extrajudicial – nulidade“Apelação cível. Ação de petição de herança c/c nulidade de inventário e partilha extrajudicial. Art. 1.829 e 1.838 do Código Civil. Preterição dos colaterais. Ausência. Segundo o que disciplinam os arts. 1.829 e 1.838 do Código Civil brasileiro, respeitando-se a ordem de vocação hereditária, na ausência de descendentes e ascendentes, resta como único herdeiro da totalidade de bens, o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens aplicado ao casamento, não havendo que se falar em preterição de irmãos na sucessão.” (TJMG – AC 1.0074.15.002623-0/001 – 3ª C.Cív. – Rel. Jair Varão – DJe 13.09.2017)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de apelação cível interposta por J. P. G. e outros contra a sentença que, nos autos da ação de petição de herança c/c nulidade de inventário e partilha extrajudicial ajuizada pelos ora apelantes contra J. G. L. S. julgou improcedente o pedido inicial por ausência de provas do alegado.

Em seu recurso de apelação, os apelantes pugnam pela reforma da sentença, aduzindo, em síntese, que o falecido era irmão dos ora apelantes e que a apelada era casada com o de cujus sob o regime da comunhão parcial de bens, não deixando filhos, ascendentes ou testamento. Que a apelada atribuiu--se o título de única herdeira e procedeu ao inventário/partilha extrajudicial, procedendo aos registros imobiliários alegados ilegais. Afirmam os apelantes que a apelada procedeu à venda de alguns imóveis. Sustentam que os imóveis foram adquiridos via cessão de direito hereditário devido à morte de seus pais e/ou adquiridos em momento anterior ao casamento. Defende a aplicação do art. 1.829, I, do Código Civil brasileiro e que diante da comunhão parcial de bens, a apelada somente herdaria os bens comuns, restando exclusos os bens particulares havidos antes do casamento.

O TJMG negou provimento ao recurso para manter a r. sentença.

O Relator aduziu que as custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.200,00 já inclusos os referentes ao art. 85, § 11 do CPC, suspensa sua exigibilidade, tendo-se em vista a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Maria Helena Diniz, ao comentar sobre a partilha disposta no Código Civil, assim nos ensina:

“Com a abertura da sucessão, desde logo os herdeiros legítimos e testamentários recebem a posse e a propriedade dos bens da herança, tendo a quota ideal e indeterminada sobre a totalidade dos bens e direitos do espólio, ignorando o que lhes cabe especificamente. O acervo hereditário é indiviso, per-tencendo a todos os sucessores do de cujus conjuntamente, visto que todos têm igual direito sobre a massa, aplicando-se-lhes as normas atinentes ao condomínio. Esse estado de indivisão possui caráter transitório, embora possa ser mantido por livre convenção dos interessados ou por determinação testa-mentária; qualquer herdeiro, cessionário e credor do herdeiro poderão a todo tempo pedir a partilha (CC, art. 2.013), para pôr termo à comunhão sobre a universalidade dos bens da herança. [...]

[...]

A partilha é, portanto, a divisão oficial do monte líquido, apurado durante o inventário, entre os suces-sores do de cujus, para lhes adjudicar os respectivos quinhões hereditários.

[...]

A partilha poderá ser:

[...]

2º) Judicial, que será obrigatória quando os herdeiros divergirem, ou se algum deles for menor ou incapaz (CC, art. 2.016; RT, 258:595, 484:91; STF, Súmula nº 265), e será facultativa entre capazes. [...].” (Curso de direito civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 322, 323 e 333)

8119 – Interdição – curatela provisória – nomeação de curador provisório – tutela antecipada“Agravo de instrumento. Interdição. Curatela provisória. Nomeação de curador provisório. Tutela ante-cipada. Presença dos requisitos do art. 273 do CPC/1973. Manutenção da decisão do juízo de origem. Litigância de má-fé. Recurso conhecido e improvido. 1. Trata-se de interdição c/c curatela provisória, na qual buscam os agravados, residentes em Fortaleza/CE, a interdição de seu genitor, bem como a no-meação de curador provisório. O juízo a quo deferiu a tutela antecipada, nomeando curador provisório para o interditando. Insurge-se contra este decisório, na qualidade de terceiro interessado, a outra filha do interditando, que reside no Rio de Janeiro/RJ. 2. Em juízo de cognição não exauriente, adequado ao momento processual, verifica-se a existência dos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil de 1973. 3. De acordo com o acervo probatório, o interditando encontra-se com idade avançada e conta com estado de saúde próprio da condição senil. O conjunto probatório até então analisado parece demonstrar

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que o interditando é portador da doença degenerativa de alzheimer, o que se constatado em perícia no 1º grau comprometeria sua capacidade de gerir a vida civil. 4. Deste modo, a agravante não logrou êxito em trazer provas capazes de ocasionar a modificação da decisão tomada pelo juízo de origem. Em outras palavras, não há ausência de prova inequívoca, de forma que o embasamento do juízo a quo não merece ser reformado. 5. Ademais, encontrando-se o interditando em idade avançada, com considerável grau de senilidade, transparece necessitar, de acordo com a análise que se permite neste momento processual, de curador provisório para gerir seu patrimônio, prestar-lhe cuidados pessoais, bem como representar-lhe nos demais atos da vida civil. Deste modo, a ausência de curador provisório poderia acarretar-lhe danos na vida civil de difícil reparação. 6. O fato de a recorrente trazer argumentações e provas que reputa importantes não enseja o reconhecimento da vontade deliberada de se utilizar do processo com o escopo de prejudicar a parte adversa, requisito indispensável à caracterização da litigância de má-fé. 7. Agravo de instrumento conhecido e improvido.” (TJCE – AI 0629718-29.2015.8.06.0000 – Relª Rosilene Ferreira Tabosa Facundo – DJe 22.08.2017 – p. 45)

8120 – Interdição – Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) – especificação dos limites da curatela – necessidade – interdição parcial

“Apelação cível. Ação de interdição. Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Especifi-cação dos limites da curatela. Necessidade. Interdição parcial. Possibilidade. Aplicação do art. 755 do NCPC. Modificação superveniente do estado de fato ou de direito. Ampliação ou redução dos limites da curatela. Possibilidade. Garantia do interdito. Sentença mantida. Recurso não provido. 1. Com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que modificou a redação dos arts. 3º e 4º do CC, pessoas com deficiência mental ou intelectual deixaram de ser consideradas absolutamente inca-pazes, mas sim relativamente incapazes a certos atos ou à maneira de os exercer. 2. A curatela constitui medida extraordinária, devendo ser preservados os interesses do curatelado, e afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial(art. 85 da Lei nº 13.146/2015). 3. Nos termos do art. 755 do NCPC, a sentença deve fixar os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito, de modo que não há que se falar em interdição absoluta na nova sistemática legal. 4. Considerando que a finalidade da curatela é a proteção aos interesses do curatelado, seja concernentes aos aspectos pessoais, aos elementos patrimoniais, ou para garantir a preservação de seus negócios, seus limites podem ser ampliados ou reduzidos, desde que comprovada alteração da situação fática ou de direito, sempre observando o melhor interesse do interdito. 5. Sentença mantida. 6. Recurso não provido.” (TJMG – AC 1.0024.13.264454-3/001 – 2ª C.Cív. – Rel. Raimundo Messias Júnior – DJe 22.09.2017)

8121 – Interdição – expedição de alvará – levantamento de quantia – reversão em favor do curate-lado

“Agravo de instrumento. Ação de interdição. Expedição de alvará. Levantamento de quantia. Reversão em favor do curatelado. Comprovação parcial. Deferimento parcial. Arts. 1.753 e 1.754 do CC/2002. Expedição de alvará nos próprios autos. Possibilidade no caso. Recurso parcialmente provido. Sabe-se que o instituto da curatela destina-se a proteger os maiores que padecem de alguma incapacidade ou que estejam em alguma situação que impeça a livre e consciente manifestação de vontade. Mostra-se necessário o deferimento do pedido de expedição de alvará para levantamento de valores depositados em estabelecimento bancário, em nome do curatelado, quando devidamente comprovado pela curadora que os gastos foram revertidos em seu benefício. Possibilidade, no caso, de expedição de alvará nos autos de interdição, em atenção ao princípio da celeridade. Recurso parcialmente provido.” (TJMG – AI-Cv 1.0024.13.303178-1/001 – 8ª C.Cív. – Rel. Gilson Soares Lemes – DJe 12.09.2017)

8122 – Interdição – pessoa portadora de transtorno mental não especificado – nomeação de cura-dora

“Apelação cível. Ação de interdição. Pessoa portadora de transtorno mental não especificado. Nomeação de curadora. Entrada em vigor da Lei Federal nº 13.146/2015. Estatuto da pessoa com deficiência. Altera-ção dos arts. 3º e 4º do Código Civil. Incapacidade relativa da interditada. Art. 85, caput, da Lei Federal nº 13.146/2015. Limitação da curatela aos atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e nego-cial. 1. A partir da entrada em vigor da Lei Federal nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – os arts. 3º e 4º do Código Civil foram alterados, de forma que a única hipótese de incapacidade abso-luta para o exercício dos atos da vida civil consiste em se tratar de pessoa menor de 16 (dezesseis) anos. 2. Na espécie, em observância ao art. 85, caput, da Lei Federal nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa

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com Deficiência –, a curatela estabelecida deve se limitar aos atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.” (TJMG – AC 1.0701.14.021132-0/001 – 1ª C.Cív. – Rel. Edgard Penna Amorim – DJe 16.08.2017)

8123 – Inventário – bem partilhável – preclusão“Apelação cível. Inventário. Bem partilhável. Preclusão. Inocorrência. Companheiro. Inconstitucionalida-de do art. 1.790 do CC. Aplicação do disposto no art. 1.829, I, do CC. Aplicação financeira. Bem particu-lar. Reserva do quinhão. 1. A questão atinente à partilha do numerário deixado pela falecida foi renovada na sentença hostilizada, não havendo que se cogitar, no caso, em preclusão. Preliminar rejeitada. 2. A Suprema Corte no julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694, cuja repercussão geral havia sido re-conhecida pelo Plenário em 16.04.2015 (Tema nº 809), fixou tese nos seguintes termos: ‘É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, de-vendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002. 3. Nesse viés, havendo companheiro sobrevivente, este poderá ser meeiro (bens comuns) e herdeiro (bens particulares), já que os direitos que possui decorre de dois tipos de relações jurídicas, uma de Direito de Família, em afirmação de sua meação, e outra de Direito das Sucessões, com berço na previ-são do art. 1.829, I, do CCB, que assegura a sua condição de herdeiro. 4. Na espécie, embora o numerário deixado pela falecida em aplicação financeira fosse bem particular, enquanto não declarada a condição de companheiro do ora apelante nos autos da ação de reconhecimento de união estável em tramitação, possível apenas a reserva de seu quinhão hereditário. Com o trânsito em julgado da ação declaratório poderá o valor ser levantado pelo apelante ou sobrepartilhado entre os herdeiros na forma do art. 669, III, do CPC. Preliminar rejeitada. Apelo parcialmente provido.” (TJRS – AC 70072415474 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl – J. 14.09.2017)

8124 – Inventário – esboço de partilha – direito da viúva de concorrência na herança“Agravo de instrumento. Ação de abertura do inventário. Esboço de partilha. Direito da viúva de con-corrência na herança. Recurso não provido. Não havendo documentos nos autos que comprovem se os bens relacionados no esboço de partilha são somente aqueles havidos pelo de cujus antes do casamento, há que se manter a viúva no esboço de partilha, a fim de resguardar o seu quinhão hereditário.” (TJMG – AI-Cv 1.0672.11.026564-8/001 – 7ª C.Cív. – Rel. Belizário de Lacerda – DJe 11.09.2017)

8125 – Inventário – incidente de destituição de inventariante – causa que justifica a destituição“Agravo de instrumento. Incidente de destituição de inventariante. Causa que justifica a destituição. Aco-lhido. Recurso provido. As hipóteses de destituição de inventariante vem previstas em rol no art. 995 do CPC. Assim sendo, não somente os fatos ocorridos quando da inventariança será fato gerador para a destituição, como também, fatos ocorridos fora dele mas, que com ele esteja atrelado. O que ocorre com a não aprovação da prestação de contas da inventariante quando do exercício da curatela do de cujus.” (TJMS – AI 1412339-40.2016.8.12.0000 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Alexandre Bastos – DJe 22.09.2017)

8126 – Inventário – regime de bens – pacto antenupcial de separação convencional de bens“Agravo de instrumento. Inventário. Regime de bens. Pacto antenupcial de separação convencional de bens. Separação do direito sucessório. Cônjuge-varoa. Herdeira necessária. Art. 1.829, inciso I, do CC/2002. Possibilidade. Decisão reformada. Recurso provido. 1. Conforme entendimento jurisprudencial mais recente do Superior Tribunal de Justiça, o regime de bens do casamento estabelece regras e limites aos cônjuges enquanto vivos, não se podendo configurar acordos sobre a disposição da herança de ambos quando vierem a falecer, sob pena de se estar configurando o chamado pacta corvina, vedado no ordena-mento jurídico. 2. Havendo pacto antenupcial de separação convencional de bens, e, sendo este válido, há que se reconhecer a condição de herdeira necessária da cônjuge-varoa. 3. Recurso provido.” (TJMG – AI-Cv 1.0000.17.009485-8/001 – 2ª C.Cív. – Relª Hilda Teixeira da Costa – DJe 08.09.2017)

8127 – Inventário – união estável – regime sucessório idêntico ao do casamento“Agravo de instrumento. Ação de inventário. União estável. Regime sucessório idêntico ao do casamen-to. O Supremo Tribunal Federal, no Tema nº 809, reconheceu a inconstitucionalidade da distinção dos regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC. Havendo prova verossímil acerca da união estável, deve ser mantida a decisão que visou resguardar eventual direito

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sucessório da companheira sobre bem particular do de cujus. Recurso conhecido e desprovido.” (TJMG – AI-Cv 1.0525.11.013183-2/001 – 3ª C.Cív. – Rel. Albergaria Costa – DJe 13.09.2017)

8128 – Investigação de paternidade – alimentos – réu portador de “varicocele”“Investigação de paternidade cumulada com alimentos. Réu portador de ‘varicocele’, doença que com-promete sua fertilidade. Primeira sentença de procedência anulada por esta Corte para possibilitar que o apelante realizasse novo exame pericial, em laboratório particular, para demonstrar sua incapacidade de gerar filhos. Doença que, muito embora possa prejudicar a fertilidade, não leva necessariamente à esterilidade do portador. Inércia injustificada do réu, por mais de 03 (três) anos, em dar cumprimento a acórdão passado em julgado. Paternidade bem declarada, à vista da inércia do réu e do resultado de exa-me de DNA, que atestou ser de 99,99999% a probabilidade da paternidade. Contraminuta instruída com documentos que indicam ser o réu pai de outra filha, mais nova do que a autora, a afastar novamente a incapacidade generandi. Alimentos fixados em 30% dos vencimentos do réu. Redução do percentual para 25%, em razão da existência de mais uma filha, mantida a base de cálculo fixada na sentença. Sentença reformada tão somente para minorar de 30% para 25% o percentual dos alimentos sobre os rendimentos do genitor, mantido o montante de dois terços de um salário mínimo à hipótese de desemprego. Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Ap 0000979-29.2008.8.26.0083 – Aguaí – 1ª CDPriv. – Rel. Francisco Loureiro – DJe 03.10.2017)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de recurso de Apelação interposto contra a sentença de fls. 159/162, que julgou procedente ação de investigação de paternidade c/c alimentos ajuizada por H. S. (menor representada por sua mãe) em face de E. S., declarando a paternidade do réu, condenando-o ao pagamento de alimentos à razão de 30% (trinta por cento) de seus rendimentos e, em caso de desemprego, a dois terços do salário míni-mo, assim como multa por litigância de má-fé, custas processuais e honorários advocatícios arbitrados no máximo previsto na tabela de convênio com a OAB.

Fê-lo a sentença ao fundamento de que, muito embora tenha sido anulada sentença anterior que reco-nheceu a paternidade, a inércia do réu em dar cumprimento ao Acórdão deixando de providenciar a pe-rícia por ele postulada por mais de 03 (três) anos, impunha o reconhecimento da paternidade. Ademais, destacou que a perícia anterior havia fixado a probabilidade da paternidade à razão de 99,99999%. Além disso, foi revogada a gratuidade concedida anteriormente e condenado o réu a pagar um salário mínimo a título de litigância de má-fé.

Por fim, fixados alimentos no percentual de 30% dos rendimentos do réu, descontados apenas IR e previdência social, incidindo inclusive sobre o 13º, mas sem incidência no terço constitucional de férias; em caso de desemprego, arbitrou alimentos em dois terços do salário mínimo.

Sustenta o réu, em apertada síntese, que, ao contestar, alertou ser portador de “varicocele à esquerda”, do que decorreria sua incapacidade para gerar filhos.

Pontua que este Tribunal já anulou sentença que reconheceu a paternidade, para possibilitar a realiza-ção de exame pericial que comprovasse a incapacidade de gerar filhos. No entanto, a nova sentença reconheceu a procedência do pedido inicial, sem que tivesse sido o réu intimado pessoalmente a realizar a nova perícia.

Em razão do exposto, e pelo que mais argumenta, pugna pela anulação da sentença, a fim de que o apelante seja intimado pessoalmente a realizar nova perícia. Subsidiariamente, requer seja reduzido o montante dos alimentos fixados à hipótese de desemprego; pede, também, seja afastada a multa por litigância de má-fé e restaurada a gratuidade revogada.

O TJSP deu parcial provimento ao recurso.

Rolf Madaleno, asseverando sobre a presunção na investigação de paternidade, assim disciplina:

“Indício e presunção não são palavras sinônimas, como bem explica Casimiro Varela, para muitos autores os indícios são apenas fonte de prova e não meios de prova, mas complementa que o indício capta um fato que pode ter significação material ou humana, física ou psíquica, simples ou composta, enquanto que a presunção constitui um fato conhecido, um juízo lógico do decisor que lhe permite formar convicção sobre determinada eficácia do indício. Sérgio Carlos Covello também aborda as dife-renças entre presunção e indício. Resumidamente, sustenta que o indício é a base da presunção, porque é do conjunto de indícios que o juiz obtém as inferências que lhe permitem presumir o fato indicado.

Portanto, trata-se como visto, de conceituação claramente diferenciada, onde indício e presunção se auxiliam, se complementam. Indício é a premissa menor e a presunção a premissa maior, e ambas

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designam a prova indireta ou artificial. De conseguinte, se é do resultado desta operação dedutiva que o magistrado poderá chegar à presunção indireta da prova e do consequente reconhecimento da paternidade ou mesmo da maternidade, com efeito, que jamais poderá presumir pelo único indício da oposição ou da simples negativa em realizar o exame, que desta omissão decorra a presunção da filiação pesquisada. Primeiro, porque não pode haver tarifamento de provas, onde uma classe de prova possa parecer melhor do que a outra.

Aceitar prova taxada é impregnar o juiz do mais amplo arbítrio, pois fica comprometido o seu livre convencimento, na medida em que deve dar maior valor e avaliar com diferentes pesos a prova judicial, segundo a sua pré-classificação processual. Guilherme Nucci informa representar um real retrocesso retornar ao defasado e inoperante mecanismo de avaliação da prova, que poda o juiz no raciocínio de seu livre convencimento e faz com que a sua imparcialidade fique corroída por obra da própria lei.

Curioso, por sinal, fica ver o decisor literalmente maneteado pela prova dentro deste sistema taxado, num processo onde só a perícia tem real credibilidade e é tida como suficiente para declarar uma pater-nidade, mesmo como consequência da recusa em realizar o exame.

No processo penal, não obstante prossiga a dúvida em favor do réu, eis que julga direito indisponível, tangente à liberdade da pessoa, estranhamente, este mesmo direito indisponível, perseguido na ação investigatória, faz inverter a presunção de inocência, presumindo-se a paternidade pela recusa ao teste do DNA.

E, como visto, sendo pertinente a ação investigativa de paternidade a direito indisponível, onde estão em jogo valores humanos fundamentais, como o nome, a honra, a identidade, a personalidade e os vínculos familiares respeitantes às duas partes envolvidas no processo, jamais o magistrado poderia antecipar sua decisão por simples presunção que só beneficia ao autor investigante. Chegou-se a um estágio de um extremado rigor processual contra o investigado, enquanto nenhuma rigidez probatória é imposta ao investigante, apenas em nome da sacramentalidade ou da divindade de qualquer perícia biológica, em especial para o sistema com marcadores do DNA. 1. A negação ao exame, enquanto não fiscalizadas as técnicas periciais, segue como lícita e adequada justificativa de oposição, até porque, a presunção como prova indireta jamais poderia chegar ao extremo rotineiramente verificado, do sopesar dos sacramentos, onde a perícia é a sublime prova, absoluta, e recusá-la, contrariando todas as espe-ranças cegamente nela confiadas, termina por merecer o mesmo resultado e define a paternidade pela mera presunção de culpa.

E mais grave ainda está em constatar um inconciliável paradoxo judicial, como levanta Cecília Grosman, pois se não existe sanção direta para quem se nega a se submeter ao exame pericial, não é possível san-cionar indiretamente o investigado por seu gesto de recusa, derivando de sua resistência um resultado contrário às pretensões que sustenta.” (A sacralização da presunção na investigação de paternidade. Disponível em: http://www.iobonlinejuridico.com.br>)

8129 – Investigação de paternidade – petição de herança“Família. Ação de investigação de paternidade c/c petição de herança. Exame de DNA que con-clui ser de 94% a probabilidade de paternidade do pai registral e de 73% a probabilidade de pater-nidade do pretenso pai. Prova oral insuficiente para que seja desconsiderada a prova técnica. Ação improcedente. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0002301-76.2003.8.26.0498 – Ribeirão Bonito – 3ª CDPriv. – Rel. Alexandre Marcondes – DJe 22.08.2017)

8130 – Investigação de paternidade – recusa ao exame de DNA – presunção de paternidade“Apelação cível. Ação de investigação de paternidade julgada procedente. Recusa ao exame de DNA. Presunção de paternidade. Situação em que inexistem provas do relacionamento entre o investigado e a genitora da investigante, face à clandestinidade do relacionamento. Princípio da dignidade da pessoal humana. Direito personalíssimo ao conhecimento da origem genética. Manutenção, in totum, da sentença recorrida. I – Examinando-se os autos, percebe-se que o Requerido não compareceu às audiências desig-nadas para a realização do exame de DNA, o que revela seu intuito de não se submeter ao referido exame. II – É certo que a existência de provas materiais, a dar azo à comprovação inequívoca de paternidade investigada, é elemento raro, dada a própria natureza das relações afetivas, que normalmente são mantidas na clandestinidade, como se opera na espécie, daí porque é indispensável a realização do exame de DNA para certificar a presença ou ausência do vínculo biológico. III – Percebe-se a voluntária e total inércia do Apelante, razão pela qual restou configurada a sua recusa em realizar o exame de DNA, o que induz a presunção de paternidade, conforme o entendimento da Súmula nº 301 do STJ. IV – Situação em que o direito ao conhecimento da origem genética é consubstanciado no Princípio da Dignidade da Pessoa hu-mana. V – Sentença que deve ser mantida em todos os seus termos. VI – Apelação não provida.” (TJPI – AC 2014.0001.000854-0 – 2ª C.Esp.Cív. – Rel. Des. José Ribamar Oliveira – DJe 15.09.2017)

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8131 – Investigação de paternidade – verba provisória em favor do filho – redução – descabimento“Agravo de instrumento. Ação de investigação de paternidade. Verba provisória em favor do filho. Re-dução. Descabimento. Necessidade de dilação probatória. Diante da ausência de elementos capazes de confirmar a alegação de impossibilidade de custeio dos alimentos provisórios fixados em 80% do salário mínimo nacional e considerando as presumidas necessidades do filho menor, deve ser mantido, por ora, o montante arbitrado na origem. Necessidade de dilação probatória. Agravo de instrumento desprovido.” (TJRS – AI 70074085531 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl – J. 14.09.2017)

8132 – Investigação de paternidade post mortem – venda de cotas de sociedade – ascendente a descendente sem a anuência de filha

“Recurso especial. Ação objetivando a ‘declaração de nulidade’ da venda de cotas de sociedade realizada por ascendente a descendente sem a anuência de filha assim reconhecida por força de investigação de paternidade post mortem. 1. Sob a égide do Código Civil de 1916, o exercício do direito de anular venda de ascendente a descendente – que não contara com o consentimento dos demais e desde que inexis-tente interposta pessoa –, submetia-se ao prazo ‘prescricional’ vintenário disposto no art. 177 do Codex. Inteligência da Súmula nº 494 do STF. Tal lapso, na verdade decadencial, foi reduzido para dois anos com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (art. 179). 2. Nada obstante, assim como ocorre com os prazos prescricionais, nos casos em que deflagrado o termo inicial da decadência durante a vigência do código revogado, aplicar-se-á a norma de transição estabelecida no art. 2.028 do Código Civil de 2002. Assim, devem ser observados os prazos do Código Civil anterior, quando presentes as seguintes condições: (i) redução do prazo pelo diploma atual; e (ii) transcurso de mais da metade do tempo estabelecido na regra decadencial ou prescricional revogada. 3. No caso de autor que contava com menos de dezesseis anos à época da deflagração do fato gerador da pretensão deduzida em juízo, a Quarta Turma consagrou, recentemente, o entendimento de que o confronto entre a norma de transição (art. 2.028 do Código Civil) e a regra que obsta o transcurso do prazo prescricional não poderá traduzir situação prejudicial ao ab-solutamente incapaz (REsp 1.349.599/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 13.06.2017, DJe 01.08.2017). Tal exegese também deve ser aplicada aos prazos decadenciais reduzidos pelo Código Civil de 2002, quando em discussão o exercício de direito potestativo por menor impúbere. Necessária observância do paradigma da proteção integral, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. 4. O STJ, ao interpretar a norma (inserta tanto no art. 496 do Código Civil de 2002 quanto no art. 1.132 do Código Civil de 1916), perfilhou o entendimento de que a alienação de bens de ascendente a descenden-te, sem o consentimento dos demais, é ato jurídico anulável, cujo reconhecimento reclama: (i) a iniciativa da parte interessada; (ii) a ocorrência do fato jurídico, qual seja, a venda inquinada de inválida; (iii) a existência de relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador; (iv) a falta de consen-timento de outros descendentes; e (v) a comprovação de simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço inferior ao valor de mercado. Precedentes. 5. De outro lado, malgrado a sentença que reconhece a paternidade ostente cunho declaratório de efeito ex tunc (retro-operante), é certo que não poderá alcançar os efeitos passados das situações de direito definitivamente constituídas. Não terá, portanto, o condão de tornar inválido um negócio jurídico celebrado de forma hígida, dadas as circunstân-cias fáticas existentes à época. Precedentes. 6. Na espécie, à época da concretização do negócio jurídico – alteração do contrato de sociedade empresária voltada à venda de cotas de ascendente a descendente –, a autora ainda não figurava como filha do de cujus, condição que somente veio a ser reconhecida no bojo de ação investigatória post mortem. Dadas tais circunstâncias, o seu consentimento (nos termos da norma disposta no art. 1.132 do Código Civil de 1916 – atual art. 496 do Código Civil de 2002) não era exigível nem passou a sê-lo em razão do posterior reconhecimento de seu estado de filiação. Na verdade, quando a autora obteve o reconhecimento de sua condição de filha, a transferência das cotas sociais já consubs-tanciava situação jurídica definitivamente constituída, geradora de direito subjetivo ao réu, cujos efeitos passados não podem ser alterados pela ulterior sentença declaratória de paternidade, devendo ser, assim, prestigiado o princípio constitucional da segurança jurídica. Ademais, consoante assente na origem, não restou demonstrada má-fé ou qualquer outro vício do negócio jurídico a justificar a mitigação da referida exegese. 7. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.356.431 – (2012/0098167-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 21.09.2017 – p. 2312)

8133 – Poder familiar – ECA – suspensão – colocação em família substituta – destituição“Agravo de instrumento. ECA. Destituição do poder familiar. Suspensão. Colocação em família substi-tuta. Decisão mantida. Caso em que, embora existam indicativos de vulnerabilidade social e inaptidão

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ao exercício da paternidade responsável a autorizar a suspensão do poder familiar, considerando que o processo originário ainda está sendo instruído, por ora, mostra-se prematura a colocação da infante em família substituta, porquanto é prudente que, antes do estabelecimento de um novo vínculo paterno-filial, haja o encerramento do anterior. Agravo de instrumento provido em parte.” (TJRS – AI 70074056821 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl – J. 14.09.2017)

8134 – Regime de bens – ação de alteração – efeito ex nunc“Apelação cível. Família. Ação de alteração de regime de bens. Efeito ex nunc. Mérito. A alteração do regime de bens deve se operar com efeito ex nunc, a fim de evitar prejuízos a terceiros e de respeitar o ato jurídico perfeito celebrado anteriormente, nos termos dos arts. 2.035 e 2.039 do Código Civil. Posição doutrinária e jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. No caso dos autos, as diligências realizadas pelos autores não foram suficientes para demonstrar com certeza a inexistência de credores, uma vez que o edital de intimação somente foi publicado na cidade de Caxias do Sul/RS. Sentença mantida. Preques-tionamento. O Julgador não está obrigado a se manifestar sobre todos os artigos de lei invocados pela parte. Prequestionamento descabido. Negaram provimento ao recurso de apelação. Unânime.” (TJRS – AC 70070522057 – 8ª C.Cív. – Rel. Alexandre Kreutz – J. 14.09.2017)

8135 – Regime de bens – discussão sobre bens que integram o monte a ser partilhado na dissolução de união estável

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Regime de bens. Discussão sobre bens que integram o mon-te a ser partilhado na dissolução de união estável. Reexame de prova. 1. Não se admite o recurso especial quando sua análise depende de reexame de matéria de prova (Súmula nº 7 do STJ). 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-EDcl-Ag-RE 168.759 – (2012/0082035-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 22.08.2017 – p. 1679)

8136 – Regime de bens – dissolução de união estável – discussão sobre bens que integram o monte a ser partilhado

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Regime de bens. Discussão sobre bens que integram o mon-te a ser partilhado na dissolução de união estável. Reexame de prova. 1. Não se admite o recurso especial quando sua análise depende de reexame de matéria de prova (Súmula nº 7 do STJ). 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-EDcl-Ag-RE 168.759 – (2012/0082035-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 22.08.2017 – p. 1679)

8137 – Registro civil – casamento – acréscimo do sobrenome do nubente – pedido de retificação“Apelação cível. Registro civil. Casamento. Acréscimo do sobrenome do nubente. Pedido de retificação de registro para supressão do patronímico materno. Possibilidade. 1. Não há vedação legal à supressão do sobrenome materno quando do casamento, desde que não configure prejuízo à ancestralidade ou à segurança jurídica que decorre da verdade registral. Inteligência do art. 1.565, § 1º, do Código Civil. Pre-cedente do STJ. 2. Sendo plausível a alegação da postulante, no sentido de que não procedeu à supressão do patronímico materno quando da habilitação para o casamento em razão de informação equivocada que lhe foi prestada, de que somente seria possível o acréscimo do sobrenome de seu nubente, não há ra-zão para obstar retificação de registro pretendida, na medida em que não se verifica prejuízo de qualquer ordem. Deram provimento. Unânime.” (TJRS – AC 70073779480 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos – J. 17.08.2017)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de apelação interposta por M. E. P. G. A. contra sentença que, nos autos de ação de retificação do registro civil, julgou o feito improcedente, indeferindo o pedido de supressão do nome materno.

Sustenta que: (1) a lei faculta a um dos cônjuges, quando contrai matrimônio, suprimir o apelido de família diante do acréscimo do patronímico do outro cônjuge, desde que não haja prejuízo à sua an-cestralidade e à segurança jurídica; (2) não optou pela supressão do patronímico materno quando da habilitação para o casamento, pois, no Cartório de Registro Civil, foi erroneamente informada de que não existia essa possibilidade; (3) preservando o patronímico paterno, a apelante já está assegurando a identificação do seu grupo familiar, não havendo prejuízo à ancestralidade; (4) gostaria de ter nome menos extenso e mais parecido com o de seu filho, registrado apenas com o patronímico paterno; (5) inexiste qualquer vedação legal ao pedido da apelante. Requer, em síntese, o provimento do recurso e a reforma da sentença.

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O TJRS votou pelo provimento do recurso de apelação para deferir a retificação pretendida.

Oportuno colacionar trecho do voto do Relator:

“Assim, considerando a plausibilidade da alegação da postulante de que apenas não requereu a su-pressão do patronímico materno quando da habilitação para o casamento porque informada de forma equivocada, por oficial do Registro Civil, no sentido da sua impossibilidade, bem como tendo em vista a inexistência de vedação legal ou de prejuízo à ordem com a supressão do sobrenome da genitora, merece acolhida o pedido da apelante.”

Em artigo publicado no Repertório de Jurisprudência IOB, Tereza Rodrigues Vieira dispôs sobre a alte-ração do nome, vejamos:

“O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto. Em nossa jurisprudência notamos uma deter-minada propensão à influência do uso, como força suficiente para modificar ou alterar o registro de nascimento. São em grande número os julgados que possibilitam a mudança do assento de nascimento devido ao uso de prenome e sobrenome diversos:

[...]

‘Prenome imutável é aquele que foi posto em uso, embora não conste do registro; e não o constante do registro e nunca usado. O que a lei não quer é que haja alteração do prenome, no meio social, e não no livro de registro.’ (Revista dos Tribunais, v. 185, p. 424)

‘O princípio da imutabilidade do prenome estabelecido em lei não é absoluto cedendo ante circuns-tâncias imperativas, principalmente quando se impõe a correção de equívocos prejudiciais à vida do indivíduo.’ (Jurisprudência e Doutrina, 12/214, 1953 – Ementário Forense)

‘Retificação em termo de nascimento. Concede-se autorização para que se adite, posposto ao prenome, o nome pelo qual foi conhecida, a fim de que não fique quebrada a segurança das relações jurídicas, de que a identidade é uma garantia precisa. Não deve ser apreciada inflexivelmente a regra da imutabili-dade do prenome.’ (Ap. 10.416, 2ª Câmara Cível da Guanabara)

[...]

Entendemos que se a pessoa é conhecida por nome diverso do que consta no assento de nascimento, deve permitir-se a alteração, acrescentando-se o frequentemente usado ao do registro, uma vez que é por meio dele conhecido no trabalho, na escola, na família etc.” (Uso de prenome e sobrenome diversos dos inscritos no registro civil. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, n. 17, p. 306, n. 3/12382, 1. quinzena set. 1996)

8138 – Registro civil – retificação – certidão de nascimento de filho menor – acréscimo do patroní-mico de casada da genitora – possibilidade

“Apelação cível. Ação de retificação de registro civil. Certidão de nascimento de filho menor. Acréscimo do patronímico de casada da genitora. Possibilidade. Princípio da verdade real. Observância. Princípio da segurança jurídica. Preservação. Previsão legal no art. 3º, da Lei nº 8.560/1992 e art. 188, § 1º, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná. Foro extrajudicial. Precedentes do STJ e deste TJ/PR. Recurso conhecido e não provido. 1. ‘O princípio da verdade real norteia o registro público e tem por finalidade a segurança jurídica, razão pela qual deve espelhar a realidade presente, informando as alterações relevantes ocorridas desde a sua lavratura. 2. O ordenamento jurídico prevê expressamente a pos-sibilidade de averbação, no termo de nascimento do filho, da alteração do patronímico materno em decor-rência do casamento, o que enseja a aplicação da mesma norma à hipótese inversa – princípio da simetria –, ou seja, quando a genitora, em decorrência de divórcio ou separação, deixa de utilizar o nome de casada (Lei nº 8.560/1992, art. 3º, parágrafo único). Precedentes’ (REsp 1072402/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado 04.12.2012, DJe 01.02.2013). 3. Recurso conhecido e não provido.” (TJPR – AC 1701299-6 – 11ª C.Cív. – Rel. Des. Dalla Vecchia – DJe 13.09.2017 – p. 151)

8139 – Testamento – ação de nulidade – pedido de redução das disposições testamentárias“Ação de nulidade de testamento, com pedido de redução das disposições testamentárias. Sentença de procedência em parte. Insurgência do réu. Disposições testamentárias realizadas pelo de cujus que inva-dem a legítima e comportam redução. Deve ser atribuída ao réu a parcela que o testador poderia dispor sobre o patrimônio, observado o direito dos herdeiros, inclusive à legítima. Sentença mantida. Recurso não provido. Nega-se provimento ao recurso.” (TJSP – Ap 1064640-64.2015.8.26.0100 – São Paulo – 3ª CDPriv. – Relª Marcia Dalla Déa Barone – DJe 28.09.2017)

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8140 – Testamento – ação de nulidade – regime de separação de bens – possibilidade“Embargos de declaração em apelação cível. Ação de nulidade de testamento. Regime de separação de bens. Possibilidade de firmar testamento doando bem a favor da esposa. Testamento válido. Sentença re-formada. Rediscussão da matéria. Inexistência de omissão ou contradição. Aplicação de multa. Rejeitados os embargos opostos pelo espólio de Raymundo Figueiredo. Embargos interpostos por Salete Sebastiana Ribeiro Figueiredo. Acolhidos para sanar a omissão. A teor do art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, os embargos de declaração têm por finalidade o aperfeiçoamento de pronunciamentos judi-ciais, afastando do decisum embargado eventuais vícios, como obscuridade ou contradição ou, ainda, integrando-os por intermédio da manifestação acerca de algum ponto ocasionalmente omisso, não se prestando, portanto, esta estreita via recursal, para alterar aquilo que restou decidido, salvo nos casos excepcionais em que, do saneamento de algum defeito, decorra lógica e imediatamente uma mudança substancial quanto à conclusão anteriormente assentada acerca da controvérsia posta à apreciação. Se a irresignação do embargante se prende a pontos isolados dentro do contexto das provas, que foram exami-nadas no voto condutor e que serviu de lastro para o acórdão guerreado, tem-se claramente que o intuito do embargante é obter novo julgamento da questão versada, por meio de nova análise dos elementos probatórios contidos nos autos, objetivo impossível de se atingir através de embargos de declaração, sob pena de se desvirtuar completamente seu objetivo, dando azo à criação de novo recurso de mérito na mesma instância. Quando os embargos se mostram claramente protelatórios, impõe-se a aplicação de multa prevista na legislação processual. Os embargos devem ser acolhidos invertendo-se a condenação ao pagamento das verbas sucumbenciais em vista do provimento da apelação cível.” (TJMS – EDcl 0103247-51.2009.8.12.0008/50000 – Rel. Des. Sérgio Fernandes Martins – DJe 02.10.2017)

8141 – Testamento público – ação anulatória de decadência – prejudicial afastada – incapacidade para testar – insanidade mental

“Apelação cível. Ação anulatória de testamento público. Decadência. Inocorrência. Prejudicial afastada. Incapacidade para testar. Insanidade mental. Ausência de comprovação. Regularidade formal atendida. Prevalência da declaração de última vontade. I – Nas hipóteses de nulidade de testamento lavrado durante a vigência do Código Civil de 1916, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que o prazo a ser considerado é o geral vintenário previsto no art. 177 do referido diploma legal. II – Considerando que o marco inicial é o registro do testamento, em 1998, o termo final para a pretensão de sua anulação é o ano de 2018. Tendo em vista que a ação foi ajuizada em 2013, o afastamento da prejudicial de decadência é medida que se impõe. III – A prova da incapacidade deve ser contundente de modo a afastar a presunção de validade do testamento público. IV – Inexistindo provas acerca da alegada incapacidade mental do testador ou da irregularidade formal do documento público, prevalece a presunção de negócio jurídico válido e regular. V – Prejudicial de decadência afastada e recurso de apelação não provido.” (TJMG – AC 1.0390.13.000815-9/001 – 10ª C.Cív. – Rel. Vicente de Oliveira Silva – DJe 18.08.2017)

8142 – Testamento público – registro – intimação de herdeiros – desnecessidade“Apelação cível. Registro de testamento público. Intimação de herdeiros. Desnecessidade. A intimação de demais herdeiros que não tiverem requerido a abertura do testamento, é exigência somente para o testamentos particulares (art. 737, § 1º do CPC). Tratando-se pedido de abertura e registro de testamento público, a tarefa judicial se limita à verificação dos requisitos de forma extrínsecos ao ato, sendo dispen-sável a intimação de demais herdeiros. Precedentes. Eventuais alegações de nulidade de fundo da deixa testamentária devem ser promovidas em ação própria. Por esse motivo, para efeito de ‘abertura, registro e cumprimento do testamento público’, tão somente a alegação de que a apelante não foi intimada ou, ain-da, que foi preterida na deixa, não invalida a sentença que registrou o testamento. Negaram provimento.” (TJRS – AC 70074019357 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Rui Portanova – J. 17.08.2017)

8143 – União estável – reconhecimento – ação declaratória“Agravo interno em agravo (art. 1.042 do CPC/2015). Ação declaratória de reconhecimento de união estável. Decisão monocrática negando provimento ao reclamo. Insurgência recursal da autora. 1. A re-visão das conclusões da Corte de origem acerca do termo inicial da união estável, a que se pretende reconhecer na presente demanda, demandaria a reapreciação do contexto fático e probatório dos autos, prática esta que é vedada nessa instância especial pela Súmula nº 7 do STJ. Precedentes. 2. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.023.618 – (2016/0313013-8) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 21.08.2017 – p. 1367)

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Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de agravo interno em face de decisão monocrática de lavra deste signatário, que negou provi-mento ao agravo da ora insurgente.

O apelo nobre, fundamentado no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, desafiou acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado:

“Apelação cível. Ação declaratória de reconhecimento de união estável. Alteração do ônus de sucum-bência. Autora que decaiu da parte mínima. Alteração do ônus de sucumbência. Essência do pedido. Termo inicial da união estável. Provas nos autos demonstram que o termo inicial da união estável recai em 1976 e não em 1971. Interpretação e aplicação da regra do art. 21, do CPC. Recursos conhecidos desprovida a apelação cível e parcialmente provida a apelação cível.”

Nas razões do recurso especial, a insurgente apontou violação aos arts. 1723 do Código Civil e 322, 333 e 535 do CPC/1973, além do dissídio jurisprudencial. Sustentou, em síntese, que as provas acos-tadas aos autos dão conta que a união estável teve início em 1971, bem assim que o Tribunal local ignorou a prova testemunhal produzida, levando em conta tão somente os documentos apresentados. Pleiteou, por fim, o provimento do recurso e a reforma do acórdão para que seja fixado como início da união estável o mês de janeiro de 1971.

Em juízo de admissibilidade, o Tribunal a quo não admitiu o recurso especial, razão pela qual a parte interpôs o agravo do art. 1.042 do CPC/2015 (fls. 351-356, e-STJ), visando destrancar aquela insur-gência.

Em decisão monocrática, este relator negou provimento ao reclamo, visto que a pretensão recursal demanda o reexame do contexto probatório dos autos, prática esta vedada pela Súmula nº 7/STJ.

O STJ negou provimento ao agravo interno.

O Jurista Euclides de Oliveira, discorrendo sobre a questão da competência da ação de reconhecimento de união estável, assim assevera:

“Assim já se entendia antes mesmo da Lei nº 8.971/1994. Agora, com o reconhecimento legal dos direitos a alimentos e sucessão entre companheiros, virtualmente modificadas as disposições civis e processuais sobre a matéria, já não subsistem dúvidas quanto à competência das varas especializadas em família e sucessões, para o processamento e julgamento das ações ajuizadas àquele título.

O mesmo se diga das ações relativas à meação entre companheiros, pois também resultam no reco-nhecimento de união estável que lhes abre a porta para os consectários direitos à assistência alimentar e petição de herança, sem falar que pode haver cumulação dos pedidos com fundamento no mesmo substrato fático da vida em comum.

Nessa mesma linha de raciocínio, importa lembrar que o reconhecimento da união estável, nas referidas ações, tem outras consequências no plano familiar, em especial a possibilidade da conversão da união de fato em casamento, na pendência de regulamentação por lei específica, conforme já anotamos.

E depois, é o juiz de família quem se acha mais preparado e aparelhado para o julgamento de semelhan-tes questões, não só pela especialização no trato da matéria, mas porque dispõe de melhor infraestrutu-ra técnica, com serviços auxiliares de psicólogos e assistentes sociais.” (Concubinato – Ações derivadas da Lei nº 8.971/1994: competência das Varas de Família e de Sucessões. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, n. 06/1996, p. 105, artigo nº 3/11833, 2. quinz. mar. 1996)

Nehemias Domingos de Melo assim fala sobre os alimentos na união estável:

“Segundo o escólio de Yussef Said Cahali os alimentos são as ‘prestações devidas, feitas para quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)’.

O renomado jurista paulista faz, contudo, uma ressalva, quando se refere à questão dos alimentos decorrentes da união estável, ressalva esta que, por importante, transcrevemos. Diz o mestre que ‘a obrigação alimentar em sede de concubinato está longe de soluções definitivas; na multiplicidade de seus aspectos, trata-se ainda de um direito em formação, de contornos que não se revelam precisos...’.

De toda sorte, da união estável decorre direitos e deveres. Dentre os deveres está presente o dever de alimentos por expressa determinação legal, na medida em que o art. 1.724 do Código Civil estabelece, dentre outros, o dever de mútua assistência, além de sustento e educação dos filhos, em perfeita con-sonância com o disposto no art. 2º, II e III, da Lei nº 9.278/1996.

Não bastasse isso, o Código Civil ao regular a questão dos alimentos consignou expressamente, em seu art. 1.694, que além dos parentes, os cônjuges e também os companheiros, podem ‘pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação’.

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A fixação da prestação alimentar obedecerá a alguns critérios e, dentre estes: necessidade do alimenta-do; possibilidade econômica do alimentante e proporcionalidade entre as necessidades de quem pede e as possibilidades de quem tem o dever de prestar alimentos.

Há de outro lado a questão da reciprocidade já que a obrigação alimentar existe entre os parentes, entre os cônjuges e os companheiros e, em sendo assim, aquele que necessitar poderá reclamar do outro, os alimentos que vier a necessitar.

Quanto aos companheiros ou aos cônjuges, tais direitos não se fixam a partir do jus sanguinis, mas sim em razão do parentesco, como decorrência natural do dever de assistência material recíproca. Desta forma, os conviventes devem alimentos uns aos outros, por força do dever familiar.

Examinando a legislação que regula a matéria, podemos constatar que os conviventes podem pôr fim à união estável sem que se discuta culpa, sem cogitar de causa. Neste caso, os alimentos serão devidos por qualquer um dos dois, bastado que se instaure a necessidade de um para com o outro, para que a obrigação se ponha. O dever familiar é incompatível com a ideia de culpa. Apregoa a doutrina que os alimentos devem ser fixados por um período de tempo razoável para que o credor possa obter os meios para se manter, findo esse tempo, os alimentos deixarão de ser devidos.” (União Estável – Conceito, alimentos e dissolução. Disponível em: http://online.sintese.com)

8144 – União estável – reconhecimento e dissolução – alimentos provisórios“Reconhecimento e dissolução de união estável. Alimentos provisórios. Embargos de declaração em agravo de instrumento. Omissão, contradição e obscuridade. Inexistência. Pretensão manifestamente infringente. Embargos de declaração rejeitados.” (TJSP – EDcl 2003457-16.2017.8.26.0000 – Santos – 3ª CDPriv. – Rel. Carlos Alberto de Salles – DJe 31.08.2017)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de embargos de declaração opostos em face do acórdão dos autos principais que deu provimen-to ao agravo de instrumento interposto pelo ora embargado para afastar a decisão que fixou alimentos provisórios em favor da embargante.

Diz a embargante que o acórdão teria sido contraditório em relação ao reconhecimento de relaciona-mento, mas não fixação de alimentos; obscuro quanto à publicidade; e omisso em relação à impugnação dos documentos juntados pela embargante.

Alega, ainda, que o acórdão deveria ter se manifestado sobre o exercício de trabalho remunerado na constância da união estável e não anteriormente a ela.

O TJSP rejeitou os embargos.

O Relator assim se manifestou:

“Nesse cenário, seria até mesmo desnecessário analisar a alegada dependência econômica da embar-gante em relação ao embargado: se o pedido de alimentos se funda na existência de união estável, a respeito da qual não há ainda certeza, por ora não há como se analisar a necessidade da embargante.

De todo modo, como constou do acórdão, ‘ao menos nesse momento, não há como atribuir aos depó-sitos efetuados pelo agravante a conotação que lhes pretende dar a agravada, de única renda da qual provinha seu sustento. Ademais, a afirmação de que a agravada estaria subsistindo apenas com a ajuda de seu filho não foi adequadamente comprovada’.”

O Jurista Euclides de Oliveira, discorrendo sobre a questão da competência da ação de reconhecimento de união estável, assim assevera:

“Assim já se entendia antes mesmo da Lei nº 8.971/1994. Agora, com o reconhecimento legal dos direitos a alimentos e sucessão entre companheiros, virtualmente modificadas as disposições civis e processuais sobre a matéria, já não subsistem dúvidas quanto à competência das varas especializadas em família e sucessões, para o processamento e julgamento das ações ajuizadas àquele título.

O mesmo se diga das ações relativas à meação entre companheiros, pois também resultam no reco-nhecimento de união estável que lhes abre a porta para os consectários direitos à assistência alimentar e petição de herança, sem falar que pode haver cumulação dos pedidos com fundamento no mesmo substrato fático da vida em comum.

Nessa mesma linha de raciocínio, importa lembrar que o reconhecimento da união estável, nas referidas ações, tem outras consequências no plano familiar, em especial a possibilidade da conversão da união de fato em casamento, na pendência de regulamentação por lei específica, conforme já anotamos.

E depois, é o juiz de família quem se acha mais preparado e aparelhado para o julgamento de semelhan-tes questões, não só pela especialização no trato da matéria, mas porque dispõe de melhor infraestrutu-

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ra técnica, com serviços auxiliares de psicólogos e assistentes sociais.” (Concubinato – Ações derivadas da Lei nº 8.971/1994: competência das Varas de Família e de Sucessões. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, nº 06/1996, p. 105, artigo nº 3/11833, 2. quinz. mar. 1996)

8145 – União estável – requisitos – configuração – estado de casado – posse“Apelação cível. União estável. Requisitos. Configuração. Estado de casado. Posse. Ônus. Prova. Con-cubinato. Balanço probatório. Grau recursal. Triunfo. Demandado. Honorários advocatícios. Majoração. 1. Quem postula o reconhecimento judicial de união estável com outrem tem o ônus de provar, no decor-rer do período alegado, a convivência pública, contínua, duradoura e com vistas a constituição de família, resguardada a fidelidade mútua e dispensada a prova do esforço comum na aquisição patrimonial. Leitura dos arts. 1.521, inciso VI; 1.723 e § 1º, 1.724, 1.727, do CC/2002 e art. 373 e incisos, do CPC/2015, todos à luz do art. 226, § 3º, da CR/1988. Jurisprudência superior e local. 2. Imprescindível, ademais, a par da ausência dos impedimentos legais matrimoniais, que o consorte casado se ache separado de fato ou judi-cialmente, sob pena de tais relações não eventuais configurarem um verdadeiro e censurável concubinato, impossível de ser convertido em união estável para os propósitos de direito. Jurisprudência superior e lo-cal. 3. Em tempo, declarações testemunhais, a posse de objetos pessoais e fotos, por si sós e isoladamente, não prestam para revelar que 02 (duas) pessoas conservaram-se em uma união estável, senão para ilustrar que alimentaram um caso. Nada além. 4. Noutros termos, porquanto geralmente privada de registro carto-rário e da facilidade probatória que sua formalidade exibe, impõe a união estável elementos de convicção contundentes, pertinentes e contemporâneos, com aptidão para denunciarem que, durante todo o tempo alegado, a convivência nunca foi sonegada, pausada, episódica e com o fito primordial de entretenimento mútuo e satisfação da lascívia entre ambos. 5. Afinal de contas, conviver em união estável é se colocar na posse do estado de casado, isto é, socialmente ter um comportamento público e notório, de marido e mu-lher, assim se tratando reciprocamente, e na intimidade compartilhar não apenas a satisfação, mas também sigilos que dela naturalmente brotam. Diante da dúvida, por conseguinte, a orientação é não reconhecê-la, justamente diante da seriedade do instituto, na medida em que a união estável permite desdobramentos de ordens social, previdenciária e sucessória, irreversíveis aos envolvidos e àqueles que em sua volta se colocam. 7. Impossível, portanto, reconhecer a união estável entre 02 (duas) pessoas se do balanço pro-batório esta conclusão não se fez revelada, pois fazer-se presente na vida de outrem, conquanto em vários momentos, muito longe está de se traduzir com conviver em união estável, à luz da jurisprudência e da competente legislação. 8. Corolário da sorte alcançada pelos autos e do triunfo dos demandados em grau recursal, deve ser invertido em prejuízo do apelado a responsabilidade pelas custas e honorários advoca-tícios, bem como majoradas as verbas honorárias, observando, contudo, quanto a estas, os 20% (vinte por cento) máximos permitidos em lei. Leitura do art. 85, § 11, do CPC/2015. Apelação conhecida e provida.” (TJGO – AC 201193208181 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Alan S. de Sena Conceicao – DJe 12.09.2017 – p. 67)

8146 – União estável post mortem – ação de reconhecimento – relacionamento na constância do casamento válido

“Recurso de apelação cível. Ação de reconhecimento de união estável post mortem. Relacionamento na constância do casamento válido não atingido por separação de fato. Situação de concubinato. Impossibili-dade. Pedido julgado improcedente. Sentença confirmada. Recurso desprovido. 1. O STJ consagrou o en-tendimento de que a relação concubinária, paralela a casamento válido, não pode ser reconhecida como união estável, salvo se configurada separação de fato ou judicial entre os cônjuges. 2. Não comprovada a separação de fato do falecido com sua esposa, bem como o ânimo do de cujus em constituir família com a Apelante, inadmissível o reconhecimento da união estável, quando se tratar de concubinato.” (TJMT – Ap 64843/2017 – Relª Desª Maria Helena Gargaglione Póvoas – DJe 25.09.2017 – p. 92)

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Seção Especial – Parecer Jurídico

Sentido da Averbação Premonitória e o Alcance da Tutela Constitucional do Bem de Família (Inteligência do Artigo 828 do NCPC/2015)

AnTOnIO JAnyR DALL’AgnOL JunIORDesembargador Aposentado do TJRS, Professor da Escola da Ajuris, Advogado inscrito na OAB/RS sob o nº 5.693.

DAnIEL uSTáRROZProfessor Adjunto de Direito Civil na PUCRS, Doutor em Direito pela UFRGS, Advogado inscrito na OAB/RS sob o nº 51.548.

PARECER JURÍDICOSUMÁRIO: I – Da consulta; II – Dos fatos relevantes; III – Apresentação da decisão interlocutória agravada; IV – Sentido da averbação premonitória. Inteligência dos artigos 615-A do CPC/1973 e 828 do NCPC/2015; V – Alcance da proteção constitucional das pessoas, da “família” à luz da lei do bem de família (Lei nº 8.009/1990); VI – Abordagem do caso concreto à luz do regramento do bem de família. Valorização dos precedentes jurisprudenciais quanto ao tema; VII – Opinião legal.

I – DA CONSULTA

A Senhora Y. U., por meio de seus advogados, os eminentes Drs. Lourdes Helena Santos Silveiro e Marco Meimes, em demanda em que figuram como partes a C., M., A. e N., com a exibição de documentos que entende necessá-rios e suficientes (cópia integral dos autos), formula quesitos, questionando a melhor resolução, à luz do Direito, para o Agravo de Instrumento nº 5004792-64.2017.4.04.0000, em tramitação perante o egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Dos autos, percebe-se que se trata de execução lastreada em título exe-cutivo extrajudicial, promovida por C. em desfavor de M., A. e N., este último seu ex-cônjuge.

A consulente formula os seguintes quesitos:

1. Qual a finalidade da averbação premonitória, tipificada atualmente no art. 828 do NCPC (art. 615-A do CPC/1973)? É correto afirmar, do ponto de vista jurídico, que referida averbação é antecedente lógica da penhora? Hipoteticamente, há

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fundamentos para se manter uma averbação premonitória sobre um bem com-provadamente impenhorável na forma da lei?

2. O Capítulo “II” do petitório contido no Evento nº 65, na Execução de Título Extrajudicial nº 5003348-41.2014.4.04.7100/RS, em trâmite perante a 6ª Vara Federal de Porto Alegre/RS, formulado pela terceira interessada Y., refere que o imóvel objeto da matrícula nº 151.870, do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/RS, é bem de família de Y. Há documentos comprobatórios anexa-dos ao processo suficientes a demonstrar que o Apartamento Residencial nº 701 da Rua E., Porto Alegre/RS, é bem de família da peticionante Y., preenchendo os requisitos da sua impenhorabilidade da Lei nº 8.009/1990?

3. Tratando-se o referido apartamento de bem impenhorável na forma da lei, e tendo em vista a natureza jurídica da averbação premonitória prevista no art. 828 do NCPC, há necessidade de se aguardar uma eventual penhora do imóvel, para então se postular o cancelamento da averbação premonitória? Em que pese não haver impedimento à transferência de imóvel pendente deste tipo de averbação, em termos práticos há depreciação imobiliária ou outras consequências para fins de alienação do bem? É possível dizer que a manutenção de uma averbação premonitória (art. 828 do NCPC) sobre um bem de família pode causar prejuízos ao proprietário do imóvel?

4. A C., em relação à Execução de Título Extrajudicial nº 5003348-41.2014.4.04.7100/RS, em trâmite perante Vara Federal de Porto Alegre/RS, to-mou a providências descritas no § 1º do art. 828 do NCPC (§ 1º do art. 615-A do CPC/1973)? Qual o objetivo deste ônus legal?

5. Na mesma manifestação de Y., no Evento nº 65 da Execução de Título Extraju-dicial nº 5003348-41.2014.4.04.7100/RS, ela arguiu, entre outras questões, ha-ver excessividade de averbações premonitórias, haja vista que o débito à época da manifestação era de R$ 1.173.055,16, e já haveria averbações premonitórias suficientes a cobrir o valor do débito, como é o caso do imóvel de matrícula nº 22.430, do Registro de Imóveis de São Jerônimo, com valor avaliado em mé-dia de R$ 1.200.000,00, em que pese a Caixa Econômica Federal não tenha informado isso nos autos. Com base nessa constatação, há fundamentos jurídicos suficientes para o cancelamento das averbações premonitórias desta execução que pesam sobre os imóveis de matrículas nºs 151.870, 151.894 e 151.896, do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/RS? Qual o fundamento legal?

6. O Apartamento Residencial nº 701, da Rua E., Porto Alegre/RS, foi adquirido pelo então casal Y. e N. (já divorciados) em 11.11.2008. Em 17.03.2014, houve o registro do divórcio consensual e partilha de bens, através da qual o referido imóvel ficou pertencendo exclusivamente a Y. Analisando a escritura pública de partilha firmada em 28.02.2014, é possível afirmar que a partilha de bens entre o casal se deu de forma equitativa? Há fundamentos para configurar fraude à execução por qualquer motivo relacionado a esta partilha de bens, em relação à Execução de Título Extrajudicial nº 5003348-41.2014.4.04.7100/RS, em trâmite perante a 6ª Vara Federal de Porto Alegre/RS?

7. Caso hipoteticamente fosse desconsiderada a partilha de bens de N. e Y., e/ou sendo reconhecida a sua ineficácia em relação ao credor Caixa Econômica Fede-ral Execução de Título Extrajudicial nº 5003348-41.2014.4.04.7100/RS, de forma

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que 50% do bem – parte do Sr. N. – respondesse pela execução, ainda assim seria possível penhorar e/ou excutir/alienar judicialmente referido imóvel, tendo em vista sua configuração como bem de família de Y.? Qual o posicionamento mais abalizado dos tribunais superiores sobre o ponto?

Para a análise de sua indagação, é essencial fixar os fatos acertados pela decisão agravada, à luz dos autos do processo.

II – DOS FATOS RELEVANTES

A decisão interlocutória proferida pelo juízo de primeira instância, in-clusive com a complementação a partir do acolhimento dos embargos de de-claração, permite a identificação dos fatos relevantes para a formulação das respostas. Outrossim, há fatos incontroversos nos autos que merecem registro.

Consoante análise dos autos, em 20.01.2014, a C. ofereceu execução de título extrajudicial, tombada sob o nº 5003348-41.2014.404.7100, perante a Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Consta em sua petição inicial (Evento nº 1):

Em 25.02.2013, os executados firmaram com a exequente Cédula de Crédito Bancário – Crédito Especial Caixa Empresa – Parcelado – Taxa de Juros Flutuante nº 18.3711.737.0000001-59, mediante o qual pactuaram uma dívida no valor de R$ 986.000,00 (novecentos e oitenta e seis mil reais), para pagamento em parce-las sucessivas, com incidência de encargos contratuais sobre o saldo devedor. A quantia tomada em empréstimo pelos devedores foi creditada na conta corrente indicada no contrato (3711.003.70-0).

Conforme a documentação que acompanhou a petição inicial, verifica--se que o contrato mencionado foi assinado em 25 de fevereiro de 2013, no Município de Charqueadas/RS, pelas seguintes pessoas:

a) Na qualidade de devedora principal, M., representada pelos senho-res N. e A.;

b) Na condição de avalistas, os representantes legais N. e A.;

c) Como “cônjuges dos avalistas”, as senhoras Y. e F.

Após a celebração do contrato, segundo narrado pela exequente, teria havido parcial inadimplemento, daí a propositura da ação de execução.

Ocorre que a consulente (quando da celebração do primeiro contrato, era esposa de um dos sócios da empresa M.) formalizou o divórcio com o seu ex-marido N. em 19.12.2013.

E, ato contínuo, em 28.02.2014, foi lavrada a escritura pública para a partilha dos bens, no qual, grosso modo, foi acertado que a empresa (à época com ativos superiores ao seu passivo) ficaria com quem dela sempre cuidou (Sr. N.), e o bem de família e outros bens de reduzido valor (terrenos em Cidreira e salas em Cachoeirinha) ficariam com a Consulente Y.

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Digno de nota que a repartição dos bens, idealizada pelo casal, é seme-lhante ao que ocorre diuturnamente, quando demonstrado que um dos cônju-ges era o responsável direto pela empresa. Na prática, é muito comum o casal acordar que as quotas ficam com um dos cônjuges (que possui experiência na sua administração) e os demais bens, até a equalização do patrimônio, sejam di-rigidos ao outro cônjuge que nunca se envolveu na administração do negócio.

O cálculo dessa justa medida deve levar em conta a situação patrimonial da empresa, quando da ocorrência da separação de fato ou do divórcio, sendo irrelevante o seu futuro fracasso ou sucesso comercial, para efeito de penhora da meação do cônjuge inocente.

Da análise das datas acima, verifica-se que o divórcio foi formalizado antes mesmo da propositura da ação de execução, razão pela qual incorreu fraude a credores ou à execução1.

Igualmente, segundo o relato de C. (Evento nº 17 do processo de primei-ro de grau, na petição protocolada em 10.04.2014), houve a “repactuação da dívida”, após “extensa negociação”. Essa “negociação” teria ocorrido antes da citação dos devedores e foi noticiada nos autos.

Com efeito, foi celebrado “contrato particular de consolidação, confis-são, renegociação de dívida e outras obrigações” (número do contrato de rene-gociação 18.3711.690.0000005-74), em 04.04.2014.

Nesse segundo contrato, constam os seguintes sujeitos:

d) Na qualidade de devedora principal, M., representada pelos senho-res N. e A.;

e) Na condição de avalistas, os representantes legais N. e A.;

f) Como “cônjuge do avalista” A., a senhora F.

A Consulente não consta nesse segundo instrumento. Nele não se obser-va a sua qualificação, tampouco a sua assinatura, o que quiçá seja explicado pelo fato de que, quando da realização deste segundo negócio jurídico, a con-sulente já havia se divorciado de N., conforme escritura pública encartada aos autos, lavrada em 12.2013.

Na petição da C., a realidade foi assim descrita:

As partes litigantes, em 4 de abril de 2014, objetivando o adimplemento do crédi-to, firmaram instrumento no qual, em caráter excepcional, foi concedido o prazo de 120 meses para adimplemento. Com efeito, necessário referir que, no caso em tela, somente foi possível a repactuação da dívida após extensa negociação

1 “Agravo regimental em agravo de instrumento. Embargos de terceiro. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Averbação premonitória. Entendimento obtido da análise do conjunto fático-probatório. Impossibilidade de reexame. Aplicação da Súmula nº 7/STJ. Fraude à execução. Homologação de partilha decorrente da separação judicial antes do processo de execução. Fraude não configurada. Precedentes. Recurso improvido.” (AgRg-Ag 1245893/MT, 3ª T., Rel. Min. Massami Uyeda, J. 05.08.2010, DJe 20.08.2010)

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havida entre as partes, onde restou assentado que seria requerido a Vossa Exce-lência a suspensão do processo executivo, nos termos do art. 792 do Código de Processo Civil [...].

No “Evento nº 28”, observa-se determinação judicial de suspensão do feito, em “função do acordo celebrado” (16.05.2014).

Esse segundo negócio jurídico foi cumprido por mais de 2 anos, median-te o pagamento de aproximadamente 30 parcelas. Contudo, diante de novo inadimplemento, a credora postulou o prosseguimento da execução, atualizan-do os valores de acordo com a nova contratação. Desde então, prossegue a execução judicial, com amparo no valor que C. entende devido.

Em paralelo, o executado N. requereu a devolução das precatórias de citação (diante do comparecimento espontâneo do devedor nos autos) e o can-celamento das averbações premonitórias efetuadas pela C. em imóveis. Inicial-mente, o primeiro pedido é chancelado e o segundo é rejeitado pelo juízo de primeiro grau.

Justamente por essa razão, a Consulente (Sra. Y.) ingressa no feito em 10.03.2016 (Evento nº 65), na qualidade de terceira interessada, e postula o cancelamento da averbação lavrada sobre o seu bem de família, com funda-mento no art. 615-A (CPC/1973), a fim de proteger a sua moradia e de sua filha.

Seguiram decisões judiciais que serão registradas no próximo tópico.

III – APRESENTAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA AGRAVADA

O requerimento de cancelamento das averbações premonitórias foi en-frentado em duas oportunidades pelo juízo singular.

Inicialmente, houve o seu indeferimento, com a prolação de decisão com o seguinte texto:

Cumpre analisar pedido de levantamento de averbação premonitória sobre os imóveis de matrículas nºs 151.870, 151.984 e 151.896 do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre.

No Evento nº 65, a Sra. Y., por meio de advogado, peticionou narrando ter sido casada com o executado N., do qual se divorciou na data de 19.12.2013, juntan-do escritura pública de divórcio consensual. Sustenta que, em fevereiro de 2014, a CEF promoveu a averbação do art. 615-A do CPC sobre os imóveis de matrícu-las nºs 151.870, 151.984 e 151.896 do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre. Defende que tal imóvel, bem como os boxes, são de sua propriedade exclusiva, e que lhe servem de moradia, configurando seu bem de família sendo, portanto, impenhoráveis. Junta documentos (contas de luz, condomínio e carnê profissional) que defendem fazerem prova neste sentido. Aduz que o débito exe-cutado na presente demanda está suficientemente garantido por outro imóvel, de propriedade da empresa executada, sobre o qual se fez averbação premonitória

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na mesma oportunidade em que sobre o imóvel que ora se impugna. Acrescenta que tal anotação, embora não impossibilite a venda do imóvel, acaba tornando-a dificultosa, uma vez que gera a presunção absoluta de fraude à execução. Defen-de que a CEF descumpriu sua obrigação de informar o juízo acerca da efetivação das averbações.

Com vista, a CEF (Evento nº 71) defendeu a ilegitimidade da peticionante para alguns dos tópicos que questionara, bem como que elegeu a via processual ina-dequada, qual seja, simples petição, enquanto deveria tê-lo feito por meio de embargos de terceiro e, assim, cerceou o direito de defesa da exequente. Pontuou que a contagem do prazo de sua intimação para a presente manifestação não ob-servou o novo regramento processual. Sustentou ter se implementado a preclusão consumativa, uma vez que, em decorrência de debates no presente feito, estariam os devedores e os interessados cientes da subsistência do feito executivo em voga em momento muito anterior ao da petição do Evento nº 65. Informou já ter ha-vido decisão do TRF4, em agravo de instrumento ajuizado interposto de decisão tomada no presente feito, quanto ao levantamento das averbações premonitórias, indeferindo-os. Informa que a peticionante veio reclamar da averbação apenas dois anos após a sua efetivação, sendo que, quando lhe foi transferido o imóvel que defende ser exclusivamente seu, após o divórcio, tal anotação já constava da matrícula do bem. Giza, por fim, que, à época das averbações, o ora executado N. os titulava, uma vez que era casado com a Sra. Y. pela comunhão universal de bens e, ainda, que na escritura pública de divórcio consensual apenas se referiu a existência de bens, os quais seriam partilhados em momento futuro. Defende que a transferência da titularidade do bem para a esposa se deu em fraude à exe-cução. Por fim, acrescenta que os boxes não podem constituir bem de família.

É o relatório.

Vieram os autos conclusos.

Com relação à preliminar de inadequação da via eleita, por ter sido usada mera petição no lugar de embargos de terceiro, tenho que mera irregularidade formal, não comprometendo a finalidade do ato.

Tenho que a existência de coisa julgada de decisão proferida pelo TRF4 junto ao Agravo de Instrumento nº 5015944-17.2014.404.0000, que atacou decisão pro-ferida neste feito e buscava ver acolhido pedido de levantamento da averbação premonitória que ora se pleiteia, em decorrência de ter sido repactuada a dívida, já impediria reexame da questão.

Tal coisa julgada não resta afastada pela questão de ordem pública, que seria a alegação de o imóvel em questão se constituir bem de família, uma vez que, no presente caso, não cabe tal reconhecimento.

A instituição do imóvel como “bem de família” deu-se posteriormente à assunção da dívida pelo ex-marido da Sra. Y. Além do mais, os documentos juntados para fins de tal comprovação, conforme Evento nº 65, “out9”, datam de 07/2014, 1 e 2 de 2015, e 1, 2 e 3 de 2016, ou seja, datas posteriores à da implementação da averbação.

Ainda, que, apesar de a escritura pública de divórcio consensual ter sido cele-brada na data de 19 de dezembro de 2013, tal ato apenas referiu a existência de

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bens a serem partilhados, o que se daria em momento futuro. Assim, conforme se extrai da matrícula do imóvel, a notícia da presente execução foi averbada em 14 de fevereiro de 2014, sendo que a averbação do divórcio se deu em momento posterior, qual seja, 17 de março de 2014 e, nessa mesma data, se averbou a transmissão do imóvel decorrente do divórcio consensual, em que transmitente o condomínio de N. e Y., sendo adquirente esta última (conforme Evento nº 24, doc “matrimovel10”). Assim, tem-se que 50% da propriedade do imóvel, até a data da transmissão do mesmo para a ex-esposa, pertencia ao executado N. e, como tal transmissão se deu posteriormente ao ato da averbação, suposto reconheci-mento do bem de família não abarcaria a totalidade do imóvel. E eventual trans-ferência de tal bem, do devedor à sua ex-esposa, configuraria o instituto de fraude à execução, uma vez que se deu posteriormente a sua citação no presente feito executivo e, se cada cônjuge tivesse recebido partes iguais, a partilha constituiria ato meramente declarativo da propriedade, mas quando um recebe acima do que lhe caberia em sua meação (como no caso em tela, em que a ex-esposa ficou com a totalidade do imóvel, ocorre a transmissão de propriedade imobiliária).

Por todas as razões acima expostas, entendo pela manutenção das averbações premonitórias procedidas sobre os imóveis de matrículas nºs 151.870, 151.984 e 151.896 do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre.

Intimem-se as partes para que tenham vista, por 15 (quinze) dias, do presente despacho, e interponham, querendo, o recurso cabível.

Após, intime-se a exequente para que diga sobre o prosseguimento do feito, re-novando-se-lhe o prazo de 15 (quinze) dias para tanto.

A consulente opôs embargos de declaração, que foram acolhidos, para o fim de se cancelar as averbações premonitórias, nos seguintes termos:

Trata-se de decidir embargos de declaração opostos em face da decisão proferida no Evento nº 73.

Os embargos de declaração, de acordo com a legislação processual vigente, destinam-se à superação de omissões, obscuridades, dúvidas ou contradições na decisão.

A decisão proferida no Evento nº 73 entendeu pela manutenção das averbações premonitórias procedidas sobre os imóveis de matrículas nºs 151.870, 151.984 e 151.896 do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre.

Contudo, juntamente com os embargos de declaração, foi juntada no Evento nº 82 a escritura pública de partilha amigável de bens formalizada pelo executa-do N. e a ex-cônjuge Y.

Dessa forma, a decisão proferida no Evento nº 73 deve ser revista, considerando a juntada de referida escritura.

Analisando os autos, verifico que a Caixa Econômica Federal informou no Evento nº 17 que as partes da execução firmaram instrumento particular de negociação da dívida em 10.04.2014 e postulou a suspensão do processo, o que foi deferido por este Juízo conforme Evento nº 19.

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Contudo, a embargante postulou no presente feito, como terceira interessada, informando ser casada com um dos executados, o Sr. N., tendo se divorciado do mesmo em 19.12.2013, conforme se infere na Escritura Pública de Divórcio Consensual Direto (doc. 02), nunca tendo ela figurado como parte na presente execução de título extrajudicial.

Em fevereiro de 2014, ou seja, um mês após o ingresso da presente execução, a exequente CEF promoveu a averbação de que trata o art. 615-A do CPC, entre outros bens, sobre os imóveis descritos nas matrículas nºs 151.870, 151.894 e 151.896, do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/RS.

Como se sabe, a averbação do ajuizamento da execução à margem do registro pú-blico (também conhecida como averbação premonitória), prevista no art. 615-A do Código de Processo Civil, permite, mesmo quando ainda não realizada a constrição judicial nos bens do executado (penhora), o conhecimento de ter-ceiros acerca da existência da demanda executiva, visando a proteção legal aos bens passíveis de satisfazer seu crédito. Uma vez que, efetivada a averbação, será efetivada, também, a publicidade perante terceiros do ajuizamento da execução.

Contudo, a referida averbação não se equivale à penhora, não gerando crédito preferencial a parte exequente. Trata-se de simples anotação para afastar futura alegação de boa-fé do terceiro adquirente.

Entretanto, os cônjuges podem dispor dos bens, independentemente dessa aver-bação. Analisando a escritura de partilha de amigável juntada pela embargante, verifico que os bens foram partilhados entre o casal.

Não sendo a embargante parte nesse processo, não deverão seus bens servirem de garantia à presente execução.

Dessa forma, entendo que as averbações premonitórias realizadas pela Caixa perante as matrículas nºs 151.870, 151.894 e 151.896, do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/ RS deverão ser canceladas.

Esclareça a CEF que eventuais direitos da exequente não estão prejudicados, con-siderando a existência de bens em nome do executado, conforme partilha, sendo sobre esses bens que deverá ser requerida eventual penhora, em caso de descum-primento do acordo formulado entre as partes.

Ainda não há que se falar em fraude à execução, tendo em vista a existência de bens em nome do executado.

Quanto ao imóvel matrícula nº 22.430 do Registro de Imóveis de São Jerônimo e o pedido formulado no Evento nº 84, indefiro o requerido, considerando que não foi noticiado no processo o descumprimento do acordo realizado.

Intimem-se as partes da presente decisão e a CEF, inclusive, para que proceda ao cancelamento das averbações premonitórias realizadas perante as matrículas nºs 151.870, 151.894 e 151.896, do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/RS.

Com base nesse contexto fático, pacífico nos autos, indaga a consulente se essa decisão foi acertada e se o agravo de instrumento deduzido pela Caixa Econômica Federal merece provimento. As suas respostas demandam a análise

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do papel desempenhado pelo art. 615-A do Código de Processo Civil de 1973, à época vigente.

IV – SENTIDO DA AVERBAÇÃO PREMONITÓRIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 615-A DO CPC/1973 E 828 DO NCPC/2015

Como sabido, a Lei nº 11.382/2006 alterou dispositivos relativos ao pro-cesso de execução do Código de Processo Civil de 1973. Dentre as modifica-ções, foi incluída a previsão do art. 615-A, com o seguinte texto:

O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

§ 1º O exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relati-vas àqueles que não tenham sido penhorados.

§ 3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).

§ 4º O exequente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2º do art. 18 desta lei, processando-se o inci-dente em autos apartados.

§ 5º Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.

A função dessa “inovação processual” era viabilizar a penhora futura. Daí a doutrina apontar que qualquer imóvel penhorável pode ser alvo da medi-da: “O CPC/2015, em seu art. 828, admite a averbação da admissão da execu-ção pelo juiz no registro público de qualquer bem penhorável”2.

A esse respeito, Rita de Cassia Conte Quartieri assinala que, embora a finalidade da averbação premonitória seja “assegurar patrimônio para o ato de penhora”, nada impede que outros bens sejam preferidos para a satisfação do crédito:

Sua função é assegurar patrimônio para o ato de penhora, não individualizando bens e nem estabelecendo vinculação para o ato constritivo, uma vez que ficará ao juízo do exequente promover a penhora sobre outros bens.3

2 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 1110.

3 Comentários ao Código de Processo Civil. In: ALVIM, Angélica Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Org.). São Paulo: Saraiva, 2016. p. 941.

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Por essa razão, afirmam Daniel Mitidiero, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart que o exequente tem o dever de providenciar o cancela-mento das averbações, diante da penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor executado:

Como a finalidade da averbação é a preservação do patrimônio do demandado para imediata ou futura execução, formalizada a penhora ou arresto sobre bens suficientes para cobrir a expressão pecuniária do direito do demandante, tem o exequente o dever de providenciar o cancelamento das averbações sobressalen-tes, prazo de dez dias.4

Ponderava, ainda, Humberto Theodoro Júnior que

os bens afetados pela averbação não poderão ser livremente alienados pelo de-vedor. Não que ele perca o poder de dispor, mas porque sua alienação pode frustrar a execução proposta. Trata-se de instituir um mecanismo de ineficácia relativa. A eventual alienação será válida entre as partes do negócio, mas não poderá ser oposta à execução, por configurar hipótese de fraude nos termos do art. 539, como prevê o § 3º do art. 615-A. Não obstante, a alienação substituirá a responsabilidade sobre o bem, mesmo tendo sido transferido para o patrimônio de terceiro.5

Nessa linha, alude o Professor Araken de Assis ao fato de que a averba-ção possuirá eficácia erga omnes6.

A norma do art. 615-A do CPC/1973 foi recepcionada pelo art. 828 do NCPC, que assim dispôs:

Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

§ 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comu-nicar ao juízo as averbações efetivadas.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averba-ções relativas àqueles não penhorados.

§ 3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requeri-mento, caso o exequente não o faça no prazo.

4 Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 782.

5 A reforma da execução do título extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 33.

6 Refere Araken de Assis: “E, por outro lado, averbada a pendência da execução deferida pelo juiz, como exige o art. 828, dispensável a própria citação, talvez ainda não realizada por vicissitudes práticas. Se essa interpretação vingará, ou não, só a aplicação do NCPC demonstrará no decorrer do tempo, mas não se pode negar a eficácia erga omnes da averbação” (Manual da execução. 18. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 385).

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§ 4º Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efe-tuada após a averbação.

§ 5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não can-celar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando--se o incidente em autos apartados.

Houve pontuais alterações. A mais nítida reside na viabilidade da aver-bação a partir de sua admissão pelo juiz (e não mais desde o momento de sua distribuição, como constava no diploma revogado)7.

O novel dispositivo é interpretado por Araken de Assis de forma sistemá-tica. Alerta o autor para as previsões contidas no Código de Processo Civil e na legislação especial quanto ao regime da impenhorabilidade:

Deferida a execução pelo órgão judiciário, o art. 828, caput, autoriza o exequen-te a obter certidão, que identificará as partes e o valor da causa, procedendo em seguida à averbação no registro de imóveis, de veículo ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade, ou seja, dos bens sujeitos à responsa-bilidade patrimonial do art. 789. É descabida, v.g., a averbação à margem da matrícula do imóvel residencial do executado (art. 1º da Lei nº 8.009/1990) ou do veículo usado profissionalmente (art. 833, V). Essa limitação controla a ativi-dade do exequente. Responderá perante o executado, procedendo a averbação manifestamente indevida, nos termos do art. 828, § 2º, e, de sorte, a averbação deverá ser cancelada, no prazo de dez dias, relativamente aos bens penhorados (art. 828, § 2º).8

À luz do exposto, conclui-se que: (a) a finalidade da averbação premo-nitória é assegurar a penhora futura, para a satisfação do crédito e (b) não há sentido em se admitir que a averbação recaia sobre bens que não possam ser alcançados pela execução, como é o caso do bem de família, abaixo analisado.

V – ALCANCE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DAS PESSOAS, DA “FAMÍLIA” À LUZ DA LEI DO BEM DE FAMÍLIA (LEI Nº 8.009/1990)

A responsabilidade patrimonial das pessoas, em nosso direito, encontra limites fixados pela Constituição Federal e pela legislação ordinária.

No âmbito constitucional, devem ser lembrados:

7 Agrega Araken de Assis: “Importam, porquanto, dois aspectos: (a) a averbação prevista no art. 828, caput, pressupõe o deferimento da execução pelo órgão judicial, na execução fundada em título extrajudicial, ato materializado na ordem de citação (art. 828, caput), e, portanto excepciona o efeito da litispendência geralmente relacionado à fraude contra execução (retro, 52.1); (b) o art. 828, § 4º, presume a fraude dos negócios jurídicos dispositivos do executado após a averbação. O ato registral surte efeito erga omnes, mas só o titular da averbação pode invocar a ineficácia do negócio” (Manual da execução. 18. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 392).

8 Manual da execução. 18. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 391.

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(a) a dignidade da pessoa humana e a proteção do mínimo existencial (art. 1º9);

(b) a proteção das famílias (art. 22610); e

(c) direito fundamental à moradia (art. 6º11).

Como destaca Cândido Rangel Dinamarco, a densificação desses princí-pios constitucionais demanda a atuação do Poder Judiciário, pelo direito pro-cessual:

O processo que nos serve hoje há de ser o espelho e salvaguarda dos valores in-dividuais e coletivos que a ordem constitucional vigente entende de cultuar. Os princípios que ela inclui não podem ter no presente a mesma extensão e signifi-cado de outros tempos e regimes políticos, apesar de eventualmente inalterada a formulação verbal. O que há de perene nos princípios é a ideia-mestra que cada um contém; e eles são sujeitos a variações histórico-culturais e políticas no tempo e no espaço, no tocante à sua extensão e à interpretação que merecem dentro de cada sistema constitucional.12

Nesse sentido, por ilustração, colhem-se as seguintes orientações na ju-risprudência do Superior Tribunal de Justiça:

(a) “a garantia constitucional de moradia realiza o princípio da dignidade da pes-soa humana (arts. 1º, III, e 6º da Constituição Federal)” (REsp 1271277/MG, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Cueva, J. 15.03.2016, DJe 28.03.2016);

(b) “a proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990, con-sectária da guarida constitucional e internacional do direito à moradia, não tem como destinatária apenas a pessoa do devedor. Protege-se também sua família, quanto ao fundamental direito à vida digna. Assim, a determinação judicial de que, mediante desconsideração da personalidade jurídica da empresa falida, fos-sem arrecadados bens protegidos pela Lei nº 8.009/1990 traduz-se em respon-sabilização não apenas dos sócios pelo insucesso da empresa, mas da própria

9 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana [...].”

10 “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

11 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

12 A instrumentalidade do processo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 30.

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entidade familiar, que deve contar com especial proteção do Estado por impe-rativo constitucional (art. 226, caput)” (REsp 1433636/SP, 4ª T., Min. Luis Felipe Salomão, J. 02.10.2014, DJe 15.10.2014);

(c) “O art. 1º da Lei nº 8.009/1990 estabelece que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável, ressalvadas as hipóteses ex-cepcionais previstas no próprio diploma legal. O preceito é de ordem pública e deve ser interpretado de modo a conferir máxima efetividade ao direito social à moradia (art. 6º da CF/1988) e à norma que impõe ao Estado o dever de proteger a família, base da sociedade (art. 226 da CF/1988)” (REsp 1487028/SC, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 13.10.2015, DJe 18.11.2015).

No que toca especificamente à proteção do bem de família, sobreveio a Conversão da Medida Provisória nº 143, de 1990, na Lei nº 8.009/1990, estipu-lando os seus requisitos e os limites de sua invocação em nosso direito.

A travessia do mandamento constitucional para a legislação ordinária é bem explicada por Rolf Madaleno:

A Constituição Federal de 1988 cuidou de assegurar especial proteção estatal à família (art. 226), constituindo-se a moradia em um direito social prioritário e de dignificação mínima da pessoa (art. 6º), por ser a casa asilo inviolável do cidadão (art. 5º, XI). A moradia, como expressão e garantia constitucional da dignidade humana, passou a ter valor maior e sobreposto ao direito meramente patrimonial.

Sob o prisma constitucional de prevalência do valor humano sobre o direito de propriedade, o abrigo familiar não pode mais ser visto como reserva de capital e garantia patrimonial, mas deve ser reconhecido em razão da sua finalidade social, de realização de direitos humanos e de elementar necessidade, no propó-sito de preservar uma moradia familiar, ou mesmo de uma só, conforme restou, inclusive, enunciado pelo STJ na Súmula nº 364. [...]

Desimporta ao Direito seja este bem destinado apenas à moradia familiar e não produza riquezas, tendo em conta ter por função a mera fruição e de atender à satisfação das necessidades humanas básicas. Contudo, não há de ser confundido o direito de propriedade com o de moradia, porque moradia “ocupa lugar similar ao direito à alimentação e, portanto, integra aquilo que na esfera internacional tem sido designado de um direito a um adequado padrão de vida”. [...]

A Lei nº 8.009/1990 emerge na esteira da nova ordem jurídica da Constituição Federal de 1988, para conferir proteção à moradia da entidade familiar, esta constituída pelo casamento, pela união estável ou proveniente da família mo-noparental, e dentro do espectro de proteção inclui os móveis que guarnecem a residência, interpretando a jurisprudência brasileira se tratar de bens necessários à uma vida digna e esta, não se limita à morada vazia e destituída de móveis e utensílios essenciais às praticidades e necessidades de uma habitação e ao mí-nimo de conforto, como também daqueles que proporcionam lazer e bem-estar.

E os tribunais têm paulatinamente alargado essa proteção do bem de família, ao reconhecerem como igualmente destinatários do bem de família as pessoas sol-teiras, aquelas que convivem em uniões homoafetivas e todos aqueles que vivem

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na mesma residência sem externarem forçosamente uma entidade familiar, como na hipótese de irmãos morando na mesma casa.

As expressões “casal” ou “entidade familiar” devem ser interpretadas de forma a recolher indistintamente todas as pessoas que integram ou possam integrar uma organização familiar, como prescreve o art. 170 da Constituição Federal ao tratar de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social da propriedade”, não podendo ser olvidado na aplicação sistemática dos direitos fundamentais da pessoa a intelecção do art. 5º, caput, da Carta Política de 1988, ao estabelecer que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”.13

Como diagnosticado na citação acima, o grande objetivo da legislação é proteger as pessoas. Daí anotar Helenira Bachi Coelho que

o fundamento da impenhorabilidade é evitar que o devedor seja levado a uma situação incompatível com a dignidade humana, dando maior proteção ao in-divíduo que se encontra em situação econômica desfavorável, ainda que tenha sido o causador dessa situação. Visa à proteção dos bens necessários e úteis à manutenção da dignidade humana, sendo que, em relação ao bem de família, a lei apresenta caráter mais amplo, cujo objetivo é proteger a família do devedor, assegurando um lugar para residir.14

Agrega a autora que,

com advento da lei supracitada, a entidade familiar passou a gozar da proteção legal do imóvel residencial, como reflexo da garantia constitucional à moradia, estampada no art. 3º, I, da CF/1988, decorrente da dignidade da pessoa, do mí-nimo essencial. A preservação da dignidade da pessoa humana e do mínimo essencial é o fundamento elementar do instituto da impenhorabilidade, inclusive da Lei nº 8.009/1990, que, no processo de realização do crédito, concorre com o princípio universal da sujeição do patrimônio às dívidas, disposto no art. 5º, LIV

e LXVII, da CF.15

Irá concluir a autora que

a lei não se dirige unicamente às famílias em seu sentido clássico de conceitu-ação, mas a todos os cidadãos, pois é dotada e legitimidade pelo sentido social que traz em si. Partindo dos fundamentos constitucionais do instituto da impe-

13 Curso de direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1057-1058.

14 Da impenhorabilidade do imóvel de residência do celibatário. Limitação à coerção patrimonial. In: Instrumentos de coerção e outros temas de direito processual civil. TESHEINER, José Maria Rosa; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; PORTO, Sérgio Gilberto (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 269.

15 Da impenhorabilidade do imóvel de residência do celibatário – Limitação à coerção patrimonial. In: COELHO, Helenira Bachi; TESHEINER, José Maria Rosa; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; PORTO, Sérgio Gilberto (Coords.). Instrumentos de coerção e outros temas de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 274.

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nhorabilidade, admitir que a lei apenas se destina a defender o bem da família tradicional estar-se-ia a negar a dignidade e a moradia aos outros cidadãos.16

Seguindo essa linha evolutiva, o Código Civil de 2003 estabeleceu, no art. 1721, que a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de famí-lia, reforçando o seu sentido protetivo17.

Dentro dessas premissas, é coerente afirmar que a ocorrência do divórcio de forma alguma elimina ou prejudica a proteção do bem de família. A rigor, em face das naturais dificuldades, inclusive de natureza econômica, que an-tecedem e sucedem o divórcio, o ideal seria inclusive reforçá-la, para melhor proteger as pessoas.

Dos autos, observa-se que existem documentos comprobatórios do paga-mento de despesas ordinárias de uma moradia (Evento nº 65), tais como:

a) boleto e comprovante de pagamento de condomínio;

b) boleto e comprovante de pagamento de energia elétrica;

c) boleto emitido pela operadora de plano de saúde;

d) guia da Previdência Social;

e) boleto de pagamento de anuidade do Conselho de Psicologia.

Em todos os documentos citados, consta o nome da consulente (Sra. Y.) como titular. Esses documentos, data venia, são suficientes para a demonstração de que a consulente reside no imóvel e, portanto, merece a proteção de seu bem de família.

No caso concreto, à luz dos documentos contidos nos autos, em espe-cial aqueles constantes no Evento nº 65, conclui-se que o imóvel (matrícula nº 151.870 do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre) está protegido pela Lei nº 8.009/1990, uma vez que a consulente e a sua filha nele residem e dele precisam para garantir uma existência digna.

VI – ABORDAGEM DO CASO CONCRETO À LUZ DO REGRAMENTO DO BEM DE FAMÍLIA. VALORIZAÇÃO DOS PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS QUANTO AO TEMA

A resposta aos derradeiros quesitos passa pela análise da jurisprudência dos temas invocados pela consulente.

Em relação ao tema da impenhorabilidade do bem de família, orienta-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pelo critério teleológico, espe-

16 Op. cit., p. 276.

17 Reza a norma: “Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal”.

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cialmente após o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 182.223/SP (no qual se ampliou a proteção legal para também os “devedores solteiros e solitários”)18.

Por conseguinte, referem os julgados que

a proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990, ao instituir a sua impenhorabilidade, objetiva a proteção da própria família ou da entidade familiar, de modo a tutelar o direito constitucional fundamental da moradia e assegurar um mínimo para uma vida com dignidade dos seus componentes.19

Decorrem dessa premissa diversas orientações, dentre as quais: (a) a na-tureza publicística do tema, com o reconhecimento do nítido interesse social; (b) a irrelevância do valor econômico do bem para se deferir a proteção legal20;

18 “Processual. Execução. Impenhorabilidade. Imóvel. Residência. Devedor solteiro e solitário. Lei nº 8.009/1990. A interpretação teleológica do art. 1º da Lei nº 8.009/1990 revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido no art. 1º da Lei nº 8.009/1990, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário.” (STJ, EREsp 182.223/SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rel. p/o Ac. Min. Humberto Gomes de Barros, J. 06.02.2002, DJ 07.04.2003, p. 209)

19 REsp 1422466/DF, 3ª T., Rel. Min. Moura Ribeiro, J. 17.05.2016, DJe 23.05.2016.

20 “Recurso especial. Cumprimento de sentença em ação de cobrança por despesas de manutenção e melhorias de loteamento. Pretensão de penhora do único bem de propriedade da executada sob a alegação de tratar- -se de imóvel de luxo (alto valor). Tribunal a quo que manteve o indeferimento do pedido de penhora da unidade habitacional individual ante o não enquadramento nas hipóteses de exceção à aludida garantia (impenhorabilidade). Irresignação do exequente. Hipótese: controvérsia envolvendo a possibilidade de reinterpretação do instituto da impenhorabilidade do bem de família com vistas a alargar as hipóteses limitadas, restritas e específicas de penhorabilidade descritas na legislação própria, ante a arguição de que o imóvel é considerado de alto valor. 1. O bem de família obrigatório está disciplinado na Lei nº 8.009/1990 e surgiu com o objetivo de proteger a habitação da família, considerada, pela Constituição brasileira, elemento nuclear da sociedade. 2. Em virtude do princípio da especificidade lex specialis derogat legi generali, prevalece a norma especial sobre a geral, motivo pelo qual, em virtude do instituto do bem de família ter sido especificamente tratado pelo referido ordenamento normativo, é imprescindível, tal como determinado no próprio diploma regedor, interpretar o trecho constante do caput do art. 1º ‘salvo nas hipóteses previstas nesta lei’, de forma limitada. Por essa razão, o entendimento do STJ é pacífico no sentido de que às ressalvas à impenhorabilidade ao bem de família obrigatório é sempre conferida interpretação literal e restritiva. Precedentes. 3. A lei não prevê qualquer restrição à garantia do imóvel como bem de família relativamente ao seu valor, tampouco estabelece regime jurídico distinto no que tange à impenhorabilidade, ou seja, os imóveis residenciais de alto padrão ou de luxo não estão excluídos, em razão do seu valor econômico, da proteção conferida aos bens de família consoante os ditames da Lei nº 8.009/1990. 4. O momento evolutivo da sociedade brasileira tem sido delineado de longa data no intuito de salvaguardar e elastecer o direito à impenhorabilidade ao bem de família, de forma a ampliar o conceito e não de restringi-lo, tomando como base a hermenêutica jurídica que procura extrair a real pretensão do legislador e, em última análise, a própria intenção da sociedade relativamente às regras e exceções aos direitos garantidos, tendo sempre em mente que a execução de crédito se realiza de modo menos gravoso ao devedor consoante estabelece o art. 620 do CPC/1973, atual 805 no NCPC. 5. A variável concernente ao valor do bem, seja perante o mercado imobiliário, o Fisco, ou ainda, com amparo na subjetividade do julgador, não afasta a razão preponderante justificadora da garantia de impenhorabilidade concebida pelo legislador pelo regime da Lei nº 8.009/1990, qual seja, proteger a família, garantindo-lhe o patrimônio mínimo para sua residência. 6. Na hipótese, não se afigura viável que, para a satisfação do crédito, o exequente promova a penhora, total, parcial ou de percentual sobre o preço do único imóvel residencial no qual comprovadamente reside a executada e sua família, pois, além de a Lei nº 8009/90 não ter previsto ressalva ou regime jurídico distinto em razão do valor econômico do bem, questões afetas ao que é considerado luxo, grandiosidade, alto valor estão no campo nebuloso da subjetividade e da ausência

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c)a resolução de eventuais dúvidas em favor da família (e não dos credores)”21; (d) interpretação restritiva das exceções legais22 etc.

Justamente por esta finalidade, qual seja, a de assegurar o mínimo exis-tencial das pessoas, blindando a sua moradia da execução de dívidas, o Supe-rior Tribunal de Justiça considera irrelevante o fato de os ex-cônjuges terem (ou não) registrado a sentença de divórcio em cartório, para efeito de viabilizar a proteção legal23.

Por fim, em relação à possibilidade de fracionamento do bem de família, à luz do ideal constitucional de não deixar as famílias em desabrigo, inclina-

de parâmetro legal ou margem de valoração. 7. Recurso especial desprovido.” (REsp 1351571/SP, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/o Ac. Min. Marco Buzzi, J. 27.09.2016, DJe 11.11.2016)

21 “Esta Corte Superior tem conferido a mais ampla proteção ao bem de família, promovendo, sempre que possível, a interpretação do art. 3º da Lei nº 8.009/1990 mais favorável à entidade familiar, inclusive entendendo que a questão é matéria de ordem pública, suscetível de análise a qualquer tempo e grau de jurisdição.” (AgRg-EDcl-REsp 1494394/SP, 3ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 16.06.2016, DJe 23.06.2016)

22 “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Civil e processual civil. Ação monitória. Cheque prescrito. Penhora de bem de família. Impenhorabilidade absoluta. 1. A proteção conferida ao instituto de bem de família é princípio concernente às questões de ordem pública, não se admitindo nem mesmo a renúncia por seu titular do benefício conferido pela lei, sendo possível, inclusive, a desconstituição de penhora anteriormente feita. 2. A jurisprudência do STJ tem, de forma reiterada e inequívoca, pontuado que o benefício conferido pela Lei nº 8.009/1990 trata-se de norma cogente, que contém princípio de ordem pública, e sua incidência somente é afastada se caracterizada alguma hipótese descrita no art. 3º da Lei nº 8.009/1990, o que não é o caso dos autos. 3. A finalidade da Lei nº 8.009/1990 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas visa à proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo, motivo pelo qual as hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg-AREsp 537.034/MS, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, J. 26.08.2014, DJe 01.10.2014)

23 “Agravo regimental. Recurso especial. Porte de remessa e retorno. Recolhimento. Julgamento antecipado da lide. Dilação probatória. Prescindibilidade. Reexame de provas. Impossibilidade. Súmula nº 07/STJ. Audiência de conciliação. Ausência de intimação do agravante e do Ministério Público. Prejuízo. Inexistência. Separação judicial. Formação de nova entidade familiar. Bem de família. Proteção. Registro da sentença de separação judicial. Desnecessidade. Análise de violação a dispositivo constitucional. Impossibilidade. Lei nº 8.009/1990. Aplicabilidade às penhoras anteriores a sua vigência. Súmula nº 205/STJ. 1. Reconsideração da decisão recorrida, em face da comprovação do recolhimento oportuno do porte de remessa e retorno, enfrentando-se as demais alegações do recurso. 2. Reconhecimento pelo acórdão recorrido de duas questões de fato: (a) desnecessidade de dilação probatória para o desate da lide; (b) residência da recorrida no imóvel quando da penhora. Impossibilidade de reforma do julgado em sede de recurso especial, pois demandaria o reexame das provas constantes dos autos, providência vedada pela Súmula nº 07/STJ. 3. ‘A não realização da audiência de conciliação não importa nulidade do processo, notadamente em face de não ter havido instrução probatória e do fato de que a norma contida no art. 331 do CPC visa a dar maior agilidade ao processo, podendo as partes transigir a qualquer momento’ (REsp 611.920/PE, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 19.08.2010). 4. Por força da separação judicial, cada cônjuge separando constitui uma nova entidade familiar, passando a ser sujeito da proteção da Lei nº 8.009/1990. Precedentes. 5. O bem atribuído a um dos cônjuges, após a dissolução da sociedade conjugal, não é alcançado por penhora em execução movida contra seu ex-cônjuge, sendo irrelevante o fato de não ter sido registrada a sentença de separação judicial. Precedentes. 6. Refoge à competência deste Superior Tribunal de Justiça, a quem a Carta Política confia a tarefa de unificação do direito federal, apreciar violação a dispositivo constitucional. 7. ‘A Lei nº 8.009/1990 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência’ (Súmula nº 205/STJ). 8. Inocorrência de nulidade, no caso, por ausência de intimação do Ministério Público. Atendido o interesse dos menores, com o acolhimento dos embargos de terceiro e a consequente preservação de sua moradia, não se vislumbra prejuízo em face da ausência de intimação do Parquet para a audiência de conciliação. 9. Agravo regimental provido e agravo de instrumento conhecido, mas desprovido.” (AgRg-REsp 240.934/ES, 3ª T., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 21.10.2010, DJe 19.11.2010)

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-se a melhor orientação jurisprudencial por rejeitar qualquer tipo de divisão do bem de família que possa compreender o cumprimento de sua função social: a moradia.

Como destacou o insigne Ministro Luis Felipe Salomão, “a proteção instituída pela Lei nº 8.009/1990, quando reconhecida sobre metade de imóvel relativa à meação, deve ser estendida à totalidade do bem, porquanto o escopo precípuo da lei é a tutela não apenas da pessoa do devedor, mas da entidade familiar como um todo, de modo a impedir o seu desabrigo, ressalvada a possibilidade de divi-são do bem sem prejuízo do direito à moradia”.24 (REsp 1227366/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 21.10.2014, DJe 17.11.2014)

Essa orientação, no sentido de que a impenhorabilidade da fração de imóvel indivisível contamina a totalidade do bem, consta de inúmeros prece-dentes, valendo destacar os seguintes:

Processual civil. Recurso especial. Embargos do devedor. Bem de família. Legi-timidade ad causam. Reconhecimento do pedido. Responsabilidade pelos ônus da sucumbência. Parte que deu causa à demanda. 1. A Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram sub-metidas. O teor do acórdão recorrido resulta de exercício lógico, estando man-tida a pertinência entre os fundamentos e a conclusão. 2. A finalidade da Lei nº 8.009/1990 não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas sim abrigar a família, evitando a sua desarticulação. Por isso, ainda que a penhora tenha recaído tão somente sobre a metade do bem perten-cente ao executado, tem ele legitimidade para manejar embargos de devedor, visando à desconstituí-la sobre a totalidade do imóvel constrito, uma vez que a

24 Íntegra da ementa: “Processo civil. Lei nº 8.009/1990. Recurso especial. Doação do imóvel à filha. Não configuração de fraude à execução. Impenhorabilidade do bem de família. Bem incindível. Impenhorabilidade da totalidade do bem. 1. A impenhorabilidade do bem de família, via de regra, sobrepõe-se à satisfação dos direitos do credor, ressalvadas as situações previstas nos arts. 3º e 4º da Lei nº 8.009/1990, os quais devem ser interpretados restritivamente. Precedentes. 2. O reconhecimento da ocorrência de fraude à execução e sua influência na disciplina do bem de família deve ser aferida casuisticamente, de modo a evitar a perpetração de injustiças – deixando famílias ao desabrigo – ou a chancelar a conduta ardilosa do executado em desfavor do legítimo direito do credor, observados os parâmetros dos arts. 593, II, do CPC ou 4º da Lei nº 8.009/1990. 3. Quando se trata da alienação ou oneração do próprio bem impenhorável, nos termos da Lei nº 8.009/1990, entende-se pela inviabilidade – ressalvada a hipótese prevista no art. 4º da referida lei – de caracterização da fraude à execução, haja vista que, consubstanciando imóvel absolutamente insuscetível de constrição, não há falar em sua vinculação à satisfação da execução, razão pela qual carece ao exequente interesse jurídico na declaração de ineficácia do negócio jurídico. Precedentes. 4. O parâmetro crucial para discernir se há ou não fraude contra credores ou à execução é verificar a ocorrência de alteração na destinação primitiva do imóvel – qual seja, a morada da família – ou de desvio do proveito econômico da alienação (se existente) em prejuízo do credor. Inexistentes tais requisitos, não há falar em alienação fraudulenta. 5. No caso, é fato incontroverso que o imóvel litigioso, desde o momento de sua compra – em 31.05.1995 –, tem servido de moradia à família mesmo após a separação de fato do casal, quando o imóvel foi doado à filha, em 02.10.1998, continuando a nele residir, até os dias atuais, a mãe, os filhos e o neto; de forma que inexiste alteração material apta a justificar a declaração de ineficácia da doação e a penhora do bem. 6. A proteção instituída pela Lei nº 8.009/1990, quando reconhecida sobre metade de imóvel relativa à meação, deve ser estendida à totalidade do bem, porquanto o escopo precípuo da lei é a tutela não apenas da pessoa do devedor, mas da entidade familiar como um todo, de modo a impedir o seu desabrigo, ressalvada a possibilidade de divisão do bem sem prejuízo do direito à moradia. Precedentes. 7. Recurso especial provido” (REsp 1227366/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 21.10.2014, DJe 17.11.2014).

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insurgência está calcada na impenhorabilidade do bem de família, imóvel onde reside sua ex-mulher e filha. Precedentes. 3. O entendimento perfilhado por esta Corte, caso haja extinção do processo por reconhecimento do pedido, tal como ficou estabelecido pelo acórdão recorrido, é no sentido de que os honorários de sucumbência serão imputados à parte que deu causa à instauração da lide, na forma do art. 26 do CPC. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e não pro-vido. (STJ, REsp 831.553/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 19.05.2011, DJe 26.05.2011)

Agravo regimental no recurso especial. Embargos de terceiro. Bem de família. Imóvel indivisível. Impenhorabilidade. Integralidade do bem. Fundamentos insu-ficientes para reformar a decisão agravada. 1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental. 2. O imóvel in-divisível protegido pela impenhorabilidade do bem de família deve sê-lo em sua integralidade, sob pena de tornar inócua a proteção legal. Precedentes desta Cor-te. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg-REsp 293.792/SP, 3ª T., Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJRS), J. 03.05.2011, DJe 11.05.2011)

Civil. Bem de família. O imóvel em que reside a ex-esposa e os filhos do devedor tem o caráter de bem de família, merecendo a proteção legal da Lei nº 8.009, de 1990. A impenhorabilidade da meação impede que a totalidade do bem seja alienada em hasta pública. Recurso especial conhecido e provido para julgar procedentes os embargos de terceiro. (STJ, REsp 931.196/RJ, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, J. 08.04.2008, DJe 16.05.2008)

Civil e processo civil. Recurso especial. Bem indivisível. Fração de imóvel im-penhorável. Alienação em hasta pública. Possibilidade. A impenhorabilidade da fração de imóvel indivisível contamina a totalidade do bem, impedindo sua alie-nação em hasta pública. A Lei nº 8.009/1990 estabeleceu a impenhorabilidade do bem de família com o objetivo de assegurar o direito de moradia e garantir que o imóvel não seja retirado do domínio do beneficiário. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 507.618/SP, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 07.12.2004, DJ 22.05.2006, p. 192)

Pelo exposto, conclui-se que o bem de família, no caso dos autos, é indivisível.

VII – OPINIÃO LEGAL

Do que foi exposto, respondemos aos questionamentos apresentados da seguinte forma:

1) A finalidade da “averbação premonitória” (art. 615-A do CPC/1973 e art. 828 do CPC/2015) é assegurar a satisfação do credor através da identificação de um bem do devedor passível de futura penhora. Logo, não há sentido (tampouco seria lícita à luz de nosso direito) a utilização da “averbação premonitória”, ou a sua manutenção, dian-te de um bem impenhorável;

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2) À luz da prova documental encartada aos autos (faturas referentes aos serviços de fornecimento de luz, água, telefonia, despesas condomi-niais, em que figuram como devedores a consulente e a sua filha), conclui-se que estão preenchidos os requisitos da Lei nº 8.009/1990, pois o imóvel localizado na Rua E. lhes serve de moradia, desde 2009;

3) A caracterização do bem de família justifica o cancelamento da averbação premonitória, competindo ao credor dita diligência ou ao magistrado, diante de sua eventual resistência, na medida em que a averbação, além de ilegal e inútil, prejudica a plena fruição do bem por seu titular;

4) Consoante análise dos autos, não se visualiza o cumprimento do § 1º do art. 828, por parte do credor. Essa norma tem por finalidade pos-sibilitar o controle da legalidade da medida e a análise de eventual responsabilidade do credor;

5) A utilização das averbações premonitórias deve ser limitada pela ex-tensão da suposta dívida. In casu, a existência de outros bens da devedora principal (empresa) ou pelos avalistas justificaria o cancela-mento da averbação incidente sobre o bem de família da consulente, inclusive a sua garagem;

6) Considerando que a escritura pública do divórcio entre a consulente e seu ex-cônjuge foi lavrada em 19.12.2013, tendo sido a escritura de partilha de bens lavrada em 28.02.2014 e a ação foi distribuída em 20.01.2014 (sem que se tenha notícia de citação válida do sócio N., pois o seu comparecimento espontâneo ocorreu em 15.05.2014, conforme evento 24), não há – nos autos – indicativo da ocorrência de fraude à execução;

7) Mesmo diante de hipotética desconsideração da partilha, nos termos em que realizada, não seria justificável a averbação premonitória ou a excussão do imóvel sito na Rua E., em Porto Alegre, na medida em que ele serve de moradia para a consulente Y. e sua filha P., desde 2009. Conforme a melhor orientação jurisprudencial, “a proteção instituída pela Lei nº 8.009/1990, quando reconhecida sobre metade de imóvel relativa à meação, deve ser estendida à totalidade do bem, porquanto o escopo precípuo da lei é a tutela não apenas da pessoa do devedor, mas da entidade familiar como um todo, de modo a im-pedir o seu desabrigo, ressalvada a possibilidade de divisão do bem sem prejuízo do direito à moradia” (REsp 1227366/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 21.10.2014, DJe 17.11.2014).

Esta, respeitosamente, é a nossa opinião.

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Clipping JurídicoDeterminada averbação de informações sobre união estável em certidão de óbito

Ainda que esteja em curso discussão sobre a caracterização de um novo estado civil em virtude da existência de união estável, a interpretação da legislação sobre registros públicos e a própria doutrina caminham no sentido de que a realidade do estado familiar da pessoa corresponda, sempre que possível, à informação dos documentos, inclusive em relação aos registros de óbito. O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça que determi-nou o registro, na certidão de óbito de uma mulher, do estado civil “solteira com união estável”. O tribunal também havia determinado a inclusão do nome do companheiro nos registros de óbito. Por meio de recurso especial, o ex-companheiro da falecida defendeu a impossibilidade jurídica do pedido, já que a legislação brasileira não prevê a união estável como estado civil, além da ausência de interesse no prosseguimento da ação, tendo em vista a existência de reconhecimento judicial da união estável transitado em julgado. A relatora do recurso, Ministra Nancy Andrighi, destacou inicialmente que, sob o aspecto formal, o ordenamento jurídico brasileiro prevê o estado civil de solteiro, casa-do, separado judicialmente, divorciado e viúvo, mas não regula expressamente a união estável. Segundo a ministra, a omissão legislativa é criticada pela doutrina, especialmen-te em virtude da necessidade de se assegurar a publicidade do estado familiar, a fim de que seja garantida segurança aos companheiros, seus herdeiros e aos terceiros que com eles venham a estabelecer relações jurídicas. “As necessidades humanas não podem esperar a edição das leis, e os eventuais conflitos não podem ser ignorados pelo Poder Judiciário”, observou a ministra. No caso concreto analisado, a relatora considerou que, uma vez declarada a união estável por meio de sentença transitada em julgado, o fato ju-rídico deveria ser inscrito no Registro Civil de Pessoas Naturais, mas com a manutenção das regras formais típicas dos registros públicos. “Afora o debate sobre a caracterização de um novo estado civil pela união estável, a interpretação das normas que tratam da questão aqui debatida – em especial a Lei de Registros Públicos – deve caminhar para o incentivo à formalidade, pois o ideal é que à verdade dos fatos corresponda, sempre, a informação dos documentos, especialmente no que tange ao estado da pessoa natural”, concluiu a ministra ao determinar o acréscimo de informação sobre o período de união estável na certidão de óbito, apesar de manter a decisão de segundo grau. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Herança recebida diretamente dos avós não é atingida por dívidas do pai pré-morto

No direito sucessório brasileiro, a herança dos avós é transmitida diretamente aos netos nos casos em que o pai dos herdeiros tenha falecido antes da sucessão (pai pré-morto). Nessas hipóteses, os bens herdados por representação não chegam a integrar o patri-mônio do genitor falecido e, por esse motivo, também não podem ser alcançados por eventuais dívidas deixadas por ele. O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao acolher recurso especial e julgar extinta ação mo-nitória que, na ausência de bens deixados pelo pai falecido, buscava satisfazer o débito contraído por ele com a herança recebida por seus filhos diretamente da avó. “Esse pa-trimônio herdado por representação jamais integrou o patrimônio do devedor, de modo que o que se pretende é imputar aos filhos do devedor pré-morto e inadimplente a res-ponsabilização patrimonial por seus débitos, o que absolutamente é inviável no Direito

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brasileiro”, apontou o relator do recurso especial dos herdeiros, Ministro Marco Aurélio Bellizze. Por meio da ação monitória, o credor buscou o pagamento de nota promissória emitida pelo pai dos réus. Segundo o autor, a dívida deveria incidir sobre o valor recebi-do pelos réus, em representação de seu pai, a título de herança da avó paterna. A ação monitória foi julgada procedente em primeira instância, com sentença mantida pelo Tribunal de Justiça de Goiás. Em análise de recurso especial dos herdeiros, o Ministro Marco Aurélio Bellizze ressaltou inicialmente que o direito sucessório brasileiro adota os sistemas de sucessão por cabeça – quando concorrentes exclusivamente sucessores de uma mesma classe – e de sucessão por estirpe – quando os herdeiros são chamados, por representação, a herdar a proporção devida ao parente pré-morto que tenha deixado sucessores. Segundo o ministro, a herança por representação tem a finalidade de reparar os danos sofridos pelos filhos em razão da morte de seus pais, viabilizando a convoca-ção legal dos netos, em linha descendente, ou dos sobrinhos, em linha transversal, para participação da herança dos avós ou dos tios. “O patrimônio herdado por representação, contudo, não se perfaz em nome do herdeiro pré-morto, como pode sugerir a literalidade da denominação do instituto. Ao contrário, o herdeiro por representação, embora sujeito à proporcionalidade diversa da participação no acervo hereditário, participa do inven-tário em nome próprio e, como já acentuado, por expressa convocação legal”, explicou o relator. Por esse motivo, o Ministro Bellizze concluiu que não seria possível o credor pretender o pagamento da dívida mediante o alcance do patrimônio transmitido direta-mente aos filhos do falecido, sob pena de violação ao art. 1.792 do Código Civil. “Isso porque a responsabilização patrimonial dos herdeiros é legalmente limitada às forças da herança do devedor e, no caso concreto, é incontroverso que o pai não deixou bens a inventariar”, concluiu o ministro ao extinguir a ação monitória. Processo: REsp 1627110. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Casal homoafetivo consegue na justiça direito de filiação socioafetiva

Sentença proferida pela Juíza Nária Cassiana Silva Barros, da 1ª Vara Cível de Paranaíba, julgou procedente a ação de reconhecimento de maternidade socioafetiva declarando que o menor A. S. P. tem filiação socioafetiva de S. M. S., cônjuge de sua mãe bioló-gica M. C. S. P. Com a decisão, o registro de nascimento do menor deve ser retificado, cumprindo o determinado pelo capítulo 2º do art. 1º do Provimento nº 52/2016 do CNJ, passando a constar também o nome da autora da ação. Narram as autoras S. M. S. e M. C. S. P., que convivem em união estável, desde novembro de 2013, com o menor A. S. P., filho de M. C. S. P., e afirmam que, desde o início do relacionamento, o menor e S. M. S. tiveram grande afeição, sendo que o menino a considera muito e inclusive a cha-ma por “mãe”. Em razão disso, com intuito de assegurar o melhor interesse da criança, as autoras pediram a retificação do registro de nascimento do jovem, para que passasse a constar o nome de S. M. S. também como sua genitora, reconhecendo-se assim a maternidade socioafetiva. Ao analisar os autos, a Magistrada ressaltou que “a filiação socioafetiva é matéria pacificada no âmbito da jurisprudência brasileira, de modo que, comprovadas nos autos a convivência e a vontade declarada entre o menor e o preten-dente à filiação, não há razão para não formalizar a situação de fato”. Ainda conforme a sentença, a juíza destacou que o STF reconheceu as uniões homoafetivas como uma das possibilidades de construção familiar, o que assegura aos casais homossexuais os mes-mos direitos e deveres dos companheiros das uniões estáveis. Desse modo, os pedidos

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formulados pelas autoras foram julgados procedentes. “Não vejo nenhum obstáculo para o reconhecimento da filiação socioafetiva entre a criança e S. M. S., sobretudo porque tal fato traduz na melhor escolha para os interesses do menino. Primeiro porque a situação fática estará regularizada e, além disso, estará resguardado por mais um guardião que, a partir de então, assumirá, acompanhada da genitora M. C. S. P., a responsabilidade pelo seu sustento e formação”, finalizou a juíza. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul)

Decisão inédita da 6ª Vara de Família suspende CNH de devedor de pensão alimen-tícia

Em recente julgamento de ação de execução de alimentos, a Juíza Vânia Jorge da Silva, da 6ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, após exaurir todas as demais possibili-dades, deferiu medidas coercitivas determinando a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do pai de uma criança que se negava a quitar débitos relativos à pensão alimentícia. O caso chegou à Justiça, em junho de 2016, quando a mãe de uma menina de 11 anos propôs ação de execução de alimentos, alegando que o pai da crian-ça encontrava-se em débito com a pensão alimentícia há mais de três meses. A quantia a ser paga havia sido definida na comarca de Jataí, onde foram fixados os alimentos em um salário-mínimo e mais 50% dos custos com educação e saúde. O pai, que é dono de uma microempresa transportadora de caminhões, mesmo sendo informado de tal ação sobre cumprimento de sua obrigação, não apresentou justificativa ou comprovação de pagamento, o que resultou na decretação de sua prisão civil por 60 dias, em janeiro de 2017. Em um primeiro momento, o oficial de Justiça não obteve sucesso em cumprir o mandado de prisão e foi informado que o homem tinha conhecimento da ordem de prisão e estaria se escondendo. Quando o oficial de Justiça conseguiu efetuar a prisão, o microempresário, mesmo preso, continuou se negando a pagar o débito em questão. Antes do cumprimento da pena de 60 dias, a advogada da mãe da criança requereu alte-ração do rito da ação para o de expropriação de bens. A mudança foi deferida pela Juíza Vânia Jorge da Silva, que determinou a intimação do pai para que em 15 dias efetuasse o pagamento do débito sob pena de multa e pagamento dos honorários advocatícios da parte autora. Na ocasião, a juíza autorizou também a pesquisa de bens de propriedade do pai via programas Infojud, Bacenjud e Renajud. Após buscas nos sistemas de infor-mações, constatou-se que ele havia retirado e transferido os bens de sua propriedade e que suas contas bancárias estavam zeradas. Foi neste momento que se chegou ao ratio processual, quando já se exauriram todas as demais possibilidades. A advogada da mãe da menor manifestou-se sugerindo a adoção de medidas coercitivas para “forçar” o pai a pagar o débito, medidas como a suspensão da CNH e o bloqueio de eventuais cartões de crédito. Para buscar “coagir” o pai a efetuar o pagamento, a Juíza Vânia Jorge da Silva, nos termos do art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, deferiu parcialmente as medidas coercitivas, o que culminou na suspensão da CNH de R. P., ALÉM da emissão de precatória para que possa ser incluído o nome do pai nos cadastros restritivos de crédito (SPC/Serasa). Após essa medida, a advogada do caso encontrou um caminhão no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da empresa de transportes do pai da menor e entrou com processo para conseguir a penhora do veículo para que seja efetuado o pagamento da pensão em atraso. O processo de execução corre há mais de um ano e a

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divida do pai já chega ao valor de R$ 25 mil. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Goiás)

Estado banca fertilização in vitro com seleção de embrião para casal ter filho sadio

A Desembargadora Sônia Maria Schmitz, Presidente da 4ª Câmara de Direito Público do TJ, confirmou decisão que determinou ao Estado fornecer tratamento de fertilização in vitro, com seleção de embriões, em favor de casal que corria o risco de repassar doença de origem genética para sua prole. Segundo os autos, uma gravidez natural colocaria em risco o feto, que teria 50% de chances de nascer portador de hemofilia, doença que a futura mãe herdou do pai. A única solução médica para afastar tal perigo, segundo exposto nos autos, seria a reprodução assistida com escolha de embriões sem a mutação genética responsável pela doença. O Estado firmou oposição ao pleito sob a justificativa de que o tratamento não está padronizado pelo SUS e que sua eficácia é incerta. A de-sembargadora contestou tais argumentos. “A terapia almejada [...] está inserida entre os procedimentos médicos padronizados pelo SUS, inclusive para fins de evitar transmissão de doenças genéticas”, afirmou, com base em portaria do Ministério da Saúde de 2005. Ela destacou também laudo médico acostado aos autos, elaborado por profissional vin-culado à rede pública de saúde, que reitera ser a reprodução assistida a única forma de garantir a saúde do futuro bebê. Idêntica conclusão foi apresentada em laudo pericial. Um dos principais argumentos dos advogados do casal é de que o Estado despenderia muito mais recursos para prestar atendimento ao futuro cidadão hemofílico ao longo de sua vida do que com o tratamento de reprodução assistida. A decisão, confirmada de forma monocrática em reexame necessário, determina que o tratamento seja ofertado pelo Estado até ser comprovada a gestação da futura mãe. O caso ocorreu na Capital (Re-exame Necessário nº 08697023420138240023). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina)

Decisão mantém pagamento de salário-maternidade para avó com guarda judicial

O Desembargador Federal Fausto De Sanctis, da Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), manteve decisão de primeiro grau que concedeu tutela antecipada e determinou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pague salário--maternidade a uma avó materna com guarda judicial do neto. O INSS defendeu que o benefício de salário-maternidade somente pode ser concedido se a guarda tiver fins de adoção e que no Direito brasileiro é proibida a adoção por avós. Contudo, para o Magis-trado, é devida a concessão do salário-maternidade a “quem está em situação semelhan-te à mãe adotante, ou seja, na condição de receber sob seus cuidados uma criança em tenra idade, e dela cuidar e prover, pois a criança não tem condições de ficar com a sua mãe natural, mas a autora, por razões jurídicas ou morais, não adotará a criança”. No caso, a mãe estava impossibilitada de cuidar de seu filho e o entregou à avó da criança. Para De Sanctis, a avó deve se preparar para receber a criança que vai depender de cui-dados especiais ao perder o convívio com a mãe. Além disso, o desembargador federal acrescentou que a avó “deverá se adaptar a outra rotina, sem levar em consideração os aspectos emocionais envolvidos, e por isso, precisará da dedicação de sua avó guardiã”. No TRF3, o processo recebeu o nº 5006326-70.2017.4.03.0000 (PJe). (Conteúdo extraí-do do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

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Mesmo com separação, promessa de doação de bem feita em pacto antenupcial deve ser cumprida

Excepcionalmente, a promessa de doação feita em pacto antenupcial deve ser cumprida em casos de separação ou divórcio, uma vez que o compromisso de transferência de bens firmado entre o casal não pode ser considerado promessa de mera liberalidade. Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do STJ, por maioria, negou provimento a recurso especial que buscava o reconhecimento da inexigibilidade do negócio jurídico celebrado pelas partes, no qual o homem havia assumido o compromisso de doar para a mulher um terreno. Com a recusa dele em cumprir a promessa, passou-se a discutir judicialmente a validade do acordo e a possibilidade de sua execução. Segundo o mi-nistro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, o espírito de liberalidade não animou o pacto firmado pelas partes, mas, ao contrário, houve um acordo de vontades entre o casal que, ao concordar com o matrimônio e com o regime de separação total de bens, estabele-ceu, por meio de pacto antenupcial, o compromisso de doação de um determinado bem à esposa para “acertamento do patrimônio do casal”, conforme constou da sentença. Sanseverino ressaltou que, como as partes viveram em união estável por mais de nove anos antes da celebração do casamento, a promessa de doação de bem revelaria um possível caráter compensatório, já que foi inserido dentro de um pacto pré-nupcial que prevê regime diferente da comunhão parcial. “Evidente, assim, que a autora-recorrida, ao anuir com o pacto pré-nupcial, confiava que, na eventualidade de uma dissolução da sociedade conjugal, quando então não haveria partilha de bens, a nua-propriedade do imóvel lhe estaria garantida”, ressaltou o ministro. Ao negar provimento ao recurso, Sanseverino disse que deve ser invocado o princípio da boa-fé objetiva, impositiva dos deveres de lealdade e honestidade entre as partes contratantes. “Ao descumprir promessa de doação manifestada de forma livre e lícita, o recorrente frustra a legítima expectativa depositada pela recorrida ao celebrar o contrato, não podendo este descumprimento ser chancelado pelo Poder Judiciário”, afirmou o relator. Para Sanseverino, não é possível negar exequibilidade à promessa de doação pactuada no contrato matrimonial, uma vez que a função principal do pacto era estabelecer as regras patrimoniais que regeriam o casamento. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 09�10�2017

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• OTransexual,aCirurgiaeoRegistro Luiz Flávio Borges D’Urso Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• Testamento,TestemunhaseTestamenteiro:UmaBrechaparaa Fraude

Rolf Madaleno Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Separação e Divórcio

•Da Infeliz Manutenção da Separação de Di-reito no Novo CPC (Flávio Tartuce) ................20

•Emenda Constitucional nº 66/2010: a Su-posta Extinção Tácita da Separação Judicial/Extrajudicial (João Paulo Monteiro de Lima e Samara Ribeiro de Souza) ..............................25

•O Desamor Como Causa de Separação e Divórcio (Antonio Cesar Peluso) ......................9

Autor

antonio ceSar peluSo

•O Desamor Como Causa de Separação e Di-vórcio ..............................................................9

Flávio tartuce

•Da Infeliz Manutenção da Separação de Di-reito no Novo CPC .........................................20

João paulo monteiro De lima e Samara ribeiro De Souza

•Emenda Constitucional nº 66/2010: a Su-posta Extinção Tácita da Separação Judicial/Extrajudicial ...................................................25

Samara ribeiro De Souza e João paulo monteiro De lima

•Emenda Constitucional nº 66/2010: a Su-posta Extinção Tácita da Separação Judicial/Extrajudicial ...................................................25

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto

Separação e Divórcio

•A Dissolução da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Vínculo Matrimonial. Conse-quências (Rogério Tadeu Romano) .................43

Autor

rogério taDeu romano

•A Dissolução da Sociedade Conjugal e a Dissolução do Vínculo Matrimonial. Conse-quências ........................................................43

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

Separação e Divórcio

•A Separação e o Divórcio no Novo CPC(Jamile Calado) ..............................................57

Autor

Jamile calaDo

•A Separação e o Divórcio no Novo CPC ........57

ACONTECE

Assunto

Separação e Divórcio

•STJ Considera Legal Divórcio Feito Sem Au-diência de Conciliação ..................................59

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

novaS FamíliaS

•A Busca pela Felicidade Como Paradigma dos Arranjos Familiares Contemporâneos (Rafael Guimarães de Oliveira e Tauã Lima VerdanRangel)...........................................................88

poliaFetiviDaDe

•Famílias Poliafetivas e a Sucessão Legítima(Filipe Mahmoud dos Santos Vigo) .................98

união eStável

•Possibilidade Jurídica de União Estável Ou Casamento entre Mais de Duas Pessoas: Inter-pretação Conforme a Constituição (VladimirPolizio Junior) ................................................61

Autor

Filipe mahmouD DoS SantoS vigo

•Famílias Poliafetivas e a Sucessão Legítima ....98

raFael guimarãeS De oliveira e tauã lima verDan rangel

•A Busca pela Felicidade Como Paradigmados Arranjos Familiares Contemporâneos ......88

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RDF Nº 104 – Out-Nov/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������245

tauã lima verDan rangel e raFael guimarãeS De oliveira

•A Busca pela Felicidade Como Paradigmados Arranjos Familiares Contemporâneos ......88

vlaDimir polizio Junior

•Possibilidade Jurídica de União Estável Ou Casamento entre Mais de Duas Pessoas: Inter-pretação Conforme a Constituição .................61

PARECER JURÍDICO

Assunto

bem De Família

•Sentido da Averbação Premonitória e o Al-cance da Tutela Constitucional do Bem de Família (Inteligência do Artigo 828 do NCPC/2015) (Antonio Janyr Dall’Agnol Juniore Daniel Ustárroz) ........................................218

Autor

antonio Janyr Dall’agnol Junior e Daniel uStárroz

•Sentido da Averbação Premonitória e o Al-cance da Tutela Constitucional do Bem de Família (Inteligência do Artigo 828 doNCPC/2015) ................................................218

Daniel uStárroz e antonio Janyr Dall’agnol Junior

•Sentido da Averbação Premonitória e o Al-cance da Tutela Constitucional do Bem de Família (Inteligência do Artigo 828 do NCPC/2015) ................................................218

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

aDoção

•Recurso especial – Direito civil – Ação de anulação de adoção – Ilegitimidade ati-va – Sucessão – Casamento e união estável – Regimes jurídicos diferentes – Art. 1.790, CC/2002 – Inconstitucionalidade declarada pelo STF – Equiparação – CF/1988 – Nova fase do Direito de Família – Variedade de tipos interpessoais de constituição de famí-lia – Art. 1.829, CC/2002 – Incidência ao casamento e à união estável – Marco tempo-ral – Sentença com trânsito em julgado (STJ) ..........................................................8090, 146

alimentoS

•Processual civil – Cumprimento de senten-ça – Obrigação exequenda originária de ato ilícito – Alimentos impróprios e indeni-zação originária de dano moral – Obrigado – Adimplemento voluntário – Inexistência –Penhora – Vencimentos (TJDFT) .........8092, 180

poDer Familiar

•Recurso especial – Processual civil – Ação de destituição do poder familiar cumulada com guarda em favor de terceiro – Ação proposta pelo Ministério Público Estadual contra ambos os genitores – Improcedência do pedido em relação ao pai e procedência em relação à mãe – Violação do contradi-tório e ampla defesa da genitora – Nulidade absoluta reconhecida pelo Tribunal estadual – Anulação integral da sentença – Desne-cessidade – Litisconsórcio passivo simples (CPC/1973, art. 48) – Manutenção da senten-ça em relação ao genitor – Recurso provido(STJ) ...................................................8089, 131

regiStro

•Direito civil e processual civil – Recurso especial – Ação de retificação de registro – Certidão de óbito – União estável – Reco-nhecimento – Pedido juridicamente possível– Interesse de agir (STJ) ......................8091, 168

EMENTÁRIO

Assunto

ação negatória De paterniDaDe

•Ação negatória de paternidade – anulação de registro – vício de consentimento – legi-timidade ativa da avó .........................8093, 197

•Ação negatória de paternidade – ausência de vínculo biológico – registro de nascimento – vício de consentimento – filiação socioa-fetiva – não configuração ...................8094, 197

•Ação negatória de paternidade – retificação de registro público – paternidade biológicanão reconhecida ................................8095, 197

alimentoS

•Alimentos – ação de prestação de contas – legitimidade de quaisquer dos genitores ..........................................................8096, 197

•Alimentos – execução – habeas corpus –prisão civil – renovação .....................8097, 197

•Alimentos – execução – prisão civil ...8098, 198

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246 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDF Nº 104 – Out-Nov/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•Alimentos – exoneração – obrigação – di-reito civil – família – apelação cível – ali-mentos – exoneração .........................8099, 199

•Alimentos – prisão civil – necessidade . 8100, 199

•Alimentos – união estável – ônus da prova ..........................................................8101, 199

•Alimentos avoengos – inclusão no polo pas-sivo dos avós maternos – cabimento ..8102, 199

•Alimentos provisórios – ex-companheira –dilação probatória – necessidade .......8103, 199

•Alimentos provisórios – majoração – valorexcessivo ...........................................8104, 199

bem De Família

•Bem de família – fraude à execução reco-nhecida em ação pauliana – impenhora-bilidade..............................................8105, 199

•Bem de família – ação de anulação de hi-poteca – imóvel dado em garantia .....8106, 200

•Bem de família – coisa julgada – impenho-rabilidade ..........................................8107, 202

•Bem de família – execução de título extraju-dicial – imóvel do devedor locado a terceiro ..........................................................8108, 202

•Bem de família – penhora – único imóvel utilizado como residência familiar – impe-nhorabilidade ....................................8109, 202

concubinato

•Concubinato – presença de certidão de ca-samento do falecimento com sua esposa – ausência de prova de separação de fato ..........................................................8110, 202

curatela

•Curatela – ação de interdição – interesse deincapaz ..............................................8111, 203

•Curatela provisória – genitora – suposto dever do filho de prestar contas – períodoanterior ..............................................8112, 203

Divórcio

•Divórcio – comunhão parcial – partilha ..........................................................8113, 203

•Divórcio – gratuidade de justiça – guarda compartilhada – alimentos – partilha debens e dívidas ....................................8114, 204

•Divórcio – mulher contra o marido – pedi-do de alimentos provisórios ...............8115, 205

•Divórcio – partilha de bens, alimentos e danos morais – verba alimentar provisória –manutenção .......................................8116, 205

•Divórcio – partilha de bens – verbas tra-balhistas .............................................8117, 205

herança

•Herança – inventário e partilha extrajudicial– nulidade ..........................................8118, 206

interDição

•Interdição – curatela provisória – nomea-ção de curador provisório – tutela anteci-pada...................................................8119, 206

•Interdição – Estatuto da Pessoa com Defi-ciência (Lei nº 13.146/2015) – especifica-ção dos limites da curatela – necessidade– interdição parcial ............................8120, 207

•Interdição – expedição de alvará – levan-tamento de quantia – reversão em favor docuratelado .........................................8121, 207

•Interdição – pessoa portadora de transtorno mental não especificado – nomeação de cu-radora ................................................8122, 207

inventário

•Inventário – bem partilhável – preclusão ..........................................................8123, 208

•Inventário – esboço de partilha – direito daviúva de concorrência na herança .....8124, 208

•Inventário – incidente de destituição de inventariante – causa que justifica a desti-tuição.................................................8125, 208

•Inventário – regime de bens – pacto ante-nupcial de separação convencional de bens ..........................................................8126, 208

•Inventário – união estável – regime sucessó-rio idêntico ao do casamento .............8127, 208

inveStigação De paterniDaDe

•Investigação de paternidade – alimentos – réu portador de “varicocele” ..............8128, 209

•Investigação de paternidade – petição de he-rança..................................................8129, 210

•Investigação de paternidade – recusa ao exame de DNA – presunção de paternidade ..........................................................8130, 210

•Investigação de paternidade – verba provi-sória em favor do filho – redução – desca-bimento .............................................8131, 211

•Investigação de paternidade post mortem – venda de cotas de sociedade – ascenden-te a descendente sem a anuência de filha ..........................................................8132, 211

Page 247: ISSN 2179-1635 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com · Filipe Mahmoud dos Santos Vigo, Flávio Tartuce, Jamile Calado, João Paulo Monteiro de Lima, Rafael Guimarães de Oliveira, Rogério

RDF Nº 104 – Out-Nov/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������247

poDer Familiar

•Poder familiar – ECA – suspensão – colo-cação em família substituta – destituição ..........................................................8133, 211

regime De benS

•Regime de bens – ação de alteração – efei-to ex nunc ..........................................8134, 212

•Regime de bens – discussão sobre bens que integram o monte a ser partilhado na disso-lução de união estável .......................8135, 212

•Regime de bens – dissolução de união está-vel – discussão sobre bens que integram o monte a ser partilhado .......................8136, 212

regiStro civil

•Registro civil – casamento – acréscimo do sobrenome do nubente – pedido de retifi-cação .................................................8137, 212

•Registro civil – retificação – certidão de nascimento de filho menor – acréscimo do patronímico de casada da genitora – possi-bilidade..............................................8138, 213

teStamento

•Testamento – ação de nulidade – pedido de redução das disposições testamentárias ..........................................................8139, 213

•Testamento – ação de nulidade – regime deseparação de bens – possibilidade .....8140, 214

•Testamento público – ação anulatória de decadência – prejudicial afastada – inca-pacidade para testar – insanidade mental ..........................................................8141, 214

•Testamento público – registro – intimaçãode herdeiros – desnecessidade ...........8142, 214

união eStável

•União estável – reconhecimento – ação de-claratória............................................8143, 214

•União estável – reconhecimento e dissolu-ção – alimentos provisórios ................8144, 216

•União estável – requisitos – configuração – estado de casado – posse ...................8145, 217

•União estável post mortem – ação de reco-nhecimento – relacionamento na constân-cia do casamento válido ....................8146, 217

CLIPPING JURÍDICO

•Casal homoafetivo consegue na justiça di-reito de filiação socioafetiva ........................239

•Decisão inédita da 6ª Vara de Família sus-pende CNH de devedor de pensão alimen-tícia..............................................................240

•Decisão mantém pagamento de salário-ma-ternidade para avó com guarda judicial .......241

•Determinada averbação de informações so-bre união estável em certidão de óbito ........238

•Estado banca fertilização in vitro com sele-ção de embrião para casal ter filho sadio .....241

•Herança recebida diretamente dos avós nãoé atingida por dívidas do pai pré-morto .......238

•Mesmo com separação, promessa de doa-ção de bem feita em pacto antenupcial deveser cumprida ................................................242