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Revista SÍNTESE Direito Imobiliário ANO VI – Nº 38 – MAR-ABR 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Luiz Henrique Sormani Barbugiani, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Adriano Massatoshi Hanamoto da Silva, André Mansur Brandão, Caio Madureira Constantino, Carolina Palma, Gustavo Alberto Villela Filho, Jeferson Luciano Canova, José Eduardo de Moraes, Marco A. N. Passos, Pedro Ernesto Celestino Pascoal, Ricardo Paz Gonçalves, Rogério Tadeu Romano, Thiago Caversan Antunes ISSN 2236-1553

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Revista SÍNTESEDireito Imobiliário

Ano VI – nº 38 – MAr-Abr 2017

reposItórIo AutorIzAdo

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIretor executIVo

Elton José Donato

Gerente edItorIAl

Milena Sanches Tayano dos Santos

coordenAdor edItorIAl

Cristiano Basaglia

edItorA

Simone Costa Saletti Oliveira

conselho edItorIAl

Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Luiz Henrique Sormani Barbugiani, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho

colAborAdores destA edIção

Adriano Massatoshi Hanamoto da Silva, André Mansur Brandão, Caio Madureira Constantino, Carolina Palma, Gustavo Alberto Villela Filho,

Jeferson Luciano Canova, José Eduardo de Moraes, Marco A. N. Passos, Pedro Ernesto Celestino Pascoal, Ricardo Paz Gonçalves,

Rogério Tadeu Romano, Thiago Caversan Antunes

ISSN 2236-1553

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Imobiliário.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Imobiliário. – Vol. 1, n. 1 (jan./fev. 2011)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v.; 23 cm.

Bimestral. v. 6, n. 38, mar./abr. 2017

ISSN 2236-1553

1. Direito imobiliário.

CDU 347.453 CDD 342.1242

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

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Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Escolhemos o tema “Alienação Fiduciária” para tratarmos nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Imobiliário.

O Especialista Pedro Ernesto Celestino Pascoal assim fala sobre a aliena-ção fiduciária de imóveis:

A Alienação Fiduciária de Imóveis, regulada pela Lei nº 9.514/1997, proporcio-nou, sem sobra de dúvidas, o recrudescimento do mercado imobiliário brasilei-ro, notadamente, em face da instituição da garantia fiduciária do imóvel, com o procedimento extrajudicial imensamente mais célere e eficaz para retomada da garantia pelo agente financiador na hipótese de inadimplemento do devedor (extinção anormal), robustecendo o sistema financeiro imobiliário pátrio com a consequente expansão do crédito para aquisição de mais e mais imóveis, retroa-limentando a cadeia produtiva envolvida.

Para discorrer sobre o assunto, contamos com a brilhante colaboração dos ilustres juristas: Adriano Massatoshi Hanamoto da Silva, Thiago Caversan Antunes, Caio Madureira Constantino, Pedro Ernesto Celestino Pascoal e José Eduardo de Moraes.

E, ainda, na Seção “Com a Palavra, o Procurador” artigo de Rogério Tadeu Romano intitulado “A Alienação Fiduciária no Direito Imobiliário Brasileiro”.

Na Parte Geral selecionamos conteúdo para mantermos a qualidade des-ta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do Direito, tais como: Jeferson Luciano Canova, Gustavo Alberto Villela Filho, Marco A. N. Passos, André Mansur Brandão, Carolina Palma e Ricardo Paz Gonçalves.

E, por fim, destacamos a Seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam de forma resumida os principais acontecimentos do período, tais como Notícias, Projetos de Lei, Nor-mas Relevantes, dentre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos

Gerente Editorial

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto EspecialAlienAção FiduciáriA

doutrinAs

1. Alienação Fiduciária sobre Bens ImóveisAdriano Massatoshi Hanamoto da Silva .....................................................9

2. A Alienação Fiduciária e suas Consequências no Patrimônio do FiducianteThiago Caversan Antunes e Caio Madureira Constantino .........................51

3. A Alienação Fiduciária de ImóveisPedro Ernesto Celestino Pascoal ...............................................................55

4. Hipoteca Versus Alienação Fiduciária Vantagens e Desvantagens de Cada InstitutoJosé Eduardo de Moraes ...........................................................................88

com A PAlAvrA, o ProcurAdor

1. A Alienação Fiduciária no Direito Imobiliário BrasileiroRogério Tadeu Romano ..........................................................................123

JurisPrudênciA

1. Acórdão na Íntegra (STJ) .........................................................................132

2. Ementário ...............................................................................................140

Parte GeraldoutrinAs

1. O Desconto na Primeira Aquisição Residencial no Cartório de Registro de Imóveis: 8 Teses em Prol do ConsumidorJeferson Luciano Canova ........................................................................142

2. Patrimônio de Afetação como Garantia dos Investidores e o Mercado de Valores MobiliáriosGustavo Alberto Villela Filho .................................................................156

3. A Ilegalidade da Exigência de Pintura Nova na Devolução do Imóvel em Contratos de LocaçãoMarco A. N. Passos ................................................................................159

4. Aluguel Acima do Valor de Mercado Pode Ser Reajustado!André Mansur Brandão e Carolina Palma ...............................................163

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5. Aluguel e Arrendamento de Imóveis: Pessoa Física ou Jurídica? Labirinto Tributário Leva Empresários e Proprietários a EquívocosRicardo Paz Gonçalves ..........................................................................165

JurisPrudênciA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1672. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1763. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................192

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................203

Clipping Jurídico ..............................................................................................240

Bibliografia Complementar .................................................................................243

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................244

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected] Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastrodeauto-res e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected]

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Assunto Especial – Doutrina

Alienação Fiduciária

Alienação Fiduciária sobre Bens Imóveis

ADRIAnO MASSATOShI hAnAMOTO DA SILvAAdvogado, Consultor Jurídico, Escrevente Registrador Extrajudicial, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista – Fadap/FAP, Pós-Graduado em Direito Notarial e Regis-tral pela Universidade Anhanguera – Uniderp e Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, Pós-Gradua-do em Direito Civil pela Universidade Anhanguera – Uniderp, Funcionário Público Estadual.

SUMÁRIO: Introdução; Capítulo 1 – O âmbito de inserção entre os direitos reais e a natureza jurídica da alienação fiduciária; 1.1 Os direitos reais – Conceito; 1.2 Os direitos reais – Características; 1.3 Os direitos reais – Classificação; 1.3.1 Os direitos reais à substância, pleno e limitado; 1.3.2 Os direitos reais de garantia; 1.3.2.1 As espécies de direitos reais de garantias; 1.3.2.2 As características dos direitos reais de garantia; 1.4 A natureza jurídica da alienação fiduciária; 1.4.1 Da natureza jurídica do direito do fiduciário e do fiduciante; Capítulo 2 – A evolução histórica e o conceito de alienação fiduciária; 2.1 Origem da alienação fiduciária em garantia; 2.1.1 A fidúcia; 2.1.1.1 A fidúcia: evolução histórica e características; 2.2. O conceito da alienação fiduciária em garantia; Capítulo 3 – Os bens que podem ser objeto de alienação fiduciária em garantia; 3.1 A alienação fiduciária sobre bens imóveis; Capítulo 4 – Os direitos e obrigações das partes em alienação fiduciária; 4.1 As partes na constituição da alienação fiduciária sobre bens imóveis; 4.1.1 A cessão do crédito e da posição contratual do fiduciário – A sub-rogação; 4.1.2 A sub-rogação dos créditos dos direitos do fiduciário; 4.1.3 A cessão da posição contratual do fiduciante; 4.1.4 A insolvência das partes; 4.2 A forma do contrato de alienação fiduciária sobre bens imóveis; 4.3 As espécies de bens imóveis que podem ser gravadas em alienação fiduciária; 4.3.1 A modificação do bem gravado em alienação fiduciária: benfeitorias e acessões; 4.3.2 A disciplina do uso do bem gravado em alienação fiduciária; 4.3.3 A indivisibilidade da garantia dada em alienação fiduciária; 4.3.4 A Destruição do imóvel; 4.4 As condi-ções financeiras do contrato de alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis; 4.4.1 Os juros; 4.5 As cláusulas relativas à venda; 4.5.1 O procedimento de constituição do fiduciante em mora; 4.5.2 Os critérios para fixação do preço do imóvel e dos procedimentos do leilão; 4.5.3 A arbitragem; Capítulo 5 – Do pagamento ao inadimplemento contratual, a sua execução e o papel do registro de imóvel; 5.1 O pagamento – O termo de quitação – A cláusula penal – As formas de provar o pagamento – A ausência de quitação e os efeitos do tempo sobre o negócio em alienação fiduciária; 5.1.1 O pagamento e o termo de quitação; 5.1.2 A cláusula penal; 5.1.3 As outras formas de se pro-var o pagamento – A ausência de quitação e os efeitos do tempo sobre o negócio em alienação fidu-ciária; 5.2 O não cumprimento, pelo fiduciante, das suas obrigações pecuniárias – O inadimplemento total e parcial e suas consequências; 5.2.1 A cobrança da dívida do fiduciante; 5.2.2 O inadimple-mento da obrigação de pagar o preço pela aquisição da coisa alienada fiduciariamente; 5.2.3 A cons-tituição do fiduciante em mora; 5.2.4 As obrigações pecuniárias acessórias e sua responsabilidade; 5.2.5 As despesas de conservação do imóvel; 5.2.6 A cobrança do débito e a execução extrajudicial

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da dívida; 5.2.7 Os efeitos da consolidação da propriedade sobre a relação jurídica estabelecida entre fiduciário e fiduciante; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Os direitos patrimoniais apresentam-se como direitos reais como direitos das obrigações. O direito real consubstancia-se, dentro da classificação dos di-reitos patrimoniais, em uma ligação direta do sujeito sobre a coisa, atribuindo--se ao seu titular o poder de sequela a ser exigido erga omnes.

O direito das obrigações consiste em uma relação jurídica por força da qual o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo uma prestação de dar ou fazer ou não fazer.

Tem-se que nas relações obrigacionais impera a autonomia da vontade, enquanto nos direitos reais vige o princípio da taxatividade ou do numerus clausus: só a norma jurídica pode criar direitos reais. Contudo, não é permitida a criação, sem lei expressa, de novas categorias de direitos reais.

Por certo, entre os direitos reais hoje existentes, o direito de propriedade é direito real por natureza, o principal, o pleno, constituindo o alicerce sobre o qual todos os demais se erigem.

Nessa dissipação, o direito de propriedade, desde a sua origem até os dias atuais, vem sofrendo limitações e restrições, em virtude das mais variadas necessidades do desenvolvimento social e principalmente urbano.

Na esteira dessas considerações, o primeiro capítulo explorará não só o conceito, mas principalmente o âmbito de inserção da alienação fiduciária, como uma forma de garantia real das obrigações.

Nessa linha de ideias, o segundo capítulo vislumbrará a evolução histó-rica do instituto da alienação fiduciária.

A alienação fiduciária em garantia sempre foi objeto de muitas contro-vérsias, em especial quanto aos bens que poderiam ser objeto de transferência fiduciária. Essa discussão, relativamente a bens imóveis, será objeto do terceiro capítulo.

No quarto capítulo, de maneira sucinta, serão analisadas as partes no negócio jurídico, em alienação fiduciária, devedor (fiduciante) e credor (fidu-ciário), conferindo-se, pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, a possi-bilidade contratual de consolidar diversos direitos e obrigações.

Com efeito, no quinto capítulo, serão indicados os problemas advindos do cumprimento e do descumprimento das obrigações inseridas no contrato de

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alienação fiduciária, sendo, também, abordados os contornos registrais e sua designação no regime de alienação fiduciária de imóvel.

O presente trabalho encerra-se com as considerações finais, opinando sobre a aplicação empírica da norma abstrata ao fato concreto e analisando o progresso e as tendências referentes ao tema alienação fiduciária de bem imóvel.

CAPÍTULO 1 – O ÂMBITO DE INSERÇÃO ENTRE OS DIREITOS REAIS E A NATUREZA JURÍDICA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

1.1 Os direitOs reais – COnCeitO

O direito real caracteriza-se como a dominação do sujeito sobre a coisa, previsto no art. 1.225 do Código Civil; a alienação fiduciária consubstancia-se em um direito real em garantia, em que o proprietário de um bem se despoja do próprio domínio de forma condicionada e temporariamente, com vistas à segurança de uma dívida.

Sobre o tema, o mestre San Tiago Dantas preleciona que:

O início do estudo do Direito das Coisas acarreta o retorno à noção de direito subjetivo e àquela classificação dos direitos subjetivos em absolutos e relativos. Sabe-se que essa classificação repousa a natureza do dever jurídico inerente. O direito é relativo quando o dever recai sobre determinada pessoa ou determina-das pessoas; o direito é absoluto quando o dever jurídico recai indistintamente sobre todas as pessoas. Os direitos da personalidade e os reais são desdobramen-tos dos direitos absolutos. Dos direitos da personalidade já se cuidou. Sabe-se que são aqueles em que o objeto está na própria pessoa do titular; consiste em um bem que se identifica com a pessoa, como a honra, a vida, a integridade corpórea ou qualquer outro de constituição semelhante. Nos direitos reais, pelo contrário, o objeto está fora da pessoa do titular, consistindo num bem que se encontra no mundo exterior. Os direitos reais são os próprios direitos das coisas.1

1.2 Os direitOs reais – CaraCterístiCas

O direito real caracteriza-se pela sua aderência à coisa, estando vincu-lado de modo inseparável a ela, de modo que o sujeito passivo nessa relação jurídica é posicionado em plano inferior ou secundário, quando confronta com o papel desempenhado pelo bem.

Nas palavras de San Tiago Dantas:

1 DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil III. Rio de Janeiro: Rio, 1984. p. 11.

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São dois os elementos que caracterizam o direito real: a aderência do vínculo jurídico a uma coisa determinada e a circunstância de o direito prevalecer erga omnes. A aderência do vínculo jurídico à coisa corresponde mesmo à diferencia-ção terminológica que se faz entre o direito real e o pessoal. No direito pessoal ou de crédito, que pertence à categoria dos direitos relativos, o vínculo se refere a uma pessoa, que é a pessoa do devedor. Até mesmo quando se visa a alcançar uma coisa que deve ser prestada pelo devedor, o que se encontra em primeiro pleno não é a coisa, mas, sim, o devedor, de tal maneira que, se este transferir a coisa ao patrimônio de um terceiro, o credor não tem melhor recurso senão co-brar do devedor perdas e danos. Não pode ir buscar a coisa nas mãos do terceiro que a adquiriu; tem de contentar-se com uma sanção indireta, que é, no caso, a indenização a ser reclamada do devedor. No direito real, passa-se o contrário. A pessoa do devedor, se existe (como se verá, algumas vezes há um sujeito passivo nos direitos reais), é secundária. Apaga-se diante da primordial importância da res; é com esta que o vínculo jurídico se estreita, de tal maneira que o titular do direito pode perseguir a coisa, onde quer que ela se encontre, seja quem for o devedor.2

Outra característica do direito real é a ambulatoriedade, no sentido de que o direito caminha com a coisa; isto é, para onde quer que siga o bem, o vínculo jurídico ficara atrelado à coisa, mesmo nas hipóteses de substituição do devedor. No tocante ao conceito, medida provisória é um ato de competência exclusiva do Presidente da República, com força de lei, tendo como pressupos-to a relevância e urgência, com prazo de duração determinado.

A ambulatoriedade decorre do direito de sequela. Ligado a todo direito real, o direito de sequela materializa-se por meio da prerrogativa de seu titular de perseguir a coisa onde quer que ela esteja e de exercê-lo contra quem quer que esteja com a coisa. O direito de sequela, portanto, não é mais do que a outra face da medalha.

San Tiago Dantas define o direito de sequela:

Sendo o dever jurídico ambulatório, diz-se que o direito subjetivo a ele corres-pondente está dotado de uma peculiaridade, que é típica do direito e se denomi-na sequela. Todos os direitos reais têm sequela. E que quer dizer sequela? Quer dizer apenas o direito de perseguir a coisa nas mãos de quem detiver. Como o dever jurídico vai emigrando para as mãos de qualquer novo dano, assim o direi-to subjetivo vai se exercendo contra qualquer novo dono. O direito de sequela não é mais do que a outra face da medalha.4

A terceira característica do direito real, como direito absoluto, é a sua prevalência erga omnes. Entende-se por prevalência erga omnes a faculdade do titular de contraditar contra quem quer que seja ao ponto em que levanta um dever geral de tolerância e abstinência.

2 DANTAS, San Tiago. Op. cit., p. 12.

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Nesse sentido, San Tiago Dantas:

Quanto ao outro elemento – prevalência erga omnes –, não é característica dos direitos reais, antes é característica dos direitos absolutos. Então, também, os direitos da personalidade prevalecem erga omnes.3

Se se diz que o direito real prevalece erga omnes, quer-se com isto exprimir, ape-nas, que o dever jurídico a ele correspondente não recai sobre uma determinada pessoa; recai sobre todas as pessoas. A sociedade é constituída de uma multidão encontra-se apenas o titular do direito real. De tal sorte, que se encontra de um lado da relação jurídica esse titular e, de outro, aquela multidão de não titulares.4

Existem outras duas características dos direitos reais: a taxatividade e a tipicidade. A primeira significa que somente por lei podem ser criados direitos reais. A segunda indica a estruturação do direito real, segundo as disposições legais que o regem.

1.3 Os direitOs reais – ClassifiCaçãO

Os direitos reais classificam-se em direito reais à substância e direitos reais ao valor da coisa ou direitos reais em garantia, direito real pleno e direito real limitado.

Entre esses direitos, muitas classificações podem ser operadas. Uma das mais generalizadas é a que os divide em dois grupos: direitos à substância da coisa e direitos ao valor da coisa. A servidão, o usufruto e a enfiteuse são direitos à substância, porque o titular traz a coisa para sua dependência. Os direitos reais de garantia, pelo contrário, são direitos ao valor, porque, até mesmo o penhor, direito que permite ao titular conservar a coisa em seu poder, não o autoriza, entretanto, a utilizar-se dela, senão, apenas, a vendê-la para pagar a dívida pela qual respondia. Vê-se também que em qualquer um desses direitos encontram--se as características fundamentais há pouco estudadas: a aderência do vínculo jurídico à coisa e a prevalência erga omnes, características essas que variam de aspectos, de um direito para outro, mas que sempre se manifestam sob formas que podem identificar-se.5

1.3.1 Os direitos reais à substância, pleno e limitado

Conforme demonstrado, o direito real é identificado pelo peso do vínculo que estabelece sobre a coisa. Esse vínculo poderá se instalar na própria coisa, substancialmente considerada.

3 Definição extraída das aulas do Prof. Ebert Chamoun.4 DANTAS, San Tiago. Op. cit., p. 16.5 DANTAS, San Tiago. Op. cit., p. 18.

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Nessa hipótese, a coisa, em si mesma considerada, será objeto de explo-ração econômica; tentar extrair, segundo a sua destinação, uma utilidade, um proveito econômico, pelo que a coisa estará sendo usada. Além de usar a coisa, poderá o titular também explorá-la, com o objetivo de retirar-lhe os frutos; esta-rá então exercendo uma atividade de fruição.

Como consequência dessa denominação que tem o titular, a coisa po-derá ser por ele gravada, fazendo migrar para o patrimônio de um terceiro as prerrogativas analisadas; poderá o titular daquelas prerrogativas dispor da coisa.

Com esses aspectos do direito real, acrescenta-se também outro de or-dem externa, que é a possibilidade que tem o seu titular de repelir as influências alheias que o afetem.

Aquele que detiver livremente as prerrogativas – usar, fruir e dispor – será titular de um direito real à substância.

Assim, a propriedade, por reunir as três faculdades sob o domínio de um único sujeito de direito, é denominada de direito real pleno ou por excelência.

Sobre o assunto, San Tiago Dantas esclarece que:

O direito real por excelência é o domínio ou propriedade. No domínio, a coisa está submetida à vontade do titular sob todos os seu aspectos e o titular tem a faculdade de excluir quem quer que seja da fruição da coisa que lhe pertencer. Aí estão os dois aspectos do direito de propriedade: o aspecto interno, que é a senhoria, isto é, a dominação da coisa pela vontade do titular e que, na opinião de alguns juristas, é o aspecto econômico da propriedade; e o aspecto externo, a exclusão da ingerência alheia, que, para os mesmos juristas, é o seu aspecto jurídico. Na plenitude do poder do proprietário sobre a coisa encontram-se três poderes distintos: o poder de uso, o poder de gozo e o poder de disposição.

Diante disso, a substância da coisa é o conjunto de atividades que o ho-mem desenvolve sobre ela, com o objetivo de satisfazer as suas necessidades, quais sejam, usar, fruir e dispor, sendo o direito real pleno aquele que reúne sob o domínio de um único titular essas três faculdades.

Entretanto, nem toda propriedade é plena, na medida em que poderá o seu titular despojar-se em uma ou alguma dessas faculdades, o que tornará a propriedade limitada Quando se priva a propriedade qualquer dessas faculda-des estará sendo criado, outro direito real, que exerce sobre uma dessas facul-dades, será também limitado.

Assim, haverá dupla limitação: a propriedade diante da migração de uma das suas faculdades para o patrimônio de terceiros e o direito real que se cria em razão dessa transferência.

Nesse sentido, San Tiago Dantas:

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Ao lado do domínio, que é o direito real completo e, portanto, o paradigma desta categoria de direitos subjetivos, temos os outros direitos reais, que se chamam limitados porque o poder que tem o titular sobre a coisa não é um poder pleno, completo, não abrange as faculdades de usar, gozar e dispor. Alguns autores antigos, e até modernos, gostam de considerar os direitos limitados como sendo desmembramentos do domínio, como sendo fragmentações que o domínio sofre pela transferência de certos poderes do proprietário a terceiros. Essa concep-ção torna-se conveniente quando se está examinando a figura do proprietário que concede direitos reais limitados sobre sua coisa, mas não deixa de ser uma construção artificial. Na verdade, em cada um dos outros direitos reais, o que há são direitos limitados, mas, desde o momento em que sobre uma coisa incidem, simultaneamente, a propriedade e um direito real limitados, este último compri-me a propriedade e, então, se diz que ela se tornou propriedade menos plena, propriedade restrita ou propriedade limitada. A propriedade é plena quando tem por objeto uma coisa sobre a qual não recai qualquer outro direito real; e é limi-tada quando, ao mesmo tempo, incidem sobre a coisa um direito de propriedade e um direito real limitado.

Sendo assim, pode-se fazer surgir um direito real limitado em que se transfere, para um terceiro, a faculdade de uso, até mesmo possível que este uso seja limitado a um fim específico.

Assim também em relação à faculdade de fruição, que pode ser transfe-rida isoladamente.

Direito real de uso – art. 742 do Código Civil: “O usuário fruirá a utilidade da coisa dada em uso, quanto o exigirem as necessidades pessoais suas e de sua família”.

Direito real de habitação – art. 746 do Código Civil: “Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família”.

É o caso da renda constituída sobre imóveis – arts. 749 e seguintes do Código Civil.

Diante dos fins específicos que se pode impor a respeito da faculdade de usar um bem, destaca-se a servidão predial, que consiste no direito de usar a utilidade qualquer do prédio que for gravado.

Nesse sentido, San Tiago Dantas:

Quais são os direitos reais limitados? O primeiro a ser considerado é a servidão. A servidão é, por sua natureza, predial. Ela põe sempre em presença dois pré-dios, um dos quais se diz serviente; o outro, dominante. O proprietário do prédio dominante tem, sobre o prédio serviente, um direito real limitado, que consiste no direito de usar utilidade qualquer daquele prédio. Que utilidade pode ser esta? Uma utilidade variadíssima. Pode consistir no trânsito, pode consistir em ir

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buscar água, em canalizar água de um prédio para outro, em levar o gado para beber, em tirar cal, pedra ou qualquer outro produto mineral e pode consistir, quando se trata de prédio urbano, em utilidades relacionadas com a construção, como retirar luz, ventilação etc. Em todos esses casos, o direito real é limitado porque o titular da servidão não pode fazer mais do que aquilo que a servidão autoriza. Todas as outras utilidades da coisa lhe estão interditas. E, por outro lado, o proprietário da coisa sobre a qual recai a servidão tem uma propriedade menos plena ou limitada.

Código Civil:

Art. 695. Impõe-se que a servidão predial a um prédio em favor de outro, perten-cendo a diverso dono. Por ela perde o proprietário do prédio serviente o exercí-cio de algum de seus direitos dominicais, ou fica obrigado a tolerar que dele se utilize para certo fim, o dono do prédio dominante.

Também é possível a transferência, em conjunto, de ambas as faculda-des: usar e fruir. Instituir-se-á um usufruto, quando houver a transferência tem-porária dessas faculdades para um terceiro e caso este, o usufrutuário, não possa alienar para outras pessoas esse seu direito.

Código Civil:

Art. 713. Constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade.

Lição de San Tiago Dantas:

Outro direito real limitado é o usufruto. No usufruto há um titular a quem se chama usufrutuário e que pode usar e gozar a ciosa. Este é um caso curioso; a propriedade sofre aí uma limitação fundamental, por assim dizer, perde a base de seu conteúdo econômico. Se perguntarmos: quem pode se beneficiar da utilidade da coisa? Quem pode perceber seus frutos? Veremos logo que é o usufrutuário e, então, outra indagação se impõe: o que resta ao proprietário? Resta-lhe, apenas, a expectativa de reaver a coisa no dia em que o usufruto cessar. Por essa razão é que se diz que a propriedade de uma coisa sobre a qual há um usufruto é uma nuda proprietas. O usufruto pode ser mais restrito e não compreender os frutos, nesse caso temos, apenas, o direito real de uso; e pode consistir num uso apenas para habitar, não sendo permitido ao titular, por exemplo, ter uma loja, caso em que temos o direito real de habitação.

Um direito mais amplo do que o usufruto é a enfiteuse, na medida em que o titular do direito real limitado, além de poder usar e fruir a coisa, poderá também alienar o seu direito.

É este o ensinamento de San Tiago Dantas:

Mais ampla até que o usufruto, a enfiteuse, também chamada aforamento, é outro direito limitado. Na enfiteuse há transferência para o enfiteuta do uso e do gozo,

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bem como, também, do poder de alienar o seu direito. Aqui temos outro caso em que o proprietário (enfiteuticador) fica reduzido à nuda proprietas. Mas a enfiteuse é um direito tão pouco limitado que, durante a Idade Média, ela não foi considerada direito real limitado, e sim uma modalidade de domínio. Por isso, ainda hoje, temos a expressão domínio útil para indicar a enfiteuse.

Código Civil:

Art. 678. Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de ultima vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senho-rio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável.

1.3.2 Os direitos reais de garantia

O interesse do titular de um direito real poderá recair não sobre a subs-tância da coisa, com vistas à sua satisfação econômica.

Às vezes o titular de um direito real poderá se interessar apenas pelo va-lor da coisa, ou seja, a coisa, substancialmente considerada, lhe é desinfluente.

Desta forma, a coisa, para o titular de um direito real, tão somente como uma estimação, como uma valoração, em razão do quantum que se poderá alcançar para satisfação dos interesses do subjetivo ativo da relação jurídica.

Com isso, os direitos reais são chamados de direitos reais ao valor ou de direitos reais de garantia, que se identificam como sendo acessórios a uma obri-gação principal que é exatamente garantidora por esse direito real.

1.3.2.1 As espécies de direitos reais de garantias

O Código Civil, no seu art. 674, VII, VIII e IX, institui três espécies de direitos reais em garantia: o penhor, a anticrese e a hipoteca.

Constitui-se o penhor quando a coisa móvel, dada em garantia, fica em poder do credor. Já a hipoteca dá-se quando a coisa imóvel permanece em po-der do devedor. A anticrese, por seu turno, nasce da entrega ao credor de um bem imóvel, com vistas à percepção de frutos e rendimentos.

Código Civil:

Art. 768. Constitui-se o penhor pela tradição efetiva, que, em garantia do débito, ao credor, ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de um ob-jeto móvel, suscetível de alienação.

Arts. 809 e seguintes.

Art. 805. Pode o devedor, ou outrem por ele, entregando ao credor um imóvel, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendi-mentos.

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1.3.2.2 As características dos direitos reais de garantia

Os direitos reais em garantia apresentam-se com algumas características em comum, sendo que, em alguns casos, exceção a elas pode ocorrer em uma ou outra espécie de garantia, aliás, como se verá ao longo deste trabalho em relação à alienação fiduciária sobre bens imóveis.

A primeira característica é a acessoriedade. Isto é, às garantias reais vin-cula-se a existência de uma obrigação denominada principal, mesmo que seja uma obrigação futura.

Sobre o assunto, comenta San Tiago Dantas:

Agora, as características gerais dos direitos reais de garantia. Primeira característi-ca é a acessoriedade. Nos direitos sobre a substância da coisa, o direito existe por si mesmo, em virtude do ato que o criou, não assim nos direitos reais de garantia, que todos eles são acessórios de um crédito cuja sorte acompanha. Vence-se o crédito, vence-se o direito, ou melhor, entra o direito em sua fase de execução e extingue-se o crédito, perde a razão de ser o direito real de garantia que o assegu-ra, enfim o direito real de garantia está orientado para o crédito por uma espécie de gravitação particular. Ele gravita na órbita do crédito; a garantia sofre a sua atuação e sua influência e por ele se justifica, assim preenchendo a sua função econômica em razão do crédito que acompanha. Aí, uma característica funda-mental e importantíssima de considerar-se nas sua numerosas situações práticas.6

Por serem acessórios, os direitos reais em garantia podem ser instituídos ao mesmo tempo em que se constitui a obrigação principal, ou posteriormente, seguindo-se, ainda, via de regra, a mesma sorte da obrigação principal.

Neste sentido, José Carlos Moreira Alves:

Ademais, é de notar-se que, como se verifica quanto aos contratos que visam à constituição dos direitos reais de garantia, é possível celebrar-se contrato de alienação fiduciária para garantir o cumprimento de obrigação futura, ou de obri-gação sob condição em que sua eficácia ficará dependente do nascimento da obrigação principal.7

Vide, por todos, José Carlos Moreira Alves:

O caráter acessório da alienação fiduciária em garantia. Como ocorre com os contratos que são títulos de aquisição dos direitos reais de garantia, é a alienação fiduciária contrato acessório daquele de que ocorre o crédito que a propriedade fiduciária visa a garantir. Por conseguinte, em virtude do princípio acessorium sequitur principale, em regra se o contrato principal for nulo, nula será também a alienação fiduciária; se anulável, ela será válida até a anulação daquele. É

6 DANTAS, San Tiago. Op. cit., p. 387.7 ALVES, José Carlos Moreira. Alienação fiduciária em garantia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 65.

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certo, porém, como observa Demogue, que, se o contrato acessório (no caso, a alienação fiduciária) for celebrado entre o credor e terceiro que não o devedor (garantia dada por terceiro), não guardará ele a mesma dependência que existe entre o contrato principal e a alienação em que os participantes em ambos sejam os mesmos. Com efeito, na hipótese de garantia constituída por terceiro, poderá substituir o contrato acessório apesar de o contrato principal estar viciado: assim, se o devedor principal for incapaz, estará ele desobrigado, mas o mesmo não sucederá com o terceiro garante cuja garantia subsistira, porquanto não lhe apro-veitará a exceção pessoal do devedor incapaz.8

A segunda característica é a sequela. A sequela ou o ius persequendi, que é, na verdade, atributo do direito real, é de grande serventia ao funcionamento e à efetividade das garantias reais, porque ao credor se permite atingir a coisa de onde que ela se encontre, com forte munição, haja vista o poder que tem de aliená-la a partir do inadimplemento do devedor.

A terceira característica é a preferência. Ao desfrutarem os credores de garantia real do direito de preferência, permite-se que eles executem a coisa, à frente de qualquer outro credor, ressalvadas algumas exceções, como o crédito trabalhista e o tributário.

Código Civil:

Art. 759. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada, ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, obser-vada, quanto à hipoteca, a prioridade na inscrição.

Em relação à alienação fiduciária, o direito de preferência é tão acen-tuado que toma as vestes de restituição ao credor do bem, em caso de falência do devedor, ficando assim o credor totalmente a salvo das consequências da insolvência.

A quarta característica é a continuidade da garantia, prevista no art. 767 do Código Civil, segundo o qual o devedor continuará obrigado pessoalmente pelo débito, caso o valor alcançado pela venda do bem não seja suficiente para o pagamento da obrigação.

Uma quinta característica é a sub-rogação real. A sub-rogação é a possi-bilidade de a garantia perseguir o produto da indenização pela desapropriação ou destruição do bem dado em segurança.

Código Civil:

Art. 762. [...]

8 ALVES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 65.

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§ 1º Nos casos de perecimento ou deterioração do objeto dado em garantia, à indenização, estando ele seguro ou havendo alguém responsável pelo dano, se sub-rogará na coisa destruída ou deteriorada, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até o seu completo reembolso.

A sexta característica apresenta-se como a necessidade de registro e pu-blicidade da garantia para que se transforme em direito real e tenha eficácia contra terceiros.

A sétima característica conflagra-se através da necessidade de especifica-ção dos elementos constitutivos do direito real (razão creditória, limites, valor e descrição do bem).

Código Civil:

Art. 761. Os contratos de penhor, anticrese e hipoteca declararão, sob pena de não valerem contra terceiros:

I – o total da dívida ou sua estimação;

II – o prazo fixado para pagamento;

III – a taxa dos juros se houver;

IV – a coisa dada em garantia, com as suas especificações.

Jurisprudência:

Para se efetivar o registro de contrato de promessa de compra e venda, o qual estabelece garantia hipotecária, é imprescindível a indicação do valor do preço ou sua estimação, ante o disposto no inciso I do art. 761 do Código Civil. (TJMT, Ap. 17.420/Capital, ac. un. da 3ª C.Cív., Rel. Des. Munir Feguri, J. 06.03.1996. In ADCOAS 8151735)

Como derradeira característica, tem-se a indivisibilidade da garantia real: ainda que pago o débito parcialmente, permanece toda a coisa como garanti-dora da dívida restante.

Código Civil:

Art. 758. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exone-ração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposições expressas no título, ou na quitação.

1.4 a natureza jurídiCa da alienaçãO fiduCiária

Analisado o direito real em garantia, infirme-se a assertiva de que a alie-nação fiduciária insere-se em seu bojo, sendo, pois, uma das espécies de direito real em garantia, ainda que com suas peculiaridades.

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A indicação da natureza jurídica da alienação fiduciária muito depende-rá do seu enquadramento como negócio jurídico.

Segundo José Carlos Moreira Alves, “determinar a natureza jurídica de um instituto é estabelecer o seu enquadramento dentro de uma das categorias dogmáticas admitidas no sistema jurídico de um país”.

Vale dizer, para aqueles que pensam ser a alienação fiduciária um tipo de negócio fiduciário, a sua natureza será uma; para outros, que esposam a tese de que a alienação fiduciária é negócio autônoma, a natureza jurídica do instituto será outra.

Sob o ponto de vista de Orlando Gomes, a alienação fiduciária em garan-tia continua a pertencer à categoria de negócio fiduciário, mesmo que um dos seus elementos (confiança) tenha desaparecido, ante as modificações introduzi-das pela legislação nacional.

Segundo Orlando Gomes:

A alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico consistente na transmissão de propriedade, limitada por uma relação obrigacional que distorce o fim natu-ral do contrato translativo. A alienação é meio para alcançar o fim de garantia. Desnatura-se, porque se destina a um fim menor do que decorre de sua causa e constitui uma propriedade temporária.

[...]

Da inserção desse negócio translativo no instituto da propriedade resolúvel, não se pode inferir, entretanto, que se sacrificou inteiramente a sua estrutura. Não deixa de ser atuação da autonomia privada, na qual empregam as partes um ins-trumento jurídico por via do qual visam a resultado mais estreito do que deveria ser alcançado com a sua utilização. A configuração legal afeta-lhe, sem dúvida, a pureza, nunca, porém, ao ponto de o desarticular, ou o converter em outro tipo, como querem alguns escritores dentre os quais Rubino.

[...]

A vantagem da tipificação nos termos da lei pátria trouxe, entretanto, grave in-conveniente sob o aspecto dogmático. Tal como se acha delineada, a alienação fiduciária em garantia foi desfigurada. Conserva muitas características do negócio fiduciário. Desde, porém, que o legislador preferiu o mecanismo da proprieda-de resolúvel e determinou a reversão indeclinável da propriedade ao fiduciante, com o implemento da condição resolutiva, o fator confiança (fidúcia) desaparece de cena. O negócio fiduciário o pressupõe como o próprio nome indica. Se o fiduciante se dispõe a realizá-lo é porque confia no fiduciário, e certo está de que lhe restituirá a propriedade. Outra não é a razão por que transfere ao credor posição jurídica muito mais energética e extensa do que a necessária para lhe dar

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segurança. Investe-o, verdadeiramente, na propriedade do bem arriscando-se a jamais recuperá-la. (GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 4. ed. São Paulo: RT, 1975. p. 34, 42 e 40)

E, como tal, o seu contorno dogmático teria duplo efeito: um de natureza real, outro obrigacional:

36. Considerando na perspectiva das limitações do poder do adquirente da pro-priedade, o negócio fiduciário explica-se à luz de três principais construções teóricas.

Serve-se a primeira de um pacto obrigacional agregado à transferência da pro-priedade, que se destina a neutralizar o efeito real da transmissão, condicionan-do-o ao fim especial para o qual ela se realiza. As raízes dessas explicações encontram-se no direito romano.

A segunda teoria, de inspiração alemã, recorre à condição resolutiva para justifi-car a limitação, no tempo e no conteúdo, do direito real do fiduciário. Sustentam seus adeptos que ele adquire uma propriedade temporária, para fim determinado.

A terceira teoria dissocia o direito do fiduciário, assinalando que, nas relações externas, é de propriedade, e, nas relações internas, de crédito, figurando ele, em certos casos, como um mandatário (fiduciae cum creditore e cum amíco), e, em outros, como accipiens. Os efeitos do negócio fiduciário variam conforme a construção aceita, salientando os escritores que a teoria da condição resolutiva oferece maior segurança ao fiduciante. Influem essas construções dogmáticas, segundo Rubino, na maior ou menor possibilidade, para o fiduciário, de ser parte em juízo nas causas sobre a res fiduciária e, para o fiduciante, de servir como testemunha; nos efeitos, quanto ao fiduciante, da sentença proferida em relação ao fiduciário; na disciplina da sucessão na relação jurídica processual; na even-tual qualificação penal do abuso do fiduciário, isto é, se responde pelo crime de apropriação indébita, ou apenas por perdas e danos.

37. Posto se enfraqueça como negócio fiduciário, o se inserir na operação fi-nanceira que as sociedades de crédito, financiamento e investimento realizam no exercício de sua atividade peculiar, a alienação fiduciária em garantia tem a configuração que a doutrina tenta interpretar sob a influência perdurante dos conceitos emitidos pelos descobridores dessa espécie jurídica.

Atribuiu-se-lhe, como de sua essência, duplo efeito, sustentando-se que reúne dois negócios jurídicos, um real e o outro, obrigacional.

Portanto, trata-se a alienação fiduciária de um negócio jurídico bilateral (contra-to) que visa à constituição de um direito real acessório de garantia, sendo, por conseguinte, a alienação fiduciária em garantia um contrato com efeitos reais.

Sob esse prisma, não se pode confundir a classificação de contrato real com contrato de efeitos reais. O primeiro é aquele que se caracteriza pela formação do vínculo com a entrega da prestação, enquanto que o segundo produz efeitos na seara dos direitos reais.

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José Carlos Moreira Alves:

Examinando-se a estrutura da alienação fiduciária em garantia, quer no teor ori-ginal do art. 66 da Lei nº 4.728, quer na nova redação que a esse dispositivo deu o art. 1º do Decreto-Lei nº 911, verifica-se, de imediato, que trata de negócio jurídico bilateral, que visa a transferir a propriedade de coisa móvel com fins de garantia (propriedade fiduciária).

Embora bem a Lei nº 4.728 nem o Decreto-Lei nº 911 usem da expressão con-trato para caracterizar a alienação fiduciária em garantia, não há dúvida de que estamos diante de negócio jurídico bilateral, análogo aos que visam à constitui-ção dos direitos reais de garantia, e que são denominados contratos pelo Código Civil, como se vê no art. 761, cuja parte inicial reza: “Os contratos de penhor, anticrese e hipoteca declararão, sob pena de não valerem contra terceiros: [...]”.

[...]

Os contratos de penhor, anticrese e hipoteca não são contratos obrigatórios, pois não criam, modificam ou extinguem obrigações. São negócios jurídicos que não se situam no campo do direito obrigacional, mas, sim, no do direito das coisas. Correspondem eles à Einigung do direito alemão, a qual, segundo a doutrina ali dominante, é uni dinglicher Vertrag, expressão que Lacerda de Almeida traduziu por contrato de direito das coisas, uma vez que são acordos de vontade que pro-duzem efeitos reais.

A alienação fiduciária em garantia, ao contrário do que sucede com os contratos de penhor, anticrese e hipoteca, não visa à constituição de direitos reais limita-dos, mas à transferência do direito de propriedade limitado pelo escopo de ga-rantia. Apesar disso, apresenta-se ela, em nosso sistema jurídico, também como contrato de direito das coisas.

Por outro lado, há de se distinguir, também, os contratos obrigacionais dos contratos de efeitos reais. A primeira categoria tem por escopo produzir efeitos somente no campo do direito das obrigações; já a segunda objetiva a produção de efeitos no campo do direito das coisas.

O direito civil brasileiro, quanto à transmissão dos direitos reais, não se cingiu a seguir a distinção, que se funda no direito romano e vem dos autores medievais, entre o título (contrato obrigatório) e o modo de aquisição (como a traditio), nem tampouco se subordinou ao modelo do Código Civil alemão, que apresen-ta, no tocante à transferência da propriedade, a tricotomia: contrato obrigatório (que gera a obrigação de transmitir o domínio), contrato de direito das coisas (a Einigung, acordo de vontade para que se cumpra essa obrigação mediante a tra-dição ou a transcrição) e de modo de aquisição (a tradição ou transcrição). E, nosso sistema jurídico, no que diz respeito à transmissão do domínio, aparente-mente só distinguimos duas figuras – o contrato obrigatório (como, por exemplo, a compra e venda, a doação) e o modo de aquisição (a tradição e a transcrição, conforme se trate de coisa móveis ou imóveis) –, mas, na realidade, entre elas existe a figura do acordo de vontade das partes do contrato obrigatório para o

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adimplemento da obrigação (que é a transmissão da propriedade) de acordo esse que se perfaz com a tradição ou com a transmissão. Essa figura intermediária não aparece, no Direito brasileiro, com a evidência com que se manifesta no direito germânico, pois, aqui, não há uma Einigung materialmente distinta do contrato o obrigatório, em se tratando de transferência do domínio, e Einigung, que é um negócio jurídico bilateral abstrato do direito das coisas, em contraposição ao contrato obrigatório, que é negócio jurídico bilateral causal do direito das obrigações. Em nosso sistema jurídico, embora – como se verifica dos termos do art. 933 do Código Civil – o acordo de vontade para criar a obrigação de transmi-tir se distinga do necessário ao adimplemento dessa obrigação, este se considera implícito naquele, ou, em outras palavras, a vontade de obrigar-se e a de cumprir a obrigação estão codeclaradas no contrato obrigatório, não se distinguindo, por-tanto materialmente. Ademais, e ainda à diferença do direito germânico, o acor-do de vontade do direito das coisas, no sistema brasileiro, é, na opinião quase unânime dos autores, causal, quer a transmissão diga respeito à coisa móvel (o que decorre do art. 622 do Código Civil), quer a coisa imóvel. Em se tratando dos contratos de penhor, anticrese e hipoteca (e igualmente de alienação fiduciária em garantia), ressalta, mais nitidamente, a distinção entre esses dois diferentes acordos de vontade, porquanto, nesses casos, não há vontade de obrigar-se, mas apenas a de constituir o direito real de garantia, como salienta, com precisão, Couto e Silva: “Mas, a vontade de adimplir como decorrência lógica da von-tade criadora de direitos e obrigações somente existe naqueles casos em que o cumprimento de dever seja a sua vez, negócio jurídico”. Essa afirmativa parece óbvia, mas convém ter sempre presente que existem outros negócio dispositivos, inclusive de direito das coisas, que não se constituem em adimplemento de uma obrigação. Nos de garantia, quando alguém diz que dá em hipoteca determina-do imóvel para garantir mútuo anteriormente realizado, cuida-se de negócio de direito das coisas, negócio esse que não é decorrência lógica do mútuo, porque existem empréstimos sem garantia real, e o acordo de constituição do ônus é negócio jurídico no plano dos direitos reais. E aí se faz imprescindível a vontade dirigida à constituição do gravame. Essa, por sua vez, não se poderá considerar como implícita no mútuo.

Por isso mesmo, celebrado um contrato de hipoteca – do qual não surge qualquer obrigação entre as partes –, ele se perfaz com sua transcrição no Registro de Imó-veis que pode ser requerida por qualquer interessado, e não apenas pelo credor, pois, como esclarece Couto e Silva, a transcrição é ato de direito publico, não integrado pela vontade dos particulares.

Dessas considerações resulta que, seguindo a nomenclatura adotada pelo Có-digo Civil, se pode caracterizar, à semelhança do que sucede com o penhor, a hipoteca e a anticrese, enquanto negócios jurídicos bilaterais, a alienação fiduci-ária em garantia como contrato, mas contrato que é obrigatório, situando-se, ao contrário, no plano do direito das coisas. E esse contrato – que é nominado – se enquadra entre negócios jurídicos a que a dogmática moderna dá a denominação de negócios jurídicos dispositivos.9

9 DANTAS, San Tiago. Op. cit.

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Como em todo direito real, que haja o ato de sua constituição, assim, em qualquer das espécies de alienação fiduciária, para que se institua um direito real, imprescindível é o registro da propriedade fiduciária, consoante escólio de José Carlos Moreira Alves.

Isto, todavia, não quer dizer que o direito real de garantia não se constitua por um modo próprio. Não basta existir o crédito para que dele gere a garantia como obra de uma simples convenção. É necessário, para que o penhor suja, que se pratique o ato que suja a hipoteca, que se inscreva o ato constitutivo no registro de imóveis, mas essa constituição por um ato próprio, por uma razão autônoma, adere àquele crédito, e a acessoriedade jurídica não é mais do que a expressão de sua acessoriedade econômica.10

1.4.1 Da natureza jurídica do direito do fiduciário e do fiduciante

A alienação fiduciária, ao contrário dos demais direitos reais em garan-tia, não se caracteriza propriamente como um direito real limitado, segundo o sistema engendrado pelo Código Civil.

Pela sistemática do instituto, o devedor (fiduciante) despoja-se de sua propriedade (dispõe), transferindo-a para o credor (fiduciário), que a receberá em garantia, de forma temporária e sem poder dela se utilizar.

O fiduciário se tornará proprietário resolúvel da coisa, sem os atributos das faculdades de usar e dispor, mas com a prerrogativa de extrair, extrajudicial-mente, o seu valor, para fins de satisfação do seu crédito.

Por outro aspecto, mais complexo é o direito do fiduciante (devedor), pois deixará o dono da coisa de ser proprietário, mas continuará sendo pos-suidor, exercendo as faculdades de usar e fruir, sendo-lhe conferido um direito eventual e compulsório ao bem, após o pagamento da dívida.

Orlando Gomes define com clareza a natureza deste direito do fiducian-te, concluindo tratar-se de um direito eventual à propriedade, reforçado por um direito existente de apropriação:

119. Na cessão do contrato realizado pelo consumidor com a financeira, há uma particularidade que requer detida análise. A fim de obter o financiamento, o consumidor aliena em garantia o bem que adquiriu. Por força dessa alienação, torna-se a financeira dona desse bem, conquanto adquira a sua propriedade sob condição resolutiva. Não tem, consequentemente, propriedade plena e defini-tiva, mas é, de qualquer sorte, proprietária. Dado que propriedade é um direito exclusivo, importa a alienação, mesmo para o fim de garantia, sua perda para o alienante. Contudo, constituindo-se por esse negócio translativo uma proprieda-de resolúvel, surge na própria pessoa do alienante a figura do proprietário sob

10 ALVES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 39 e ss.

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condição suspensiva, que se tornará novamente dono do bem, se pagar a dívida para a segurança da qual o alienara. Tem o fiduciante, nessas condições, um di-reito eventual, consistente, entretanto, numa expectativa real em que se encerra, condicionalmente, uma pretensão restituitória.

120. As expectativas são direitos em formação, que dependem de um fato, ou de uma sequência de fatos para se cumprirem. O consumidor que aliena fiducia-riamente o bem para garantir a dívida tem, com efeito, um direito, pertencente atualmente a outro sujeito, mas que lhe deve ser transferido quando se verifique o pagamento da dívida, reingressando no seu patrimônio. O fiduciário tem sobre esse bem, nas expressões de von Thur, uma propriedade provisória ou sujeita a vinculação, devendo ser designado, em relação ao fiduciante, como pré-titular, cujo direito se extingue quando se realiza a condição resolutiva. Quando a ex-pectativa é segura, assimila-se, para esse autor, aos direitos subjetivos, porquan-to, de algum modo, está protegida. Nestes casos, distinguem-se expectativas de fato, porque nestas a possibilidade de aquisição é muito incerta, como, por exem-plo, quando depende da vontade do pré-titular. A expectativa do fiduciante não é insegura porque depende, ao contrário, do seu propósito de saldar todas as pres-tações, em que se fraciona a dívida, e, se o cumprir, o pré-titular não pode obstar a definitiva aquisição do direito que, desse pagamento, depende. Como diz o mesmo von Thur: coisa sobre a qual tem alguém um direito real de espera não cai ainda no seu poder, mas está exposta a que o poder passe a existir. Entendido que se trata de um direito em formação, a expectativa do fiduciante, subordina como se aca a uma condição potestativa, é transferível, inclusive por sucessão hereditária. Por sua natureza, pertence a seu patrimônio, nele se inscrevendo como um direito de apropriação através de cujo exercício o fiduciante realiza a expectativa. Assim ao ceder sua posição contratual, transmite, igualmente, a expectativa, o direito eventual de se apropriar do que lhe passa a pertencer com o implemento da condição.

CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E O CONCEITO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Os institutos jurídicos serão sempre compreendidos a partir da evolução histórica. O ordenamento positivo não se consubstancia em ato isolado, mas emerge sim de um processo evolutivo e histórico de maturação, muitas vezes pretoriana, ao passo que, na maior parte dos exemplos, a fixação do instituto em norma legal consolida a sua utilização em sociedade.

Compreendendo-se melhor um instituto jurídico, quando se conhece a sua histó-ria, porque ele não é produto do arbítrio da vontade do legislador, mas o resultado dum processo evolutivo de longa e progressiva elaboração social. Surge de modo espontâneo, nos meios históricos, revestindo formas vagas e indefinidas, e adqui-re, no decurso de sua evolução, fisionomia e individualidade características...11

11 OPTIZ, Oswaldo; OPTIZ, Sílvia C. B. Alienação fiduciária em garantia. 1. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. p. 130.

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2.1 Origem da alienaçãO fiduCiária em garantia

Há uma controvérsia quanto à origem da alienação fiduciária: para al-guns autores, advém da fidúcia romana; para outros, do negócio fiduciário ger-mânico; para uma terceira linha, do trust receipt, e, para uma quarta corrente de pensamento, da mortgage, sendo as duas últimas figuras utilizadas no direito anglo-americano. Portanto, são vários os institutos que assemelham à alienação fiduciária em garantia, sendo que todos eles possuem traços de semelhança com a fidúcia do direito romano. Mesmo que a alienação fiduciária não decorra propriamente do direito romano, os elementos que compõem a fidúcia romana influenciaram na criação brasileira.

Ainda que essas fontes inspiradoras tenham sido substancialmente altera-das em sua estrutura, até mesmo para atender as exigências da sociedade mo-derna, há de se iniciar o estudo da origem da alienação fiduciária em garantia partindo do direito romano – fonte remota do instituto em exame.

A alienação fiduciária em garantia, negócio típico do nosso direito, acrescido aos demais direitos de garantia existentes em nossa legislação civil e comercial, é uma prova disso. Sua historia é muito antiga, tendo revestido formas vagas e indefinidas até se tornar o instituto que chegou aos nossos dias. Legou-se nos a síntese mais perfeita da evolução jurídica da sociedade, que é, sem favor ne-nhum, o direito romano.12

2.1.1 A fidúcia

2.1.1.1 A fidúcia: evolução histórica e características

A fidúcia nasceu no direito romano, mesmo que o momento histórico de sua criação seja de grande dificuldade, como aponta Otto de Souza Lima (Negócio fiduciário. São Paulo: RT, 1959).

A primeira razão refere-se à circunstância comum a todos os institutos jurídicos que é a existência de prévia evolução da sociedade, para após ser lançada pelo legislador no ordenamento constituído em razão da transformação em norma jurídica.

A segunda razão traduz a essência da terminologia do instituto, baseada na ideia de confiança que as partes da relação jurídica depositam-se reciproca-mente para manter o pacto submerso e restrito, em contraposição à publicidade e solenidade dos contratos celebrados ao tempo do direito romano.

12 OPTIZ, Oswaldo; OPTIZ, Sílvia C. B. Op. cit., p. 130.

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A terceira indica que a fidúcia era encarada como um tipo de pacto não dotado de coercibilidade, ao ponto em que inexiste expressa referência a esse instituto na compilação do Corpus Juris.

Parece existir, nos dias atuais, consenso dos historiadores de que a fidú-cia teria sido prevista inicialmente na Lei das XII Tábuas, conforme salienta Otto de Souza Lima.

A fidúcia é definida como uma convenção pela qual aquele que recebeu uma coisa ou um direito, pela mancipatio ou pela in iure cessio, obriga-se à restituição, quando satisfeito o fim ou preenchida a destinação.

2.2 O COnCeitO da alienaçãO fiduCiária em garantia

Diversos são os conceitos de alienação fiduciária em garantia, até por-que diversas são as correntes que classificam a alienação fiduciária em garantia como negócio jurídico próprio, como espécie do negócio fiduciário.

Para Orlando Gomes:

Em sentido lato, a alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire, em confiança, a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê--la quando se verifique o acontecimento a que se tenha subordinado tal obriga-ção, ou lhe seja pedida a restituição.

Acrescenta o jurista que:

Do negócio de alienação fiduciária nasce uma relação jurídica entre fiduciante e fiduciário, que se distingue pelos fatos confiança. O fiduciante confia em que vol-tara a ser dono da mercadoria no momento em que pagar a dívida. Ao celebrar o negócio translativo, tem a intenção de recuperar o domínio da coisa alienada em garantia, bastando, para reavê-la, que cumpra a obrigação, expectativa que nutre ao contraí-la.

Portanto, para que se constitua um negócio fiduciário propriamente dito, faz parte de sua essência o risco assumido pelas partes contraentes ao deposi-tarem-se, reciprocamente, acentuada dose de confiança no cumprimento do pacto.

O que impõe às partes a necessidade de cumprimento das suas obri-gações em contrato de alienação fiduciária são os comandos normativos que regulam o instituto, e não eventual confiança na parte contraente, como no caso do negócio.

A alienação fiduciária não é espécie de negócio fiduciário, e sim direito real de garantia de categoria autônoma e que se identifica por ser acessório a

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um negócio jurídico principal e conferir a garantia ao credor pela transferência resolúvel da propriedade.

Assim, pode se conceituar a alienação fiduciária como contratos de efei-tos reais que visam à constituição de direito real acessório de garantia, segundo o qual se transferem ao fiduciário (credor) a propriedade resolúvel e a posse indireta de uma coisa, com a finalidade de assegurar o cumprimento da obriga-ção principal pelo fiduciante a constituição de direito real acessório de garantia, segundo o qual se transferem ao fiduciário (credor) a propriedade resolúvel e a posse indireta de uma coisa, com a finalidade de assegurar o cumprimento da obrigação principal pelo fiduciante (devedor) que se tornara (devedor) que se tornara possuidor indireto do aludido bem.

CAPÍTULO 3 – OS BENS QUE PODEM SER OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA

3.1 a alienaçãO fiduCiária sObre bens imóveis

Pelo advento da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, admitiu-se, formalmente, no nosso ordenamento jurídico, a alienação fiduciária em garan-tia sobre bens imóveis:

Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garan-tidas por:

I – hipoteca;

II – cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alie-nação de imóveis;

III – caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de compra de venda ou promessa de venda de imóveis;

IV – Alienação fiduciária de coisa imóvel.

[...]

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, como escopo de garantia, contrata a transfe-rência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Parágrafo único. A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa físi-ca ou jurídica, podendo ter objeto imóvel concluído ou em construção, não sendo privativa das entidades que operam no SFI.

O parágrafo único do art. 22, ao estabelecer a possibilidade de instituição da alienação fiduciária sobre bens imóveis construídos ou em construção, traz à tona a questão da alienação fiduciária sobre bens imóveis futuros.

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CAPÍTULO 4 – OS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Os direitos e obrigações do fiduciante e do fiduciário na constituição e execução de uma alienação fiduciária em garantia da autonomia da vontade.

Assim, define quem pode ser parte na instituição de alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis, pois, muitas vezes, a legitimidade negocial da pessoa vem limitada pelo direito, o que implica redução da sua vontade de contratar.

4.1 as partes na COnstituiçãO da alienaçãO fiduCiária sObre bens imóveis

Na alienação fiduciária em garantia denomina-se fiduciário o credor, aquele que recebe o bem em garantia; já o devedor, aquele que dá o bem em garantia, chama-se fiduciante.

Qualquer pessoa, natural ou jurídica, poderá ser não só o fiduciário, mas também o fiduciante, desde que preencham os requisitos gerais para celebração de negócio jurídico, quais sejam, capacidade aparente e genérica e poderes de disposição.

Por sua vez, os entes despersonalizados, como a massa falida, o condô-mino, o espolio etc., não poderão contratar alienação fiduciária de bens imó-veis, pois não são pessoas dotadas de personalidade jurídica, embora possam litigar, tendo capacidade judiciária.

4.1.1 A cessão do crédito e da posição contratual do fiduciário – A sub-rogação

Dispõem os arts. 28 e 35 da Lei nº 9.514, de 20.11.1997:

Art. 28. A cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implicará a transfe-rência, ao cessionário, de todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia.

Art. 35. Nas cessões de crédito a que aludem os arts. 3º, 18 e 28, é dispensada a notificação do devedor.

Por sua vez, para que a cessão de crédito seja válida e eficaz perante o fiduciante e terceiros, deverá ser averbada no competente assento do imóvel perante o Registro de Imóveis, o que, na sua falta, provavelmente, não impedirá o uso pelo novo fiduciário, ao menos, dos interditos possessórios, na esteira da Súmula nº 84 do STJ, acerca das promessas de compra e venda.

Outra consequência advinda da cessão capitulada no art. 28 acima trans-crito é a manutenção da possibilidade do fiduciante, por força do art. 1.072 do Código Civil, opor ao antigo e ao novo fiduciário as exceções que tiver contra eles.

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4.1.2 A sub-rogação dos créditos dos direitos do fiduciário

Por sua vez, o art. 31 da Lei nº 9.514/1997 estabelece a sub-rogação legal dos direitos do fiduciário ao fiador ou terceiro interessado que pagar a dí-vida do fiduciante: “Art. 31. O fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida ficará sub-rogado, de pleno direito, no crédito e na propriedade fiduciária”.

4.1.3 A cessão da posição contratual do fiduciante

Dispõem os arts. 29 e 31 da Lei nº 9.514, de 20.11.1997:

Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações.

Orlando Gomes, em preciosa passagem de sua obra, define com clareza a natureza do direito do fiduciante sobre o bem alienado fiduciariamente, a fim de concluir a possibilidade de sua cessão:

119. Contudo, constituindo-se por esse negócio translativo uma propriedade re-solúvel, surge na própria pessoa do alienante a figura do proprietário sob condi-ção suspensiva, que se tornara novamente dono do bem, se pagar a dívida para a segurança da qual o alienara. Tem o fiduciante, nestas condições, um direito eventual, consistente, entretanto, numa expectativa real em que se encerra, con-dicionalmente, uma pretensão restituitória. [...]

4.1.4 A insolvência das partes

A Lei nº 9.514/1997 disciplinou que caberá ao fiduciário recuperar o bem, na forma da legislação em vigor, em caso de insolvência do fiduciante.

Podem as partes, no exercício da autonomia da vontade, disciplinar atra-vés do próprio regime contratual quais os efeitos da insolvência sobre a aliena-ção fiduciária.

Uma vez decretada a insolvência do fiduciante, o primeiro efeito que se terá presente é o vencimento antecipado da dívida principal.

Entretanto, dúvida existirá acerca do vencimento antecipado também dos juros, eis que aplicável à espécie seria o art. 763 do Código Civil.

4.2 a fOrma dO COntratO de alienaçãO fiduCiária sObre bens imóveis

A partir da formação da relação contratual ao registro, indispensável será seguir-se a determinação legal quanto à forma do pacto de garantia que institui a alienação fiduciária, pois esta se constitui mediante registro do contrato, nos termos do art. 23 da Lei nº 9.514/1997: “Art. 23. Constitui-se a propriedade fi-

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duciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título”.

Sem o cumprimento das formalidades legais, não pode haver registro e, por conseguinte, não se criará o direito real de garantia, em que pese a validade entre as partes.

4.3 as espéCies de bens imóveis que pOdem ser gravadas em alienaçãO fiduCiária

Por força do parágrafo único do art. 23 da Lei nº 9.514/1997, divide-se a posse do bem, permanecendo o fiduciante com a posse direta e o fiduciário com a posse indireta.

Como consequência da norma legal, ambas as partes têm proteção pos-sessória, seja contra terceiros, seja um contra o outro, assim como também poderá o fiduciário vistoriar o imóvel dado em garantia.

Em segundo plano, o parágrafo único do art. 22 da Lei nº 9.514/1997, ao estabelecer a possibilidade de instituição da alienação fiduciária sobre bens imóveis construídos ou em construção, traz à tona a questão da alienação fidu-ciária sobre bens imóveis futuros.

4.3.1 A modificação do bem gravado em alienação fiduciária: benfeitorias e acessões

Deverá o instrumento de constituição da alienação fiduciária disciplinar a possibilidade de modificação do bem em construção, após ter sido dado em alienação fiduciária, haja vista as questões que, da modificação do projeto, podem emergir.

Observe-se que, por força do inciso IV do art. 24, combinado com o pa-rágrafo único do art. 22, ambos da Lei nº 9.514/1997, cabe a exegese segundo a qual, mesmo estando o imóvel em construção, há necessidade de especificação do bem objeto de alienação fiduciária, ou seja, deverá ser anexado à escritura o projeto.

Por sua vez, o parágrafo único do art. 23, combinado com inciso V do art. 24, ambos da Lei nº 9.514/1997, dá a impressão de que, ao fiduciante, como possuidor direto, é permitido utilizar livremente o imóvel, incluindo-se a faculdade de modificar o imóvel como lhe aprouvesse, ainda que a alteração arquitetônica provocasse redução do seu preço de mercado.

4.3.2 A disciplina do uso do bem gravado em alienação fiduciária

No inciso do art. 24 da Lei nº 9.514/1997, identifica se há possibilidade de, segundo o exercício da autonomia da vontade, as partes celebrantes de alienação fiduciária em garantia disciplinarem o uso do imóvel, restringindo a liberdade do fiduciante.

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Podem, por conseguinte, as partes bem disciplinarem o uso (por exem-plo: comercial ou residência), ou fruição (por exemplo: exploração para fins econômicos, filantrópicos, esportivos etc.).

Por outro lado, a norma, ao asseverar a utilização pelo fiduciante do imóvel por sua conta e risco, indica a sua obrigação de conservar o imóvel, cabendo-lhe indenizar o fiduciário por todos os danos que a má conservação possa provocar em caso de necessidade de alienação do bem.

4.3.3 A indivisibilidade da garantia dada em alienação fiduciária

Dispõe o art. 25 da Lei nº 9.514/1997 acerca da indivisibilidade da alie-nação fiduciária em garantia instituída sobre bens imóveis, em consonância com o que dispõe o art. 758 do Código Civil: “Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fidu-ciária do imóvel”.

Essa sistemática já é a adotada no mercado imobiliário brasileiro, onde a garantia oferecida ao incorporador ou à instituição financeira, antes do advento da Lei nº 9.514/1997, tem sido a hipoteca, cujos contratos de financiamento são designados como sendo do Sistema Financeiro de Habitação.

Com efeito, nada de mais haveria em relação ao princípio da indivisibi-lidade da garantia, se não fosse a nociva prática comercial, nas incorporações imobiliárias, de vincular, no passado em hipoteca, e no futuro em alienação fiduciária, imóveis como garantia da integridade da dívida da construtora e in-corporadora do empreendimento.

Vale dizer, muito comum no mercado imobiliário é que se construa um prédio em regime de incorporação imobiliária, onde poucas unidades fiquem vinculadas à garantia do total da dívida, contraída para edificação e assumida pela incorporadora ou pela construtora.

Na constituição de alienação fiduciária sobre imóvel em construção, pro-vavelmente as incorporadoras afetarão algumas unidades, com vistas à segu-rança de todo o negócio, em que, neste contrato, o bem dado em garantia será descrito (art. 24, IV), tanto quanto o principal da dívida (art. 24, I).

Dessa forma, o imóvel, além de garantir o montante do financiamento tomado pelo adquirente para sua aquisição, irá garantir, ainda, a dívida do em-preendedor para com a instituição financeira.

Conquanto o objetivo da lei seja a proteção do credor de uma garantia real (fiduciário) – o que de fato deve existir –, desperdiçou o legislador uma grande oportunidade para moralizar o mercado e impor alguns limites para alienação fiduciária, quando submetida ao regime de incorporação imobiliária,

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admitindo-se a oneração do patrimônio até o montante necessário à aquisição da unidade, impedindo-se, assim, a prostituição do novel instituto.

4.3.4 A destruição do imóvel

As partes celebrantes da garantia fiduciária defluem da possibilidade de destruição da coisa no curso do prazo contratual, aí se incluindo também a hipótese de desapropriação.

Se for certo que a melhor opção será exigir-se a contratação de seguros para garantir a integridade do imóvel, em casos como incêndio, também não restam dúvidas de que a lei não o impõe às partes como obrigatório.

Na hipótese de desapropriação ou destruição da coisa, com ou sem cul-pa do fiduciante, o resultado será o vencimento antecipado da dívida, quando não atendidas as exigências do disposto no art. 762 do Código Civil, que é plenamente aplicável à alienação fiduciária.

4.4 as COndições finanCeiras dO COntratO de alienaçãO fiduCiária em garantia sObre bens imóveis

A Lei nº 9.514/1997 determina, claramente, a obrigação das partes, o contrato de alienação fiduciária, de estabelecerem as condições financeiras da dívida garantia, tanto o principal, incluindo-se a correção monetária, quanto os acessórios – taxa de juros:

Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:

I – o valor do principal da dívida;

II – o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito fidu-ciário;

III – a taxa de juros e os encargos incidentes;

[...]

Art. 36. Nos contratos de venda de imóveis a prazo, inclusive alienação fiduci-ária, de arrendamento mercantil de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos títulos de que tratam os arts. 6º, 7º e 8º, admitir-se-á, respeitada a legislação pertinente, a estipulação de cláusula de reajuste e das condições e critérios de sua aplicação.

Entretanto, as partes deverão ater-se a alguns princípios emanados do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, quando o valor do principal da dívida corresponder, em ordem de vinculação jurídica, ao montante financiado para aquisição do imóvel, que será, posteriormente, alienado fiduciariamente para garantir exatamente o pagamento do financiamento.

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Assim, o art. 51 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ver-dadeira cláusula geral do Direito brasileiro – ante a expressa disposição do art. 29 do mesmo diploma legal –, positivou a tória da lesão na base dos contratos.

4.4.1 Os juros

As partes deverão ser cautelosas na fixação da taxa de juros e dos encar-gos incidentes sobre a dívida garantida, pois, se provocar desequilíbrio superve-niente, poderá o fiduciante requerer judicialmente a sua revisão.

Na taxa de juros, cumpre destacar que a Lei nº 9.514/1997 (art. 5º) ad-mite, expressamente, a capitalização de juros nas operações de alienação fidu-ciária sobre bens imóveis, excepcionando, assim, a regra do art. 4º do Decreto nº 22.626/1933 (Lei de Usura):

Art. 5º As operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do SFI, serão livremente pactuadas pela partes, observadas as seguintes condições es-senciais:

I – reposição integral do valor emprestado e respectivo reajuste;

II – remuneração do capital emprestado às taxas convencionadas no contrato;

III – capitalização dos juros;

§ 1º As partes poderão estabelecer os critérios do reajuste de que trata o inciso I, observada a legislação vigente.

§ 2º As operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em ge-ral, poderão ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI, observados, quanto à eventual reajuste, os mesmo índices e a mesma periodicidade de incidência e cobrança.

A regra, acima transcrita, não elimina, contudo, a vedação da Lei de Usu-ra quanto à cobrança, por instituições que não integram o sistema financeiro nacional, de taxa de juros superiores a 12% (doze por cento) ao ano.

4.5 as Cláusulas relativas à venda

4.5.1 O procedimento de constituição do fiduciante em mora

Vencida e não paga a dívida, antes de se levar a leilão o imóvel, dever--se-á constituir em mora o fiduciante, conferindo-lhe o direito de purgar a mora, sendo que o contrato deverá estabelecer, ainda, o prazo de carência dado ao fiduciante para a expedição da intimação.

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Em relação ao direito conferido ao fiduciante de purgar a mora, cabe destacar que não há, para as hipóteses de alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis, regra legal que fixe o percentual de pagamento prévio, como nos casos de garantia fiduciária sobre bens móveis.

4.5.2 Os critérios para fixação do preço do imóvel e dos procedimentos do leilão

Os incisos VI e VII do art. 24 da Lei nº 9.514/1997 impõem a necessidade de fixação, pelas partes, no contrato do valor do imóvel, para efeito de venda, do seu critério de revisão, bem assim dos procedimentos do leilão:

Art. 24. O contato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:

[...]

VI – a indicação, para efeito de venda em publico leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;

VII – a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.

As partes têm liberdade para dispor sobre questões tratadas nos incisos acima transcritos, o que exonera das limitações à autonomia da vontade.

4.5.3 A arbitragem

Por fim, ressalta-se que, nos conflitos surgidos no âmbito dos contratos de alienação fiduciária em garantia, poderão as partes submetê-los à arbitragem, desde que respeitado o disposto no art. 51 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, art. 34 da Lei nº 9.514/1997:

Os contratos relativos ao financiamento imobiliário em geral poderão estipular que litígios ou controvérsias entre as partes sejam dirimidos mediante arbitragem, nos termos do disposto na Lei nº 9.307, de 24 de setembro de 1996.

CAPÍTULO 5 – DO PAGAMENTO AO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL, A SUA EXECUÇÃO E O PAPEL DO REGISTRO DE IMÓVEL

Em consequência do abordado nos capítulos anteriores, chegada é a hora de se examinarem os efeitos do pagamento das obrigações no contrato de alienação fiduciária de bem imóvel ou as consequências advindas do seu inadimplemento.

Portanto, é de se destacar que as questões advindas do adimplemento das obrigações inseridas no contrato de bem imóvel incidirão também sobre os comandos normativos do Código Civil que regulam temas como cláusula penal e pagamento.

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5.1 O pagamentO – O termO de quitaçãO – a Cláusula penal – as fOrmas de prOvar O pagamentO – a ausênCia de quitaçãO e Os efeitOs dO tempO sObre O negóCiO em alienaçãO fiduCiária

5.1.1 O pagamento e o termo de quitação

Conforme dispõe o art. 25 da Lei nº 9.514/1997 acerca do cumprimento da obrigação, especificando, de forma sucinta, o pagamento da dívida, resolve e consolida a propriedade fiduciária.

Uma vez resgatada a dívida, compete ao fiduciário fornecer ao fiduciante o respectivo termo de quitação, o que faz surgir dúvida em torno do procedi-mento necessário à extinção da propriedade fiduciária, com a sua respectiva baixa de registro.

Assim, deve-se conceituar, para uma melhor compreensão dos efeitos da Lei nº 9.514/1997, precisamente a natureza jurídica do termo de quitação a que se refere ao § 1º do art. 25, haja vista que, pelo que dispõe o § 2º do mesmo artigo, à vista o Oficial de Registro de Imóveis deverá cancelar o registro da propriedade imobiliária.

Trata-se, por consequência, de instrumento capaz de gerar, validamente, a obrigação de transferência do domínio, na medida em que, diante do termo de quitação, a propriedade deixa de ser resolúvel e de pertencer ao fiduciário para se tornar plena e sob o domínio do fiduciante. Via de regra, o termo de quitação mencionado no art. 25 da referida lei tem natureza jurídica de ato des-constitutivo de direitos reais, o que poderia indicar o raciocínio segundo o qual aplicável à espécie é o art. 134, II, do Código Civil, eis que, se, para constituir-se direito real, é necessário escritura pública, somente o instrumento público seria capaz de desfazê-lo.

Frisa-se que a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973, art. 167, II, 2) assevera que o direito real em garantia (alienação fiduciária sobre bens imóveis) instituído sobre a propriedade, para deixar de existir, deverá ser cancelado.

No tocante ao cancelamento propriamente dito, a Lei nº 6.015 (arts. 250 e 251) tem disposições em relação aos atos em geral e à hipoteca.

Assim, observa-se que a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973, art. 251, I), ao tratar de instrumento de quitação outorgado pelo credor hi-potecário – idêntico, portanto, ao exigido nos §§ 1º e 2º do art. 25 da Lei nº 9.514/1997 para cancelamento da alienação fiduciária sobre bem imóvel – a ele se refere expressamente como sendo particular ou público, o que não se fez na Lei nº 9.514/1997.

Nesse ponto, dúvida exsurge se o termo de quitação referido na Lei nº 9.514/1997 poderá ser redigido em forma particular, ou se deverá ser cele-brado mediante escritura pública.

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Acertado, a controvérsia ora indicada inaugura-se e dirige-se na direção da necessidade de instrumento público ante os termos do caput do art. 134 do Código Civil, somando à exegese literal do art. 38 da Lei nº 9.514/1997, que só admite o instrumento particular quando o fiduciário for pessoa natural e desti-natário final da operação.

Não obstante, a resposta, de fato, não é a única e não haverá erro se se-guir na direção de qualquer dos caminhos ventilados, exigir termo de quitação através de instrumento público ou particular.

Entrementes, entende-se, por confluência lógica do sistema de Regis-tros Públicos (art. 250, III), que o instrumento particular de quitação será hábil para se requerer o cancelamento da propriedade fiduciária, tanto mais que o art. 1.093 do Código Civil dá liberdade de forma de quitação.

Contudo, inegável é a assertiva de que maior segurança se terá se as partes, celebrantes do contrato de alienação fiduciária sobre bem imóvel, regu-larem, de forma clara e precisa, o tema ora em comento.

Por outro lado, há quem entenda, pela interpretação literal do art. 38 da Lei nº 9.514/1997, que o dispositivo em tela só se aplica aos eventuais contratos que se celebrarem em decorrência da aludida lei – compra e venda, financia-mento etc. –, desconsiderando, pois, a controvérsia acima prevista acerca do termo de quitação.

Em conclusão, relembrando que somente com a quitação é que se pode dar baixa na alienação fiduciária no Registro de Imóveis.

5.1.2 A cláusula penal

O atraso do fiduciária em fornecer o termo de quitação em 30 (trinta) dias importará, segundo o § 1º do art. 25 da Lei nº 9.514/1997, em uma sanção pecuniária “[...] equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato”.

De plano, há de se afirmar que a sanção de meio por cento ao mês, a ser imposta ao fiduciário, tem natureza de cláusula penal moratória e como tal deve ser tratada, com todas as consequências daí decorrentes, em especial as previstas nos arts. 920, 921 e 924 do Código Civil.

Portanto, entende-se, por haver prazo fixado para o cumprimento da obrigação, que se aplica, na constituição do fiduciário em mora, a regra dies interoellat pro homini, não existindo a necessidade de se constituí-lo em mora.

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5.1.3 As outras formas de se provar o pagamento – A ausência de quitação e os efeitos do tempo sobre o negócio em alienação fiduciária

Comum, na prática do direito imobiliário, é a celebração de instrumentos contratuais, cuja forma de pagamento se dá por meio da emissão de títulos de créditos vinculados ao negócio jurídico (pro solvendo); como se sabe, a entrega do título ao devedor (fiduciante) firma a presunção de prova do pagamento, equivalente, como instrumento de quitação, nos termos do art. 945 do Código Civil.

Embora a dúvida aqui seja também a da necessidade de instrumento pú-blico de quitação, já debatida acima, a verdade é que a entrega do título firma a presunção de pagamento e passa a valer como instrumento de quitação, sendo, pois, capaz de levar ao cancelamento da propriedade fiduciária, com quem quer que se contrate13.

Destaca-se, ainda sobre esse ponto, que, na ausência do termo de quita-ção ou do título de crédito, o fiduciante só obterá o cancelamento da alienação fiduciária caso obtenha decisão judicial que os equivalha.

Já na hipótese em que não se consiga obter o termo de quitação do fi-duciário, por motivos diversos, o derradeiro meio de prova a ser feito pelo fi-duciante seria a comprovação da prescrição da dívida, o que implicaria forma indireta de se fazer o pagamento. Resta cristalina a desnecessidade de se de-monstrar a prova do pagamento da dívida, eis que ela não tem sobrevida, tendo se extinguindo com o perecimento do direito do credor.

5.2 O nãO CumprimentO, pelO fiduCiante, das suas Obrigações peCuniárias – O inadimplementO tOtal e parCial e suas COnsequênCias

Na ameaça do inadimplemento contratual do fiduciante, há de se exami-nar, em um primeiro plano, como podem ser cobradas as dívidas em geral do devedor fiduciante, até que se examine, por fim, o não pagamento do preço da coisa adquirida e depois alienada fiduciariamente.

5.2.1 A cobrança da dívida do fiduciante

Nunca é demais lembrar que o inadimplemento das obrigações cria, para o devedor, um dever secundário, que é o de indenizar o credor pelos danos que causar em virtude do não cumprimento das suas obrigações.

Sabe-se que o devedor responde com seu patrimônio pela execução das suas dívidas, conquanto nem todos os bens que compõem o patrimônio do de-vedor possam assegurar o credor que o débito será pago: são os chamados de

13 Vide Capítulo IV – Do Pagamento e do Termo de Quitação.

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inalienáveis ou de impenhoráveis. Isso porque, para que um determinado bem, pertencente ao devedor, possa dar segurança suficiente ao credor, é necessário que ele possa ser alienado e o produto dessa alienação possa gerar recursos financeiros para saldar o débito.

A partir desse princípio, dúvidas surgem se o bem alienado fiduciaria-mente em garantia pode ser objeto de execução de dívidas. A resposta apresen-ta-se como negativa, pois se um bem é alienado fiduciariamente em garantia, em verdade ele é transferido para a esfera patrimonial do fiduciário até que se cumpra toda a obrigação.

Nesse caso, o fiduciante, cumpridas todas as formalidades legais, terá um direito real à aquisição de uma propriedade resolúvel e que, por consequência, se encontra temporariamente sob o domínio do fiduciário.

Já o fiduciário, por seu turno, será titular de uma propriedade resolúvel, sendo, entretanto, as faculdades inerentes a esse domínio limitadas à obtenção do valor correspondente, pelo menos enquanto durar o adimplemento do fidu-ciante.

Nesse contexto, se o bem não pertence ao devedor, ainda que tempora-riamente, não pode ele ser objeto de execução, embora não haja óbice à exe-cução do direito real, pertencente ao fiduciante, à aquisição da coisa alienada.

Ocorre que, se de fato o imóvel não pode ser objeto de execução para o pagamento das dívidas do fiduciante, isso não quer dizer que o seu direito real à aquisição não o possa ser – e é o que acontecerá em realidade.

Já o bem dado em garantia fiduciária poderá, ao contrário do que susten-ta a doutrina, responder pelas dívidas do fiduciário, sendo que o credor fidu-ciário exercerá, com as mesmas limitações deste, os direitos existentes sobre o imóvel (propriedade resolúvel e posse indireta) – tanto é assim que a cessão do crédito é expressamente autorizada no art. 28 da Lei nº 9.514/1997.

5.2.2 O inadimplemento da obrigação de pagar o preço pela aquisição da coisa alienada fiduciariamente

No contexto do inadimplemento da obrigação de pagar o preço da coi-sa adquirida e depois alienada fiduciariamente, releva notar que o não paga-mento da dívida implicará a consolidação, pelo credor fiduciário, do domí-nio da propriedade, dada em garantia, segundo o que dispõe o art. 26 da Lei nº 9.514/1997, mas não sem antes de serem atendidas as formalidades legais.

5.2.3 A constituição do fiduciante em mora

Inicialmente deverá o credor fiduciário constituir o devedor fiduciante em mora, com a intimação a ser efetuada pelo Oficial de Registro de Imóvel,

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com vistas à satisfação do débito – purgação de mora –, acrescidos de todos os encargos contratuais e legais, inclusive o tributário, ex vi do disposto nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997.

O prazo legal para se efetuar a purgação de mora é de 15 (quinze) dias, a contar da intimação pessoal ou pelo correio do fiduciante ou de seu procurador regularmente constituído e após expirado o prazo contratual de carência esta-belecido com essa finalidade.

Dessa regra, surgem alguns problemas: o primeiro refere-se à validade da intimação, feita pelo correio ou pessoalmente, não diretamente ao fiduciante, mas a terceira pessoa próxima dele, como funcionário de pessoa jurídica sem representação legal, ao empregado doméstico do fiduciante pessoa física, ou ao seu convivente.

Quanto a esse tema, destaque-se que ele exsurge da analise de questões similares que hodiernamente soem acontecer no Poder Judiciário, na medida em que, tal qual se exige para intimação prevista na Lei nº 9.514/1997, a cita-ção no processo civil é ato que exige acentuada formalidade para que se lhe configure validade.

Por outro lado, poder-se-ia vislumbrar a solução para controvérsia aci-ma a partir da orientação pretoriana acerca do § 2º do art. 2º do Decreto-Lei nº 911, eis que, em relação à mora do fiduciante, devedor de bem móvel garan-tido fiduciariamente, ainda que haja necessidade de intimação do fiduciante, basta a comprovação da expedição da correspondência para que o ato seja considerado válido, carecendo, pois, de qualquer outra formalidade.

Contudo, assevere-se, em conclusão à polêmica acima refletida, que, por ser tratar de ato que pode implicar a perda de bens, todo rigor será necessá-rio para que se constituísse em mora o fiduciante, efluindo essa afirmação do sistema criado pela Lei nº 9.517/1997, o que implica a assertiva de que será necessária a intimação pessoal do fiduciante ou seu representante constituído, sendo que, na ausência destes, a intimação far-se-á por edital (§ 4º do art. 26 da lei), a fim de se evitar que o fiduciante seja surpreendido com a subtração repentina do imóvel.

5.2.4 as Obrigações peCuniárias aCessórias e sua respOnsabilidade

No que tange às despesas que deverão ser suportadas pelo fiduciante, em boa hora a Lei nº 9.514/1997 dirimiu as dúvidas suscitadas em virtude dos termos do Decreto nº 911/1966, na medida em que definiu expressamente o que se pode, ou não, ser cobrado do fiduciante a título de despesas.

Poderá, salvo disposição em contrário em contrato, o fiduciário incluir no débito, a ser purgado ou ressarcido em leilão de bem alienado fiduciaria-

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mente, todas as despesas com o Cartório de Registro de Imóveis, tanto na fase de purga, quanto na da realização do leilão, incluindo custas com a intimação, bem assim com o leiloeiro (arts. 26, § 1º, e 27, § 3º, II).

Não se incluem, entretanto, nessas despesas, as custas para registro da propriedade resolúvel ou de sua consolidação no domínio do fiduciário e as despesas com a divulgação da venda por outros meios de comunicação, reali-zada segundo a conveniência do fiduciário.

Os impostos, taxas e encargos incidentes sobre o imóvel, incluindo-se custas condominiais, podem ser repassados como sendo custo fiduciante.

Outrossim, o imposto de transmissão inter vivos, pago em virtude da con-solidação da propriedade sob o domínio do fiduciário, é de sua responsabilida-de e não poderá ser repassado para fiduciante.

Nesse ponto, registra-se que o fato gerador do imposto de transmissão só ocorrerá no momento da consolidação da propriedade, seja em nome do fidu-ciário, na hipótese do inadimplemento acima retratada, seja sob a titularidade do fiduciante, quando este quitar toda a dívida.

5.2.5 As despesas de conservação do imóvel

Quanto às despesas de conservação do imóvel, bem assim as benfeito-rias necessárias que o fiduciário for obrigado a realizar para ter condições de colocar o imóvel a venda, observa-se que a Lei nº 9.514/1997 é absolutamente silente quanto ao assunto, chegando a dar falsa impressão de que o fiduciante não teria a menor responsabilidade sobre essas despesas, cabendo-as ao fidu-ciário.

Assim é que a jurisprudência, por seu turno, vem entendendo que o fi-duciante libera-se da sua obrigação de entrega o bem, mesmo que o tenha devolvido em mau estado, não lhe cabendo indenizar o fiduciário se não tiver agido dolosamente.

Entretanto, não raras serão as vezes em que o fiduciário receberá o imó-vel em péssimo estado de conservação, para cuja degradação poderá o fidu-ciante ter concorrido com ou sem culpa.

Com efeito, há dupla solução para a questão em foco: a primeira é a existência de cláusula no instrumento de constituição da alienação fiduciária, consoante se indicou no capítulo antecedente. A segunda se dá na inexistência de cláusula contratual e será resolvida à luz do disposto nos arts. 514 e 515 do Código Civil, que estabelecem, respectivamente, o dever do possuidor de boa-fé de indenizar pelas perdas que der causa e a obrigação do possuidor de má-fé de responder pela deteorização da coisa, ainda que não tenha dado causa

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e seja ela acidental, salvo se provar que a destruição teria ocorrido de qualquer maneira.

Dessa forma, não há dúvida de que o fiduciante, enquanto permanecer na posse do imóvel legitimamente, será considerado possuidor de boa-fé, não lhe cabendo indenizar pelos danos que suportar a coisa, quando não tiver dado causa e caso devolva o imóvel logo assim que constituído em mora.

5.2.6 A cobrança do débito e a execução extrajudicial da dívida

Transcendidas as fases acima mencionadas, restará ao fiduciário a co-brança judicial ou extrajudicial da dívida. Quanto à primeira forma, destaque--se que, na legislação de regência da alienação fiduciária de bem imóvel, não há qualquer menção sobre a possibilidade de execução judicial da dívida, aliás como fez expressamente a norma na qual se baseia a Lei nº 9.514/1997.

Inegável, porém, é a assertiva de que ao fiduciário confere-se, alternati-vamente, a possibilidade de cobrar a dívida judicial ou extrajudicialmente. Isto porque não se pode negar ao fiduciário o acesso ao Judiciário, nem se exigirem procedimentos prévios, que limitem o seu direito de ação: essa concepção é cediça na doutrina e na jurisprudência processual.

Afigura-se, nesta linha, que o contrato de alienação fiduciário constituir--se-á em título executivo para efeito do Código de Processo Civil, obviamente se atendidos os requisitos da lei adjetiva.

Por outro lado, não se figura possível que ao fiduciário, uma vez feita a escolha pela cobrança judicial, dê-se a oportunidade de desistir do procedi-mento judicial refazendo a sua opção para o método extrajudicial de excussão do débito. Assim, eleita a execução judicial da dívida pelo fiduciário, importará em renúncia à cobrança extrajudicial, preconizada na Lei nº 9.514/1997.

Como se disse, na referida lei, ao tratar do pagamento das obrigações e do inadimplemento contratual, estabeleceu procedimento no Direito brasileiro de execução de execução extrajudicial de dívidas, similar ao que consta no Decreto-Lei nº 70, facultando-se ao fiduciário, após cumpridas as formalidades legais, que se utilize de procedimento mais célere para cobrança de seu crédito.

Nesse contexto, após a consolidação da propriedade no nome do fidu-ciário, o imóvel deverá ser levado a público leilão, no prazo de 30 (trinta) dias, sendo o valor do bem aquele estabelecido no art. 24, VI, da Lei nº 9.514/1997.

Assim ao dispor, o legislador, diferentemente do que se fez ao tempo da edição do Decreto-Lei nº 911, não deixa dúvidas de que à alienação fiduciária não se aplica a regra que veda pacto comissório, exigindo tão somente do fidu-ciário que realize o procedimento de venda, para só em caso de, se frustrar o leilão, possa ele permanecer com o imóvel.

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Frustrado o primeiro leilão, por ter sido ofertado valor inferior ao exigido no edital, deverá o fiduciário realizar outro leilão no prazo de 15 (quinze) dias, reduzindo-se o preço mínimo do bem para o correspondente ao valor da dívida, acrescido das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos e das contribuições condominiais.

Os comando legais, contudo, não disciplinam de forma completa todos os efeitos que podem emergir do procedimento de cobrança extrajudicial das dívidas, cabendo às partes, no exercício da autonomia da vontade, pormenori-zar o procedimento, a fim de se evitarem dúvidas e embates judiciais.

Na hipótese de ser vendido o bem em primeiro leilão, desde que o valor da arrematação corresponda, no mínimo, ao preço do imóvel, conforme dispõe claramente a Lei nº 9.514/1997, pagar-se-á ao fiduciário seu débito, entregan-do-se ao fiduciante o saldo.

Se, porventura, se fizer necessária a realização de um segundo leilão, e neste se alienado o bem, o preço deverá equivaler, no mínimo, ao débito do fiduciante para com o fiduciário, acrescido das despesas especificadas em lei, pagando-se, pois, o fiduciário o seu débito, e, caso haja saldo, entregando-o ao fiduciante, inclusive o pertinente às benfeitorias, vedado, entretanto, o direito de retenção .

Porém, se na hipótese de um segundo leilão o maior lance não for igual ou superior “ao valor da dívida, as despesas...”, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

A consequência, da norma acima destacada, é a de que poderá o fidu-ciário se tornar, por definitivo, o verdadeiro proprietário da coisa, em sua real acepção, podendo exercer todas as faculdades inerentes ao domínio (usar, fruir e dispor), deixando, entretanto, de ser credor do fiduciante que terá direito à plena quitação.

5.2.7 Os efeitos da consolidação da propriedade sobre a relação jurídica estabelecida entre fiduciário e fiduciante

Em um primeiro plano, consolidada a propriedade na figura do fiduciá-rio, poderá ele, ou quem adquiriu o imóvel em público leilão, requerer judicial-mente a reintegração de posse, a fim de que o imóvel seja desocupado em 60 (sessenta dias).

O Código de Processo Civil já prevê, desde há muito, dispositivo similar para ações de reintegração de posse, sem que, entretanto, tenha se dirigido a jurisprudência no sentido de enfocar tal dispositivo legal como comando com-pulsório ao juiz, de tal ordem que não pudesse ele avaliar, segundo o seu pru-dente arbítrio, a presença dos requisitos necessários ao deferimento de pedido

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liminar. Contudo, há decisões que entendem não caber liminar em ação posses-sório entre possuidores direito e indireto, como no caso da alienação fiduciária de bem imóvel. Outras, por outro lado, admitem a existência de esbulho por parte do fiduciante a legitimar a reintegração de posse.

Claro será se a decisão judicial permitir que o fiduciante permaneça no imóvel por período superior ao fixado em lei (sessenta dias), razoável será a fixação de valor locatício a ser pago, a fim de se evitar enriquecimento indevido do fiduciante, como, aliás, estabelece o art. 1.252 do Código Civil.

Em certas circunstâncias, emerge da interpretação da alienação fiduciária de bem imóvel e da lei que instituiu antinomia aparente com o Código de Pro-teção e Defesa do Consumidor. Vale dizer, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, na parte relativa à proteção contratual (Capítulo VI), aplica-se aos contratos de alienação fiduciária, tanto nos casos nos quais não haja dúvidas de que se trata de uma relação de consumo, como naqueles em que possa existir a indagação, ante a amplitude da regra do seu art. 2914.

Nessas razões, não poderá haver no contrato de alienação fiduciária, se-gundo o art. 53 do Códigio de Defesa do Consumidor15, cláusula que estabeleça a perda total em benefício do fiduciário das prestações pagas pelo fiduciante. Ocorre que os §§ 5º e 6º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997 indicam tratamento legislativo contrário.

Daí o claro entendimento dos parágrafos acima referidos, que trazem em seu bojo a indicação de que, sendo vendido o imóvel por preço inferior ao estabelecido ou ficando o fiduciário com o bem, dar-se-á a extinção da dívida do fiduciante, com a respectiva responsabilidade de se conferir a quitação.

Desta forma, parece que o raciocínio do legislador seguiu a lógica: o fiduciário seria prejudicado por ter que converter um crédito com acentuada li-quidez (em dinheiro) por outro que, por ser imobilizado, muitas vezes, não tem tanta liquidez; já o fiduciante, em compensação, embora perdesse um direito real à aquisição, seria beneficiado pela extinção de uma dívida teoricamente superior ao valor do imóvel.

Nessa toada, as maneiras de se conduzir a questão são diversas, indican-do a hermenêutica jurídica diversos caminhos a serem seguidos pelo intérprete.

14 Lei nº 8.078/1990: “Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

15 “Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961) § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”

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Poderia ser alegado que a Lei nº 9.514/1997 é norma especial, sendo, pois, ina-plicável o art. 53 do CDC, ex vi do disposto no § 2º do art. 2º da Lei de Introdu-ção às Normas do Direito Brasileiro16. Essa alegação, entretanto, não parece ser razoável, eis que o Código de Defesa do Consumidor refere-se expressamente à alienação fiduciária em garantia, permanecendo, pois, o seu comando também ao caso ora tratado.

Ainda que assim não fosse, impede remarcar que a regra esculpida no art. 29 do CDC transformou em verdadeira cláusula geral do direito pátrio os arts. 30 a 54 do mesmo diploma legal, aplicáveis, portanto, a toda e qualquer espécie de relação contratual, aí se concluindo aqueles que tiverem cláusulas abusivas (art. 51)17, bem assim os contratos de financiamento (art. 53)18.

Para aqueles que defendem a legalidade da perda das prestações, vislum-bra-se como mais adequada a exegese de revogação tácita do art. 53 do CDC em relação às alienações fiduciárias de bens imóveis, em face dos já menciona-dos §§ 5º e 6º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997.

Para os que sustentam a compatibilidade entre os dispositivos da Lei nº 9.514/1997 e o art. 53 do CDC, e lógico parece que assim seja, a coexistên-cia entre os aludidos diplomas legais decorre do fato de que, do contrário, o

16 “Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961) § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”

17 “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III – transfiram responsabilidades a terceiros; IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; V – (Vetado); VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.”

18 “Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”

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ordenamento estaria admitindo o enriquecimento ilícito do fiduciário – o que é repudiado por todos.

Assim, frisando ao que já se disse anteriormente, fundamental é que, no exercício da autonomia da vontade e ao tempo da constituição do direi-to real de alienação fiduciária em garantia, as partes regulem os problemas explanados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo por base a alienação fiduciária sobre bens imóveis, dissertou-se sobre a controvérsia existente ao tempo do Decreto-Lei nº 911/1969, bem assim sobre as questões que envolviam o gravame sobre referidos bens, resultando na indicação de que, após a entrada em vigor da Lei nº9.514/1997, referido óbice não existe mais.

Com relação aos direitos reais, mostrou-se aplicação do princípio da ta-xatividade ou numerus clausus, pelo que não é permitida a criação, sem lei expressa, de novas categorias de direitos reais.

Procurou-se mostrar como a autonomia privada poderia ser utilizada como meio disciplinador do exercício dos direitos reais, em particular, abor-dando seus limites.

Demonstraram-se os direitos e obrigações do fiduciante e do fiduciário na constituição e execução de uma alienação fiduciária em garantia.

No tocante à alienação fiduciária sobre bens imóveis, registrou-se que a Lei nº 9.514/1997 bem define quem poderá participar do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), como também qualquer pessoa natural e jurídica, sendo ou não instituição financeira, poderá celebrar alienação fiduciária.

Em relação às hipóteses de insolvência, frisou-se que, além de ser permi-tida a recuperação do bem pelo fiduciário, ter-se-á em primeiro plano o venci-mento antecipado da dívida principal, desde que tenha havido a constituição em mora do devedor, mas não dos juros. E, por outro lado, que se a insolvência for do fiduciário, ao revés, a dívida não se vencerá, mas deverá o fiduciante acautelar-se no momento de fazer o pagamento, cumprindo a obrigação por meio de consignação, ou através daquele autorizado judicialmente a receber os valores, pois poderá ser obrigado a pagar novamente.

Analisaram-se as peculiaridades na constituição do gravame fiduciário sobre bens imóveis, indicando o permissivo legal que admite a instituição da alienação fiduciária sobre bens imóveis em construção ou bens futuros. Abor-daram-se também os problemas envolvendo a disciplina do uso do imóvel e os tipos de uso (por exemplo: comercial ou residencial, ou de fruição: exploração para fins econômicos, filantrópicos, esportivos etc.).

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A questão da indivisibilidade da alienação fiduciária em garantia cons-tituída sobre bens imóveis também foi abordada, dando-se relevo para apli-cabilidade desta norma nos contratos que envolvam financiamento através de incorporações imobiliárias. Ponderou-se, nesse contexto, que, na constituição de alienação fiduciária sobre bem imóvel em construção, provavelmente as incorporadoras afetarão algumas unidades, com vistas à garantia de todo o em-preendimento imobiliário.

No que tange ao bem dado em garantia, asseverou-se que, havendo de-sapropriação ou destruição da coisa, com ou sem culpa do fiduciante, o resulta-do será o vencimento antecipado da dívida, caso não haja sub-rogação, exami-nando-se também as condições financeiras do contrato de alienação fiduciária.

Abordaram-se os efeitos das obrigações no contrato de alienação fidu-ciária de bem imóvel, bem como as consequências advindas de seu inadim-plemento. Destacou-se o art. 25 da Lei nº 9.514/1997, que dispõe acerca do cumprimento do contrato, especificamente de forma lacônica os efeitos do pa-gamento da dívida. Observou-se que, paga a dívida, compete ao fiduciário for-necer ao fiduciante o respectivo termo de quitação, surgindo, daí, dúvidas em torno do procedimento necessário à extinção da propriedade fiduciária.

Nessa esteira, conceituou-se, para uma melhor compreensão dos efeitos da Lei nº 9.514/1997, a natureza jurídica do termo de quitação como sendo o instrumento capaz de gerar, validamente, a obrigação de transferência do do-mínio para o fiduciante.

Por outro lado, comentou-se a questão do atraso do fiduciário em forne-cer o termo de quitação e a imposição de sanção pecuniária, sanção essa com natureza de cláusula penal.

Desenvolveu-se a discussão se o bem alienado fiduciariamente em ga-rantia pode ser objeto de execução de dívidas, apresentando-se negativamente a resposta, pois um bem alienado fiduciariamente só é transferido para esfera patrimonial do fiduciante após cumprida toda a obrigação, embora não haja óbice à excussão do direito eventual à aquisição.

Sob o contexto de inadimplemento da obrigação de pagamento, implica-rá a consolidação, pelo credor fiduciário, do domínio da propriedade dada em garantia. Para tanto, deve o fiduciário constituir o fiduciante em mora através do Oficial de Registro de Imóveis, com vista à satisfação do débito, acrescidos de todos os encargos contratuais. Remarcou-se que o prazo legal para se efetuar a purga da mora é de 15 (quinze) dias, a contar da intimação pessoal ou pelo correio do fiduciante ou de seu procurador regularmente constituído e após expirado o prazo contratual de carência.

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No que diz respeito às despesas que deverão ser suportadas pelo fidu-ciante, abordou-se sobre o que pode, ou não, ser cobrado, sendo certa a asser-tiva de que ao fiduciário confere-se, alternadamente, a possibilidade de cobrar a dívida judicial (execução) ou extrajudicialmente.

Como se vê, a Lei nº 9.514/1997, ao tratar do pagamento e do inadimple-mento contratual, seguiu a seguinte sistemática: 1) após a consolidação da pro-priedade em nome do fiduciário, o imóvel deverá ser levado a público leilão, no prazo de 30 (trinta) dias; 2) frustrado o primeiro leilão, por ter sido ofertado valor inferior ao exigido no edital, deverá o fiduciário realizar outro, no prazo de 15 (quinze) dias, reduzindo-se o preço mínimo do bem para o corresponden-te ao valor da dívida, acrescido das despesas, dos prêmios de seguro, dos encar-gos legais, inclusive tributos e das contribuições condominiais; 3) frustrada, em definitivo, a tentativa de venda, poderá o fiduciário permanecer com o imóvel.

Sob outro prisma, consolidada a propriedade na figura do fiduciário, po-derá ele, ou o adquirente do imóvel, requerer judicialmente a reintegração de posse, a fim de que o imóvel seja desocupado em 60 (sessenta) dias.

Apontou-se uma antinomia aparente entre a alienação fiduciária e o Có-digo de Proteção e Defesa do Consumidor.

Por final, foi explanada boa parte dos problemas que podem surgir no âmbito da alienação fiduciária em garantia, bem como a necessidade de segu-rança jurídica.

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Assunto Especial – Doutrina

Alienação Fiduciária

A Alienação Fiduciária e suas Consequências no Patrimônio do Fiduciante

ThIAgO CAvERSAn AnTunESEspecialista em Direito Civil e Processo Civil e Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Advogado e professor universitário.

CAIO MADuREIRA COnSTAnTInOAdvogado.

É sobremaneira expressiva a quantidade de negócios jurídicos que elege a propriedade fiduciária como garantia.

Não seria ousado afirmar, tamanha a extensão participativa do contrato acessório no mundo jurídico, que os demais direitos reais de segurança, como, por exemplo, a hipoteca e o penhor, estão propínquos de sepultamento.

Também pudera: as vantagens da alienação fiduciária são superlativas. A excussão do crédito é infinitamente mais célere e, hoje, apaziguada jurispru-dencialmente. Além disso, o bem garantidor imuniza-se diante da vis atractiva do juízo universal falimentar e dos deletérios incômodos de um processo judicial.

A alienação fiduciária, com a finalidade de garantia imobiliária, configu-ra um contrato originador da propriedade fiduciária, que nasce com o registro no fólio real. Instrumentaliza a transferência da propriedade resolúvel de deter-minado imóvel ao credor, cognominado fiduciário.

Sendo, pois, resolúvel, concomitantemente à constituição da proprieda-de há também a previsão clausular de sua extinção, tão logo verificada a con-dição – evento futuro e incerto – sob a qual tiver sido constituída a garantia, abolição essa sem interferência do consentimento do credor fiduciário ou de intervenção judicial. Havendo o cumprimento da obrigação garantida, extinta estará a propriedade fiduciária, autorizando, ope legis, o cancelamento do re-gistro na tábua registral, à vista da apresentação da respectiva quitação.

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Tem-se, então, que o devedor fiduciante demite-se da propriedade, ainda que transitoriamente, a partir de quando não mais dispõe das faculdades ine-rentes ao domínio, conquanto retenha a posse direta por força de previsão de constituto possessório.

Por tal motivo, não é possível outorgar nova garantia fiduciária da pro-priedade plena a terceiros em graus sucessivos e com ordem de prioridade, como pode ocorrer com a hipoteca, em que o mesmo bem pode garantir diver-sos credores em graus de preferência subsidiários.

Com efeito, se, como dito, o credor exonera-se da qualidade de dominus, à toda evidência não possui a aptidão de dispor ou onerar o que não se encon-tra mais em sua esfera de direitos.

Remanesce-lhe, porém, o direito à reaquisição da propriedade, uma vez cumprida a obrigação garantida. Possui – o fiduciante – um direito sujeito a uma condição suspensiva: readquirir a propriedade do bem se a dívida for paga. O devedor possui expectativa de direito à futura reversão do bem alienado.

O devedor transmuda-se, deixando de ser proprietário para ser titular de um direito de reaquisição, sob condição suspensiva, bem como do direito de fruição da posse direta e dos frutos do imóvel.

Esse direito de reaquisição possui expressão monetária e, por não se ca-racterizar como bem fora do comércio, pode, perfeitamente, ser objeto de re-lações obrigacionais. A propósito, se pode ser objeto de disposição e possui entonação econômica, também pode ser constritado.

Prova disso é o que se cognomina popularmente de “venda do ágio”, que nada mais é do que a negociação do direito de reaquisição do bem, o que ocor-re, v.g., quando há o pagamento de um valor pela assunção da dívida oriunda de um financiamento garantido por alienação fiduciária.

Outro exemplo de destinação dos direitos reaquisitórios é sua outorga a título de caução – espécie de garantia – nos termos dos arts. 17, III, e 21 da Lei nº 9.514/1997, ou até mesmo sua outorga à guisa de cessão fiduciária.

Mas, afinal, não pode o devedor alienar fiduciariamente a propriedade superveniente?

Segundo o § 3º do art. 1.361 do Código Civil, “a propriedade superve-niente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transfe-rência da propriedade fiduciária”, ao passo que o § 1º do art. 1.420 preconiza que “torna eficaz, desde o registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono”.

Portanto, é possível a peculiar alienação fiduciária do mesmo bem, em planos de propriedade diferentes. Não está a se tratar de alienação em segundo

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grau, mas sim de nova e autônoma alienação, a qual, uma vez devidamente registrada, embora constituída, apenas e tão somente passará a ter eficácia se, e quando, a propriedade fiduciária garantidora da primeira obrigação for cance-lada em razão do seu cumprimento.

Quitada a dívida anteriormente garantida, a propriedade fiduciária resol-ver-se-á em relação ao primeiro credor fiduciário, reingressando no domínio do então devedor fiduciante. Esse, por sua vez, já a terá alienado fiduciariamente ao segundo e novo credor fiduciário.

Dito de outro modo: a alienação fiduciária de imóvel já alienado fidu-ciariamente em momento anterior ocorre com a propriedade superveniente (e, por natureza, em relação de dependência com uma condição) e somente terá eficácia após verificada a condição suspensiva que enseja a aquisição da pro-priedade por parte do devedor fiduciante, com a respectiva averbação, no fólio real, do termo de quitação da obrigação garantida pela propriedade fiduciária primeva. É nesse momento – e só nesse momento – que surge a propriedade superveniente e, em consequência, empresta eficácia à nova garantia fiduciária.

Concluindo, então, à vista das ponderações tecidas, infere-se que não é possível, juridicamente, haver a constituição de sucessivas e concomitantes alienações fiduciárias sobre um mesmo bem, em diferentes graus, preferindo-se uns aos outros por ordem registral.

Contudo, admite-se (a) a disposição dos direitos de reaquisição e (b) a alienação fiduciária da propriedade superveniente, da qual o devedor even-tualmente se torne titular com o cumprimento das obrigações previamente ga-rantidas e o cancelamento da propriedade fiduciária primitiva, cuja eficácia é condicionada a evento futuro e incerto.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

[1] Qualquer que seja o seu objeto da garantia, aplicam-se, como normas gerais, os arts. 1.361 a 1.368 do Código Civil. Recain-do sobre imóveis, submete-se o instituto aos arts. 22 a 33 da Lei nº 9.514/1997. Quando tiver por objeto bem móvel fungível ou di-reito creditório, incide o art. 66-B, §§ 3º a 6º, da Lei nº 4.728/1965.

[2] A esse respeito é o Enunciado nº 506 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “Estando em curso contrato de alie-nação fiduciária, é possível a constituição concomitante de nova garantia fiduciária sobre o mesmo bem imóvel, que, entretanto, incidirá sobre a respectiva propriedade superveniente que o fidu-ciante vier a readquirir, quando do implemento da condição a que estiver subordinada a primeira garantia fiduciária; a nova garantia poderá ser registrada na data em que convencionada e será eficaz desde a data do registro, produzindo efeito ex tunc”.

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Assunto Especial – Doutrina

Alienação Fiduciária

A Alienação Fiduciária de Imóveis

PEDRO ERnESTO CELESTInO PASCOALGraduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Pós-Graduado em Direi-to Civil, Direito Negocial e Imobiliário pela Universidade Anhanguera, Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Tiradentes, Membro da Abami – Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário, Advogado Associado – Bispo Vieira Alvares Advogados.

RESUMO: A alienação fiduciária de imóveis, regulada pela Lei nº 9.514/1997, proporcionou, sem sobra de dúvidas, o recrudescimento do mercado imobiliário brasileiro, notadamente em face da instituição do Sistema Financeiro Imobiliário no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Alienação fiduciária de imóveis; consolidação da propriedade.

ABSTRACT: The property pledge, regulated by Law No. 9.514/1997, provided, beyond doubt, the resurgence of the Brazilian real estate market, especially in the face of the institution of Real Estate Financial System in Brazil.

KEYWORDS: Property pledge; consolidation property.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aspectos gerais da alienação fiduciária de imóveis; 1.1 Considerações ini-ciais; 1.2 Conceito de alienação fiduciária e o alcance da Lei nº 9.514/1997; 1.3 Da constitucionali-dade da Lei nº 9.514/1997; 1.4 Da natureza jurídica; 1.5 Das partes na alienação; 1.6 Do objeto do contrato de alienação fiduciária; 1.7 Da constituição da propriedade fiduciária; 1.8 Da cessão e da sub-rogação; 2 Da retomada do imóvel pelo credor; 2.1 Da notificação do devedor; 2.2 Da consolida-ção da propriedade; 2.3 Do leilão do imóvel; 2.4 Da reintegração de posse; 2.5 Da extinção do contra-to; 3 Dos efeitos; 3.1 Dos efeitos em relação ao imóvel locado; 3.2 Dos efeitos em relação à falência e ao procedimento de recuperação judicial; 3.3 Dos efeitos sobre a penhora; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como enfoque estudar o afamado instituto da alienação fiduciária de imóveis, disciplinada pela Lei nº 9.514/1997.

A alienação fiduciária de imóveis, regulada pela Lei nº 9.514/1997, pro-porcionou, sem sobra de dúvidas, o recrudescimento do mercado imobiliário brasileiro, notadamente em face da instituição da garantia fiduciária do imó-

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vel, com o procedimento extrajudicial imensamente mais célere e eficaz para retomada da garantia pelo agente financiador na hipótese de inadimplemento do devedor (extinção anormal), robustecendo o sistema financeiro imobiliário pátrio com a consequente expansão do crédito para aquisição de mais e mais imóveis, retroalimentando a cadeia produtiva envolvida.

Dessa forma, a análise da experiência de outros países mostrava clara-mente que o crescimento habitacional estava intimamente ligado à existência de garantias efetivas de retorno dos recursos aplicados, autonomia na contrata-ção das operações e um mercado de crédito imobiliário capaz de captar recur-sos de longo prazo, principalmente junto a grandes investidores, o que, de fato, também ocorreu no nosso país.

Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é analisar os ciclos de for-mação, execução e extinção normal e anormal do contrato de alienação fidu-ciária de bem imóvel em garantia.

O que se buscará com o presente estudo é demonstrar que não há ne-nhum óbice à retomada extrajudicial do imóvel objeto de garantia do contrato, desde que feito nos estritos termos da legislação especial.

Todo o trabalho será realizado com a finalidade de desenvolver um pen-samento crítico sobre o tema, analisando as suas consequências práticas.

Utilizou-se, durante a realização da pesquisa, o método dedutivo, par-tindo-se da análise do caso geral para, posteriormente, enfocar-se um caso es-pecífico.

Concernente à técnica de pesquisa, adotou-se a pesquisa bibliográfica e documental, sendo utilizados diversos recursos, em especial livros, legislações, artigos científicos publicados em internet e jurisprudências.

Não obstante a parca produção científica específica da matéria, foi feita uma abordagem qualitativa, estudando os principais autores que enveredaram pelo dificílimo caminho do estudo aprofundado do tema, tendo como finali-dade a análise e interpretação do instituto da alienação fiduciária de imóveis.

Quanto à divisão estrutural do trabalho, ele será estudado em dois capí-tulos, quais sejam: aspectos gerais da alienação fiduciária de imóveis e o proce-dimento de retomada do imóvel pelo credor.

No primeiro capítulo, será feita uma abordagem geral sobre a alienação fiduciária de imóveis, desde o conceito de fidúcia até a constituição dessa mo-dalidade de garantia e a sua execução contratual.

O segundo capítulo tratará do procedimento de retomada do imóvel, em face da inadimplência do devedor fiduciante, pelo credor fiduciário. Abordar--se-ão os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema, bem

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como os argumentos utilizados pelos principais doutrinadores. Finalmente, será realizada uma análise aprofundada e crítica sobre o tema.

Por fim, a escolha do tema teve como supedâneo o interesse pessoal do autor pelo instituto da alienação fiduciária de imóveis, notadamente por sua atuação profissional junto a instituições financeiras no procedimento de notifi-cação e consolidação do bem imóvel em favor do agente financeiro, de modo que o presente estudo consolidará o conhecimento teórico adquirido na prática profissional.

1 ASPECTOS GERAIS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEIS

1.1 COnsiderações iniCiais

A Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, representa, sem sombra de dúvidas, um fabuloso marco no sistema de garantias imobiliárias tradicionais brasileira, que, majoritariamente tinha com lastro a hipoteca.

A hipoteca, como instituto garantidor do sistema de garantias imobiliá-rias, vinha, ao logo das décadas anteriores, mormente em face das sucessivas crises econômicas, claudicando, desencorajando os investidores a direcionar as suas aplicações para o setor da construção civil imobiliária, com a consequente redução da oferta de crédito para aquisição de imóveis.

Esse desencorajamento decorria, notadamente, dos incomensuráveis e dispendiosos périplos na tentativa de recomposição do capital mutuado por esses investidores, na esfera judicial, haja vista que o processo de execução arrastava-se por anos, muitas vezes tornando inócua a garantia constituída, seja pelo custo da retomada, seja pela depreciação da própria garantia ao longo dos anos.

Nessa senda, arremata o doutrinador Vitor Kumpel1:

A hipoteca é de execução lenta, ao sabor da delonga dos processos judiciais, ademais nem sempre possui o privilégio de sobrepujar os demais credores, mes-mo os trabalhistas e os fiscais, como garante a alienação fiduciária em caso de falência do devedor. Na hipoteca também não ocorre a transferência da pro-priedade do bem hipotecado ao credor, sendo que o devedor poderá inclusive hipotecá-la novamente, não obstante conste na matrícula imobiliária o registro da garantia hipotecária anterior.

Ademais, a Súmula nº 308 do Superior Tribunal de Justiça fulminou o ins-tituto da hipoteca ao determinar que “a hipoteca firmada entre a construtora e o

1 KUMPEL, Vitor Frederico. Alienação fiduciária em garantia. Registralhas. Acesso em: 16 maio 2014.

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agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

Dessa forma, a análise da experiência de outros países mostrava clara-mente que o crescimento habitacional estava intimamente ligado à existência de garantias efetivas de retorno dos recursos aplicados, autonomia na contrata-ção das operações e um mercado de crédito imobiliário capaz de captar recur-sos de longo prazo, principalmente junto a grandes investidores, o que, de fato, também ocorreu no nosso país, conforme veremos no decorrer deste trabalho.

Assim, de forma visionária, o Presidente Fernando Henrique Cardoso en-caminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.242/1997, que adotou a alienação fiduciária no bojo do programa de modernização das instituições e do Direito brasileiro, cujo relator designado foi o Deputado José Chaves.

Do precitado projeto lei, depois de 39 emendas e diversos pedidos de au-diências nas mais variadas comissões da Câmara Federal, finalmente, em 20 de agosto de 1997, foi aprovada a redação final, que, transformada na Lei nº 9.514, foi sancionada pelo Presidente da República em 20 de novembro de 1997.

Dessa forma, o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) foi criado pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, segundo modelo delineado a partir dos mais modernos mercados de financiamento imobiliário, inclusive latino-ameri-canos, inspirados no modelo norte-americano, tendo por princípio a integração das operações imobiliárias com o mercado de capitais, viabilizando o mercado secundário de títulos imobiliários.

Assim, decorridos mais de 15 anos de vigência da lei, é facilmente per-ceptível o efeito prático dessa nova modalidade de garantia, notadamente pela grande oferta de financiamento imobiliário pelas mais diversas instituições fi-nanceiras do país, que, com a nova garantia, atraiu sobremaneira o capital fi-nanceiro, propiciando o recrudescimento do setor da construção civil privada.

Por fim, a Associação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip)2 elaborou alentado estudo demonstrando esse recrudesci-mento, asseverando que, em 1997, antes da promulgação da Lei nº 9.514, 35 mil habitações foram financiadas, em cotejo com mais de 1 milhão de habita-ções financiadas em 2011, o que denota, de forma indubitável, o grande impul-so que essa lei proporcionou à economia e ao país como um todo.

1.2 COnCeitO de alienaçãO fiduCiária e O alCanCe da lei nº 9.514/1997

O instituto da fidúcia tem origem no direito romano oriundo da antiga fidúcia cum amico, baseado no contrato de confiança que possibilitava o acau-

2 Disponível em: http://www.abecip.org.br. Acesso em: 4 out. 2013.

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telamento de bens no intuito de evitar riscos e proteger o devedor fiduciante de circunstâncias aleatórias, que poderiam ocasionar o perdimento de bens, ou seja, consistia numa venda provisória ou fictícia, lastreada na convenção da qual uma das partes, ao receber de outra a propriedade de um bem, obrigava-se a restituí-lo assim que alcançado determinado objetivo estipulado em um pacto adjeto, denominado pactum fiduciae.

Para Kumpel3,

não havia negócio jurídico subjacente, o objetivo era a proteção contra penas se-veras, impostas pelo império romano. Posteriormente, essa modalidade se trans-formou na fidúcia contraída cum creditore pignoris iure, uma garantia real, pela qual o credor de uma obrigação preexistente se tornava proprietário de uma coisa do devedor, obrigando-se aquele, pelo pactum fiduciae, a restituí-la a este, após o pagamento da dívida.

Para o conspícuo doutrinador Melhim Chalhub, em obra homônima (2006, p. 38), negócio jurídico pode ser definido como

negócio jurídico inominado pelo qual uma pessoa o (fiduciante) transmite a pro-priedade de uma coisa ou a titularidade de um direito a outra (fiduciário), que se obriga a dar-lhe determinada destinação e, cumprido esse encargo, retransmitir a coisa ou direito ao fiduciante ou a um beneficiário indicado no pacto fiduciário.

Nessa senda, importante colacionar a lição de Orlando Gomes apud Dantzger4:

Considerando na perspectiva das limitações do poder do adquirente da proprie-dade, o negócio fiduciário explica-se à luz de três principais construções teóricas: a primeira serve-se de um pacto obrigacional agregado à transferência da proprie-dade, que se destina a neutralizar o efeito real da transmissão, condicionando-o ao fim especial para o qual ela se realiza. As raízes dessa explicação encontram--se no direito romano. A segunda teoria, de inspiração alemã, recorre à condição resolutiva para justificar a limitação, no tempo e no conteúdo, do direito real do fiduciário. Sustentam seus adeptos que ele adquire uma propriedade temporária, para fim determinado. A terceira teoria dissocia o direito fiduciário, assinalando que, nas relações externas, é de propriedade, e nas relações internas, de crédito, figurando ele, em certos casos, como um mandatário [...].

Pois bem, a Lei nº 9.514/1997, com o claro objetivo de proporcionar ao ordenamento jurídico pátrio um robusto e eficiente sistema de garantia, definiu, de forma muito clara, o instituto da alienação fiduciária, senão vejamos:

3 KUMPEL, Vitor Frederico. Alienação fiduciária em garantia. Registralhas. Acesso em: 16 maio 2014.4 DANTZGER, Afrânio Carlos Camargo. Alienação fiduciária em garantia: doutrina e jurisprudência. São Paulo:

Método, 2007. p. 28.

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Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa móvel.

Nessa quadra, convém destacar a conceituação do eminente doutrinador Pedro Elias Avvad (2012, p. 283):

A alienação fiduciária em garantia de imóveis, regulada pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, é o negócio jurídico pelo qual o devedor, fiduciante, com a finalidade de garantir o cumprimento da obrigação, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel e a posse indireta de coisa imóvel, permanecendo o fiduciante com a posse direta.

Assim, esse é exatamente o alcance dos negócios jurídicos celebrados sob égide da Lei nº 9.514/1997, haja vista que, por força do registro do contrato de alienação fiduciária, o credor fiduciário adquire o imóvel, para fins de ga-rantia, sob a condição resolutiva e, de outra banda, o devedor fiduciante torna--se titular do direito de aquisição sob a condição suspensiva, de forma que se desdobra a posse do imóvel, ficando o devedor fiduciante com a posse direta do imóvel e o credor fiduciário, com a posse indireta.

Com efeito, a alienação fiduciária de imóvel constitui um direito real de garantia, restando clara essa sua função de garantia conforme definido em lei, ou seja, a alienação fiduciária é um direito acessório em relação ao crédito ou à obrigação à qual se vinculou para constituição da garantia.

Para Melhim Chalhub5, a alienação fiduciária

difere da hipoteca, do penhor e da anticrese, porque enquanto nestas o devedor grava o bem, mas o conserva em seu patrimônio, na propriedade fiduciária em garantia do devedor (ou o terceiro prestador da garantia) transmite a propriedade do bem ao credor, em caráter fiduciário, demitindo-se do seu direito de proprie-dade.

Dessa forma, o devedor fica investido de um direito expectativo, que corresponde ao direito aquisitivo da propriedade que alienara em garantia, re-cuperando-a automaticamente uma vez recuperada a condição resolutiva.

Nesse espeque, é claríssimo o escólio do doutrinador Melhim Namen Chalhub6, ao asseverar que

a condição suspensiva que a doutrina majoritariamente identifica na posição do devedor fiduciante deve ser tomada na acepção de condicio iuris, que opera

5 CHALHUB, Melhim Namen. Alienação fiduciária, incorporação imobiliária e mercado de capitais: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 4.

6 CHALHUB, Melhim Namen. Op. cit., p. 8.

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independentemente da vontade das partes e é, por definição, suspensiva, no sen-tido de que, antes da sua verificação, ou não há contrato, ou ele não é eficaz.

Por outro lado, o credor fiduciário é titular da propriedade resolúvel; nessa condição, quedando-se inadimplente o devedor fiduciante, poderá o cre-dor resolver o contrato, consolidando a propriedade do imóvel em seu favor, mediante procedimento extrajudicial próprio previsto na lei sob exame.

Assim, resta evidente que os direitos do credor e devedor apresentam-se opostos e, ao mesmo tempo, complementares, haja vista que o acontecimento que aniquila o direito de um consolidará, invariavelmente, o de outro.

1.3 da COnstituCiOnalidade da lei nº 9.514/1997

Conforme mencionado alhures, a Lei nº 9.514/1997 promoveu uma ver-dadeira revolução no sistema de garantias nas operações de crédito no mercado brasileiro, fomentando o mercado imobiliário, alongando os prazos para paga-mento e reduzindo a taxa de juros, sobretudo pela possibilidade de retomada da garantia extrajudicialmente, em caso de inadimplemento do devedor fiduciante.

Essa possibilidade de retomada do bem extrajudicialmente ensejou uma série de demandas nos tribunais pátrios por parte dos devedores, suscitando a inconstitucionalidade da referida lei, alegando, sobretudo, ofensa ao direito de propriedade.

Pois bem, ao contrário do que sustentaram, a Lei nº 9.514/1997 não vai de encontro ao direito de propriedade. Ao revés, assegura-o, consolidando-a nas mãos do credor fiduciário em detrimento ao devedor, que, apesar de lhe haver sido dada a oportunidade de purgar a mora, quedou-se inerte.

Ainda, é cediço que o legislador infraconstitucional apenas se limitou a regulamentar o procedimento destinado à expropriação de bem imóvel dado em garantia de alienação fiduciária, oportunizando ao devedor efetuar a purgar da mora, assegurando-lhe o contraditório e a ampla defesa.

Nesse sentido, é pacífico o entendimento dos Tribunais Pátrios pela cons-titucionalidade da Lei nº 9.514/1997:

Alienação fiduciária de bem imóvel. Ação de anulação de ato jurídico. Possibi-lidade de execução extrajudicial em hipótese de inadimplemento. Constitucio-nalidade da Lei nº 9.514/1997, facultando-se ao devedor que possa se socor-rer do Poder Judiciário, quando necessário e pertinente, para sustar ou anular atos decorrentes do procedimento previsto em lei. Orientação jurisprudencial. Contrato que prevê expressamente a incidência da Tabela Price. Critério de atualização legítimo. Encargos financeiros regulares. Ausência de abusividade. R. sentença que dá adequada solução à lide. Apelo dos corréus não provido. (TJSP,

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Apelação nº 9233623-40.2008.8.26.0000/SP, 36ª CDPriv., Rel. Alexandre Bucci, J. 25.07.2013)

Alienação fiduciária. Bem imóvel. Mora comprovada. Leilão extrajudicial. Ad-missibilidade. Constitucionalidade da Lei nº 9.514/1997. Recurso improvido. Pa-cificada na jurisprudência a constitucionalidade do procedimento previsto na Lei nº 9.514/1997. (TJSP, Apelação nº 0132420-82.2008.8.26.0100/SP, 35ª CDPriv., Rel. Clóvis Castelo, J. 17.06.2013)

Agravo legal. Aplicação do art. 557 do CPC. Jurisprudência dominante. Decreto--Lei nº 70/1966 e Lei nº 9.514/1997. Constitucionalidade. Regularidade do pro-cedimento. Não provimento. A referência à jurisprudência dominante revela que, apesar de existirem decisões em sentido diverso, acabam por prevalecer, na ju-risprudência, as decisões que adotam a mesma orientação invocada pelo relator. A exigência de jurisprudência pacífica poderá inviabilizar a aplicação do dispo-sitivo em questão. 2. Perfeitamente aplicável o art. 557 do Código de Processo Civil, prestigiando o princípio da celeridade processual e da economia processu-al, norteadores do direito processual moderno. 3. O colendo Supremo Tribunal Federal já reconheceu a compatibilidade da execução extrajudicial fundada no Decreto-Lei nº 70/1966 com a Constituição Federal, não se podendo falar em in-constitucionalidade ou não recepção pela nova ordem constitucional. Não se vis-lumbra, igualmente, qualquer incompatibilidade da consolidação prevista na Lei nº 9.514/1997 com a Constituição Federal. 4. Devidamente intimados os mutuá-rios para purgação da mora, não existem razões para se anular a consolidação da propriedade. 5. Agravo legal ao qual se nega provimento. (TRF 3ª R., AC 1417/SP, 0001417-89.2006.4.03.6100, 5ª T., Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, J. 03.06.2013)

Assim, a Lei nº 9.514/1997 não ofende nenhum princípio constitucional, sendo esse o entendimento remansoso dos tribunais pátrios.

1.4 da natureza jurídiCa

O contrato de alienação fiduciária é um contrato acessório, de garantia, e que também é um contrato típico, formal, oneroso, unilateral e cumutativo.

Conforme mencionado alhures, o contrato que institui a alienação fidu-ciária de bem imóvel é um contrato de garantia, haja vista que esse contrato não tem como objeto a transferência do domínio pleno e irreversível do bem ao credor fiduciário, mas visa a garantir o cumprimento integral da obrigação principal em face de uma eventual inadimplência do devedor fiduciante.

Marcelo Terra7 ratifica a natureza jurídica de direito real de garantia e complementa:

7 TERRA, Marcelo. Alienação fiduciária de imóvel em garantia. Porto Alegre. Sérgio Antônio Fabris, 1998. p. 23.

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A alienação fiduciária atenua, em muitos casos, as dificuldades normais encon-tradas nos tradicionais instrumentos de garantia, oferecendo maior rigor e eficiên-cia na segurança do crédito, principalmente devido ao crescente abalo, pelo Po-der Judiciário, ao prestígio da hipoteca como fomentador da garantia do crédito.

Viegas de Lima apud Dantzger8 expõe, com clareza ímpar, a acessorieda-de do contrato de alienação fiduciária em garantia, senão vejamos.

A alienação fiduciária, como negócio de garantia que é, desenvolve-se como um direito acessório, dependente de uma obrigação principal, notada-mente do contrato de mútuo, pelo qual o devedor – chamando de fiduciante – realiza, por si, ou por intermédio de terceiro, a entrega de bem imóvel, para o credor – dito fiduciário –, em propriedade resolúvel, enquanto durar a obriga-ção principal. A acessoriedade, inerente à propriedade fiduciária em geral, con-soante prescreve o art. 648 do Código Civil, sujeita o bem, por vínculo real, ao destino da obrigação principal. Isto quer dizer que a sorte da propriedade fidu-ciária está intimamente ligada ao da obrigação principal. Ou seja, por exemplo, uma vez que haja o adimplemento da obrigação principal, extinguem-se todos os direitos reais concedidos na sua pendência.

Dessa forma, resta evidente que o contrato que institui alienação fidu-ciária em garantia trata-se de um contrato acessório por excelência, sendo essa a sua natureza jurídica.

1.5 das partes na alienaçãO

A teor do § 1º do art. 22 da Lei nº 9.514/1997, a alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no Sistema Financeiro Imobiliário.

Nessa quadra, de forma brilhante, manifestou-se o preclaro doutrinador Renan Miguel Saad9:

Qualquer pessoa, natural ou jurídica, poderá ser, não só fiduciário, mas também fiduciante, desde que preencha os requisitos gerais para a celebração de negócio jurídico, quais sejam: capacidade aparente e genérica e poderes de disposição. Por sua vez, os entes despersonalizados, tais como a massa falida, o condomínio, o espólio etc., não poderão contratar alienação fiduciária de bens imóveis, pois não são pessoas dotadas de personalidade jurídica, embora possam litigar, tendo capacidade judiciária.

8 DANTZGER, Afrânio Carlos Camargo. Alienação fiduciária em garantia: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Método, 2007. p. 39.

9 SAAD, Renan Miguel. Alienação fiduciária sobre bens imóveis. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 148/150.

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Assim, dúvidas não subsistem que qualquer pessoa natural ou jurídica, sendo ou não instituição financeira, poderá celebrar o contrato regulado por essa lei. No dizer do mestre Chalhub, “a alienação fiduciária é espécie de negó-cio em que se utiliza da propriedade para fins de garantia”10.

Contudo, com o advento da Lei nº 10.931/2004, abriu-se a possibilidade de a garantia de alienação fiduciária ser prestada por terceiros, senão vejamos:

Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou pro-messa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa móvel.

Dessa forma, no contrato em que for constituída a garantia de alienação fiduciária de bem de terceiro, esse terceiro deverá participar da avença, apondo a sua aquiescência, nos termos da legislação civil aplicável.

Assim, são partes no contrato com garantia de alienação fiduciária de imóveis o devedor fiduciante, o credor fiduciário e, caso a garantia tenha sido prestada por terceiro titular do bem a ser transmitido em garantia, figurará, esse também, como garantidor.

1.6 dO ObjetO dO COntratO de alienaçãO fiduCiária

A teor do § 1º do art. 22 da Lei nº 9.514/1997, a alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no Sistema Financeiro Imobiliário, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:

1. bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;

2. o direito de uso especial para fins de moradia;

3. o direito real de uso, desde que suscetível de alienação11;

4. a propriedade superficiária.12

Como bem observa o preclaro doutrinador Melhim Namen Chalhub13,

10 CHALHUB, Melhim Namen. Op. cit., p. 249.11 Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos itens III e IV acima ficam limitados à duração da

concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado.12 Idem.13 CHALHUB, Melhim Namen. Alienação fiduciária, incorporação imobiliária e mercado de capitais: estudos e

pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 4.

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o contrato de alienação fiduciária pode ter como objeto quaisquer bens imóveis, sejam terrenos, com um sem acessões, o domínio útil de imóveis ou a proprie-dade superficiária, bem como o direito de uso especial para fins de moradia e o direito real de uso, desde que suscetível de alienação; a propriedade fiduciária sobre o direito real de uso e sobre a propriedade superficiária tem duração limi-tada ao prazo da respectiva concessão (art. 22 da Lei nº 9.514/1997, § 1º, I a IV, com a redação dada pela Lei nº 11.481/2007).

Contudo, não obstante o contrato de alienação fiduciária ter como objeto quaisquer bens imóveis, na prática comercial, tem sido aplicado com maior fre-quência, como garantia de pagamento do preço de imóveis nas incorporações imobiliárias.

Ademais, considerando que a alienação fiduciária regulada por essa lei tem escopo de garantia, conforme mencionado alhures, é plenamente possível que o objeto do contrato de alienação fiduciária possa ser também, acrescen-tando aos demais anteriormente mencionados, o imóvel construído ou imóvel em construção.

Nessa quadra, é forçoso mencionar o comentário do insigne doutrinador Pedro Elias Avvad (2012, p. 286), a saber:

Destacam-se, entretanto, os bens cuja propriedade não foi inteiramente adquiri-da, tais como: (a) promessa de compra e venda quitada e registrada; (b) aquisição por usucapião pendente de conclusão do processo; (c) aquisição por desapro-priação pendente de registro da decisão; e, finalmente, (d) imóvel resultante de loteamento irregular.

Por outro lado, impende destacar que o imóvel clausulado com inaliena-bilidade não poderá ser objeto da alienação fiduciária.

Assim, resta esclarecida a infinidade de bens suscetíveis de figurarem como escopo de garantia nos moldes de Lei nº 9.514/1997.

1.7 da COnstituiçãO da prOpriedade fiduCiária

É cediço que o art. 108 do Código Civil é claro ao asseverar que os con-tratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre bens imóveis de valor superior a trinta salários-mínimos devem respeitar a forma de escritura pública.

Todavia, o art. 38 da Lei nº 9.514/1997 assegura que todos os atos e con-tratos referidos nessa lei ou resultantes da sua aplicação poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pú-blica, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis.

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Dessa forma, filiamo-nos à corrente de que o instrumento particular é adequado para transmissão da propriedade imobiliária com pacto adjeto de alienação fiduciária, representando significativo avanço na desburocratização da prática comercial, fomentadora da circulação de riqueza na sociedade.

Para Luiz Antônio Scavone Júnior14, “trata-se de inovação louvável da lei, dispensando a escritura pública nesse caso particular, rompendo com a tradição de nosso direito de exigir a escritura pública nos negócios imobiliários, tradição essa que já havia sido rompida nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação”.

Embora a lei dispense a escritura pública, tal situação é uma faculda-de, nada obstando que se utilize do instrumento público, se assim às partes aprouver.

Nesse toar, constitui-se a propriedade fiduciária de coisa móvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título, desdobrando-se a posse, tornando o devedor fiduciante possuidor direto e o credor fiduciário, o possuidor indireto da coisa móvel (art. 23 caput e parágrafo único).

Conforme mencionado alhures, o contrato que constitui a garantia de alienação fiduciária de imóveis decorre do negócio jurídico bilateral, formado pelo credor fiduciário e o devedor fiduciante.

O art. 24 preleciona que o contrato que serve de título ao negócio con-terá os seguintes requisitos:

1. o valor principal da dívida;

2. o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito fiduciário;

3. a taxa de juros e os encargos incidentes;

4. a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descri-ção do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;

5. a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização do, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;

6. a indicação, para efeitos de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;

14 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário – Teoria e prática. Rio de Janeiro. Forense, 2012. p. 411.

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7. a cláusula dispondo sobre os procedimentos previstos no art. 27, de que trata do procedimento de público leilão para alienação do imóvel consolidado.

Nessa quadra, é importante destacar que as cláusulas previstas acima são essenciais e indispensáveis para a escorreita caracterização do contrato de alienação fiduciária, e devem, obrigatoriamente, virem insertas no instrumento contratual, cuja ausência será impeditiva de registro no competente Cartório de Registro de Imóveis.

Nessa senda, decidiu a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, em suscitação de dúvida promovida pela registradora da comarca de São José do Campos:

Alienação fiduciária. Requisitos. Registro negado. Registro de imóveis. Dúvida suscitada pela registradora, julgada procedente, para obstar registro de escritura de alienação fiduciária. Não observância de alguns requisitos obrigatórios es-tabelecidos na Lei nº 9.514/1997, corretamente colocados como impeditivos do registro, em obediência ao princípio da legalidade, que obstam o registro, não obstante não pertinentes alguns dos óbices levantados. Recurso não provi-do. (Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, AC 580-6/8/São José dos Campos, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral de Justiça, J. 19.04.2007)

1.8 da CessãO e da sub-rOgaçãO

A cessão de crédito objeto da alienação fiduciária transferirá, ao ces-sionário, todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia (art. 28).

O devedor fiduciante, com anuência expressa do credor fiduciário, po-derá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da aliena-ção fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações (art. 29).

A lei assegura ao credor fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclu-sive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminar-mente, para desocupação em sessenta dias, desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome (art. 30).

Em razão do inadimplemento contratual do devedor fiduciante, poderá o fiador ou terceiro interessado pagar a dívida, sub-rogando-se, de pleno direito, no crédito e na propriedade fiduciária (art. 31).

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Na hipótese de insolvência do devedor fiduciante, ficará assegurado ao credor fiduciário a restituição do imóvel alienado fiduciariamente, na forma da legislação pertinente (art. 32).

Aplicam-se a essa forma de propriedade fiduciária, no que couber, as disposições dos arts. 1.359 e 1.360 do Código Civil vigente, que tratam da pro-priedade resolúvel (art. 33).

2 DA RETOMADA DO IMÓVEL PELO CREDOR

2.1 da nOtifiCaçãO dO devedOr

Vencida e não paga, em todo ou em parte, prestação ou parcela da dívi-da, o devedor fiduciante deverá ser constituído em mora, para ulterior consoli-dação da propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário, nos termos do art. 26 da predita Lei nº 9.514/1997.

mOdelO de requerimentO de nOtifiCaçãO

Aracaju/SE, em 23 de abril de 2014.

Ao

1º Registro de Imóveis da Comarca de Aracaju/SE.

Ref.: Intimação de devedor fiduciante nos termos do art. 26 da Lei nº 9.514/1997

Ilustríssimo Senhor

Oficial de Registro Imobiliário

Banco XXXXXXX S/A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº XXXXXXXXX, com sede na XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, por seu procurador signatário, (instrumento de mandato incluso), vem expor e re-querer a V. S.ª o que segue:

Por força da celebração da cédula de crédito bancário – empréstimo, de nº XXXXXXXXXXXXXXX, firmado em XX/XX/XXXX, o requerente tornou-se credor da quantia de R$ XXXX (XXXXXXXX), sendo pactuado em garantia de alienação fiduciária o imóvel abaixo descrito:

“Imóvel residencial, situado na Rua XX, nº XX, Bairro XXX, Aracaju/SE, melhor descrito e caracterizado pela matricula sob o nº XXXXX.”

Estando inadimplente com o pagamento das parcelas vencidas de XX/XX/XXXX a XX/XX/XXXX, perfazendo nesta data o valor de R$ XXXXX

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(XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX), declaro ter decorrido prazo de carência estabe-lecido no contrato, conforme determina o § 2º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997, serve a presente para requerer a intimação dos devedores fiduciantes abaixo re-lacionados, para que paguem no prazo de 15 (quinze) dias o seu débito, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais e legais, além das despesas de cobrança e de intimação (§ 1º, art. 26 da Lei nº 9.514/1997), valores estes a serem apurados na data do efetivo pagamento, sob pena de ser constituído em mora e dessa forma ser consolidada a posse e propriedade plena e definitiva do imóvel em nome do credor fiduciário:

1. Fulano de Tal, brasileiro, casado, empresário, portador da cédula de identidade RG nº XXXXXXXXXX SSP/SE, e inscrito no CPF/MF sob nº XXXXXX, e sua cônjuge;

2. Sicrana de Tal, brasileira, casada, empresária, portadora da cédula de identidade RG nº XXXXXXXXX SSP/SE, e inscrita no CPF/MF sob nº XXXXXXXXX, residentes e domiciliados na Rua XX, nº XX, Bairro XXX, Aracaju/SE, pelos motivos expostos:

Caso seja certificado que os devedores se encontram em local in-certo e não sabido, requer-se desde já, com fulcro no § 4º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997, a intimação dos mesmos pela via editalícia.

Se, após devidamente intimados, os devedores deixarem de efetuar o pa-gamento do débito total vencido até referida data, certificando-se o decurso de prazo e a constituição em mora, requer seja promovida a consolidação da pro-priedade em nome do credor fiduciário, ou seja, Banco XXXXX S/A, mediante o recolhimento do imposto de transmissão e laudêmio, se for o caso.

Havendo interesse do devedor em pagar o débito vencido, o credor colo-ca-se à disposição desse Registro Imobiliário, pelo telefone nº XXXXXXXX, a fim de informar a V. Sa. os valores das prestações e demais encargos contratuais a serem recebidos, fornecendo inclusive planilha de débito atualizada.

Instrui o presente requerimento planilha de débito.

Caso este Oficial de Registro de Imóveis opte pela intimação via postal, solicitamos que o mesmo se utilize de Sedex registrado, com aviso de recebi-mento (AR), e do serviço denominado “mão própria” (MP), a fim de que a cor-respondência seja entregue, exclusivamente, ao destinatário.

Atenciosamente.

_________________________

(assinar e reconhecer firma)

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Para a escorreita e válida notificação, o devedor fiduciante, ou o seu representante legal ou procurador regularmente constituído, deverá ser intima-do, a requerimento do credor fiduciário, pelo Oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contri-buições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação, fazendo-se mister que o contrato defina previamente o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.

Nessa quadra, impende destacar que o Oficial do Registro de Imóveis poderá delegar ao Oficial do Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel que promova a intimação pessoal do devedor fiduciante, ficando este circunscrito ao ato da intimação, devendo certificar o resultado positivo ou negativo da diligência, e devolvê-la ao Oficial solicitante, que é o responsável pelo processamento do requerimento de retomada do imóvel.

Mister se faz destacar que a iniciativa acima deve partir do Oficial Regis-trador, e não do credor fiduciário.

Não obstante o § 3º do art. 26 da predita lei mencionar a possibilidade de notificação do devedor pelo correio com aviso de recebimento, essa não é prática utilizada pela maioria dos credores fiduciários, notadamente pelo zelo e cautela de promover um procedimento de retomada claro e escorreito, isen-to de qualquer possibilidade de alegação de nulidade futura, haja vista que a ausência de notificação gera nulidade absoluta, nos termos da legislação civil vigente.

Nesse espeque, mais uma vez preleciona o insigne doutrinador Melhim Namen Chalhub15:

A validade e eficácia do procedimento de cobrança e leilão dependem, obviamente, do cumprimento dos trâmites e requisitos estabelecidos pela lei, cuja inobservância poderá importar na nulidade dos atos viciados, e entre esses requisitos essenciais estão a notificação pessoal do devedor fiduciante, para purgação da mora, a realização do leilão etc.

Para Kumpel16, “o oficial do RI tem que ser muito diligente, pois sua certidão é o último momento de defesa antes de eventual ação de reintegração de posse e, caso seja mal feita a referida intimação, poderá ensejar prejuízos desmedidos ao devedor fiduciante”.

15 CHALHUB, Melhim Namen. Alienação fiduciária, incorporação imobiliária e mercado de capitais: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 13.

16 KUMPEL, Vitor Frederico. Alienação fiduciária em garantia. Registralhas. Acesso em: 16 maio 2014.

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Nesse diapasão, o resultado da notificação devidamente certificada pelo Cartório de Registro de Imóveis competente ganha capital importância no bojo do procedimento de retomada do bem pelo credor fiduciário, notadamente que essa certidão poderá ser positiva – devedor fiduciante devidamente notificado – e poderá ser negativa, em face da não notificação do devedor fiduciante.

Notificado o devedor fiduciante positivamente, o oficial certificará a noti-ficação válida e iniciará o prazo de quinze dias para purgação da mora.

Com efeito, purgada a mora pelo devedor fiduciante no prazo mencio-nado alhures, qual seja, de quinze dias, convalescerá o contrato integralmente, seguindo o seu curso normal, sem qualquer percalço ou alteração do seu con-teúdo e forma.

Após a purgação da mora, o Oficial de Registro de Imóveis, no prazo de três dias, entregará ao credor fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e intimação, caso essas despesas já não tenham sido adiantadas pelo credor fiduciário, quanto do protocolo do requerimento atrial.

Por outro lado, deixando o devedor decorrer o prazo para purgação da mora in albis, o credor fiduciário iniciará o procedimento de consolidação da propriedade em seu nome.

Este é o entendimento do egrégio Tribunal Regional Federal da 2º Região:

Agravo interno. Sistema Financeiro Imobiliário – SFI. Alienação fiduciária. Arts. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997. Inadimplência. Consolidação do imó-vel em favor do credor. O contrato de mútuo firmado com a CEF possui cláusula de alienação fiduciária, nos termos dos arts. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997, regido, portanto, sob a égide do Sistema Financeiro Imobiliário – SFI, cujo regime de satisfação da obrigação difere dos mútuos firmados com garantia hipotecária, visto que, na hipótese de descumprimento contratual e decorrido o prazo para a purgação da mora, ocasiona a consolidação da propriedade do imóvel em nome da credora fiduciária. A propriedade restou consolidada em favor da CEF, em vir-tude da não purgação da mora pela parte autora, apesar de devidamente intima-da nos termos do art. 26, § 7º, da Lei nº 9.514/1997, conforme consta no registro de matrícula do imóvel, averbado no Registro Geral de Imóveis do 2º Ofício de Casimiro de Abreu, não havendo nos autos qualquer documento que refutasse a referida averbação. Argumentos deduzidos em agravo interno não abalam razões de decidir. Agravo interno desprovido. (TRF 2ª R., AC 200451160010280/RJ, 2004.51.16.001028-0, 8ª T. Esp., Rel. Des. Fed. Sergio Schwaitzer, DJ 22.08.2012, e-DJF2R 29.08.2012, p. 456/457)

A controvérsia da notificação reside justamente quando esta é negativa, ou seja, quando o Oficial competente não localiza o devedor para pessoal-mente notificá-lo, cientificando-o do procedimento de consolidação em curso,

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sendo necessária uma detida análise do teor da referida certidão, mormente das razões da não localização.

A detida análise do teor da certidão é de suma importância, haja vista que a lei em estudo prevê que a notificação do devedor somente poderá ser realizada por meio de edital quando este estiver em local incerto e não sabido. Essa é a dicção do § 4º do art. 26 da predita lei, não sendo possível a notificação por edital quando a não notificação decorrer de motivo diverso.

Nessa senda, decidiu o conspícuo Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

Lei nº 9.514/1997. Consolidação da propriedade em favor da credora. Obe-diência às disposições legais. Notificação para purgação da mora. Apelação da autora improvida. I – A garantia foi estabelecida com base nas disposições da Lei nº 9.514/1997 (alienação fiduciária de bem imóvel), cuja inconstitucionalidade e ilegalidade nunca foram declaradas pelas Cortes competentes para tal. Aliás, esta egrégia Corte Regional, em diversos julgados, enfrentou as alegações de incons-titucionalidade e ilegalidade e, à unanimidade, pronunciou-se pela inocorrência de ambas. II – O procedimento de consolidação da propriedade deve obedecer às regras estabelecidas pela Lei nº 9.514/1997 e, no ponto que interessa para análise deste recurso, às disposições do art. 26. O 11º Oficial de Registro de Imóveis da Capital do Estado de São Paulo certificou que diligenciou por diversas oportunidades no endereço do imóvel com o intuito de proceder à notificação do devedor a respeito da mora; entretanto, todas as visitas restaram frustradas. Dian-te disso, a Caixa Econômica Federal – CEF procedeu à publicação de editais em 3 (três) dias diferentes para notificação da devedora no Jornal Diário de São Paulo, exatamente como determina a Lei nº 9.514/1997, não havendo nenhum vício apto a ensejar a anulação da consolidação da propriedade em favor da empresa pública federal. III – Apelação da autora improvida. (TRF 3ª R., AC 22815/SP, 0022815-87.2009.4.03.6100, 2ª T., Relª Desª Fed. Cecilia Mello, DJ 03.09.2013)

Por outro lado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu a nulidade da notificação do devedor por edital, por estar o devedor se ocultando e não em local incerto e não sabido, consoante prevê expressamente a lei em tela, senão vejamos:

Civil. SFI. Alienação fiduciária. Constituição em mora. Intimação pessoal ou pelo correio com aviso de recebimento. Consolidação da propriedade. Dano moral. De acordo com o art. 26 da Lei nº 9.514/1997, para que a propriedade resolúvel do credor fiduciário se consolide é imprescindível que o devedor fiduciante seja intimado pessoalmente. A notificação por edital somente poderá ser realizada quando o fiduciante estiver em local incerto e não sabido (§ 4º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997). Havendo suspeita de ocultação e como a Lei nº 9.514/1997 não prevê o procedimento a ser adotado nessa hipótese, a intimação deve ser realizada na forma prevista nos arts. 227, 228 e 229 do CPC, aplicável analo-gicamente ao caso. Nulidade da intimação reconhecida. Não há dano moral

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a ser ressarcido, pois a falta de pagamento das prestações que levou o credor a realizar os procedimentos para cobrar os valores que lhe são devidos, sendo que os meios empregados para cobrar a dívida, não obstante o equívoco quanto à forma, não foram desproporcionais, excessivos ou ofensivos. (TRF 4ª R., AC 2003.70.00.034437-3, 4ª T., Rel. Des. Eduardo Tonetto Picarelli, J. 01.06.2005)

Assim, a notificação reveste-se de ato essencial para o escorreito proces-samento do procedimento de retomada do imóvel pelo credor, devendo em-preender o máximo de cautela e zelo, sob pena de eivar de nulidade todo o procedimento.

mOdelO de requerimentO de nOtifiCaçãO pOr edital

Aracaju/SE, em 23 de abril de 2014.

Ao

1º Registro de Imóveis da Comarca de Aracaju/SE.

Requerimento para intimação editalícia dos devedores fiduciantes

Ilustríssimo Senhor

Oficial de Registro Imobiliário

Banco XXXXXXX S/A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº XXXXXXXXX, com sede na XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, por seu procurador signatário, (instrumento de mandato incluso), em decorrência da certificação de que os devedores fiduciantes estão em local incerto e não sabido, vem requerer a V. S.ª, a expedição da minuta de edital para intimar a Sra. Sicrana de Tal, brasileira, casada, empresária, portadora da cédula de iden-tidade RG nº XXXXXXXXX SSP/SE, e inscrita no CPF/MF sob nº XXXXXXXXX, Fu-lano de Tal, brasileiro, casado, empresário, portador da cédula de identidade RG nº XXXXXXXXXX SSP/SE, e inscrito no CPF/MF sob nº XXXXXX.

Atenciosamente.

_________________________

(assinar e reconhecer firma)

mOdelO de requerimentO para juntada de edital de intimaçãO

Aracaju/SE, em 23 de abril de 2014.

Ao

1º Registro de Imóveis da Comarca de Aracaju/SE.

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Requerimento para juntada de edital de intimação

Ilustríssimo Senhor

Oficial de Registro Imobiliário

Banco XXXXXXX S/A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº XXXXXXXXX, com sede na XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, por seu procurador signatário, (instrumento de mandato incluso), vem reque-rer a juntada do edital de intimação dos devedores fiduciantes, Sra. Sicrana de Tal, brasileira, casada, empresária, portadora da cédula de identidade RG nº XXXXXXXXX SSP/SE, e inscrita no CPF/MF sob nº XXXXXXXXX, Fulano de Tal, brasileiro, casado, empresário, portador da cédula de identidade RG nº XXXXXXXXXX SSP/SE, e inscrito no CPF/MF sob nº XXXXXX, publicado nos dias 28, 29 e 30 de março de 2014, no Jornal da Cidade de Aracaju/SE.

Desta feita, requer seja certificado o decurso do prazo caso não haja purgação dentro do prazo legal de 15 dias.

Atenciosamente.

_________________________

(assinar e reconhecer firma)

2.2 da COnsOlidaçãO da prOpriedade

Deixando o devedor decorrer o prazo para purgação da mora in albis, o Oficial do competente Registro de Imóveis expedirá uma certidão de decurso de prazo sem a purgação da mora, averbando-a na matrícula do imóvel.

Mais uma vez, Kumpel17 destaca que “a certidão do oficial do registro de imóveis, neste caso, é ato extremamente sério, pois ensejará a retomada forçada do bem, sem qualquer intervenção judicial até a propositura da competente ação de reintegração de posse”.

Estando escorreita a notificação, inexistirá óbice à consolidação da pro-priedade pelo credor fiduciário, assim decidiram os egrégios Tribunais Federais da 2º e 5º Região, respectivamente, in verbis:

Agravo interno. SFH. Alienação fiduciária. Notificação do devedor. 1. A CEF cumpriu o que determina a Lei nº 9.514/1997, visto constar dos autos a noti-ficação pessoal do fiduciante, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, acerca do vencimento das obrigações contratuais (art. 26, §§ 1º ao 7º, da Lei nº 9.514/1997). 2. Decorrido in albis o prazo para a purgação da mora, inexiste empecilho à consolidação da propriedade pelo agente fiduciário, pelo que o re-

17 KUMPEL, Vitor Frederico. Alienação fiduciária em garantia. Registralhas. Acesso em: 16 maio 2014.

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corrente não faz jus à manutenção na posse do imóvel. 3. Considerando-se que o recorrente está inadimplente desde 2008, e que a ação somente foi proposta em 20 de outubro de 2010, inexiste o alegado periculum in mora, que, se presente, foi causado exclusivamente por inércia do autor. 4. Agravo interno desprovido. (TRF 2ª, Ag 201202010167200, 7ª T. Esp., Rel. Des. Fed. Luiz Paulo da Silva Araujo Filho, DJ 06.02.2013, publ. 20.02.2013)

Civil. Contrato. Alienação fiduciária. Notificação pessoal do devedor. Purgação da mora. Comprovação de cientificação do interessado. Consolidação da pro-priedade. Apelo improvido. 1. Cinge-se a controvérsia recursal à insurgência de particular em face de sentença judicial que julgou improcedente o pedido de-duzido frente à Caixa Econômica Federal, que objetivava o reconhecimento da inobservância de cláusulas legais, uma vez que o autor não teria sido notificado pessoalmente para purgar a mora. 2. Trata a hipótese de consolidação de proprie-dade em função de inadimplemento contratual de financiamento. O contrato de financiamento habitacional foi garantido através de alienação fiduciária, firmado entre as partes contratantes. 3. Reclama a parte recorrente que a consolidação da propriedade se efetivou sem que tivesse ocorrido a notificação pessoal para purgação da mora. 4. Entretanto, realidade diversa se extrai dos autos, vez que analisando os documentos acostados, houve notificação pessoal tanto do Sr. Ivo Nogueira dos Santos, quanto de sua esposa Elaine Brito dos Santos que tomaram ciência do inteiro teor do instrumento de notificação, recebendo, inclusive, a primeira via. 5. Inexistente qualquer defeito ou nulidade apontada no documento comprobatório, resta devidamente comprovada a notificação para purgação da mora, nos exatos termos constantes no ofício nº 483/2003, oriundo do Cartório de Registro de Imóveis da 5ª zona da Comarca de Fortaleza, no estado do Ceará. 6. Apelação conhecida mas não provida. (TRF 5ª R., AC 446263/CE, 0009335-75.2004.4.05.8100, 2ª T., Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias, DJ 30.03.2010, DJe 22.04.2010, p. 265)

Assim, de posse dessa certidão, o credor fiduciário recolherá o imposto de transmissão inter vivos e demais débitos que o imóvel, porventura, tenha junto à municipalidade, notadamente o IPTU do corrente exercício e de exer-cícios anteriores.

Nessa quadra, estando o imóvel localizado em área de marinha, o credor fiduciário também deverá recolher o laudêmio correspondente à transmissão requestada e demais débitos que o imóvel porventura tenha junto ao SPU.

Com efeito, é imperioso destacar que os recolhimentos do imposto de transmissão inter vivos e do laudêmio nesse momento decorrem da transmissão em definitivo do domínio ao credor fiduciário, em face do inadimplemento do devedor fiduciante, não incidindo os respectivos fatos geradores quando da assinatura do contrato, haja vista que, naquele momento, a transmissão da propriedade em caráter fiduciário teve como única finalidade a constituição da

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garantia, sendo, portanto, inexigíveis o imposto de transmissão inter vivos e o laudêmio naquele momento.

Após os precitados recolhimentos acima, o credor fiduciário protocolará um requerimento de consolidação no Cartório de Registro de Imóveis, instruin-do-o com os respectivos comprovantes dos pagamentos dos preditos impostos, promovendo também o pagamento das taxas e emolumentos cartorários para processamento do requerimento e ulterior consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mediante registro na matrícula do imóvel.

mOdelO de requerimentO de COnsOlidaçãO

Aracaju/SE, em 23 de abril de 2014.

Ao

1º Registro de Imóveis da Comarca de Aracaju/SE.

Ilustríssimo Senhor

Oficial de Registro Imobiliário

Ref.: Requerimento de consolidação da propriedade de imóvel.

(§ 7º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997)

Banco XXXXXXX S/A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº XXXXXXXXX, com sede na XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, por seu procurador signatário infra-assinado, considerando a não purgação da mora dentro do prazo legal pelos devedores fiduciantes Fulano de Tal, brasileiro, ca-sado, empresário, portador da cédula de identidade RG nº XXXXXXXXXX SSP/SE, e inscrito no CPF/MF sob nº XXXXXX, e seu cônjuge Sicrana de Tal, brasilei-ra, casada, empresária, portadora da cédula de identidade RG nº XXXXXXXXX SSP/SE, e inscrita no CPF/MF sob nº XXXXXXXXX, residentes e domiciliados na Rua XX, nº XX, Bairro XXX, Aracaju/SE, vem requerer a V. S.ª, nos termos do § 7º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997, a averbação da consolidação da proprie-dade do imóvel alienado fiduciariamente, qual seja:

“Imóvel residencial, situado na Rua XX, nº XX, Bairro XXX, Aracaju/SE, melhor descrito e caracterizado pela matrícula sob o nº XXXXX”, em favor do agente fiduciário já qualificado anteriormente.

Valor atribuído à consolidação: R$ XXXXXX (XXXXXXXXXXXXXXX).

Instrui o presente requerimento à guia do imposto devido (ITBI) e custas devidamente quitadas.

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Requer, portanto, seja observado o cumprimento ao art. 52 da Lei nº 10.931/2004, o qual prevê que a averbação será realizada no prazo de 15 dias.

Atenciosamente.

_________________________

(assinar e reconhecer firma)

Uma vez consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário, este, no prazo de 30 dias contados da data da averbação da consolidação no Registro de Imóveis, promoverá o leilão público para a alienação do imóvel, conforme preleciona o art. 27 e seus parágrafos e incisos.

Por fim, o devedor fiduciante poderá, coma anuência do credor fiduciá-rio, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensando os procedimentos de leilão previstos no art. 27, ou seja, o devedor poderá promo-ver a entrega do bem alienado ao credor em dação em pagamento, conferindo as partes, quitação recíproca, de forma que, não sobejando saldo para qualquer das partes por força do acordo, torna-se despiciendo o desgastante e oneroso procedimento de leilão.

2.3 dO leilãO dO imóvel

Conforme mencionada alhures, o credor fiduciário, uma vez consolida-da a propriedade em seu nome, este, no prazo de 30 dias contados da data da averbação da consolidação no Registro de Imóveis, promoverá o leilão público para a alienação do imóvel, conforme preleciona o art. 27 e seus parágrafos e incisos.

É mister destacar que a lei não exige a publicação de editais e a intima-ção do devedor fiduciante para os leilões, sobretudo porque este fora cientifica-do quando da assinatura do contrato e quando da intimação para pagamento do débito, sendo, despiciendo, dessa forma, nova comunicação.

Este é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, senão vejamos:

Sistema Financeiro Imobiliário – SFI. Execução do contrato de compra e venda garantido por alienação fiduciária. Incabível a notificação pessoal do devedor para a realização do leilão nos termos dos dispositivos do DL 70/1966, auto-rizados pelo art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997. I – Segundo a regência da Lei nº 9.514/1997, no caso de inadimplência, no todo ou em parte, em contratos de compra e venda de imóveis garantidos por alienação fiduciária no âmbito do Sistema Financeiro Imobiliário, o fiduciante é constituído em mora e intimado

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pessoalmente para purgação no prazo de quinze dias, cuja inobservância con-solida a propriedade em nome do fiduciário e o registro na matrícula do imóvel. Em seguida, o fiduciário está autorizado a promover o leilão público para alie-nação do bem, independentemente de intimação pessoal do fiduciante, posto que consolidada a propriedade em seu nome. II – Não merece amparo judicial a pretensão de anulação do procedimento de execução extrajudicial do contrato de compra e venda de imóvel garantido por alienação fiduciária sob o argumento de inexistência de intimação pessoal para a realização do leilão, porque é incabí-vel a aplicação dos dispositivos do DL 70/1966 ou do Código de Processo Civil, autorizados pelo art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, para exigir a intimação pessoal do fiduciante para ciência do leilão após a consolidação da propriedade e a averbação na matrícula do imóvel realizada pelo Cartório de Registro de Imóveis. III – A propósito, conforme decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, “se o credor fiduciário tem em seu favor a consolidação da propriedade do imóvel no caso de não purgação da mora, é por esta razão que a Lei nº 9.514/1997 não impôs a necessidade de intimação do devedor fiduciante para o leilão do imóvel, o qual só ocorre depois da recuperação da propriedade, não havendo que se falar em nulidade do referido ato” (TJGO, AC 62643-96.2004.8.09.0011, DJe 08.08.2012). IV – Apelação do autor a que se nega provimento. (TRF 1ª R., AC 118238620124013200/AM, 0011823-86.2012.4.01.3200, 6ª T., Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, DJ 25.11.2013, e-DJF1 10.12.2013, p. 379)

Nessa senda, se, no primeiro leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel estipulado no contrato, na forma do inciso VI do art. 24 des-sa lei, será realizado um segundo leilão, nos quinze dias subsequentes.

No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encar-gos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.

Nesse passo, para esses fins, no seu art. 27, § 3º, destacou que se entende por dívida o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do lei-lão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, e por despesas entende-se a soma das importâncias corresponden-tes aos encargos e custas da intimação e as necessárias à realização do leilão público, nestas também compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro.

Ainda no art. 7º, agora no § 4º, a lei determina que, nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a im-portância que eventualmente sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 1.219 do Código Civil em vigor.

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Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for superior ao valor referido, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de entregar ao devedor a quantia que sobejar, conforme determina o § 4º desta lei; nesse caso, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor a quitação da dívida mediante termo próprio, conforme prele-ciona o § 6º desta lei, fato que importará quitação recíproca, não se aplicando o direito de retenção disposto na parte final do art. 1.219 do Código Civil vigente.

Ademais, responde o devedor fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o credor fiduciário, nos termos do art. 27 desta lei até a data em que o credor fiduciário vier a ser imitido na posse.

Por fim, impende destacar que a intelecção do art. 27 acima citado veda o pacto comissório, ou seja, veda que o credor fiduciário consolide a proprie-dade em nome próprio, por meio da retomada do imóvel do devedor fiduciante, sem levar o bem a leilão para aquisição por terceiros, salvo pela entrega do bem em pagamento da dívida, que será abordado no tópico subsequente.

2.4 da reintegraçãO de pOsse

Após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, e até mesmo antes da realização do leilão, a ação de reintegração de posse poderá ser aforada, nos termos do art. 30 da Lei nº 9.514/1997, haja vista que o único pressuposto legal é a consolidação plena da propriedade nas mãos do credor, senão vejamos:

Art. 30. É assegurada ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocupação em sessenta dias, desde que comprovada, na forma do dispos-to no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome.

Da exegese do supracitado artigo, exsurge a expressa determinação para que o juiz conceda a reintegração liminarmente, assinalando o prazo de sessen-ta dias para desocupação do imóvel, não se aplicando o art. 928 do Código de Processo Civil, mesmo que ultrapassado o prazo da ação de força nova.

Nesse sentido, colacionamos os seguintes julgados:

Alienação fiduciária bem imóvel. Inadimplemento da devedora fiduciante. Con-solidação da propriedade imóvel em nome do credor fiduciário, nos termos do art. 26 da Lei nº 9.514/1997. Não restituição do imóvel. Esbulho configurado. Ajuizamento de ação de reintegração de posse. Concessão de liminar. Proposi-tura de ação indenizatória em que se busca a restituição dos valores pagos, que

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não obsta a imediata reintegração de posse. Inexistência de prejudicialidade. Di-reito de retenção do imóvel até a eventual restituição dos valores pagos. Inocor-rência. Sentença confirmada. Recurso improvido. (TJSP, Apelação nº 9058248-30.2005.8.26.0000/SP, 32ª CDPriv., Rel. Walter Zeni, DJ 17.03.2011, data de registro: 17.03.2011 – outros números: 1015262400)

Reintegração de posse. Alienação fiduciária de imóvel. Mora do fiduciante, re-gularmente, notificado. Purgação não ocorrente. Consolidação da propriedade fiduciária. Pedido do fiduciário de sua reintegração na posse do imóvel. Inde-ferimento. Decisão fundada na falta de prova de posse anterior. Inadmissibili-dade. Matéria que não se rege pelas disposições do Código de Processo Civil, mas por lei especial. Decisão reformada. Recurso provido. 1. Com “a consti-tuição da propriedade fiduciária, decorrente do registro do contrato, o fiduciá-rio torna-se possuidor indireto”. 2. Pode o credor fiduciário, não paga a dívida e constituído o fiduciante em mora, obter a consolidação da propriedade em seu nome e reintegra-se na posse do imóvel, liminarmente. (TJSP, AI 0334966-04.2009.8.26.0000/SP, 29ª CDPriv., Rel. Reinaldo Caldas, DJ 09.02.2011, data de registro: 17.02.2011 – outros números: 990093349663)

SFI – Sistema Financeiro Imobiliário. Lei nº 9.514/1997. Alienação fiduciária de bem imóvel. Inadimplemento do fiduciante. Consolidação do imóvel na proprie-dade do fiduciário. Leilão extrajudicial. Suspensão. Irregularidade na intimação. Pretensão, do credor, a obter a reintegração de posse do imóvel anteriormente ao leilão disciplinado pelo art. 27 da Lei nº 9.514/1997. Possibilidade. Interpretação sistemática da lei. 1. Os dispositivos da Lei nº 9.514/1997, notadamente seus arts. 26, 27, 30 e 37-A, comportam dupla interpretação: é possível dizer, por um lado, que o direito do credor fiduciário à reintegração de posse do imóvel alienado decorre automaticamente da consolidação da sua propriedade sobre o bem nas hipóteses de inadimplemento; ou é possível afirmar que referido direito posses-sório somente nasce a partir da realização dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei nº 9.514/1997. 2. A interpretação sistemática de uma lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para a sua aplicação. Se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada de um contrato firmado com o credor fiduciante, a resolução do contrato no qual ela encontra fundamento torna-a ilegítima, sendo possível qualificar como esbulho sua permanência no imóvel. 3. A consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à pos-se do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei nº 9.514/1997 estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não deu causa. 4. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1.155.716/DF, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 13.03.2012, DJe 22.03.2012)

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Assim, a concessão da reintegração liminar é medida que se impõe, em razão da especialidade insculpida na Lei nº 9.514/1997.

Por fim, o devedor fiduciante deverá pagar ao credor fiduciário 1% do valor do imóvel estipulado no contrato, desde o leilão até a imissão na posse pelo fiduciário ou sucessores a título de aluguel-pena, senão vejamos:

Art. 37-A. O fiduciante pagará ao fiduciário, ou a quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração, valor correspondente a um por cento do valor a que se refere o inciso VI do art. 24, computado e exigível desde a data da alienação em leilão até a data em que o fiduciário, ou seus su-cessores, vier a ser imitido na posse do imóvel. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

Ainda, o devedor fiduciante responderá pelos encargos que recaírem so-bre o imóvel, até a efetiva imissão de posse de credor; tal responsabilização tem como objetivo desestimular a ocupação pelo devedor, facilitando o procedi-mento da retomada do bem.

2.5 da extinçãO dO COntratO

O contrato que serve de título ao negócio fiduciário, nos termos da Lei nº 9.514/1997, poderá ser extinto, com o seu integral cumprimento (extinção normal), pela retomada do bem pelo credor ou pela entrega do bem em paga-mento da dívida (extinção anormal).

Na primeira hipótese, o devedor fiduciante possui um direito aquisitivo expectativo da propriedade, ou seja, o devedor é titular da propriedade em con-dição suspensiva, em face da constituição do imóvel em garantia de alienação fiduciária.

Dessa forma, cumprindo integralmente a sua parte na avença, pagando o débito na sua integralidade, o devedor recuperará o imóvel concedido em garantia, sendo averbada na matrícula do imóvel a extinção do ônus real da alienação fiduciária, extinguindo o contrato.

Doutra forma, o devedor fiduciante poderá, com a anuência do credor fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispen-sando os procedimentos de leilão previstos no art. 27, ou seja, o devedor poderá promover a entrega do bem alienado ao credor em dação em pagamento, con-ferindo às partes quitação recíproca, de forma que, não sobejando saldo para qualquer das partes por força do acordo, torna-se despiciendo o desgastante e oneroso procedimento de leilão.

Nessa modalidade, em face da impossibilidade ou incapacidade de de-vedor em manter o contrato outrora entabulado, poderá, em comum acordo

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com o credor, oferecer o bem em dação em pagamento, quitando o débito e, por consequência, extinguindo a obrigação.

Por fim, conforme estudado em tópico próprio, poderá o credor, em face da inadimplência do devedor, promover a retomada extrajudicial do bem, nos termos da Lei nº 9.514/1997, levando-o a leilão, devolvendo ao devedor even-tual saldo que sobejar, ou conferindo quitação mútua do contrato, caso o maior lance oferecido seja inferior ao valor da dívida.

3 DOS EFEITOS

3.1 dOs efeitOs em relaçãO aO imóvel lOCadO

É cediço que a Lei nº 9.514/1997, ao conferir ao fiduciante a posse e a fruição do imóvel, autoriza-o a alugá-lo, com ou sem aquiescência do fiduciá-rio, contudo estabelecendo a ressalva do art. 37-B, a saber:

Art. 37-B. Será considerada ineficaz, e sem qualquer efeito perante o fiduciário ou seus sucessores, a contratação ou a prorrogação de contrato de locação de imóvel alienado fiduciariamente por prazo superior a um ano sem concordância por escrito do fiduciário.

Dessa forma, estando o imóvel locado, a locação poderá ser denunciada no prazo de noventa dias a contar da averbação da consolidação, concedendo um prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido a aquiescência por escrito do credor fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresen-tação gráfica.

A prerrogativa da denúncia estende-se aos sucessores do credor fiduciá-rio, inclusive àquele que tiver adquirido o imóvel no leilão, não distinguindo a lei as locações residenciais das não residenciais, não estando essa última sujeita à ação renovatória da locação.

Outro importante ponto consiste na ausência de direito de preferência do locatário em relação ao imóvel gravado com garantia fiduciária, haja vista que não existe direito de preferência, seja por ocasião da constituição da garantia, seja por perda da propriedade por efeito de excussão do bem, por força do art. 32 da Lei nº 8.245/1991, senão vejamos:

Art. 32. O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação.

Parágrafo único: Nos contratos firmados a partir de 1º de outubro de 2001, o direito de preferência de que trata este artigo não alcançará também os casos de constituição de propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda

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por quaisquer formas de realização de garantia, inclusive mediante leilão extra-judicial, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua expressão gráfica.

Assim, essas são as principais implicações do instituto da alienação fidu-ciária em garantia que incidem sobre os imóveis locados.

3.2 dOs efeitOs em relaçãO à falênCia e aO prOCedimentO de reCuperaçãO judiCial

Importante questão surge na prática profissional acerca da repercussão jurídica da falência ou do procedimento de recuperação de qualquer um dos contraentes sobre o contrato garantido por alienação fiduciária de imóvel.

Inicialmente, é forçoso rememorar que a constituição da propriedade fi-duciária tem como consectário a afetação do bem transmitido no título da sua constituição em garantia.

Dessa forma, a falência ou o procedimento de recuperação da empresa não alteram o curso regular do contrato cuja garantia fora instituída em aliena-ção fiduciária.

Este é o escólio Lei nº 11.101/2005:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

[...]

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendamento mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusulas de irrevo-gabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de pro-priedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respec-tiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Nesse diapasão, estando o devedor em falência ou em procedimento de recuperação da empresa, o devedor continuará obrigado a pagar normalmente as parcelas da dívida nos termos contratados.

A outro giro, estando o credor em falência ou em procedimento de recu-peração da empresa, mantém-se íntegro seu direito creditório, assim como sua obrigação restitutória, operando-se normalmente o cancelamento da proprieda-de fiduciária quando da satisfação integral do débito, e, por outro lado, quedan-do inadimplente o devedor, o credor, mesmo em falência ou em recuperação,

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legitimado a promover todas as medidas necessárias ao recebimento do seu crédito, inclusive com a consolidação da propriedade, tudo nos termos do Lei nº 9.514/1997, já analisado neste trabalho.

Assim, a Lei nº 11.101/2005 é expressa ao asseverar que os bens cons-tituídos em regime de alienação fiduciária não serão atingidos pela quebra ou pela recuperação da empresa, permanecendo separados do acervo do falido ou do recuperando até que cumpra a sua finalidade, cujo eventual saldo positivo será arrecadado à massa ou o eventual saldo negativo será nela habilitado.

3.3 dOs efeitOs sObre a penhOra

O Código de Processo Civil arrola, no art. 655, XI, a penhora sobre direi-to, senão vejamos:

Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

[...]

XI – outros direitos.

Contudo, em que pese o bem alienado fiduciariamente não integrar o patrimônio do devedor, e, dessa forma, não se sujeitar à penhora, nada impede que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos, aplicando-se a norma contida no art. 591 do Código de Processo Civil, segundo a qual “o devedor responde, para cumprimento das suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros”.

Nessa quadra, o exequente não maneja a marcha executória com o fito de penhorar o bem objeto do contrato de alienação fiduciária, mas, tão somen-te, os direitos decorrentes desse ajuste.

Melhim Namen Chalhub18 nos ensina que,

se a execução for dirigida contra o devedor fiduciante, o objeto da penhora será o seu direito real de aquisição do domínio, isto é, o direito que tem o devedor fi-duciante de ser investido na propriedade plena do bem ao concluir o pagamento da dívida que o onera. Assim, cogitando-se de penhorar os direitos do devedor fiduciante, o objeto da penhora não será a propriedade, que ele ainda não tem, mas tão somente os direitos aquisitivos.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

Processual civil. Penhora. Alienação fiduciária. Contrato. Direitos. Possibilida-de. Inteligência do art. 655, XI, do CPC. Recurso especial conhecido e provido.

18 CHALHUB, Melhim Namen. Alienação fiduciária, incorporação imobiliária e mercado de capitais: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 9.

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1. “O bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do deve-dor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos” (REsp 679821/DF, Rel. Min. Felix Fisher, 5ª T., un., DJ 17.12.2004, p. 594). 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1171341/DF, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., J. 06.12.2011, DJe 14.12.2011)

Processual civil. Locação. Penhora. Direitos. Contrato de alienação fiduciária. 1. “O bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do deve-dor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos. Recurso especial provido”. (REsp 260.880/RS, Rel. Min. Felix Fisher, 5ª T., un., DJ 12.02.2001)

Processual civil e tributário. Execução fiscal. Contrato de alienação fiduciária. Direitos do devedor fiduciante. Penhora. Possibilidade. 1. Não é viável a penhora sobre bens garantidos por alienação fiduciária, já que não pertencem ao devedor--executado, que é apenas possuidor, com responsabilidade de depositário, mas a instituição financeira que realizou a operação de financiamento. 2. É possível, entretanto, que a constrição executiva recaia sobre os direitos que o executado detém no contrato de alienação fiduciária. Precedentes da 5ª Turma. 3. O deve-dor fiduciante possui a expectativa do direito à fatura reversão do bem alienado, em caso de pagamento da totalidade da dívida, ou à parte do valor já quitado, em caso de mora e excussão por parte do credor, que é passível de penhora, nos ter-mos do art. 11, VIII, da Lei das Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980), que permite a constrição de “direitos e ações”. 4. Recurso especial provido. (REsp 795.635/PB, Rel. Min. Castro Meira, un., DJ 07.08.2006, p. 208)

O egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro assim decidiu:

Agravo de instrumento. Execução. Decisão impugnada indeferindo a penhora sobre os bens nomeados pelo exequente. Inconformismo. [...] Com a constitui-ção da alienação fiduciária em garantia, o bem alienado passa a ser de proprie-dade, ainda que resolúvel do credor, não sendo possível, portanto, a penho-ra para suportar outra dívida contraída pelo devedor fiduciante, neste sentido, eventual penhora apenas poderá recair sobre os direitos aquisitivos do devedor fiduciante, sendo possível a credor-agravante postular na instância ordinária a penhora dos direitos aquisitivos do devedor fiduciante. Recurso provido parcial-mente na forma do art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil apenas para de-terminar a penhora do bem indicado pelo executado e aceito pelo exequente. (AI 00261542.2011.8.19.0000, Des. Marco Aurélio Bezerra de Melo, decisão monocrática, 17.07.2011)

Por fim, é mister destacar que os direitos do credor fiduciário também são penhoráveis, no caso de uma execução aforada em seu desfavor; nesse caso, o objeto da penhora será o direito creditório da sua titularidade sobre a proprie-dade fiduciária.

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CONCLUSÃOA alienação fiduciária de imóveis, regulada pela Lei nº 9.514/1997, pro-

porcionou, sem sobra de dúvidas, o recrudescimento do mercado imobiliário brasileiro, notadamente em face da instituição da garantia fiduciária do imó-vel, com o procedimento extrajudicial imensamente mais célere e eficaz para retomada da garantia pelo agente financiador na hipótese de inadimplemento do devedor (extinção anormal), robustecendo o sistema financeiro imobiliário pátrio com a consequente expansão do crédito para aquisição de mais e mais imóveis, retroalimentando a cadeia produtiva envolvida com um efeito multipli-cador na economia sem precedentes e incomensurável.

Nesse diapasão, a intensa observação da experiência de outros países ratificou o que também aconteceu no Brasil, qual seja, que o crescimento ha-bitacional está indissociavelmente ligado à existência de garantias efetivas de retorno dos recursos aplicados, autonomia na contratação das operações e um mercado de crédito imobiliário capaz de captar recursos de longo prazo, prin-cipalmente junto a grandes investidores.

Assim, decorridos mais de 15 anos de vigência da lei, é facilmente per-ceptível o efeito prático dessa nova modalidade de garantia, notadamente pela grande oferta de financiamento imobiliário pelas mais diversas instituições fi-nanceiras do país, que, com a nova garantia, atraiu sobremaneira o capital fi-nanceiro, propiciando o recrudescimento do setor da construção civil privada.

Conforme mencionado na parte introdutória do presente trabalho, a As-sociação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) elaborou alentado estudo demonstrando esse recrudescimento, asseverando que, em 1997, antes da promulgação da Lei nº 9.514, 35 mil habitações foram financiadas, em cotejo com mais de 1 milhão de habitações financiadas em 2011, o que denota, de forma indubitável, o grande impulso que essa lei pro-porcionou à economia e ao país como um todo.

Dessa forma, atendidos todos os requisitos previstos na Lei nº 9.514/1997, os ciclos de formação, execução e extinção normal e anormal do contrato de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia deverão seguir o seu regular e escorreito curso normal, sem riscos de qualquer intervenção judicial em con-trário, repise-se, desde que observados estritamente os requisitos insertos na legislação especial.

Por fim, a Lei nº 9.514/1997 representou um “divisor de águas” na con-cessão do crédito imobiliário no Brasil, oportunizando o acesso de milhões de brasileiros à tão sonhada casa própria, retroalimentando a cadeia produtiva envolvida com um efeito multiplicador na economia sem precedentes e inco-mensurável, gerando emprego, renda e impostos, ou seja, gerando riqueza para o país e para os brasileiros.

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Assunto Especial – Doutrina

Alienação Fiduciária

Hipoteca Versus Alienação Fiduciária Vantagens e Desvantagens de Cada Instituto

JOSé EDuARDO DE MORAESTabelião e Registrador do 1º Ofício de Porto Franco – Maranhão.

RESUMO: O presente trabalho estabelece a diferença entre os institutos da hipoteca e da alienação fiduciária de bens imóveis, especialmente quanto a sua natureza jurídica, conceito, objeto, sujeitos e aplicabilidade prática. O estudo da origem da hipoteca e da alienação fiduciária também foi abordado. A hipoteca foi dividida em espécies, expondo a forma como cada uma delas tem acesso ao Registro de Imóveis. A alienação fiduciária foi abordada, dissertando sobre a sua origem, natureza jurídica, conceito e outras peculiaridades. O Registro de Imóveis foi o principal norteador desta pesquisa. A forma como os institutos acessam o Registro de Imóveis foi visualizada. As vantagens e desvan-tagens de cada instituto foram analisadas, com o intuito de diferenciá-los para o credor e para o devedor.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos reais; hipoteca; alienação fiduciária; registro de imóveis; vantagens e desvantagens.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Hipoteca; 1.1 Histórico; 1.2 Conceito e natureza jurídica; 1.3 Característi-cas; 1.4 Requisitos; 1.4.1 Requisitos subjetivos; 1.4.2 Requisitos objetivos; 1.4.3 Requisitos formais; 1.5 Espécies; 1.5.1 Hipoteca convencional; 1.5.2 Hipoteca legal; 1.5.3 Hipoteca judicial; 2 Alienação fiduciária; 2.1 Histórico; 2.2 Conceito e natureza jurídica; 2.3 Alienação fiduciária de bens imóveis; 2.3.1 Requisitos; 3 Repercussão registral; 3.1 Hipoteca; 3.2 Alienação fiduciária; 4 Enfrentamento dos institutos: vantagens e desvantagens; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo fazer um enfrentamento entre os institutos jurídicos da hipoteca e da alienação fiduciária de bem imóvel, tanto sob o enfoque civilista quanto sob o enfoque registral imobiliário.

Será realizada uma abordagem em que as vantagens e as desvantagens de cada instituto serão desnudadas. Os olhares do credor e do devedor mere-cem ser postos como objetivos deste trabalho, principalmente dissertando sobre a parte jurídica e as suas implicações, mas sem se esquecer de explicitar os trâmites registrais de cada instituto.

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A pesquisa será norteada, assim, pela visão doutrinária, jurisprudencial e legal dos institutos.

O que se tem visto hoje, em matéria de garantias reais, é a utilização da hipoteca e da alienação fiduciária nos contratos com garantias reais. As institui-ções financeiras usam ambos os institutos. E os utilizam, obviamente, depois de terem realizado estudos quanto à exequibilidade do crédito, quanto à segurança jurídica do instituto.

O tema tem importância ainda maior quando é analisada a repercussão dos institutos sobre a taxa de juros cobrada nos contratos garantidos por direitos reais. Quanto maior a segurança em reaver o crédito, maior é a probabilidade de que a instituição de crédito diminuía a taxa de juros. Quanto menor a difi-culdade de ter acesso ao bem ou ao valor pecuniário que ele representa, menor serão os juros cobrados. Isso em virtude do chamado custo do crédito, ou custo do dinheiro, que varia conforme a segurança jurídica, exequibilidade, liquidez, circularidade e simplicidade.

1 HIPOTECA

1.1 históriCO

Não se pode precisar com exatidão o momento exato do surgimento da hipoteca no universo jurídico. Sabe-se, entretanto, que foi no direito romano que a hipoteca ganhou força como direito real de garantia e teve um desenvol-vimento técnico muito importante.

É o que expõe Silvio de Salvo Venosa:

Tudo leva a crer que a hipoteca obtém a suas características no meio rural, quando o rurícola deixava os bens de seu trabalho afetados ao cumprimento de uma dívida. Antes de Justiniano, contudo, a situação não se mostra muito clara, sendo um direito tíbio, apenas podendo ser oposto ao próprio colono, mas não perante terceiros detentores (Cuq, 1928:665). Essa origem é aceita por Moreira Alves (1983:432). (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. V, 2011. p. 579)

E segue:

No direito romano, portanto, já são traçados os contornos atuais do instituto que tem demonstrado sua utilidade através dos séculos, decorrente da genialidade da prática pretoriana e graças à dádiva da Codificação de Justiniano, cujo texto chegou até nós. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. V, 2011. p. 580)

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A origem da hipoteca confunde-se com a do penhor. A diferença residia no fato de que no penhor a posse do bem ficava com o credor, e na hipoteca a posse permanecia com o devedor.

Atualmente, a distinção aprofundou-se, de modo que os institutos não podem ser confundidos. Existem os bens empenháveis e os hipotecáveis, expli-citando a classificação e a natureza diferenciada dos direitos reais em comento.

No Brasil, a hipoteca foi tratada pelo Direito português nas Ordenações. A primeira lei brasileira a tratar do tema foi a Lei nº 317/1843, muito embora de forma sucinta. Somente em 1864, com a Lei nº 1.237, que foi criado o Registro Geral Hipotecário, estabelecendo os princípios registrais da inscrição, priori-dade e da especialização. Já no Código Civil de 1916, fortaleceu a hipoteca como direito real de garantia, e consolidando o instituto sob os princípios da publicidade e da especialidade.

No Código Civil de 2002, é disciplinada no Capítulo III do Título X do Livro III, a partir do art. 1.473 até o art. 1.505.

1.2 COnCeitO e natureza jurídiCa

A hipoteca é um direito real de garantia sobre coisa alheia. Como todo direito real, constitui-se com o registro do instrumento do contrato na matrícula do imóvel dado em garantia.

Instituto de direito civil por essência, também possui regramento na Lei de Registros Públicos, a qual disciplina a parte instrumental da hipoteca. E o tra-tamento legal dado aos procedimentos legais ligados à hipoteca também podem ser encontrados no Código de Processo Civil.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “hipoteca é o direito real de nature-za civil, incidente em coisa imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, 2004. p. 368).

O ilustre doutrinador expõe, assim, que a hipoteca tem natureza civil. A diferenciação entre hipoteca civil e comercial existia no Código Civil de 1916, visto que o art. 809 expunha tal distinção, o que não ocorre mais no Código atual.

Ainda, convém lembrar que não apenas os bens imóveis podem ser ob-jetos de hipoteca. Os navios e as aeronaves, apesar da sua patente natureza móvel, podem ser objeto de hipoteca, consoante o art. 1.473, VI, do Código Civil. Em razão do alto valor necessário para financiar tais bens, é da tradição jurídica nacional, e em vários países, de considerá-los bens imóveis para efeitos de hipoteca.

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Paulo Henrique Gonçalves Pires afirma que a

hipoteca é um direito real de garantia incidente sobre bem imóvel (ou outro bem ou direito expressamente admitido em lei) do devedor ou de terceiro vinculado ao pagamento de dívida ou ao cumprimento de obrigação. É a afetação de um ou vários bens ao pagamento do credor. (PIRES, Paulo Henrique Gonçalves. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 33, n. 69, p. 164, jul./dez. 2010)

1.3 CaraCterístiCas

A hipoteca tem natureza acessória. Significa dizer que ela está direta-mente ligada à obrigação que lhe deu origem. A hipoteca segue a sorte da obrigação principal. Caso esta seja declarada nula ou inexistente, pela relação de dependência, o direito real não subsistirá também. Da mesma forma, extinta a obrigação principal, extinta restará a hipoteca.

Como direito real de garantia, a hipoteca goza do direito de sequela. O bem responde por si pela dívida ou pelo adimplemento da obrigação. Pouco importa quem esteja na posse, ou se houve mudança na titularidade do bem. O credor hipotecário pode buscar a coisa contra qualquer possuidor ou proprietá-rio, desde que a hipoteca esteja regularmente registrada no fólio real (pressupos-to da sua existência como direito real – art. 1.227 do Código Civil).

Sob o prisma subjetivo, só quem tem o poder de dispor sobre a coisa por dar em hipoteca. É que o inadimplemento da hipoteca pode gerar a transferên-cia do bem a terceiros, o que implica atos de alienação. Hipoteca depende da possibilidade de alienar o bem, para garantir-lhe o objetivo de assegurar um crédito ou o cumprimento de uma obrigação. Fala-se assim em capacidade para hipotecar, que se confunde com a capacidade para alienar. O locatário, por exemplo, não pode dar em hipoteca o imóvel locado, por lhe faltar o poder ou atributo da disposição sobre a coisa.

Podem ser objeto de hipoteca os bens passíveis de alienação. Os bens inalienáveis sofrem restrição na possibilidade de excussão, em eventual ação de execução.

De outro modo, o bem hipotecado não importa em inalienabilidade. O Código Civil de 2002, no art. 1.475, é expresso em vedar qualquer forma de proibição de alienação do bem gravado. Isso não impede que as partes estabe-leçam que a alienação importe em vencimento antecipado da dívida. O adqui-rente terá pleno conhecimento, pela publicidade (outro atributo da hipoteca), da dita cláusula. Adquire ciente da obrigação de pagar o valor expresso da dívida.

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Por isso que Caio Mário da Silva Pereira afirma que “a hipoteca é um direito sobre o valor da coisa e não à sua substância” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, 2004. p. 324).

O que é garantia é a dívida. O bem objeto é apenas uma forma de se dar força à liquidez do crédito. E os bens imóveis fornecem um atributo essencial para a circulação de riquezas: segurança. Aí reside o papel do Registro de Imó-veis. Um feixe de poderes estatais direcionado a fornecer segurança, autentici-dade, publicidade e eficácia aos atos jurídicos.

O credor não tem direito sobre a coisa. Enquanto não descumprida a obrigação que deu origem à hipoteca, o credor apenas possui um direito real em relação ao bem. E ainda, mesmo após vencida a obrigação, e ocorrido o inadimplemento, o credor continua não tendo um direito sobre o bem. O fito da hipoteca é de restabelecimento da situação financeira do credor. O que se busca então é o valor da dívida. O bem é apenas um meio para a solvência do crédito.

Diferentemente das garantias fidejussórias, os direitos reais de garantia são fundadas, por óbvio, em bens imóveis. A garantia pessoal é frágil, quando comparado a uma garantia real. A exequibilidade do crédito é um fator muito importante nas trocas comerciais. A busca do crédito inadimplido diretamente do devedor é tarefa muitas vezes árdua.

A especialização da hipoteca é outra característica. A dívida e o bem de-vem estar descritos no título. O art. 1.724 do Código Civil informa o necessário para se especializar a hipoteca. Guarda relação com a inscrição da hipoteca no Registro de Imóveis, posto que, nas hipotecas legais, não basta a existência do direito material; precisa ser reconhecido judicialmente, e levado a registro, para que tenha oponibilidade perante terceiros. Isso também vale para as hipotecas judiciais. Trata-se de um requisito formal da hipoteca, que será estudado mais adiante.

A hipoteca tem como característica histórica a indivisibilidade. O direito real não pode ser fracionado. O pagamento parcial da dívida não importa em parcial redução da hipoteca. A obrigação principal foi adimplida parcialmente. Isso não permite que o direito real seja reduzido, a despeito da relação de aces-soriedade entre as obrigações. O contrato e o documento de quitação podem prever de outro modo, estipulando a exoneração parcial da hipoteca, conforme o art. 1.421. Isso ocorre, normalmente, quando foi dado em garantia mais de um imóvel.

A hipoteca deve ser sempre inscrita no Registro de Imóveis. A garantia é a da publicidade. Além de constituir requisito formal para a sua própria cons-tituição como direito real, o registro confere a publicidade ficta de que todos

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conhecem a situação jurídica do bem. A publicidade conferida pelo Registro de Imóveis é a mais eficiente no que diz respeito ao bem imóvel específico da hipoteca. A certeza do conhecimento da existência da hipoteca por terceiros é praticamente impossível. O Registro de Imóveis possibilita a ciência de todos aqueles que até ele se direcionem. E a legislação federal impõe a obtenção de informações perante o Ofício registral competente. A Lei nº 7.433/1985 impõe a necessidade de apresentação ao Tabelionato de Notas da certidão da matrícula do imóvel, a qual deverá estar atualizada. É o reconhecimento de que a publi-cidade registral é eficaz.

1.4 requisitOs

1.4.1 Requisitos subjetivos

Fala-se aqui em capacidade de dar em hipoteca, como acima exposto. Somente pode gravar o imóvel quem goza do poder de dispor. Isso pode ser relativizado se analisarmos que o compromissário comprador também pode hipotecar o respectivo direito real.

É o que defende Francisco Eduardo Loureiro:

Embora negue a doutrina tradicional, não se vê razão para que o direito real de promitente comprador, decorrente de contrato de compromisso de compra e venda sem cláusula de arrependimento e levado ao registro imobiliário, não pos-sa ser dado em garantia hipotecária. É bem imóvel por definição legal e passível de cessão por simples trespasse. Como vimos anteriormente, nos comentários aos arts. 1.417 e 1.418, é o compromisso de compra e venda contrato prelimi-nar impróprio que concentra toda a carga negocial da compra e venda. Pago o preço, todos os poderes federados do domínio estão concentrados nas mãos do promitente comprador, nada mais restando ao promitente vendedor do que o de-ver de outorgar a escritura definitiva. Na lição de José Osório de Azevedo Júnior, “considerando que o compromisso já é hoje reconhecido, para inúmeros efeitos, como uma forma de alienação, ficando o compromissário com amplíssimo po-der de disposição da coisa, cremos que, após o pagamento do preço, lhe devia ser permitido hipotecar o imóvel, ou pelo menos hipotecar seus direitos reais, que também são imóveis” (Compromisso de compra e venda. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 100). (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comenta-do: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011. p. 1593)

A hipoteca pode ser constituída sobre bens imóveis. O art. 80 do Código Civil, como dito pelo citado doutrinador, classifica como bem imóvel o direito real sobre coisa imóvel. Assim, o usufruto, o uso e a servidão poderiam ser hi-potecados. Só não podem ser hipotecados porque são inalienáveis.

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Esta é a visão de Francisco Loureiro:

O art. 80 do Código Civil dispõe serem imóveis os direitos reais que têm por ob-jeto coisas imóveis. Assim, os direitos reais de usufruto, uso, habitação e servidão são bens imóveis por definição legal, mas não podem ser hipotecados, porque são inalienáveis. Já o direito real de hipoteca, embora imóvel e passível de alie-nação, pode apenas ser dado em penhor, por força de disposição legal (Decreto nº 22.778/1934). (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: dou-trina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011. p. 1593)

César Fiuza discorda quanto à possibilidade de gravar com hipoteca o usufruto. Assim discorre:

Mais atrás, estudamos o usufruto, vendo que se trata do direito de usar coisa alheia, gratuitamente, por certo tempo. Ao usufrutuário pertence o chamado do-mínio útil e ao proprietário, o domínio direto. Tanto um quanto outro, ou seja, tanto o domínio útil quanto o direito podem ser hipotecados. (FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 15. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 1020)

Exceção à regra de que somente ao titular do domínio é possível gravar com hipoteca um imóvel, o direito do promitente comprador é discutível. Isso por dois motivos: primeiro, o rol de direitos hipotecáveis é taxativo; segundo, o promitente comprador, apesar de possuir o direito real à aquisição da coisa, ou à coisa propriamente, de fato e de direito não a possui, mesmo que de modo passageiro. Somente pode ser considerado detentor de todos os poderes ine-rentes à propriedade o proprietário. Ao promitente comprador falta o poder de dispor, mesmo que, de fato, algumas vezes, já o detenha.

As pessoas casadas não podem hipotecar sem a autorização formal do outro, exceto se casados forem sob o regime da separação absoluta de bens, ou se no regime da participação final nos aquestos houverem pactuado de forma diversa.

Da mesma forma ocorre nos condomínios de proprietários. Como no casamento, a natureza da relação jurídica exige que todos oponham a anuência quando a gravação da coisa. Isso porque a consequência sofre todos recairá. A solidariedade impõe que assim seja. Caso um dos condôminos ofereça o bem comum em garantia, a mesma seja anulável. Nada impede que todos os demais compareçam concordando posteriormente (art. 1.420, § 1º, do Código Civil). Obviamente, o título que deu origem à hipoteca não terá acesso enquanto todos os proprietários não houverem manifestado concordância.

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Entretanto, quando a hipoteca recair sobre parte ideal do imóvel, poderá ter acesso ao Registro de Imóveis. É o que dispõe o art. 1.420, § 2º, do Código Civil. O condômino pode hipotecar a sua parte do imóvel. A discussão iniciada neste ponto é interessante. O condômino pode hipotecar somente a sua parte ideal, o seu quinhão, ou pode também dar em hipoteca uma parte certa e loca-lizada sobre o imóvel?

Sobre isso discorre Gilberto Valente:

Muita discussão sobre a indivisibilidade, se material (tem sua substância alte-rada), ou jurídica (em decorrência de lei), já ocorreu no passado, envolvendo grandes civilistas (Ver Boletim do Irib nº 61).

Contudo, hoje é pacífico que é admissível o registro da hipoteca de parte ideal de imóvel em condomínio (divisível ou não), mesmo sem a anuência dos demais condôminos (art. 1.420, caput e § 2º do NCC). (Ver também RDI nº 7 – Professor Afrânio de Carvalho).

Também é pacífico que, se a hipoteca recair sobre parte certa e determinada, há necessidade de que primeiro seja feito o desmembramento do imóvel.

Como o imóvel não foi dividido (desmembrado) para abrigar o registro da hipote-ca sobre parte certa e determinada, poderia sê-lo, agora, separando a parte hipo-tecada da não hipotecada; entretanto, nesse caso, parece de toda conveniência a anuência do credor hipotecário, porque o quinhão atribuído ao devedor hipote-cante pode não representar o valor do crédito, ou, ainda, ter sido feita a divisão para prejudicar o credor. Há entendimentos de que a hipoteca constituída po-deria descrever (dentro do todo) uma parte certa e determinada, recaindo sobre parte ideal, delimitada geodesicamente, na medida em que a descrição da área objeto do gravame viesse descrita no título (cédula), mas existe decisão em sen-tido contrário, determinando que nesse caso a hipoteca não pode incidir sobre parte localizada no todo sem o prévio desmembramento (nesse sentido ver AC 021223-0/1 – Palmital). (Disponível em: <http://grupogilbertovalente.blogspot.com.br/2010/01/hipoteca-parte-ideal.html>. Acesso em: 16 maio 2012, às 9:47)

Certo é que o Código Civil permite a hipoteca sobre parte individual-mente considerada. A amplitude registral deve ser estudada com mais cuidado pela doutrina. O que se tem com certeza é que o Registro de Imóveis está sob o manto da continuidade. Todos os atos devem guardar relação lógica de con-catenação. O desmembramento de imóvel condominial exige que ele já esteja assim definido.

1.4.2 Requisitos objetivos

Primeiro, a hipoteca deve recair sobre bens imóveis por natureza, ou por autorização legal. Direitos reais são considerados bens imóveis por suposição legal, conforme o já citado art. 80 do Código Civil. Navios e aeronaves, por ser objeto de hipoteca, como discorrido anteriormente.

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As estradas de ferro também podem ser objeto de hipoteca, por permis-são legal. E o registro da hipoteca, neste caso, deve ser efetuado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição da sede da estação inicial da linha férrea, conforme o art. 171 da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/1973. A opção legislativa foi por evidente conveniência, visto que é tarefa desarrazoada exigir que o devedor leve a registro o título causal em todas as circunscrições imobili-árias existentes em todo o percurso da linha férrea. O valor despendido com o registro poderia levar a tornar inócua a operação de credito garantida.

Interessante salientar ainda que as minas podem ser objeto de hipoteca, mas estão sujeitas a regime jurídico especial. E a própria concessão de lavra, ou direito de lavra, é direito hipotecável.

1.4.3 Requisitos formais

A estruturação formal da hipoteca merece especial atenção neste traba-lho, especialmente considerado o foco registral imobiliário.

A hipoteca, como já sedimentado, é direito real. Mas somente se fala em direito real constituído após o registro do título causal no fólio real, ou seja, na matrícula do imóvel. As informações essenciais da hipoteca devem constar do registro de constituição do direito real. A especialização, desse modo, é requi-sito formal da hipoteca, conforme expõe o art. 1.724 do Código Civil. Vejamos:

Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia:

I – o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;

II – o prazo fixado para pagamento;

III – a taxa dos juros, se houver;

IV – o bem dado em garantia com as suas especificações.

As informações devem ser publicizadas, não se permitindo a hipoteca geral ou abstrata. O art. 176, § 1º, III, 5, da Lei de Registros Públicos garante a especialização da hipoteca no registro. As referidas informações devem constar na matrícula do imóvel para fins de publicidade e de eficácia perante terceiros. O adquirente não poderá alegar desconhecimento da existência da hipoteca. A obtenção de certidão perante o Ofício de Registro de Imóveis é o mínimo que se exige a título de prudência negocial.

Sobre a falta de especialização da hipoteca, Gladston Mamede assim discorre:

A falta de especialização pode levar à invalidade da garantia, se houver absoluta ausência de dados de identificação do bem. Se forem os dados incompletos, de modo a gerar dúvidas e incertezas, a garantia será ineficaz perante terceiros, mas

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valerá entre as partes, se forem encontrados bens correspondentes à descrição ge-nérica feita no título. (MAMEDE, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo: Atlas, v. XIV, 2003. p. 86)

No entanto, a ideia de invalidade da hipoteca por falta de especialização não é uníssona na doutrina. Francisco Loureiro afirma:

A principal alteração está na parte final do caput, não mais referindo a falta de es-pecialização acarretar “pena de não valerem contra terceiros”, como dizia o ve-lho Código Civil, mas a ineficácia da garantia real. A falta de especialização não afeta a garantia no plano da validade, mas no da eficácia perante terceiros. Vale entre as partes, consoante a prova resultante do título, mas é inoponível frente a terceiros; o que, na prática, retira as consequências de sequela e preferência. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurispru-dência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011. p. 1537)

A hipoteca pode ser contratada por instrumento público ou particular. O que definirá a natureza formal do título é o valor do negócio, conforme prevê o art. 108 do Código Civil. A hipoteca legal depende de título judicial para a sua constituição perante o Registro de Imóveis. Já a hipoteca judiciária se constituirá perante a autoridade judiciária, por ato judicial. O registro servirá como meio publicizador da constrição, garantindo a oponibilidade perante terceiros, ou erga omnes.

Nos contratos em que seja parte instituição integrante do Sistema Finan-ceiro da Habitação, os contratos podem ser celebrados por instrumento parti-cular, mesmo se excedentes a 30 (trinta) salários-mínimos. A Lei nº 4.380/1964 assim prevê:

Art. 61. Para plena consecução do disposto no artigo anterior, as escrituras de-verão consignar exclusivamente as cláusulas, têrmos ou condições variáveis ou específicas.

[...]

§ 5º Os contratos de que forem parte o Banco Nacional de Habitação ou entida-des que integrem o Sistema Financeiro da Habitação, bem como as operações efetuadas por determinação da presente lei, poderão ser celebrados por instru-mento particular, os quais poderão ser impressos, não se aplicando aos mesmos as disposições do art. 134, II, do Código Civil, atribuindo-se o caráter de escritura pública, para todos os fins de direito, aos contratos particulares firmados pelas entidades acima citados até a data da publicação desta lei.

A hipoteca judiciária é prevista dentro do sistema processual civil. O art. 466 dispõe que “a sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo

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de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos”.

Neste momento, apenas merece destaque a indicação que a natureza formal do título dá existência à hipoteca judiciária é a sentença. A sentença constitui a hipoteca judiciária, servindo como exceção à regra de que os direitos reais se constituem perante o Cartório de Registro de Imóveis.

E o registrador imobiliário deverá proceder a qualificação registrária so-bre o título judicial. É o que defende Luiz Guilherme Loureiro:

Hipoteca judiciária é aquela que decorre de sentença. De fato, a sentença con-denatória, ainda que não transitada em julgado, serve como título constitutivo de hipoteca judiciária cuja inscrição será determinada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos. O título judicial constitutivo da hipoteca judiciá-ria deverá ser qualificado, portanto, pelo Oficial do Registro de Imóveis e, caso não atenda aos princípios registrários, como o da especialização, não deverá ingressar no fólio real. Não há necessidade de que a sentença seja líquida. A sentença condenatória produzirá a hipoteca judiciária, embora a condenação seja genérica ou ilíquida. Aqui temos uma exceção ao princípio da especialidade que exige que também o valor da obrigação seja expressamente mencionado no título, juntamente da exata descrição do imóvel objeto da garantia. (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso completo de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p. 976)

As hipotecas legais podem ser formalizadas por instrumento público. É uma ex-ceção à previsão de que elas devem ser reconhecidas judicialmente. O art. 1.210 do Código de Processo Civil dispõe que “não dependerá de intervenção judicial a especialização de hipoteca legal sempre que o interessado, capaz de contratar, a convencionar, por escritura pública, com o responsável”. A composição extra-judicial de interesses é a tendência do Direito brasileiro. Sendo as partes capazes e consentes, não há motivos para impor a passagem pelo Judiciário.

Luiz Guilherme Loureiro discorre:

Observa-se, entretanto, que a hipoteca legal, que decorre da lei e não da von-tade das partes, pode ser reconhecida extrajudicialmente. O art. 1.210 do CPC permite que a hipoteca seja constituída sem a intervenção judicial, desde que o interessado seja capaz de contratar e que seja celebrada com o responsável pela escritura pública. Repita-se, entretanto, que a hipoteca apenas é constituída com o registro do título. Este é o suporte para a constituição do direito real ou, em outras palavras, é o primeiro passa para a constituição da garantia real, que se efetiva com a inscrição. (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso completo de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p. 981)

Passaremos agora a analisar as espécies de hipoteca.

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1.5 espéCies

Existem três tipos de hipotecas: convencional, legal e judiciária. O regra-mento jurídico de cada espécie altera conforme as leis especiais incidentes. As cédulas rurais hipotecárias impõem uma legislação especial sobre a hipoteca, mas não a desnatura como hipoteca convencional.

1.5.1 Hipoteca convencional

Deriva da autonomia da vontade das partes. As partes, desde que gozem de capacidade para hipotecar, como foi acima dito, podem celebrar contratos válidos e gravar os imóveis (ou outros bens legalmente admitidos) com hipo-teca.

A hipoteca convencional é a forma mais tradicional de hipoteca. A raiz desse direito real denota a sua característica de garantia real como forma de cumprimento de obrigações pecuniárias (na maioria das vezes) assumida.

Merece aqui ressaltar, fora do que foi acima dito, que a relação jurídica entre o credor e o devedor pode continuar existindo sem a garantia real, ou o objeto da garantia. E isso acontece de forma recorrente. A acessoriedade da hi-poteca é uma demonstração nítida disso. Pode ser alterada a forma de garantir a obrigação principal, seja constituindo penhor, seja apenas oferecendo garantias pessoais. Vai-se a hipoteca, fica a relação jurídica.

A relação de sujeição que há entre o proprietário e a coisa inexiste pe-rante o credor hipotecário. Nas hipotecas cedulares pode existir, no entanto, o direcionamento do uso da coisa a certos fins. Mas a coisa continua tendo rela-ção direta com o seu possuidor e o seu proprietário. A relação que se estabelece é entre o devedor e o credor.

1.5.2 Hipoteca legal

Como o próprio nome indica, a hipoteca legal existe pela vontade do legislador. A ocorrência da situação jurídica elencada na lei faz constituir a hipoteca. Poder-se-ia dizer que e o fato gerador da hipoteca legal são aquelas condutas descritas em lei, especialmente aquelas contidas no art. 1.489 do Có-digo Civil.

Luiz Guilherme Loureiro afirma ser taxativo o rol do citado artigo, quan-do assim comenta:

A lei confere hipoteca em cinco hipóteses expressamente previstas no art. 1.489 do CC. Portanto, o direito real de garantia, nos casos que serão citados a seguir, decorre de disposição expressa da lei e não da vontade das partes.

O rol previsto no art. 1.489 do CC é taxativo, não mais existindo em nosso orde-namento jurídico a hipoteca legal os bens do tutor ou curador. Portanto, com a

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entrada em vigor do novo Código, a hipoteca legal do tutor ou curador, prevista no art. 827, IV, do Código de 1916, pode ser cancelada por mero requerimento dos interessados ao oficial do registro de imóveis. (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso completo de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Méto-do, 2010. p. 976)

A fonte de existência da hipoteca legal é conjunção entre a lei e a ocor-rência da situação hipoteticamente prevista. E o título que instrumentaliza esse direito real é o mandado judicial, que é liberado pela autoridade judiciária ao final do processo, após o trânsito em julgado da sentença.

Gilberto Valente nos ensina:

Hipoteca legal é aquela estabelecida em lei, independentemente da vontade das partes, seja para garantir certas obrigações, seja para acautelar-se de determina-das situações jurídicas.

Ela surge com o fato previsto em lei e se aperfeiçoa com a especialização, isto é, com a determinação do imóvel da garantia e o registro imobiliário.

A especialização dessas hipotecas, necessária à sua inscrição no RI, será reque-rida pelo próprio responsável, que declarará o valor de sua responsabilidade e indicará os imóveis sobre que incidirá o ônus, mediante petição à autoridade judiciária competente, instruído com a prova do domínio, livre de ônus, dos imóveis oferecidos em garantia (art. 1.205 do CPC). Iniciado por essa forma, o processo de especialização, continuará ele, segundo o rito estabelecido nos arts. 1.206 e ss. do CPC, até a expedição de mandado para sua inscrição, no RI, da hipoteca especializada, com todas as indicações necessárias ao registro.

O título para a inscrição da hipoteca legal será, assim, o mandado judicial, expe-dido depois de concluído o procedimento. A especialização de hipoteca legal é feita em Juízo, com observância dos arts. 1.205/1.210 do CPC, culminando com a decisão discriminativa do bem gravado.

O título constitutivo é a sentença de especialização, que deve ter o seu trânsito em julgado, pois a inscrição só se efetuará após o trânsito em julgado da senten-ça, visto que ela está sujeita a recurso de apelação, com efeito suspensivo.

Com a especialização, individualiza-se a coisa dada em garantia real. (Disponí-vel em: <http://grupogilbertovalente.blogspot.com.br/2009/11/registro-de-hipo-teca-legal.html>. Acesso em: 19 maio 2012, às 11:35)

A hipoteca legal exige dois momentos: o primeiro, em que o fato previsto na norma ocorre, e o segundo, no qual ocorre a especialização da hipoteca.

Assim ensina Silvio Venosa:

Na hipoteca legal, existem dois momentos bem definidos. Em primeiro lugar, há um fato jurígeno do vínculo. No entanto, o simples fato típico não instru-mentaliza a hipoteca. Há necessidade de um segundo momento, quando en-

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tão são individualizados, especializados os bens garantidores, culminando com sua inscrição como objeto da hipoteca e tornando-se efetivamente garantia real. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. V, 2011. p. 592)

1.5.3 Hipoteca judicial

Na verdade, a hipoteca judicial é uma hipótese legalmente prevista para garantia da exequibilidade de um direito judicialmente reconhecido. Não goza da direito de preferência, mas sim o de sequela. Pode, então, reaver a coisa con-tra quem a possua. Depende de registro para conferir conhecimento a terceiros, a chamada oponibilidade erga omnes.

Discute-se sobre a utilidade de tal instituto no Direito brasileiro, princi-palmente considerando que ao credor é assegurado o instituto da fraude aos credores e da fraude à execução.

Vejamos o que expõe Sílvio Venosa:

A disposição perde utilidade perante os princípios da fraude de execução Presu-me-se fraudulenta, de forma absoluta, qualquer alienação ou oneração de bens do devedor quando “ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o deve-dor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência” (art. 593, II, do CPC).

[...]

Ademais, o art. 824 excluía o direito de preferência nessa hipoteca judicial, subtraindo-lhe a principal vantagem. Temos que considerar atualmente inútil o dispositivo. Ademais, para exercer o direito garantido pelos princípios da frau-de de execução, o exequente não necessita de inscrição imobiliária, condição essencial para a hipoteca judicial. Está, porém, presente no ordenamento para quem nela encontrar serventia. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. 5, 2011. p. 596)

César Fiuza contra-argumenta:

Supondo eu a execução da sentença condenatória contra o devedor seja demora-da, o credor pode querer se garantir contra qualquer ato fraudulento do devedor. O devedor pode, por exemplo, vender seus bens; e até que se prove ter ocorrido fraude de execução, a fim de se anular a venda, pode transcorrer muito tempo e ser gasto muito dinheiro. A hipoteca judiciária vem, então, a calhar.

Vendo o credor que o processo de execução pode se delongar, requer seja des-tacado um imóvel do patrimônio do devedor para lhe servir de garantia de que, findas as controvérsias judiciais, haverá o que penhorar. O juiz manda, então, que se apresente imóvel do devedor. Procede-se, em seguida, à especialização e à inscrição, como se fosse hipoteca comum. Inscrita a hipoteca, o credor terá direito real de garantia sobre o dito imóvel, podendo penhorá-lo, ainda que seja alienado a terceiros, sem precisar provar ter havido fraude de execução. (FIUZA,

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César. Direito civil: curso completo. 15. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 1024)

Ambos os entendimentos merecem atenção. A hipoteca judicial pouco é utilizada no direito nacional. Temos a própria averbação premonitória, que, apesar de ser instituto totalmente diverso da hipoteca judicial, também tem o condão de publicizar a informação da distribuição de ação executiva, conforme o art. 615-A do CPC, considerando em fraude à execução a alienação de bem após a dita averbação. Entretanto, como salientado por Fiuza, há ainda uma função muito importante: a de garantir eficácia (ou sucesso) ao processo de execução.

Após discorrer sobre o instituto da hipoteca, seu histórico, conceito, na-tureza jurídica e demais peculiaridades, devemos agora tecer considerações sobre o instituto da alienação fiduciária. Vários assuntos importantes sobre a hipoteca foram deixados de lado, especialmente quanto à remição e à extinção. Considerando o objetivo deste trabalho, apenas os tópicos essenciais de cada instituto serão abordados.

2 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

2.1 históriCO

A primeira forma de garantia real existente no direito romano foi a aliena-ção fiduciária. O devedor transferia o bem ao credor em garantia de uma dívida, resguardando o direito de recompra depois de quitada a obrigação. Diferia do penhor justamente na medida em que na fidúcia cum creditore havia a transfe-rência da propriedade para o credor, e no pignus havia a transmissão da posse.

César Fiuza disserta:

A alienação fiduciária em garantia foi, segundo Cretella Júnior, a primeira mo-dalidade de garantia real surgida no direito romano. Chamada de fidúcia cum creditore, tinha o grave defeito de transmitir a propriedade da coisa ao credor, o que fez com que nascesse o penhor, que não mais transferia ao credor o domínio da coisa dada em garantia.

De qualquer forma, a alienação fiduciária em garantia atual é um pouco diferente da fidúcia cum creditore. Nesta era feita venda simbólica do bem ao credor, fi-cando o vendedor com o direito de recompra, também simbólica, uma vez paga a dívida. Realizavam-se dois atos: um de compra e venda, o outro de fidúcia, ou seja, as partes pactuavam o direito do devedor de readquirir o bem alienado.

Na alienação fiduciária em garantia, não há esses dois momentos. O próprio contrato de alienação já confere ao devedor o direito de readquirir o bem com o pagamento da obrigação garantida. Ademais, não há qualquer compra e venda

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simbólica. (FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 15. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 922)

Sílvio Venosa leciona:

A mais antiga modalidade de garantia encontrada nas fontes é a fidúcia cum creditore. Por esse negócio, o devedor transferia a propriedade aos credores, pela mancipatio ou in iurecessio, a fim de garantir o cumprimento de obrigação, me-diante um pacto restituição da coisa (pactum fiduciae), quando da extinção da dívida (Alves, 1983, v. 1:429).

Pela fidúcia, a coisa era efetivamente transferida ao credor, não existindo o con-ceito moderno direito sobre coisa alheia. Cuidava-se, portanto, de uma alienação assecuratória. Era inconveniente para o devedor, que ficava sem a propriedade e a posse da coisa. O credor, tornando-se proprietário, podia vender o bem, po-rém, uma vez paga a dívida, corria o risco de ser condenado pela actio fiduciae a devolver a coisa, bem como o valor que excedesse a dívida (superfiduciae a de-volver a coisa, bem como o valor que excedesse a dívida (superfluum) (Miranda, 1971, v. 20:4). (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. 5, 2011, p. 596)

No Direito pátrio, a alienação fiduciária de bens móveis e imóveis possui tratamento legal diferenciado.

Até a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário, com a Lei nº 9.514/1997, a alienação fiduciária só existia sobre bens móveis. O Decreto--Lei nº 911/1969, que alterou a Lei nº 4.278/1965, disciplina, ainda hoje, a propriedade fiduciária sobre bens móveis, sendo muito utilizado em contratos de financiamento de veículos.

Cabe aqui expor a lição de Francisco Loureiro:

Há, porém, profusa legislação especial tratando da matéria. Pode-se afirmar a atual coexistência de triplo regime jurídico da propriedade fiduciária: o Código Civil disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, quando o credor fiduciário não for instituição financeira; o art. 66-B da Lei nº 4.728/1965, acrescentado pela Lei nº 10.931/2004, e o Decreto-Lei nº 911/1969 disciplinam a propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeira; a Lei nº 9.514/1997, também modi-ficada pela Lei nº 10.931/2004, disciplina a propriedade fiduciária sobre bens imóveis, quando os protagonistas forem ou não instituições financeiras; a Lei nº 6.404/1976 disciplina a propriedade fiduciária de ações; a Lei nº 9.514/1997, com redação dada pela Lei nº 10.931/2004, disciplina a titularidade fiduciária de créditos como lastro de operação de securitização de dívidas do Sistema Fi-nanceiro Imobiliário. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Ci-vil de 1916. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011. p. 1423)

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2.2 COnCeitO e natureza jurídiCa

A alienação fiduciária é a espécie de propriedade resolúvel que o deve-dor, com fito de garantir uma dívida, transfere ao credor. A posse indireta da coisa pertence ao credor. O devedor, apesar de ser o possuidor direto do bem, fica desnudo do domínio, ao menos provisoriamente. Após, adimplida a obri-gação assumida, o devedor fiduciante, como é chamado, terá a propriedade retransferida para si, visto que ela será resolvida em seu favor.

A própria propriedade é transferida ao credor, mesmo que de forma pre-cária ou resolúvel. A fidúcia, que significa confiança, reside na natureza do instituto. O credor confia que o devedor honrará a obrigação assumida, e o de-vedor confia que o credor não imporá dificuldades à resolução da propriedade.

Francisco Loureiro expõe, de forma incisiva, as implicações jurídicas do instituto:

A propriedade fiduciária constitui patrimônio de afetação, porque despida de dois dos poderes federados do domínio – jus utendi e fruendi –, que se encontram nas mãos do devedor fiduciante. O credor fiduciário tem apenas o jus abutendi e, mesmo assim, sujeito à condição resolutiva, destinado, afetado somente a servir de garantia ao cumprimento de uma obrigação. O direito de dispor, na verdade, está atrelado à cessão do crédito garantido. A propriedade-garantia é acessória à obrigação e segue sua sorte. A peculiaridade é que, ao contrário das demais garantias reais, incide não sobre coisa alheia, mas sobre coisa própria transferida ao credor, embora sob condição resolutiva. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Có-digo Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011. p. 1425)

Importante, neste momento, deixar claro que há distinção entre proprie-dade fiduciária e alienação fiduciária. Esta é o contrato, o acordo de vontades voltado a constituir uma coisa em garantia. Propriedade fiduciária é a garantia real do negócio jurídico celebrado.

Novamente, Francisco Loureiro afirma:

Não se confunde com a alienação fiduciária em garantia o contrato que serve de título para a constituição da propriedade fiduciária. A alienação fiduciária é o negócio jurídico, enquanto a propriedade fiduciária é direito real com escopo de garantia. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011. p. 1424)

Interessante discussão insurge na doutrina: se a propriedade fiduciária é direito real ou não. Tanto o Código Civil de 1916 e quanto o atual não trataram

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diretamente sobre isso. A Lei nº 9.514/1997, em seu art. 17, § 1º, impõe a na-tureza jurídica de direito real à propriedade fiduciária sobre bem imóvel (a lei menciona, inapropriadamente, que a alienação fiduciária, e não a propriedade fiduciária, é direito real).

No entanto, o Código Civil, no art. 1.225, exclui a propriedade fiduciária dessa condição de direito real. A exclusão não é explícita. Deriva da taxativida-de do mencionado artigo.

E a questão mais importante é a de definir se a propriedade fiduciária é capaz de transferir a propriedade de forma plena ao credor. Isso é crucial para classificá-la como direito real, justamente porque não é possível a constituição de direito real sobre coisa própria.

Vejamos a opinião de Namem Chalub:

Ao ser contratada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante transmite a proprie-dade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do seu direito de proprieda-de; em decorrência dessa contratação, constitui-se em favor do credor-fiduciário uma propriedade resolúvel; por força dessa estruturação, o devedor-fiduciante é investido na qualidade de proprietário sob condição suspensiva, e pode tornar-se novamente titular da propriedade plena ao implementar a condição de paga-mento da dívida que constitui objeto do contrato principal. (CHALHUB, Melhim Namem. Negócio fiduciário. 2. ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2000. p. 222)

Namem defende a ideia de que não é possível considerar a propriedade fiduciária como direito real. Entende que neste instituto o devedor transfere a propriedade ao credor, fugindo do feixe de incidência dos poderes inerentes ao proprietário, com exceção do uso e o gozo.

Já Ubirayr Vaz diverge:

Ressalta do contexto da Lei nº 9.514 que a transmissão da propriedade resolúvel, como parte integrante do contrato de alienação fiduciária, não significa a perda da propriedade pelo fiduciante, nem seu ingresso no patrimônio do fiduciário. A perda da propriedade, com o caráter que lhe empresta o Código Civil, somente ocorrerá quando, não pagas as prestações e seus encargos, consolidar-se a pro-priedade fiduciária, e, ainda, se for ela alienada no primeiro leilão, pelo valor estipulado no contrato; se for ela alienada no segundo leilão, pelo valor igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais; com a extinção da dívida e respectiva quitação, caso no primeiro e no segundo leilões os maiores lances não alcancem os valores mínimos supramencionados. Trata-se, pois, de transmissão e aquisição, a que não se podem aplicar, de forma intransigente e dogmática, os conceitos tradicionais da propriedade e da própria alienação. (VAZ, Ubirayr Ferreira. Alienação fiduciária de coisa imóvel – Reflexos da Lei

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nº 9.514/1997 no Registro de Imóveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 55)

Filio-me a essa segunda corrente. Em verdade, a constituição da proprie-dade fiduciária ocorre como garantia da exequibilidade de certa obrigação. O direito real que existe é sobre os direitos que ainda persistem sobre o devedor. Adimplida a obrigação, o direito real se desfaz, e o devedor receberá o que ha-via transferido de forma resolúvel ao credor. O desdobro da propriedade ocorre com o único fito de garantia.

Clóvis Bevilaqua leciona didaticamente a natureza da propriedade reso-lúvel, afirmando que “propriedade resolúvel, ou revogável, é a que, no próprio título de sua constituição, encerra o princípio, que a tem de extinguir, realizada a condição resolutória, ou advindo o termo, seja por força de declaração, seja por determinação da lei” (BEVILAQUA, Clóvis. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1951. p. 243).

A classificação como sendo propriedade revogável indica a natureza do instituto e a sua condição temporária.

Em verdade, não há transferência total da propriedade. Os poderes ine-rentes ao direito de propriedade são transferidos em parte. O uso e o gozo re-manescem com o devedor. Ao credor, nem mesmo o direito de disposição lhe cabe. Pode, no entanto, reivindicar a coisa contra quem a injustamente possua. A alienação do direito real da propriedade depende da concordância expressa do credor e do devedor. Tanto que a transferência da posição de credor fidu-ciário se faz por cessão e não por outro título causal translativo (v.g., compra e venda, doação, permuta etc.).

2.3 alienaçãO fiduCiária de bens imóveis

A Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, inovou o ordenamento jurí-dico nacional ao introduzir a possibilidade de se constituir propriedade fiduciá-ria sobre bens imóveis. E ainda estendeu essa faculdade a todos os particulares, afastando a utilização exclusiva pelas instituições financeiras.

O instituto da alienação fiduciária é, e sempre foi, muito utilizado no financiamento de veículos. Com a referida lei, os bens imóveis foram inseridos neste contexto de propriedade resolúvel. Permitiu-se, ainda, como dito, que particulares contratassem entre si a alienação fiduciária. Tanto pessoas físicas quanto jurídicas podem contratar segundo as regras da mencionada lei.

A Lei nº 9.514/1997 criou o Sistema de Financiamento Imobiliário, vi-sando a estimular a concessão de financiamentos imobiliários financeiramente mais acessíveis à população. Nesse iter, criou o mecanismo da alienação fidu-ciária aplicável aos bens imóveis.

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As autorizadas a operar no Sistema de Financiamento Imobiliário são as “caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os ban-cos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional – CMN, outras entidades”, conforme o art. 2º da Lei nº 9.514/1997.

O art. 17 da mencionada lei elenca quais são os institutos aceitos pelo Sistema de Financiamento Imobiliário como hábeis a garantir a operação imo-biliária. Vejamos:

Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garan-tidas por:

I – hipoteca;

II – cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis;

III – caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis;

IV – alienação fiduciária de coisa imóvel.

§ 1º As garantias a que se referem os incisos II, III e IV deste artigo constituem direito real sobre os respectivos objetos.

§ 2º Aplicam-se à caução dos direitos creditórios a que se refere o inciso III deste artigo as disposições dos arts. 789 a 795 do Código Civil.

§ 3º As operações do SFI que envolvam locação poderão ser garantidas suple-mentarmente por anticrese.

Vislumbra-se que a própria lei disponibiliza às operadoras do SFI os ins-titutos da hipoteca e da alienação fiduciária. Cabe à operadora a escolha que melhor lhe convier. Daí insurge a importância do presente trabalho, que eluci-dará as vantagens e desvantagens da hipoteca e da alienação fiduciária, tanto para o credor quanto para o devedor.

A contratação da alienação fiduciária não é privativa das entidades in-tegrantes do SFI, podendo ser manejado por pessoas físicas e jurídicas (art. 22, § 1º).

O conceito legal da alienação fiduciária está contido no caput do art. 22: “A alienação fiduciária regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

Explícita a distinção, de início, entre o negócio jurídico alienação fidu-ciária e o direito real de garantia propriedade fiduciária. Ainda, importante aqui

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lembrar que considero a propriedade fiduciária uma espécie de direito real em que existe a transferência da propriedade resolúvel sobre a coisa. O credor não pode utilizar da coisa como se proprietário fosse. Falta-se o domínio pleno, que só é computado àqueles titulares portadores dos poderes contidos no art. 1.228 do Código Civil, quais sejam, usar, gozar, dispor e reaver a coisa.

A própria Lei nº 9.514/1997, no art. 22, § 1º, elenca o que pode ser ob-jeto da garantia real fiduciária:

§ 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:

I – bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;

II – o direito de uso especial para fins de moradia;

III – o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;

IV – a propriedade superficiária.

O regime jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis instituído em 1997 prevê taxativamente o que pode ser objeto da propriedade fiduciária. A opção de incluir outros direitos além da propriedade plena é a de reconhecer a existência de situações jurídicas em que não é possível exigir a propriedade plena como garantia. Isto em vista da realidade fundiária no Brasil. Em determi-nados locais como, por exemplo, municípios litorâneos, o financiamento imo-biliário pelo SFI restaria inviabilizado caso fosse exigida, como condicionante da operação de crédito, a propriedade plena.

2.3.1 Requisitos

A alienação fiduciária, como negócio jurídico, exige para a sua válida celebração um agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determiná-vel, e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104).

Os direitos que podem ser objeto da propriedade fiduciária dentro do SFI estão elencados no já colacionado § 1º do art. 22 da Lei nº 9.514/1997. Inicial-mente, com a publicação desta lei, discutiu-se acerca da possibilidade ou não da utilização da propriedade fiduciária instituição nesta lei para garantir outras espécies de negócios jurídicos.

Parece-me que o art. 38 elucida a questão, indicando a possibilidade de utilizar o instrumento criado na Lei nº 9.514/1997 em outros negócios jurídicos.

É o que ensina Sílvio Venosa:

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Dúvida era saber se essa modalidade de negócio pode garantir qualquer negócio jurídico, uma vez que a lei não faz restrição. Em princípio, embora o instituto tenha sido criado com a finalidade de aquisição de imóveis, nada impedirá que a garantia fiduciária seja utilizada para outros negócios paralelos, pois não existe proibição na lei. Parece que a situação fica agora esclarecida com a redação atual do art. 38 da Lei nº 9.514/1997, com a alteração dada pelo MP 221/2004, conforme apontamos de início. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. 5, 2011. p. 425)

Os arts. 23, 24 e 38 explicitam os requisitos formais da alienação fidu-ciária:

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobra-mento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possui-dor indireto da coisa imóvel.

Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:

I – o valor do principal da dívida;

II – o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fidu-ciário;

III – a taxa de juros e os encargos incidentes;

IV – a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aqui-sição;

V – a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utiliza-ção, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;

VI – a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;

VII – a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.

Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.

Seguindo a tradição jurídica latina, o registro do título aquisitivo no Ser-viço de Registro de Imóveis constitui a propriedade fiduciária como direito real de garantia. Cumpriu-se a regra estatuída no art. 1.227 do Código Civil, a qual estabelece que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de

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Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

Neste momento, importante fazer uma breve colocação sobre o sistema de aquisição de propriedade existente no Brasil.

Luiz Egon Richter nos ensina:

A publicidade registral imobiliário varia de acordo com o sistema adotado por cada Estado. A doutrina, de uma forma geral, apresenta três sistemas principais de publicidade, com as variáveis eficaciais peculiares de cada País.

Sistema privatista ou francês – atribui à publicidade o efeito de aviso oponível a terceiros de atos que se perfazem por meio do contrato. O direito real se constitui pelo contrato e não pela publicidade. Não há o que se falar de publicidade cons-titutiva no Registro Imobiliário, neste sistema.

Sistema publicista ou alemão – confere à publicidade o efeito constitutivo do direito. Neste, a publicidade é parte integrante do direito, daí por que se chama de publicidade necessária.

[...]

Sistema eclético – conjuga de certa forma os dois sistemas anteriores, cominando o título com a publicidade. (RICHTER, Luiz Egon. Da qualificação notarial e re-gistral e seus dilemas. In: DIP, Ricardo (Coord.). Introdução ao direito notarial e registral. Porto Alegre: IRIB: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 199 e 200)

O sistema adotado no Brasil é o eclético, em que o título causal e o re-gistro são vinculados. E a aquisição do direito real depende de ambos. Existem exceções: as aquisições originárias de propriedade. Nestas, a transmissão do direito, ou a constituição do direito real ocorre com a ocorrência do fato hipote-ticamente previsto na norma. O evento morte, por exemplo, é o fato gerador da transmissão do acervo patrimonial do autor da herança, em respeito à regra do direito francês conhecida como saisine. O registro tem a função publicizadora da ocorrência do fato. O mesmo ocorre com a desapropriação e o usucapião.

Francisco Loureiro expõe com didática o sistema adotado no Brasil:

O terceiro sistema, denominado misto ou eclético, foi acolhido em nossos Có-digos de 1916 e atual. Para nós, o registro é constitutivo de direito real sobre coisa imóvel. É ele que converte o título, gerador de simples direito de crédito, em direito real, irradiando seus efeitos contra todos. Nesse ponto, aproxima-se do sistema alemão. A diferença, porém, está no fato de o registro em nosso sis-tema ter a natureza de ato jurídico causal, pois permanece vinculado ao título que lhe deu origem. Invalidado o título, invalida-se o registro. O registro tem efeito constitutivo, mas não saneador do título causal. Disso decorre que, viciado o título, contaminado estará o registro, que será, então, cancelado. Presume-se ser o imóvel daquele que tem o título registrado no sistema imobiliário, mas tal

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presunção é relativa no direito brasileiro (juris tantum), segundo se extrai dos arts. 1.245, § 2º, e 1.247 do Código Civil, adiante examinados. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011. p. 1424)

E a natureza formal do título a ser levado ao Registro de Imóveis pode ser pública ou particular, desde que com efeitos de escritura pública. Trata-se de exceção à regra do art. 108 do Código Civil, que estabelece a obrigatoriedade da escritura pública para a validade “dos negócios jurídicos que visem à cons-tituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.

O final do art. 38 limita o permissivo. Somente os títulos particulares com efeitos de escritura pública é que serão aceitos como hábeis à celebração da alienação fiduciária e à constituição da propriedade fiduciária perante o Oficial do Registro de Imóveis. Os que não gozem da prerrogativa de possuir os efeitos de escritura pública deverão enquadrar-se na regra civil do art. 108.

Os requisitos objetivos do contrato de alienação fiduciária estão dispos-tos no art. 24, acima colacionado.

3 REPERCUSSÃO REGISTRAL

Após a abordagem dos institutos em sua essência, importante, neste mo-mento, explanarmos, de forma sucinta, sobre as consequências de cada instituto segundo as implicações registrais.

3.1 hipOteCa

A hipoteca, como direito real, ingressa no Ofício de Registro de Imóveis por seu título formal, público ou particular, segundo as regras dos arts. 108 do Código Civil e 38 da Lei nº 9.514/1997. O valor do negócio é que define se o título será instrumentalizado por escritura pública ou documento particular.

Sujeita-se à regra, já muito abordada neste trabalho, de que a consti-tuição do direito real depende do registro perante o Registro de Imóveis, com exceção feita às hipotecas judiciais e legais, para as quais o registro tem efeitos de publicidade e oponibilidade.

A inscrição da hipoteca (convencional, legal e judicial) é feita por ato de registro, conforme o art. 167, I, 2, da Lei nº 6.015/1973. E o ato cancelamento é feito por averbação, por sua natureza acessória em relação ao ato de registro.

O prazo para registro da hipoteca é de 30 (trinta) dias, ou seja, o mesmo aplicável aos demais negócios jurídicos. Exceção é feita às hipotecas instrumen-

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talizadas por cédulas de crédito rural, em que o Oficial possui o prazo de 3 (três) dias para realizar o registro, conforme o art. 38 do Decreto-Lei nº 167/1969.

O prazo de validade da hipoteca é de 30 (trinta) anos, conforme o art. 238 da Lei de Registros Públicos.

3.2 alienaçãO fiduCiária

A alienação fiduciária foge da regra do art. 108 do Código Civil, confor-me previsão do art. 38 da Lei nº 9.514/1997. A propriedade fiduciária pode ser constituída por instrumentos públicos ou particulares, com efeitos de escritura pública, como já dito acima.

A medida visa a fomentar a concessão de financiamentos imobiliários e a baratear os custos do crédito para o consumidor. Apesar de louvável a medida, o afastamento da segurança jurídica conferida pela atividade notarial pode ge-rar um custo ainda maior para a sociedade. Algumas condutas, como a prática abusiva e a falta de informações ao tomador do crédito, poderiam ser evitadas com a participação de um oficial público imparcial. O papel do tabelião é emi-nentemente preventivo, o que contribui para evitar litígios e, por consequência, desafogar o Judiciário.

A inscrição da alienação fiduciária no Registro de Imóveis é feita por ato de registro, conforme o art. 167, I, 35, da Lei nº 6015/1973. O ato de conso-lidação da propriedade é uma averbação, por expressa previsão legal (art. 26, § 7º, da Lei nº 9.514/1997).

O pagamento da dívida pelo devedor fiduciante acarreta o fim da pro-priedade fiduciária. Com isso, deve ser procedida a averbação de cancelamento da alienação fiduciária, em respeito ao art. 167, II, 2, da Lei de Registros Pú-blicos.

4 ENFRENTAMENTO DOS INSTITUTOS: VANTAGENS E DESVANTAGENS

Neste momento, adentramos na parte mais importante do presente es-tudo, a qual consolidará todas as informações acima expostas. Tudo o que até aqui foi abordado será imprescindível para o deslinde do objetivo desta mono-grafia.

A hipoteca é um direito real constituído em favor do credor. Este goza do direito de buscar e de reaver a coisa contra quem a possua injustamente. Não tem, entretanto, a posse do imóvel, nem mesmo indireta. Não pode usar, gozar e muito menos dispor da coisa.

Em verdade, como foi dito acima, o credor hipotecário tem um direito a certo crédito ou ao cumprimento de uma obrigação. Não tem direito ou ex-

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pectativa de vir a possuir a coisa, ao menos de forma direta. Isto porque o bem objeto da garantia é substituível, desde que concorde o credor hipotecário. Vai--se o bem, fica a garantia.

Na alienação fiduciária, o vínculo do credor com o bem dado em garan-tia é explícito e forte. O credor fiduciário torna-se proprietário do bem, mesmo que de forma resolúvel. Há uma efetiva transferência de direitos e poderes do devedor para o credor.

A propriedade fiduciária investe o credor na posição de coproprietário do bem, visto que, de modo superficial, o devedor terá o domínio útil ou direto e o credor possuirá a nua-propriedade.

Percebe-se, neste ponto, a nítida vantagem do credor na alienação fidu-ciária.

Há quem afirme, para reforçar, que a propriedade fiduciária importa em transferência efetiva da propriedade ao credor, como afirmou Namem Chalub, citado na página 20 deste trabalho. Em verdade, discordo desse entendimento, na medida em que seria contraditório afirmar que a propriedade fiduciária é direito real de garantia ao mesmo tempo em que transfere ao credor a proprie-dade sob condição suspensiva. Não é possível constituir direito real de garantia sobre coisa própria.

O regime jurídico instituído pela Lei nº 9.514/1997 visou a facilitar o acesso ao crédito imobiliário. O sistema de garantias instituído até então era incapaz de atender satisfatoriamente a demanda da população. E isso ocorria porque a hipoteca não tem uma grande desvantagem para o credor: a exequibi-lidade e a liquidez do crédito eram inseguras. Com o vencimento da obrigação e o seu inadimplemento, o credor tinha uma saída: iniciar processo de execu-ção da hipoteca.

Outro fator importantíssimo para o credor é a forma de reintegrar a posse do imóvel. O credor pode requerer, judicialmente, e via liminar, a concessão da reintegração na posse direta do imóvel. A desocupação deverá ocorrer em 60 (sessenta) dias, desde que já tenha havido a consolidação da propriedade em nome do credor. O art. 30 da Lei nº 9.514/1997 é expresso nesse sentido.

Em regra, para buscar a posse dos imóveis oferecidos em hipoteca, o credor deve propor ação de execução, segundo as normas processuais vigentes. O crédito hipotecário deve ser cobrado judicialmente conforme o processo de execução previsto no Código de Processo Civil.

Já o § 2º do art. 4º da Lei nº 5.741, que instituiu uma forma de cobrança dos créditos imobiliários concedidos dentro do Sistema Financeiro da Habita-ção, estatui que o credor pode ser imitido na posse do imóvel objeto do finan-ciamento. Se o devedor não provar que depositou, por inteiro, a importância

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reclamada na inicial, ou que pagou a dívida, apresentando desde logo a prova da quitação, o juiz determinará que seja desocupado o imóvel, em 10 (dez) dias, e entregue ao credor, desde que o devedor esteja na posse do imóvel.

Aparentemente, a medida parece ser mais célere do que a prevista na Lei nº 9.517/1997. Entretanto, devemos ter em mente que a prática processual não é a mesma prevista friamente nas leis. Ser imitido na posse do imóvel pode demorar muito mais. A cobrança do crédito hipotecário pela via judicial pode demorar anos, em virtude dos inúmeros recursos existentes e das artimanhas processuais. Não há como negar isso.

Além disso, o regime de cobrança da Lei nº 5.741/1971 parece ter gerado controvérsias quanto à legalidade do procedimento que, em tese, pode estar eivado de inconstitucionalidade, por prever a “disparidade de armas”. Vejamos o que expõe Sílvio Venosa sobre isso:

A Lei nº 5.741/1971 introduziu outra possibilidade de cobrança dos débitos hi-potecários vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação. Permitiu ao credor promover execução de acordo com o malfadado Decreto-Lei nº 70/1966 ou con-forme procedimento estipulado nessa lei. Essa execução é judicial, porém de forma simplificada. Exige que na inicial sejam discriminados os valores as pres-tações e encargos, bem como o saldo devedor. A citação será feita na pessoa do réu e de seu cônjuge ou de seus representantes legas. Se estes se encontrarem fora da jurisdição da situação do imóvel, expedir-se-á edital pelo prazo de 10 dias (art. 3º). Deve ser assegurada ao executado a oposição de embargos (art. 5º), e a praça será judicial. Os embargos, porém, somente terão o condão de suspender a execução, se o devedor alegar que depositou a importância ou que resgatou a dívida. As demais matérias eventualmente alegadas, como abuso na cobrança, índices legais etc. não suspendem a execução. Discutível também a legalidade dessa norma, podendo o juiz declarar sua inconstitucionalidade, suspendendo a execução perante a oposição de embargos no caso concreto. Subordinada a suspensão da execução ao pagamento da dívida unilateralmente afirmada, trans-gride-se o art. 5º, LV, da Constituição. De qualquer forma, estará garantido o direito de defesa. Outra situação iníqua dessa lei é a dispensa de avaliação para a praça, permitindo que o preço seja fixado pelo saldo devedor (art. 6º). Evidente que nesse caso a arrematação ou adjudicação pode ocorrer por valor mínimo, vil ou ridículo. Temos de entender como imprescindível a avaliação. Há julgados que sufragam esse entendimento (RT 578/148, JTACRSP 87/35). As sucessivas e emaranhadas leis, decretos, portarias disciplinadoras dos financiamentos da casa própria no país têm sido casuísticas e desastrosas. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. 5, 2011. p. 613 e 614)

Entretanto, o ponto crucial para deixar a alienação fiduciária em vanta-gem frente à hipoteca é a forma pela qual o credor é consolidado na proprie-dade plena da coisa e, por consequência, a forma pela qual a dívida é solvida.

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E toda a evolução ocorrida no sistema de garantias reais com o advento da Lei nº 9.514/1997 está contida nos arts. 26 e 27. Vejamos:

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fidu-ciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamen-to, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a inti-mação.

§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.

§ 4º Quando o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído se encontrar em outro local, incerto e não sabido, o oficial certificará o fato, cabendo, então, ao oficial do competente Registro de Imóveis promover a intimação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária.

§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de aliena-ção fiduciária.

§ 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de co-brança e de intimação.

§ 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.

§ 8º O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27.

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

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§ 1º Se, no primeiro público leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI do art. 24, será realizado o segundo leilão, nos quinze dias seguintes.

§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.

§ 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por:

I – dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do lei-lão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais;

II – despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro.

§ 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entre-gará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.

§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

§ 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.

§ 7º Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência por escrito do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das de-mais por sua apresentação gráfica.

§ 8º Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse.

O inadimplemento da obrigação de pagar gera o início do procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade. Intima-se o devedor para pagar a dívida e demais despesas em 15 (quinze) dias. Persistindo a inadimplência, o credor solicitará ao Oficial do Registro de Imóveis que proceda à averbação da

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consolidação da propriedade em seu nome. Essa é a primeira etapa para a satis-fação do crédito, e o encerramento do primeiro procedimento voltado a tal fim.

Consolidada a propriedade, e pago o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis inter vivos por ato oneroso, inicia-se o procedimento de liquidação do bem. O credor não poderá ficar com a coisa, por ser vedado o pacto comissório, conforme o art. 1.428 do Código Civil. Deverá, assim, levar o bem a leilão.

Em primeiro leilão, será aceito o lance igual ou superior ao valor do imóvel. Em não havendo interessados ou havendo lances inferiores ao valor do imóvel, ocorrerá um segundo leilão, em que será aceito o lance de maior valor, desde que superior ao valor da dívida e das demais despesas.

Caso sobre algum valor depois de descontada a dívida e outras despesas, o credor entregará ao devedor o saldo. Haverá, assim, quitação recíproca.

Nos leilões, o devedor e o credor podem oferecer lances. O lance ofere-cido pelo devedor terá o mesmo efeito da remição da hipoteca. O credor pode oferecer lance a fim de ficar com a coisa.

O procedimento é encerrado com o registro da arrematação pelo terceiro adquirente. Assim, solvida a dívida, o credor restará satisfeito, mesmo que com alguns aborrecimentos naturais a um trâmite do gênero.

No entanto, com o procedimento extrajudicial de cobrança do crédito, tornou-se muito mais célere o retorno do valor concedido a título de financia-mento. Aguardar o final do processo de execução da hipoteca pode levar anos, ficando sujeito a situações que podem transcender a própria relação jurídica entre o fiduciário e o fiduciante, como, por exemplo, a demora do Poder Judi-ciário.

As serventias extrajudiciais, em razão da natureza público-privada de execução, estão mais preparadas para realizar serviços em que não há, ao me-nos aparentemente, conflito. Essa tendência, chamada de desjudicialização, vem ocorrendo no direito pátrio, sem que se tenha notícias de que haja motivos para freá-la. Um dos exemplos de maior magnitude foi a Lei nº 11.441/2007, que possibilitou a lavratura de escrituras públicas de inventário, partilha, adju-dicação, divórcio e separação perante os serviços extrajudiciais, desde que as partes sejam maiores, capazes, concordes, e que não possuam filhos menores ou incapazes.

Sobre a tendência desjudicializadora, Paulo Roberto Gaiger Ferreira dis-serta:

O Poder Judiciário está no banco dos réus. A imprensa publica acusações de letargia, burocracia, nepotismo, altos salários e ineficiência. A imprensa vive de manchetes, recepciona alguns maus exemplos e pouco divulga os esforços e as melhorias.

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Dentre as providências da Nação para melhorar o Judiciário está a Reforma: um conjunto de projetos de lei que pretende corrigir algumas mazelas sistêmicas, seja do processo, seja da administração. (FERREIRA, Paulo Roberto. Princípios geras da atividade notarial. In: Escrituras públicas: separação, divórcio, inventário e partilha consensuais: análise civil, processual civil, tributária e notarial. Apre-sentação de José Flávio Bueno Fischer. 2. ed. rev., atual. e ampl. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 17)

A alienação fiduciária também tem vantagens para a pessoa que pleiteia o financiamento. Com a maior segurança conferida ao credor em reaver o valor entregue ao devedor, os juros, ou seja, os custos do financiamento tendem a reduzir. Isso porque os juros bancários variam conforme a maior liquidez e exe-quibilidade do crédito. Quanto maior for a insegurança, maior serão os juros, maior será o custo do financiamento. Ao menos, essa deveria ser a tendência.

Confirmando a teórica vantagem da alienação fiduciária, Paulo Cesár Hack, em trabalho monográfico apresentado no curso especialização em Direi-to Imobiliário da Escola Superior de Administração, Direito e Economia, assim comenta:

A Lei nº 9.514/1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliá-rio (SFI), foi criada com a finalidade de reformular o financiamento habitacio-nal no Brasil, cujos principais fundamentos foram as securitizações dos créditos imobiliá rios e a maior segurança jurídica dos contratos, visando estimular agen-tes financeiros a aplicar o crédito imobiliário em geral, legitimando a alienação fiduciária de bem imóvel em garantia.

Com a garantia da alienação fiduciária de bens imóveis, o legislador possibilitou maior credibilidade e segurança jurídica ao sistema financeiro e, desta forma, a expansão do financiamento imobiliário pelas instituições financeiras ao disporem de mais agilidade e celeridade nos procedimentos de cobrança do crédito.

A combinação de juros em queda com segurança dos contratos é a maior respon-sável pelo alongamento dos prazos de financiamento, mecanismo clássico para incorporar milhões de famílias ao mercado brasileiro. (Disponível em: <http://www.biblioteca.esade.edu.br/TCC_Paulo_Hack_2010.pdf>. Acesso em: 19 maio 2012, às 15:01)

Sobre a disparidade entre os institutos mais utilizados na política de ga-rantias reais para financiamentos habitacionais, Sílvio Venosa discorre:

Durante essas décadas de vigência dessa lei, o instituto vem servindo para dina-mizar o crédito direto ao consumidor de coisas móveis. A orientação legal não admitia o instituto para os imóveis. Procurando estender as mesmas vantagens para os imóveis, a Lei nº 9.514/1997, de 20.11.1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, instituiu a alienação fiduciária de imóveis, além

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de outras disposições, conforme examinaremos neste capítulo. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. 5, 2011. p. 415)

E continua:

A citada medida provisória, ainda, foi mais além, dando nova redação ao art. 38 da Lei nº 9.514/1997, deixando aberta a possibilidade, ainda que em redação confusa, de ser utilizada a alienação fiduciária em reação a contratos que vi-sem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, podendo ser celebrados por escritura pública ou instrumento particular. Criou-se com isso, na realidade, uma nova modalidade de direito real de garantia que paulatinamente deverá tomar lugar das hipotecas. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. 5, 2011. p. 415)

Francisco Eduardo Loureiro confirma a vantagem da alienação fiduciária frente à hipoteca:

Esse forte instituto, agora franqueado a todos os contratantes, que implica a trans-ferência de propriedade resolúvel ao credor, pondo-o a salvo do concurso de outros credores, somado à rápida execução no caso de inadimplemento, certa-mente se tornará a mais popular das garantias reais, pondo de lado o penhor e a hipoteca. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011. p. 1424)

Nicolau Balbino Filho, sob a visão registral do instituto, disserta:

Uma grande vantagem que oferece o instituto da alienação fiduciária é que não impõe limite quantitativo, pois qualquer um pode recorrer ao sistema, indepen-dentemente do número de imóveis de que seja proprietário. (BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de imóveis: doutrina, prática e jurisprudência. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 170)

Dessa forma, o instituto da alienação fiduciária possui diversas vantagens sobre a hipoteca. Podemos, enfim, adentrar na parte derradeira deste trabalho, concatenando o que já foi dito acima.

CONCLUSÃO

A Lei nº 9.514/1997 inaugurou uma verdadeira revolução no sistema de garantias reais. A aplicação da alienação fiduciária e da propriedade fiduciária aos bens imóveis mostrou-se positiva, principalmente sob o aspecto jurídico. A credibilidade do sistema jurídico nacional passou a outro patamar.

O Brasil sempre foi conhecido internacionalmente pela insegurança ju-rídica por diversos fatos, como mudança de regimes de governo, de políticas

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públicas, de respeito aos contratos, e planos econômicos infrutíferos. Os direi-tos reais de garantia acompanhavam essa tendência de instabilidade. O Direito acabava por ser o mecanismo de se manter a insegurança.

A alienação fiduciária, inicialmente, foi aplicada aos bens móveis. O su-cesso dessa empreitada descrita no Decreto-Lei nº 911/1969 fez os juristas, os economistas, as instituições financeiras, a classe política e a sociedade perce-berem a fragilidade do sistema até então vigente e aplicável aos bens imóveis.

Toda a estrutura da hipoteca é constituída segundo os ditames da pro-teção ao devedor. Isso ocorreu, talvez, pela própria insegurança institucional generalizada em que viviam os brasileiros. Somente com a estabilização da economia, o fortalecimento das instituições públicas, o respeito irrestrito aos ditames da Constituição de 1988, é que foi possível criar bases para um modelo de financiamento imobiliário que oferecesse maior respaldo ao credor, passan-do a respeitar a posição das instituições financiadoras e reconhecendo o papel importantíssimo destas para o desenvolvimento sustentável do país.

O principal fator competitivo da alienação fiduciária em relação à hipo-teca é a forma pela qual o credor pode reaver o crédito. Obviamente, qualquer garantia real que ofereça maiores vantagens neste quesito terá a preferência das instituições financiadoras.

O procedimento extrajudicial de compelir o devedor a pagar a dívida é mais célere, eficiente, econômico, justo e razoável do que o instituído para cobrança da dívida hipotecária, qual seja, judicial.

As vantagens da sistemática da alienação fiduciária podem ser perce-bidas pelo crescimento na concessão de financiamentos imobiliários. Essa é a informação publicada na agência de notícias Address.com, publicada em 2011:

Em 2012, crédito imobiliário para pessoas físicas deverá crescer de 30% a 40%

Por Viviam Klanfer Nunes

Em 2012, o crédito imobiliário para pessoas físicas deverá crescer de 30% a 40%, comparando com o ano de 2011. Essa foi a avaliação do presidente da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário), Luiz Antonio França.

França explica que a renda da população, a estabilidade econômica do País e alienação fiduciária são os fatores que vão permitir que o crédito imobiliário se expanda no próximo ano. Ele ainda ressalta que os baixos índices de desemprego também vão contribuir para o crescimento. Em 2011, o crédito imobiliário deve-rá apresentar alta de 37% frente a 2010.

Alienação fiduciária

O presidente falou durante a mesa-redonda com o tema “Perspectivas para o Brasil em 2012 e Tendências do Setor Imobiliário”, realizada nesta quarta-feira

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(7) pela Fiabc/Brasil (edição brasileira da Federação Internacional das Profissões Imobiliárias), em parceria com a Secovi-SP (Sindicato da Habitação).

De acordo com França, a alienação fiduciária ajuda a reduzir a inadimplência, o que consequentemente impulsiona a oferta de crédito no País. França ainda explicou que o crédito imobiliário representa muito pouco dos ativos das institui-ções financeiras, cerca de 5%.

Além disso, essa modalidade de crédito já ultrapassou o crédito de veículos, o que, segundo Franla, “é uma notícia excelente, mas no ativo dos bancos ainda é um número pequeno. Inclusive, no PIB (Produto Interno Bruto), o crédito imo-biliário ainda é muito pequeno, da ordem de 4%, o que mostra que ainda há bastante espaço para crescer”.

(Fonte: InfoMoney/UOL. Disponível em: <http://agenciaaddress.com/em-2012-cre-dito-imobiliario-para-pessoas-fisicas-devera-crescer-de-30-a-40/>. Acesso em: 20 maio 2012, às 8:30)

E isso guarda relação indissociável com o sistema registral imobiliário instituído no Brasil. O reconhecimento de que o serviço extrajudicial exerce papel fundamental não apenas para prevenir litígios, mas também para garantir a segurança, eficácia, publicidade, validade e equidade aos procedimentos. A desjudicialização é um fenômeno que está apenas em fase gestacional e que promete ser uma das soluções para o sistema judiciário brasileiro.

REFERÊNCIAS

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FERREIRA, Paulo Roberto. Princípios geras da atividade notarial. In: Escrituras públicas: separação, divórcio, inventário e partilha consensuais: análise civil, pro-cessual civil, tributária e notarial. Apresentação de José Flávio Bueno Fischer. 2. ed. rev., atual. e ampl. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 15. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

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LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudên-cia: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916. Sob a coorde-nação de Cezar Peluso. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011.

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PIRES, Paulo Henrique Gonçalves. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 33, n. 69, jul./dez. 2010.

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Assunto Especial – Com a Palavra, o Procurador

Alienação Fiduciária

A Alienação Fiduciária no Direito Imobiliário Brasileiro

ROgéRIO TADEu ROMAnOProcurador Regional da República aposentado, Professor de Processo Penal e Direito Penal, Advogado.

SUMÁRIO: I – Perfil da Nova Lei; II – Da Inconstitucionalidade Formal da Lei nº 9.514; III – Da Re-vogação do Decreto-Lei nº 70; IV – Da Inconstitucionalidade do Artigo 26, § 1º, da Lei nº 9.514 e a Alienação Fiduciária; V – Da Capitalização dos Juros Prevista no Artigo 5º, III, da Lei nº 9.514/1997; VI – Do Certificado de Recebíveis Imobiliários; VII – Medidas que Podem ser Adotadas Quanto à Lei nº 9.514/1997.

I – PERFIL DA NOVA LEI

A Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e institui, no Direito brasileiro, a alienação fi-duciária de coisa imóvel.

Poderão operar, neste novo sistema habitacional, as Caixas Econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades civis de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias, mediante operações de financiamento imobiliário, segundo condições de mercado, dentro da livre pactuação entre as partes e com capitalização de juros.

Cria-se, outrossim, a securitização de créditos imobiliários, operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de créditos, mediante termo de securitização de créditos, lavrados por uma companhia securitizadora, que emitirá, no mercado, títulos de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários, e que se constituem em promessa de pagamento em dinheiro.

Afora a conhecida garantia hipotecária e ainda as já utilizadas cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imó-veis e a caução de direito creditórios, sobejamente utilizados pelo extinto Ban-co Nacional de Habitação e por seus agentes financeiros, cria a lei a alienação fiduciária de coisa imóvel, esclarecendo que, vencida e não paga, no todo ou em parte a dívida, e constituído em mora o fiduciante, consolida-se a proprieda-

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de do imóvel para o fiduciário, sendo aquele meramente intimado pelo Oficial de Registro de Imóveis para satisfazer a dívida.

Em seu art. 39, a Lei nº 9.514 aduz não se aplicarem a ela as disposições da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, referentes ao Sistema Financeiro de Habitação, deixando claro que se trata de novo sistema habitacional, e reitera aplicação das disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70.

Por se tratar de lei ordinária, fere, ab initio, o diploma legal estudado formalmente a Constituição Federal, uma vez que, em se tratando de normas gerais de sistema financeiro nacional, à luz do art. 192 da Constituição Federal, a matéria deve ser tratada por Lei Complementar.

Fere, outrossim, a Lei nº 9.514 o devido processo legal, ao estabelecer um sistema de defesa inexistente para o fiduciante, pior do que já existia sob o viciado Decreto-Lei nº 911/1969, dá validade a diploma já revogado pela Cons-tituição, o Decreto-Lei nº 70/1969, agride aos princípios de proporcionalidade e isonomia e, por fim, dá à Nação Brasileira, possuidora de vergonhosos déficits habitacionais, crescentes, desde a extinção do Banco Nacional da Habitação, um sistema habitacional com capitalização de juros, como se não bastasse a condenação ao anatocismo, a remuneração livre de capital, algo condenável em um País de terceiro mundo, afligido por problemas estruturais, altas taxas de desemprego e juros altos.

II – DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI Nº 9.514

A par da consagrada divisão entre leis orgânicas e leis complementares, por origem ou por destino, o Mestre Víctor Nunes Leal, RDA 7/382, observou que a designação de leis complementares não envolve, porém, como é intuiti-vo, nenhuma hierarquia do ponto de vista de eficácia em relação às outras leis declaradas neocomplementares. Em verdade, todas as lei têm a mesma eficácia jurídica, resolvendo-se segundo o conflito de leis no tempo.

Em celebrado estudo, o douto Souto Maior Borges (Lei Complementar Tributária. RT/1975), criticou, seriamente, a doutrina da relação hierárquica. De todo modo, autores, como José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed., p. 247), reconhecem que as leis complementares se in-serem em 2 (dois) grupos: “1º) leis complementares que fundamentam a valida-de de atos normativos (leis ordinárias, decretos legislativos e convênios); 2º) leis complementares que não fundamentam a validade de outros atos normativos”.

Assim, lei ordinária que ofende lei complementar é inconstitucional.

Afora a existência necessária de quorum mínimo de maioria absoluta dos membros das 2 (duas) casas do Congresso Nacional, observada, em sua elabo-ração, os demais temas de votação das leis ordinárias, tem a lei complementar

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por escopo integrar normas constitucionais de eficácia limitada, contendo prin-cípio institutivo, entre outras matérias.

Tal é o caso da lei que dispõe sobre sistema financeiro. Tal norma é precipuamente complementar, que dá execução a normas constitucionais de eficácia limitada, que exigem normas de caráter integrativo. No caso em tela, reveste-se tal norma de caráter impositivo, no sentido de exigir a edição de norma infraconstitucional que discipline o Sistema Financeiro Nacional, a teor do art. 192 da Constituição Federal. À luz da Lei nº 4.380/1964, já havia norma disciplinadora do sistema financeiro da habitação, traduzindo norma geral na matéria. Assim, a validade das demais normas dependem do fato de elas se coadunarem com a Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Trata-se de normas gerais, loi de cadre, de observância obrigatória, visto o seu conteúdo material preciso, a nível organizacional, técnico, processual, sancionatório e o âmbito da validade pessoal, que diz respeito aos destinatários da norma (classe de pes-soas físicas e jurídicas envolvidas com o Sistema Financeiro Nacional). Opera-cionaliza-se, com isso, o comando constitucional que determina a criação de um Sistema Financeiro.

A Lei nº 4.380 era e é recepcionada pela Constituição de 1988, lei mate-rialmente complementar, por dar regulação institucional dentro do Sistema Fi-nanceiro, atentando a pontos sensíveis do ordenamento jurídico, como a aqui-sição da casa própria, principalmente para a população de baixa renda, que se insere em um contexto de respeito à dignidade da pessoa humana.

Surge o Sistema de Financiamento Imobiliário como novo integrante do Sistema Financeiro Nacional. Como tal, seu veículo não poderia ser outro, como loi de cadre, a não ser a lei complementar e não lei ordinária. Este é o pecado original da Lei nº 9.514, que, em seu nascedouro, surgiu viciada formalmente.

Saliente-se que o Sistema Financeiro da Habitação é o subsistema do Sistema Financeiro Nacional destinado a estimular a construção de habitação de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria. Assim como a Lei nº 4.595/1965, lei de reforma bancária, que retrata o Sistema Financeiro Nacional, e a Lei nº 4.380/1964 são materialmente complementares, qualquer lei que a elas se agrega deve ser complementar, formal e materialmente. É o caso da lei que se destina a criar o SFI.

III – DA REVOGAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 70

Em seu art. 39, II, a lei comentada dispõe que se aplicam as disposições do Decreto-Lei nº 70, em seus arts. 29 a 41.

Ora, tal norma foi revogada pela Constituição de 1988. A execução pre-vista no Decreto-Lei nº 70 contém resquícios incontestes de autoritarismo, pró-

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prios do regime em que foi editado. Por solicitação do credor, o agente fiduciá-rio deflagra um procedimento administrativo que se encerrará com a alienação do imóvel hipotecado ou dado em alienação fiduciária em leilão público. Sem possibilidade de defesa ou contraditório, sem fase de conhecimento, sem recur-so, perde o devedor o seu bem mais precioso que é sua casa.

A jurisprudência pátria entende que tal Decreto-Lei nº 70 não foi rece-bido pela Constituição de 1988. Senão vejamos, do Mandado de Segurança nº 93.15121-9-DF, Relator Juiz Nélson Gomes da Silva, com a seguinte ementa:

CONSTITUCIONALIDADE – DECRETO-LEI Nº 70/1966 E LEI Nº 5.741/1971 – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – SFH

1. A execução extrajudicial constitui uma forma de autotutela da pretensão executiva do credor exequente, repudiada pelo Estado de Direito. Infringe o princípio da inafastabilidade da apreciação judiciária (CF/1988, art. 5º, inciso XXXV). Fere o monopólio da jurisdição e o princípio do juízo natural (incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CF/1988). Priva o cidadão/executado de seus bens, sem o devido processo legal (art. 5º, inciso LV, CF/1988). Não assegura ao litigante devedor os meios e os recursos necessários à defesa de seus bens (art. 5º, inciso LV, CF/1988).

2. A execução extrajudicial prevista no Decreto-Lei nº 70/1966 e na Lei nº 5.741/1971 não foi recebida pela Carta Magna Brasileira de 1988.

Indaga-se se seria caso de remeter ao exame do Pretório excelso a cons-titucionalidade das leis precedentes incompatíveis com a Constituição e por ela não expressamente revogadas, mesmo que isto signifique negar efeito revoga-tório. O colendo Supremo Tribunal Federal optou por filiar-se à tese da revoga-ção. A este respeito: ADIn 2-1/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, DJU 12.02.1992, Seção I, p. 966; ADIn 55/600, Rel. Min. Néri da Silveira; ADIn 3372/600, Rel. Min. Paulo Brossard; ADIn 129-9/SP, Rel. Min. Celso de Mello; ADIn 381-0/DF, Rel. Min. Moreira Alves; ADIn 121-3/DF, Relator Ministro Marco Aurélio.

A tese vitoriosa, da lavra do eminente Ministro Paulo Brossard, considera que a Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as.

É princípio de Direito intertemporal que a lei revogada não se restaura quando a lei revogadora perde a vigência (§ 3º do art. 2º da LICCB). Somente por disposição expressa do legislador, a lei morta ressuscita, volta a ocupar lugar no sistema jurídico, já ensinou o mestre Oscar Tenório (Lei de Introdu-ção ao Código Civil Brasileiro, 2. ed., n. 140, 1955, p. 92). Mas, por óbvio, se tal norma é revogada pela Constituição, não pode outra norma infraconstitu-cional repristiná-la. Isto estarreceria até a um não jusracionalista. Haverá, sim, repristinação de lei anterior, em caso de inconstitucionalidade originária de lei

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posterior, como leciona Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, A-2, p. 254/255) à luz de Cappelletti (Effetti preclusivi nel Processo Civile delle pro-nuncie costituzionali). Veja-se, outrossim, REsp 1.356-AL, Rel. Min. Francisco Rezek, RTJ, 120:64.

Portanto, é inócua a citação da Lei nº 9.514, em seu art. 39, aos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, já revogado pela Constituição. Tal dispositi-vo é inconstitucional.

IV – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 26, § 1º, DA LEI Nº 9.514 E A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Tal dispositivo é estarrecedor a toda prova. Custa a crer que tenha passa-do pelo crivo de juristas. Diz ele que, vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolida-se a propriedade fiduci-ária em nome do fiduciário. Para fim do disposto naquele artigo, o fiduciante, ou seu representante, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, o débito e acessórios. Tal dispositivo cruel é atentatório ao princípio do devido processo legal e, face a isto, é inconstitucional.

No entanto, façamos uma digressão sobre o instituto da alienação fidu-ciária.

A alienação fiduciária, que tem raízes nos negócios fiduciários, cuja for-mulação moderna deve-se a Regelsberger, em 1890, é tão somente o contrato que serve de título à constituição da propriedade fiduciária, que é a garantia real.

Diz-se que o instrumento de alienação fiduciária transfere o domínio da coisa alienada. Porém, não se trata de constitutum possessorium ex lege, pois este só vem por vontade das partes e não se presume, sendo esta a lição do mes-tre Clóvis Bevilácqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. v. III, 1930, p. 21).

Como direito real, tal propriedade fiduciária só vale para terceiros des-de a inscrição. Em verdade, este direito se constituiria pelo registro, tal qual a hipoteca.

Enquanto não vence o débito, o proprietário fiduciário não desfruta de todas as faculdades jurídicas que se contém na propriedade plena, porque seria da natureza da propriedade fiduciária o desdobramento da posse, ficando o de-vedor como possuidor direto, podendo usar, desfrutar do bem. Se paga a dívida, o alienante (devedor) volta a ser titular, não da propriedade restrita que cabia ao adquirente (credor), mas do domínio pleno. Se vencida a dívida, e não paga, o credor entra na posse plena e tem o ônus de vender o imóvel (arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997). À luz da doutrina alemã, com Pagenstecher, “Lehrbuch

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der Pandekten”, costuma-se chamar este fenômeno jurídico de elasticidade da propriedade. Até o pagamento do débito, possui o alienante (devedor), ainda chamado de fiduciante, um direito expectativo à recuperação da propriedade passada ao credor (fiduciário) com a alienação fiduciária.

Os caminhos para o credor exercer seus direitos seriam vários, obede-cido o devido processo legal, tais como busca e apreensão, ação de depósito, ação de reivindicação, a execução por título executivo extrajudicial. Não mais, e tais remédios seriam de livre escolha. Certo que a ação de depósito não com-porta prisão civil de devedor, ao contrário do que entende o colendo Supremo Tribunal Federal, no RE 206.482-DF, Relator Ministro Maurício Correa. Aliás, tal posição, que reitera anterior HC 72.131-RJ, contraria a do colendo STJ e a Convenção de San José da Costa Rica. Mas suscitar execução extrajudicial por Oficial de Registro de Imóveis é o fim do fim! Isto agride o due process of law, que se constitui, em tese, de 3 (três) princípios fundamentais: o juiz natural, o procedimento regular e o contraditório. O princípio do juiz natural reclama julgador constitucionalmente investido na função, competente para o litígio e imparcial na condução da causa, é luz do princípio da investidura, próprio da jurisdição. O procedimento regular contempla a observância de normas e da sistemática previamente estabelecida como garantia das partes no processo. Por fim, o contraditório tem raízes no princípio da igualdade substancial, funda-mento da democracia. A lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ao Direito.

Ora, expõe a Lei nº 9.514, a nu, a filosofia neoliberal, em que o capital vale mais que o homem. Não se dá chance ao devedor de intervir, o capitalista é o gigante e o mutuário, o fraco.

Infringe, assim, o art. 26, caput e parágrafo primeiro, em seus comandos primário e secundário, os incisos LVI, LVII, LX, LXIII, LXIV e LXXIV do art. 5º da Constituição, na medida em que agride o contraditório e o direito de de-fesa. Agride, outrossim, o art. 5º, LIV, da Constituição, uma vez que não leva em consideração o procedimento regular. São inconstitucionais, outrossim, os §§ 3º e 7º daquela Lei.

Quanto ao fato de que os contratos relativos ao financiamento imobi-liário, em geral, podem ser objeto de arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307, ratificamos a recomendação de não se poder conceder ao árbitro poderes coer-citivos, próprios de execução. A ele é dada apenas juízo de cognição.

V – DA CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS PREVISTA NO ARTIGO 5º, III, DA LEI Nº 9.514/1997

De longe, o Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, em seu art. 4º, Lei de Usura, proibiu a contagem de juros sobre juros. É a capitalização dos juros.

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Em função dessa base de pensar, o colendo Supremo Tribunal Federal sumulou a matéria – Súmula nº 121 – na linha de vários julgados: RTJ 92/1.341; 89/608; 99/854.

Dir-se-á que se admite a não incidência da Súmula nº 121 quando lei es-pecial adote o critério de fixação e contagem dos juros, RE 96.875, RTJ 108/282.

Será a Lei nº 9.514 uma lei especial?

Pescatore e outros autores demonstram a natureza de lei especial quando a norma jurídica é editada em razão de certa classe de pessoas, de negócios, não podendo ter vinculação com lei geral, na qual o tratamento é o comum. Savigny, é certo, faz algumas observações sobre essas ilações. Em verdade, a doutrina brasileira, com Eduardo Espínola (Sistema de Direito Civil) e o Ministro Paulo Brossard, quando Consultor-Geral da República, em douto parecer, em 1985, recolhendo lições de Justiniano, consideram cabível tal espécie de lei. Aliás, a própria Lei nº 4.380/1964 é exemplo de Lei Especial, que, por ser assim, não poderia ser derrogada por lei geral.

Entretanto, não estamos diante de uma Constituição Liberal. Nossa Cons-tituição se aproxima de uma Constituição Econômica Estatutária, que define os estatutos da propriedade, dos meios de produção, dos agentes econômicos, do trabalho, da coordenação da economia, das organizações do capital e do traba-lho. A Constituição, disse José Afonso da Silva, é capitalista, mas a liberdade é apenas admitida enquanto exercida no interesse da Justiça Social. Como base, traz nossa Constituição princípios em que se destaca o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição). Trata-se de norma-princípio de norma fundamental, que se insere nas grandes linhas da norma constitucional, aquelas que, segundo o Mestre Canotilho (Direito Constitucional. 3. ed., p. 200/203), entende como as que historicamente produzidas na consciência jurídica geral e que encontram recepção expressa no Texto Constitucional.

Por certo, a capitalização de juros em um sistema econômico que respei-ta a justiça social é fato que atinge o princípio da proporcionalidade, uma vez que o financiamento da casa própria não pode se dar em agressão à Constitui-ção, ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. O art. 5º, III, da Lei nº 9.514/1997 não se conforma ao interesse público que se pretende reali-zar, pois extrapola os fins que motivariam sua adoção. É medida desnecessária, pois afeta por demais o pactuante, não significando a melhor opção social, mas a melhor opção gerencial para fins puramente econômicos. Como bem ensinam Canotilho e Vital Moreira, (Fundamentos da Constituição, p. 152), os meios le-gais devem se situar em uma justa medida, impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas, desproporcionais em relação aos fins obtidos.

A capitalização de juros somada à livre fixação deles (art. 5º, II) coloca o sistema financeiro brasileiro, no financiamento para aquisição da casa própria,

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como um dos mais caros, elitistas e injustos do mundo capitalista, inserindo a segurança jurídica, em um País como o nosso, em segundo plano.

Proíbe-se o excesso. A norma em tela é mais um exemplo de inconstitu-cionalidade, que ofende ao Estado Democrático de Direito, cujo fim é a manu-tenção de uma situação jurídica-material justa. Dessa perspectiva, o exercício dos direitos deve ser visto sob o prisma de elevado grau de igualdade social, na busca de um Desenvolvimento Econômico, proteção de classes mais desfa-vorecidas, resguardados os direitos fundamentais, e não salvaguardar a mera distribuição conservadora de bens, paradigma do Estado Liberal.

VI – DO CERTIFICADO DE RECEBÍVEIS IMOBILIÁRIOSNo passado, à época do Banco Nacional da Habitação, havia a cédula

hipotecária, promessa de pagamento do devedor ao credor, dotada de garantia real imobiliária. Era um título causal, porque incorporava a hipoteca a que diz respeito, visando a facilitar a circulação dessa garantia imobiliária, que dava azo a operações de financiamento e refinanciamento no SFH, dentro do que se convencionou chamar mercado de hipotecas. A Professora Dora Martins de Carvalho, em tese de concurso para a docência livre de Direito Comercial da antiga e nunca esquecida Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, falou em compra e revenda de créditos hipotecários em todo o País, em um cotejo de verdadeiro mercado secundário de hipotecas, dando-se essa atribuição de prover a liquidez desses títulos a entidades como a Caixa Econô-mica ou ao Banco do Brasil como exemplo.

A Lei cotejada cria o Certificado de Recebíveis Imobiliários – CRI – como título de crédito nominativo, de livre circulação, lastreado em créditos imobiliá-rios, constituindo-se promessa de pagamento em dinheiro e de emissão exclusi-va das companhias securitizadoras. Já a securitização de créditos imobiliários é a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão dos referidos títulos de crédito.

As companhias securitizadoras de créditos imobiliários são sociedades anônimas, não financeiras, que têm por finalidade a aquisição e securitização dos créditos imobiliários surgidos com base na lei e ainda emiti-los no mercado.

Surgirá ainda a figura do agente fiduciário, com raízes no trust, um ter-tius, que tem poderes de representação dos beneficiários.

O futuro dirá se esta visão de primeiro mundo “colará” em país de eleva-do deficit habitacional com inflação contida.

VII – MEDIDAS QUE PODEM SER ADOTADAS QUANTO à LEI Nº 9.514/1997

Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (“Procedimento e Ideologia no Direito Brasileiro”, Ajuris, 33 (1985):81) já afirmava diante de procedimentos especia-

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líssimos, em total desconhecimento do princípio da igualdade das partes no processo, gerando desigualdade de procedimento e desigualdade no procedi-mento, que a conclusão a seguir era a inconstitucionalidade, a par dos Decre-tos-Leis nºs 70 e 911, de 1969.

Da mesma forma, temos a Lei nº 9.514. Para tanto, aqui aduzimos provi-dências a serem tomadas pelo Ministério Público Federal com relação à matéria:

a) encaminhamento visando à arguição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.514 junto ao colendo Supremo Tribunal Federal;

b) coleta de dados junto a entidades autorizadas a operar no SFI, obje-tivando colher índices de inadimplência, percentuais de ajuizamen-tos de execuções extrajudiciais, visando, no contexto fato-norma, ajuizar ação civil pública, observando sempre o interesse da União Federal, por meio do Conselho Monetário Nacional, nessas ações, para justificar a consequência competencial da Justiça Federal, a teor do art. 109 da CRFB.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Alienação Fiduciária

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Superior Tribunal de JustiçaAgInt no Agravo em Recurso Especial nº 854.803 – SP (2016/0025149‑4)Relator: Ministro Luis Felipe SalomãoAgravante: Rosarial Alimentos S/AAdvogado: Vicente Romano Sobrinho – SP083338Agravado: Banco BVA S/A – Massa falidaAdvogados: Michele Camarov Negri – RJ148580

Marcelo Levitinas e outro(S) – SP281611 Frederico de Souza Leão Kastrup de Faro – SP310302

Agravado: Luiz Augusto Winther Rebello Jr.Advogado: Luiz Augusto Winther Rebello Júnior – Administrador Judicial – SP139300

ementa

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA DE OMISSÕES – CRÉDITO RESULTANTE DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA SOBRE IMÓVEL – NÃO SUBMISSÃO à RECUPERAÇÃO – SÚMULA Nº 83 DO STJ

1. A matéria referente a suposta violação do art. 66 da Lei nº 11.101/2005, não foi objeto de discussão no acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não se configurando o prequestionamento, o que impossibilita a sua apreciação na via especial (Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ).

2. Não se viabiliza o recurso especial pela alegada violação art. 535 do CPC/1973. Isso porque, embora rejeitados os embargos de decla-ração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ain-da que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.

3. O entendimento da Corte estadual encontra-se em harmonia com a jurisprudência consolidada neste Sodalício, no sentido de que o cre-dor titular da posição de proprietário fiduciário ou de crédito garan-

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tido por cessão fiduciária não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Incidência da Súmula nº 83 do STJ.

4. Agravo interno não provido.

aCórdãO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de fevereiro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

relatóriO

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. Cuida-se de agravo interno interposto por Rosarial Alimentos S/A, sob a vigência do Novo Código de Processo Civil, contra decisão deste relator, que negou provimento ao agravo em recurso especial, com base nos seguintes fun-damentos:

a) incidência das Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ, ante a ausência de prequestionamento da matéria referente a suposta violação do art. 66 da Lei nº 11.101/2005;

b) ausência de violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente;

c) incidência do óbice da Súmula nº 83 do STJ, uma vez que a jurisprudência desta Casa explicita que o credor titular da posição de proprietário fiduciário ou de crédito garantido por cessão fiduciária não se submete aos efeitos da recuperação judicial.

Inconformada, a parte ora agravante, em apertada síntese, afirma que houve a oposição de embargos de declaração e a interposição de agravo re-

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gimental para prequestionar a matéria do art. 66 da Lei nº 11.101/2005, não podendo a parte agravante ser punida por falha do Tribunal de origem que não mencionou o referido dispositivo na decisão.

Além disso, reitera que o imóvel que o agravado tenta dar prosseguimen-to ao processo de consolidação de propriedade constitui o parque fabril (fonte produtora) da agravante, sendo necessária a observância dos princípios inscul-pidos no art. 47 da Lei nº 11.101/2005.

Por fim, alega que houve efetiva violação ao art. 535 do CPC/1973 (fls. 812.819).

Contrarrazões ao agravo interno às fls. 823-833.

É o relatório.

ementa

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA DE OMISSÕES – CRÉDITO RESULTANTE DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA SOBRE IMÓVEL – NÃO SUBMISSÃO à RECUPERAÇÃO – SÚMULA Nº 83 DO STJ

1. A matéria referente a suposta violação do art. 66 da Lei nº 11.101/2005, não foi objeto de discussão no acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não se configurando o prequestionamento, o que impossibilita a sua apreciação na via especial (Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ).

2. Não se viabiliza o recurso especial pela alegada violação art. 535 do CPC/1973. Isso porque, embora rejeitados os embargos de decla-ração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ain-da que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.

3. O entendimento da Corte estadual encontra-se em harmonia com a jurisprudência consolidada neste Sodalício, no sentido de que o cre-dor titular da posição de proprietário fiduciário ou de crédito garan-tido por cessão fiduciária não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Incidência da Súmula nº 83 do STJ.

4. Agravo interno não provido.

vOtO

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

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2. De início, consigne-se que a decisão recorrida foi publicada após a en-trada em vigor da Lei nº 13.105, de 2015, estando o recurso sujeito aos requisi-tos de admissibilidade do Novo Código de Processo Civil, conforme Enunciado Administrativo nº 3/2016 do Plenário do Superior Tribunal de Justiça.

3. O agravo interno não merece ser acolhido.

Observa-se que a matéria referente a suposta violação do art. 66 da Lei nº 11.101/2005, não foi objeto de discussão no acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não se configurando o prequestionamen-to, o que impossibilita a sua apreciação na via especial (Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ).

4. Quanto à alegada violação ao disposto no art. 535 do Código de Pro-cesso Civil, o especial não merece ser provido. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.

5. De outra parte, ao analisar a demanda, o Tribunal de origem assentou (fls. 639-641) – grifamos:

O crédito do agravante, não sujeito aos efeitos da recuperação judicial, em razão de alienação fiduciária em garantia sobre imóvel, pretende a consolidação da propriedade fiduciária em bem onde se localiza a sede da recuperanda e sua fonte produtiva.

O magistrado singular decidiu que a tal ato inviabiliza o cumprimento do plano de recuperação judicial, por entender que aludido bem imóvel é necessário ao funcionamento da empresa, portanto, à recuperação judicial. Diante deste con-texto, mitigou o disposto no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, em razão do princípio da preservação da empresa.

Em suas razões recursais, defende o credor que seu pleito reveste-se de legali-dade e que o bem dado em garantia foi livremente indicado pela recuperanda, evidentemente, ciente de tratar-se do local de desempenho de suas atividades.

Consta dos autos que o prazo de suspensão das execuções (art. 6º § 4º da Lei nº 11.101/2005) já se esgotou. O contrato de alienação fiduciária foi averbado em 11 de maio de 2011 (fl. 417); o pedido de recuperação judicial foi ajuizado em dezembro de 2011 (fl. 16).

[...]

O fato de a agravada achar-se em recuperação judicial não retira do banco cre-dor a prerrogativa da retomada dos bens, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. Tal dispositivo é expresso quanto à prevalência do direito de propriedade e condições contratuais sobre a coisa, em se tratando de credor proprietário fiduciário.

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Portanto, aludida disposição contempla a exceção no que se refere aos bens es-senciais à atividade da recuperanda, no caso, já superada:

[...]

Assim, configurado o inadimplemento e ultrapassado o prazo de 180 dias, nos termos do art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, impõe-se a consolidação da pro-priedade em favor do Agravante.

[...]

Ressalvado o judicioso entendimento, necessário ater-se ao fato de que o prin-cípio da preservação da empresa não é absoluto e não impede que credores defendam seus direitos, especialmente aqueles cujos créditos foram excluídos do processo de recuperação judicial.

[...]

A redação do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 dispõe que “Tratando--se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial” (sem grifos no original).

A jurisprudência desta Casa, amparada no dispositivo acima transcrito, explicita que o credor titular da posição de proprietário fiduciário ou de crédito garantido por cessão fiduciária não se submete aos efeitos da recuperação ju-dicial.

Nessa ordem de ideias, observa-se que o acórdão estadual, ao permitir o prosseguimento do procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade fiduciária, uma vez ultrapassado o prazo de blindagem de 180 dias, decidiu de acordo com a jurisprudência deste Sodalício sobre o tema. A esse respeito, confira os precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – BUSCA E APREENSÃO – CREDOR PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO DE BEM MÓVEL – NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NOS TERMOS DO ART. 49, § 3º, DA LEI Nº 11.101/2005 – SÚMULA Nº 83/STJ – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO

1. Controvérsia no bojo de ação de busca e apreensão movida contra a recor-rente cujo objeto é o veículo empilhadeira à combustão GLP 050VX, em razão

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do descumprimento de Contrato de Abertura de Crédito Fixo com Garantia de Alienação Fiduciária.

2. O entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, é o de que o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bem móvel ou imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial, dada a própria natureza da alienação fiduciária, cujo domínio resolúvel da coisa não pertence ao devedor, mas ao credor. Incidência da Súmula nº 83/STJ.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-REsp 1.543.873/MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., Julgado em 10.11.2015, DJe 19.11.2015)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – DIREITO EMPRESARIAL – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CRÉDITOS RESULTANTES DE ARRENDAMENTO MERCANTIL E COM GARANTIA FIDUCIÁRIA – NÃO SUBMISSÃO À RECUPE-RAÇÃO

1. Interpretando o art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, a jurisprudência entende que os créditos decorrentes de arrendamento mercantil ou com garantia fiduciá-ria – inclusive os resultantes de cessão fiduciária – não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg-REsp 1181533/MT, de minha relatoria, 4ª T., Julgado em 05.12.2013, DJe 10.12.2013)

RECURSO ESPECIAL – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CONTRATO DE CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS – INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO DO ART. 49, § 3º DA LEI Nº 11.101/2005 – ART. 66-B, § 3º DA LEI Nº 4.728/1965

1. Em face da regra do art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/2005, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial os créditos garantidos por cessão fiduciária.

2. Recurso especial provido.

(REsp 1263500/ES, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., Julgado em 05.02.2013, DJe 12.04.2013)

AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO LIMINAR EM CONFLITO DE COM-PETÊNCIA – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – EXECUÇÃO DE CÉDULAS DE CRÉDI-TO GARANTIDAS POR AVAL E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – POSSIBILIDADE – INCLUSÃO DOS COOBRIGADOS NO POLO PASSIVO – PERTINÊNCIA – NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

1. A cessão fiduciária de direitos sobre títulos de crédito, possuindo a natureza ju-rídica de propriedade fiduciária, não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial (art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005). Não ocorrência, na hipótese, de peculiari-dade apta a recomendar o afastamento circunstancial da regra.

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2. Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei nº 11.101/2005).

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg-CC 124.489/MG, Rel. Min. Raul Araújo, 2ª S., Julgado em 09.10.2013, DJe 21.11.2013)

RECURSO ESPECIAL – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CÉDULA DE CRÉDITO GA-RANTIDA POR CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS – NATURE-ZA JURÍDICA – PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA – NÃO SUJEIÇÃO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – “TRAVA BANCÁRIA”

1. A alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, possuem a natureza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeitando aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005.

2. Recurso especial não provido.

(REsp 1202918/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., Julgado em 07.03.2013, DJe 10.04.2013)

Estando, pois, o acórdão recorrido em harmonia com a orientação firma-da nesta Corte Superior, o recurso especial não merece ser conhecido, ante a incidência da Súmula nº 83/STJ, aplicável, também, às hipóteses de interposi-ção pela alínea a do permissivo constitucional.

6. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

CertidãO de julgamentO quarta turma

Número Registro: 2016/0025149-4

Processo Eletrônico AgInt-AREsp 854.803/SP

Números Origem: 02039034520128260000 20130000564367 2039034520128260000

Pauta: 07.02.2017 Julgado: 07.02.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Humberto Jacques de Medeiros

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Secretária: Dra. Teresa Helena da Rocha Basevi

autuaçãO

Agravante: Rosarial Alimentos S/A

Advogado: Vicente Romano Sobrinho – SP083338

Agravado: Banco BVA S/A – Massa falida

Advogados: Michele Camarov Negri – RJ148580 Marcelo Levitinas e outro(s) – SP281611 Frederico de Souza Leão Kastrup de Faro – SP310302

Agravado: Luiz Augusto Winther Rebello Jr.

Advogado: Luiz Augusto Winther Rebello Júnior – Administrador Judicial – SP139300

Assunto: Direito civil – Empresas – Recuperação judicial e falência

agravO internO

Agravante: Rosarial Alimentos S/A

Advogado: Vicente Romano Sobrinho – SP083338

Agravado: Banco BVA S/A – Massa falida

Advogados: Michele Camarov Negri – RJ148580 Marcelo Levitinas e outro(s) – SP281611 Frederico de Souza Leão Kastrup de Faro – SP310302

Agravado: Luiz Augusto Winther Rebello Jr.

Advogado: Luiz Augusto Winther Rebello Júnior – Administrador judicial – SP139300

CertidãO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Assunto Especial – Ementário

Alienação Fiduciária

2589 – Alienação de imóvel – protesto – registro

“Processual civil. Agravo regimental. Recurso especial. Registro de protesto contra alienação de imóvel. Violação ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Embargos de terceiro opostos pelas filhas do proprietário. Ilegitimidade. Protesto. Admissibilidade. Poder geral de cautela do juiz. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla e fundamentada, deve ser afastada a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. Os efeitos do protesto contra a alienação de imóvel atingem tão somente os proprietários do bem, não configurando qualquer alteração jurídica em relação aos possuidores. 3. O STJ paci-ficou o entendimento no sentido de que a determinação para averbação do protesto em cartório de registro de imóveis está abrangida pelo poder geral de cautela do juiz. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 760.122 – (2005/0099267-8) – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.09.2012)

2590 – Alienação fiduciária – ação de exibição de documentos – obtenção do contrato de finan-ciamento

“Alienação fiduciária. Ação de exibição de documentos. Obtenção do contrato de financiamento. Aplicação do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Juízo de equidade. Mesmo considerada a natureza da causa e o rápido trâmite processual, fixação em valor reduzido. Honorários majorados para R$ 1.000,00 (mil reais). Apelação provida.” (TJSP – Ap 0046545-95.2012.8.26.0071 – Bauru – 23ª CDPriv. – Rel. Sá Moreira de Oliveira – DJe 26.08.2013)

2591 – Alienação fiduciária – busca e apreensão – mora ex re – vencimento do prazo para pa-gamento – comprovação – notificação extrajudicial

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Mora ex re. Vencimento do prazo para pagamento. Comprovação. Notificação extrajudicial. Prova do re-cebimento. Necessidade. Agravo desprovido. 1. A mora do devedor, na ação de busca e apreensão de bem objeto de contrato de financiamento com garantia fiduciária, constitui-se ex re, de modo que decorre automaticamente do vencimento do prazo para pagamento. 2. A mora do devedor deve ser comprovada por notificação extrajudicial realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos a ser entregue no domicílio do devedor, sendo dispensada a notificação pessoal. 3. In casu, o eg. Tribunal de origem consigna que, embora não precise ser recebida pessoalmente, deve, ao menos, ter sido entregue no endereço do devedor e recebida por um terceiro, de modo que não foi atendido o requisito da comprovação da constituição do devedor em mora, indispensável para o prosseguimento da ação de busca e apreensão. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 499.796 – (2014/0080561-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 02.09.2014 – p. 993)

2592 – Alienação fiduciária – relação consumerista – busca e apreensão – purgação da mora

“Agravo de instrumento. Alienação fiduciária. Relação consumerista. Busca e apreensão. Purgação da mora mediante o pagamento apenas das parcelas vencidas. Atraso atribuído ao banco credor. Possibilidade. Precedentes desta Corte. Admite-se a resolução nos contratos de adesão somente com a escolha do consumidor. Inteligência do § 2º do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor. Manutenção do contrato conforme pactuado. Decisão reformada. Recurso provido. 1. A expres-

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são ‘dívida pendente’, constante do art. 56, § 2º, da Lei nº 10.931/2004, dando nova redação ao art. 3º do Decreto-Lei nº 911/1969, refere-se à dívida vencida, e não vincenda, ou seria inviabiliza-da a faculdade à purgação da mora, desnaturando a própria natureza do contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária. 2. Nos contratos de adesão, a cláusula resolutória expressa é admitida apenas nos casos de escolha do consumidor, por força do § 2º do art. 54 do CDC. 3. É possível a restituição de veículo apreendido liminarmente, quando a parte demonstra que o banco agravado recusou-se a emitir os boletos não vencidos à agravante, desde que as parcelas vencidas sejam quitadas imediatamente. 4. Recurso provido, decisão de piso reformada, para determinar ao banco agravado que emita e deposite em juízo as faturas pendentes a partir do mês de outubro/2013 e seguintes, no prazo de 48 horas. Concede-se à agravante o prazo de 5 (cinco) dias para comprovar o pagamento dos referidos boletos em juízo, para a restituição do veículo, mantendo-se o contrato de alienação fiduciária em todos os seus termos em plena vigência.” (TJMT – AI 9735/2014 – Redª p/o Ac. Flavia Catarina Oliveira de Amorim Reis – DJe 10.07.2014)

2593 – Alienação judicial – pedido condenatório de pagamento de alugueres – procedimentos contencioso e voluntário – acumulação – impossibilidade

“Processual civil. Apelação. Alienação judicial. Pedido condenatório de pagamento de alugueres. Procedimentos contencioso e voluntário. Acumulação. Impossibilidade. Pedido de alienação do bem formulado em sede de cumprimento de sentença proferido em outros autos. Ausência de inte-resse de agir. Sentença mantida. 1. Ha impossibilidade de se acumular procedimentos de jurisdição voluntária e contenciosa, não havendo como se ajustarem duas espécies distintas de ritos num mes-mo processo. 2. Como na emenda à inicial o autor optou pelo procedimento de jurisdição voluntá-ria, restou excluída da apreciação judicial a questão relativa à cobrança de alugueres. 3. Ausente o interesse de agir quando o pedido de alienação do bem já houver sido objeto de cumprimento de sentença. 4. Precedente da casa. 4.1 ‘[...]. 1. São incompatíveis os pedidos de alienação judicial de bem comum e o de obrigação de entrega de coisa certa, uma vez que o primeiro é procedimento de jurisdição voluntária e o segundo jurisdição contenciosa. 2. Não sendo ações de conhecimento, não poderá ser aplicado o § 2º do art. 292 do CPC, considerando-se correta a decisão de primei-ro grau que determinou a emenda à inicial, tendo em vista a impossibilidade de cumulação dos pedidos. 3. Recurso não provido (Acórdão nº 311652, 20080020036223-AGI, Rel. Cruz Macedo, DJe 07.07.2008, p. 59). 5. Recurso improvido.” (TJDFT – PC 20110810053437 – (725361) – Rel. Des. João Egmont – DJe 21.10.2013)

2594 – Alienação judicial de imóvel – hasta pública – intimação do devedor por edital – esgota-mento das tentativas de localização

“Agravo regimental. Embargos de divergência. Alienação judicial de imóvel. Hasta pública, intima-ção do devedor por edital. Esgotamento das tentativas de localização. Circunstância não verificada na espécie. Acórdão embargado em consonância com a orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula nº 168/STJ. Agravo regimental desprovido. 1. Consoante entendimento pacificado no âmbito da eg. Segunda Seção, somente é válida a intimação do deve-dor por edital, para ciência da alienação judicial de imóvel em hasta pública, nas hipóteses em que tenham sido esgotadas as tentativas de sua localização, circunstância não verificada na espécie, nos termos do acórdão proferido pelo Tribunal de origem. 2. Nos moldes da Súmula nº 168/STJ, ‘não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado’. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-ED-REsp 1.279.151 – (2014/0258632-6) – 2ª S. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 18.03.2016 – p. 459)

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Parte Geral – Doutrina

O Desconto na Primeira Aquisição Residencial no Cartório de Registro de Imóveis: 8 Teses em Prol do Consumidor

JEfERSOn LuCIAnO CAnOvAMestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá, Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera-Uniderp, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Membro do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP), Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Mirandópolis/SP.

Tendo em vista os muitos problemas advindos na cobrança dos emolu-mentos perante o Cartório de Registro de Imóveis, nos atos relacionados ao pri-meiro financiamento habitacional no âmbito do Sistema Financeiro de Habita-ção – SFH, importa uma averiguação mais detida sobre as teses que vêm dando efetividade ao desconto previsto no art. 290 da Lei Federal nº 6.015/1973 – Lei dos Registros Públicos.

Tal desconto está relacionado à materialização do direito fundamental à moradia, estampado no art. 6º da Constituição, revelando-se o Poder Público como agente responsável pela efetivação de tal direito social, por intermédio das funções públicas exercidas pelos Oficiais de Registro e Juízes Corregedores.

Desse modo, enfrentam-se 8 teses encampadas pela jurisprudência em prol do direito à moradia, na concessão do desconto prescrito no art. 290 da Lei nº 6.015/1973, in verbis:

Art. 290. Os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aqui-sição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos em 50% (cinquenta por cento).

TESE 1: Defere-se o desconto de 50% nos emolumentos se for o primeiro financiamento habitacional pelo SFH, não importando se o mu-tuário/consumidor tem ou teve outro imóvel rural ou urbano.

É o primeiro financiamento residencial que enseja o desconto, quando no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação – SFH, que se destina à promo-ção da construção e aquisição da casa própria para as classes de menor renda da população.

O mutuário pode ser (ou já ter sido) proprietário de outro imóvel urbano ou rural, não importando para fins de deferimento do desconto; desde que seja o primeiro financiamento habitacional, fará jus ao desconto. Assim, se o mu-

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tuário, por exemplo, for proprietário de uma casa, adquirida por herança, ou de um terreno, adquirido à vista, fará jus ao desconto, eis que será a sua primeira aquisição residencial financiada. A única hipótese que impede o acesso ao des-conto dá-se quando o mutuário já teve outro imóvel financiado pelo SFH.

Nessa linha de raciocínio caminha a interpretação jurisprudencial quan-to à regra contida no art. 290 da Lei nº 6.015/1973:

REGISTRO DE IMÓVEIS – CUSTAS E EMOLUMENTOS – Primeira aquisição de imóvel com financiamento pelo SFH. Irrelevância de o recorrente possuir outros imóveis. Redução de 50% quanto aos emolumentos devidos. Exegese do art. 290 da Lei nº 6.015/1973. Precedentes da CGJ. Recurso provido. (CGJSP, Processo nº 8.492/2015, São Bernardo do Campo/SP, Rel. Gustavo Henrique Bretas Marzagão, J. 24.03.2015, DJ 15.04.2015)1 (grifo aposto)

Ora, fica evidente que, para a concessão do desconto, pouco importa se o adquirente de imóvel financiado já tinha ou tem outros bens imóveis, e sim se esse é o primeiro e único financiamento habitacional. Desse modo, se for o primeiro financiamento habitacional, de rigor o deferimento do desconto dos emolumentos perante o Cartório de Registro de Imóveis.

TESE 2: O desconto de 50% incide sobre a totalidade dos emolumentos devidos tanto no registro da compra e venda quanto no registro da garantia (hipoteca ou alienação fiduciária), no primeiro finan-ciamento habitacional.

Vale dizer que tanto os emolumentos do registro da compra e venda, levando em consideração o valor da alienação ou o valor do imóvel, o que for maior, quanto os emolumentos do registro da garantia (alienação fiduciária/hipoteca), levando em consideração o valor da dívida, são alvo do desconto de 50% sobre a totalidade do valor cobrado, no registro do primeiro financiamento habitacional, como ostenta o seguinte julgado da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo:

Registro de Imóveis. Contrato de aquisição de imóvel financiado pelo Sistema Fi-nanceiro da Habitação, com pacto acessório de alienação fiduciária do bem em garantia do pagamento da dívida. Cálculo do valor dos emolumentos. Incidência do desconto previsto no art. 290 da LRP e na Tabela de Custas e Emolumentos

1 No mesmo sentido: “É preciso ressaltar, portanto, a razão de ser do Sistema Financeiro e a sua principal finalidade, que é proporcionar financiamentos para que interessados adquiram sua casa própria, mesmo para aqueles que eventualmente já possuam imóvel menor, que na maioria das vezes é vendido, ou ainda pequenos terrenos. Admitir-se que o legislador pretendeu fiscalizar isoladamente a primeira aquisição de imóvel, independente de financiamento, seria atribuir no Sistema Financeiro a intromissão indevida em negócios imobiliários que nada interferem com a sua principal finalidade que é a de possibilitar financiamentos aos interessados. [...] A alternativa inserida no parecer trazido à colação não decorre do texto legal, que referiu-se à primeira aquisição imobiliária, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação (art. 290), sem a utilização de qualquer conjunção”. (CGJSP, Processo nº 109/1989, J. 06.09.1989, Rel. Hélio Lobo Júnior)

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anexa à Lei Estadual nº 11.331/2002 sobre o registro da garantia e, também, sobre o registro da compra e venda. Orientação firmada pela Corregedoria Ge-ral da Justiça em precedente invocado pelo próprio Oficial Registrador. Inad-missibilidade da adoção de critério diverso em prejuízo do usuário do serviço. Restituição do décuplo do valor cobrado a maior (art. 32, § 2º, da Lei Estadual nº 11.331/2002). Decisão do Juízo Corregedor Permanente acertada. Recurso não provido. (Processo nº 105.563/2009, São Paulo/SP, Rel. Álvaro Luiz Valery Mirra, J. 04.11.2009, DJ 15.04.2015) (grifo aposto)

Nesse diapasão, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo elucidam, no item 112.1, Cap. XX, que “112.1. Em caso posi-tivo, a redução para cobrança dos emolumentos prevista no art. 290, da Lei nº 6.015/1973, incidirá sobre todos os atos relacionados com a primeira aquisi-ção imobiliária” (grifo aposto).

Em decorrência, não há amparo jurídico ou legal para frustrar o desconto dos emolumentos que incidem sobre o registro da garantia e, também, sobre o registro da compra e venda, vedando-se, pois, qualquer estratagema para des-virtuá-lo ou mitigá-lo, como a incidência só sobre a parte financiada.

TESE 3: O desconto de 50% incide sobre a totalidade dos emolumentos devidos no registro do contrato de mútuo, com garantia (hipoteca ou alienação fiduciária), quando tal financiamento for destinado à construção residencial em terreno próprio.

É devido o desconto no registro do contrato de mútuo, com constituição de garantia (alienação fiduciária ou hipoteca), quando o mutuário/consumidor faz tal financiamento para a construção habitacional em terreno próprio, como ostenta o seguinte julgado da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo:

Proprietário que já possui terreno. Financiamento para construção de casa. In-terpretação do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, que deve ser feita de molde a garantir a redução quando ocorra qualquer das formas de aquisição da proprie-dade. Dispositivo que sequer fala em aquisição do domínio. Dessa maneira, se a aquisição é por acessão (art. 536, V, do CC) que independe de registro do título, mas é financiada, inconcusso que o mútuo com garantia hipotecária pelo Sistema Financeiro de Habitação, como título objeto de registro é ato relacionado com a aquisição de moradia para fins residenciais, a merecer o benefício legal. (Proces-so CGJSP nº 152/1987) (grifo aposto)

Em tal hipótese, deve o desconto ser aplicado nos emolumentos devidos pelo registro da garantia (alienação fiduciária ou hipoteca) vinculada ao con-trato de mútuo para construção residencial, lançado na matrícula do imóvel de propriedade do mutuário, se esse não houver contratado anterior financiamento para fins habitacionais (tese 1).

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TESE 4: Se deferido o desconto no registro do contrato de compra e venda (tese 2) ou do mútuo (financiamento para construção) (tese 3), o cancelamento das garantias (hipoteca ou alienação fiduciária) e a averbação da construção terão igualmente o desconto de 50% nos emolumentos, independentemente de novo requerimento.

Se foi deferido o desconto por ocasião do ato registral primevo, estudado, para fins didáticos, nas teses 2 e 3, nasce o direito potestativo ao desconto de 50% sobre a totalidade dos emolumentos devidos em todos os atos posterio-res relacionados com tal aquisição imobiliária. Vale dizer, tanto a averbação da construção (no contrato de mútuo para financiamento da construção em lote próprio), que integra as obrigações do mutuário perante o credor, quan-to o cancelamento da hipoteca ou da alienação fiduciária, que condiciona a aquisição da propriedade plena, por se relacionarem umbilicalmente com a primeira aquisição imobiliária, farão jus ao desconto de 50% do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, conforme se observa nas decisões dos tribunais:

Averbação de cancelamento de hipoteca em contrato de mútuo vinculado ao SFH. Não concedida pelo Oficial a redução de 50% prevista pelas notas expli-cativas da Lei nº 11.331/2002, item II.2. Condenação em 1º grau à devolução do décuplo da diferença cobrada a maior. Recurso do Ministério Público sustentan-do ausência de má-fé do Registrador. Hipótese, porém, de erro inescusável, dado constar tanto do contrato quanto a autorização para cancelamento da hipoteca a declaração de se tratar de negócio vinculado ao Sistema Financeiro da Habita-ção. Recurso não provido. (Proc. CGJSP 8.014/2009) (grifo aposto)

APELAÇÃO CÍVEL – DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS – PRETENSÃO À RE-DUÇÃO DOS EMOLUMENTOS, POR SE TRATAR DA PRIMEIRA AQUISIÇÃO IMOBILIÁRIA, COM RECURSOS DO SFH, NOS TERMOS DO ART. 290 DA LEI Nº 6.015/1973. [...] Apelo dos interessados no registro. Hipótese em que os regis-tros e averbações pretendidos relacionam-se à primeira aquisição imobiliária dos compradores. Consequente direito à redução dos emolumentos, pela metade, nos termos do art. 290, caput, da Lei nº 6.015/1973. [...] Apelação da Caixa Eco-nômica Federal não conhecida. Apelo dos interessados provido em parte. (Ape-lação Cível nº 70049352701, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relª Mylene Maria Michel, Julgado em 18.12.2012)

Nesse diapasão, as normas administrativas das Corregedorias de Justiça assim regulamentam o desconto do art. 290 da Lei nº 6.015/1973:

112.1. Em caso positivo, a redução para cobrança dos emolumentos prevista no art. 290, da Lei nº 6.015/1973, incidirá sobre todos os atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária. (Item 112.1, Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça de SP) (grifo aposto)

Art. 12-H. Os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aqui-sição imobiliária para fins residenciais financiada pelo Sistema Financeiro de Ha-

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bitação, devem ter redução de 50%, de acordo com a disciplina legal da matéria (art. 290 da Lei nº 6.015/1973).

§ 1º O desconto do caput aplica-se, inclusive, às averbações das edificações decorrentes do financiamento e aos cancelamentos das respectivas garantias fidu ciárias ou hipotecárias. (Art. 12-H, da Consolidação Normativa Notarial e Registral da Corregedoria Geral de Justiça do RS) (grifo aposto)

Com efeito, o deferimento do desconto, por ocasião do ato registral pre-térito, deita efeitos em todos os atos posteriores relacionados com o financia-mento imobiliário, tais como averbação de construção, aditivos, cancelamen-tos etc., independentemente de novo requerimento por parte do consumidor/mutuário.

Faz-se de discutível legalidade, racionalidade e justiça a exigência de novel requerimento como requisito à extensão do desconto aos atos posteriores relacionados com a primeira aquisição imobiliária, por não haver nova cogni-ção por parte do oficial de registro quanto ao desconto, eis que o consumidor se valerá dos efeitos do ato administrativo que o deferiu por ocasião do ato registral primevo do financiamento imobiliário.

Se, porventura, o oficial de registro não souber se foi deferido o desconto no ato pretérito, poderá compulsar o arquivo da unidade predial, resgatando o requerimento inicial apresentado e o contrato da aquisição imobiliária ou do mútuo, prestigiando, assim, o princípio da eficiência no serviço público.

Ademais, mediante simples visualização do último ato escriturado na matrícula, cujos emolumentos, com desconto, devem estar ali lançados obriga-toriamente, por força do art. 14, parágrafo único, da Lei nº 6.015/1973, o oficial de registro poderá vislumbrar o deferimento prévio da benesse legal.

No ponto, a exigência do novel requerimento para a extensão aos atos posteriores do desconto já deferido anteriormente, cumulado com a omissão em informar ao consumidor que a concessão do desconto está condicionada a tal vetusta exigência, enseja uma conjuntura perniciosa que recomenda a ime-diata ciência tanto ao Juízo Corregedor do Cartório, para a devolução do nume-rário cobrado em excesso, quanto ao Ministério Público, para tutelar eventual restituição coletiva aos consumidores cujo desconto foi suprimido (proteção aos direitos individuais homogêneos).

TESE 5: “O Cartório de Registro de Imóveis tem obrigação de [bem] in-formar ao consumidor os requisitos da concessão do desconto previsto no art. 290 da Lei nº 6.015/1973.”

Os cartórios são serviços públicos, delegados a particulares, que existem para satisfazer as necessidades coletivas. Tal particular (oficial de registro), a

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quem é confiado o cartório por concurso, espera-se que seja profissional de di-reito diferenciado, jurista de fé pública, agente público de quem então se exige apurado conhecimento na defesa do consumidor. Daí a razão ao maior rigor em transparência e eficiência, pois, em prol do mutuário.

Desse modo, faz-se adequada a prestação do serviço público quando tal oficial de registro, pessoalmente ou por seus prepostos, fornece ao consumidor informações claras e didáticas quanto aos requisitos hábeis para o deferimento do desconto no registro do contrato de financiamento e o respectivo efeito nos atos posteriores relacionados à tal aquisição imobiliária.

Se houver o deferimento do desconto por ocasião do registro, o cartório fica obrigado a conceder o desconto por ocasião dos atos posteriores relacio-nados a tal aquisição imobiliária, uma vez que o direito ao desconto já foi de-ferido ao consumidor. A título exemplificativo, tem-se como atos posteriores: a averbação da construção, se o contrato for para financiamento da construção, a averbação do cancelamento da garantia (hipoteca ou alienação fiduciária), averbação de eventual aditivo contratual, etc.

Seguindo essa ordem de ideias, o item 112.1, Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça paulista prescreve aos registradores imobiliários o arquivamento de declaração escrita do adquirente, esclarecen-do tratar-se, ou não, da primeira aquisição habitacional financiada, quando tal menção não constar expressamente do contrato apresentado, in verbis:

112. Para o registro de imóveis adquiridos, para fins residenciais, com financia-mento do Sistema Financeiro da Habitação, deverá ser exigida, caso a circunstân-cia não conste expressamente do próprio título, declaração escrita do adquirente, a qual permanecerá arquivada em cartório, esclarecendo tratar-se, ou não, de primeira aquisição, a fim de possibilitar o exato cumprimento do disposto no art. 290, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e seu posterior controle. A exatidão da declaração poderá ser confirmada pelo oficial por buscas no sistema de Ofício Eletrônico. (grifo aposto)

Por sua vez, a Corregedoria Geral de Justiça do Paraná, pelo Ofício-Cir-cular nº 140/20132, nos Autos nº 2012.0000648-8/01, assentou:

I – que os agentes delegados do Foro Extrajudicial do Estado do Paraná observem o desconto de 50% (cinquenta por cento) nos emolumentos devidos quando da aquisição do primeiro imóvel, financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), nos termos do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, independente da existência de solicitação por parte do adquirente;” (grifo aposto)

2 Ofício-Circular nº 140/2013, Corregedoria Geral de Justiça TJPR. Disponível em: <http://www.sinoregpr.org.br/noticia20130801.html>. Acesso em: 9 mar. 2017.

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Por outro norte, o STJ, revendo o entendimento anterior acerca do tema, firmou posição no sentido de que “o Código de Defesa do consumidor aplica--se à atividade notarial” (STJ, REsp 1.163.652, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJ 01.07.2010). Assim, pela similitude de natureza jurídica, há de se aplicar também aos Cartórios de Registro de Imóveis o Código de Defesa do Consumidor, fixando-lhe a obrigação de informar, na condição de fornecedor de serviço, todos os requisitos para a concessão do desconto do art. 290 da Lei Federal nº 6.015/1973, bem como os efeitos para os atos posteriores relaciona-dos com a aquisição imobiliária.

Em caso de omissão dolosa ou culposa que induza a erro o consumidor, o titular do cartório de registro de imóveis deverá devolver o numerário cobrado de forma excessiva ou indevida, na forma do art. 42, parágrafo único, do Códi-go do Consumidor, por haver falha na prestação do serviço registral.

TESE 6: O consumidor faz jus ao desconto do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, se a aquisição da primeira moradia, embora fi-nanciada pelo Sistema Financeiro de Habitação, seja contratada com garantia em alienação fiduciária.

A alienação fiduciária é um contrato de garantia, tal como é a hipoteca, anticrese, o penhor, a caução, podendo ser empregado nos contratos em geral, por não ser privativa3 das entidades que operam no Sistema Financeiro Imobi-liário – SFI, conforme deflui cristalinamente da leitura do § 1º do art. 22 da Lei nº 9.514/1997, nos seguintes termos: “§ 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena: [...]”.

Nesse norte, Chalhub4 leciona que

A alienação fiduciária portanto, não é exclusividade do SFI, e seu campo de aplicação veio a ser ampliado ainda mais pela Lei nº 10.931/2004, que permite seu emprego para garantia das obrigações em geral, abrangendo, obviamente, também os contratos de aquisição da primeira moradia a que se refere o art. 290 da LRP.

[...]

3 “NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA – CAPÍTULO XX – Requerimento apresentado pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo. Alienação fiduciária de imóveis. Forma. Escritura pública ou instrumento particular para quaisquer dos contratos previstos na Lei nº 9.514/1997 ou resultantes de sua aplicação. Proposta de utilização do instrumento particular com efeitos de escritura pública apenas nos lavrados por entidade integrante do SFI. Não acolhimento.” (Processo nº 131.428/2012, Corregedor Des. Elliot Akel, DJ 19.03.2014) (No mesmo sentido CGJSP, Processo nº 049648-26.2012.8.26.0002, DJ 11.08.2016).

4 CHALHUB, Melhim Namem. O desconto dos emolumentos na primeira aquisição de moradia. Disponível em: <http://www.anoregrn.org.br/artigo/artigoo-desconto-dos-emolumentos-na-primeira-aquisicao-de-moradia- -por-melhim-namem-chalhub/4565>. Acesso em: 9 mar. 2017.

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Efetivamente, a alienação fiduciária é tão somente um contrato de garantia, tal como o é a hipoteca, a anticrese, o penhor, a caução de direitos aquisitivos, entre outros contratos de garantia. O emprego de uma ou outra dessas garantias não descaracteriza um contrato do SFH e, portanto, não retira o direito de desconto assegurado por lei.

Seguindo essa ordem de ideias, a Corregedoria Geral de Justiça Paulista, em contrato de compra e venda, com garantia em alienação fiduciária, cele-brado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, em que foi indeferido o desconto por ocasião do registro, penalizou o titular do Cartório de Registro de Imóveis, com a restituição, em décuplo, ao consumidor, do montante cobrado indevidamente, in verbis:

EMOLUMENTOS – Registro de Imóveis. Primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação. Contrato, apre-sentado para qualificação, que permite vislumbrá-la. Cabimento de redução de 50%, exclusivamente sobre o financiamento, nos emolumentos para registro, tanto da compra e venda, quanto da alienação fiduciária em garantia. Não obser-vância pelo Oficial. Cobrança indevida dos valores integrais. Violação da regra do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, combinado com a nota explicativa nº I.8.1 da Tabela II da Lei Estadual nº 11.331/2002. Restituição, em décuplo, do montante recebido. Imposição, também, de multa. Aplicação do art. 32, I, com respectivos parágrafos, do último diploma legal referido. Recurso provido, para tanto. (Pro-cesso CGJSP nº 71789/2009, Corregedor Des. Reis Kuntz, J. 3.11.2009) (grifo aposto)

TESE 7: O art. 290 da Lei nº 6.015/1973, instituído pela União, na com-petência atinente à fixação de normas gerais em matéria de emo-lumentos, na forma do art. 236, § 2º, da Constituição, assegura tratamento centralizado e uniforme, em âmbito nacional, aos emolumentos relacionados à titulação da moradia perante os serviços públicos notariais e registrais, ficando suspensa a lei es-tadual que suprimir, condicionar ou alterar a forma de concessão de tal desconto em prejuízo do consumidor.

A União foi alçada pelo § 2º do art. 236 da Constituição, como repre-sentante da Nação, na competência atinente à fixação de normas gerais em matéria de emolumentos, para, ao dar tratamento centralizado para estabilizar legitimamente expectativas, vincular todos os entes federados, como ocorre no desconto do primeiro financiamento habitacional que materializa o direito fun-damental à moradia.

Destarte, ostenta o art. 236 da Constituição:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

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[...]

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Nesse norte, revela-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

A observância de normas gerais em matéria tributária é imperativo de segurança jurídica, na medida em que é necessário assegurar tratamento centralizado a alguns temas para que seja possível estabilizar legitimamente expectativas. Nes-te contexto, “gerais” não significa “genéricas”, mas sim “aptas a vincular todos os entes federados e os administrados”. (RE 433.352-AgRg, Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 20.04.2010, 2ª T., DJe de 28.05.2010)

Protesto cambial: M. Prov. 1638/1-98: limitação de emolumentos relativos a pro-testos de que devedora microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 6º) e [...] 2. Afirmada em decisão recente (ADIn MC 1.800) a validade em princípio da isenção de emolumentos relativos a determinados registros por lei federal fun-dada no art. 236, § 2º, da Constituição, com mais razão parece legítima a norma legal da União que, em relação a determinados protestos, não isenta mais sub-mete a um limite os respectivos emolumentos, mormente quando conseqüente benefício às microempresas têm respaldo [...] (ADI-MC 1790, Min. Sepúlveda Pertence) (grifo aposto)

Atividade notarial. Natureza. Lei nº 9.534/1997. [...] A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. Não ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os “reconhecidamente pobres” do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.

[ADI 1.800, Rel. p/o Ac. Min. Ricardo Lewandowski, J. 11.06.2007, P, DJ de 28.09.2007] (grifo aposto)

Com efeito, o conflito é só aparente entre a competência para dispor acerca dos emolumentos, visto que a União apresenta competência especial para normas gerais e os entes estaduais competência residual.

Em tal contexto, normas “gerais” não significam “genéricas”, mas apre-sentam carga valorativa apta a vincular todos os entes federados estaduais, por ter natureza jurídica de lei nacional que visa dar tratamento uniforme ao tema emolumentar em âmbito nacional, suspendendo, pois, as leis estaduais que as contrariarem, conforme dicção do art. 24 da Constituição:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorren-temente sobre:

[...]

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§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competên-cia legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Com efeito, o Tribunal do Rio Grande do Sul, por exemplo, vem re-conhecendo a constitucionalidade do desconto de 50% do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, afastando a aplicação da Lei Estadual nº 12.692/20065, que limi-tou tal desconto aos imóveis residenciais com valor até R$ 3.589,70, in verbis:

Embora exercidos de modo privado, os serviços notariais e registrais são delega-dos e norteados pelos princípios do Direito Público. O disposto no art. 236, § 2º, da Constituição Federal consubstancia repartição de competência legislativa concorrente, atribuindo à União a emissão de normas gerais e aos Estados e Dis-trito Federal a normatização supletiva, não estando presente no caso concreto a exceção de que trata o art. 24, § 3º, da Carta Magna. Precedentes do STF. É cons-titucional a redução de que trata o art. 290 da Lei nº 6.015/1973, [...] (Embargos Infringentes nº 70056059041, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 06.12.2013) (grifo aposto)

De igual sorte, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais reconheceu, nos autos do Processo nº 60.414/CAFIS/2013, a suspensão da Lei Estadual nº 20.379/20126, que restringiu o alcance do art. 290 da Lei Federal nº 6.015/1973, conforme aviso do seguinte teor:

[...] os Oficiais de Registro de Imóveis do Estado de Minas Gerais devem, pre-enchidos os requisitos, conceder o desconto previsto no art. 290 da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, independentemente da restrição mencio-nada no § 1º do art. 15 da Lei Estadual nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004, acrescentado pela Lei Estadual nº 20.379, de 13 de agosto de 2012, sob pena de restituição em dobro da quantia cobrada em excesso, nos termos do art. 30, § 2º, da Lei de Emolumentos, sem prejuízo das medidas administrativas cabíveis. (Aviso nº 16/CGJ/2013, de 23.04.2013)7

5 Tabela de Emolumentos do Registro de Imóveis, anexa à Lei Estadual do Rio Grande do Sul nº 12.692/2006. “Observação aos itens 1 e 2. [...]. 3. Mediante declaração expressa do adquirente, sob as penas da lei, de tratar-se de primeira aquisição de imóvel para fins residenciais, serão reduzidos de 50% (cinquenta por cento) os emolumentos dos aos de registro, quando houver financiamento por entidade do sistema financeiro de habitação e avaliação fiscal não ultrapassar ao prescrito pela lei municipal ou não havendo prescrição legal a R$ 3.589,70”.

6 A Lei Estadual nº 20.379, de 13 de agosto de 2012, acrescentou o § 1º ao art. 15 da Lei Estadual nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004, restringindo a redução de valores prevista para os atos relacionados com o Sistema Financeiro da Habitação às “operações de financiamento imobiliário contratadas a taxas de mercado, assim consideradas aquelas não inferiores a 70% (setenta por cento) do valor da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – Selic – vigente na data de celebração do contrato”.

7 Aviso nº 16/CGJ/2013. Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.sinoregmg.org.br/index.asp?action=pagina&valor=noticias.asp&menu=Principal&submenu=%DAltimas%20Not%EDcias&codigo=1363>. Acesso em: 9 mar. 2017.

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Repise-se, pois, que o art. 236, § 2º, da Constituição8, não trata de normas “ge-néricas”, mas sim de normas que demandam tratamento centralizado, tal qual a uniformidade nacional na cobrança dos emolumentos para aquisição da casa própria (caráter social), suspendendo-se, assim, a eficácia da lei estadual que desvirtue o desconto previsto no art. 290 da Lei Federal nº 6.015/1973, por im-perativo de segurança jurídica.

TESE 8: É devida a devolução do décuplo do valor cobrado em excesso do consumidor, quando houver dolo, má-fé ou erro grosseiro no indeferimento do desconto do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, por parte do titular do Cartório de Registro de Imóveis.

Os cartórios são serviços públicos, delegados a particulares (oficiais de registro), por concurso, que são remunerados, por emolumentos, diretamente pelo consumidor em razão dos serviços prestados. Vale dizer, ao que importa ao presente estudo, se houver o indeferimento do desconto nos atos relaciona-dos com o registro do primeiro financiamento habitacional, maior será o ren-dimento do cartório e, por consequência, a remuneração do oficial de registro.

Nesse passo, a questão ética subjacente no serviço público foi descorti-nada com propriedade pela Lei nº 12.813/2013, que definiu, no art. 3º, conflito de interesses como “a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de ma-neira imprópria, o desempenho da função pública”.

Por isso, a prudência recomenda ao oficial de registro não se deixar enga-nar pelas miragens que a avidez lhe oferece, pautando-se por parâmetros éticos e morais no exercício da função pública, alinhados em função do bem coletivo para a coletividade.

Nessa toada, quando houver o indeferimento, ainda que parcial, do desconto previsto no art. 290 da Lei nº 6.015/1973, desrespeitando as inter-pretações judiciais ventiladas nos itens 1 a 7, deve o consumidor protocolar reclamação no Fórum da Comarca (Vara do Juiz Corregedor do Cartório de Registro de Imóveis), buscando a devolução do valor cobrado em excesso, na forma do art. 42, parágrafo único, do Código do Consumidor9, que se aplica à atividade registral, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 1.163.652, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª. T., DJ 01.07.2010).

8 Seguindo tal raciocínio, na competência diretiva do sistema emolumentar nacional, a União regulou o § 2º do art. 236 da Constituição pela Lei Federal nº 10.169/2000.

9 “Recurso inominado. Ação de cobrança. Ato registral. Primeira aquisição de imóvel residencial. Redução dos emolumentos em 50%. Previsão do art. 290, da Lei de Registros Públicos. Matéria regulamentada pela direção do Foro da Comarca de Caxias do Sul. Irrelevância. Prevalência da lei federal. Repetição de forma simples. Ausência de fundamento legal para o pedido de repetição em dobro. Recurso parcialmente provido.” (Recurso Cível nº 71005131545, Turma Recursal provisória, Turmas Recursais, Rel. Lucas Maltez Kachny, Julgado em 22.08.2016)

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Tal procedimento pode ser adotado em qualquer Comarca do Brasil e, via de regra, não depende de advogado (embora aconselhável) e não vence cus-tas ou emolumentos. Vale gizar que há tribunais de vanguarda, como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que aceitam até por e-mail tal reclamação, desde que instruído com os documentos pertinentes (título registrado/averbado, certidão da matrícula e o recibo dos emolumentos digitalizados).

Em regramento legislativo específico, o Estado de São Paulo, por meio do § 3º do art. 32 da Lei Estadual nº 11.331/2002, prescreve que o titular do Car-tório de Registro de Imóveis, quando cobrar valores indevidos ou excessivos, deverá restituir ao consumidor dez vezes (10x) a quantia cobrada irregularmen-te, in verbis:

Art. 32. Sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, os notários, os registra-dores e seus prepostos estão sujeitos à pena de multa de, no mínimo, 100 (cem) e, no máximo, 500 (quinhentas) Ufesps, ou outro índice que a substituir, nas hipóteses de:

I – recebimento de valores não previstos ou maiores que os previstos nas tabelas, nos casos em que não caiba a aplicação do inciso I do art. 34 desta lei;

II – descumprimento das demais disposições desta lei.

§ 1º As multas serão impostas pelo Juiz Corregedor Permanente, de ofício ou me-diante requerimento do interessado, em procedimento administrativo, garantida a ampla defesa.

§ 2º Caberá ao Juiz Corregedor Permanente, na imposição da multa, fazer a gra-dação, levando em conta a gravidade da infração e o prejuízo causado.

§ 3º Na hipótese de recebimento de importâncias indevidas ou excessivas, além da pena de multa, o infrator fica obrigado a restituir ao interessado o décuplo da quantia irregularmente cobrada. (grifo aposto)

A e. Corregedoria Geral de Justiça de SP compreende que a devolução em décu-plo10 se faz pertinente quando a cobrança indevida se dá por dolo, má-fe ou erro grosseiro na aplicação da lei, não sendo tal responsabilização objetiva.

Essa compreensão é reiterada em copiosas decisões, a exemplo do extra-to do parecer do Dr. Jomar Juarez Amorim, MM. Juiz Assessor da Corregedoria, no Processo nº 2010/34918, conforme segue:

10 “As sanções, por sua vez, não têm caráter censório-disciplinar; foram (e podem ser) impostas, por força de textual dicção legal (art. 32, caput, da Lei nº 11.331/2002), independentemente de eventual apuração de responsabilidade disciplinar. A multa resultou de direta afronta à lei estadual de emolumentos, representa uma sanção administrativa tributária, que não se confunde com a multa disciplinar, enquanto a restituição do décuplo é uma sanção pecuniária civil, revela a influência de um juízo de punição sobre a reparação civil, reforçando o comando jurídico que veda a causação de danos a outrem.” (Processo CGJSP nº 181.819/2016, Corregedor Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, J. 01.11.2016, DJ 18.11.2016)

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Como já se decidiu no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça, a restituição em décuplo tem cabida somente quando a cobrança de importância indevida ou excessiva advém de erro grosseiro, dolo ou má-fé. Nesse sentido decisão exarada em 1º de março de 2004 pelo cuido Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário António Cardinale, no Processo nº 80/04, em que aprovado parecer elaborado pelo MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria José Marcelo Tossi Silva, com a seguinte ementa: “Emolumentos. Oficial de Registro de Imóveis. Cobrança em excesso. Ausência de dolo. ou má-fé. Devolução em décuplo indevida. Recurso não provido”. (Proc. CGJSP 2010/34918, J. 19.04.2010, DJ 13.05.2010)

Com efeito, o indeferimento ou desvirtuamento do desconto do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, quando afastar as interpretações vertidas nas teses 1 a 6, por derivarem de precedentes específicos da própria Corregedoria Geral de Jus-tiça de São Paulo11, respalda a devolução do valor integral cobrado em excesso, multiplicado por 10 vezes, ao mutuário, como sanção pecuniária civil em prol do consumidor.

Vale dizer, a inobservância das teses estudadas nos itens 1 a 6 pelos Cartórios de Registro de Imóveis paulistas ensejam a devolução do décuplo da importância cobrada indevida ou em excesso do consumidor, por estarem alicerçadas em decisões administrativas, que têm carga normativa em âmbito estadual, como bem observou o Dr. Gustavo Henrique Bretas Marzagão, Juiz Auxiliar da Corregedoria de Justiça do Estado de São Paulo, na decisão proferida nos embargos de declaração do Processo nº 2015/8492:

Todas as decisões proferidas pela Corregedoria Permanente, pela Corregedoria Geral da Justiça e pelo Conselho Superior da Magistratura têm aplicação imediata e carregam em si conteúdo normativo, isto é, compelem os notários e registrado-res a aplicar aquela solução aos casos análogos, a fim de que o serviço notarial e registral prestado seja harmônico, evitando-se contradições. (Processo CGJSP nº 2015/8492, J. 04.05.2015, DJe 26.05.2015)

Como visto, o Direito, como produto cultural, está exposto a constante processo evolutivo, porquanto objetiva a consolidação de valores cuja consci-ência a sociedade incorpora ao longo do tempo. Por isso, incumbe ao consumi-

11 “Conforme mencionado no parecer, há precedente antigo desta Corregedoria Geral que, de forma clara e didática, interpreta a norma do art. 290, da Lei nº 6.015/1973, concluindo que a incidência da redução dos emolumentos decorre do fato de se tratar da primeira aquisição de imóvel com recursos do SFH, ainda que não se trata da compra do primeiro imóvel. Quanto ao caráter normativo de aludida decisão, vale a pena relembrar que todas as decisões proferidas pela Corregedoria Permanente, pela Corregedoria Geral da Justiça e pelo Conselho Superior da Magistratura têm aplicação imediata e carregam em si conteúdo normativo, isto é, compelem os notários e registradores a aplicar aquela solução aos casos análogos, a fim de que o serviço notarial e registral prestado seja harmônico, evitando-se contradições. Exatamente por isso é que as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em seu Capítulo XIII, Subseção II, item 65, letras a, b e c, determinam a obrigatoriedade de uso pelos serviços notariais e de registro de classificadores para o arquivamento dos atos normativos e decisões do Conselho Superior da Magistratura, Corregedoria Geral da Justiça e Corregedoria Permanente da respectiva comarca.” (Processo CGJSP nº 2015/8492, Rel. Gustavo Henrique Bretas Marzagão, J. 04.05.2015, DJe 26.05.2015)

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dor a conquista efetiva de seu direito, quando não aplicadas as interpretações contemporâneas acerca do art. 290 da Lei nº 6.015/1973, esposadas nas teses 1 a 7, por meio de reclamação junto ao Juízo Corregedor do Cartório ou à própria Corregedoria Estadual, para ver restituído o valor cobrado indevidamente.

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Parte Geral – Doutrina

Patrimônio de Afetação como Garantia dos Investidores e o Mercado de Valores Mobiliários

guSTAvO ALBERTO vILLELA fILhOSócio-fundador, formado em 1971 pela Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ), Mestre em Direito Comparado pela University of Illinois (1976), Pós-Graduado em Advocacia Empresarial pela Fundação Getulio Vargas – CEPED (1972), experiência como Advogado em Comércio Internacional (Interbrás – Petrobrás Internacional S.A.), e Cobec – Cia. Brasileira de Entrepostos e Comércio, Trading Company vinculada ao Banco do Brasil S/A, onde exerceu a chefia do Departamento Jurídico e foi Diretor de Operações e Comercial entre 1982-1986, Ad-vogado Associado ao Escritório Bulhões Pedreira e Bulhões Carvalho Advogados no período da elaboração do anteprojeto da Lei das Sociedades Anônimas e da lei que criou a CVM. Membro do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB). Publicou vários artigos na imprensa e em revistas especializadas, além do livro “As Sociedades Corretoras e o Mercado de Valores Mobiliários”. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccionais do Rio de Janeiro e de São Paulo.

A Instrução CVM nº 555, de 2014, é a norma que regula hoje o funcio-namento dos Fundos de Investimentos Financeiros no País, consagrando, em seu art. 61, o denominado “patrimônio de afetação”, ou seja, a exigência dos Fundos de manterem os seus direitos e obrigações separados do patrimônio ge-ral da sociedade administradora, com ativo e passivo próprios e escrita contábil segregada daquela da administradora.

E o que é o patrimônio de afetação? Em rápida síntese, a afetação é uma criação jurídica por meio da qual se impõe a segregação de patrimônios ati-nentes a determinado empreendimento, projeto ou finalidade, de forma que os recursos carreados para os mesmos sejam separados dos recursos próprios do empreendedor, gestor ou administrador.

Dessa forma, tanto os recursos captados de adquirentes de casa própria, na compra de imóvel “na planta” como do investidor de um Fundo de Investi-mento não ficam sujeitos aos riscos de insolvência do construtor/incorporador ou do administrador de carteira de valores mobiliários, não se vinculando as operações próprias desses com as gerais daqueles.

Com isso se evitará a prática de golpes que, por muitos anos, foram apli-cados por construtores/incorporadores, que, após receberem recursos de milha-res de adquirentes, “quebravam” sem a entrega dos imóveis aos quais haviam se obrigado, assim como no caso das instituições financeiras que iam à bancarrota, transformando “em pó” investimentos feitos por seus incautos clientes.

Doravante, com o patrimônio de afetação, em caso de falência da cons-trutora, os adquirentes de imóveis poderão retomar a obra com a utilização do

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“caixa” e dos demais ativos do empreendimento, contratando, se e quando for o caso, uma outra empresa para concluir a obra.

O mesmo ocorre quanto aos investimentos no mercado financeiro e de capitais, já que os ativos dos Fundos haverão de permanecer sempre íntegros, não se prestando a garantir os credores do Administrador do Fundo. Em razão da segregação, o risco que os investidores correm é unicamente do negócio no qual investiram, não sendo atingidos pelos riscos da empresa gestora ou admi-nistradora.

No caso recente da “quebra” do Banco Santos S/A, ocorreu o seguinte: o Banco efetuava empréstimo à determinada empresa que, concomitantemente, emitia uma Cédula de Crédito Bancária representativa da dívida, com pleno res-paldo em lei. Aludido título era imediatamente cedido, com o prévio e expresso conhecimento do devedor, a um Fundo de Investimento Financeiro administra-do pelo Banco.

Esta empresa, devedora de empréstimos respaldados nas CCBs cedidas ao Fundo, mantinham outras transações com o Banco, que lhe exigia contrapar-tidas em operações triangulares, como, por exemplo, a compra de debêntures de terceiras empresas.

Com a decretação da “quebra” do Banco Santos, essas empresas devedo-ras pretendem agora compensar os débitos existentes representados pelas CCBs, com os créditos quirografários que têm contra a Massa Falida do Banco Santos, sob a alegação de que este (o Banco), era administrador daquele (o Fundo).

É preciso que se entenda que essas empresas, ao contratarem com o Ban-co operações bancárias e aceitarem as tais “operações casadas”, ou contrapar-tidas, ou qualquer outro nome que se queira dar, admitiram correr o risco daí inerente, certamente atraídas pelas vantagens que lhes eram concedidas, i.e., taxas de juros irreais vis-à-vis o mercado, disponibilização de créditos despro-porcionais ao seu patrimônio líquido, etc.

Os quotistas, por outro lado, quando de suas assembleias gerais, avalia-vam o risco da Carteira dos Fundos em função da capacidade de pagar de cada um dos devedores, emitentes das CCBs.

É inteiramente irrelevante o fato de o administrador dos Fundos ter sido o Banco Santos S/A, uma vez que os Fundos se limitavam a pagar as CCBs emi-tidas por essas empresas utilizando os recursos aportados por seus quotistas e recebendo em contrapartida os títulos. Por mais paradoxal que possa parecer, nesta situação específica, o Banco Santos teria agido de conformidade com as instruções dos cotistas que pretendiam que seus investimentos fossem carreados para a aquisição de CCBs emitidas por empresas sólidas com plena capacidade para saldar seus compromissos.

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Assim, as operações bancárias realizadas entre o Banco e as empresas devedoras nenhuma correlação tinham com os investimentos feitos, a latere, das empresas com o Banco para a aquisição de outros ativos financeiros.

Enquanto o Banco Santos S/A aparentou a solidez que parte de sua clien-tela acreditava ser infinita, fazendo até mesmo com que o seu controlador fosse eleito em 2004 o “Banqueiro do Ano”, e considerado o mecenas das artes plás-ticas, nenhuma objeção foi feita às exigências a que as empresas devedoras, passiva e resignadamente se submetiam. Com a quebra do Banco, pretendem empurrar a conta para os quotistas dos Fundos, muitos dos quais pequenos in-vestidores, que simplesmente pagaram pelos títulos emitidos.

É hora de se proclamar e de se reconhecer a seriedade com que o go-verno, por meio da CVM, aperfeiçoou, a partir da vigência da Instrução nº 409/2004, hoje modificada pela Instrução nº 555, a fiscalização dos Fundos de Investimentos, exigindo não só um total disclosure de suas operações, mas sobretudo uma absoluta transparência de sua escrita contábil, permanentemen-te auditada, com o objetivo primordial de proteger o investidor contra qualquer tipo de manobra que, em seu prejuízo, venha a ser aplicada por terceiros em geral, sejam eles os seus administradores, gestores ou quaisquer terceiros com quem o Fundo venha a se relacionar.

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Parte Geral – Doutrina

A Ilegalidade da Exigência de Pintura Nova na Devolução do Imóvel em Contratos de Locação

MARCO A. n. PASSOSAdvogado em São Paulo, Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito, Especializado na área imobiliária, atuante nas esferas consultiva e contenciosa.

A exigência por parte do proprietário de que o inquilino deve devolver o imóvel, ao final da locação, com pintura nova, é abusiva e ilegal, pois contraria a disposição do art. 23, III, da Lei nº 8.245/1991.

A norma jurídica é cogente. Há que se cumpri-la. A liberdade em contra-tar encontra limite na forma definida ou não defesa em lei.

Ocorre, em algumas situações, que a própria norma permite que se dis-ponha contrariamente à letra da lei, ou seja, quando o legislador entende que as partes podem dispor de forma diversa ao que a norma determina.

Exemplos na Lei do Inquilinato em que a Lei permite disposição contra-tual contrária à norma:

Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias neces-sárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.

[...]

Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da lo-cação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei.

Art. 22. [...]

[...]

VIII – pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;

[...].

No caso em questão, ou seja, com relação à discussão da legalidade em exigir que a parte locatária devolva o imóvel com pintura nova, não há na legis-lação permissão para disposição contratual em contrário.

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Segue jurisprudência no sentido da ilegalidade dessa exigência:

Ementa: Locação de imóveis. Indenização. Danos e lucros cessantes constatados após devolução do imóvel. Procedência. Inexistência de obrigação de restituir o imóvel pintado de novo. Verbas para pintura e para os reparos decorrentes do desgaste natural do imóvel indevidas. Obrigação legal de restituir o bem no estado em que foi recebido. Art. 23, III, da Lei nº 8.245/1991. Locatário que deve arcar com reparos que não decorrem do desgaste natural do uso. Responsabi-lidade, ainda, por lucros cessantes, correspondentes ao valor do aluguel pelo prazo necessário à recomposição do imóvel no estado original. Recurso parcial-mente provido. (0167373-38.2009.8.26.0100, Rel. Cesar Lacerda, São Paulo, 28ª Câmara de Direito Privado, J. 12.05.2015, Data de Registro 14.05.2015)

11009184 – LOCAÇÃO RESIDENCIAL – ENTREGA DAS CHAVES – LOCAÇÃO RESIDENCIAL – REPARAÇÕES – PINTURA – ENTREGA DAS CHAVES – A obri-gação de pintar o apartamento quando da entrega do imóvel no término da loca-ção é uma exigência abusiva, pois contraria o texto expresso da lei inquilinária, a qual, no seu art. 23, apenas obriga o locatário a reparar os estragos a que deu causa, desde que não provenham de seu uso normal. O contrato não pode con-trariar a lei, estabelecendo regras que afastem o que ela, expressamente, dispõe. (TACRJ, AC 12096/91 (Reg. 952-3) Cód. 91.001.12096, 6ª C., Rel. Juiz Nilson de Castro Dião, J. 18.02.1991) (Ementa 34423) (Grifei)

Contudo, há divergência jurisprudencial quanto à legalidade ou abusivi-dade da exigência do locatário em devolver o imóvel com pintura nova, tendo sido inserida cláusula contratual a exigindo.

Assim, decidiu a 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos de Apelação nº 0020110-57.2009.8.26.0405, da Comarca de Osasco (Registro: 2013.0000068832), conforme segue trecho:

[...] De qualquer sorte e ainda porque o locador responde com exclusividade pelo desgaste resultante do uso normal do imóvel, em face de preceito de nature-za cogente, nula de pleno direito (Lei nº 8.245/1991, art. 45) é cláusula contratual que imponha ao inquilino a obrigação de restituir o bem com pintura nova.

Nessa linha, também:

TJSP, Apelação APL nº 91072814720098260000/SP 9107281-47.2009.8.26.0000 (TJ-SP) de 05/09/2013, bem como os julgados do extinto Segundo Tribunal de Al-çada Civil de São Paulo, hoje Seção de Direito Privado, Seção de Direito Privado Apelação nº 0020110-57.2009.8.26.0405 29ª Câmara Apelação nº 0020110-57.2009.8.26.0405 9 do Tribunal de Justiça: “É abusiva, por ofensiva aos prin-cípios que regem a locação residencial urbana, cláusula contratual que prevê a obrigação do locatário de pintar o imóvel, qualquer que seja seu estado, antes de devolvê-lo”.

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TJSP, Apelação APL nº 91072814720098260000 SP 9107281-47.2009.8.26.0000 (TJSP). Data de publicação: 05.09.2013. Ementa: “Locação de bem imóvel – É nula cláusula contratual que impõe ao inquilino a obrigação de restituir o bem com pintura nova, se não há prova de que assim o tenha recebido – Recurso não provido.”

Ementa: Locação de Imóveis Monitória. Alugueres. Contrato escrito. Título exe-cutivo. Cabimento da ação monitória, que permite a discussão sobre a origem da dívida. O locador responde com exclusividade pelo desgaste resultante do uso normal do imóvel, em face de preceito de natureza cogente, sendo nula cláusula contratual que impõe ao inquilino a obrigação de restituir o bem com pintura nova (Lei nº 8.245/1991, art. 45), a não ser que haja prova de que assim o tenha recebido. Multa devida em montante proporcional ao tempo que faltava para completar o período da locação ajustada entre as partes. A renúncia ao benefício de ordem propicia ao credor o direito de exigir a dívida de qualquer dos devedores, fiador ou afiançado. Acessórios, os encargos, entre eles o IPTU, exigem-se com o aluguel, a obrigação principal. Apelo parcialmente provido. (TJSP, Apelação nº 00096354120018260302/SP, 0009635-41.2001.8.26.0302, Public. 07.02.2013)

Ementa: Locação de Imóvel. Cobrança. Exoneração de fiança em função da pror-rogação do contrato por prazo indeterminado. Inocorrência. Cláusulas contratu-ais que prevêem a responsabilidade dos fiadores até a efetiva entrega das chaves. Desnecessidade de expressa anuência dos garantes à prorrogação automática, mesmo porque não houve aditamento contratual ou agravamento da garantia. Fiadores que não pleitearam a exoneração da fiança depois de vencida a lo-cação por prazo determinado, como lhes era lídimo fazê-la. Responsabilidade solidária que subsiste para o período de prorrogação por prazo indeterminado até a entrega das chaves. Locação de imóvel. Pintura. Exigência. Impossibilidade face ao disposto no art. 45 da Lei nº 8.245/1991. Ausência de provas quanto ao mau uso do imóvel dado em locação. Responsabilidade não incluída entre as obrigações do locatário (arts. 22 e 23, inciso III da Lei do Inquilinato), obriga-ção se satisfaz com a devolução do imóvel no estado que o inquilino recebeu, ressalvada as deteriorações decorrentes do uso regular da locação, assim imper-tinente a exigência de pintura nova. Recurso provido em parte. (TJSP, Apelação nº 9179339822008826/SP, 9179339-82.2008.8.26.0000, Public. 20.10.2011)

Em sentido contrário:

Apelação. Locação. Ação de cobrança. Contestação intempestiva. Revelia con-figurada. A previsão contratual que determina a devolução do imóvel, pelo lo-catário, no estado em que foi recebido, inclusive com pintura nova, não pode ser acoimada de ilegal, posto que amparada pelo dispositivo contido no art. 23, inc. III, da Lei nº 8.245/1991. Sucumbência integral dos requeridos. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP, APL 00017502820128260451/SP, 0001750-28.2012.8.26.0451, Rel. Neto Barbosa Ferreira, 29ª Câmara de Direito Privado, Public. 05.08.2015, J. 05.08.2015)

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Assim, ao final da locação, conforme dispõe o art. 23, III, da Lei nº 8.245/1991, a parte locatária deverá devolver o imóvel no mesmo estado em que o recebeu, salvo pelas deteriorações normais de seu uso comum. O que se deve cobrar é o estado da pintura e não a sua idade.

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Parte Geral – Doutrina

Aluguel Acima do Valor de Mercado Pode Ser Reajustado!

AnDRé MAnSuR BRAnDãOAdvogado da André Mansur Advogados Associados (Minas Gerais), Administrador de Em-presas, Escritor.

CAROLInA PALMARedatora, Cronista, Designer Gráfico e Social Mídia.

Milhares de pessoas em todo o Brasil, comerciantes ou não, moram ou trabalham em imóveis. Os motivos que levam uma pessoa a alugar um imóvel são vários e vão desde a falta de recursos financeiros para comprar o bem, até a falta de crédito para a obtenção de financiamento imobiliário.

Em alguns casos, o ponto comercial é adequado para determinado negó-cio, mas o proprietário não tem interesse em vender o imóvel, o que obriga o interessado, por razões comerciais, a somente alugá-lo.

Os contratos de locação, pelo menos em sua grande maioria, refletem uma realidade mercadológica quando são celebrados. Assim, quando um imó-vel é alugado, as partes chegam a um acordo quanto ao valor da locação.

Ocorre que, com passar do tempo, essa realidade pode vir a mudar, afe-tando diretamente a capacidade econômica das partes. Tanto pode haver um “aquecimento” do mercado, com a diminuição da oferta e aumento dos preços das locações, como também o “arrefecimento” do mercado, com a queda dos preços.

Ou seja, contratos que antes traduziam uma realidade tornam-se obso-letos e inadequados. Em momentos de crise econômica, por exemplo, o preço dos aluguéis tende a diminuir, pois a oferta de imóveis para locação aumenta e também o poder aquisitivo do locatário, tornando inviável a locação nos mol-des originalmente acordados.

Situações como estas levam as partes contratantes (locador e locatário) a repactuar os termos do contrato, adequando à realidade do mercado, tudo isso com o objetivo de preservar o mesmo. Locatário e locador saem ganhando, aquele porque obtém uma redução no preço da locação, este, porque mantém o imóvel locado. Pode haver também, como relatado, um aquecimento do mer-cado, e os papéis se inverterem.

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Entretanto, nem sempre as partes contratantes estão dispostas a negociar e modificar aquilo que foi negociado originalmente. Para esses casos, ou seja, não havendo acordo entre ambas, existe a ação de revisão de aluguel, prevista na Lei no Inquilinato (Lei nº 8.245/1991). Assim, desde que o imóvel esteja locado há mais de 3 anos e o valor do aluguel não corresponda ao valor de mercado, poderá o locador ou o locatário ajuizar uma ação judicial de revisão, visando aos ajustes deste ao valor de mercado.

Portanto, para que as partes se valham da ação, é necessário que o valor do aluguel esteja desproporcional, fora da realidade do mercado. Encontrando--se, assim, abaixo ou acima, bem como que o contrato de locação ou o último reajuste tenha ocorrido há pelo menos, três anos.

Assim, se você é parte em um contrato de locação e o valor do aluguel não corresponde ao valor de mercado e a parte contrária não queira repactuar o valor, procure a ajuda profissional de um advogado para entender melhor seus direitos e tomar as medidas necessárias para sua busca.

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Parte Geral – Doutrina

Aluguel e Arrendamento de Imóveis: Pessoa Física ou Jurídica? Labirinto Tributário Leva Empresários e Proprietários a Equívocos

RICARDO PAz gOnçALvESBacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS, Advogado inscrito na OAB-RS sob nº 75.209, Extensão em Gestão Tributária Empresarial pela Feevale, Consultor externo do Sebrae-RS nas áreas de Políticas Públicas e Desenvolvimento de Metodologias, Membro ativo da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT).

A difusão do uso de pessoas jurídicas para fins de abrigar bens imóveis com finalidades ligadas ao planejamento tributário, patrimonial e sucessório, por meio das chamadas holdings patrimoniais, enseja frequentes questionamen-tos e equívocos no meio empresarial e no meio rural. Não raro em nossas ati-vidades profissionais nos deparamos com empresários e produtores rurais que ostentam preconceitos e paradigmas quanto ao tema, cuja manutenção os im-pede de gerir e planejar seus negócios e patrimônio da maneira mais adequada. Por tal razão, decidimos dedicar neste breve artigo algumas linhas gerais sobre o tema.

Para nós parece importante trazer à luz o fato de que, como regra geral, não incide nenhum imposto municipal, estadual ou federal sobre a transmissão de bens imóveis do patrimônio de uma pessoa física para o de uma pessoa jurídica ou vice-versa, nas hipóteses em que essa transferência ocorra a título de integralização de capital ou por ocasião da extinção ou transformação da empresa. A Constituição Federal destina a estes tipos de operações uma imuni-dade que as salvaguarda da incidência do imposto de transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, ou ITBI como é vulgarmente conhecido, e cuja competência para exigir é municipal. Esta imunidade tem o nítido viés de estimular a criação de pessoas jurídicas, fomentando a atividade econômica e o empreendedorismo.

Mas, como toda regra, a imunidade comporta exceções. Na hipótese de a pessoa jurídica em cujo capital é integralizado o imóvel ter como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imó-veis ou arrendamento mercantil, o imposto é devido, pois está fora do alcance da imunidade.

Importante frisar que isso não significa dizer que o imposto incidirá se a pessoa jurídica locar, comprar ou vender imóveis. Também não significa di-zer que o imposto incidirá caso a pessoa jurídica tenha em seu objeto social qualquer uma destas atividades. Com efeito, a exceção à imunidade não veda

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o exercício destas atividades, o que é vedado é que ela constitua atividade pre-ponderante da empresa.

A lei, para estes casos, conceitua como atividade preponderante aquela que representa mais de 50% das receitas operacionais da pessoa jurídica. Esse detalhe na legislação é importante porque, com alguma criatividade, possibilita que um ou mais imóveis sejam integralizados a uma pessoa jurídica com o fim específico de locação ou compra e venda, desde que essas receitas não sejam superiores a 50% da receita total da empresa, mormente considerando que o período de apuração desta preponderância será de 3 a 4 anos, dependendo da circunstância.

Assim, jogando com o tempo ou com as atividades operacionais de modo a evitar ou postergar o ITBI, torna-se insustentável hoje que uma pessoa física que receba valores razoáveis a título de aluguéis ou arrendamento não constitua uma pessoa jurídica para tributar tais receitas. A diferença de custo tributário com o Imposto de Renda pode chegar a até 16,17% ao mês, ou uma economia de até R$ 1.940,40 reais ao ano para cada R$ 1.000,00 reais de alu-guéis recebidos ao mês.

Estes números mostram que, ainda que haja a incidência do ITBI sobre a transmissão, cuja alíquota normalmente é de cerca de 3%, considerando que o seu adimplemento ficará postergado para três anos contados da constituição da empresa, ainda assim justifica-se financeiramente a constituição da pessoa jurídica, dependendo do valor mensal dos aluguéis e do valor dos imóveis, uma vez que a economia de Imposto de Renda poderá cobrir com sobras os custos com o imposto de transmissão.

O tema aqui tratado retrata um planejamento tributário extremamente simples, seguro e de alta performance de resultados. Mas cumpre advertir que uma série de cuidados deve ser tomada no sentido de evitar ou postergar a inci-dência do ITBI e mesmo do Imposto de Renda sobre o ganho de capital. Prefei-turas e a Receita Federal “escondem”, em suas respectivas legislações, nuances interpretativas que podem fazer o tiro sair pela culatra.

O aspecto societário que envolve questões contratuais e legislativas em torno do controle e gestão do patrimônio também deve ser visto com muito cuidado. Regimes de casamento e questões sucessórias também têm influência sobre o tema aqui tratado, razão pela qual, antes de qualquer atitude, recomen-da-se sempre um olhar sistêmico e aprofundado.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2595

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.533.598 – PR (2015/0118835‑0)Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: Jose de Jesus LuisRecorrente: Maria Amelia Alves Henriques de Jesus LuisAdvogados: Amauri Carlos Erzinger – PR009687

Roberto Wypych Junior – PR009134 Alexandre Vettorello – PR026206 Marcelo Augusto Sella – PR038404 Rafael Leite Ferreira Cabral – PR061339 Antonio Rangel dos Reis – PR040868

Recorrido: Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaInteres.: Estado do Paraná

ementa

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – FAIXA DE FRONTEIRA – TRANSFERÊNCIA A NON DOMINO – DESAPROPRIAÇÃO – BEM PERTENCENTE à UNIÃO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 INEXISTENTE – COISA JULGADA – PRESCRIÇÃO NÃO INCIDENTE – INEXISTÊNCIA DE PROCEDIMENTO DE RATIFICAÇÃO

1. Não houve ofensa ao art. 535 do CPC/1973, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de pres-tação jurisdicional.

2. Segundo a compreensão do STJ, a análise da conclusão do acór-dão regional, que não constatou ofensa à coisa julgada, em atenção ao substrato fático e probatório dos autos, encontra óbice na Súmula nº 7/STJ.

3. O acórdão recorrido, ao afirmar que não há prescrição para os bens públicos porque, nos termos do art. 183, § 3º, da Constituição, ações dessa natureza teriam caráter imprescritível e não seriam sujeitas ao usucapião, decidiu em consonância com o entendimento do STJ.

4. Os arts. 2º e 7º do DL 1.942/1982, indicados como violados, con-tudo, não autorizam o entendimento de que a ratificação do título de propriedade pelo Incra é automática. O máximo que a legislação

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indicada pelos recorrentes prevê é ratificação de ofício, porém obser-vados os trâmites administrativos próprios. Por outro lado, o Tribunal a quo pontuou que não houve pedido administrativo formulado pelos requerentes para a ratificação de seu título. Assim, afasta-se a vio-lação do art. 333, I, do CPC/1973, porquanto rever a conclusão do Regional esbarra no óbice da Súmula nº 7/STJ.

5. Recurso Especial não provido.

aCórdãO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justi-ça: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presidente) e Francisco Falcão vota-ram com o Sr. Ministro Relator.”

Brasília, 15 de dezembro de 2016 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

CertidãO de julgamentO segunda turma

Número Registro: 2015/0118835-0

Processo Eletrônico REsp 1.533.598/PR

Números Origem: 450051587920134047005 50051933920134047005 9960121062 PR-50051933920134047005 PR-9960121062 TRF4-50051587920134047005

Pauta: 13.12.2016 Julgado: 13.12.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Sandra Verônica Cureau

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

autuaçãO

Recorrente: Jose de Jesus Luis

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Recorrente: Maria Amelia Alves Henriques de Jesus Luis

Advogados: Amauri Carlos Erzinger – PR009687 Roberto Wypych Junior – PR009134 Alexandre Vettorello – PR026206 Marcelo Augusto Sella – PR038404 Rafael Leite Ferreira Cabral – PR061339 Antonio Rangel dos Reis – PR040868

Recorrido: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

Interes.: Estado do Paraná

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Inter-venção do estado na propriedade – Desapropriação por interesse social para reforma agrária

CertidãO

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

relatóriO

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim ementado:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE – TÍTULO DOMI-NIAL – IMÓVEL INSERIDO NA FAIXA DE FRONTEIRA – IMÓVEL “GONÇALVES DIAS” – LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO PARANÁ – LEGITIMIDADE ATIVA DO INCRA – ALIENAÇÃO A NON DOMINO PELO ESTADO DO PARA-NÁ – INVALIDADE – PROPRIEDADE DA UNIÃO – INEXISTÊNCIA DE PROCE-DIMENTO DE RATIFICAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

1. O Estado do Paraná é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que o que se busca é a declaração de nulidade dos títulos por ele outor-gados a non domino. Desta feita, é certo que o resultado da demanda irá repercu-tir no seu interesse jurídico. Ademais, tal legitimidade decorre de determinação expressa contida no § 3º da Lei nº 9.871/1999.

2. A legitimidade ativa do Incra se fundamenta na sua atribuição de administrar os bens imóveis rurais da União, assim como promover a propositura das com-petentes demandas cujo objetivo seja retomar terras federais que tenham sido ocupadas e registradas de forma irregular.

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3. A alienação efetuada pelo Estado do Paraná é inválida porque se trata de terras devolutas situadas dentro dos 66 km da faixa de fronteira, portanto de domínio da União.

4. A mera possibilidade abstrata de ratificação dos títulos conferidos pelo Estado do Paraná não sana, automaticamente, o vício de nulidade do título.

5. Uma vez que a discussão nos autos se dá somente em razão de ato praticado pelo Estado do Paraná (nulidade do título de outorga da propriedade), não se pode imputar ao dono do imóvel em contenda o pagamento de verbas hono-rárias.

Embargos de Declaração parcialmente providos, apenas para fins de pre-questionamento (fls. 4500-4505, e-STJ).

Os recorrentes sustentam ter ocorrido violação dos arts. 267, VI, 333, I, 467 e 535, II, do CPC/1973; 14 do DL 554/1969; 1º do Decreto nº 20.910/1932 e 2º e 7º do DL 142/1982. Aduzem, em síntese:

Admitir, nos termos do acórdão recorrido, o pedido do Incra ter-se-á que declarar um sequência interminável de nulidades, desde a sentença administrativa do Es-tado que aponta como sua a gleba alienada ao particular, o Decreto presidencial, a sentença transitada em julgado que determinou a aquisição originária da pro-priedade pelo Incra, a sentença final proferida na Desapropriação e o Acórdão, transitado em julgado, que a confirmou. Enfim, todos os atos praticados, desde a sentença administrativa do Estado, passando pelo o Decreto expropriatório até a imissão de posse do Incra estão baseados no título agora declarado nulo.

Na verdade, com a desapropriação, que proporcionou a aquisição originária da propriedade pelo Incra, houve a desafetação do título, ou seja, ele saiu do mundo jurídico, deixou de produzir efeitos, pelo que não ser anulado.

Assim, a sentença liminar da expropriatória concretizou a aquisição originária da propriedade ao Incra, sendo, portanto, impossível por expressa disposição legal (art. 14, Decreto-Lei nº 554/1969 e art. 21, da LC 76/1993), a formulação do pedido reivindicatório vinculada à propriedade do bem desapropriado que é o fundamento do pedido do Incra e do acórdão recorrido. (fl. 4533, e-STJ)

Contrarrazões às fls. 4560-4576, e-STJ.

É o relatório.

vOtO

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos foram recebi-dos neste Gabinete em 24.10.2016.

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Inicialmente, quanto ao art. 535 do CPC/1973, verifica-se que não houve ofensa ao mencionado dispositivo legal, na medida em que o Tribunal de ori-gem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apre-ciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

No acórdão regional ficou consignado:

Inicialmente, não merece prosperar a alegação de prescrição ou decadência ma-nifestada pela recorrente, uma vez que se está diante de bem público, a despeito do qual não há falar em prescrição, dada a sua característica de imprescritibili-dade. A impossibilidade de ocorrência de prescrição aquisitiva em casos como este encontra respaldo no art. 183, § 3º, e no parágrafo único do art. 191, ambos da Constituição Federal.

[...]

Em que pese a sentença de mérito procedente na Ação de Desapropriação nº 94.60.10272-7 intentada pelo Incra em face das referidas partes rés ter sido julgada procedente e fixado valor de indenização a ser pago aos expropriados (muito embora atualmente, em fase de execução de sentença, esteja sobrestada aguardando a decisão sobre o domínio das terras), certo é que possuíam título nulo (não ratificado antes da desapropriação), não sendo os verdadeiros titulares do domínio da área desapropriada, sem que tenham direito, portanto, à indeni-zação.

[...]

Observa-se, no entanto, conforme esclarece o Incra em suas contrarrazões, que a ratificação deveria ser precedida de procedimento administrativo, cabendo ao Presidente da entidade a ratificação (Decreto-Lei nº 1.414/1975), do que se con-clui que a ratificação não é automática e a convalidação não se deu ex lege. (fls. 4471-4473, e-STJ)

Não há falar, portanto, em existência de omissão apenas pelo fato de o julgado recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte.

O Tribunal Regional afastou a coisa julgada sob os seguintes termos:

Por fim, os expropriados alegam a existência de coisa julgada em relação à Ação de Desapropriação nº 94.60.10272-7 (atualmente sobrestada “aguardando o des-linde dos autos de nºs 96.601.0176-7 e 99.601.2106-2, nos quais se discute o domínio das terras rurais situadas em faixa de fronteira”). Não assiste razão a eles, no entanto. Conforme demonstrado no decisum a quo, a discussão judicial nas ações expropriatórias está limitada à fixação do montante da indenização, ao passo que na presente demanda se discute a validade do título que lhes foi outorgado pelo Estado do Paraná. (fl. 4471, e-STJ)

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Segundo a compreensão do STJ, a análise da conclusão do acórdão, que não constatou ofensa à coisa julgada, em atenção ao substrato fático e probató-rio dos autos, encontra óbice na Súmula nº 7/STJ.

No tocante à prescrição, o Tribunal de origem decidiu:

Inicialmente, não merece prosperar a alegação de prescrição ou decadência ma-nifestada pela recorrente, uma vez que se está diante de bem público, a despeito do qual não há falar em prescrição, dada a sua característica de imprescritibili-dade.

A impossibilidade de ocorrência de prescrição aquisitiva em casos como este encontra respaldo no art. 183, § 3º, e no parágrafo único do art. 191, ambos da Constituição Federal, in verbis:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cin-qüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

[...] § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, pos-sua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a proprie-dade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (fl. 4472, e-STJ)

Com efeito, o acórdão recorrido, ao afirmar que não há prescrição para os bens públicos porque, nos termos do art. 183, § 3º, da Constituição, ações dessa natureza teriam caráter imprescritível e não seriam sujeitas ao usucapião, decidiu em consonância com o entendimento do STJ. Confira-se:

CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – FAIXA DE FRONTEIRA – TRANSFERÊNCIA A NON DOMINO – DESAPROPRIAÇÃO – BEM PERTENCENTE À UNIÃO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 INEXISTENTE – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ADE-QUAÇÃO DA VIA E COMPETÊNCIA CONFIRMADAS – PRESCRIÇÃO NÃO IN-CIDENTE – COISA JULGADA COM EFICÁCIA PRECLUSIVA – INAPLICABILIDA-DE – ANULAÇÃO DO REGISTRO E RESTITUIÇÃO DE VALORES – RECURSOS NÃO PROVIDOS

1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público con-tra o Incra, o Estado de Santa Catarina e dos particulares. Narra que o Incra propôs em 1976 Ação de Desapropriação de imóvel localizado em faixa de fron-teira, transitada em julgada.

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2. O parquet alega nulidade dos registros imobiliários em razão dos imóveis serem, desde sempre, de propriedade da União (áreas devolutas em faixa de fronteira). A sentença acolheu a pretensão in totum. O acórdão recorrido deu provimento parcial apenas ao apelo de André Luiz Arantes Scheidt para excluir da condenação os valores levantados a título de honorários sucumbenciais.

[...]

6. Não há prescrição para os bens públicos. Nos termos do art. 183, § 3º, da Constituição, ações dessa natureza têm caráter imprescritível e não estão sujeitas a usucapião (Súmula nº 340/STF, art. 200 do DL 9.760/1946 e art. 2º do CC). Construção feita também com base na imprescritibilidade de atos nulos, de ações destinadas ao ressarcimento do Erário e de ações de declaração de inexistência de relação jurídica – querela nullitatis insanabilis. Precedentes do STJ.

7. “As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Esta-dos, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante em relação aos possuidores” (Súmula nº 477/STF). Tal posição, somada à impossibilidade de usucapir bem público, serve de norte a legitimar a pretensão do recorrido, porque autorizado o debate na Ação Civil Pública sobre a titularidade de bens que sempre pertenceram à União, antes e depois de 1946.

8. O acórdão abordou explicitamente a questão sob o enfoque das ratificações realizadas pelos Estados da Federação, desde que antecedessem requerimento submetido a juízo específico dos órgãos competentes. Porém, tal pedido não foi constatado pelo acórdão ou mencionado no Recurso Especial. Revisitar essa premissa esbarra na Súmula nº 7/STJ.

9. Recursos Especiais não providos. (REsp 1.227.965/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 15.06.2011)

Por fim, os recorrentes alegam que cabe ao Incra demonstrar que eles não preenchiam os requisitos legais autorizadores de ratificação do título de propriedade.

Alegam:

“[...] tendo o Incra ajuizado a ação declaratória e sustentado a impossibilidade de retitulação do título de propriedade, a ele incumbia o ônus (art. 333, I, do CPC) de comprovar a alegada, na inicial, impossibilidade de ratificação do títu-lo de propriedade que pudesse amparar sua pretensão de não cumprimento da sentença transitada em julgado que determinou o pagamento da indenização ao desapropriado” (fl. 4538,e-STJ).

Aduzem ainda que a translação do domínio ocorreu automaticamente, ex lege.

A irresignação, no entanto, não prospera.

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Os arts. 2º e 7º do DL 1.942/1982, indicados como violados, contudo, não autorizam o entendimento de que a ratificação do título de propriedade pelo Incra é automática. O máximo que a legislação indicada pelos recorren-tes prevê é ratificação de ofício, porém observados os trâmites administrativos próprios.

Por outro lado, o Tribunal a quo pontuou que não houve pedido adminis-trativo formulado pelos recorrentes para a ratificação de seu título.

Assim, afasta-se a violação do art. 333, I, do CPC/1973, porquanto rever a conclusão do Regional esbarra no óbice da Súmula nº 7/STJ.

Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Especial.

É como voto.

CertidãO de julgamentO segunda turma

Número Registro: 2015/0118835-0 REsp 1.533.598/PR

Números Origem: 450051587920134047005 50051933920134047005 9960121062 PR-50051933920134047005 PR-9960121062 TRF4-50051587920134047005

Pauta: 13.12.2016 Julgado: 15.12.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Sandra Verônica Cureau

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

autuaçãO

Recorrente: Jose de Jesus Luis

Recorrente: Maria Amelia Alves Henriques de Jesus Luis

Advogados: Amauri Carlos Erzinger – PR009687 Roberto Wypych Junior – PR009134 Alexandre Vettorello – PR026206 Marcelo Augusto Sella – PR038404 Rafael Leite Ferreira Cabral – PR061339 Antonio Rangel dos Reis – PR040868

Recorrido: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

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Interes.: Estado do Paraná

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Inter-venção do estado na propriedade – Desapropriação por interesse social para reforma agrária

CertidãO

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presidente) e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaAgInt no Recurso Especial nº 1.377.310 – PB (2013/0095253‑6)Relator: Ministro Luis Felipe SalomãoAgravante: Caixa Seguradora S/AAdvogado: Eduardo José de Souza Lima Fornellos – PE028240Agravado: Caixa Econômica FederalAdvogado: Vitor Yuri Antunes Maciel e outro(s) – PE022411Agravado: Avanete Maria Tavares de Brito SilvaAdvogados: Nadir Leopoldo Valengo – PB004423

Damásio Barbosa da Franca Neto – PB011707Interes.: Enarq Engenharia e Arquitetura Ltda.Advogado: Itamar Gouveia da Silva e outro(s) – PB010437Interes.: Jose Arimateia Rufino de AraujoInteres.: Suelene Franca Rufino de Araujo

ementa

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – MÚTUO HABITACIONAL – SEGURO – COMPETÊNCIA INTERNA RELATIVA PARA O JULGAMENTO DA CAUSA – LEGITIMIDADE PASSIVA – AUSÊNCIA DE SOLIDARIEDADE ENTRE A CEF E A SEGURADORA – INEXISTÊNCIA DE COBERTURA, NA APÓLICE, DOS VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO, E CONDENAÇÃO EM ALUGUÉIS – SÚMULAS NºS 5 E 7 DO STJ – LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO EM CONTRATO DE GAVETA – SÚMULA Nº 83 DO STJ

1. A competência interna desta Corte é de natureza relativa, razão pela qual a prevenção ou a prorrogação apontada como indevida deve ser suscitada até o início do julgamento, sob pena de preclusão, nos termos do art. 71, § 4º, do RISTJ.

2. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que a seguradora tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação que cinge contrato de seguro habitacional, regido pelas regras do Sistema Financeiro de Habitação.

3. A Caixa Econômica Federal, nas hipóteses em que atua como agente financeiro em sentido estrito, não ostenta legitimidade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra fi-nanciada, não sendo possível o reconhecimento da responsabilidade solidária com a seguradora.

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4. A Corte de origem apreciou a matéria concernente à existência de cobertura, na apólice, dos vícios de construção, e à condenação em aluguéis com fulcro no instrumento contratual firmado entre as partes e nos elementos fático-probatórios constantes nos autos. Incidência das Súmulas nºs 5 e 7/STJ.

5. “Tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garan-tido pelo FCVS, avençado até 25.10.1996 e transferido sem a inter-veniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos” (REsp 1.150.429/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, Julgado em 25.04.2013, DJe 10.05.2013).

6. O instrumento de cessão de direitos foi firmado em 15.05.1992, antes, portanto, de 25.10.1996, reconhecendo-se, em consequência, a legitimidade ativa na hipótese vertente. Incidência do Verbete Su-mular de nº 83/STJ.

7. Agravo interno não provido.

aCórdãO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira.

Brasília (DF), 16 de fevereiro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

relatóriO

O Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. Cuida-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial interposto pela Caixa Econômica Federal, e negou provimento ao recurso especial interposto pela Caixa Seguradora S.A., em razão dos seguintes fundamentos: a) ausência de violação ao art. 535 do CPC; b)

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a apreciação dos motivos que ensejaram o deferimento do pedido de tutela ante-cipada, bem como a ocorrência do perigo de dano inverso, esbarra no óbice da Súmula nº 7/STJ; c) não houve o prequestionamento da tese acerca do interesse da CEF na causa, em virtude da utilização do FCVS, incidindo, pois, as Súmulas nºs 282 e 356 do STF; d) a seguradora possui legitimidade para figurar no polo passivo de ação que cinge contrato de seguro habitacional, regido pelas regras do Sistema Financeiro de Habitação; e) não seria possível revolver as matérias concernentes à existência de cobertura, na apólice, dos vícios de construção, e de improcedência na condenação em aluguéis sem incidir nos óbices das Súmulas nºs 5 e 7/STJ; f) o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em ju-ízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos, quan-do a transferência do imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25.10.1996, ocorreu sem a interveniência da instituição financeira.

Em suas razões recursais, a ora agravante sustenta, em síntese: a) prelimi-narmente, a competência da 1ª Seção do STJ para apreciar a matéria referente ao comprometimento do FCVS; b) por tratar-se de apólice pública – ramo 66 – a Seguradora não pode desistir dos recursos até que sejam esgotadas todas as instâncias recursais, devendo a matéria ser apreciada pelo colegiado; c) A CEF deve ser condenada por litigância de má-fé, por contrariar orientação do TCU e de toda a legislação vigente, no sentido de que é a responsável pela administração do FCVS; d) é incompetente a justiça estadual para analisar as apólices vinculadas ao SFH, nos moldes da Lei nº 13.000/2014, devendo ser reconhecido o interesse jurídico da CEF e da União, sob pena de nulidade; e) a seguradora é parte ilegítima para constar no polo passivo da presente demanda; f) ocorreu cerceamento de defesa, por ausência de fundamentação do tribunal local, quanto às matérias delineadas na demanda.

Requer, ao final, a reconsideração ou a reforma da decisão pela Turma Julgadora.

É o relatório.

ementa

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – MÚTUO HABITACIONAL – SEGURO – COMPETÊNCIA INTERNA RELATIVA PARA O JULGAMENTO DA CAUSA – LEGITIMIDADE PASSIVA – AUSÊNCIA DE SOLIDARIEDADE ENTRE A CEF E A SEGURADORA – INEXISTÊNCIA DE COBERTURA, NA APÓLICE, DOS VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO, E CONDENAÇÃO EM ALUGUÉIS – SÚMULAS NºS 5 E 7 DO STJ – LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO EM CONTRATO DE GAVETA – SÚMULA Nº 83 DO STJ

1. A competência interna desta Corte é de natureza relativa, razão pela qual a prevenção ou a prorrogação apontada como indevida

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deve ser suscitada até o início do julgamento, sob pena de preclusão, nos termos do art. 71, § 4º, do RISTJ.

2. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que a seguradora tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação que cinge contrato de seguro habitacional, regido pelas regras do Sistema Financeiro de Habitação.

3. A Caixa Econômica Federal, nas hipóteses em que atua como agente financeiro em sentido estrito, não ostenta legitimidade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra fi-nanciada, não sendo possível o reconhecimento da responsabilidade solidária com a seguradora.

4. A Corte de origem apreciou a matéria concernente à existência de cobertura, na apólice, dos vícios de construção, e à condenação em aluguéis com fulcro no instrumento contratual firmado entre as partes e nos elementos fático-probatórios constantes nos autos. Incidência das Súmulas nºs 5 e 7/STJ.

5. “Tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garan-tido pelo FCVS, avençado até 25.10.1996 e transferido sem a inter-veniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos” (REsp 1.150.429/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, Julgado em 25.04.2013, DJe 10.05.2013).

6. O instrumento de cessão de direitos foi firmado em 15.05.1992, antes, portanto, de 25.10.1996, reconhecendo-se, em consequência, a legitimidade ativa na hipótese vertente. Incidência do Verbete Su-mular de nº 83/STJ.

7. Agravo interno não provido.

vOtO

O Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

2. O recurso não merece acolhida.

Cabe examinar, no presente agravo interno, tão somente a parte impug-nada na decisão recorrida, permanecendo incólumes os fundamentos não refu-tados pela agravante.

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Inicialmente, faz-se mister assinalar que a pretensão da agravante pela reconsideração da decisão ora recorrida, com a consequente redistribuição do feito para uma das turmas da Primeira Seção, não merece prosperar.

Com efeito, sem entrar no mérito da matéria – se a competência é da Pri-meira Seção ou da Segunda Seção –, pois despiciendo para o deslinde da causa, observa-se que está firmado, na jurisprudência do STJ, que a competência dos órgãos fracionários deste Tribunal é de natureza relativa. Dessa forma, eventual alegação a respeito da incompetência para o conhecimento da demanda deve ser objeto de irresignação antes do julgamento, inclusive quando proferido mo-nocraticamente.

Nessa toada, se a parte entendia que a matéria em discussão era da com-petência de alguma das turmas da Primeira Seção, deveria ter arguido a referida tese antes do julgamento monocrático, ou seja, logo quando os autos foram distribuídos a esta relatoria, haja vista que, ao proferir a decisão monocrática objeto de presente recurso, houve prorrogação da competência da Quarta Tur-ma para o conhecimento pleno da causa.

Nessa linha, citam-se os seguintes escólios:

DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – PREVENÇÃO – COMPETÊNCIA DA SE-GUNDA TURMA – NULIDADE RELATIVA ARGUIDA APENAS EM AGRAVO REGIMENTAL – PRECLUSÃO – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – INEXIS-TÊNCIA – PRESCRIÇÃO – ALEGAÇÃO EM FASE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO – OFENSA À COISA JULGADA – ALEGAÇÃO DE EXCESSO À EXECUÇÃO – SÚ-MULA Nº 7/STJ – AGRAVO IMPROVIDO

1. A não observância da regra contida no art. 71 do RISTJ gera apenas nulidade relativa, de modo que, caso não seja reconhecida de ofício, deve ser suscitada até o início do julgamento do recurso pelo colegiado ou monocraticamente pelo relator, nos termos do § 4º do citado artigo.

[...]

5. Agravo regimental improvido.

(AgRg-Ag 1392923/RN, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., J. 10.06.2014, DJe 25.06.2014) [g.n.]

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL – REGIME DE PLANTÃO – HORA NOTURNA REDUZIDA – ART. 75, IN FINE, DA LEI Nº 8.112/1990 – HORAS EXTRAORDINÁRIAS – ACÓRDÃO FUNDAMEN-TADO CONFORME DISPOSITIVOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO – SÚMULA Nº 126/STJ

[...]

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2. “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a competência interna desta Corte, fixada pelo respectivo Regimento Interno, é de natureza relativa. Por essa razão, a prevenção ou a prorrogação indevida deve ser suscitada até o início do julgamento, nos termos do disposto no art. 71, § 4º, do RISTJ, o que não ocorre na espécie” (AgRg-EDcl-REsp 1173718/PR, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 09.12.2013).

[...]

Agravo regimental improvido.

(AgRg-REsp 1522200/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 19.05.2015, DJe 26.05.2015) [g.n.]

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ALEGAÇÃO TARDIA DE PREVENÇÃO – COMPETÊNCIA RELATIVA – ART. 71, § 4º, DO RISTJ – PRECLUSÃO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS EM ADVERSIDADE À DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL – RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL – AUSÊNCIA DE EFEITO INTERRUPTIVO – IN-TEMPESTIVIDADE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PRAZO DE CINCO DIAS – SÚMULA Nº 699/STF – AGRAVO IMPROVIDO

1. A competência interna desta Corte é de natureza relativa, razão pela qual a prevenção ou a prorrogação indevida deve ser suscitada até o início do julga-mento, sob pena de preclusão, nos termos do art. 71, § 4º, do RISTJ.

2. “A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal firmou-se [...].

4. Agravo regimental improvido.

(AgRg-AREsp 594.623/MT, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembar-gador Convocado do TJ/SP), 5ª T., Julgado em 03.02.2015, DJe 09.02.2015)

Observa-se, portanto, que a tese de incompetência foi engendrada ape-nas em sede de agravo, não devendo ser acolhida, máxime ante o reconheci-mento da competência relativa interna desta Corte Superior, a ensejar a preclu-são quanto à temática ora assestada.

3. No que se refere à tese de interesse da CEF e da União na causa, em virtude da utilização do FCVS, tem-se, no ponto, inviável o debate. Isso porque não se vislumbra o efetivo prequestionamento, fato que inviabiliza a apreciação da tese recursal apresentada, sob pena de supressão de instâncias.

De fato, não se extrai do acórdão recorrido pronunciamento a respeito de controvérsia apoiada na normatividade da questão em epígrafe. Frise-se que ao STJ cabe julgar, em sede de recurso especial, conforme dicção constitucional, somente as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Re-gionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios.

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Observa-se a incidência, pois, por analogia, dos óbices das Súmulas nºs 282 e 356 do STF.

Assim, quanto ao ponto em mote, ausente um dos requisitos de admissi-bilidade do apelo especial, qual seja o prequestionamento (Enunciados Sumu-lares nºs 282 e 356 do C. STF).

Por oportuno, leiam-se estes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PLANO DE SAÚDE – RECUSA DE COBERTURA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA DA LIDE – SÚMULA Nº 7/STJ – NÃO PRO-VIMENTO

1. Não se admite o recurso especial, quando não ventilada, na decisão proferida pelo tribunal de origem, a questão federal suscitada.

2. Inviável o recurso especial cuja análise impõe reexame do contexto fático--probatório da lide (Súmula nº 7 do STJ).

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-AREsp 504.841/MG, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., Julgado em 24.06.2014, DJe 01.08.2014)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ES-PECIAL – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – AUSÊN-CIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULAS NºS 282/STF E 356/STF – IMPE-NHORABILIDADE DE IMÓVEL – BEM PROFISSIONAL – EXCEPCIONALIDADE DA CONSTRIÇÃO JUDICIAL – CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE – SÚMULA Nº 83/STJ – AGRAVO NÃO PROVIDO, COM APLICAÇÃO DE MULTA

1. Não há falar em violação dos arts. 458, II, e 535, II, do Código de Processo Ci-vil pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afiguran-do-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.

2. Para que se configure o prequestionamento, há que se extrair do acórdão re-corrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal.

3. De acordo com a jurisprudência desta Corte, é possível a penhora em caráter excepcional de imóvel comercial, no qual se localiza empresa do executado, desde que não seja utilizado para a residência de sua família e não haja outros bens livres e desembaraçados, passíveis de serem constritos. (REsp 1.114.767/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJe 04.02.2010)

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4. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa.

(AgRg-AREsp 490.801/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 09.09.2014, DJe 17.09.2014)

PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – SUPOSTA OFENSA AOS ARTS. 475 E 730 DO CPC – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – TRIBU-TÁRIO – CONTRIBUIÇÃO DO PLANO DE SEGURIDADE DO SERVIDOR PÚ-BLICO (PSS) – RETENÇÃO – VALORES PAGOS EM CUMPRIMENTO DE DECI-SÃO JUDICIAL – INEXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE PROVENTOS E PENSÕES MILITARES

1. O recurso especial não merece ser conhecido em relação a questão que não foi tratada no acórdão recorrido, sobre a qual nem sequer foram apresentados embargos de declaração, ante a ausência do indispensável prequestionamento (Súmulas nºs 282 e 356 do STF, por analogia).

2. Após a vigência da EC 18/1998, não há mais dúvida de que os militares não se caracterizam como servidores públicos, de modo que estão sujeitos a um regime jurídico próprio (dos militares). Como bem explica Lucas Rocha Furtado, “os militares são agentes públicos, mas não pertencem à categoria dos servidores públicos”. Ressalte-se que “o regime a que se submetem os militares não se con-funde com aquele aplicável aos servidores civis, visto que têm direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos próprios” (RE 551.531/MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 27.06.2008).

3. A análise da legislação de regência autoriza conclusão no sentido de que a distinção de regimes entre os servidores públicos civis e os militares alcança o plano previdenciário, bem como as respectivas contribuições. Em se tratando de sistemas com regras diferenciadas, não é possível impor a retenção de contribui-ção ao PSS, na forma do art. 16-A da Lei nº 10.887/2004, sobre proventos ou pensões militares, em razão da ausência de previsão legal específica.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1369575/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 16.12.2014, DJe 19.12.2014)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA – AQUISIÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA – OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC NÃO CONFIGURA-DA – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF – REEXAME DE QUESTÃO FÁTICO-PROBATÓRIA – SÚMULAS NºS 5 E 7 DO STJ – RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE – IMPOSIÇÃO DE MULTA – ART. 557, § 2º, DO CPC

1. A violação do art. 535, II, do CPC não resulta configurada na hipótese em que o Tribunal de origem, ainda que sucintamente, pronuncia-se sobre a matéria con-trovertida nos autos, não incorrendo em omissão, contradição ou obscuridade.

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Ademais, não há nulidade no acórdão recorrido, o qual possui fundamentação suficiente à exata compreensão das questões apreciadas.

2. A simples indicação dos dispositivos legais tidos por violados, sem que o tema tenha sido enfrentado pelo acórdão recorrido, obsta o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. Incidem, portanto, no caso, as Súmulas nºs 282 e 356 do STF.

3. O recurso especial não comporta o exame de questões que demandem o revol-vimento de cláusulas contratuais e do contexto fático-probatório dos autos, em razão da incidência das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ.

4. A interposição de recurso manifestamente inadmissível ou infundado autoriza a imposição de multa com fundamento no art. 557, § 2º, do CPC.

5. Agravo regimental desprovido com a condenação da agravante ao pagamento de multa no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o valor corrigido da causa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do respectivo valor (art. 557, § 2º, do CPC).

(AgRg-AREsp 530.607/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., Julgado em 09.12.2014, DJe 16.12.2014)

Ademais, não há que se falar em remessa dos autos à justiça federal, no-tadamente porque a causa foi julgada pela Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba e, posteriormente, em grau de recurso, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Registre-se, ainda, que o próprio interesse da CEF não exclui a respon-sabilidade da seguradora na hipótese vertente, consoante se observa no item abaixo.

4. Com efeito, no que toca ao argumento de ilegitimidade, impende re-gistrar que esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a seguradora tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação que cinge contrato de seguro habitacional, regido pelas regras do Sistema Financeiro de Habitação.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ALEGAÇÃO DE OMISSÃO DO JULGADO – ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – SISTE-MA FINANCEIRO HABITACIONAL – NÃO COMPROMETIMENTO DO FUN-DO DE COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÕES SALARIAIS (FCVS) – PRECEDENTES – MARCO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL – SEGURO OBRIGATÓRIO – LEGITIMIDADE PASSIVA DA SEGURADORA – AUSÊNCIA DE COBERTURA SECURITÁRIA PARA OS VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO VERIFICADOS – SÚMULA Nº 83/STJ – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO

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1. No caso, o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio. Além disso, bem pontou sobre as supostas omissões, quando prolatou o acórdão dos declaratórios, não havendo falar-se em omissão.

2. No julgamento do REsp 1.091.363/SC, representativo de controvérsia repetiti-va, o STJ assentou o entendimento de que “nos feitos em que se discute a respeito de contrato de seguro adjeto a contrato de mútuo, por envolver discussão entre seguradora e mutuário, e não afetar o FCVS (Fundo de Compensação de Varia-ções Salariais), inexiste interesse da Caixa Econômica Federal a justificar a for-mação de litisconsórcio passivo necessário, sendo, portanto, da Justiça Estadual a competência para o seu julgamento”.

3. Se o acórdão impugnado não fixou termo inicial para a contagem do prazo prescricional, impossível, nesta estreita via especial, reconhecer o advento da prescrição, porquanto a orientação desta Casa se firmou no mesmo sentido do acórdão recorrido. Incidência da Súmula nº 83/STJ.

4. Em se tratando de contrato de seguro habitacional obrigatório regido pelas regras do Sistema Financeiro Habitacional, possui a seguradora legitimidade pas-siva para figurar no feito.

5. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 455.178/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 14.04.2015, DJe 20.04.2015) [g.n.]

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGI-MENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO INDENIZATÓRIA POR VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO – SEGURO HABITACIONAL – OFENSA AO ART. 535 DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ES-TADUAL – LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA – DENUNCIAÇÃO DA LIDE A CONSTRUTORA DOS IMÓVEIS – SÚMULAS NºS 5, 7 E 83, TODAS DO STJ – EMBARGOS ACOLHIDOS, SEM EFEITOS INFRINGENTES

1. A presença de omissão no julgado autoriza, em embargos de declaração, a respectiva corrigenda.

2. A Segunda Seção do STJ, no julgamento de recurso representativo de con-trovérsia (EDcl-EDcl-REsp 1.091.393/SC, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, Relª p/ Ac. Min. Nancy Andrighi, Julgado aos 10.10.2012, DJe 14.12.2012), firmou o entendimento de que o ingresso da CEF na lide somente será possível a partir do momento em que a instituição financeira provar documentalmente o seu interes-se jurídico, mediante demonstração não apenas da existência de apólice pública, mas também do comprometimento do FCVS, com risco efetivo de exaurimento da reserva técnica do Fesa, colhendo o processo no estado em que este se en-contrar no instante em que houver a efetiva comprovação desse interesse, sem anulação de nenhum ato anterior.

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3. O Tribunal de origem, após a apreciação dos fatos e provas, verificou que não estavam presentes os critérios para reconhecimento da competência da justiça federal, o que atrai a aplicação das Súmulas nºs 5 e 7, ambas do STJ.

4. O mutuário-segurado tem legitimidade ativa para cobrar da seguradora a co-bertura relativa ao seguro obrigatório nos contratos vinculados ao Sistema Finan-ceiro da Habitação.

5. Nos contratos de seguro habitacional obrigatório regido pelas regras do Siste-ma Financeiro Habitacional, a seguradora possui legitimidade passiva para figu-rar no feito. Precedentes do STJ.

6. Nos termos do art. 70, III, do CPC, para que se defira a denunciação da lide, é necessário que o litisdenunciado esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar a parte autora, em ação regressiva, o que não ocorre na hipótese. Pre-cedentes do STJ.

7. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes.

(EDcl-AgRg-AREsp 416.800/PE, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª T., Julgado em 17.11.2015, DJe 19.11.2015) [g.n.]

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544, CPC) – AÇÃO DE INDENIZA-ÇÃO SECURITÁRIA – AUSÊNCIA DE INTERESSE DA CEF POR INEXISTIR LESÃO AO FCVS – RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA PELOS VÍCIOS DA CONS-TRUÇÃO – APLICABILIDADE DO CDC – MULTA DECENDIAL CORRETAMEN-TE APLICADA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – IRRESIGNAÇÃO DA SEGURADORA

1. Para infirmar o acórdão recorrido, quanto ao tipo da apólice objeto do finan-ciamento, seria necessário o reexame do contrato de financiamento habitacional, pois não foi juntado aos autos, atraindo, na hipótese, os óbices insculpidos nos enunciados das Súmulas nºs 05 e 07 do STJ.

2. Nos contratos de seguro habitacional obrigatório sob a égide das regras do Sis-tema Financeiro da Habitação, as seguradoras são responsáveis quando presentes vícios decorrentes da construção, não havendo como se sustentar o entendimen-to de que haveria negativa de vigência do art. 1.460 do antigo Código Civil.

3. Aplica-se a legislação consumerista às relações regidas pelo SFH, inclusive aos contratos de seguro habitacional, porque delas decorre diretamente.

4. A multa decendial pactuada para o atraso do pagamento da indenização é limitada ao montante da obrigação principal.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg-AREsp 189.388/SC, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., Julgado em 09.10.2012, DJe 23.10.2012) [g.n.]

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Ademais, não é possível propugnar-se pela responsabilidade exclusiva da CEF na hipótese vertente. De fato, consoante recente precedente da Quarta Tur-ma, que reflete o entendimento atual deste órgão julgador, a Caixa Econômica Federal, nas hipóteses em que atua como agente financeiro em sentido estrito, não ostenta legitimidade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra financiada:

RECURSO ESPECIAL – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA – VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO – AGENTE FINAN-CEIRO – ILEGITIMIDADE

[...]

2. A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação de indenização por vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro em mútuos concedi-dos fora do SFH (1) meramente como agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda.

3. Nas hipóteses em que atua na condição de agente financeiro em sentido es-trito, não ostenta a CEF legitimidade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra financiada. Sua responsabilidade contratual diz res-peito apenas ao cumprimento do contrato de financiamento, ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à cobrança dos encargos estipulados no contrato. A previsão contratual e regulamentar da fiscalização da obra pelo agente financeiro justifica-se em função de seu interesse em que o empréstimo seja utilizado para os fins descritos no contrato de mútuo, sendo de se ressaltar que o imóvel lhe é dado em garantia hipotecária.

4. Hipótese em que não se afirma, na inicial, que a CEF tenha assumido qualquer outra obrigação contratual, exceto a liberação de recursos para a construção. Não integra a causa de pedir a alegação de que a CEF tenha atuado como agente promotor da obra, escolhido a construtora ou tido qualquer responsabilidade relativa à elaboração ao projeto.

5. Recurso especial provido para reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam do agente financeiro recorrente.

(REsp 1102539/PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Relª p/ Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., Julgado em 09.08.2011, DJe 06.02.2012)

Dessa forma, consoante exposto acima, nas hipóteses em que atua na condição de agente financeiro em sentido estrito, não ostenta a CEF legitimi-dade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra financiada. A responsabilidade contratual diz respeito apenas ao cumprimento

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do contrato de financiamento, ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à cobrança dos encargos estipulados no contrato, razão pela qual não se cristaliza hipótese de solidariedade no caso sob exame.

5. No que concerne aos argumentos de inexistência de cobertura se-curitária e de improcedência na condenação em aluguéis, verifica-se que o acórdão recorrido apreciou as matérias nupercitadas com fulcro no instrumento contratual firmado entre as partes e nos elementos fático-probatórios constantes nos autos. Dessa forma, nos termos da jurisprudência desta Corte, dissentir do entendimento cristalizado no âmbito da instância originária se revela inviável em sede de recurso especial, haja vista o teor das Súmulas nºs 5 e 7 deste STJ.

ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ES-PECIAL – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – CONTRATO DE SEGURO ADJETO A CONTRATO DE MÚTUO – VINCULAÇÃO AO FCVS – AUSÊNCIA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – REEXAME DE CLÁUSULAS CON-TRATUAIS E DE FATOS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULAS NºS 5 E 7 DO STJ

1. A Segunda Seção deste Superior Tribunal, no julgamento do Recurso Especial nº 1.091.363/SC, sob o rito do art. 543-C do CPC, firmou o entendimento de que “nos feitos em que se discute a respeito de contrato de seguro adjeto a contrato de mútuo, por envolver discussão entre seguradora e mutuário, e não afetar o FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), inexiste interesse da Caixa Econômica Federal a justificar a formação de litisconsórcio passivo necessário, sendo, portanto, da Justiça Estadual a competência para o seu julgamento”.

2. Em embargos de declaração opostos contra o referido julgado, firmou-se a compreensão de que “ausente a vinculação do contrato ao FCVS (apólices priva-das, ramo 68), a CEF carece de interesse jurídico a justificar sua intervenção na lide”, o que foi verificado no caso pelo Tribunal de origem.

3. Quanto às alegações de prescrição, ilegitimidade ativa (quitação do contrato), falta de interesse de agir (ausência de aviso do sinistro), não ocorrência de res-ponsabilidade civil indenizável (inexistência de cobertura securitária, inaplicabi-lidade do CDC, validade do contrato e ato jurídico perfeito) e não incidência da mora, verifico que a Corte local decidiu sobre essas matérias com base na análise do contrato e do conjunto fático-probatório dos autos e, rever esses entendimen-tos incide nas Súmulas nºs 5 e/ou 7 do STJ.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-AREsp 415.607/SC, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., Julgado em 25.02.2014, DJe 24.03.2014) [g.n.]

6. Quanto à alegação de ilegitimidade ativa ad causam, em virtude de a autora ter firmado contrato de gaveta, faz-se mister registrar que a Corte de origem ressaltou que, quando o instrumento é firmado até 25.10.1996, sem a intervenção do agente financeiro, o cessionário equipara-se ao mutuário final,

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para todos os efeitos inerentes aos atos necessários à liquidação e à habilitação no FCVS, nos termos dos arts. 20 e 22 da Lei nº 10.150/2000. De fato, divisam--se os seguintes fundamentos no acórdão recorrido:

O posicionamento jurisprudencial do STJ e desta 1ª Turma do TRF da 5ª Re-gião é no sentido de que o cessionário, nos “contratos de gaveta” firmados até 25.10.1996 sem a intervenção do agente financeiro, equipara-se ao mutuário fi-nal, para todos os efeitos inerentes aos atos necessários à liquidação e habilitação junto ao FCVS, nos termos dos arts. 20 e 22 da Lei nº 10.150/2000, conforme se depreende da transcrição abaixo de trechos das ementas do REsp 890579/SP (STJ, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJU de 17.04.2008, p. 1) e da AC 429172/CE (TRF da 5ª R., 1ª T., Rel. Des. Fed. César Carvalho (Substituto), DJU de 29.05.2009, p. 172), respectivamente:

[...]

No caso em exame, o instrumento de cessão de direitos de fl. 208 foi firmado em 15 de maio de 1992, de modo que não deve ser acolhida a preliminar alegada pelas rés, reconhecendo-se a legitimidade de agir da ora apelada. (fls. 840-841)

Não se pode olvidar que o Tribunal a quo consignou, inclusive, que o instrumento de cessão de direitos foi firmado em 15 de maio de 1992, reconhe-cendo, portanto, a legitimidade ativa da ora recorrida.

Verifica-se que, ao assim decidir, a Corte de origem seguiu o posicio-namento adotado no âmbito deste Tribunal Superior, que, por meio da Corte Especial, para os efeitos do art. 543-C do CPC/1973, firmou a seguinte tese: Tra-tando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25.10.1996 e transferido sem a interveniência da instituição fi-nanceira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.

A propósito:

RECURSO ESPECIAL – REPETITIVO – RITO DO ART. 543-C DO CPC – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO DE MÚTUO – LEI Nº 10.150/2000 – REQUISITOS

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:

1.1 Tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25.10.1996 e transferido sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.

1.2 Na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS, cele-brado até 25.10.1996, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem le-gitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo contrato.

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1.3 No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25.10.1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos ga-rantidos pelo FCVS como para aqueles sem referida cobertura.

2. Aplicação ao caso concreto:

2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido.

Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Reso-lução STJ nº 8/2008.

(REsp 1150429/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, Julgado em 25.04.2013, DJe 10.05.2013) [g.n.]

Observa-se, portanto, que o acórdão recorrido está em consonância com o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, máxime porque de-vidamente ressaltado que o instrumento de cessão de direitos foi firmado em 15.05.1992, antes, portanto, de 25.10.1996, reconhecendo-se, em consequên-cia, a legitimidade ativa na hipótese vertente. Logo, a manutenção do referido acórdão, no ponto objeto do recurso especial, é medida que se impõe, mormen-te ante a incidência do verbete sumular de nº 83/STJ.

7. Ante o exposto, com fulcro nos fundamentos acima aduzidos, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

CertidãO de julgamentO quarta turma

Número Registro: 2013/0095253-6

Processo Eletrônico AgInt-REsp 1.377.310/PB

Números Origem: 200682000079285 20068279285 453445

Pauta: 16.02.2017 Julgado: 16.02.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Ministro Impedido: Exmo. Sr. Ministro: Antonio Carlos Ferreira

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Humberto Jacques de Medeiros

Secretária: Dra. Teresa Helena da Rocha Basevi

autuaçãO

Recorrente: Caixa Econômica Federal

Advogado: Vitor Yuri Antunes Maciel e outro(s) – PE022411

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Recorrido: Avanete Maria Tavares de Brito Silva

Advogados: Nadir Leopoldo Valengo – PB004423 Damásio Barbosa da Franca Neto – PB011707

Agravante: Caixa Seguradora S/A

Advogado: Eduardo José de Souza Lima Fornellos – PE028240

Agravado: Avanete Maria Tavares de Brito Silva

Advogados: Nadir Leopoldo Valengo – PB004423 Damásio Barbosa da Franca Neto – PB011707

Interes.: Enarq Engenharia e Arquitetura Ltda.

Advogado: Itamar Gouveia da Silva e outro(s) – PB010437

Interes.: Jose Arimateia Rufino de Araujo

Interes.: Suelene Franca Rufino de Araujo

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Sistema finan-ceiro da habitação – Seguro

agravO internO

Agravante: Caixa Seguradora S/A

Advogado: Eduardo José de Souza Lima Fornellos – PE028240

Agravado: Caixa Econômica Federal

Advogado: Vitor Yuri Antunes Maciel e outro(s) – PE022411

Agravado: Avanete Maria Tavares de Brito Silva

Advogados: Nadir Leopoldo Valengo – PB004423 Damásio Barbosa da Franca Neto – PB011707

Interes.: Enarq Engenharia e Arquitetura Ltda.

Advogado: Itamar Gouveia da Silva e outro(s) – PB010437

Interes.: Jose Arimateia Rufino de Araujo

Interes.: Suelene Franca Rufino de Araujo

CertidãO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoAgravo de Instrumento – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0006140‑96.2016.4.02.0000 (2016.00.00.006140‑1)Relator: Desembargadora Federal Salete MaccalózAgravante: Wilke Zanette Mozer e outroAdvogado: Augusto Carlos Lamêgo Júnior e outrosAgravado: CEF – Caixa Econômica Federal e outrosAdvogado: Gerson de Carvalho Fragozo e outrosOrigem: 2ª VF Cachoeiro – Cível/Execução Fiscal (00053391520164025002)

ementa

PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA – ATRASO NA ENTREGA DE EMPREENDIMENTO – FALÊNCIA DA CONSTRUTORA – SUSPENSÃO DOS PAGAMENTOS DE ENCARGOS – DESCABIMENTO

1. A decisão agravada, excluindo do feito a Premax Engenharia Ltda. e a NAC Construtora e Incorporadora Ltda., negou a tutela para que a Caixa, em 30 dias, desse prosseguimento às obras, finalizando o empreendimento imobiliário, bem como se abstivesse de realizar co-branças relacionadas a “juros de obra”, com a retirada do nome dos autores dos órgãos de proteção ao crédito.

2. Em regra, não se pode imputar à gestora operacional do Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU) (Lei nº 11.977/2009) a res-ponsabilidade por todo e qualquer vício de construção do Programa “Minha Casa Minha Vida”, sem amparo de lei ou de contrato. Prece-dentes.

3. A Caixa assume diferentes papéis nos empreendimentos do Pro-grama Minha Casa Minha Vida, dependendo da faixa de renda dos mutuários. A Lei nº 11.977/2009, art. 3º, II, admite diferentes moda-lidades de operações por faixas de renda e, nos empreendimentos destinados a famílias com renda de até três salários-mínimos, a Caixa fiscaliza e colabora na execução dos projetos, podendo incorrer in-clusive em culpa in vigilando; para os demais, atua como mero agen-te financeiro, salvo cláusula expressa em contrário.

4. A Caixa responde pelo descumprimento nos contratos em que assumiu, por exemplo, o ônus de acionar a seguradora. A cláusula

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Décima Primeira lhe atribui a obrigação de acionar a seguradora em atrasos superiores a 30 dias, para substituição da construtora. Prece-dentes da Corte.

5. No Condomínio Residencial Jardins, vinculado ao PMCMV, após a realização do percentual de 67,86% da obra, a Premax abandonou o empreendimento, e a Caixa, visando à retomada da obra, em nome dos mutuários e conforme previsto em contrato, pediu à companhia seguradora a adoção dos procedimentos previstos para substituição da construtora e conclusão do empreendimento. Contratada a NAC Construtora e Incorporadora Ltda., que retomou as obras do empre-endimento em 15.12.2014, e não as concluiu em 12 meses, a Caixa novamente acionou a seguradora que contratou a Solare Construtora e Incorporadora Ltda., para finalizar o empreendimento em 7 meses, a partir de 07.03.2016.

6. Patente a perda de objeto do pedido de tutela para a Caixa contra-tar construtora a dar continuidade à obra, em 30 (trinta) dias. Proposta a ação em 04.03.2016, a Solare Construtora e Incorporadora Ltda. já foi designada para retomar as obras em 07.03.2016.

7. O contrato previu o pagamento, pelos fiduciantes, de juros na fase de construção, juros “de evolução de obra”, como nominado pelos agravantes, em que não há amortização do principal, pois o dinheiro, a partir da assinatura do instrumento, já é disponibilizado à Constru-tora pela Caixa. Só após a entrega do imóvel, a fase de amortização do saldo devedor se inicia.

8. A Construtora inicial, Premax, ao falir no curso da empreitada, deu causa ao atraso e, em seguida a NAC Construtora, segunda incorpo-radora que deixou de concluir a obra. Nessas circunstâncias, eventu-al prejuízo decorrente do alongamento do prazo de construção, por culpa de ambas, deve ser a elas atribuído, e não à empresa pública financiadora.

9. Agravo de instrumento desprovido.

aCórdãO

Decide a Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, por maioria, negar provimento à apelação, na forma do voto da Relatora.

Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 2016.

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Assinado eletronicamente (Lei nº 11.419/2006) Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo Desembargadora Federal

vOtO vista

Pedi vista para melhor examinar a responsabilidade da Caixa envolvendo atraso de mais de três anos na entrega de imóvel1, no Condomínio Jardins/ES, do Programa Minha Casa Minha Vida (Lei nº 11.977/2009).

A relatora, Des. Fed. Salete Maccalóz, deu parcial provimento ao agravo para suspender a cobrança dos juros sobre as parcelas posteriores ao prazo de 3 anos, período estimado para a conclusão da obra, e se abstenha a Caixa de inscrever os agravantes nos cadastros de restrição ao crédito.

O Juiz Federal Savio Klein, excluindo do feito a Premax Engenharia Ltda. e a NAC Construtora e Incorporadora Ltda., negou a tutela para que a Caixa, em 30 dias, desse prosseguimento às obras, finalizando o empreendimento imobi-liário, bem como se abstivesse de realizar cobranças relacionadas a “juros de obra”, com a retirada do nome dos autores dos órgãos de proteção ao crédito. Eis os principais fundamentos:

Quanto aos pedidos liminares direcionados à CEF, alinho-me ao entendimento jurisprudencial segundo o qual a instituição financeira, como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixís-sima renda, cujo financiamento está vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida, detém a responsabilidade de fiscalizar e averiguar a construção, com o intuito de liberar a verba remanescente na proporção do andamento das obras (conclusão das etapas), e de notificar eventual paralisação das obras à Segura-dora.

Ou seja, cabe à Caixa Econômica Federal acionar a apólice de seguro, que tem como objetivo garantir ao Segurado (Caixa Econômica Federal) a retomada da obra sinistrada e a contratação de um Construtor Substituto, para que este conclua o empreendimento habitacional financiado ou a ser arrendado. Aliás, impera que se ressalte, a essa conclusão também nos conduz o art. 9º, da Lei nº 11.977/2009 – que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV.

Nesse sentido, onde os grifos são meus:

[...]

Nestes autos, não há como se reconhecer, em juízo preliminar, sem ouvir a parte contrária, a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito buscado, notadamente diante da verificação das cláusulas contratuais pactuadas,

1 As partes assinaram o contrato em 2011.

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cuja alegada abusividade não pode ser estabelecida de pronto, razão pela qual se mostra inadmissível compeli-la, neste momento, a arcar com a suspensão das cobranças pactuadas na fase de construção, sendo certo que a Ordem de Serviço juntada à fl. 141 indica a retomada das obras no empreendimento aqui discutido.

Assim, indefiro, por ora, as medidas liminares pleiteadas em face da CEF.

Intime-se.

Os agravantes esclarecem que desistiram da ação em face da construtora Premax Engenharia Ltda. e NAC Construtora e Incorporadora Ltda. – ME. Para eles, a Caixa é garantidora da obra, tem o dever de fiscalizar, contratar Cons-trutora habilitada a realizar o empreendimento, notificar em caso de falência, acionar a seguradora, mas nada disso ocorreu.

Havendo atraso na entrega da obra, não pode o consumidor arcar com valores no interregno do atraso.

Em regra, não se pode imputar à gestora operacional do Programa Nacio-nal de Habitação Urbana (PNHU) (Lei nº 11.977/2009) a responsabilidade por todo e qualquer vício de construção do Programa “Minha Casa Minha Vida”, sem lei ou contrato que assim estabeleça expressamente2.

2 [...] 1. Decisão agravada que declarou a incompetência absoluta do Juízo Federal, declinando da competência para a Justiça Estadual ao fundamento de que há total ausência de pertinência subjetiva da demanda em relação à Caixa Econômica Federal e à Caixa de Construções de Casas para Pessoal da Marinha – CCCPM e, por conseguinte, inexistência de legitimidade de pessoa integrante da administração pública federal capaz de atrair a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, da Constituição Federal.

2. Não se confunde a relação de mútuo com a responsabilidade pela construção do imóvel, razão pela qual o mutuante não pode ser responsabilizado por vícios eventualmente existentes no mesmo quando foi entregue pela Construtora. As alegadas irregularidades na construção não se inserem na esfera do contrato de mútuo celebrado com a CEF. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que “na hipótese em que atua na condição de agente financeiro em sentido estrito, não ostenta a CEF legitimidade para responder por pedido decorrente de vícios de construção na obra financiada. Sua responsabilidade contratual diz respeito apenas ao cumprimento do contrato de financiamento, ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à cobrança dos encargos estipulados no contrato. A previsão contratual e regulamentar da fiscalização da obra pelo agente financeiro justifica-se em função de seu interesse em que o empréstimo seja utilizado para os fins descritos no contrato de mútuo, sendo de se ressaltar que o imóvel lhe é dado em garantia hipotecária” (STJ, 4ª T., REsp 1163228, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 31.10.2012).

3. À CCCPM não há que se imputar responsabilidade quanto aos vícios ou atrasos na construção, pois não é sua atribuição a fiscalização da obra ou o cumprimento das obrigações da construtora junto aos adquirentes. A CCCPM limitou-se a vender o terreno onde está sendo edificado o empreendimento, não possuindo também legitimidade passiva para figurar na demanda. Precedente: TRF2, 5ª T.Esp., AC 201251170015166, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 10.03.2014.

4. Não há responsabilidade solidariedade passiva a abranger a CEF e a CCCMP. Previsão contratual apenas em relação a solidariedade entre os compradores devedores/fiduciantes da unidade habitacional e os demais participantes do grupo associativo, quais sejam, os adquirentes das demais residências do 1 empreendimento imobiliário em questão. A solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes (art. 265, caput, do Código Civil). Precedente: TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 2012.51.17.002155-5, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, e-DJF2R 25.06.2015.

5. A competência da Justiça Federal é constitucional, revestindo-se de caráter absoluto e improrrogável, sujeitando-se, unicamente, às derrogações fixadas na própria Constituição da República. Ausência de pertinência subjetiva da demanda em relação à CEF e à CCCPM e, por conseguinte, inexistência de pessoa integrante da administração pública federal capaz de atrair a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição da República. Precedente: TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 200451010023723,

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No Proc. 2013.51.02.001169-03, a Caixa explicou, com pertinência, que assume diferentes papéis nos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida, dependendo da faixa de renda dos mutuários. Deveras, a Lei nº 11.977/2009, art. 3º, II4, admite diferentes modalidades de operações por faixas de renda e, nos empreendimentos destinados a famílias com renda de até três salários-mínimos, a Caixa fiscaliza e colabora na execução dos projetos, podendo incorrer inclusive em culpa in vigilando; para os demais, atua como mero agente financeiro, salvo cláusula expressa em contrário. Confira-se:

O Programa “Minha Casa, Minha Vida” é dividido de grosso modo em duas fai-xas de concessão de créditos e/ou subsídios. A primeira voltado para famílias de baixa renda, que são famílias com renda mensal de até três salários mínimos e na segunda faixa temos as famílias que recebem entre três e dez salários mínimos.

As famílias com renda até três salários mínimos devem fazer a inscrição em pos-tos da prefeitura municipal de sua cidade ou pelo governo estadual, nessa faixa podem participar pessoas não beneficiadas por programa habitacional social e

Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, e-DJF2R 2.6.2015. 6. Agravo de instrumento não provido. (TRF 2ª R., Ag 2013.00.00.008535-0, Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, 5ª T. Esp., e-DJF2R 02.12.2015)

[...] 1. In casu, o Autor celebrou com a Caixa de Construções de Casas para o Pessoal do Ministério da Marinha – CCCPMM, a Caixa Econômica Federal e a Haec Congel Construções Gerais Ltda., em 23.12.2009, um “Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações – Financiamento de Imóvel na Planta – Recursos FGTS – Programa Minha Casa, Minha Vida”, figurando como vendedora a CCCPM, como interveniente construtora a HAEC,e como agente financeiro a CEF.

2. A sentença reconheceu a ilegitimidade passiva da CEF e da CCCPMM, extinguindo o processo sem resolução do mérito em relação a elas, nos termos do art. 267, VI do Código de Processo Civil, ao fundamento de que a empresa HAEC seria a única responsável pela construção do imóvel e o atraso na entrega da obra, e declarou a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar esta ação, nos termos do art. 113 do CPC e do art. 109, I, da Constituição Federal.

3. O contrato foi celebrado no âmbito do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, instituído e disciplinado pela Lei nº 11.977/2009, através do qual o governo federal atende às necessidades de habitação da população de baixa renda nas áreas urbanas, garantindo o acesso à moradia digna com padrões mínimos de sustentabilidade, segurança e habitabilidade.

4. Pretende o Autor o cumprimento de uma obrigação de fazer (entrega da obra) e de duas obrigações de pagar (indenização por danos morais e devolução de valores), sendo a empresa Haec Congel a única responsável pela construção do imóvel, sem qualquer responsabilidade solidária das demais rés em relação a esta atribuição.

5. Inexiste razão para que CEF (agente financeiro) e CCCPM (vendedora do terreno) estejam presentes numa ação em que se discute o atraso na entrega da obra pela construtora, já que não faz parte das atribuições de tais pessoas jurídicas a fiscalização da qualidade do material empregado ou do cumprimento das obrigações da construtora para com os adquirentes.

6. Apelação desprovida (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 0001516-18.2012.4.02.5117, Rel. Des. Fed. Aluisio Mendes, J. 25.02.2014, Publ. 09.05.2014).

3 AC 2013.51.02.001169-0 julgada em 16.11.2016.4 Art. 3º Para a indicação dos beneficiários do PMCMV, deverão ser observados os seguintes requisitos:

(Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)

I – comprovação de que o interessado integra família com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais);

(Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

II – faixas de renda definidas pelo Poder Executivo federal para cada uma das modalidades de operações; (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

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que não possuam casa própria ou financiamento ativo. Após a seleção, o can-didato terá de apresentar documentação pessoal no agente financeiro. A pessoa deve comprometer 10% da renda durante dez anos para o pagamento das pres-tações, que tem valor mínimo de R$ 50,00.

Somente nessa primeira faixa tem-se que há um verdadeiro patrocínio do go-verno federal para os subsídios das construções, o que não é o caso dos autos. As famílias são selecionadas e indicadas pelos poderes públicos municipais, de acordo com critérios locais e nacionais pré-estabelecidos, sendo que em hipótese alguma é terceirizada a contratação, seja por uma construtora, incorporadora ou corretor.

Nesse caso, de imóveis voltados à população de baixa renda, a Caixa não apenas libera os recursos financeiros como também fiscaliza a obra e colabora na execu-ção de projetos em parcerias com prefeituras e entidades diversas.

Diferentemente da situação das famílias com renda entre três e dez salários mí-nimos, ou seja, a segunda faixa do programa, para fazerem jus aos benefícios di-ferenciados do programa não podem ser as mesmas detentoras de financiamento ativo nas condições do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), não podem ter recebido desconto concedido pelo FGTS para financiamento, mas nessa faixa os interessados procuram à construtora e o empreendimento que desejam. E a Caixa atua como mero agente financeiro.

Para essa segunda faixa tem-se o financiamento de até 100% do imóvel, com o prazo de pagamento é de 30 anos de financiamento, seu diferenciado do tradi-cional financiamento habitacional são as taxas de juros, além da possibilidade de subsídio para compra pretendida.

Não obstante as alegações da autora, verifica-se pelo seu contrato juntado pela mesma aos autos que se enquadrou na segunda faixa do programa, portanto não há que se imputar responsabilidade a Caixa acerca da qualidade, ou falta des-ta, na obra, em razão de no caso dos autos ter agido tão somente como agente financeiro e não como colaboradora da obra, pois não era ou é de sua responsa-bilidade tal atuação.

Quando atua como agente financeiro em sentido estrito não há previsão contra-tual de gerenciamento da obra, e as fiscalizações se limitam ao controle da apli-cação dos recursos emprestados em cada etapa, como condição para a liberação das parcelas subsequentes.

A Caixa atua como agente financeiro, conforme o parágrafo terceiro da cláusula quarta5:

Parágrafo terceiro: “O acompanhamento da execução das obras, para fins de liberação de parcelas, será efetuado pela engenharia da CEF, ficando entendido que a vistoria será feita exclusivamente para o efeito de medição do andamento

5 Fls. 86 do processo originário.

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da obra e verificação da aplicação dos recursos, sem qualquer responsabilidade técnica pela edificação, pelo que será cobrado, a título de taxa de vistoria com medição de obra [...]”

Ainda assim, responde pelo descumprimento nos contratos em que se compromete, por exemplo, a acionar a seguradora, em caso de atrasos de obras superiores em 30, 60 ou 90 dias.

É a hipótese dos autos. A cláusula Décima Primeira6 do Contrato entre a Caixa e a Premax atribui à empresa pública a obrigação de acionar a segura-dora em casos de atrasos superiores a 30 dias, para substituição da construtora. Leia-se:

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA – SEGUROS – O devedor é obrigado a apresen-tar até a liberação da primeira parcela, a Apólice correspondente à contratação do Seguro Garantia Executante Construtor e Seguro de Riscos de Engenharia, no qual a CEF figura como Segurada e a construtora como Contratante.

Parágrafo Primeiro – O devedor e a Construtora declaram estar cientes de que atraso na obra por período igual ou superior a 30 (trinta) dias consecutivos, cons-tatado pela Engenharia será acionada a Seguradora, que de imediato substituirá a construtora.

Esta Turma, sob a relatoria do Juiz Federal Convocado Antônio Henrique, em 15.06.2015 (Ag 2014.00.00.002498-5), decidiu que “‘a Caixa Econômi-ca Federal, como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda, cujo financiamento está vinculado ao Programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, detém a responsabilidade de fiscalizar e averiguar a construção, com o intuito de liberar a verba rema-nescente na proporção do andamento das obras (conclusão das etapas), e de notificar eventual paralisação das obras à Seguradora. Ou seja, cabe à Caixa Econômica Federal acionar a apólice de seguro, que tem como objetivo garantir ao Segurado (Caixa Econômica Federal) a retomada da obra sinistrada e a con-tratação de um Construtor Substituto, para que este conclua o empreendimento habitacional financiado ou a ser arrendado’ (AI 201402010054760, Rel. Des. Fed. José Antonio Lisboa Neiva, 7ª T.Esp., e-DJF2R 21.08.2014)”.

Na contestação do processo originário, a Caixa esclarece ter sido diligen-te para solucionar o atraso da obra:

[...] na última vistoria realizada no empreendimento, conforme Relatório emitido em 26.07.2013 constatou-se a paralisação da obra (com atraso de 141 dias).

Tendo isso em vista, em cumprimento às exigências normativas, a construtora recebeu três notificações da Caixa... através das quais foi comunicado o atraso

6 Fls. 230 do processo originário.

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de 50 dias bem como foi solicitada a apresentação de justificativas e a adoção de providências visando à regularização do atraso.

1ª Notificação: Ofício nº 077/2013, de 03.06.2013;

2ª Notificação: Ofício nº 099/2013, de 26.06.2013;

3ª Notificação: Ofício nº 108/2013, de 10.07.2013.

Em 11.07.2013, findo o prazo para que a construtora apresentasse justificati-vas/providências, foi encaminhado ofício à seguradora (Ofício nº 108/2013, de 11.07.2013) com comunicação a caracterização do sinistro e solicitando provi-dências para substituição da construtora.

Após a comunicação do sinistro, a Seguradora iniciou os trâmites para a substi-tuição da construtora tendo apresentado em 27.01.2014 propostas de orçamento para cada empreendimento. Tal proposta foi submetida à análise técnica da en-genharia da Caixa para verificação da adequação e viabilidade das propostas.

Cumprido o procedimento supra (análise da viabilidade dos orçamentos apresen-tados), foi realizada aprovação de uma das propostas encaminhadas, tendo sido retomada a construção do empreendimento em 15.12.2014...

Acrescenta-se ainda que além do Residencial Jardins, foram abandonadas pela construtora as obras dos seguintes empreendimentos: Residencial Linhares e Re-sidencial Villa Veneto, ambos localizados no Município de Linhares, além de outro empreendimento enquadrado nos limites do Faixa I do Programa Minha Casa Minha Vida (Recursos FAR), também localizado no Município de Cachoeiro de Itapemirim.

No caso específico do empreendimento Condomínio Residencial Jardins, após a realização do percentual de 67,86% da obra, a construtora Premax abandonou o empreendimento. Visando à retomada da obra, a Caixa, em nome dos mutuários e conforme previsto em contrato, requereu junto à companhia seguradora Swiss RE Corporate Solutions Brasil Seguros S.A que fossem adotados os procedimentos previstos para substituição da construtora e conclusão do empreendimento.

A seguradora contratou a NAC Construtora e Incorporadora Ltda., que retomou as obras do empreendimento em 15.12.2014, com prazo de 12 meses para sua conclusão.

Ocorre que a NAC Construtora e Incorporadora Ltda. não cumpriu com o prazo contratado, encontrando-se o empreendimento atualmente edificado em 84,08%.

Em decorrência disso, a Caixa novamente tomou providências junto à seguradora [...], que realizou a rescisão do contrato com a NAC Construtora e Incorporadora Ltda. e firmou contrato com a Solare Construtora e Incorporadora Ltda., para con-clusão das obras do empreendimento no prazo de 7 meses. A emissão da Ordem de Serviço... e a retomada das obras ocorreu em 07.03.2016, sendo que a mesma encontra-se anexa a esta peça.

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Patente a perda de objeto do pedido de tutela para a Caixa contratar construtora a dar continuidade à obra, em 30 (trinta) dias. Proposta a ação em 04.03.2016, a seguradora acionada ajustou com a Solare Construtora e Incorpo-radora Ltda. a conclusão das obras (Ordem de Serviço). O contrato de empreita-da foi firmado em 27.01.2016 para ser retomado em 07.03.20167.

O prazo para entrega da unidade, segundo o Contrato de Promessa de Compra e Venda, com a Premax, era de 24 meses a partir da assinatura do agen-te, com tolerância de 180 dias úteis.

Assinado o contrato, em maio/20118, a conclusão da obra estava prevista para junho/2013, interregno em que, segundo a Cláusula Sétima9, os fiduciantes arcariam com os seguintes encargos mensais:

“CLÁUSULA SÉTIMA – DOS ENCARGOS MENSAIS INCIDENTES SOBRE O FI-NANCIAMENTO – O pagamento de encargos mensais é devido a partir do mês subsequente à contratação, com vencimento no mesmo dia de assinatura deste instrumento, sendo:

[...]

Pelo devedor, mensalmente, na fase de construção, mediante débito em conta, que fica desde já autorizado:

a) Encargos relativos a juros e atualização monetária, à taxa prevista no Quadro “C”, incidentes sobre o saldo devedor apurado no mês;

b) Taxa de administração, se devida;

c) Comissão Pecuniária FGHAB; [...]

[...]

IV – Pelo devedor, mensalmente, após a fase de construção, mediante débito em conta de qualquer tipo titulada pelo devedor, na CEF, débito que fica este desde já autorizado:

a) Prestação de Amortização e Juros (A+J), à taxa prevista no Quadro “C”.

b) Taxa de administração, se devida;

c) Comissão Pecuniária FGHAB;

O contrato previu o pagamento, pelos fiduciantes, de juros na fase de construção, juros “de evolução de obra”, como nominado pelos agravantes, em que não há amortização do principal, pois o dinheiro, a partir da assinatura do

7 Fl. 283 do processo originário.8 Fl. 67 do processo originário.9 Fl. 112.

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instrumento, já é disponibilizado à Construtora pela Caixa. Só após a entrega do imóvel, a fase de amortização do saldo devedor se iniciaria.

A Caixa, à primeira vista, vem cumprindo, sim, a sua obrigação, e cabe aos devedores adimplir com os deveres contratuais. A Construtora inicial, Pre-max, ao falir no curso da empreitada, deu causa ao atraso e, em seguida a NAC Construtora, segunda incorporadora, deixou de concluir a obra. Nessas circunstâncias, eventual prejuízo decorrente do alongamento do prazo de cons-trução, por culpa de ambas, deve ser a elas atribuído, e não à empresa pública financiadora, que apenas aportou recursos financeiros para o empreendimento, conforme acórdão unânime desta Turma na AC 2013.51.02.001169-010:

1. Em ação ajuizada em face da Caixa e das sociedades empresárias construtora e vendedora, a sentença negou à mutuária autora a restituição de juros pagos antes do habite-se e valores gastos em reparos de imóvel financiado pela empresa pública, programa “Minha Casa Minha Vida”, e indenização por danos materiais e morais, à ausência de comprovação de vícios construtivos ou atraso nas obras, conforme perícia judicial.

2. A Caixa assume diferentes papéis nos empreendimentos do Programa Mi-nha Casa Minha Vida, dependendo da faixa de renda dos mutuários. A Lei nº 11.977/2009, art. 3º, II, admite algumas modalidades de operações por faixas de renda. Nos empreendimentos destinados a famílias com renda de até três salários-mínimos, fiscaliza a obra e colabora na execução dos projetos, podendo incorrer inclusive em culpa in vigilando; para os demais – caso dos autos, cuja construção conta inclusive com área de lazer com quadra poliesportiva, piscinas e churrasqueiras –, atua como mero agente financeiro. Nenhuma cláusula estabe-lece solidariedade passiva a abranger a Caixa, e a solidariedade não se presume: resulta da lei ou da vontade das partes.

[...]

5. Acorde ao art. 186 do Código Civil, o dever de indenizar, por princípio, de-corre de ato ilícito e, na relação de consumo, a instituição financeira responde pelo serviço defeituoso, independente de culpa, nos termos do CDC, art. 14, § 3º.

6. A autora não comprovou os fatos constitutivos do seu direito, e a simples alegação de danos materiais e morais não enseja direito à indenização, sendo imprescindível a produção de prova dos dispêndios, aborrecimentos e transtor-nos experimentados.

7. Eventual prejuízo decorrente do alongamento do prazo de construção, por cul-pa da Construtora, deve ser a esta atribuído, e não à empresa pública financiado-ra, que apenas disponibilizou o mútuo. Ademais, segundo conclusão da perícia,

10 A 6ª Turma julgou a AC 2013.51.02.001169-0, em 16.11.2016, à unanimidade, nesses termos:

[...] 9. Apelação desprovida, para confirmar a improcedência de todos os pedidos formulados em face da Caixa; e processo extinto sem resolução do mérito, de ofício, quanto os pedidos formulados em face da construtora e da vendedora (CPC/2015, art. 485, IV).

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não houve atraso, porque a obra está dentro do cronograma previsto, donde a improcedência do pedido de devolução dos juros pagos na fase de construção, à ausência de conduta ilícita da Caixa.

8. A controvérsia sobre os danos materiais e morais decorrentes dos vícios de construção é de competência da Justiça Estadual, mas a cumulação de pedidos deve observância ao art. 292 § 1º, II do CPC/1973, atualmente art. 327, § 1º, II do CPC/2015, que pressupõe competência do Juízo para apreciar todos os pedidos.

Sendo o juízo federal incompetente para apreciar os formulados contra a cons-trutora e a vendedora, a relação processual deve ser parcialmente resolvida, sem resolução de mérito, por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvi-mento válido do processo, art. 485, IV, do CPC/2015, eis que incabível declínio parcial de competência. Precedentes da Sexta e Quinta Turmas Especializadas.

Com essas considerações, divergindo da ilustre Relatora, nego provimen-to ao agravo de instrumento.

É como voto.

Assinado eletronicamente (Lei nº 11.419/2006) Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo Desembargadora Federal

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Parte Geral – Ementário2598 – Ação cominatória – vícios de construção – obrigação de fazer

“Civil. Processual civil. Ação cominatória. Vícios de construção. Obrigação de fazer. Embargos de declaração opostos contra o acórdão recorrido. Inexistência de omissão, contradição, ou obs-curidade. Ausência de violação do art. 535 do CPC. Falta de intimação para acompanhar vistoria. Art. 431-A do CPC. Prejuízo não demonstrado. Nulidade. Ausência. Decadência. Prazo. Termo inicial. Art. 618, parágrafo único, do Código Civil. Não ocorrência. 1. Os embargos de declaração só se prestam a sanar obscuridade, omissão ou contradição porventura existentes no acórdão, não servindo à rediscussão da matéria já julgada no recurso. 2. A ausência de intimação da parte para uma das vistorias de imóvel não torna a perícia nula, se não demonstrado o prejuízo, haja vista que outras doze foram promovidas com a devida intimação. Aplicação do brocardo pas de nulitté sans grief (arts. 244, 249 e 250 do CPC), segundo o qual descabe a anulação do processo por conta de vícios que não prejudiquem o bom andamento do feito. 3. O termo inicial do prazo decadencial previsto no parágrafo único do art. 618 do Código Civil conta-se do momento em que o dono da obra toma ciência da existência do vício construtivo coberto pela garantia legal. Hipótese em que, em razão da inexistência de prova da ciência do autor, fixado o termo a partir da expedição da notificação extrajudicial da ré. 4. Recurso especial conhecido em parte e não provido.” (STJ – REsp 1.296.849 – (2011/0291871-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.02.2017 – p. 1781)

Transcrição Editorial SÍnTESECódigo Civil:

“Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.”

Código de Processo Civil:

“Art. 244. Não se fará a citação, salvo para evitar o perecimento do direito:

I – de quem estiver participando de ato de culto religioso;

II – de cônjuge, de companheiro ou de qualquer parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos 7 (sete) dias seguintes;

III – de noivos, nos 3 (três) primeiros dias seguintes ao casamento;

IV – de doente, enquanto grave o seu estado.

Art. 249. A citação será feita por meio de oficial de justiça nas hipóteses previstas neste Códi-go ou em lei, ou quando frustrada a citação pelo correio.

Art. 250. O mandado que o oficial de justiça tiver de cumprir conterá:

I – os nomes do autor e do citando e seus respectivos domicílios ou residências;

II – a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução;

III – a aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem, se houver;

IV – se for o caso, a intimação do citando para comparecer, acompanhado de advogado ou de defensor público, à audiência de conciliação ou de mediação, com a menção do dia, da hora e do lugar do comparecimento;

V – a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir tutela provisória;

VI – a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.”

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204 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 38 – Mar-Abr/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

2599 – Ação de cobrança – taxa condominial – prescrição quinquenal

“Agravo interno no recurso especial. Ação de cobrança. Taxa condominial. Prescrição quinque-nal. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança de taxas condominiais é de 5 (cinco) anos. 2. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.618.892 – (2016/0208067-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 14.02.2017 – p. 2042)

2600 – Ação de imissão na posse – preparo – não comprovação – deserção – procuração – ca-deia de substabelecimento

“Processual civil. Agravo no agravo em recurso especial. Ação de imissão na posse. Preparo. Não comprovação. Deserção. Procuração. Cadeia de substabelecimento. Ausência. Súmula nº 115/STJ. 1. É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não com-prova devidamente o recolhimento do preparo no ato de sua interposição. 2. A juntada de compro-vante de agendamento não se constitui meio apto à comprovação de que o preparo foi efetivamente recolhido. 3. Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos. 4. É inaplicável o CPC/2015 aos recursos interpostos contra decisão publicada na vigên-cia do CPC/1973, restando afastada a possibilidade de juntada da procuração ou substabelecimento após a interposição do recurso especial. 5. Agravo não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 993.862 – (2016/0261052-1) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 14.02.2017 – p. 2021)

2601 – Ação de reintegração de posse – deferimento da antecipação da tutela – esbulho possessório

“Embargos de declaração. Art. 1.022, CPC/2015. Contradição. Ação de reintegração de posse. UFF. Deferimento da antecipação da tutela. Esbulho possessório configurado. 1. O art. 1.022, do Novo Código de Processo Civil, quanto às hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, passou a prever, ao lado da omissão, da obscuridade e da contradição, o erro material, o que já vinha sendo admitido em sede doutrinária e jurisprudencial. 2. O agravo de instrumento foi interposto pelo Sin-tuff contra decisão no processo de reintegração de posse de origem, que deferia a antecipação de tutela favorável à UFF, determinando desocupação do local em trinta dias, sob pena de desocupa-ção coercitiva. Houve também agravo de instrumento (nº 000342581.2016.4.02.0000) interposto pela UFF contra decisão seguinte naquele mesmo processo que, esclarecendo a decisão anterior, determinou ser incumbência da Universidade ‘fornecer os meios necessários para desocupação forçada’. 3. Ambos os recursos de agravo de instrumento foram julgados na sessão de 02.08.2016 e dizem respeito à mesma questão fática. Contudo, a fundamentação do acórdão embargado apenas aborda a discordância da UFF quanto a fornecer os meios de desocupação do Sindicato, devendo ser substituída por novo voto que analise os argumentos trazidos por este em seu recurso. 4. Não merece respaldo a alegação do Sindicato de que ausente o interesse de agir da UFF, uma vez que dos autos é possível extrair a longa marcha procedimental enfrentada pela Universidade, desde o ano 2000, na tentativa de regularizar a situação da ocupação dentro do campus. 5. Mesmo ultra-passado o ano e dia de esbulho, que permitiria o processamento por meio de procedimento especial das ações possessórias, ainda continua possível a concessão de liminar na forma do procedimento comum (art. 558, caput e parágrafo único do CPC/2015). 6. Como bem pontuado no parecer do MPF, ‘o cumprimento da função social da propriedade relativamente a imóvel público deve ser aferido de acordo com o cumprimento de sua finalidade pública. Assim, se o imóvel pertence à instituição pública de ensino, sua função social estará completamente desenvolvida se, e somente se, ao imóvel se der destinação direta ou indiretamente ligada ao exercício desta atividade. Tal não ocorre atualmente com a ocupação do imóvel público por pessoa jurídica de direito privado cuja atividade não está ligada ao ensino’. 7. Necessária a integração do acórdão, para que seja subs-

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tituída a fundamentação do voto embargado, mantendo-se, contudo, o desprovimento do agravo de instrumento do Sintuff. 8. Embargos de declaração providos. Agravo de instrumento do Sintuff desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 0003455-19.2016.4.02.0000 – 5ª T.Esp. – Rel. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 09.03.2017 – p. 594)

2602 – Ação de reintegração de posse – não comprovação do exercício da posse – esbulho

“Apelação cível. Ação de reintegração de posse. Não comprovação do exercício da posse pelo autor e, consequentemente, do esbulho praticado pelos réus. Recurso ao qual se nega provimento. O autor não demonstrou o exercício da posse sobre o imóvel indicado na inicial, quando tal ônus lhe cabia por força que dispõem os arts. 561, I e 373, I, do CPC, limitando-se a acostar aos autos notificação extrajudicial e a dar o seu depoimento pessoal sobre o caso, o que, contudo, não per-mite concluir naquele sentido. A prova testemunhal produzida pelos réus (arguição de usucapião como matéria de defesa), por outro lado, comprova a posse por eles exercida sobre o bem, de longa data.” (TJMS – Ap 0822009-90.2012.8.12.0001 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva – DJe 16.03.2017)

2603 – Ação indenizatória – vícios construtivos – ausência de interesse da Caixa Econômica Federal – competência da Justiça Estadual

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação indenizatória. Vícios construtivos. Ausência de interesse da Caixa Econômica Federal. Competência da Justiça Estadual. Recurso não provido. 1. O acórdão recorrido alinha-se à jurisprudência desta Corte, pois a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os recursos sujeitos aos efeitos do art. 543-C do CPC (repetitivos), REsp 1.091.363/SC, DJe de 25.05.2009, consolidou o entendimento no sentido de não existir inte-resse da Caixa Econômica Federal a justificar a formação de litisconsórcio passivo necessário nas causas cujo objeto seja a pretensão resistida à cobertura securitária dos danos oriundos dos vícios de construção do imóvel financiado mediante contrato de mútuo submetido ao Sistema Financeiro da Habitação, quando não afetar o FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), sendo, portanto, da Justiça Estadual a competência para processar e julgar o feito. 2. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 978.716 – (2016/0235269-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 15.02.2017 – p. 1398)

2604 – Cédula rural hipotecária – fundamentos não impugnados – aplicação das Súmulas nºs 283 e 284, do STF

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Revisional. Cédula rural hipotecária. Fundamentos não impugnados. Aplicação das Súmulas nºs 283 e 284 do Supremo Tribunal Federal. Ofensa ao art. 514, I e II, do CPC/1973. Ausência de prequestionamento. Recurso não provido. 1. A ausên-cia de impugnação dos fundamentos do aresto recorrido enseja o não conhecimento do recurso, incidindo, por analogia, as Súmulas nºs 283 e 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. No caso dos autos, a Corte de origem não se manifestou sobre a alegada ofensa ao art. 514, I e II, do CPC/1973, tampouco foram opostos embargos de declaração para sanar eventual omissão quanto ao ponto, o que impede a análise de tal matéria por esta Corte Superior. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 979.500 – (2016/0236531-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 16.02.2017 – p. 2385)

2605 – Compra e venda – atraso na entrega da obra – empreendimento misto

“Compra e venda. Atraso na entrega da obra. Empreendimento misto. Aquisição de sala comercial, que deveria ter sido entregue no prazo de 36 meses a partir de outubro de 2011, com cláusula de tolerância de 180 dias. Provado que até a data da propositura da ação (junho/2015) não houve ex-

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pedição o habite-se. Atraso caracterizado. Indenização devida. Lucros cessantes fixados em 0,5% sobre o valor do imóvel ao mês. Danos morais afastados. Sucumbência recíproca reconhecida. Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Ap 1004074-18.2015.8.26.0079 – Botucatu – 6ª CDPriv. – Rel. Paulo Alcides – DJe 27.01.2017)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de apelação da sentença que julgou improcedente o pedido da ação indenizatória por atraso na entrega da obra movida contra empresa de engenharia.

Sustentou, em síntese, que o prazo para a conclusão da obra era outubro de 2014, mas somente teve notícia da expedição do habite-se um ano depois. Além disso, afirma que até o momento não conseguiu obter o financiamento e receber as chaves do imóvel, porque a apelada não baixou a hipoteca sobre ele existente. Assim, entende que deve ser aplicada a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC) e reconhecido seu direito ao pagamento de lucros cessantes e danos morais. Além disso, acena com a ilegalidade do prazo de tolerância, que não teria vindo destacada no instrumento, a configurar abuso à luz do CDC e violação dos princípios da boa fé objetiva e da função social dos contratos; e assevera que, de qualquer for-ma, o mesmo foi ultrapassado, a conferir-lhe o direito as indenizações pleiteadas, invertendo--se o ônus da sucumbência

O TJSP deu parcial provimento ao recurso.

O Ilustre Jurista Sebastião Pereira de Souza assim nos ensina sobre compra e venda:

“Num exercício fértil de memória da história da humanidade, parece que o homem primitivo satisfazia o seu interesse imediato pelo uso da força física. Parece que cada um agia por si, catando na natureza pródiga o que lhe interessava ou tomando-o do indivíduo mais fraco. Ainda desenvolvendo a fertilidade do pensar, evocando nas pegadas do tempo as situações que deram origem ao pensamento lógico, ao discernimento inteligente, parece, também, que o indivíduo fraco, ao reconhecer a sua tibiez frente à hostilidade do viver sem conviver, buscou no agrupamento uma forma de, no bando, superar-se a si mesmo unindo esforços contra a agressão externa. Parece ainda que aí nasceu a ideia de sociedade entre consanguíneos e não consanguíneos. Debulhando mais ainda a nossa indagação curiosa, buscando no funil do tem-po que alargou a tendência aos juízos de valores éticos, parece que o homem, ainda primitivo em relação à civilização que o seguia, mirando no desenvolver da cada bando, separados em territórios, cujo húmus, aliado às estações, prodigalizava diferente produção, que mais cômodo e sem perigo de vida seria dispor do que lhe sobrava recebendo do outro, na mesma situação e sem preocupar com o valor, aquilo que carecia. Parece, finalmente, que surgiu aí o escambo. Trocava-se o que se precisava pelo que sobejava para o outro. O escambo teria transcorrido vários séculos como prática de negócio, até que a distância, as intempéries constantes e mesmo o transporte de bens in natura como meio de troca tornava cada vez mais difícil o relacionamento, donde teria surgido a moeda, com um valor aceito por todos e que substituía o bem trocado. Nossa lucubração histórica nos conduz, como Carvalho Santos, a afirmar que a compra e venda teve sua origem na troca.

1 Da compra e venda

A compra e venda é uma espécie do gênero contrato, com características próprias, mas que se aperfeiçoa, como todo acordo de vontade, como um ato jurídico ou na dicção da nova ordem – um negócio jurídico, que requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

Acrescentando, ao negócio jurídico, a coincidência de duas ou mais manifestações unilaterais de vontade, visando o proveito e bem-estar dos contratantes, temos aí, como consequência, o contrato.

A capacidade do agente que libera a sua vontade para contratar é ampla e só encontra limi-tação no interesse social – art. 421 do Código Civil, guardando as partes, tanto na conclusão como na execução, os princípios da probidade e boa-fé – art. 422.

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O princípio da autonomia da vontade, ensina Sílvio Rodrigues, parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato.

1.1 Elementos da compra e venda

Pelo contrato de compra e venda um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e, o outro, a pagar-lhe o preço em dinheiro – art. 481 do Código Civil. O contrato de compra e venda é o meio, o instrumento para se transferir o Domínio. Tem efeito mera-mente obrigacional que se implementa com a execução mediante a tradição se coisa móvel – art. 1.267 ou pelo Registro no Cartório do Registro Imobiliário – art. 1.245, se for coisa imó-vel. A obrigação do vendedor é de transferir o domínio do objeto contratado. A obrigação do comprador é de pagar o preço.

Segundo expressa disposição no art. 482, a venda é considerada perfeita desde que haja acordo sobre a coisa e sobre o preço. Três, portanto, são os elementos da compra e venda: consensus, pretium e res.

Consensus

O consenso ou consentimento é o resultado do encontro da declaração unilateral de vontades de um lado, do comprador sobre o bem, e, de outro lado, do vendedor sobre o preço. A vontade eivada de vício contamina todo o contrato. Anulável, portanto, é o contrato de compra e venda quando viciada a declaração de vontade por erro substancial, dolo e coação nas circunstâncias delineadas nos arts. 138 e seguintes do Código Civil.

Pretium

No contrato de compra e venda, o preço deve ser sério, em dinheiro, não podendo ser irrisório, e que consista numa soma que seja considerada equivalente à coisa, considerando a oferta e procura à época da contratação.

O preço vil pode levar à consideração não de um contrato de compra e venda, mas de doação simulada, cujo efeito pode levar à sua anulação como verbi gratia na doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice que pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal –, expressa disposição do art. 550 do Código Civil, considerando, mais ainda, as demais disposições que impedem a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador e, também, a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – arts. 548 e 549. O preço pode ser pago em moeda corrente nacional à vista, em moeda estrangeira pela cotação do dia que converter em moeda nacional ou a prazo, em prestações. Sendo o preço pago com outro bem, compra e venda não é, pois a moldura é do contrato de troca que in thesi os efeitos não divergem muito, porque as disposições que se aplicam são as mesmas do contrato de compra e venda, exceto quando se tratar de troca entre ascendentes e descendentes – art. 533 –, em que o negócio só depende da intervenção dos outros descendentes e do cônjuge, quando os bens trocados forem de valores desiguais:

‘Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

I – Omissis;

II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consenti-mento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.’

Fica sem efeito o contrato de compra e venda se o terceiro a quem foi deixado arbitrar o preço – art. 485, não aceitar o encargo, salvo se concordarem designar outra pessoa. O preço estipu-lado pelo terceiro indicado vincula os contratantes, até que se provem vícios na elaboração do laudo que inquinem de nulidade os negócios jurídicos em geral. A nova ordem civil considera lícito às partes fixarem o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação – art. 487. As partes podem escolher um padrão objetivo e de fonte

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isenta para a fixação do preço, como v.g. os índices estipulados por órgãos governamentais ou fundações de trato econômico. Ocorre, a meu falível juízo, que o índice ou parâmetro não pode ter origem em entidade de uma das partes, como na compra e venda de imóveis feita entre construtoras e particulares com base em índice Sinduscon/CUB elaborado pelo Sindicato das Empresas Construtoras, porque estaria, de forma transversa, deixando ao arbítrio exclusivo da construtora, através de seu sindicado, entidade defensora de seus interesses, a fixação do preço, fato que torna nulo o contrato por força do art. 489.

Não havendo convencionado a fixação do preço ou critérios para a sua determinação, e não tendo a coisa tabelamento oficial, dispõe a lei – art. 488 do Código Civil –, que as partes sujeitarão ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor – art. 488. Convencionada a compra e venda de um veículo em determinada concessionária do ramo sem fixação do preço, vale o preço que o vendedor aliena a mesma marca nas vendas habituais. Havendo oscilação no preço valerá a média. A dificuldade, porque não elucida a lei – parágrafo único do art. 488 do Código Civil –, é disciplinar qual o tempo que se deve considerar para tirar a média.

Res

Em regra, ensina Carvalho Santos, são alienáveis todas as coisas que estão no comércio, quer sejam existentes, ou futuras, certas ou incertas, contanto que estas se venham a verificar. Sem a coisa, inexiste contrato, por falta do objeto, elemento essencial. Não há dúvida quando o objeto do contrato de compra e venda se constitui de coisa presente, atual. Do art. 483, disposição nova, a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.

É futura a compra de determinada quantidade e qualidade da safra agrícola ou de determinado número de itens da produção industrial, em que o adquirente toma para si o risco de vir existir em qualquer quantidade. A venda no caso é de coisa certa esperada – emptio rei speratae.

Vale o contrato para a quantidade produzida e o vendedor tem direito a todo o preço, desde que de sua parte não tenha havido culpa. Nada produzindo, mesmo em face de caso fortuito ou força maior, o contrato não se forma, a venda é nenhuma, por falta de elemento essencial, o objeto, a coisa contratada – art. 459 parágrafo único do Código Civil.

‘Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.

Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.’

Aleatória é a compra da esperança. A compra da expectativa. O comprador aposta na existên-cia da coisa no termo. Por isso mesmo, o objeto do contrato é a própria esperança, a própria expectativa – emptio spei. Alguém compra toda a safra de feijão ou café que produzir a lavoura do vendedor, assumindo o risco de colher muito ou nada colher. Neste caso, o objeto do negó-cio não foram os grãos, mas a esperança de colhê-los. Válido é o contrato, a teor da norma do art. 458, mesmo que nada venha a colher.

‘Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.’

A aparente desproporção das prestações não descaracteriza a comutatividade do contrato e justifica porque ambos os contratantes assumiram igual risco. O vendedor recebeu um preço e ao adimplir o contrato o que entregar pode valer o dobro ou mais. O comprador pagou um preço com uma expectativa de lucro que pode redundar em prejuízo.

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É ainda aleatório o objeto concernente à compra de mercadoria já despachada, embarcada e sujeita ao risco do transporte assumido pelo adquirente, mesmo que já não existisse no dia do contrato, no todo ou em parte, por naufrágio do navio ou qualquer outro acidente com o veículo transportador, fazendo jus o vendedor a todo o preço, desde que ignorasse a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa – arts. 460 e 461 do Código.” (A com-pra e venda no novo Código Civil. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 2 jan. 2014)

2606 – Compra e venda – cumprimento de sentença – penhora de imóvel de propriedade da executada – bem de família

“Agravo de instrumento. Compra e venda. Sentença procedente. Cumprimento de sentença. Penho-ra de imóvel de propriedade da executada. Bem de família. Lei nº 8.009/1990. Impenhorabilidade. Reconhecimento. Decisão mantida. Recurso não provido. Na ausência de qualquer prova contrária de que o imóvel penhorado é utilizado como moradia permanente e constitui o único de proprie-dade da executada, deve ser o mesmo considerado bem de família, enquadrando-se na hipótese da Lei nº 8.009/1990, sendo pertinente o reconhecimento de sua impenhorabilidade.” (TJSP – AI 2252874-85.2016.8.26.0000 – Praia Grande – 31ª CDPriv. – Rel. Paulo Ayrosa – DJe 21.02.2017)

2607 – Compromisso de compra e venda – rescisão contratual – litigância de má-fé – inocor-rência

“Compromisso de compra e venda. Rescisão contratual. Improcedência. Litigância de má-fé. Ino-corrência. Pretensão à aplicação do art. 940 do CC/2002. Impossibilidade. Necessidade de compro-vação de conduta maliciosa do credor, ausente na espécie. Eventual descumprimento de obrigação a reclamar adequada execução. Recurso improvido.” (TJSP – Ap 0124592-93.2012.8.26.0100 – São Paulo – 1ª CDPriv. – Rel. Augusto Rezende – DJe 21.02.2017)

Transcrição Editorial SÍnTESECódigo Civil:

“Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.”

2608 – Compromisso de compra e venda de imóvel – ilegitimidade e prescrição – afastada – atraso na entrega da obra – caso fortuito – força maior

“Civil e processo civil. CPC 1973 e 2015. Apelação civil. Compromisso de compra e venda de imóvel. Ilegitimidade e prescrição. Afastada. Atraso na entrega da obra. Caso fortuito. Força maior. Inocorrência. Risco da atividade. Mora da construtora. Devolução dos valores pagos. Retorno ao status quo ante. Lucros cessantes. Índice INPC. Honorários sucumbenciais e recursais. 1. Em rela-ção aos atos processuais praticados e às situações jurídicas consolidadas sob a vigência do CPC de 1973, deve o mérito do recurso ser examinado de acordo com a referida norma, ante a impossibili-dade de efeito retroativo do novo regramento. Por outro lado, quanto às demais situações jurídicas, deve ser observado o CPC de 2015. 2. Em se tratando de demanda que visa a discutir cláusulas que compõem o negócio jurídico de compra e venda do imóvel, a construtora responde solidariamente com a incorporadora e com quem desenvolveu serviços de intermediação na venda de imóveis, conduzindo o consumidor final a efetuar a compra de unidades imobiliárias. Com isso, verifica-se a legitimidade passiva da construtora para responder pela comissão de corretagem. 3. A prescrição para a restituição da comissão de corretagem na hipótese de atraso na entrega do imóvel é decenal (art. 205 do CC). 4. O argumento de que o atraso decorreu de chuvas torrenciais e constantes, greves no transporte público e falta de mão de obra qualificada não serve para excluir a responsabi-

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lidade da construtora, pois não configura caso fortuito ou força maior. 5. Prevalece o entendimento de que o dano ao comprador é presumido na hipótese de atraso na entrega de imóveis comprados na planta, o que lhe gera direito a receber indenização por lucros cessantes. 6. Após a rescisão contratual deve ser observado o INPC a fim de corrigir monetariamente as parcelas a serem resti-tuídas ao consumidor, pois é o que melhor reflete a perda do poder aquisitivo da moeda. 7. Possui natureza condenatória a sentença que condena o réu a restituir valores, mesmo que objetivo seja o retorno das partes ao estado anterior. 8. Reconhecida a sucumbência recursal, devem os honorários advocatícios ser majorados, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. 9. Preliminares rejeitadas. Recurso conhecido e provido em parte.” (TJDFT – Proc. 20140111424404APC – (987350) – 3ª T.Cív. – Relª Ana Cantarino – J. 16.12.2016)

2609 – Contrato imobiliário – obra – entrega – atraso

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Indenização por danos materiais e morais. Contrato imobiliário. Obra. Entrega. Atraso. Omissão não constatada. Dissídio jurisprudencial. Súmula nº 284/STF. Fundamento não impugnado. Súmula nº 283/STF. 1. Não há ofensa aos arts. 458, II, e 535 do CPC/1973 se o Tribunal de Origem se pronuncia fundamentadamente a respeito das questões postas, solucionando a lide, sem incorrer em nenhum vício capaz de maculá-lo. 2. Incide a Súmula nº 284/STF quando o recorrente deixa de indicar qual dispositivo de lei federal teve sua interpreta-ção divergente pelo Tribunal, mesmo se o recurso tiver sido interposto pela alínea c do permissivo constitucional. 3. A ausência de impugnação específica de fundamento do acórdão recorrido atrai a incidência da Súmula nº 283/STF, por analogia. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag--REsp 610.433 – (2014/0290074-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 14.02.2017 – p. 1954)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de agravo interno interposto contra a decisão que conheceu parcialmente do recurso especial para negar-lhe provimento em virtude da aplicação das Súmulas nºs 283 e 284/STF e porque não restou demonstrada a violação dos arts. 458, II, e 535 do Código de Processo Civil/1973.

Alega a agravante, em síntese, que

“[...] no que tange à alegação de violação ao art. 485, II e 535, inciso II, do Código de Proces-so Civil de 1973, a ora agravante faz os seguintes esclarecimentos: foi a sentença de 1º grau que não fundamentou a condenação em juros de medição, motivo pelo qual a CR2 suscitou em sua apelação preliminar de nulidade da sentença nessa parte, que não foi analisada. É isso que foi objeto dos embargos declaratórios: o fato de o E. Tribunal não ter julgado ou sequer mencionado a preliminar de nulidade da sentença suscitada na apelação.

Ao contrário do consignado na douta decisão monocrática ora agravada, a CR2 não opôs embargos declaratórios para sanar ausência de fundamentação da condenação em juros de medição no acórdão. O objeto dos embargos foi a ausência de julgamento da preliminar sus-citada na apelação, qual seja, nulidade da sentença de 1º grau por não ter fundamentado a condenação em juros de medição.

[...] não há razão jurídica para não conhecimento do recurso especial sob a alegação de não indicação de dispositivo federal violado, se a recorrente cumpriu com todos os requisitos que a lei impõe para o conhecimento do recurso especial com base na alínea c do inciso III do art. 105 da CF/1988.

[...]

Por fim, no que tange ao fundamento utilizado na decisão monocrática de que os fundamen-tos do acórdão destoam das razões do recurso especial, também merece reforma a decisão agravada. Isso porque o fundamento utilizado pelo acórdão para declarar a inexigibilidade da

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parcela INCC foi justamente o atraso na conclusão das obras, sendo os acórdãos paradigmas decidiram em sentido contrário.

[...]

Ou seja, a discussão posta no Recurso Especial é exatamente o fundamento do acórdão re-corrido: possibilidade de cobrança (ou não) da parcela INCC mesmo no período de atraso.

[...]

O atraso na conclusão do empreendimento é fato incontroverso pelo acórdão de apelação recorrido, a questão controversa se limita ao reconhecimento de que a cobrança da correção monetária incidente sobre o saldo remanescente do preço não constitui acréscimo no preço do imóvel, devendo ser considerado mera recomposição patrimonial da moeda, devido por todo sujeito que opta pela compra de um imóvel (e de qualquer outro bem), a ser quitado a prazo e não à vista.

Na oportunidade, a agravante pede vênia para colacionar recente decisão proferida decisão pela Ilma. Ministra Maria Isabel Gallotti, no dia 07.06.2016, nos autos do Agravo em Re-curso Especial nº 839.510 (2016/0000375-7), a respeito da mesma matéria, em recurso interposto também pela CR2 São Paulo 1 Empreendimentos Ltda. e envolvendo o mesmo empreendimento imobiliário (fls. 673/677, e-STJ)”.

Tais fundamentos não foram objeto de impugnação específica, tendo em vista que a recorrente se limitou a apontar o dissídio interpretativo em torno da possibilidade da correção monetária do saldo devedor em caso de mora da construtora. Tem aplicação a Súmula nº283/STF.

O STJ negou provimento ao agravo interno.

Oportuno trazer as lições de Adriana Mandim Theodoro de Mello sobre a boa-fé do contrato:

“Deve-se destacar que o dever de guardar conduta proba e de boa-fé nas diversas fases de formação e execução do contrato não representa inovação no direito dos contratos. A novidade restringe-se à sua inclusão no texto legal, pois antes era tido como princípio implícito no orde-namento jurídico. Dele já tratavam os diversos doutrinadores em obras já clássicas.

Sem revolucionar a secular teoria dos contratos, nem derrogar seus pilares, ‘a aplicação do princípio da boa-fé tem função harmonizadora, conciliando o rigorismo lógico-dedutivo do século passado com a vida e as exigências éticas atuais, abrindo, por assim dizer, no hortus conclusus do sistema do positivismo jurídico, janelas para o ético’.

A compreensão da relação obrigacional como um processo dinâmico, complexo, integrado por fatores que decorrem não só da lei e da declaração de vontade, mas também de fatores externos atinentes a princípios e standards de cunho social e constitucional, e que se destina a uma finalidade, foi a premissa que permitiu o desenvolvimento da noção da boa-fé objetiva como limite ao exercício dos direitos subjetivos, tidos antes como absolutos e imutáveis.

A par da imposição de limites à liberdade contratual, a boa-fé surgiu também como fonte de direitos e deveres secundários, regedores da conduta das partes antes, durante e depois da vigência do contrato.

Ora, se o contrato encerra, substancialmente, uma operação econômica que se desenvolve no tempo e com o objetivo de satisfazer os legítimos e razoáveis interesses dos contratantes, todas as condutas que, independentemente de não terem sido impostas pela lei ou pelo contrato, são indispensáveis ao alcance desse fim social e econômico, justificam-se pelo princípio da boa-fé.

Nesta ordem de ideias, tem-se a boa-fé objetiva como a regra de conduta que se funda no de-ver de comportar-se como um bom pai de família, como um homem probo, leal, que respeita os interesses dos demais membros da sociedade.

No âmbito do contrato, o princípio da boa-fé sustenta o dever de as partes agirem conforme a economia e a finalidade do contrato, de modo a conservar o equilíbrio substancial e funcional entre as obrigações correspectivas que formaram o sinalagma contratual.

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Por outro lado, é também a boa-fé que impede o exercício arbitrário do direito de estipular livremente as cláusulas e condições do contrato.

Se na relação contratual as partes se movem por interesses opostos, não podem persegui-los com astúcia e deslealdade. ‘As partes são obrigadas a dirigir a manifestação de vontade dentro dos interesses que as levaram a se aproximarem, de forma clara e autêntica, sem o uso de subterfúgios ou intenções outras que não as expressas no instrumento formalizado. A segu-rança das relações jurídicas depende, em grande parte, da lealdade e da confiança recíproca’.

Ou seja, o princípio geral da boa-fé, de forma ampla e genérica, impõe ao indivíduo o dever de conduta honesta, reta, leal, com ‘consideração para com os interesses do alter, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Aí se insere a consideração para com as expectativas legitimamente geradas pela própria conduta nos demais membros da comunidade, especialmente no outro polo da relação obrigacional’.

Em razão da amplitude e imprecisão de seu conteúdo, o alcance concreto do princípio da boa--fé há de ser aferido caso a caso, segundo suas peculiaridades e circunstâncias, mas – adverte Judith Martins-Costa – segundo critérios técnico-jurídicos, não apenas morais, remetendo ‘a solução do caso concreto à estrutura, às normas e aos modelos do sistema considerado este de modo aberto. Por estas características constitui a boa-fé objetiva uma norma proteifórmica, que convive com um sistema necessariamente aberto, isto é, o que enseja a sua própria per-manente construção e controle’.

São basicamente três as aplicações da boa-fé. Ora funciona o princípio como regra de inter-pretação do contrato ou das declarações de vontade; ora é fonte de deveres instrumentais ou secundários que compõem a relação contratual; e outras vezes é limite ao exercício dos direitos subjetivos.” (A função social do contrato e o princípio da boa-fé no novo Código Civil brasileiro. Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br)

2610 – Corretagem – incorporação imobiliária – venda de unidades autônomas – cláusula de transferência da obrigação ao consumidor – validade – preço total – dever de informação

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Direito civil e do consumidor. Incorporação imobi-liária. Venda de unidades autônomas em estande de vendas. Corretagem. Cláusula de transferência da obrigação ao consumidor. Validade. Preço total. Dever de informação. Agravo interno improvi-do. 1. É válida cláusula contratual que transfere ao promitente comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. 2. No caso dos autos, inexistente a cláusula no contrato principal (fato incontroverso), bem como não demonstrada a observância ao dever de informação e transparência, impõe-se a restituição dos valores ao con-sumidor. 3. Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 886.691 – (2016/0071760-1) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 14.02.2017 – p. 1985)

2611 – Desapropriação – alegada obscuridade – termo inicial dos juros de mora – incidência

“Embargos de declaração. Desapropriação. Alegada obscuridade. Termo inicial dos juros de mora. Incidência. Somente se não for pago o precatório no prazo constitucional. Omissão sanada. Embar-gos acolhidos em parte. 1. No acórdão embargado, de natureza condenatória, ficou decidido que os juros moratórios serão devidos a razão de 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito. 2. Segundo jurisprudência assentada no Superior Tribunal de Justiça, o termo inicial dos juros moratórios em desapropriações é o dia ‘1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição’, conforme dispõe o art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/1941, introduzido pela Medida Provisória nº 1.997-34, de 13.01.2000, de modo que os juros de mora somente incidirão se o pre-

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catório expedido não for pago no prazo constitucional. Embargos parcialmente acolhidos.” (TJMT – EDcl 107043/2016 – Relª Desª Antônia Siqueira Gonçalves Rodrigues – DJe 14.03.2017 – p. 39)

2612 – Desapropriação – depósito judicial – discussão

“Processual civil. Agravo interno. Agravo de instrumento. Tutela antecipada. Ação de desapropria-ção. Depósito judicial. Discussão remetida às vias ordinárias. Manutenção da decisão agravada. Agravo interno não provido. 1. Conforme consignado na decisão recorrida, além de não se vis-lumbrar, de plano, a probabilidade de provimento do recurso, a autorizar a concessão de efeito suspensivo, também não houve demonstração do risco de dano irreparável ou de difícil reparação. 2. Alegações genéricas e hipotéticas não são suficientes a justificar a urgência da medida pleiteada, razão pela qual não se justifica a concessão de efeito suspensivo ao recurso. 3. Agravo interno não provido.” (TRF 3ª R. – AI 0002536-03.2016.4.03.0000/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – DJe 09.03.2017 – p. 735)

2613 – Desapropriação – registro da sentença no cartório de registro de imóveis – isenção de emolumentos

“Administrativo. Ação de desapropriação. Registro da sentença no cartório de registro de imóveis. Isenção de emolumentos. Extensão da prerrogativa da União ao DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas). Possibilidade. Precedentes. I – De acordo com o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.537/1977, a União é isenta ‘do pagamento de custas e emolumentos aos Ofícios e Cartó-rios de Registro de Imóveis, com relação às transcrições, inscrições, averbações e fornecimento de certidões relativas a quaisquer imóveis de sua propriedade ou de seu interesse, ou que por ela venham a ser adquiridos’. II – Conforme estipula o art. 31 da Lei nº 4.229/1963, ao DNOCS ‘serão extensivos a imunidade tributária, impenhorabilidade de bens, rendas ou serviços e os privilégios de que goza a Fazenda Pública, inclusive o uso de ações especiais, prazo de prescrição e regime de custas correndo os processos de seu interesse perante o Juiz de Feitos da Fazenda Pública, sob o patrocínio dos procuradores da autarquia’. III – A isenção do pagamento de custas e emolumentos relativas a quaisquer imóveis de propriedade da União ou de seu interesse, ou que por ela venham a ser adquiridos, prevista no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.537/1977 é extensiva às autarquias federais. IV – Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-MS 49.361 – (2015/0243001-3) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 08.03.2017 – p. 1263)

2614 – Desapropriação amigável – recibo – negócio jurídico válido

“Apelações cíveis. Ação ordinária. Termo de desapropriação amigável. Recibo. Negócio jurídico válido. Improcedência do pedido. 1. O acordo extrajudicial firmado pelas partes é válido, nos moldes do art. 104 do Código Civil, mormente se não demonstrado o vício de consentimento que inquinasse a avença atinente a termo de desapropriação amigável, produzindo os seus efeitos com o pagamento de parte do valor acordado, sendo que a segunda parcela relativa a posse do terreno não foi paga, por não ter a parte interessada regularizado o registro do bem. 2. Negar provimento ao primeiro recurso e dar provimento ao segundo apelo.” (TJMG – AC 1.0024.10.291475-1/001 – 8ª C.Cív. – Relª Teresa Cristina da Cunha Peixoto – DJe 14.03.2017)

2615 – Desapropriação indireta – prescrição – contagem – termo a quo – fixação do quantum

“Processual civil. Civil. Desapropriação indireta. Prescrição. Contagem. Termo a quo. Fixação do quantum indenizatório. Recursos improvidos. I – No que concerne à prescrição, o Superior Tribu-nal de Justiça proferiu o Enunciado da Súmula nº 119 do STJ: ‘A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos’. II – Assim sendo, considerando que os fatos narrados nos autos e a distri-buição da presente ação se deram na vigência do Código Civil de 1916, deve ser adotado o prazo

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prescricional de 20 (vinte) anos. III – Ademais, com relação ao termo a quo do lapso prescricional, ressalte-se que o direito de ação surge somente após a lesão sofrida pelo autor. Na hipótese, o direito de ação de indenização por desapropriação indireta nasce no momento em que a área é esbulhada pelo poder público. IV – Com efeito, não obstante as alegações da Administração Pública, constata-se que o mero ato declaratório de utilidade pública da propriedade não induz à concretização da desapropriação e, portanto, não pode ser utilizado como termo inicial para con-tagem do prazo prescricional. Ainda mais, se considerarmos que o apossamento indevido ocorreu, de fato, somente duas décadas após a Portaria expedida pelo poder público. V – Assim, tratando--se de desapropriação indireta, é de se tomar, sendo o critério mais seguro, o tempo de início das obras como termo a quo do lapso prescricional, o qual, na falta de elementos mais precisos, está estabelecido em 01.09.1999, devendo, portanto, ser afastada a hipótese de prescrição arguida pela União Federal, haja vista que a presente ação foi ajuizada em 15.02.2002. VI – A desapropria-ção, sobretudo quando por via indireta, deve respeitar à justa e prévia indenização, nos termos do art. 5º, XXIV, da Constituição Federal. VII – O laudo pericial aplicou critérios idôneos, segundo me-todologia adequada e pesquisa exaustiva de mercado. O valor da indenização atribuído pelo perito pela área apossada encontra-se devidamente justificado, mostrando-se adequado para recompor o prejuízo dos coautores. VIII – Conforme constou da sentença, a parte autora não apresentou ne-nhum elemento concreto que desacreditasse a conclusão do perito judicial quanto ao valor da área desapropriada ou qualquer irregularidade em sua metodologia. IX – Ainda, restou exaustivamente comprovado que os imóveis estão localizados em área rural, e não em área urbana – como quer fazer crer a parte autora –, situação de fácil verificação através dos documentos emitidos pela Pre-feitura Municipal de Três Lagoas/MS e, até mesmo, pelas fotografias do local. X – Por fim, reputam--se corretos os cálculos efetuados excluindo o percentual de valorização, pois o valor total da área expropriada, incluída a sua valorização, é de R$ 65.718,85, de modo que, em suma, o cálculo deverá ser elaborado aplicando-se o referido de percentual 45,58% sobre o valor inicial da área (R$ 45.142,77), chegando-se corretamente ao montante total de R$ 65.718,85, e não simplesmente subtraindo 45,58% do citado valor total. XI – Remessa oficial e apelações da União Federal e da parte autora improvidas.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0000067-08.2002.4.03.6003/MS – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Valdeci dos Santos – DJe 14.03.2017 – p. 412)

2616 – Despejo – cobrança de aluguéis – decisão indeferitória – irresignação do autor – contra-to verbal

“Agravo de instrumento. Ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis. Decisão indefe-ritória da liminar de despejo. Irresignação do autor. Contrato verbal. Ausência de preenchimento dos requisitos do art. 59, § 1º, IX, da Lei nº 8.245/1991. Início de prova da relação locatícia não demonstrado. Inadimplência dos aluguéis sequer comprovada nos autos. Necessidade de dilação probatória. Perigo de dano inexistente. Contraminuta. Pedidos de concessão de justiça gratuita, condenação por litigância de má-fé e honorários recursais. Indeferimento. Recurso conhecido e desprovido. ‘Pactuado verbalmente o contrato de locação, objetivando a locadora liminar de despe-jo por falta de pagamento dos aluguéis, deve comprovar, ainda que indiciariamente, a existência da relação ex locato e a inadimplência da inquilina’ (TJSC, Agravo de Instrumento nº 2011.064595-6, de Biguaçu, Rel. Des. Monteiro Rocha, J. 23.08.2012).” (TJSC – AI 0033076-16.2016.8.24.0000 – Rel. Des. Subst. Luiz Felipe Schuch – J. 19.12.2016)

2617 – Despejo por falta de pagamento – locação – alegação de fraude – ausência de título de propriedade

“Agravo regimental em ação rescisória. Ação de despejo por falta de pagamento. Contrato de lo-cação. Alegação de fraude. Ausência de título de propriedade. O imóvel em evidência consiste no objeto de duas ações de usucapião individualmente ajuizadas pelas partes envolvidas no presente

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litígio. Suspensão liminar da ordem de despejo. Os argumentos apresentados no agravo interno não infirmam as razões da decisão agravada. Recurso fundado apenas na declaração de existência de relação locatícia. Após a interposição do presente recurso a ação de usucapião ajuizada pela ré foi julgada improcedente com fundamento na relação locatícia que está sendo impugnada na ação rescisória. Ausência de trânsito em julgado. A ação de despejo, na qual há alegação de contrato de locação fraudulento, foi distribuída por dependência ao juízo da 8ª Vara Cível de Maceió, haja vista a existência de uma ação de imissão de posse ajuizada por terceira pessoa em face da ora agravante. Não se sabe, neste momento, a quem pertence a propriedade do imóvel em debate. Abuso no direito de ação e na interposição de recursos meramente protelatórios. Visível intenção de desestabilizar psicologicamente a parte adversa. Facilidade no acesso à justiça, dado que as ações e recursos são patrocinados por seu filho. Recurso conhecido e não provido. Unanimidade. Multa de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, consoante determina o § 4º do art. 1.021 do NCPC.” (TJAL – AgRg 0802985-19.2016.8.02.0000/50000 – Rel. Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo – DJe 13.03.2017 – p. 78)

2618 – Despejo por falta de pagamento c/c com rescisão do contrato e cobrança de aluguéis – contrato escrito

“Processo civil. Ação de despejo por falta de pagamento c/c com rescisão do contato e cobrança de aluguéis. Contrato escrito. De acordo com o art. 23, I, da Lei nº 8.245/1991 o dever de pagar é do locatário. Adimplemento não comprovado. Inversão do ônus a teor do disposto no art. 373, §§ 1º e 2º, do CPC. Descabida. Prova documental coligida aos autos dão sustentação ao pedido de despejo cumulado com cobrança. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. 1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por Francisco Eliesio Campos Nunes (réu) em face de sentença de fls. 70/72 proferida pelo d. Juízo da 3ª Vara Cível de Taguatinga que, nos autos da Ação de Despejo por Falta de Pagamento c/c Cobrança de Alugueres e Assessórios, julgou procedente os pedidos iniciais, decretando a rescisão contratual e determinando a desocupação voluntária do imóvel sob pena de despejo. 2. A Lei nº 8.245/1991 prescreve, entre os deveres do locatário, em seu art. 23, inciso I, o de ‘pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido, no imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no contrato’. 3. Por outro lado, o art. 9º da referida Lei do Inquilinato contempla, em seu inciso III, a hipótese de desfazimento da locação em decorrência da falta do pagamento do aluguel e demais encargos, bem como prevê, em seu art. 62, inciso I, a possibilidade de cumular o pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios da loca-ção com o de rescisão contratual. 4. Ressalto que não há como prevalecer a tese de que o ônus da prova deve ser invertido para que o autor/locador prove que entregou os recibos ao réu/locatário, a teor do que dispõe o art. 373, §§ 1º e 2º, do CPC. O dever legal de efetuar o pagamento é do lo-catário, nos termos do art. 23, I, da Lei do Inquilinato, sendo ônus do réu evidenciar nos autos que cumpriu com a sua obrigação contratual de pagar apresentando os comprovantes. 5. Ademais, o réu/apelante não se desincumbiu do seu ônus da prova, não trazendo aos autos causas impeditivas, modificativas ou extintivas do interesse do credor, nos termos do art. 373, inciso II, do CPC, sendo que meras alegações, não são capazes de desconstituir a força probante da obrigação contratual em questão. 6. Registro que, quanto ao valor probante dos documentos juntados pelo autor (fls. 53/58), constata-se que correspondem à quitação dos aluguéis no período de março de 2014 a fevereiro de 2015, sendo que a partir de março de 2015, não há dúvida quanto à inadimplência da parte ré, o que evidencia a infração contratual, sendo justa a aplicação dos termos do contrato com a rescisão e os consectários obrigacionais. 7. Portanto, cabível o despejo cumulado com cobrança, pois o requerido ocupa o bem precariamente, e não tendo comprovado o pagamento dos aluguéis devi-dos em razão do contrato de locação por ele firmado, a manutenção da r. sentença é medida que

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se impõe. 8. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos.” (TJDFT – Proc. 20150710162538APC – (981592) – 5ª T.Cív. – Rel. Robson Barbosa de Azevedo – J. 16.12.2016)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de ação de despejo c/c cobrança interposta por conta de suposto atraso no pagamento dos valores referentes ao aluguel e obrigações condominiais referentes ao imóvel.

Alegou o autor ser locador do imóvel supracitado, com contrato de locação no qual o réu figura como parte locatária desde 20.02.2014. Entretanto, a partir do mês de março de 2015, o lo-catário teria deixado de pagar os encargos contratuais, sempre informando que providenciaria os valores, mas nunca efetivando o devido pagamento.

Destarte, com base no art. 9º, incisos II e III, e do art. 62, incisos I e II, da Lei nº 8.245/1991, requer o autor o despejo do réu ante ao descumprimento da obrigação contratual, qual seja a contraprestação pelo usufruto do imóvel locado, bem como a condenação do locatário e seus fiadores, solidariamente, ao pagamento dos alugueis vencidos até a data da interposição da presente ação, referentes aos meses de março/2015, abril/2015 e maio/2015, com acréscimo de juros de mora e multa, totalizando R$ 1.460,50 (mil quatrocentos e sessenta reais cin-quenta centavos), já com os mencionados acréscimos, além dos aluguéis vincendos no decor-rer do processo, conjuntamente com os encargos de locação (IPTU, CEB, Caesb, condomínio), vencidos e vincendos neste período.

A parte ré devidamente citada, apresentou contestação onde assevera que efetuou os paga-mentos de todos os aluguéis cobrados, mas que, devido ao não fornecimento de recibos de pagamento por parte do locador em momento algum da relação contratual firmada entre eles, não é capaz de apresentar os respectivos comprovantes.

O MM. Juiz proferiu decisão determinando às partes que especifiquem provas que pretendam produzir, sendo que o réu e o autor se manifestaram.

O feito foi saneado sendo deferida a gratuidade de justiça em favor do requerido e ante a apresentação de documentos pelo autor, concedido prazo de 5 (cinco) dia para se manifestar quanto aos documentos juntados.

O STJ negou provimento ao recurso, mantendo-se incólume a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.

José Horácio Cintra Gonçalves Pereira, discutindo os aspectos processuais da Lei do Inquili-nato, elucida:

“A ação para reaver o imóvel, qualquer que seja o fundamento do término da locação, é a de despejo (art. 5º). Revela-se, dessa forma, como máxima, que, em todas e quaisquer hipóteses em que a locação tenha terminado, a ação para reaver imóvel locado é a de despejo. A pro-pósito, com finalidade ilustrativa: ‘Desfeito o vínculo locativo e remanescendo a necessidade do ex-locador recuperar o bem, deve valer-se, face à natureza do contrato gerador da posse original do ex-inquilino, da ação de despejo, a teor do art. 5º da Lei nº 8.245/1991’.

De outra parte, observa José Guy de Carvalho Pinto que ‘não se deve confundir a ação de despejo com o despejo. Este conduz à pretensão que se formula naquela, e se contrai nos atos materiais voltados à desocupação do imóvel de pessoas e coisas’, enquanto que ‘a ação de despejo, por sua vez, é a competente para a devolução ao detentor da posse indireta, da posse direta transferida por contrato de aluguel’.

Importa ressaltar, ainda, que essa ação de despejo tem natureza executiva ou executiva lato sensu, o que significa dizer que ‘a execução é imediatamente decretada pela sentença, não dependendo de uma ação de execução autônoma subsequente’. Não se exige processo de execução, suficiente mero procedimento de realização prática (satisfação-efetividade) dos efei-tos do provimento jurisdicional. Não havendo, portanto, processo de execução subsequente à sentença de procedência da ação de despejo, inadmissíveis embargos à execução.

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Dessa forma, basta a notificação (rectius intimação) pessoal ao locatário (art. 65), destacan-do-se que a desocupação voluntária conta-se da respectiva intimação, sem perder de vista, no entanto, o disposto no art. 241, e seus incisos, do Código de Processo Civil.

[...]

Outra questão que merece consideração diz respeito à figura do locador – pessoa que dá o bem em locação –, porque, via de regra, o proprietário da coisa é quem pode dá-la em locação, todavia, não apenas ele, mas também pode quem tiver a livre disposição do uso e gozo da coisa (p.ex.: o usufrutuário, o comodatário, o possuidor, o próprio locatário, se o locador con-sentir – art. 13 da Lei do Inquilinato –, entre outros). Pois bem, se para o estabelecimento da relação jurídica de locação não se exige a condição de proprietário, para o desfazimento desse vínculo também não se poderia exigir essa condição. Em suma, quem contrata pode destratar.

Sucede, porém, que a lei, por força de tradição firmada pela nossa legislação do inquilinato, exige para determinadas ações de despejo que o locador comprove sua condição de proprie-tário, promissário comprador ou promissário cessionário, mediante prova documental (§ 2º do art. 47 e art. 60 da Lei nº 8.245/1991). ‘A justificativa é simples’, assevera José Guy de Car-valho Pinto, sob o fundamento de que ‘apenas ao proprietário e aqueles a ele equiparados será aprovado reaver para uso próprio ou de parente, assoalhando-se inadmissível que um estranho à relação dominial assim pudesse agir. Como também só eles têm interesse em demolição, edificação e reformas de vulto’.

Ousamos discordar por entender correta a crítica formulada por Theotonio Negrão, ao afirmar que ‘a disposição parece absurda. Bastaria apenas a prova da locação, quando contratada por escrito. A ação de despejo compete ao locador (art. 5º, caput), e não ao proprietário. Supondo que o locador não tenha domínio, ficará privado de recuperar o imóvel locado?’.

Apesar da adequada e correta crítica, a resposta, infelizmente, será afirmativa, porque legem habemus e, por via de consequência, correta a jurisprudência ao exigir prova de propriedade.” (Aspectos processuais relevantes da lei do inquilinato – Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Juris Síntese, n. 51, jan./fev. 2005)

2619 – Direito de vizinhança – nunciação de obra nova – cumprimento de sentença

“Direito de vizinhança. Nunciação de obra nova. Cumprimento de sentença. Decisão que apurou o valor do débito remanescente e determinou a intimação da agravante/executada para pagamento. Manutenção. Necessidade. Atualização realizada nos exatos parâmetros delineados pela decisão que acolheu parcialmente a impugnação ao cumprimento de sentença. Recurso desprovido.” (TJSP – AI 2207942-12.2016.8.26.0000 – Bertioga – 30ª CDPriv. – Rel. Marcos Ramos – DJe 21.02.2017)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de agravo de instrumento interposto em razão da r. decisão, proferida nos autos da ação de nunciação de obra nova com pleito cumulado de reparação de danos, em fase de cum-primento de sentença, que determinou a intimação da executada para pagamento do débito de R$ 81.495,26, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de penhora.

Consta dos autos que a demanda proposta pelos agravados foi julgada procedente, tendo sido parcialmente alterada por V. Acórdão proferido por esta C. Câmara para condenar a ora agravante ao pagamento da quantia de R$ 55.000,00, atualizada monetariamente a partir de 13.03.2009, sem reflexo na distribuição da verba sucumbencial, esta fixada pelo Juiz sentenciante em 15% sobre o valor do débito.

Aduziu a executada, em síntese, que a decisão anteriormente proferida já havia estabelecido os parâmetros para liquidação do débito e, portanto, não pode o atual Magistrado da causa inovar ou decidir novamente, eis que já operada a preclusão.

Acresce que o débito já está quitado, ao que de rigor a concessão de efeito suspensivo e, ao final, a reforma da decisão recorrida.

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O TJSP negou provimento ao recurso.

Sobre a questão do direito de vizinhança, de acordo com o novo Código Civil, insta trazer à baila os ensinamentos do eminente Jurista Silvio de Salvo Venosa:

“Os incômodos, desconfortos e prejuízos decorrentes desses fatos e atos dão origem a duas modalidades de atitudes do proprietário ou possuidor, conforme suas respectivas consequên-cias, que se refletem em duas categorias de ações judiciais. Se já houve efetivo prejuízo decor-rente da vizinhança: queda de objeto sobre terreno vizinho, danificando a propriedade; emis-são de gases poluentes durante determinado período, afetando a saúde e a coisa do vizinho; descarga de esgotos sobre outro prédio etc., a solução pode ser somente a ação indenizatória em que apurarão perdas e danos, mormente se já cessou a turbação ou moléstia. Essa ação buscará a reposição de valor equivalente, tanto quanto possível, ao prejuízo sofrido. Não se afasta da indenização, evidentemente, o dano exclusivamente moral. Os incômodos anormais de vizinhança também podem desaguar nos danos de natureza moral. A situação aproxima-se da responsabilidade civil aquiliana e muitas vezes com ela se confunde, porque presentes os requisitos do art. 186 (antigo art. 159) do Código Civil, com culpa lato sensu.

No entanto, tratando-se de situação presente e continuativa de prejuízo à segurança, sossego e saúde do vizinho, a ação é tipicamente de vizinhança nos termos do art. 1.277 (antigo art. 554). O remédio processual será a ação de obrigação de fazer ou não fazer com cominação e multa diária (ação de efeito cominatório), tantas vezes já mencionada nesta obra, resumindo--se em indenização final dos prejuízos, pedido indenizatório esse que pode vir cumulado. Pede--se a cessação dos fatos ou atos perturbadores e a indenização pelos prejuízos já causados. A ação de nunciação de obra nova é admissível, enquanto em curso e não terminada a obra perturbadora.” (Direito civil: direitos reais. São Paulo: Atlas, 2004. p. 362-363)

Humberto Theodoro Júnior nos dá uma lição sobre a ação de nunciação de obra nova, in verbis:

“Nunciação de obra nova consiste na providência tomada em juízo para o fim de embargar ou impedir o prosseguimento de construção que prejudica imóvel de outrem. Permite a lei que, ao pedido nuclear dessa ação, se acrescente, se for o caso, o de reconstrução, modificação ou demolição da obra irregular, ou de cominação de pena para a eventualidade de inobservância do preceito, bem como o de condenação em perdas e danos (arts. 934 e 936).

[...]

A agressão ao prédio alheio deriva da ameaça de a construção nova invadir área do vizinho, de deitar goteiras sobre ela ou devassá-la irregularmente por meio de janelas, eirados, terraços ou varandas, ou de comprometer, de qualquer forma, a segurança das edificações nela erguidas ou, ainda, de inutilizar ou reduzir as servidões existentes. Há, ainda, motivo para o embargo, quando o fim ou destinação do imóvel vizinho é prejudicado pela obra nova, o que pode, fre-quentemente, acontecer por meio de edificações que desrespeitem zoneamento traçado pela administração ou fixado em condições de loteamento aprovadas administrativamente.

Dá-se, também, o mesmo quando um condômino abusa de seu direito limitado de comunheiro e introduz construção no prédio comum, causando-lhe dano ou alteração de finalidade ou estrutura.” (Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 148-149)

2620 – Doação feita a enteado – inoficiosidade – existência

“Civil. Processual civil. Recurso especial. Doação feita a enteado. Inoficiosidade. Existência. I – A doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima. II – Doação anterior, feita a herdeiros legítimos, deve ser computada como efetivo patrimônio do doador para efeitos de aferição de pos-sível invasão da legítima, em nova doação, sob pena de se beneficiarem, os primeiros donatários, para além da primazia que já tiveram. III – Raciocínio diverso obrigaria o doador a praticar todos os atos de liberalidade que quisesse praticar em vida, ao mesmo tempo, ou ao revés, contemplar os herdeiros legítimos apenas ao final, sob risco de, pela diminuição patrimonial própria da doação,

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RDI Nº 38 – Mar-Abr/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������219

incorrer em doação inoficiosa. IV – Recurso provido.” (STJ – REsp 1.642.059 – (2015/0017305-4) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 10.02.2017 – p. 2014)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de recurso especial interposto contra acórdão do TJ/RJ, em ação: de declaratória de doação inoficiosa em desfavor dos recorrentes, em razão da doação feita pelo pai dos recorri-dos em favor do segundo recorrente.

O TJRJ assim deu provimento à apelação interposta pelos recorridos, em acórdão assim emen-tado:

“Apelação cível. Ação declaratória de doação inoficiosa. Doação a enteado que excede o limite que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Ato de liberalidade realizado na vigência do Código Civil de 1916. Doação anterior realizada em partes iguais aos únicos herdeiros necessários à época, o que não importa, portanto, adiantamento de legítima. Necessidade de anuência dos herdeiros necessários para legitimar a doação que excede a parte disponível do doador. Procuração que não contêm poderes específicos para doar e muito menos o nome da pessoa a ser beneficiada. Documento que não substitui a declaração de anuência dos herdeiros. Nulidade de parte do ato de liberalidade. Inteligência do art. 1.176 do CC/1916. Sentença reformada. Apelo a que se dá provimento.”

Os recorrentes intentaram Recurso especial alegando ofensa aos arts. 1.171, 1.175, 1.176, do Código Civil de 1916.

Sustentou-se que a doação que foi feita aos recorridos, diferentemente do que afirma o Tribunal de origem, caracterizou-se como adiantamento de legítima.

Afirmou também que houve anuência do recorrido com a doação feita ao segundo recorrente, porque aqueles outorgaram procuração ao pai comum para “vender, prometer vender, ceder, prometer ceder ou por qualquer forma alienar” o imóvel que posteriormente foi doado ao recorrente.

O recorrido reafirma a inoficiosidade da doação realizada ao segundo recorrente, declinando, ainda, que a procuração que assinaram para o seu falecido pai, não incluía nenhuma menção a eventuais poderes para doar.

O STJ deu provimento ao recurso especial para cassar o acórdão e restabelecer os termos da sentença.

Oportuno trazer trecho do voto do Relator:

“A amplitude dos poderes que foram conferidos ao falecido pai para dispor de um patrimônio imobiliário, por óbvio, em favor de terceiro, e ainda o fato de que, quando formularam a pro-curação, outorgaram poderes ao pai para dispor de um imóvel que ainda seria adquirido, diz, segundo as máximas da experiência, de uma situação em que anuíram com a vontade do pai, de forma legítima para, posteriormente, após o óbito do genitor, buscarem rediscutir a validade da manifestação de vontade que livremente exararam.

Assim, passando ao largo de uma alteração nos elementos de prova pré-constituídos, ainda é possível se concluir que os termos em que foi elaborada a procuração, dariam, por si só, a possibilidade do pai dos recorridos de oferecer a parte que lhe cabia na aquisição do imóvel, integralmente ao seu enteado, ora recorrente.”

O ilustre Jurista Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior assim nos fala sobre o instituto da doação:

“Para uma grande maioria, a doação é um contrato (Orlando Gomes, Maria Helena Diniz). Tanto é assim que nosso Código a colocou no rol dos contratos.

Para outros, a doação não tem natureza contratual, pois, em algumas situações, o consenti-mento do donatário não se verifica.

O próprio Código Civil francês não alista a doação como contrato, apenas a considerando como forma de aquisição de propriedade.

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Contudo, mostra-se prevalente a primeira tese, a qual permite definir ‘doação’ como um ‘con-trato pelo qual uma das partes de obriga a transferir gratuitamente um bem de sua propriedade para o patrimônio da outra, que se enriquece na medida em que aquele empobrece’.

Essa é, inclusive, a interpretação autêntica do contrato de doação, previsto no art. 1.165, do Código Civil de 1.916, in verbis, que prevê:

‘Art. 1.165. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outro, que os aceita.’

A mesma definição é encontrada na Lei nº 10.406/2002, que dispõe:

‘Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.’

III.3.1 Doações inoficiosas

A lei impõe certas limitações ao doador. Neste desiderato, o art. 1.176, do Código Civil de 1916:

‘Art. 1.176. Nula é também a doação quanto à parte, que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.’

E, no mesmo diapasão, o art. 549, da Lei nº 10.406/2002:

‘Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momen-to da liberalidade, poderia dispor em testamento.’

Sendo assim, o doador disporá de duas partes de seu patrimônio. Uma que se denomina parte disponível, à qual o oferente poderá dar o fim que lhe aprouver; e uma outra parte, denomina-da legítima, que deve ser resguardada em favor de seus herdeiros.

Tem-se, destarte, que não se admite a doação inoficiosa, qual seja, aquela doação em que o doador, no momento da liberalidade, excede a legítima dos herdeiros. Não se concebe que alguém doe além do que poderia dispor em testamento.

O conceito da inoficiosidade é ditado pelo parágrafo único, do art. 1.790, do Código de 1916:

‘Considera-se inoficiosa a parte da doação, ou do dote, que exceder a legítima e mais a metade disponível.’

Cumpre mencionar que o Código Civil de 2002 não traz texto expresso, com igual ou seme-lhante redação.

Legítima, então, é a parte de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio do doador, cabível aos seus herdeiros necessários, que pelo Código Civil vicejante, perfazem os descendentes, os ascendentes e os cônjuges.

Visando proteger o interesse dos herdeiros, preceituou o legislador, no art. 1.171, do Código de 1916 (Lei nº 3.071, de 01.01.1916), que a doação dos pais aos filhos importa em adian-tamento da legítima.

Igual preceito restou lançado no Código Civil de 2002, agora no art. 544, que prescreve:

‘Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adian-tamento do que lhes cabe por herança.’

Nos dizeres da lei, quando o ascendente doa ao descendente, em vida, isto representa adian-tamento daquilo que lhe caberia na herança.

Sobreleve-se, apenas, que o ascendente não necessita do acordo dos demais para doar a um descendente, ao contrário do que ocorre na compra e venda e na permuta, pois, na hipótese da doação, já há a presunção de adiantamento de legítima.

Logo, a doação de ascendente para descendente, sem o consentimento dos demais, não é nula. O caso é da conferência prevista no art. 1.786, do Código Civil de 1916, com idêntica redação do art. 2.002, da Lei nº 10.406/2002; trazendo o ato realizado de doação para a colação dos bens doados.

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Por assim dizer, quando um descendente recebe em vida doação um bem de seu ascendente, deverá declarar nos autos do inventário essa doação, e isso lhe será contado como adianta-mento da parte que lhe caberia na herança.

Portanto, tem-se que a doação de ascendente para descendente importa em adiantamento da legítima. Deste modo, quando da abertura do inventário, o herdeiro contemplado com a doação é obrigado a trazer à colação, nos autos do inventário, os bens e dotes que recebeu.

Colação é, então, o ato pelo qual os herdeiros necessários, beneficiados em vida com doações do de cujus, declaram, no inventário, tudo aquilo que receberam, para que sejam conferidas e resguardadas as respectivas legítimas.

A finalidade desta colação está prevista na própria lei. O art. 2.003, do novo Código Civil, assim a considera:

‘Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legíti-mas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.’

Caso já não os tenha, o donatário deverá trazer à colação o valor correspondente em dinheiro.

Em havendo negativa na apresentação destes bens, incorrer-se-á em sonegação, a qual tem resultado previsto no novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002), pelo art. 1992:

‘Art. 1.992. Herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quan-do estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.’

Neste particular, repita-se, a doação de pai para filho não é nula ou anulável. Ela é válida. Nula seria tal doação se o filho donatário fosse contemplado com a totalidade dos bens, em prejuízo dos demais descendentes, ou mesmo na parte em que excedesse o disponível do doador.

O que se reclama na doação entre ascendentes e descendentes é que tal seja declarada nos autos do inventário, quando da colação. Caso o bem doado ao herdeiro seja mais valioso que o quinhão hereditário a que faria jus, haverá necessidade de conferência e redução. A propósito, eis o art. 2.007, do novo Código Civil:

‘Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.’

Por outro lado, poderão operar-se doações de ascendentes para descendentes, sem que se dê a ulterior conferência, por intermédio da colação. Concorde, Maria Helena Diniz:

‘O pai poderá fazer doações a seus filhos, que importarão em adiantamento da legítima, de-vendo ser por isso conferidas no inventário do doador, por meio de colação, embora o doador possa dispensar a conferência, determinando, em tal hipótese, saia de sua metade disponível, calculada conforme o Código Civil, art. 1.722, contanto que não a excedam, porque o excesso será considerado inoficioso, e portanto nulo.’

Portanto, não está sujeito à colação imóvel recebido em doação por filho, se o pai doador determinou que fosse retirado de sua parte disponível o objeto da liberalidade, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo.

No mesmo sentido, Rogério Marrone de Castro Sampaio, para quem é possível a dispensa da colação, e, por conseguinte, que a doação beneficie um filho em detrimento dos demais, desde que o doador inclua o ato de liberalidade dentro de sua parte disponível na herança.

Outrossim, convém lembrar que à luz do art. 2.011, do novo Código Civil, que ‘as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas à colação’.

Por assim dizer, quando um descendente recebe uma doação de seu pai, em face dos serviços que lhe prestou, esta doação não se sujeita à colação, uma vez que se reveste de caráter remuneratório, e não se configurando um verdadeiro donativo.” (Dos contratos de doação,

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compra e venda, e permuta, entre ascendentes e descendentes. Disponível em: http://online.sintese.com.)

Rolf Madaleno, ao falar sobre testamento, assim nos elucida:

“Sob o manto da solenidade o legislador protege a manifestação de vontade do testador, sua autonomia, diminuindo as possibilidades de pressões físicas ou psíquicas.

Quaisquer das formalidades previstas, tanto intrínseca, como extrinsecamente, podem deixar de ser observadas, ou dispensadas, sob pena de nulidade do negócio, que pode ser decretado inclusive, de ofício pelo decisor.

Refere Pontes de Miranda que o Estado protege a última vontade; cerca-a de formas que a li-vrem de insídias e maquinações. Continua, ao explicar que a exigência de forma testamentária evita que o testador apressadamente manifeste a vontade e de certo modo mostra-lhe que é de grande relevância o ato que vai praticar. Por outro lado, diminui as possibilidades de pressões, de violências, de erros e de atendimentos a pedidos e promessas. Além disso, a presença de testemunhas concorre para que se contenha, pondere e se precate o testador. Todo intervalo entre a deliberação de testar e a feitura do testamento fortalece a meditação do disponente. Quanto a terceiros, as formalidades testamentárias põem o testador a salvo de falsificações e de falsidades, bem como de violências. Muito se sabe sobre os males que resultavam das cartas de consciência. Herdeiros legítimos eram lesados pelas coações de estranhos, que o testador beneficiava, e das preterições momentaneamente causadas. Pessoas estranhas, e não só parentes, eram postas de lado por circunstâncias de intranquilidade do testador. Não só her-deiros legítimos. Daí não bastar o escrito, por mais perfeito e verdadeiro que seja, para que se repute feito o testamento. O rigor formal protege o testador e os que seriam por ele declarados herdeiros ou legatários. Trata-se de ato de última vontade, razão por que a técnica legislativa também há de cogitar de formalidades que assegurem a conservação do negócio jurídico... Com os pressupostos de forma, o que se tem por fito é maior segurança na expressão da von-tade e na conservação do instrumento... Se o testamento não satisfaz as exigências formais, ou algumas delas, testamento não há. Se a satisfação é que foi insuficiente, há nulidade. Ser incompleta a observância, ou ser irregular, faz nulo o testamento. Não ter havido cumprimento de qualquer dos pressupostos, qualquer que seja, não é infração da lei; é omissão de requisito para a existência de testamento.”

Na sucessão testamentária, diferentemente do que ocorre nos atos inter vivos, onde rege o princípio da liberdade de forma, predomina o princípio da solenidade, por cujo Enunciado, um ato só produz efeitos quando é realizado em cumprimento às formalidades impostas por lei. Para José Luis Pérez Lasala, a exigência de solenidades do testamento tem uma justificação específica, pois como a valoração de sua eficácia só terá lugar depois da morte do testador, sem que este pudesse esclarecer sua vontade, a interpretação da cédula decorre dela mesmo, e reclama por decorrência, sejam revestidas as declarações do testador, da seriedade, proteção e precisão que as solenidades legais resguardam.

Cumpre ter presente, outrossim, que estas formalidades prescritas para validade de um tes-tamento, devem resultar do próprio testamento e não de outros atos provados por testemu-nhas, o que significa dizer que o testamento deve bastar-se por si mesmo e de suas próprias enunciações deve surgir a demonstração segura e retilínea, de que o ato foi coberto pelas solenidades legais.

Não é possível dispensar as observações doutrinárias de Clóvis Beviláqua com respeito às formas do testamento, quando assevera depender a eficácia da vontade última testada, da ob-servância das formas prescritas em lei, para maior garantia e segurança de sua execução, pois que, resguardam a liberdade do testador e constituem prova de autenticidade do ato, visto re-presentarem a vestimenta com a qual se exterioriza o pensamento nas disposições derradeiras. São por indiscutível, ritos substanciais dos testamentos, que a omissão fulmina de nulidade, como coloca Orisombo Nonato, pois, elenca os grandes interesses de ordem moral e material depositados para validade que suplanta à morte do testador, sendo impossível dilucidar-lhe

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o verdadeiro sentido, com uma interpretação pessoal, autêntica, causas de conseguinte, que inculcam uma precaução maior da conta para que o testamento, cintado de cautelas, possa representar o testemunho inequívoco, irrecusável do defunto.

Sendo salvaguarda da faculdade de testar e daí descansar a sucessão testamentária em índole especialíssima das relações por ela reguladas, não aceitando que terceiros venham exercer procuratório reflexivo e decisivo da derradeira vontade do testador. Convém recordar Enecce-rus-Kipp-Wolff, quando informam ser viável, reste o testador exposto a intentos, influxos de influência sobre o exercício da sua vontade, de modo que a única maneira de resolver estas dificuldades, consiste em que a lei exija do testador, que exponha a sua última vontade em um documento, revestido das solenidades acauteladoras.

O seu característico de ato solene e formal impede vigore o testamento sem a observância cabal e pontualíssima das formalidades de que a lei o cerca.

Para Pinto Ferreira, as formas são prescritas por lei para a garantia e validade da declaração de vontade do testador.

Não podem as partes ratificar o ato nulo, já escreveu Clóvis Beviláqua, pois inexiste testa-mento falecido de requisitos essenciais, sobretudo prudentes, ou mais que isto, vinculativos ao ato de dispor, dado que sendo o testamento ato unilateral que: ‘que decorre da só vontade do testador, razão pela qual é necessário e prudente estabelecerem-se regras em torno dessa manifestação volitiva, o que é comum a todas as legislações’.

Caio Mário da Silva Pereira dilucida que o legislador cria as exigências de forma, com o intuito de preservar a idoneidade psicológica do testador e desta maneira, protege e dá autenticida-de à volição derradeira, contra as insinuações captatórias, deformação e descompasso entre querer real e a sua externação, sendo irrelevante indagar da ocorrência de eventual prejuízo e conclui: ‘É, então, imprescindível seguir o roteiro solene exigido pela lei vigente ao tempo de sua feitura, para cada modalidade. Não cabe aqui nenhum ecletismo. A inobservância das solenidades impostas a um tipo de testamento não se poderá suprir com a obediência às de outra forma’.

San Tiago Dantas em elucidativa sentença justifica as razões porque se cercam de excepcional formalismo os atos jurídicos em matéria de testamento e explica, que: ‘assim como em matéria de casamento a omissão de formalidades extrínsecas só conduz à nulidade muito raramente, dado o favor matrimonii com que se examinam todas as nulidades, em matéria de testamento, ao contrário, a omissão das formalidades reputadas essenciais pela lei, conduz com frequên-cia, ao aniquilamento do ato’.

O testamento reclama especial meditação de conteúdo e de forma externa, porquanto a lei re-gulou solenidades, inibindo composições, pois como muito bem coloca Arnoldo Wald, o direito moderno conserva exigências formais em matéria de Direito Sucessório e, especialmente, em relação ao testamento, que pela sua própria função e natureza visa a modificar ou a inverter uma ordem de atribuição de bens estabelecida pela própria lei.

A exigência e a observância de formalidades decorrem da definição contida no art. 1.626 do Código Civil, ao referir que o testamento é um negócio jurídico solene e só vale se feito de conformidade com a lei, quer no seu aspecto formal, quer no seu aspecto material, iluminando Zeno Veloso com o argumento intransponível, dessa escravidão da forma significar em realida-de, a libertação da idéia, do pensamento e da vontade, ‘através da certeza, da segurança e da garantia de sua autenticidade, o que é tão necessário, especialmente no testamento, por seu finalismo individual, familiar, social, material e moral, de tão graves e intensas repercussões’.

Paulo de Lacerda explica que os testadores não podem dispensar e nem se apartar da forma dos testamentos regulada por lei; pois doutra forma ele é nulo e invoca os arts. 82 e 129 do Código Civil, em que o primeiro dispõe que a validade do ato jurídico requer agente capaz, ob-jeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei e o segundo dispositivo, diz que a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir; trazendo à baila, por complemento, os arts. 130 e 145, também do Diploma Substanti-

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vo Civil; em que o primeiro dispõe que não vale o ato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em lei, salvo quando esta comine sanção diferente contra a preterição da forma exigida e o último, dispõe ser nulo o ato jurídico quando praticado por pessoa absolutamente incapaz; quando não revestir a forma prescrita em lei; quando for preterida alguma solenidade que a lei considera essencial para sua validade; quando a lei taxativamente declarar nulo, ou lhe negar efeito, só valendo o testamento que efetivamente se revestir das regras prescritas para a sua confecção eficaz, vale dizer, perfeito em sua formação, sob todos os ângulos, em toda a sua substância ad solemnitatem e não ad probationem.

Este conjunto de formalidades que dá uma ritualização essencial e necessariamente formal à facção testamentária, própria e inerente a esse ato jurídico unilateral, que conta seus efeitos para quando seu autor já não mais estiver presente para defendê-lo, disso importando cada passo do seu ritual e das pessoas que, conjuntamente participam do testamento, sempre com o intuito de assegurar a liberdade do testador e a veracidade de suas disposições.” (Testamen-to, Testemunhas e Testamenteiro: uma brecha para a fraude. Disponível em: http://online.sintese.com)

2621 – Evicção – ação possessória – denunciação da lide – obrigatoriedade

“Recurso especial. Processual civil e civil. Ação possessória. Denunciação da lide, pelo réu, ao alienante (CPC/1973, art. 70, I). Evicção (CC/1916, art. 1.107; CC/2002, art. 447). Obrigatoriedade (CC/1916, art. 1.116; CC/2002, art. 456). Recurso provido. 1. Discute-se a denunciação da lide ao alienante do imóvel, promovida pelo réu adquirente em ação possessória, com fundamento no art. 70, I, do CPC/1973, a fim de garantir o exercício de direito de evicção (CC/1916, art. 1.107; CC/2002, art. 447). 2. Alegada pelo réu a aquisição onerosa de domínio e posse de terreno objeto de ação possessória, a denunciação da lide ao alienante era obrigatória ao tempo do ajuizamento da demanda, nos termos da lei material, para a garantia do direito decorrente da evicção (CC/1916, arts. 1.107 e 1.116; CC/2002, arts. 447 e 456). 3. Sendo obrigatória para o adquirente a denuncia-ção da lide no caso, é despicienda a discussão acerca da natureza jurídica da ação judicial, pois ca-bível essa modalidade de intervenção de terceiros em todas as ações do processo de conhecimento, salvo as exceções legais expressas (CPC/1973, art. 28; CDC, art. 88). 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.047.109 – (2008/0078210-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 14.02.2017 – p. 2075)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se, na origem, de ação de manutenção de posse.

Requerida pelo réu a denunciação da lide à anterior proprietária do imóvel, o pedido foi inde-ferido pelo douto Juízo de primeiro grau sob o fundamento de que “tal modalidade de inter-venção de terceiros não se ostenta obrigatória, além do que envolveria, na lide secundária, questão atinente ao domínio”.

Interposto agravo de instrumento, o recurso foi improvido por decisão monocrática do il. Re-lator, a qual foi mantida pela eg. 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em sede de agravo interno, nos termos do v. acórdão assim ementado:

“AGRAVO INTERNO – Parte que pretende, em suma, estabelecer discussão acerca da questão dominial para resguardar direito à evicção. O que descabe em sede de ação possessória.

Agravo interno desprovido.”

Inconformado, interpôs recurso especial com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, apontando violação dos arts. 70, I, do Código de Processo Civil de 1973 e 456 do Código Civil de 2002, além de divergência jurisprudencial.

Nas razões recursais, o recorrente alega que “o simples fato de a ação ter sido desencadeada pela demolição da cerca e, por isso, ter iniciado com a discussão da posse direta de terminada área não significa impossibilidade ou exclusão do direito do comprador de boa-fé chamar a

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juízo o alienante do imóvel, para que os fatos sejam devidamente esclarecidos, especialmente na questão dos limites do terreno adquirido”, acrescentando que “eventual perda do direito sobre determinada área do terreno certamente gerará consequências diretas sobre a totalidade do imóvel adquirido, gerando os direitos do regresso e da evicção, garantidos por lei e pela escritura de compra e venda”.

Outrossim, sustenta que a denunciação da lide, no caso, não constitui uma faculdade, “mas uma obrigação sua para fins de regresso, posto que o alienante responde pelos vícios da evicção em caso de perda dos direitos de posse e, consequentemente, de propriedade, do comprador, mesmo que sobre parte dessa área”.

O STJ deu provimento ao recurso.

Oportuno colacionar trecho do voto do Relator:

“No caso, não se trata de simples direito de regresso, fundamentado em responsabilidade civil (garantia imprópria), cujo reconhecimento demandaria a análise de fundamento novo não constante da lide originária, mas, sim, de direito incontroverso, previamente acertado pela lei civil (garantia própria), mas para o qual se exigia, à época do ajuizamento da ação, a notificação do alienante (garantidor) acerca do litígio (CC/2002, art. 456), sob pena de perda da pretensão regressiva.”

Os ilustres juristas Hermano Flávio Montanini de Castro Danilo Flávio Montanini de Castro assim define evicção:

“Nos contratos onerosos, o outorgante tem de prestar o que prometeu, de modo que o outor-gado esteja a salvo quanto a direitos, pretensões e ações de outrem no tocante ao objeto da prestação.

Dá-se a evicção quando, a despeito disto, vem o outorgado a perder, seja a totalidade, seja uma parte do objeto do contrato, por força de uma sentença judicial.

No estudo da evicção aparecem necessariamente três pessoas: o evicto, ou seja, o adquirente que vem a perder a coisa adquirida; o alienante, que lhe transferiu a coisa mercê do contrato translativo de propriedade; e o evictor, que é o terceiro que move a ação e vem a ganhar, total ou parcialmente, a coisa objetivada no mesmo contrato.

Significa a evicção, portanto, a perda em juízo da coisa adquirida em razão de uma decisão judicial. Como afirmado, o campo de atuação da teoria da evicção são os contratos onerosos. Em que pese quase todos os Códigos do mundo disciplinarem a evicção dentro das regras re-lativas ao contrato de compra e venda (o que, aliás, a técnica legislativa do Brasil não seguiu, pois tratou do assunto dentro do capítulo referente às disposições gerais dos contratos), o fato é que esta garantia não fica adstrita apenas a esta figura contratual.

E mais: a evicção não se circunscreve aos contratos em que há transferência de domínio. Também o possuidor e o usuário, caso se vejam privados da coisa contratada, podem se valer das regras relativas à evicção, bastando a prova da onerosidade para tanto.

Assim sendo, pode operar a evicção no contrato de parceria pecuária (art. 1.418 CC/1916), na dação em pagamento (art. 359, CC), na transação (art. 845, CC), na troca (art. 533, CC) etc. O que importa é que haja onerosidade. Tal posição se justifica plenamente pois se o evicto for privado de um bem adquirido a título gratuito, não sofre nenhuma diminuição patrimonial – apenas deixa de experimentar um lucro.

Assim sendo, a título de exemplificação, aquele que tem a posse de determinado bem em virtude de um contrato de comodato não pode, caso um terceiro reivindique esse bem ou parte dele, se voltar contra o comodante.

A evicção, segundo a melhor doutrina constitui-se numa obrigação de fazer, posto que se o adquirente for turbado no exercício da posse da coisa transmitida, tem o direito de chamar o alienante para intervir em seu socorro. Tal se dá pois, no escólio de Sílvio Rodrigues, “se a coi-sa entregue pelo vendedor foi reclamada judicialmente pelo seu verdadeiro dono e, portanto,

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legalmente arrancada da posse do comprador, a prestação por este paga (i.e., o preço) deve ser-lhe devolvida, pois deixou de ter causa”.

É, nas palavras de Orlando Gomes, a “irrealização do fim da venda”.

Assim, se o outorgado do contrato oneroso em que se operou a transferência de determinado bem for demandado por terceiro que reivindica a coisa, deve, através das regras processuais cabíveis, denunciar à lide o outorgante, mesmo porque ele, melhor do que ninguém, dispõe de elementos de defesa. Necessário salientar que a responsabilidade do alienante independe de culpa. Sua responsabilidade persiste mesmo que venha a provar ter agido de boa-fé.

Feitas estas pequenas considerações a respeito do tema, passemos agora a analisar as altera-ções que o NCC introduziu nesta matéria, nos arts. 447 a 457 de sua Parte Especial.

[...]

Verificada a evicção, exsurge ao evicto o direito à indenização.

Tratava da matéria o art. 1.109 do CC/1916, assim dispondo: “Salvo estipulação em contrá-rio, tem direito o evicto, além da restituição integral do preço, ou das quantias, que pagou: I – à indenização dos frutos, que tiver sido obrigado a restituir; II – à das despesas dos contratos e dos prejuízos que diretamente resultarem da evicção; III – às custas judiciais”.

Por não ser suficientemente claro, tal dispositivo gerou intensa celeuma doutrinária e jurispru-dencial quanto a saber se a importância a ser devolvida pelo alienante ao evicto é a do preço recebido ou a do valor da coisa ao tempo em que se evenceu.

A importância da discussão foi muito bem retratada por Sílvio Rodrigues: “Figuremos que o prédio reivindicado foi adquirido em 1950 por trezentos cruzeiros e que a sentença donde resultou a evicção transitou em julgado em 1960, quando o prédio valia dez vezes mais. Pergunta-se: qual a responsabilidade do alienante para com o evicto? Devolver a cifra recebida, o que envolveria considerável perda para este último? Ou devolver importância correspondente ao valor do prédio no momento em que se evenceu, o que resultaria em enorme prejuízo para o alienante?”

Para dar resposta a tais indagações, surgiram duas correntes. Para a primeira, o alienante só seria obrigado a restituir o preço, ou as quantias pagas, além das demais parcelas men-cionadas nos incisos do art. 1.109, desprezando-se, portanto, tanto a valorização quanto a desvalorização subsequente. Para a segunda, na apuração dos prejuízos resultantes da evic-ção, deveria se tomar por base o valor da coisa ao tempo em que se evenceu. Em que pese certas vozes dissonantes, acabou prevalecendo, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a segunda corrente.

Sobre o tema, Caio Mário afirma: “[...] o alienante responde pela plus valia adquirida pela coisa, isto é, a diferença a maior entre o preço de aquisição e o seu valor ao tempo em que se evenceu. Posto não exista em nosso direito disposição análoga ao art. 1.633 do CC francês, a aplicação dos princípios leva-nos a esta conclusão, atendendo a que a lei manda indenizar o adquirente dos prejuízos (CC, art. 1.109, II) e, ao cuidar das perdas e danos, o CC (art. 1.059) considera as abrangentes não apenas do dano emergente, porém daquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar. E, se a evicção vem privá-lo da coisa no estado atual, o alie-nante tem o dever de recompor o seu patrimônio, transferindo-lhe soma pecuniária equivalente à estimativa da valorização”.

Alia-se a esse entendimento o de Washington de Barros, que sustenta ser “esta, incontesta-velmente, a solução mais justa e própria: a) porque é tradicional em nosso direito; b) porque segue orientação geralmente adotada pelas demais legislações; c) porque o Código, de modo expresso, disciplinando a evicção parcial, manda indenizar pelo valor contemporâneo ao da evicção (art. 1.115)”.

Ora, de fato, na evicção parcial se indeniza, ex vi legis, o valor da coisa com base em seu valor no momento em que se evenceu (art. 1.115, CC/1916). Não poderia o Código ter adotado outro peso e outra medida na hipótese da evicção ser integral.

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O NCC jogou uma pá de cal sobre o assunto, quando, no seu art. 450, assim dispôs: “Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou das quantias que pagou: I – à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir; II – à inde-nização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção; III – às custas e aos honorários do advogado por ele constituído. Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial”.

Ainda sobre as quantias devidas ao evicto pela verificação da evicção, urge salientar também que, indo além do que dispunha o inciso III do art. 1.109 do CC/1916, o inciso III do art. 450 do NCC trouxe expresso o direito de reaver a quantia referente aos honorários do advogado por ele constituído, além das custas judiciais despendidas na demanda. Quanto a esse aspecto, é de se ver que tanto doutrina quanto jurisprudência já entendiam serem ressarcíveis as verbas honorárias do advogado do evicto, seja por estarem contidas que na própria expressão “custas judiciais” (art. 1.109, III), seja por estarem compreendidas entre os prejuízos que resultaram diretamente da evicção (art. 1.109, II).

Óbvio que as verbas honorárias somente serão devidas pelo alienante caso o outorgado seja vencido na ação proposta pelo terceiro. Conforme nos ensina Pontes de Miranda, “se o terceiro perde a ação cuja sentença poderia ter sido evincente, o outorgado não tem direito à inde-nização das custas e honorários de advogado”. Isto porque “o outorgante é responsável pela evicção e suas consequências, porém não pelas despesas que haja causado a demanda inad-mitida, ou a demanda improcedente, do terceiro”. (Evicção no novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com.)

2622 – Locação – contrato atípico de e outras avenças – rescisão – reparação de danos – ques-tões relevantes ao deslinde da controvérsia – apreciação – ausência

“Recurso especial. Contrato atípico de locação e outras avenças. Rescisão. Reparação de danos. Questões relevantes ao deslinde da controvérsia. Apreciação. Ausência. Embargos de declaração. Art. 535 do CPC/1973. Negativa de prestação jurisdicional. Configuração. Retorno dos autos à origem. Necessidade. 1. O não enfrentamento pela Corte de origem de questões ventiladas nos embargos de declaração, imprescindíveis para a solução do litígio, implica violação do art. 535 do Código de Processo Civil/1973. 2. Existência de prestação jurisdicional incompleta no tocante ao principal fundamento da pretensão deduzida na inicial, devidamente reproduzido na apelação e subsequentes aclaratórios, consubstanciado na modificação do perfil do empreendimento comer-cial, originariamente concebido como um shopping de atacado (outlet). 3. Configurada a negati-va de prestação, impõe-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para saneamento do vício. 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.636.691 – (2015/0057528-3) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 14.02.2017 – p. 2050)

2623 – Locação – despejo por falta de pagamento – juros de mora

“Locação de imóveis. Despejo por falta de pagamento c/c cobrança. Juros de mora. Ausência de convenção. Incidência a partir da citação. Art. 406, do CC. Recurso não provido. Considerando--se que os juros não foram convencionados pelas partes no contrato locatícios, estes são devidos a partir da citação, em obediência ao art. 406, do CC.” (TJSP – Ap 1008067-85.2015.8.26.0009 – São Paulo – 31ª CDPriv. – Rel. Paulo Ayrosa – DJe 21.02.2017)

Transcrição Editorial SÍnTESECódigo Civil:

“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa esti-pulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”

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2624 – Medida cautelar fiscal – indisponibilidade de bens – bem de família – possibilidade

“Processual civil. Medida cautelar fiscal. Agravo retido. Não conhecimento. Indisponibilida-de de bens. Desnecessidade de constituição definitiva do crédito. Requisitos preenchidos. Lei nº 8.397/1992. Bem de família. Possibilidade de inclusão. Nos termos do art. 523 do Código de Pro-cesso Civil de 1973, cabe ao agravante requerer que seja conhecido o agravo retido nas razões da apelação ou na sua resposta. In casu, verifica-se que o contribuinte, que interpôs o agravo que foi convertido em retido (nº 2008.03.00.038778-0), não lhe faz menção em sua peça recursal, tam-pouco pleiteia seu conhecimento. Desse modo, o agravo retido não deve ser conhecido. Os arts. 1º e 3º da Lei nº 8.397/1992 preveem como requisito para o ajuizamento da medida cautelar fiscal a constituição do crédito e não a constituição definitiva do crédito. Julgados do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido (Agravo em REsp nº 720.574/MG e REsp 466723/RS). In casu, restaram comprovadas a constituição dos créditos de R$ 545.512,73 e R$ 1.333.093,84, que foi realiza-da mediante auto de infração, conforme processos administrativos nºS 13857.000573/2006-16 e 13857.000079/2007-24, respectivamente, ambos relativos ao IRPF, e a existência de recurso admi-nistrativo no ato da propositura da medida cautelar não tem o condão de afastá-la. Aliás, os arts. 11 e 12, parágrafo único, da Lei nº 8.397/1992 levam a esse mesmo entendimento, qual seja, de que a pendência de processo administrativo não impede o ajuizamento da medida cautelar fiscal. Ainda que assim não fosse, há 2 (dois) casos, porém, em que o requerimento da medida cautelar fiscal in-depende da prévia constituição do crédito tributário: (a) na hipótese de o devedor ter sido notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal e ponha ou tente pôr seus bens em nome de terceiros ou, ainda, (b) quando o devedor aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Receita Federal competente, quando exigível em virtude de lei (Lei nº 8.397/1992, art. 1º, parágrafo único), que ocorreu no caso dos autos, porquanto após ser no-tificado acerca do arrolamento dos seus bens, em 02.04.2007, o apelante, em 02.04.2008, vendeu o imóvel de matrícula nº 98.482, cuja alienação foi registrada em 02.05.2008, para Alessandra Gui-marães Soares, sem proceder à comunicação do fisco, exigência disposta no art. 2º, inciso VII, da Lei nº 8.397/1992, combinado com o art. 64, § 3º, da Lei nº 9.532/1997, razão pela qual a sentença deve ser mantida sob este aspecto. O requisito do inciso I está presente, à vista da prova da existên-cia dos créditos de R$ 545.512,73 e R$ 1.333.093,84, provenientes dos autos de infração, inscritos em dívida ativa e posteriormente executados. De outro lado, foram atendidos os pressupostos dos incisos VI e VII, da Lei nº 8.397/1992, combinado com o art. 64, §§ 3º e 7º, da Lei nº 9.532/1997, uma vez que os débitos do contribuinte somam mais de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e ultrapassam 30% do seu patrimônio conhecido, informação que não foi impugnada pelo recorrente e, conforme explicitado anteriormente, após ser notificado acerca do arrolamento dos seus bens, em 02.04.2007, vendeu para Alessandra Guimarães Soares o imóvel de matrícula nº 98.482, em 02.04.2008, cuja alienação foi registrada em 02.05.2008, sem proceder à comunicação do fisco. Assim, preenchidos os requisitos legais, deve ser mantido o deferimento da medida cautelar fiscal, consoante estabelecido na sentença recorrida. O art. 4º da Lei nº 8.397/1992 não excepciona o bem de família, cuja impenhorabilidade não restou violada, pois tal medida não implica expropriação do bem, de modo que não há que se falar em desrespeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF), da proteção à família, do direito social à moradia (art. 6º, caput, da CF) e ao direito de propriedade. Com efeito, o eventual caráter de bem de família dos imóveis não interfere na determinação de sua indisponibilidade. Não se trata de penhora, mas, ao contrário, de impossibilidade de alienação, resguardados os demais direitos decorrentes da proprie-dade, quais sejam de uso, gozo e fruição da coisa, tratados nos arts. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal e 1.228 e seguintes do Código Civil. Indeferidos os pedidos de fls. 963/964, 1003/1005, 1078/1088 e 1117/1124. Apelo desprovido.” (TRF 3ª R. – AC 0001210-74.2008.4.03.6115/SP – 4ª T. – Rel. Des. Fed. André Nabarrete – DJe 10.03.2017 – p. 617)

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2625 – Penhora – auto de avaliação – requisitos do art. 872 do CPC – nova avaliação do imóvel

“Processo civil. Agravo de instrumento. Execução. Penhora. Auto de avaliação. Requisitos do art. 872 do CPC. Presentes. Nova avaliação do imóvel. Necessidade não comprovada. Art. 873, I, do CPC. Recurso improvido. 1. O Oficial de Justiça Avaliador atuou cautelosamente ao descrever de forma minuciosa todas as características do imóvel, da sua localização e das benfeitorias nele realizadas, anotando os dados necessários à exata compreensão da sua avaliação, cumprindo com os requisitos descritos no art. 872 do NCPC. 2. O pedido de nova avaliação deveria acompanhar elementos probatórios robustos que evidenciassem efetivo erro na avaliação, dolo do avaliador ou fundada dúvida sobre o valor do bem, capazes de infirmar o laudo realizado por Oficial de Justiça, dotado de fé pública e de presunção iuris tantum de veracidade (art. 873 do CPC/2015). 3. Não há nos autos qualquer documento que infirme a avaliação judicial, nem mesmo mero informativo do qual conste o preço médio das propriedades nas imediações do imóvel avaliado. 4. Agravo de Instrumento não provido.” (TRF 3ª R. – AI 0018269-09.2016.4.03.0000/MS – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – DJe 13.03.2017 – p. 108)

2626 – Penhora – hasta de imóvel – decisão recorrível

“Recurso ordinário em mandado de segurança. Ato judicial. Excepcionalidade configurada. Despa-cho que determina hasta de imóvel penhorado. Decisão recorrível via agravo de instrumento. Ine-xistência de jurisprudência pacífica. Cabimento do mandado de segurança. Pedidos de suspensão da execução não examinados antes do praceamento do imóvel. Violação de direito líquido e certo ao devido processo legal configurada. Segurança concedida. Recurso provido.” (STJ – RMS 49.525 – (2015/0256563-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 20.02.2017 – p. 1701)

2627 – Posse – reintegração – pedido parcialmente procedente – remessa necessária – cabimento

“Administrativo e processual civil. Reintegração de posse. Pedido parcialmente procedente. Re-messa necessária. Cabimento. Imóvel situado no Jardim Botânico. Sentença citra petita. Indeniza-ção por benfeitorias. Impossibilidade. Indenização. Descabimento. Reintegração imediata. Caráter executivo da ação. 1. Trata-se de ação de reintegração de posse ajuizada inicialmente pelo antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF objetivando a reintegração na posse do imóvel situado na Rua Pacheco Leão, nº 2040, casa 24, no Jardim Botânico, bem como a conde-nação da parte ré ao pagamento das taxas devidas, de indenização pelo uso e gozo do imóvel e por deterioração do bem, além da perda das benfeitorias porventura existentes. 2. A sentença aco-lheu em parte o pedido, apenas para determinar a reintegração de posse, rechaçando a pretensão indenizatória ao argumento de que não teria sido comprovada a existência de dano. Não foram examinados os pedidos de pagamento das taxas devidas e de perda das benfeitorias, sendo o refe-rido julgado citra petita com relação a tais aspectos. 3. No caso de ação de reintegração de posse ajuizada pela União Federal cabe remessa necessária da parte do julgado que não acolheu o pleito de indenização, restando igualmente devolvidos ao exame do Tribunal os pedidos por ele omitidos, cuja cognição por esta Corte encontra fundamento na aplicação extensiva do disposto no § 3º do art. 515 do CPC. 4. Trata-se de ocupação iniciada e mantida sem qualquer amparo legal. Note-se que ao Réu sequer socorre a alegação de eventual direito decorrente de anterior vínculo laboral mantido com a Administração Pública. Como visto, falecida a antiga ocupante, o Réu, filho de suposto ex-funcionário do Ibama que ocuparia outra residência também de propriedade da União Federal, invadiu o local e se apoderou da referida habitação. 5. Não configura posse legalmente amparada, mas precária e inócua detenção, da qual não deflui quaisquer direitos, a ocupação de imóvel público conquistada mediante invasão da área após o óbito de antiga moradora que, por sua vez, também residia no local à revelia da União Federal. 6. O Réu é mais um dentre aqueles

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que, se aproveitando do fato de ter sido originalmente autorizado aos antigos funcionários ativos do Jardim Botânico ocupar tais residências, se negam a deixar a área e permanecem explorando o local como se proprietários fossem. Alugam, vendem e, como ocorreu no caso dos autos, se instalam nas residências após o óbito de antigos moradores. Isto tudo contando com a omissão fiscalizatória da própria União Federal, desinteressada no cumprimento das várias decisões de reintegração de posse proferidas em seu favor pela Justiça Federal. 6. A garantia constitucional à moradia não se presta para justificar a invasão e ocupação de área pública tombada, não sendo razoável expor aos riscos decorrentes das intervenções não supervisionadas importante patrimônio histórico-cultural que, à evidência, não é local apropriado para o desenvolvimento de política pública de habitação. 7. À míngua da necessária autorização da União Federal, descabe reconhecer o direito do ocupante a indenização por eventuais benfeitorias realizadas no local. 8. Quanto ao pagamento das taxas pela ocupação, o referido pedido foi assim deduzido na exordial: ‘condenação da ré ao pagamento das taxas devidas até a rescisão da ocupação conforme declaração de débito a ser oportunamente ane-xada, face à ilicitude de ocupação gratuita em imóvel da União’. Ocorre que o referido Ente não anexou aos autos a citada declaração e, tampouco, apontou quais seriam as citadas taxas. 9. Já no que diz respeito ao pleito de indenização pelo uso e gozo do imóvel e pelas eventuais deteriori-zações verificadas, não há reparos a serem feitos na sentença. Tratando-se de pleito indenizatório, o seu acolhimento depende da prévia demonstração dos prejuízos suportados pela União Federal que, com relação aos mencionados pedidos, sequer apontou causa de pedir específica na exordial, sendo certo, ainda, que não houve produção de nenhuma prova no sentido de aferir as condições do imóvel que, ao que parece, ainda permanece ocupado pelo Réu. 10. Tratando-se de ação exe-cutivas lato sensu, que sequer comporta a oposição de embargos contra a sua efetivação, impende determinar a formação de autos suplementares, a fim de viabilizar a imediata reintegração de posse pelo Juízo de Primeiro Grau. 11. Remessa necessária conhecida e provida em parte. Recurso de apelação desprovido.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0928011-50.1900.4.02.5101 – 8ª T.Esp. – Rel. Marcelo Pereira da Silva – DJe 15.03.2017 – p. 686)

2628 – Prescrição – cobrança – preço ajustado em compromisso de venda e compra – prazo para pagamento – ausência de previsão

“Prescrição. Cobrança. Preço ajustado em compromisso de venda e compra. Ausência de previsão de prazo para pagamento. Incidência do art. 206, § 5º, I, do CC. Contagem a partir da data da as-sinatura do contrato, quando presumivelmente violado o direito do credor, que não teria recebido desde logo o preço. Art. 189 do Código Civil. Notificação extrajudicial. Interrupção inocorrente. Prescrição reconhecida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 1001023-52.2015.8.26.0417 – Paraguaçu Paulista – 1ª CDPriv. – Rel. Augusto Rezende – DJe 21.02.2017)

Transcrição Editorial SÍnTESEArt. 206. Prescreve:

“§ 5º Em cinco anos:

I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou parti-cular;

[...]”

2629 – Recurso especial – cobrança de aluguéis – inocorrência – revisão – impossibilidade

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Cobrança de aluguéis. Negativa de prestação ju-risdicional. Inocorrência. Acórdão que decidiu as questões trazidas aos autos de maneira integral e com fundamentação suficiente. Alegação de violação ao art. 518 do CPC de 1973. Inocorrên-cia. Revisão. Impossibilidade. Aplicação da Súmula nº 7/STJ. Carência de ação não reconhecida.

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Aluguéis devidos pelo Estado. Revisão. Impossibilidade. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Decisão agravada que segue mantida. Agravo desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 516.731 – (2014/0114399-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 20.02.2017 – p. 1598)

2630 – Sentença – cumprimento – impugnação – indicação de bens à penhora – notas do Tesou-ro Nacional – bem de difícil alienação

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Cumprimento de sentença. Impugnação. Indicação de bens à penhora. Notas do Tesouro Nacional. Bem de difícil alienação. Art. 655 do Código de Ritos. Inobservância. Princípio da efetividade da execução. Prevalência. Súmula nº 568/STJ. Ree-xame de provas. Enunciado Administrativo nº 2/STJ. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Enunciado Administrativo nº 2/STJ. 2. Não ofende o princípio da menor onerosidade para o executado, insculpido no art. 620 do Código de Processo Civil de 1973, a recusa em aceitar a indicação à penhora de títulos da dívida pública com baixa liquidez. Precedentes. 3. Tendo o tribunal local firmado sua conclusão, após a análise do contexto fático probatório dos autos, não há como rever o posicionamento, em virtude da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 979.825 – (2016/0237012-2) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 14.02.2017 – p. 2010)

2631 – SFH – mútuo habitacional – seguro – litigância de má-fé afastada

“Agravo interno no recurso especial. Sistema financeiro de habitação. Mútuo habitacional. Segu-ro. Litigância de má-fé afastada. 1. Não ocorreu, na hipótese vertente, litigância de má-fé, pois a instituição financeira interpôs recursos legalmente previstos no ordenamento jurídico, sem abusar do direito de recorrer, não se cristalizando descaso com o Poder Judiciário. 2. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.249.051 – (2011/0083947-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 20.02.2017 – p. 1780)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática que deu provimento em parte ao recurso especial em razão dos seguintes fundamentos:

a) é reconhecida a legitimidade ativa do mutuário para cobrar da seguradora a cobertura relativa ao seguro obrigatório nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação; b) a Corte de origem apreciou a matéria concernente à inexistência de cobertura securitária, falta de interesse de agir, forma de indenização, inaplicabilidade do CDC e inversão do ônus da prova com fulcro no instrumento contratual firmado entre as partes e nos elementos fático--probatórios constantes nos autos, incidindo as Súmulas nºs 5 e 7 deste STJ; c) é devida a aplicação de multa decendial, em função do atraso no pagamento da indenização, objeto do seguro obrigatório, nos contratos vinculados ao SFH, limitada ao valor da obrigação principal; d) a tese relativa à impossibilidade de cumulação de juros de mora com multa decendial não merece prosperar, máxime porque a natureza jurídica dos juros é acessória; e) os juros de mora, nos contratos de seguro adjeto a mútuo do SFH, são contados a partir da citação; e f) não ocorreu, na hipótese vertente, litigância de má-fé, pois a parte recorrente interpôs recursos legalmente previstos no ordenamento jurídico, sem abusar do direito de recorrer, não se crista-lizando descaso com o Poder Judiciário.

No presente agravo interno, interposto pelos mutuários, sustenta-se, em síntese, que houve litigância de má-fé, máxime porque a irresignação contra entendimento já pacificado, bem como a perpetuação da lide na esfera judicial por mais tempo do que o necessário conduzem ao reconhecimento do cunho meramente protelatório do recurso.

O STJ negou provimento ao agravo.

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O relator aduziu que, em conformidade com os precedentes nupercitados, a interposição de re-cursos cabíveis não implica o reconhecimento da litigância de má-fé, ainda que os argumentos sejam reiteradamente refutados pelo Tribunal de origem.

Oportuno trazer as lições de Rubem M. Cunha sobre o Sistema Financeiro de Habitação:

“Ocorre que, anteriormente à edição da Lei nº 4.595, já existia a Lei nº 4.380, de 21.08.1964, que, dentre outras medidas, instituiu o sistema financeiro para aquisição da casa própria.

Essa lei sofreu alterações ao longo do tempo e foi recepcionada pela CF de 1988. Como ela trata também de parcela significativa do SFN, entendo que, em grande parte, ela foi recebida como lei materialmente complementar.

Verifique-se, a propósito, o que se contém no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 4.380:

‘O Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito fixará normas que regulam as re-lações entre o sistema financeiro da habitação e o restante do sistema financeiro nacional, especialmente quanto à possibilidade, às condições e aos limites de aplicação de recursos da rede bancária em letras imobiliárias, emitidas, nos termos desta lei, pelo Banco Nacional da Habitação.’

Ou seja, a própria lei básica, que criou o SFH, declara que ele integra o sistema financeiro nacional, sendo que a relação entre ambos seria regulada pelo Conselho da antiga Sumoc, predecessora do atual CMN.

Depois disso, o DL 2.291, de 21.11.1986, confirmou:

‘Art. 7º Ao Conselho Monetário Nacional, observado o disposto neste Decreto-lei compete:

I – exercer as atribuições inerentes ao BNH, como órgão central do Sistema Financeiro da Habitação, do Sistema Financeiro do Saneamento e dos sistemas financeiros conexos, subsi-diários ou complementares daqueles;

II – deferir a outros órgãos ou instituições financeiras federais a gestão dos fundos administra-dos pelo BNH, ressalvado o disposto no art. 1º, § 1º, alínea b; e

III – orientar, disciplinar e controlar o Sistema Financeiro da Habitação.’

A nossa atual Constituição apanhou assim os dois sistemas e se hoje a doutrina e jurisprudên-cia aceitam com tranquilidade a ideia de que a Lei nº 4.595 foi recebida como materialmente complementar, não há por que não considerar também assim grande parte da Lei nº 4.380 e suas alterações legislativas anteriores à Carta vigente.

Então, aquelas atribuições já destacadas (Lei nº 4.595, art. 4º, VI), o Banco Central, isto é, o CMN, as exerce também no sistema financeiro da habitação – e agora, não há mais uma, mas pelo menos duas leis materialmente complementares virtualmente maltratadas por leis, medidas, provisórias, resoluções, etc., etc., tal como vem ocorrendo com o próprio sistema financeiro nacional.

Como decifrar essa esfinge?

É imprescindível que o intérprete identifique, na lei que contenha dispositivos materialmente complementares, aqueles que são efetivamente complementares, tal como aprendemos a fazer com o CTN perante a Carta outorgada em 1967. A partir daí, deve-se analisar as alterações legislativas (leis, decretos-leis) anteriores à CF de 1988. Essas leis podiam alterar, e efeti-vamente alteraram, as Leis nºs 4.380 e 4.595, e passaram a ser elas também tidas como materialmente complementares à CF. Aquelas e estas, após a CF, somente podem ser alteradas por leis complementares.

Examino alguns casos concretos.

É de observar-se, p. ex., que o art. 5º da Lei nº 4.380, de 21.08.1964, estabelece para toda a duração do contrato a permanência da relação original entre a prestação mensal de amorti-zação e o salário do tomador do empréstimo. Para isso, a lei estabeleceu que, relativamente aos funcionários públicos, cujos vencimentos eram reajustados em lei, fosse levada em consi-

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deração a percentagem nela estabelecida. Quanto aos mutuários não funcionários públicos, o índice que seria levado em consideração era o do salário mínimo.

Pode ser que os critérios tenham mudado ao longo do tempo, índices foram mudados ‘n’ vezes, mas o princípio aí insculpido, esse somente poderá ser alterado por lei complementar.

Como o STF já decidiu que não há direito adquirido a determinado índice, isto não é matéria objeto de lei complementar.

Até que ponto a Lei nº 8.692, de 28.07.1993, que criou o Plano de Comprometimento de Renda – PCR, está de acordo com esse sistema de equalização renda/prestação?

Dispõe ela em seu art. 2º que os contratos de financiamento habitacional celebrados em conformidade com o Plano de Comprometimento de Renda estabelecerão percentual de no máximo trinta por cento da renda bruta do mutuário destinado ao pagamento dos encargos mensais. Nos encargos mensais estão incluídos amortização, juros e seguros.

Há, é certo, diferenças conceituais. Pela Lei nº 4.380 não se pode alterar a relação original entre a prestação mensal de amortização e o salário do mutuário. Já aqui, admite-se reajustar o valor do encargo mensal até o percentual máximo de renda estabelecido no contrato, sem considerar a relação inicial.

O princípio já havia sofrido alteração com a introdução da equivalência salarial como critério de reajustamento das prestações pelo DL 2.164, de 19.09.1984 (art. 9º), o qual, entretanto, permitia utopicamente uma folga de pelo menos sete pontos percentuais em favor do mutuário se o salário aumentasse no mesmo período mais que a variação da UPC.

Entendo que essa modalidade não vulnera o princípio básico na medida em que preserva a ca-pacidade de pagamento do mutuário e também garante a sobrevivência do sistema financeiro da habitação, embora passe a onerar inteiramente os acréscimos de rendimentos que vierem a ser obtidos pelos mutuários.

Outro exemplo.

Já o mesmo não se pode dizer quanto aos financiamentos da chamada faixa livre. Criação do legislador complementar – CMN (Res. 1.446/1988) –, a chamada faixa livre abriga financia-mentos habitacionais com encargos convencionados entre as partes (Circular nº 1.278, de 05.01.1988, do Banco Central).

Dizer encargos convencionados entre as partes é dizer, todos sabem, que o mutuário ingressa no território, este sim livre, dos banqueiros.

Nos financiamentos dessa faixa (20% e 65% dos recursos captados em poupança), o princípio da correlação entre a renda do mutuário e os encargos assumidos desaparece. Ficam assegu-rados apenas os ganhos dos banqueiros, com o retorno dos recursos aplicados garantido pela hipoteca do imóvel.

Mais um caso.

Outra incongruência a comprometer o princípio de manutenção da relação renda/prestação é a aplicação da famigerada TR (Taxa Referencial de Juros) no reajuste das prestações mensais e do saldo devedor. Embora seu emprego, como taxa de juros, tenha sido condenado há muitos anos pelo STF, é mantida impavidamente pela tecnocracia oficial, fazendo com que a Justiça mais se sobrecarregue de processos repetitivos.

A criatividade veio no bojo de mais um plano econômico. O art. 18 da Lei nº 8.177, de 01.02.1991, determinou a aplicação da TR, então criada, nas cadernetas de poupança e nas prestações e saldos devedores do SFH.

Hoje, a jurisprudência caminha firmemente no sentido da devida correção de rumos. Veja-se, a propósito, recente julgamento do TRF da 1ª Região (DJ, Seção 2, de 17.05.1996, p. 31863):

‘[...] 8. Contrariamente ao que vinha entendendo esta Turma, não pode a TR reajustar os sal-dos devedores; o INPC é o índice adequado, já que corresponde à variação do poder aquisitivo da moeda.’

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Mais outro exemplo.

Também comprometendo grande parte dos financiamentos da chamada ‘faixa livre’, e talvez muitos outros, a Lei nº 4.380 (art. 6º, alínea e), em absoluta consonância com o § 3º do art. 192 da CF em vigor, estabelece que os juros convencionais não excedem de 10% ao ano. Então, a decisão do STF, que tem esse dispositivo como de eficácia contida, dependente de regulamentação através da lei complementar de que cuida o caput do referido artigo constitu-cional, vale para o restante do SFN e não para grande parcela dos empréstimos habitacionais.

Só outro caso.

O § 3º do art. 5º da Lei nº 4.380 dá uma garantia importante ao tomador de recursos do SFH:

‘Cada reajustamento entrará em vigor após 60 (sessenta) dias da data de vigência da alteração do salário mínimo que o autorizar e a prestação reajustada vigorará até novo reajustamento.’

Isso, segundo me parece, é norma geral, equiparável a direito individual, de natureza quase alimentar, porque concede uma folga para o mutuário recompor seu orçamento, e é importante para a segurança na aplicação do reajustamento da prestação. É direito do participante do sistema, qualquer que seja a data de seu ingresso no mesmo.

Não poderia vir a Lei nº 8.004, de 14.03.1990, e atravessar:

‘Art. 17. O reajustamento das prestações dos mutuários enquadrados no Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional – PES/CP levará em consideração também o reajuste de salário concedido no próprio mês da celebração do contrato, ainda que a título de antecipação salarial.’

Algumas conclusões.

O Tribunal de Contas da União constatou:

‘3. É lamentável que os dados coletados, uma vez mais, demonstrem o descalabro do SFH, com consequente prejuízo para a política operacional do Governo e para a população como um todo.

4. Mais do que nunca, nesse momento em que a Nação principia a retomada dos rumos do desenvolvimento e o novo Governo pretende imprimir profundas mudanças de ordem social, econômica e financeira, faz-se necessário alertar o Executivo de que não bastam ao bom andamento do Estado a supressão da concessão de benefícios e o aumento da arrecada-ção, fazendo-se necessária a conjugação desses esforços com uma política de austeridade no controle da aplicação dos recursos públicos.’ (Do voto do Ministro Luciano Brandão no Proc. TC 25.637/92-4, Revista TCU, v. 26, n. 63, p. 1, jan./mar. 1995)

Acrescentaria que aquele descalabro decorre também do vezo tecnocrático em relação às normas da boa técnica jurídica, com o que se contornam dispositivos legais e princípios tidos como empecilhos aos desígnios oficiais.

No entanto, quando se ferem direitos individuais, entra em cena indefectivelmente o Poder Judiciário e correções de rumo necessariamente ocorrerão, mesmo quando tidas como deci-sões absurdas.

Nesse sentido, deve ser estendido o alerta ao Poder Executivo, de que fala o Ministro Luciano Brandão, até porque isso vem em prol da tão desejada contenção de despesas, na medida em que se alivia a Justiça de milhares de processos repetitivos decorrentes de normativos ilegais ou mal-elaborados.

Também ao Poder Legislativo pode-se imputar a responsabilidade por esse caos, não só porque não legisla com boa técnica, mas porque o faz a reboque das medidas provisórias do Poder Executivo e, principalmente, não elabora a lei complementar que deve regulamentar o sistema financeiro nacional.

Na verdade, porém, o SFH está em extinção. Seu maior inimigo é o entendimento extrema-mente duvidoso – porque já vem de longa data e nunca deu resultados – de que salário digno gera inflação.

Salários comprimidos não podem sustentar o sistema, que exige juros estratosféricos, correção integral, e outros acessórios convenientes.

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De outra parte, não se pode simplesmente pensar em transferir para o contribuinte, debitando--se à conta do Tesouro Nacional, os erros, os rombos e as mazelas do sistema. O contribuinte também possui os seus direitos e o exercício dos mesmos conduzirá a mudanças de rumo das políticas oficiais.

De sua parte, o Poder Judiciário deverá continuar aplicando de forma correta e científica as leis, considerando o sistema hierárquico e constitucional das mesmas. Isso é garantia de segu-rança social e jurídica. É direito dos cidadãos. E é fator educativo da maior importância para o restabelecimento, inclusive de modo preventivo, do ordenamento jurídico, resgatando tradição de técnica esmerada, já longínqua, de nosso Direito.” (Sistema Financeiro da Habitação (SFH) – Estrutura legislativa. Disponível em: online.sintese.com)

2632 – SFH – obra financiada – recursos do hipotecados – ocupação

“Processual Civil. Embargos de terceiro. Sistema financeiro da habitação. Obra financiada com recursos do SFH, hipotecados à CEF. Ocupação da embargante. Inexistência de contrato de compra e venda. Ocupação. 1. Trata-se de embargos de terceiro, por dependência à execução por título ju-dicial nº 2008.51.01.000338-9, movida pela Emgea em face da Cooperativa Habitacional dos Ser-vidores do IBC, a fim de ver reconhecida incidentalmente, a aquisição da propriedade imobiliária por usucapião, requerendo a desconstituição das penhoras levadas a efeito pelo juízo, com relação ao imóvel em questão. 2. A jurisprudência, inclusive deste Tribunal tem se direcionado no sentido de que os bens financiados pelo SFH e administrados pela Caixa Econômica Federal são bens pú-blicos. A Constituição Federal/1988, assim como o Código Civil estabelecem que os bens públicos não estão sujeitos à usucapião, sobre eles incidindo a Súmula nº 340/STF que assevera que: ‘Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião’. 3. A Cooperativa Habitacional dos Servidores do Instituto Brasileiro de Café celebrou contrato com o BNH e a Caixa Econômica Federal, sendo-lhe concedido o valor de Cr$ 627.260.222,06, em 1981, com o objetivo de que fossem construídas 45.000 unidades habi-tacionais, por meio do Programa de Cooperativas Habitacionais, Prosindi e Prohasp. 4. Nos termos da Cláusula 6ª do referido contrato, o empréstimo é liquidado com a celebração de contratos de financiamento com os terceiros, os beneficiários finais, que assumiriam o pagamento das parcelas relativas ao seu imóvel, quitando a dívida do agente promotor (a cooperativa) com a CEF, sendo que este assumiria o compromisso de realizar as promessas de compra e venda. 5. In casu, o autor não apresentou contrato de promessa de compra e venda do imóvel, não demonstrando tratar-se de posse legítima, mas mera ocupação, que não goza de proteção possessória, concluindo-se que vem ocupando bem público de forma irregular e clandestina, como mero detentor, sem efeitos possessórios. 6. Os imóveis do Sistema Financeiro de Habitação não podem sofrer usucapião, tendo em vista a violação dos princípios constitucionais garantidores dos direitos à moradia e à dignidade da pessoa humana. A CEF ‘enquanto responsável pelo Sistema Financeiro da Habitação é o órgão condutor da política habitacional, que tem por finalidade estimular a construção e o financiamento de habitações de interesse social. Permitir, portanto, a aquisição de imóvel vinculado ao SFH, por usucapião, implica em privilegiar interesse particular em detrimento da sociedade e do interes-se público, com evidente burla do ordenamento jurídico’. 7. Recurso conhecido e não provido.” (TRF 2ª R. – AC 0009897-92.2014.4.02.5101 – 6ª T.Esp. – Rel. Alcides Martins Ribeiro Filho – DJe 08.03.2017 – p. 330)

2633 – Usucapião – incompatibilidade dos pedidos – cerceamento de defesa – oportunidade de emenda

“Ação petitória de usucapião. Art. 485, I, CPC. Extinção do processo. Indeferimento da inicial. Incompatibilidade dos pedidos. Cerceamento de defesa. Oportunidade de emenda. Art. 321, CPC. 1. O art. 321 do Código de Processo Civil estabelece o dever do juiz em oportunizar que o autor

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proceda a emenda ou o complemento da inicial quando reconhecer irregularidades. 2. Sentença cassada.” (TJDFT – Proc. 20160110357142APC – (1000243) – 5ª T.Cív. – Rel. Josapha Francisco dos Santos – J. 13.03.2017 )

2634 – Usucapião – planta do imóvel – presença de elementos suficientes à sua identificação

“Civil. Processual civil. Agravo interno em agravo de instrumento. Ação de usucapião. Planta do imóvel. Presença de elementos suficientes à sua identificação. Desnecessidade de planta atualizada no momento da propositura da ação. Recurso improvido. 1. O art. 942 do Código de Processo Ci-vil não exige que a planta do imóvel seja atualizada. No entanto, deve possibilitar a identificação rigorosa do imóvel em litígio, descrevendo-o minuciosamente. 2. Havendo elementos suficientes para a identificação do imóvel, entendendo-se por isso a presença de sua descrição, área e con-frontações, a planta pode até mesmo ser substituída por croqui. 3. No caso dos autos, a planta juntada, embora não seja atual, permite a verificação da localização e individualização do imóvel usucapiendo, razão pela qual não se vislumbram razões para a apresentação de planta atualizada, neste momento processual. Precedente. 4. Agravo interno improvido.” (TRF 3ª R. – Ag-AI 0019955-75.2012.4.03.0000/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira – DJe 15.03.2017 – p. 140)

2635 – Usucapião – princípio da dialeticidade – não observância

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de usucapião. Improcedência. Ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada. Princípio da dialeticidade. Não observância. Agravo não conhecido. 1. A argumentação apresentada no regimental não infirma os fundamentos da decisão agravada, o que impede o conhecimento do agravo por não observância ao princípio da dialeticidade. 2. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 830.273 – (2015/0312924-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 16.03.2017 – p. 698)

2636 – Usucapião – promitente comprador do imóvel usucapiendo – parte que não é proprietá-rio ou confinante do imóvel

“Ação de usucapião. Promitente comprador do imóvel usucapiendo. Parte que não é proprietário ou confinante do imóvel (art. 942 do CPC/1973). Desígnio de recebimento de dinheiro pela venda da posse do imóvel. Interesse meramente econômico, e não jurídico. Ilegitimidade passiva reconhe-cida de ofício. Usucapião. Soma do período de posse dos antigos possuidores (acessio possessionis). Impossibilidade, no caso. Ausência de prova do período e da qualidade da posse supostamente havida pelos antecessores do apelante. Período de exercício da posse efetivamente comprovado insuficiente para a aquisição da posse por usucapião (art. 1.238 do CCB/2002). Recurso de apela-ção desprovido.” (TJPR – AC 1472936-3 – 17ª C.Cív. – Rel. Des. Fernando Paulino da Silva Wolff Filho – DJe 20.03.2017 – p. 195)

2637 – Usucapião de imóvel urbano – preliminar de cassação da sentença – rejeitada – afronta ao princípio da dialeticidade

“Apelação cível. Direito processual civil. Ação de usucapião de imóvel urbano. Preliminar de cas-sação da sentença. Rejeitada. Afronta ao princípio da dialeticidade. Falta de argumentação contra os fundamentos da sentença. Art. 932, III, do CPC. Inovação recursal. Não cabimento. Recurso não conhecido. 1. A preliminar de cassação da sentença por error in procedendo, que consiste no erro do juiz ao proceder, erro de procedimento. É um erro de forma. O magistrado deixa de observar os requisitos formais necessários à prática do ato, culminando numa decisão nula. O que não ocorreu nos presentes autos, pois a magistrada sentenciante cumpriu todos os requisitos legais e processu-ais. 2. Não se conhece de recurso que não ataca os motivos que fundamentaram a sentença, em

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razão da falta de requisito formal. 3. No presente caso, as razões recursais se voltaram à usucapião extraordinária do art. 1.238 do Código Civil, pois o apelante inovou em seu recurso, ventilando matéria não apreciada pelo juízo a quo, mostrando-se totalmente divorciada das razões de decidir da sentença vergastada, contrariando, assim, a norma contida no art. 932, inciso III, do CPC. 4. Preliminar rejeitada. Recurso não conhecido.” (TJDFT – Proc. 20130710316265APC – (992734) – 5ª T.Cív. – Rel. Robson Barbosa de Azevedo – J. 10.03.2017)

2638 – Usucapião e reintegração de posse – inexistência de omissão – interesse em rediscutir matéria já apreciada – via inadequada

“Embargos de declaração em apelação cível. Ação de usucapião e reintegração de posse. Inexis-tência de omissão. Interesse em rediscutir matéria já apreciada. Via inadequada. Embargos conhe-cidos e rejeitados.” (TJAL – EDcl 0019908-39.2005.8.02.0001/50000 – Rel. Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo – DJe 08.03.2017 – p. 46)

2639 – Usucapião extraordinária – Código Civil de 1916 – ação de reintegração de posse – pre-tensão autoral

“Civil. Processual civil. Ação de usucapião extraordinária. Código Civil de 1916. Ação de reinte-gração de posse anteriormente ajuizada. Pretensão Autoral de reconhecimento da aquisição de propriedade antes da venda ao Município de Russas/CE. Ausência dos requisitos, mormente o ani-mus domini. Improcedência. Ausência de ônus da sucumbência. Assistência judiciária gratuita. Apelação da autora não provida. Recurso de litisconsorte passivo necessário. 1. Insurgências con-tra a sentença que, em ação de usucapião extraordinária, deu parcial procedência ao pleito dos demandantes, que objetivam a aquisição da propriedade do imóvel rural denominado na ‘Lagoa do Enforcado’ (BR-116, Km 161, no Município de Russas/CE), com 36,1953 ha, no período entre 1972 e 1992, época em que o bem encontrava-se registrado em nome do falecido irmão da autora. 2. Os requerentes, antes do ajuizamento desta demanda, propuseram ação de reintegração de posse contra o Município de Russas/CE (Processo nº 0000061-06.2012.4.05.8101), sob a alegação de es-bulho provocado pelo ente público municipal no ano de 2010 (que, consoante registro imobiliário, o comprou do irmão da autora em 1992), vindo tal demanda possessória a ser julgada improcedente na primeira instância, com a sentença mantida por esta Corte e com recurso pendente de aprecia-ção no STJ. 3. A sentença proferida na ação possessória, embora tenha reconhecido não ter a autora comprovado a posse do imóvel antes do alegado ‘esbulho’ (mas ‘mera detenção’), ressaltou que a mesma não prejudicaria o julgamento da presente ação de usucapião, por ainda se poder provar a aquisição da propriedade entre 1972 e 1992, ou seja, antes da venda do bem ao Município de Russas/CE. 4. O cerne da questão consiste em se verificar se restaram comprovados os requisitos da aquisição do imóvel em tela pela autora, por usucapião extraordinária, quais sejam, a posse contínua, mansa e pacífica de imóvel por 20 anos, com animus domini (CC/1916, art. 550). 5. Con-soante registros imobiliários anexados aos autos, o imóvel em tela pertencia ao Sr. Francisco Felipe Sobrinho, que, em 1980, o vendeu ao Sr. Jurandir Maia de Azevedo (irmão da autora), o qual, por sua vez, o vendeu, em 1992, ao Município de Russas/CE, que o doou no mesmo ano à Companhia de Desenvolvimento Industrial e Turístico do Ceará (para fins de implantação do Centro Industrial Sócio Integrado) e, posteriormente, em 2010, ao Fundo de Arrendamento Residencial (Decreto Municipal nº 10/2010), gerido pela Caixa Econômica Federal (Lei nº 10.188/2001). 6. Da análise da instrução processual de ambas as ações, há que se constatar que o imóvel do qual a autora manteve a posse com ‘intenção de ser dona’ entre 1972 e 1992, onde tinha uma casa e fixara residência, não é o imóvel objeto desta demanda (Lagoa do Enforcado), mas o imóvel vizinho (Alto da Bela Vista). 7. Embora a demandante faça confusão quanto ao nome e dimensão do terreno que afirma

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ter adquirido por usucapião, há que se ressaltar que há dois imóveis distintos (Alto da Bela Vista e Lagoa do Enforcado), que, embora contíguos, possuem diferentes matrículas no cartório imobiliário e, consoante constatou o magistrado que julgou a ação possessória após a realização de inspeção judicial in loco, áreas bem definidas e delimitadas por cercas. 8. Do conjunto probatório constante nos autos, depreende-se que autora foi morar, com seus pais, no Município de Russas/CE, em 1972, após o seu irmão (Juradir Maia de Azevedo) ter comprado a propriedade denominada ‘Alto da Bela Vista’ (5,2ha) ao Sr. Osmar Dantas Pinheiro, terreno em que a família construiu uma casa para fixar residência e plantava para subsistência (registrada em 1974). Após, o Sr. Jurandir veio a comprar a propriedade vizinha denominada ‘Lagoa do Enforcado’ (36,2 ha) ao Sr. Francisco Felipe Sobrinho (registrada em 1980), terreno que a família (sua irmã e seus pais) passou a utilizar para criar gado e plantar. Tempos depois, o Sr. Jurandir Azevedo transferiu a propriedade do imóvel conhecido por ‘Alto da Bela Vista’ para o nome da autora (registrada em 1994, de matrícula nº 2975/9012) e do imóvel conhecido por ‘Lagoa do Enforcado’ para o Município de Russas/CE (registrada em 1992, matrícula nº 696/0026). 9. Constata-se que o irmão da autora comprou dois imóveis contíguos co-nhecidos por ‘Alto da Bela Vista’ (5,2 ha) e ‘Lagoa do Enforcado’ (36,2 ha), registrados em cartório com matrículas distintas, para usufruto de sua irmã (autora) e seus pais, tendo a família construído uma casa no primeiro imóvel para residir (fixar morada) e vindo a utilizar o segundo imóvel para criar gado e plantar; tanto que as pessoas da localidade conheciam ambos os imóveis como de pro-priedade do Sr. Jurandir Azevedo, mas onde moraram e cuidaram da terra sua irmã (autora) e seus pais entre os anos de 1972 e 1992. 10. A transferência apenas do imóvel ‘Alto da Bela Vista’ para o nome da autora (onde esta tinha uma casa) é uma clara demonstração de que o Sr. Jurandir Azevedo não tinha a intenção de doar para a mesma o imóvel vizinho denominado ‘Lagoa do Enforcado’, tanto que o vendeu, na mesma época, ao Município de Russas/CE. 11. Muito embora tenha restado comprovado que a autora utilizou o imóvel ‘Lagoa do Enforcado’ (36,2 ha) pelo período de 1972 a 2010, não o fez com animus domini, por ser ela conhecedora de que quem o adquiriu foi seu irmão, e que este havia passado para o nome daquela (com registro em cartório) apenas o imóvel vizinho ‘Alto da Bela Vista’ (5,2 ha), ressaltando-se, inclusive, ser este o endereço indicado pela autora à época, consoante comprovantes de residência de declarações anexados à inicial. 12. Ausentes um dos requisitos necessários para a aquisição da propriedade por usucapião extraordinária, a saber, a posse com animus domini, há que se julgar improcedente a pretensão autoral. 13. Condena-se a parte autora em honorários advocatícios fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), nos termos do art. 20, § 4º do CPC/1973 (sentença proferida em 22.04.2015). Contudo, por se tratar de beneficiária da justiça gratuita, devida a suspensão da condenação, com base no disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950. 14. Apelação da parte autora não provida e recurso do Espólio de Jurandir Maia de Azevedo provido, para julgar improcedente a pretensão da autora.” (TRF 5ª R. – AC 0000067-13.2012.4.05.8101 – (586094/CE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Rebelo Júnior – DJe 15.03.2017 – p. 42)

2640 – Usucapião extraordinária – decisão monocrática – insurgência recursal

“Agravo interno em agravo (art. 544 do CPC/1973). Ação de usucapião extraordinária. Decisão mono-crática negando provimento ao reclamo. Insurgência recursal do autor. 1. A revisão das conclusões da Corte de origem acerca da ausência dos requisitos legais necessários para a aquisição da propriedade pela usucapião, demandaria a reapreciação do contexto fático e probatório dos autos, vedada pela Súmula nº 7 do STJ. Precedentes. 2. Manutenção da multa imposta com fulcro no art. 538, parágrafo único, do CPC/1973, porquanto os embargos de declaração opostos não tinham intuito de preques-tionamento, mas de rediscutir a lide, o que autoriza a imposição da mencionada penalidade. 3. Esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que a incidência da Súmula nº 7 do STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresenta-

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dos e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem. 4. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 181.038 – (2012/0106021-5) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 20.03.2017 – p. 1522)

2641 – Usucapião ordinária – reconhecimento da extraordinária – sentença extra petita

“Apelação cível. Ação de usucapião ordinária. Reconhecimento da usucapião extraordinária. Sen-tença extra petita. Nulidade configurada. 1- É defeso ao juiz proferir sentença fora dos limites da lide fixados na petição inicial, sob pena de incorrer em julgamento extra petita, com violação do princípio da congruência ou adstrição. 2. Havendo sido formulado pelos requerentes pedido de reconhecimento da usucapião ordinária de imóvel, a sentença que reconhece a usucapião extra-ordinária é nula, uma vez que configurado julgamento extra petita, mormente porque os requi-sitos da usucapião reconhecida são diversos daquela modalidade suscitada na exordial. Recurso provido. Sentença cassada.” (TJGO – AC 200990972950 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Escher – DJe 08.03.2017 – p. 198)

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Clipping JurídicoSenado poderá votar mudança na apuração da área rural tributável

Projeto de Lei do Senado permite ao proprietário rural usar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para apuração da área tributável de sua propriedade sobre a qual é calculado o Imposto Territorial Rural (ITR). O projeto está na pauta da Comissão de Assuntos Econô-micos (CAE) desta terça-feira (21/03), na qual tramita em caráter terminativo, isto é, se aprovado, seguirá para a Câmara dos Deputados, sem passar pelo Plenário do Senado. O autor da proposta (PLS 640/2015), o então Senador Donizeti Nogueira, argumenta que o Cadastro Ambiental é um cadastro mais moderno das áreas dos imóveis rurais e vinculado ao Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima). Para cálculo do ITR, são excluídas da área do imóvel rural as parcelas de preservação per-manente e de reserva legal, as que não se prestam à agropecuária e as declaradas como de interesse para a proteção dos ecossistemas. O Relator, Senador Paulo Rocha (PT-PA), apresentou voto favorável ao projeto. Pelas regras em vigor, essas informações devem constar do Ato Declaratório Ambiental, que é um registro feito pelo proprietário junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e hoje utilizado para o cálculo do ITR. Como as mesmas informações também deve-rão constar do Cadastro Ambiental Rural, como previsto no novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), o autor da proposta quer que o Cadastro Ambiental substitua o Ato Declaratório Ambiental para fins de cálculo do imposto. Como o cadastro ambiental ainda não está implementado em todo o País, sua adoção para fins de ITR será facultati-va, podendo o produtor rural continuar a utilizar o Ato Declaratório Ambiental, se assim o desejar. Paulo Rocha acolheu emenda da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) para excluir da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) o caráter obrigatório do Ato Declaratório Ambiental. Para o Relator, o caráter facultativo constante do projeto colidiria com a obrigatoriedade de utilização do Ato Declaratório para fins de redução do valor a ser pago de ITR. A emenda da CMA foi apresentada pelo senador Blairo Maggi, hoje licenciado do cargo. (Conteúdo extraído do site da Agência Senado)

STJ decide que não é abusiva cláusula que responsabiliza comprador pela desocu-pação de imóvel adquirido da CEF

A cláusula contratual que impõe ao comprador a responsabilidade pela desocupação do imóvel ocupado, comum em contratos de compra de bens da Caixa Econômica Federal (CEF), não é abusiva, segundo entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão foi tomada na análise de recurso interposto pelo Ministério Público Federal (MPF), que considerou a cláusula abusiva porque “sujeita exclusivamente o consumidor a eventuais providências necessárias à desocupação do imóvel, quando ocupado por terceiros”. Para o MPF, essa obrigação é “excessivamente onerosa”, na medida em que o comprador passa a arcar com todas as despesas antes de assumir a posse do imóvel, como prestações do financiamento, condomínio, água, luz, IPTU e demais encargos. De acordo com o relator do caso no STJ, Ministro Villas Bôas Cueva, a oferta desses imóveis se dá por preço “consideravelmente inferior” ao valor real, em razão da situação peculiar em que se encontram, principalmente porque estão

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ocupados. “Não havendo omissão sobre o fato de o bem estar ocupado por terceiro, não se afigura iníqua ou abusiva, não acarreta exagerada desvantagem para o adquirente nem cria situação de incompatibilidade com os postulados da boa-fé e da equidade à cláusula contratual que impõe ao adquirente o ônus pela desocupação do imóvel”, considerou o ministro. Cueva salientou ainda que a aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) não afasta a liberdade de contratação e a força vinculante do contrato. Para ele, o SFH tem regime jurídico próprio, de modo que há diversos me-canismos a fim de atender as suas peculiaridades. “A estabilidade nas relações entre mu-tuários e o agente financeiro e o prestígio à segurança jurídica no âmbito das obrigações pactuadas são caminhos para manter a higidez do sistema e viabilizar que um maior número de pessoas possa adquirir um imóvel”, afirmou. O relator sublinhou que a oferta de imóvel nas condições em que se encontra é compatível com as diretrizes do SFH e com a “lógica do sistema financeiro”, já que evita o estoque de unidades, circunstân-cia que seria “extremamente danosa ao SFH”, pois bloquearia “um valor expressivo de capital, cujo retorno deveria reverter para a carteira de crédito imobiliário, propiciando novas operações de crédito para famílias sem casa própria”. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Expropriado deve comprovar prejuízo em imóvel para impedir desistência de desa-propriação

Ao acolher recurso da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou um pedido de desistência de desapro-priação e definiu que cabe ao expropriado o ônus da prova quanto à impossibilidade da desistência. Para o autor do voto vencedor, ministro Herman Benjamin, a obrigação de provar que o imóvel não está mais em condições de ser utilizado cabe ao expropria-do, facultada a possibilidade da proposição de uma ação de perdas e danos no caso de prejuízo sofrido durante o processo de desapropriação. O ministro lembrou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de permitir a desistência da desapropriação por parte do Poder Público, desde que ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser devolvido sem alteração substancial que o impeça de ser utilizado como antes. Para o magistrado, no caso analisado, o acórdão recorrido imputou indevidamente à Cesp o ônus de comprovar que o imóvel não sofreu danos que impedissem sua utilização. “Como a regra é a possibilidade de desistência da desa-propriação, o desistente não tem de provar nada para desistir, cabendo ao expropriado requerer as perdas e danos a que tiver direito por ação própria”, explicou o ministro. Herman Benjamin destacou que obrigar o Poder Público a ficar com o imóvel é uma decisão que não atende à supremacia do interesse público e beneficia apenas o interesse do particular expropriado. Ele destacou que o acolhimento do pedido de desistência im-pede “prosseguir com a expropriação de uma área de que o Poder Público não precisará, evitando o indevido gasto de dinheiro público”. A Cesp iniciou em 1999 procedimento para desapropriar imóveis com o objetivo de alagar uma região onde seria construído o lago da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, entre os Municípios de Rosana/SP e Batayporã/MS. O Ibama alterou posteriormente o limite de alagamento do local, de 259 para 257 metros. Com a decisão, a Cesp alegou que não precisava mais de certos

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imóveis, como o questionado no recurso, e pleiteou a desistência das desapropriações. O entendimento do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul é de que não havia provas de que o imóvel não foi afetado, já que era uma área destinada à mineração. Com esse argumento, o tribunal de origem indeferiu o pedido de desistência, mantendo o dever de indenizar os proprietários. Em valores atualizados, a indenização ultrapassaria R$ 970 milhões. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

TST afasta penhora de imóvel de família ofertado como garantia do juízo

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a impenhorabilidade de um imóvel registrado em nome da empresa familiar paranaense Nefro Med, no qual residem seus sócios (pai, mãe e filha). Embora a empresa tenha apresentado o imóvel à penhora para o pagamento de dívida trabalhista, a Turma ressaltou que a Constituição Federal garante o direito à moradia, e este é irrenunciável. Nos autos da reclamação tra-balhista, a empresa apresentou o imóvel, registrado em seu nome, como garantia ao juí-zo. Em seguida, os proprietários opuseram embargos de terceiro alegando que se tratava de sua residência e único bem de família. O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), porém, entendeu que o oferecimento configurou renúncia à impenhorabilidade. Além de manter a constrição, considerou a atitude dos sócios atentatória à dignidade da justiça, e aplicou multa de 5% sobre o valor da condenação, à época calculada em R$ 886 mil. Os proprietários recorreram então ao TST. O Relator do recurso, Ministro Douglas Alencar Rodrigues, explicou que a impenhorabilidade do imóvel residencial familiar está estabelecida no art. 1º da Lei nº 8.009/1990, e que o art. 6º da Constituição Federal inclui a moradia como direito fundamental, irrenunciável pela pessoa devedora. Citando diversos precedentes do TST no mesmo sentido, o ministro ressaltou que o imó-vel estava registrado em nome de pessoa jurídica, mas era o local da residência dos só-cios, e que se trata de empresa familiar. O relator manteve, porém, a multa aplicada pelo TRT. “O reconhecimento da impenhorabilidade não afasta a conclusão de que configura ato atentatório à dignidade da jurisdição a nomeação de bem que não pode ser alienado judicialmente”, concluiu. A decisão foi unânime. Processo: RR-678-15.2013.5.09.0024 (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

Fechamento da Edição: 27�03�2017

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• DireitodePropriedade–ADefesadaPossepelaViaJudicialepelaForça Própria do Possuidor: Uma Reflexão Jurídica Sobre a Violên-cia no Campo

Humberto Theodoro Júnior Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• InovaçõesdaLeideLocação Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• JurosnosContratosParticularesdeMútuoeFinanciamentoBancá-rio de Crédito

Gustavo Saad Diniz Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

AlienAção FiduciáriA

•A Alienação Fiduciária de Imóveis (PedroErnesto Celestino Pascoal) ...................................55

•A Alienação Fiduciária e suas Consequências no Patrimônio do Fiduciante (Thiago CaversanAntunes e Caio Madureira Constantino)...............51

•Alienação Fiduciária sobre Bens Imóveis (AdrianoMassatoshi Hanamoto da Silva) .............................9

•Hipoteca Versus Alienação Fiduciária Vantagens e Desvantagens de Cada Instituto (José Eduardode Moraes) ...........................................................88

Autor

AdriAno mAssAtoshi hAnAmoto dA silvA

•Alienação Fiduciária sobre Bens Imóveis ...............9

cAio mAdureirA constAntino e thiAgo cAversAn Antunes

•A Alienação Fiduciária e suas Consequências no Patrimônio do Fiduciante .....................................51

José eduArdo de morAes

•Hipoteca Versus Alienação Fiduciária Vanta-gens e Desvantagens de Cada Instituto ................88

Pedro ernesto celestino PAscoAl

•A Alienação Fiduciária de Imóveis .......................55

thiAgo cAversAn Antunes e cAio mAdureirA constAntino

•A Alienação Fiduciária e suas Consequências no Patrimônio do Fiduciante .....................................51

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto

AlienAção FiduciáriA

•A Alienação Fiduciária no Direito ImobiliárioBrasileiro (Rogério Tadeu Romano) ....................123

Autor

rogério tAdeu romAno

•A Alienação Fiduciária no Direito ImobiliárioBrasileiro ...........................................................123

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

AlienAção FiduciáriA

•Agravo interno no agravo em recurso especial – Ausência de prequestionamento – Art. 535 do CPC – Inexistência de omissões – Crédito resultante de alienação fiduciária em garantia sobre imóvel – Não submissão à recuperação –Súmula nº 83 do STJ (STJ) ........................2588, 132

EMENTÁRIO

Assunto

AlienAção FiduciáriA

•Alienação de imóvel – protesto – registro ................................................................2589, 140

•Alienação fiduciária – ação de exibição de documentos – obtenção do contrato de finan-ciamento .................................................2590, 140

•Alienação fiduciária – busca e apreensão – mora ex re – vencimento do prazo para pagamen-to – comprovação – notificação extrajudicial ................................................................2591, 140

•Alienação fiduciária – relação consumerista –busca e apreensão – purgação da mora ...2592, 140

•Alienação judicial – pedido condenatório de pagamento de alugueres – procedimentos con-tencioso e voluntário – acumulação – impossi-bilidade ...................................................2593, 141

•Alienação judicial de imóvel – hasta pública – intimação do devedor por edital – esgota-mento das tentativas de localização .........2594, 141

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

ArrendAmento de imóvel

•Aluguel e Arrendamento de Imóveis: Pessoa Fí-sica ou Jurídica? Labirinto Tributário Leva Em-presários e Proprietários a Equívocos (RicardoPaz Gonçalves) ..................................................165

BenFeitoriAs

•A Ilegalidade da Exigência de Pintura Nova na Devolução do Imóvel em Contratos de Lo-cação (Marco A. N. Passos) ...............................159

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RDI Nº 38 – Mar-Abr/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������245 locAção

•Aluguel Acima do Valor de Mercado Pode Ser Reajustado! (André Mansur Brandão e CarolinaPalma) ...............................................................163

PAtrimônio de AFetAção

•Patrimônio de Afetação como Garantia dos In-vestidores e o Mercado de Valores Mobiliários (Gustavo Alberto Villela Filho) ...........................156

registro de imóveis

•O Desconto na Primeira Aquisição Residen-cial no Cartório de Registro de Imóveis: 8 Te-ses em Prol do Consumidor (Jeferson LucianoCanova) .............................................................142

Autor

André mAnsur BrAndão e cArolinA PAlmA

•Aluguel Acima do Valor de Mercado Pode SerReajustado! ........................................................163

cArolinA PAlmA e André mAnsur BrAndão

•Aluguel Acima do Valor de Mercado Pode SerReajustado! ........................................................163

gustAvo AlBerto villelA Filho

•Patrimônio de Afetação como Garantia dos In-vestidores e o Mercado de Valores Mobiliários ..........................................................................156

JeFerson luciAno cAnovA

•O Desconto na Primeira Aquisição Residencial no Cartório de Registro de Imóveis: 8 Teses em Prol do Consumidor .....................................142

mArco A. n. PAssos

•A Ilegalidade da Exigência de Pintura Nova na Devolução do Imóvel em Contratos de Lo-cação .................................................................159

ricArdo PAz gonçAlves

•Aluguel e Arrendamento de Imóveis: Pessoa Física ou Jurídica? Labirinto Tributário LevaEmpresários e Proprietários a Equívocos ............165

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

construtorA

•Processo civil – Agravo de instrumento – Progra-ma Minha Casa Minha Vida – Atraso na entrega de empreendimento – Falência da construto-ra – Suspensão dos pagamentos de encargos– Descabimento (TRF 2ª R.) .....................2597, 192

desAProPriAção

•Processual civil – Administrativo – Ação civil pública – Faixa de fronteira – Transferência a non domino – Desapropriação – Bem per-tencente à União – Violação do art. 535 ine-xistente – Coisa julgada – Prescrição não in- cidente – Inexistência de procedimento de rati-ficação (STJ) .............................................2595, 167

sFh

•Agravo interno no recurso especial – Sistema financeiro de habitação – Mútuo habitacional – Seguro – Competência interna relativa para o julgamento da causa – Legitimidade passiva – Ausência de solidariedade entre a CEF e a seguradora – Inexistência de cobertura, na apó-lice, dos vícios de construção, e condenação em aluguéis – Súmulas nºs 5 e 7 do STJ – Le-gitimidade ativa do cessionário em contrato degaveta – Súmula nº 83 do STJ (STJ)...........2596, 176

EMENTÁRIO

Assunto

Ação cominAtóriA

•Ação cominatória – vícios de construção – obri-gação de fazer .........................................2598, 203

Ação de coBrAnçA

•Ação de cobrança – taxa condominial – pres-crição quinquenal ....................................2599, 204

Ação de imissão nA Posse

•Ação de imissão na posse – preparo – não com-provação – deserção – procuração – cadeia desubstabelecimento ...................................2600, 204

Ação de reintegrAção de Posse

•Ação de reintegração de posse – deferimen-to da antecipação da tutela – esbulho pos-sessório ....................................................2601, 204

•Ação de reintegração de posse – não compro-vação do exercício da posse – esbulho ....2602, 205

Ação indenizAtóriA

•Ação indenizatória – vícios construtivos – au-sência de interesse da Caixa Econômica Federal– competência da Justiça Estadual ...........2603, 205

cédulA rurAl

•Cédula rural hipotecária – fundamentos não impugnados – aplicação das Súmulas nºs 283e 284, do STF ..........................................2604, 205

Page 246: ISSN 2236-1553 Revista SÍNTESE 38_miolo.pdf · 4.5.2 Os critérios para fixação do preço do imóvel e dos procedimentos do leilão; 4.5.3 A arbitragem; Capítulo 5 – Do pagamento

246 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 38 – Mar-Abr/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

comPrA e vendA

•Compra e venda – atraso na entrega da obra – empreendimento misto ............................2605, 205

•Compra e venda – cumprimento de sentença – penhora de imóvel de propriedade da execu-tada – bem de família ..............................2606, 209

comPromisso de comPrA e vendA

•Compromisso de compra e venda – resci-são contratual – litigância de má-fé – inocor-rência ......................................................2607, 209

•Compromisso de compra e venda de imóvel – ilegitimidade e prescrição – afastada – atraso na entrega da obra – caso fortuito – força maior ................................................................2608, 209

contrAto

•Contrato imobiliário – obra – entrega – atraso ................................................................2609, 210

corretAgem

•Corretagem – incorporação imobiliária – venda de unidades autônomas – cláusula de transfe-rência da obrigação ao consumidor – valida-de – preço total – dever de informação ....2610, 212

desAProPriAção

•Desapropriação – alegada obscuridade – ter-mo inicial dos juros de mora – incidência ................................................................2611, 212

•Desapropriação – depósito judicial – discussão ................................................................2612, 213

•Desapropriação – registro da sentença no car-tório de registro de imóveis – isenção de emo-lumentos ..................................................2613, 213

•Desapropriação amigável – recibo – negóciojurídico válido .........................................2614, 213

•Desapropriação indireta – prescrição – con-tagem – termo a quo – fixação do quantum ................................................................2615, 213

desPeJo

•Despejo – cobrança de aluguéis – decisão in-deferitória – irresignação do autor – contratoverbal ......................................................2616, 214

•Despejo por falta de pagamento – locação – alegação de fraude – ausência de título de pro-priedade ..................................................2617, 214

•Despejo por falta de pagamento c/c com res-cisão do contrato e cobrança de aluguéis –contrato escrito ........................................2618, 215

direito de vizinhAnçA

•Direito de vizinhança – nunciação de obra nova – cumprimento de sentença .....................2619, 217

doAção

•Doação feita a enteado – inoficiosidade – exis-tência ......................................................2620, 218

evicção

•Evicção – ação possessória – denunciação da lide – obrigatoriedade ..............................2621, 224

locAção

•Locação – contrato atípico de e outras aven-ças – rescisão – reparação de danos – questões relevantes ao deslinde da controvérsia – apre-ciação – ausência ....................................2622, 227

•Locação – despejo por falta de pagamento – ju-ros de mora .............................................2623, 227

medidA cAutelAr

•Medida cautelar fiscal – indisponibilidade debens – bem de família – possibilidade .....2624, 228

PenhorA

•Penhora – auto de avaliação – requisitos do art. 872 do CPC – nova avaliação do imóvel ................................................................2625, 229

•Penhora – hasta de imóvel – decisão recorrível ................................................................2626, 229

Posse

•Posse – reintegração – pedido parcialmente procedente – remessa necessária – cabimento ................................................................2627, 229

Prescrição

•Prescrição – cobrança – preço ajustado em compromisso de venda e compra – prazo pa-ra pagamento – ausência de previsão ......2628, 230

recurso esPeciAl

•Recurso especial – cobrança de aluguéis – ino-corrência – revisão – impossibilidade ......2629, 230

sentençA

•Sentença – cumprimento – impugnação – in-dicação de bens à penhora – notas do TesouroNacional – bem de difícil alienação ........2630, 231

sFh

•SFH – mútuo habitacional – seguro – litigânciade má-fé afastada .....................................2631, 231

•SFH – obra financiada – recursos do hipote-cados – ocupação ....................................2632, 235

usucAPião

•Usucapião – incompatibilidade dos pedidos – cerceamento de defesa – oportunidade deemenda ...................................................2633, 235

Page 247: ISSN 2236-1553 Revista SÍNTESE 38_miolo.pdf · 4.5.2 Os critérios para fixação do preço do imóvel e dos procedimentos do leilão; 4.5.3 A arbitragem; Capítulo 5 – Do pagamento

RDI Nº 38 – Mar-Abr/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������247 •Usucapião – planta do imóvel – presença

de elementos suficientes à sua identificação ................................................................2634, 236

•Usucapião – princípio da dialeticidade – nãoobservância .............................................2635, 236

•Usucapião – promitente comprador do imóvel usucapiendo – parte que não é proprietário ouconfinante do imóvel ...............................2636, 236

•Usucapião de imóvel urbano – preliminar de cassação da sentença – rejeitada – afronta ao princípio da dialeticidade ........................2637, 236

•Usucapião e reintegração de posse – inexistên-cia de omissão – interesse em rediscutir matéria já apreciada – via inadequada .................2638, 237

•Usucapião extraordinária – Código Civil de 1916 – ação de reintegração de posse – preten-são autoral ...............................................2639, 237

•Usucapião extraordinária – decisão monocrá-tica – insurgência recursal .......................2640, 238

•Usucapião ordinária – reconhecimento da ex-traordinária – sentença extra petita ..........2641, 239

CLIPPING JURÍDICO

•Expropriado deve comprovar prejuízo em imóvel para impedir desistência de desapro-priação ..............................................................241

•Senado poderá votar mudança na apuração daárea rural tributável ...........................................240

•STJ decide que não é abusiva cláusula que res-ponsabiliza comprador pela desocupação de imóvel adquirido da CEF ...................................240

•TST afasta penhora de imóvel de família oferta-do como garantia do juízo .................................242