Lingua Tupi

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1 NÓS FALAMOS TUPI-GUARANI Elinaldo S Meira * RESUMO: Objeta-se com o presente artigo tecer comentários sobre a influência e/ou presença de elementos lingüísticos indígenas, em particular, o tupi-guarani, vivos no cotidiano paulista. Palavras-chave: tupi-guarani; São Paulo; toponímias; lingüística. 1 O FATO O fato não é novidade e para percebermos isso basta dar uma rápida olhada em qualquer dicionário que trata do assunto. Fiz isso, recorri ao dicionário, melhor dizendo, ao Vocabulário Tupi-Guarani, como assim prefere intitular o seu autor, o professor Francisco da Silveira Bueno, dicionarista não só da língua indígena, como também do português. A edição é a terceira e data de 1984, lançado pela Brasilivros Editora e Distribuidora, de São Paulo (BUENO, 1984). O autor esclarece que o tupi-guarani, ou nheengatu, a língua geral, como se concebia na época, remete aos trabalhos de catequização indígena feito pelos jesuítas entre os anos de 1550 a 1570. Não é uma língua propriamente, foi um recurso lingüístico adotado pelos padres jesuítas como forma de padronizar o ensino religioso dentro das missões, tomando como base as duas das várias línguas indígenas conhecidas no período. “Foram os jesuítas que a impuseram (o tupi-guarani), em seus aldeamentos, unificando, portanto, as diferenças existentes entre os fatores de cada tribo, criando o grande instrumento de comunicação quer entre as várias tribos aldeadas, quer entre os missionários, quer ainda, no decorrer do tempo, entre os portugueses e nativos. Criou-se a verdadeira língua geral que, pela costa atlântica desceu do norte para o sul do país”. Assim comenta o autor, na página 15 do Vocabulário. Essa língua institucional servia aos interesses da Companhia de Jesus, foi o modo lingüístico que lhes facilitou a imposição religiosa no Brasil, Paraguai e Uruguai. Além dos padres, e talvez bem mais que esses religiosos, os bandeirantes que a aprenderam juntamente com o indígena nos aldeamentos, a partir de meados do século 17 foram os agentes divulgadores da língua fora das missões. Saindo de São Paulo, adentrando pelos sertões, o nheengatu “foi disseminado por quase todo o país”, comenta Silveira Bueno. Um fato curioso também apontado pelo professor e dicionarista é o da nossa antiga condição * Professor do Curso de Comunicação Social do IMESB.

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Un parte de lingua tupi. gran aporte a la literatura portuguesa

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    NS FALAMOS TUPI-GUARANI

    Elinaldo S Meira*

    RESUMO: Objeta-se com o presente artigo tecer comentrios sobre a influncia e/ou

    presena de elementos lingsticos indgenas, em particular, o tupi-guarani, vivos no

    cotidiano paulista.

    Palavras-chave: tupi-guarani; So Paulo; toponmias; lingstica.

    1 O FATO

    O fato no novidade e para percebermos isso basta dar uma rpida olhada em

    qualquer dicionrio que trata do assunto. Fiz isso, recorri ao dicionrio, melhor dizendo, ao

    Vocabulrio Tupi-Guarani, como assim prefere intitular o seu autor, o professor Francisco

    da Silveira Bueno, dicionarista no s da lngua indgena, como tambm do portugus. A

    edio a terceira e data de 1984, lanado pela Brasilivros Editora e Distribuidora, de So

    Paulo (BUENO, 1984). O autor esclarece que o tupi-guarani, ou nheengatu, a lngua geral,

    como se concebia na poca, remete aos trabalhos de catequizao indgena feito pelos jesutas

    entre os anos de 1550 a 1570. No uma lngua propriamente, foi um recurso lingstico

    adotado pelos padres jesutas como forma de padronizar o ensino religioso dentro das

    misses, tomando como base as duas das vrias lnguas indgenas conhecidas no perodo.

    Foram os jesutas que a impuseram (o tupi-guarani), em seus aldeamentos, unificando,

    portanto, as diferenas existentes entre os fatores de cada tribo, criando o grande instrumento

    de comunicao quer entre as vrias tribos aldeadas, quer entre os missionrios, quer ainda,

    no decorrer do tempo, entre os portugueses e nativos. Criou-se a verdadeira lngua geral que,

    pela costa atlntica desceu do norte para o sul do pas. Assim comenta o autor, na pgina 15

    do Vocabulrio.

    Essa lngua institucional servia aos interesses da Companhia de Jesus, foi o

    modo lingstico que lhes facilitou a imposio religiosa no Brasil, Paraguai e Uruguai. Alm

    dos padres, e talvez bem mais que esses religiosos, os bandeirantes que a aprenderam

    juntamente com o indgena nos aldeamentos, a partir de meados do sculo 17 foram os

    agentes divulgadores da lngua fora das misses. Saindo de So Paulo, adentrando pelos

    sertes, o nheengatu foi disseminado por quase todo o pas, comenta Silveira Bueno. Um

    fato curioso tambm apontado pelo professor e dicionarista o da nossa antiga condio

    * Professor do Curso de Comunicao Social do IMESB.

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    poliglota: segundo a opinio do historiador Taunay, em So Paulo, at o sculo 18, falava-se

    guarani nas famlias, espanhol nas ruas e somente portugus no trato oficial com as

    autoridades governantes. (p. 15)

    Em outra obra, O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro (RIBEIRO, 1999),

    comenta este autor que o tupi, nos primeiros anos de ocupao portuguesa, expandiu-se mais

    do que o portugus. Com efeito, a lngua geral, o nheengatu, que surge no sculo XVI do

    esforo de falar tupi com boca de portugus, se difunde rapidamente como a fala principal

    tanto nos ncleos neobrasileiros como nos ncleos missionrios.

    Darcy Ribeiro expe, ainda, que o tupi-guarani teve funo inicial de lngua

    de comunicao dos europeus com os Tupinamb de toda a costa brasileira. Em seguida, se

    torna a lngua materna dos mamelucos da Bahia, Pernambuco, Maranho e So Paulo.

    Continua Ribeiro: mais tarde, se expande juntamente com a populao, como lngua corrente

    tanto das redues e vilas que os missionrios e os colonos fundaram no vale amaznico,

    como dos ncleos gachos que se fixaram no extremo sul, frente aos povoadores espanhis.

    de notar que, sendo a lngua geral uma variante muito pouco diferenciada do guarani falado

    naqueles sculos, tanto em territrio paraguaio onde se converte em lngua materna (...)

    estamos hoje, como se v, frente a uma enorme rea lingstica tupi-guarani.

    2 TOPNIMOS

    Toponmia o estudo da origem dos topnimos. Topnimo refere-se ao nome

    prprio de algum lugar, acidente geogrfico, rios etc. Darcy Ribeiro destaca que no decorrer

    da primeira onda de povoamento, avanada pelos paulistas, estes, falantes do nheengatu,

    deram a quase todas as guas, serras e acidentes assinalveis nomes em tupi-guarani,

    mesmo em regies onde a lngua no era imposta. Agora, imaginemos a seguinte situao:

    Estamos na cidade de So Paulo, algum chega e nos pergunta: Por gentileza, onde fica o

    local que no mais mata? Por acaso longe do riacho das pacas? Se eu pegar a avenida

    do facho grande eu consigo chegar na marginal do rio verdadeiro? Calma, um indivduo

    para agir desse modo teria de estar bem afinado com o tupi-guarani, e, creio, que poucos so

    os paulistanos que saibam que Ibirapuera significa aproximadamente o local que j foi

    mata (de ybur: rvore, mata + puera: que j foi e no o mais), poucos sero ainda os que

    diro que Pacaembu, designa em tupi-guarani, rio das pacas. Turiassu, por sua vez,

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    facho grande ou incndio e Tiet pode significar rio verdadeiro, mas que, tambm, j foi

    chamado pelos nossos ancestrais indgenas de Anhembi (o rio das nambus).

    A cidade de So Paulo est repleta de referncias ao tupi-guarani. A USP

    localiza-se prxima terra durssima, o Butant. Ainda na mesma regio, temos Jaguar:

    jaguar refere-se a ona, significa diferente. Na Zona Leste localiza-se Itaquera, ou a

    pedra velha; Guaianazes sofre influncia da lngua portuguesa no final: guayan era o nome

    da tribo que habitava o local, o ses indicativo de plural. Sapopemba, por sua vez, tem uma

    traduo estranha, sapo: raiz; pemba: esquinada.

    Se dermos um pulo na Zona Norte, l teremos Pirituba (juncal); Piqueri (rio

    pequeno); Jaragu (o senhor dos vales). Indo para o Centro passaremos prximo ao rio que

    faz muitas voltas, ou simplesmente Tamanduate. Chegando ao Centro, inevitavelmente, nos

    depararemos com o rio das diabruras ou do malefcio do diabo, em termos menos

    assustadores: o Vale do Anhagabau. O nome se deu pelo fato de que o rio (que l existia)

    quando alagava, suas guas empoadas relacionavam-se com a presena de enfermidades, o

    tifo, por exemplo. Na Zona Sul chique morar no merobi, mosca verde, ou numa outra

    traduo, mar mby, lugar de luta, o Morumbi, morro que fica entre os ribeires Pinheiros

    e Pirajussara (peixe que causa coceira). E que tal fazermos compras no Shopping do rio

    sinuoso? Melhor, no Iguatemi, o primeiro grande shopping center paulista.

    O tupi-guarani no se limita Capital, uma das alternativas para irmos para

    o interior paulista pegarmos a Rodovia Anhagera, ou seja, a rodovia do diabo velho. No

    interior encontraremos Piracicaba, lugar onde o peixe colhido facilmente; Botucatu, vento

    bom ou bons ares, de fato isto verdade, principalmente quando estamos na serra

    homnima. Bauru designa cesto de frutas; Araraquara o esconderijo das araras;

    Araatuba o lugar onde h muitas aras.

    No litoral paulista, Perube o rio do tubaro; Iguape a juno de

    igu, baa, enseada, pe, em. Itanham, o prato de pedra e Bertioga, local onde se junta

    as tainhas.

    Tanto a cidade, quanto o Estado de So Paulo, esto recheados de termos

    em tupi-guarani. Creio que ainda no tenha sido feito um censo atualizado para ser saber

    quantas palavras vigoram pelas terras de Piratininga que, alis, significa peixe seco,

    referncia feita ao fato de que o rio Anhagabau quando transbordava pelas cheias, ao secar-

    se, deixava peixes expostos ao sol, assim aponta o professor Silveira Bueno com base em

    cronistas do sculo 18. A utilizao do fato, alm do aspecto curiosidade, traz consigo

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    elementos que subsidiariam adequadamente aulas de histria, geografia e lngua portuguesa.

    Apontam esses termos para uma reflexo sobre processos de formao de palavras

    justaposio, aglutinao. Mais do que nos damos conta, o tupi-guarani to vivo quanto os

    radicais gregos e latinos vistos e decorados anualmente nas aulas de portugus pelos

    estudantes do ensino fundamental e mdio.

    Para as aulas de histria, temos ns o privilegio de morarmos num Estado

    que tem uma das maiores toponmicas em tupi-guarani, formada pela imposio e avano dos

    bandeirantes ou ainda, pela presena viva do habitante nativo na terra.

    Em geografia, alm de alguns dos recursos a serem vistos em histria, que

    tal entender o porqu do nome duma serra chamada Mantiqueira, a chuva que goteja, ou

    ainda, o nome dum rio denominado Paranapanema, rio ruim?

    Voltarmos para o tupi-guarani no mero preciosismo lingstico,

    avaliarmos nossa formao histrica e social. perceber o quanto perdemos e/ou ganhamos

    nos jovens quinhentos anos de ocupao branca na terra Pindorama, assim denominado o

    Brasil pelos ancestrais indgenas. tambm um passo para um ensaio crtico-construtivo a ser

    feito nas escolas pautado em elementos ainda vivos e formadores da nossa cultura.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    BUENO, Francisco da Silveira. Vocabulrio tupi-guarani verso atualizada. 3. ed.. So Paulo: Brasilivros, 1984.

    RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formao e o sentido do Brasil. 2.ed.. So Paulo:

    Companhia das Letras, 1999, p. 97, 122.