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PLURALIDADE NO ENSINO DO INSTRUMENTO MUSICAL

Coordenador

 EDUARDO LOPES

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êndice 

BIOGRAFIAS vi

INTRODU‚ÌO 1

1 - Ensino da Mœsica em Portugal no Final do

Antigo Regime: fatores de mudan•a e modernidade 13Vanda de S‡

2 - Scordatura e Tablatura: do velho se faz novo 43

 Paulo Vaz de Carvalho

3 - Desenvolvimento no Estudo Sobre Instrumentos Musicaiscom Novas Tecnologias:

exemplos de investiga•‹o, ensino e pr‡tica 87

 Patr’cia Lopes Bastos 

4 - A Improvisa•‹o no Ensino do Instrumento:

a heran•a de Benny Goodman 117 Paulo Gaspar

5 - O GŽnero Musical na Identidade dos Instrumentos:

o saxofone no sŽc. XX 149

 M‡rio Marques e Eduardo Lopes

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Biografias

 Eduardo Lopes  estudou bateria jazz e percuss‹o cl‡ssica no

Conservat—rio de Roterd‹o (Holanda). ƒ licenciado com a maisalta distin•‹o (summa cum laude) em performance e composi•‹o pelo Berklee College of Music (EUA) e doutorado em teoria damœsica pela Universidade de Southampton (Reino Unido). ParaalŽm de manter uma significativa atividade art’stica comointŽrprete e com v‡rios CDs editados, Ž investigador respons‡velda linha de investiga•‹o ÒEnsino da Mœsica: Estudos e elabora•‹ode materiaisÓ da UnIMeM (Unidade de Investiga•‹o em Mœsica eMusicologia) com trabalhos publicados nas ‡reas da teoria da

mœsica, ensino da mœsica e pr‡ticas interpretativas. ƒ professorauxiliar do Departamento de Mœsica da Universidade de ƒvora.

 M‡rio Marques estudou saxofone no Conservat—rio de Mœsica deLisboa. ƒ licenciado pela Escola Superior de Mœsica de Lisboa eatualmente doutorando na Universidade de ƒvora. Comosaxofonista tem acumulado experincia nas mais variadas ‡reas;como solista em orquestra sinf—nica, big band, mœsica de c‰mara,e tambŽm na mœsica comercial, no teatro musical e na televis‹o.

Mœsico multifacetado e produtor musical de diversos discos, temaplicado essa experincia no estudo da interpreta•‹o musical e pr‡tica performativa, apresentando artigos em diversasconferncias. ƒ assistente convidado, no Departamento de Mœsicada Universidade de ƒvora.

 Patr’cia Lopes Bastos  completou os cursos gerais de mœsica noInstituto Gregoriano de Lisboa e no Conservat—rio Nacional deLisboa, o Curso Superior de Piano da Escola Superior de Mœsica

de Lisboa, o Diploma Superior de Piano da Faculdade de Mœsicada Escola Superior de Arte de Utreque, na Holanda, o Mestradoem Mœsica (Interpreta•‹o Pian’stica) da Universidade do Nebrasca em Lincoln, nos E.U.A., e o Doutoramento em Mœsicada Universidade de Aveiro. Tendo realizado concertos econferncias, em Portugal e no estrangeiro, Ž autora de obras publicadas, dedicando-se presentemente ˆ Organologia eMuseologia com um projecto de P—s-Doutoramento. ƒ membroda Unidade de Investiga•‹o em Mœsica e Musicologia

(UnIMeM), da Galpin Society, da AMIS e do ICOM, sendo

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fundadora e presidente da Associa•‹o Nacional de InstrumentosMusicais Ð ANIMUSIC.

 Paulo Gaspar   Ž licenciado pela ESML, e mestre pelaUniversidade Nova de Lisboa, em 2011 concluiu o doutoramentoem Mœsica e Musicologia na Universidade de ƒvora. J‡ lecionouem diversos conservat—rios, sendo frequentemente convidado arealizar master classes de clarinete e introdu•‹o ao jazz. Ao longoda sua carreira tem desenvolvido uma atividade muito diversa quevai da mœsica erudita ao jazz. ƒ solista da Banda da Armada,clarinetista dos Dixie Gang e Lisbon Underground MusicEnsemble. Em 2009 realizou um Tributo a Benny Goodman, cuja

grava•‹o foi editada 2012. Leciona clarinete na Escola de JazzLuiz Villas-Boas (Hot Clube de Portugal), Criatividade Musicalna Academia Nacional Superior de Orquestra e clarinete naESML.

 Paulo Vaz de Carvalho  iniciou o estudo de guitarra comoautodidata em Vila Real. Frequentou cursos livres com os professores Ribeiro da Silva, Lencart, Linhares, Nagy e Ponce.Foi aluno de Guitarra de Luize Walker na Academia Superior de

Mœsica de Viena; finalizou os estudos superiores com aclassifica•‹o de ÒPrimeiro PrŽmio por UnanimidadeÓ noConservat—rio de Aulnay sob a orienta•‹o de Raymond Grratien eorienta•‹o particular de Robert Aussel. Concluiu em 1993Mestrado em Cincias Musicais. Sob orienta•‹o de Jo‹o PedroOliveira e Fran•ois Dry, concluiu Doutoramento sobre Did‡ticade Guitarra. Comp›e mœsica para cena e recitais de poesia. ƒ professor auxiliar no Departamento de Comunica•‹o e Arte daUniversidade de Aveiro.

Vanda de S‡ estudou violino no Conservat—rio de Lisboa.Licenciatura e Mestrado em Cincias Musicais pela FCSH-UNL.Doutorada em Mœsica e Musicologia pela Universidade de ƒvora.Foi Diretora do Museu da Mœsica Portuguesa Ð Casa Verdades deFaria (2010-2011). ƒ Investigadora Respons‡vel da linha deInvestiga•‹o ÒPatrim—nio MusicalÓ da UnIMeM (Unidade deInvestiga•‹o em Mœsica e Musicologia) e do Projeto Estudos deMœsica Instrumental em Portugal: 1755 - 1834 (FCT/PTDC/EAT-MMU/104206/2008), com trabalhos publicados neste dom’nio. ƒ

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Investigadora colaboradora do Centro de investiga•‹o INET-MD(FCSH-UNL) na linha de investiga•‹o de Estudos Culturais. ƒ professora auxiliar do Departamento de Mœsica da Universidade

de ƒvora.

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Introdu•‹o

Em Outubro de 1976, a R‡dio Televis‹o Portuguesa come•ou a

transmitir a sŽrie de fic•‹o cient’fica ÔEspa•o: 1999Õ. Esta sŽrie

 produzida para o canal televisivo Brit‰nico ITV, tornou-se um

estrondoso sucesso a n’vel nacional, transportando os seus

espectadores para um futuro repleto de tecnologia, vivncias e

situa•›es nunca antes imaginadas. Eu pr—prio, h‡ altura com

idade representada com um s— d’gito, era um grande apreciador

da sŽrie, ficando fascinado com a forma de comunicar ˆ dist‰ncia

utilizada pelos personagens da sŽrie. Como nessa Žpoca t’nhamos

em casa um pesad’ssimo telefone preto de baquelite com

marcador de metal e liga•‹o ˆ parede por um cord‹o em material

txtil (hoje em dia uma fant‡stica pe•a vintage  de museu), o

ComLock  que os personagens utilizavam para comunicar era algo

que eu nunca imaginaria poder sequer existir no futuro. Utilizado

ˆ cintura, o ComLock   era um pequeno objeto que para alŽm de

outras carater’sticas de transmiss‹o de dados, servia

 principalmente para os personagens comunicarem sem fios ˆ

dist‰ncia, com a particularidade de ter incorporado um pequeno

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visor, a preto-e-branco, em que se via a cara do interlocutor em

tempo real. A realidade Ž que nos dias de hoje, muitos de n—s tm

no bolso um dispositivo tecnol—gico muito idntico ao ComLock

(ao qual chamamos Smartphone), com a vantagem de que

recentemente quando falei em tempo real com uma colega na

California, a imagem foi a cores. O que ent‹o para mim (e outros)

em 1976 parecia imposs’vel ser desenvolvido ou acontecer, sendo

 posicionado como mero produto da imagina•‹o1  dos autores de

uma sŽrie de fic•‹o, Ž hoje uma realidade e j‡ mesmo

ultrapassada.

Se no que respeita ˆ tecnologia, a fic•‹o cient’fica acima descrita

deu-nos uma clara no•‹o do que poderia existir no futuro

(assustadoramente n‹o muito distante), poderemos talvez tambŽm

tentar o mesmo exerc’cio em rela•‹o ˆ mœsica. Em 1977 (um ano

depois do in’cio em Portugal de ÔEspa•o: 1999Õ) e desta feita paraas salas de cinema, estreia aquele que Ž para muitos o grande

filme de fic•‹o cient’fica de todos os tempos. Produzido e

realizado por George Lucas, ÔStar Wars Episode IV: A New

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HopeÕ foi o primeiro de um conjunto de seis filmes, sendo

considerado um marco da cinematografia internacional. Se bem

que nunca indicado diretamente no filme, imaginamos que os

eventos s‹o passados num futuro muito distante dos dias de hoje,

em que seres humanos, human—ides, criaturas extra-terrestres e

rob™s inteligentes vivem e coabitam no Universo. Utilizando um

calend‡rio ficcional chamado Coruscant Standard Calendar

apenas sabemos que para os personagens este calend‡rio tem o

seu in’cio no tempo da Repœblica Velha em 25053 BBY ( Before

the Battle of Yavin), e que os eventos do filme se passam no ano 0

ABY ( After the Battle of Yavin). Mas para a ajudar a discuss‹o

em causa, atrevo-me a especular que poderemos imaginar que

estamos a falar de um futuro, em rela•‹o aos dias de hoje, de

cerca de 30000 anos2.

Uma das cenas do filme passa-se na cidade de  Mos Eisley  no planeta Tatooine. Nesta cidade, os personagens entram num bar

(ÔcantinaÕ), e em breves momentos podemos observar e ouvir um

grupo de mœsicos aparentando serem a Ôbanda da casaÕ. De aspeto

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human—ide, este grupo musical chama-se  Figrin DÕan and the

 Modal Nodes  e tem a forma•‹o de sete mœsicos que tocam uns

instrumentos de sopro muito idnticos aos dos dias de hoje

(essencialmente madeiras). A mœsica de fundo interpretada por

esta banda foi composta por John Williams, respons‡vel tambŽm

 por toda a banda sonora do filme. ƒ perfeitamente claro, que a

mœsica interpretada por este grupo Ž de estilo swing , similar ao de

Benny Goodman da dŽcada (agora real) de 1930; tendo uma

orquestra•‹o para trompete, saxofone, clarinete, piano elŽtrico,

 steel drum e percuss‹o.

Em compara•‹o com a tecnologia de fic•‹o apresentada neste

filme, bem como na da sŽrie televisiva anteriormente discutida, a

mœsica n‹o se apresenta Ôfutur’sticaÕ Ð pelo menos no sentido de

algo que est‡ para alŽm da nossa imagina•‹o. Tendo tido o seu

apogeu e estatuto de grande vanguarda musical nos anos 30, hojeem dia o estilo  swing   Ž j‡ considerado do passado e com pouca

express‹o na atividade art’stica atual, na qual outras sonoridades e

estŽticas melhor representam a contemporaneidade. N‹o querendo

adivinhar as discuss›es de trabalho entre Lucas e Williams,

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apontando talvez quest›es de extra-diegese ou mesmo meta-

diegese da mœsica no filme (ou simplesmente a sua fun•‹o neste

filme), talvez fosse espect‡vel que uma representa•‹o de uma

dist‰ncia temporal de um futuro na ordem dos 30000 anos, n‹o

fosse uma sonoridade swing  t‹o —bvia.

A problem‡tica que estamos ent‹o a abordar neste volume, e que

constantemente est‡ no imagin‡rio de todos ligados de alguma

forma a atividades musicais (desde a cr’tica musicol—gica,

 passando pela teoria e atŽ ˆ pr‡tica), Ž ent‹o como ser‡ a mœsica

de um futuro mais ou menos distante. N‹o sabemos exatamente se

esta problem‡tica preocupava Palestrina ou Bach, mas podemos

adivinhar que estes compositores ficariam certamente surpresos

com muita da mœsica feita na atualidade, e que talvez esta

estivesse mesmo para alŽm da imagina•‹o de cada um deles.

 No entanto, o exerc’cio por mim efetuado de procurar poss’veis

express›es musicais do futuro atravŽs da fic•‹o cient’fica3, n‹o

considerou que na realidade se trata de fic•‹o cient’fica (i.e.

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cincia/tecnologia) e n‹o fic•‹o art’stica/musical - um gŽnero n‹o

muito comum numa concep•‹o similar ˆ fic•‹o cient’fica.

Come•ando finalmente a descida ˆ Terra, a preocupa•‹o com a

mœsica do futuro est‡ intimamente ligada com a fun•‹o,

concep•›es e metodologias de ensino, pois de certa forma o que

ensinamos no presente ter‡ sempre um impacto (relativo Ž certo)

no futuro. De que forma ent‹o as institui•›es de ensino de mœsica

 participam no avan•o e de certa forma progresso4 da arte? Tm as

institui•›es de ensino estado um passo ˆ frente no que respeita ao

 progresso da arte? Ou simplesmente respondem aos avan•os e

 progressos da arte na sociedade? Ou ser‡ uma mistura das duas

quest›es, havendo uma espŽcie de fen—meno de cont’nuo

 feedback ?

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Sendo o conceito de Ôeduca•‹o progressistaÕ de defini•‹o bastante

difusa e n‹o consensual, a sua forma mais generalista tende a

indicar uma atitude pr—-ativa para mudan•as de prioridades

educacionais (e de conteœdos) na sequncia de novos paradigmas

sociais e culturais5. Se bem que a defini•‹o mais abrangente de

educa•‹o progressista parece indicar a priori um posicionamento

da educa•‹o simplesmente como resposta aos avan•os na

sociedade, acreditamos que a sua essncia pr—-ativa tambŽm

exerce influncia na sociedade6. Assim sendo, uma educa•‹o

 progressista tende a influenciar e ser influenciada pelo contexto

s—cio-cultural onde se insere. N‹o ser‡ ent‹o de admirar que os

conceitos de democracia, inclusividade e pluralidade sejam

 basilares numa educa•‹o progressista.

Se bem que os conceitos de democracia, inclusividade e

 pluralidade tambŽm se aplicam ˆ educa•‹o musical

7

  (sendo pornatureza a educa•‹o art’stica terreno fŽrtil para progresso e

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avan•o), esta, por motivos variados, corre o constante risco de

algum conservadorismo inerente a qualquer institui•‹o de ensino8 

(i.e. acomoda•‹o  status quo). Para muitos music—logos, a

existncia de um c‰none da mœsica de tradi•‹o europeia e a sua

intr’nseca liga•‹o ao repert—rio dos programas de ensino de

instrumento, tem resultado numa for•a que, de certa forma, tende

a tornar mais lento o avan•o e progresso do ensino da mœsica.

Com um corpus de repert—rio com cerca de quatrocentos anos que

incluiu as dezenas de geniais compositores, resultando em

centenas de obras de imenso valor art’stico, que tempo restar‡

ent‹o ao mœsico e aluno de instrumento para se debru•ar sobre a

musica da atualidade (e futuro)?

 N‹o podemos tambŽm esquecer que este c‰none, se bem que com

um atraso de algumas dŽcadas, continua a crescer com a inclus‹o

de outras obras que acabam por ganhar estatuto de obras-referncia. Como o tempo normal de aprendizagem e estudo de

um instrumento n‹o tender‡ a aumentar significativamente, ser‡

ent‹o que vamos come•ar a eliminar obras que antes

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ensin‡vamos, substituindo-as por outras mais recentes? Iremos

ensinar as mesmas obras que hoje fazem parte do repert—rio daqui

a trezentos anos? Quantas das obras de Bach deixaremos de fora,

 para podermos aprender e tocar obras-primas dos sŽcs. XX, XXI,

XXII e XXIII? Se bem que estas perguntas s‹o f‡ceis de formular,

suas respostas j‡ n‹o s‹o t‹o f‡ceis de apontar.

Resta-nos ent‹o conjeturar que uma educa•‹o musical

 progressista (i.e. democr‡tica, inclusiva e plural), em conjunto

com os princ’pios de uma sociedade ativa e participativa, ir‡ de

facto ÔmoverÕ a mœsica em sintonia com o futuro da humanidade.

Seguindo nesta linha de idŽias, o presente volume incluiu alguma

investiga•‹o em v‡rias ‡reas relevantes ao instrumento musical,

refletindo sobre a problem‡tica do seu ensino num futuro que

cada vez mais se aproxima a largos passos.

 No primeiro cap’tulo, Ensino da Mœsica em Portugal no Final do

 Antigo Regime: fatores de mudan•a e modernidade, Vanda de S‡

oferece uma vis‹o do ensino de mœsica num per’odo da hist—ria

de Portugal. Neste cap’tulo poder-se-‡ notar de que forma

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algumas mudan•as sociais introduziram no passado inclusividade

no ensino (como por exemplo uma maior aten•‹o a quest›es do

gŽnero feminino), bem como iniciaram o desenvolvimento de

metodologias e Òinstitui•›esÓ de ensino de mœsica. No segundo

cap’tulo, Scordatura e Tablatura: do velho se faz novo, Paulo Vaz

de Carvalho aborda a problem‡tica da escrita para cordafones.

Considerando exemplos hist—ricos e comparando a efic‡cia e

coerncia das escritas para cordofones em tablatura, partitura e

em partitura de falso efeito, Ž proposto um plano de

 procedimentos e ferramentas para ultrapassar o atual impasse da

escrita para instrumentos em scordatura. No terceiro cap’tulo,

 Desenvolvimento no Estudo Sobre Instrumentos Musicais com

 Novas Tecnologias: exemplos de investiga•‹o, ensino e pr‡tica,

Patr’cia Lopes Bastos reflete sobre o papel da cincia e tecnologia

na hist—ria do desenvolvimento dos instrumentos musicais. Neste

cap’tulo s‹o tambŽm apresentados alguns institutos e laborat—riosque fazem investiga•‹o de alto n’vel sobre a constru•‹o e an‡lise

de carater’sticas de instrumentos musicais. No quarto cap’tulo,  A

 Improvisa•‹o no Ensino do Instrumento: a heran•a de Benny

Goodman, Paulo Gaspar aponta a improvisa•‹o jazz’stica como

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ferramenta acess—ria para o ensino do instrumento, tendo em

conta os desafios colocados pela mœsica da atualidade ao

instrumentista contempor‰neo. Partindo da figura hist—rica de

Benny Goodman, Ž proposta uma metodologia que incluiu a

improvisa•‹o jazz’stica como parte integrante e fundamental no

ensino do clarinete. No quinto e œltimo cap’tulo, O GŽnero

 Musical na Identidade dos Instrumentos: o saxofone no sŽc. XX ,

M‡rio Marques e Eduardo Lopes abordam quest›es sobre a

rela•‹o entre a identidade dos instrumentos musicais e o gŽnero

musical onde estes primeiramente se inserem. Partindo do

exemplo do saxofone, e de alguns mœsicos (e mœsica) da

sociedade atual, Ž proposta uma grande inclusividade e

 pluralidade cultural de base em todas as ‡reas da experincia

musical, como forma crucial para uma integra•‹o din‰mica da

mœsica na contemporaneidade.

 Eduardo Lopes

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1 Ensino da Mœsica em Portugal no final do Antigo

Regime: fatores de mudan•a e modernidade

Vanda de S‡

A expans‹o do consumo e pr‡tica da mœsica instrumental

associada aos novos modelos de sociabilidade emergentes na

segunda metade do sŽculo XVIII, provocou altera•›es no

universo do ensino da mœsica. Ë margem das institui•›es de

ensino tradicionais que formavam os mœsicos profissionais, e que

estavam associadas ˆ corte e ˆ Igreja, como Ž o caso

 paradigm‡tico do Semin‡rio da Patriarcal, desenvolveu-se uma

importante rede de ensino privado. A expans‹o do ensino da

mœsica em regime particular, favoreceu naturalmente o leque de

op•›es de trabalho dos mœsicos profissionais dando-lhes

 possibilidade de desenvolverem atividades alternativas.

O facto da mœsica ser entendida como essencial no elenco de

virtudes atribu’das ao papel social feminino, passou a exercer uma

enorme press‹o no sentido do refor•o e generaliza•‹o do seu

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ensino. Numa estratŽgia de apropria•‹o dos recursos de distin•‹o

socioecon—mica, o dom’nio da arte musical constituiu-se como

demarcador relevante, verificando-se na segunda metade do

sŽculo XVIII um investimento nesta forma•‹o no seio da

 burguesia, logo seguido pelas classes mŽdias. As motiva•›es do

ensino da mœsica inserem-se na linha de educa•‹o feminina

 proposta por Luis Ant—nio Verney (1713-1792) no seu influente

livro, Verdadeiro MŽtodo de Estudar , de 1746. A desconfian•a

suscitada pelo reconhecimento do acesso feminino ˆ educa•‹o

levou ali‡s a que o autor se escondesse sob o pseud—nimo de

Barbadinho. Apesar da sua import‰ncia na afirma•‹o do

Iluminismo em Portugal, a obra de Verney foi tardiamente

reconhecida e s— aplicada no reinado de D. JosŽ (1750-1777) no

quadro da reforma pombalina. No referido livro o autor reconhece

ˆ educa•‹o feminina um papel necess‡rio e relevante, dedicando-

lhe parte da Carta XVI . De acordo com o papel social atribu’do eque tem como fim a boa orienta•‹o domŽstica, Verney sublinha a

import‰ncia do papel formador Ò[d]as maens de familia, [que]

sam as nossas mestras, nos primeiros anos da-nossa vidaÓ (1746:

II, 291). Os benef’cios da educa•‹o feminina resultam em

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contribuir para que reine a paz na fam’lia, mas tambŽm para

entreter melhor o ‰nimo do marido, sobretudo se este for erudito

(1746: II, 292). Para alŽm da gram‡tica, sublinha a utilidade da

aritmŽtica para a economia domŽstica e recomenda que a

educa•‹o seja regulada e ministrada em casa devendo nesta fase

inicial ser similar ˆ dos rapazes:

 praticar o mesmo, que [no caso] dos rapazes: O primeiro estudo das m‹ys deve

ser, ensinar-lhe por-si, ou tendo posibilidade, por-meio de outra pesoa capaz,

os primeiros elementos da-FŽ. &c. explicando-lhe bem todas estas coizas: o

que podem fazer, desde a idade cinco anos, atŽ os sete. Depois, ler, e escrever

Portuguez corretamente. Isto Ž o que rara molher sabe fazer, em Portugal.

(1746: II, 292).

O autor reconhece que a mœsica serve ainda de distra•‹o aos pais,

que s‹o quem investe nesta onerosa forma•‹o das filhas, para

alŽm de ser Òdivertimento inocente (...) com o fim, de namestarem ociozasÓ. Recomenda tambŽm os estudos musicais para

as futuras freiras que ter‹o que tocar org‹o (1746: II, 297).

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A condi•‹o socioecon—mica implicava exigncias diferenciadas

em termos de educa•‹o, considerando o Barbadinho, haver

diferen•as em fun•‹o do estatuto social relativamente aos

conhecimentos de mœsica, canto e dan•a:

 Nas senhoras Grandes nam Ž tam condenavel, aplicar-se mais a estes

divertimentos inocentes, se o-fazem com o fim, de nam estarem ociozas. O que

 porem me parece necessario, a uma Senhora que tem boa educasam, Ž,

aprender alguma coiza a dansar: nam para se servir de todas as galantarias, que

ensinam os mestres, mas para aprender o que Ž necessario, a uma pessoa, que

‡-de tratar com gente bem educada, e de nacimento. (...) [E tambŽm] para que

em uma ocaziam posa dansar um menuete, e divertir-se com os seus parentes.

(1746: II, 298).

Como se verifica correntemente nos pr—prios MŽtodos de dan•a,

esta arte, normalmente com destaque para a aprendizagem do

Minuete, cumpre uma dupla fun•‹o de conten•‹o do corpo, pois

ensina a andar, a movimentar-se e a saudar com eleg‰ncia. Refira-

se a prop—sito um entre v‡rios anœncios que oferecem ensino

 privado para o elenco genŽrico dos conteœdos necess‡rios ˆ boa

educa•‹o feminina. As prendas art’sticas acima referidas seriam

sempre uma mais valia acrescentada a esta forma•‹o de base.

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Quem quizer mandar ensinar meninas e boas educa•oens, a ler, escrever, cozer,

fazer meya, luvas, e caziar, e ˆ Doutrina Christan, poder‡ falar a huma Mestra

moradora na rua da triste feya a Nossa Senhora das Necessidades, que ensina a

 pre•o de hum tost‹o cada Mez, e hum p‹o todos os Sabados. ( Hebdomad‡rio

 Lisbonense 1764, 5).

Este tipo de anœncio n‹o se aplicava ao mais estrito circuito da

alta nobreza que empregava os seus criados e mœsicos por meio

de uma rede interna de referncias e recomenda•›es e n‹o por

anœncio pœblico. No caso da mœsica a primazia era dada

naturalmente aos mœsicos que se encontravam no circuito rŽgio,

 pois estes teriam j‡ passado por um exigente (ou pelo menos

reconhecido como tal) crivo de sele•‹o. Este modelo de

funcionamento prendia-se com —bvias quest›es de precau•‹o,

uma vez que os mœsicos conviviam sobretudo com as senhoras da

casa, de acordo com um entendimento que favorecia um elevado

grau de intimidade e coabita•‹o entre amo e criados.9

 

A coloca•‹o de anœncios na imprensa Ž sintom‡tica do j‡ referido

 processo de generaliza•‹o do ensino privado da mœsica entre

_ k'-.:"2/.S4' :2( . ,'8' 8' .;'02 *+' 9 '40,+0+,./0' /2 (28'-2 8' :2(+/"8.8' 82 e/0"32

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senhoras detentoras do poder econ—mico, mas n‹o integradas na

rede de informa•›es ao mais alto n’vel, a qual envolvia

normalmente recomenda•›es dos mœsicos rŽgios. Por exemplo

em 1818 verificamos que os mœsicos rŽgios continuam a exercer a

fun•‹o de selecionar e recomendar os servi•os privados no seio da

aristocracia mesmo recorrendo ˆ imprensa, sobretudo a Gazeta de

 Lisboa que servia esse c’rculo restrito:

Pretende-se para casa de hum Fidalgo hum Capell‹o Secular ou Regular que

confesse, saiba musica, e toque qualquer instrumento: quem estiver nestas

circunstancias procure JosŽ Faustino de Lemos, Musico da Camara de Sua

Magestade, na rua do Sacramento N¼57, cal•ada da Pampulha, o qual dir‡

quem o pretende, e o partido que se lhe faz." (Gazeta de Lisboa 1818/11/02 n¼

259).

ƒ sintom‡tico o facto destes anœncios come•arem por aparecer no 

 Hebdomad‡rio Lisbonense, um jornal rico em informa•›esrelacionadas com a pra•a comercial (e n‹o tanto com a

representa•‹o pœblica do reino como Ž o caso da Gazeta de

 Lisboa), privilegiando-se assim um pœblico relacionado com o

mundo do comŽrcio e dos neg—cios. Na  Gazeta de Lisboa  os

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anœncios relativos ao ensino da mœsica aparecem mais

tardiamente s— come•ando a generalizar-se a partir de 1800. Em

anos anteriores s— se justificam pela eventual urgncia ou raridade

dos servi•os requeridos, como por exemplo, uma  ama de

companhia musical  para servir uma Senhora nobre.10 

Os termos dos primeiros anœncios colocados na imprensa n‹o se

distinguem em nada do modelo que se coloca ao servi•o da

aristocracia, oferecendo sobretudo humildes servi•os manuais,

i.e., pentear, afinar cravos e copiar mœsica. Entre os desempenhos

 presume-se que caber‡ ainda o ensino rudimentar da mœsica e o

acompanhamento ao cravo do canto da senhora da casa.

Creados que procura› Amos Ð Pertende-se acommodar hum Sugeito para

acompanhar qualquer Senhora, sabe hum pouco de pentear, afinar cravos, e

copiar solfa; quem o pertender fale neste oficina. ( HL 1766/07/26, n¼ 4).

Grande parte dos professores/acompanhadores contratados para o

ensino e pr‡tica musical em privado s‹o oriundos da esfera do

10 "Huma Senhora da primeira Nobreza desta Corte pertende tomar para sua casa huma donzella de18 atŽ 20 annos, que saiba bem Musica e tocar Cravo. Aquella que se achar em circumstancias de

offerecer-se para isso, poder‡ mandar o seu nome com o lugar da sua assistencia ‡ loja da Gazeta, afim de se fazer hum ajuste adequado a similhante prestimo.Ó (GL 1796/04/26, n¼ 17, 2¼sup.). 

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render aos encantos das modinhas.11  Estes professores

asseguravam a circula•‹o, e tambŽm a cria•‹o,12 de um report—rio

de alcance local que servia o universo dos mœsicos amadores. Em

finais do sŽculo XVIII este circuito come•aria a ser cada vez mais

 pressionado pela urgncia de acompanhar as tendncias e de estar

na moda, o que provocou uma difus‹o sem precedentes do ensino

 privado da mœsica. Este alargamento foi acompanhado por um

 processo de vulgariza•‹o a v‡rios n’veis que levou ˆ emergncia

de um discurso caricatural e corretivo dirigido sobretudo ˆ classe

mŽdia. O sentido destas cr’ticas aponta para a necessidade de se

elevar a qualidade do ensino ministrado pelos professores

 privados, apelando ainda ao ju’zo cr’tico das potenciais alunas

que, na urgncia de adquirirem as prendas art’sticas da moda, se

exp›em ao rid’culo. Um dos autores (an—nimo) deste quadro de

tendncias acrescenta que Ž necess‡rio ter cravo em casa; e

 prossegue afirmando que se Ž moda Òterem as Senhoras Mestresde solfa, tambŽm o Ž nas que s‹o mais da sŽcia n‹o a quererem

11 Cf. Referncia de desagrado por parte de Beckford em rela•‹o ˆs Sonatas tocadas pelos mœsicosao servi•o do Marqus de Penalva (I1954: 102. 1787/06/24) e ao saltŽrio ouvido num sarau darainha com as infantas (1954: 250, 29/10/1787). Refira-se a este prop—sito o anœncio colocado naimprensa por um destes potenciais professores de mœsica que oferece os seus servi•os precisamente no saltŽrio "Hum Seminarista do Collegio Real se offerece para ensinar a tocarSalterio, e fornecer Musica moderna para o mesmo instrumento. Quem quizer aproveitar-se do seu prestimo, deixe aviso na Loja da Gazeta". (GL: 1802/07/27, n¼ 30).12  Refira-se a cena representada em teatro de cordel que relata um quadro em que duas jovens

irm‹s cantam Òaquella modinha nova, que nos fez o nosso mestreÓ [de mœsica] para agradar emassembleia domŽstica. (Cf. A Manh‹ de S. Jo‹o, 1792: 9).

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aprender, contentando-se com que se lhe ensinem de c—r algumas

‡rias, assim como se ensinam os papagaios a falarÓ (Cartas sobre

as Modas 1789: 55-56. Cf. Lousada 2001: 20).

 No teatro de cordel de finais do sŽculo XVIII s‹o correntes as

alus›es a mestres de mœsica ao domic’lio de duvidosa

competncia que n‹o se poupam a elogiar os progressos

inexistentes de alunas med’ocres, por mera estratŽgia de

sobrevivncia profissional. A este prop—sito citamos a li•‹o de

mœsica da pe•a A Velhice Namorada,13 que j‡ no t’tulo faz alus‹o

a uma solteira de idade madura (Antiquaria) que vive com o

irm‹o (o velho Alfarrabio) e se apaixona pelo jovem Mestre de

mœsica (Ambrozino). O rid’culo recai sobre esta aluna, vulner‡vel

 pela idade e paix‹o, que podemos imaginar em cena a berrar,

desafinada e desfigurada pela boca demasiado aberta.14 

13 Encontram-se tambŽm referncias aos mestres de mœsica e dan•a no entremez  Escola Moderna (1782).14  O mesmo tipo de situa•‹o Ž explorada na pe•a  As Loucuras da Velhice  (1786: 6), onde oinstrumento utilizado nas li•›es Ž, aparentemente, o cravo, mas a observa•‹o, feita pelo Mestre, deque este Òos martellos de todo tem estrompadosÓ sugere que se poderia tratar antes do pianoforte,designado ent‹o correntemente em Portugal por Òcravo de martelosÓ. O professor Ž representadosegundo o paradigma desta profiss‹o nos circuitos domŽsticos de classe mŽdia: percebemo-loimpaciente e desinteressado de uma aluna a quem falta manifestamente o talento musical, mas

vemo-lo, ao mesmo tempo encoraj‡-la e garantir-lhe progressos porventura inating’veis, de forma asegurar o seu emprego. (NeryTC).

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Entra Bisborria, [a criada], ˆ frente de dois criados que trazem um manic—rdioe cadeiras para os aposentos de Antiquaria, e tem in’cio a aula de Mœsica.ANTIQUARIA - Hoje podemos dar a li•‹o aqui, porque est‡ meu irm‹o nasalla curando as suas fontes.

AMBROZINO - Sim, minha Senhora, que este sitio he mais fresco para quemest‡ ardendo na fogueira do Amor.ANTIQUARIA - Ah magano, magano! Tambem esta lenha lhe accendeo nocora•‹o a fogueira do Amor!AMBROZINO - Pois n‹o! Que a lenha carunchosa arde com facilidade (Ë parte.) vamos ˆ li•‹o. (Assenta-se. Ambrozino tira elle hum papel de solfa.)V—s, Senhora, j‡ sabeis a m‹o de solfa; agora vamos cantar as entoa•›es desta primeira escala: eu mostro: D—, rŽ. Mi, f‡, sol, l‡. (Cantando.)ANTIQUARIA - D—, rŽ, mi, f‡, sol, la. (Desafinada, e Bisb—rria escarnecendo.)AMBROZINO - N‹o he assim. Cada nota destas s—be hum ponto: governe-se pelo tom // do instrumento, e pela minha voz. Oi•a primeiro: D—, rŽ, mi, f‡, sol,

l‡. Ora diga, mas com a boca aberta.ANTIQUARIA - D—, rŽ, mi, f‡, sol, l‡. (Com a boca muito aberta, edesafinada.)BISBORRIA - Ai que me mata o bixo do ouvido! (Escarnecendo de parte.)AMBROZINO - Bravo! Isso agora he outro cantar.ANTIQUARIA - Eu quando era Menina cantava huma Aria de dois bemmoles,que era toda de gargalejos, e repenicados, que a cantava muito bem; o meuMestre dizia, que eu era huma maravilha; e que s— tinha o defeito de ter m‡voz, m‡o estillo, e m‡o tempo.AMBROZINO - De inverno todos tem m‡o tempo.BISBORRIA - î Senhora, olhe que l‡ vem o Senhor Alfarrabio.

ANTIQUARIA - î meu Mestre, v‡ se, e venha logo, que n‹o quero dar li•‹odiante do meu Mano, que faz zombaria de mim.AMBROZINO - E tem raz‹o. (ç parte.) Adeos minha Menina.ANTIQUARIA - Ai que doces palavras! Adeos cora•‹o, adeos minha alma.

(V‹o-se os tres, e os criados lev‹o o Manicordio, e as cadeiras). (s.d.: 5-6.).

Para alŽm das quest›es de contexto que temos vindo a analisar,

interessa detalhar rapidamente o uso do clavic—rdio

(Òmanic—rdioÓ) em vez do cravo para a referida li•‹o; a referncia

a uma primeira fase da instru•‹o musical baseada ainda na m‹o

guidoniana e seguida da entoa•‹o de uma escala hexacordal, de

D— a L‡; ou ainda a instru•‹o dada ˆ aluna para abrir mais a boca

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ao cantar, sugerindo uma tŽcnica tradicional de coloca•‹o de voz

de garganta.

Com a crescente difus‹o do ensino privado da mœsica verifica-se

que o canto continua a distinguir-se entre os dotes musicais

femininos, j‡ o ensino do cravo tende a desaparecer do elenco

instrumental, ˆ medida que avan•amos pelo sŽculo XIX, sendo

substitu’do pelo piano-forte e verificando-se a persistncia da

viola. Passam a valorizar-se a rapidez e facilidade dos mŽtodos

usados e naturalmente a garantia de atualiza•‹o em rela•‹o ao

Ògosto modernoÓ15  o que vai favorecer o consumo de report—rio

cosmopolita em moda.

Citamos a prop—sito dois anœncios que abrem horizontes ao

modelo de professor tradicionalmente institu’do. O primeiro

aponta para a dissemina•‹o do ensino privado da mœsica para forade Lisboa, requerendo o piano-forte, o que vai estender-se

15 "Hum Professor de Musica Vocal, que tem ha annos ensinado nesta Corte por methodo facil, em

 breve tempo, e segundo o gosto moderno, faz saber ao Pœblico que ele continœa no mesmo

exercicio. Quem quizer utilizar-se do seu prestimo, p—de fazer aviso na loja da Gazeta, e na doMadre de Deos ˆ esquina da Inquisi•‹o no Roc’o". (GL 1800/08/05, n¼ 31).

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tambŽm ˆs col—nias.16  O segundo anœncio aponta para a

 possibilidade de constitui•‹o de escolas privadas, ˆs quais as

alunas se deslocariam para ter as suas aulas, o que se justifica

aparentemente pelo prest’gio da professora em causa, mas aponta

sobretudo para uma quebra na clausura domŽstica do espa•o

feminino tradicional. Verifica-se ali‡s que o perfil da mestra tende

a alargar-se ao ensino da mœsica n‹o se circunscrevendo j‡ apenas

aos rudimentos da costura, letras, nœmeros e doutrina crist‹.17 

Pretende-se hum Professor de musica, que toque Pianno forte com bom gosto,

e bem inclinado, que queira sahir fora de Lisboa. O sujeito que tiver estas

qualidades, e pertender exercer a sua arte fora de Lisboa, dirija-se ˆ rua dos

Anjos N¼65 ‡ Casa de JosŽ Joaquim Pereira de Carvalho. (GL  1800/10/23, n¼

123).

16  A presen•a do professor de mœsica Ž notada tambŽm nas fam’lias portuguesas que seestabelecem nas col—nias o que reflete o alcance de uma tendncia que vai estabelecer-se comonorma no sŽculo XIX. Mesmo que, como Ž aqui o caso descrito, n‹o se vislumbre qualquerinclina•‹o para a mœsica no seio familiar. Citamos aqui o testemunho de Thomas Edward Bowdichque, em 1823, visita o comerciante Manuel Martins, na Ilha da Boavista, em Cabo Verde: Ò Amongthe dependants of the household is a music-master, expressely imported from Lisbon to teach thechildren; but as neither masters nor misses have musical talents or inclination, he fills up hisabundant leisure by keeping a little school, exercising his profession only in the evening, when hethumps out a sonata on the piano, amid a clamour of tongues which renders impossible to do morethan a guess at the sounds he produces.Ó (Bowdich, 1825: 183).17 "Deseja-se para tratar da educa•‹o d'humas meninas huma Mestra, que seja pessoa de probidade,e saiba ler, escrever, bordar, cozer e tocar cravo por musica, a quem se dar‡ de ordenado 100$000

reis por anno, sustento e cama, e segundo o seu merecimento se lhe far‡ maior interesse." ( GL 1805/01/01, n¼ 1). 

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Acaba de chegar de Cadiz, Teresa Sanz, Professora de Musica, a qual d‡ li•›es

de cantar e de Pianno forte; as senhoras que queira› aprender; podem dirigir-se

ao Largo de S‹o Roque N.4, segundo andar. (GL  1811/09/04, n¼ 210).

Ë medida que nos aproximamos do sŽculo XIX as ofertas de

ensino da mœsica continuam a diversificar-se, por um lado temos

as escolas associadas ˆ igreja que oferecem prŽstimos a alunos

que se deslocam ˆs suas instala•›es,18  por outro temos a

implanta•‹o de escolas cujos modelos s‹o importados sobretudo

de Fran•a, as quais incluem a mœsica nos seus curr’culos e

aproveitam o potencial econ—mico do crescente pœblico

feminino.

19

 A tendncia de alargamento da oferta de professores privados para a mœsica e dan•a Ž cont’nua e consistente, sendo

acompanhada tambŽm por um nœmero crescente de

estabelecimentos escolares de regime geral ou vocacionados para

18  ÒSeminario de N. S. da Salva•‹o d‹o-se aulas de Musica entre outras coisas (...)Ó ( GL 1804/05/01, n¼18). "No Convento de S.Pedro d'Alcantara, presta-se Fr. Jo‹o da Soledade a ensinarMusica, tocar Org‹o ou Piano: quem quizer aplicar-se a esta Arte, pode fallar ao dito religioso nomesmo Convento". (GL 1812/08/27, n¼ 200).19  Referncia aqui a uma destas escolas para acompanhar a sua implanta•‹o, alargamento, preocupa•›es com a concorrncia e tambŽm altera•›es no regime de frequncia: "MadameChampeaux anuncia collegio para meninas interno e externo onde se ensina tudo, ler, escrever,contar, bordar, Dan•a, Muzica (...)" (GL  1802/09/30, n¼231). "Collegio de Educa•‹o de MadamaChampeaux (...) admite Meninas porcionistas, e externas, ensinando-lhes com o maior desvŽlo,alŽm do que toca ˆ Religi‹o, e Civilidade, todas aquellas cousas que constituem huma menina bemeducada, havendo para o ensino da Musica, Dan•a, e Desenhos habeis Mestres para as que seusPais quizerem dotar destas prendas. (He este hum dos bons Collegios que em Lisboa se temestabelecido para a educa•‹o das Meninas.)Ó (GL 1816/09/28, n¼ 231). ÒD. Catherina Champeauxavisa as meninas pensionistas do seu Collegio que este se abre no dia 6 do corrente (...) As que

aprenderem Musica, Dan•a, e Desenho, pag‹o ‡ parte as estas li•›es; havendo para tudo mestresmui habeis e dignos de confian•a; pois he not—rio o desvŽlo da DiretoraÓ. (GL 1817/10/03, n¼ 234).

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  %b

a mœsica. Nesta matŽria a influncia estrangeira Ž not—ria

verificando-se uma crescente oferta de professores que, sendo

marginais ao circuito das recomenda•›es interpessoais, divulgam

o seu trabalho pela imprensa.

Importa referir que a aprendizagem da mœsica n‹o se circunscreve

ao universo feminino, existe sim, uma tendencial separa•‹o dos

gŽneros, nesta matŽria, tal como em quase todas as outras. Esta

separa•‹o Ž sobretudo not—ria nas diferen•as dos curr’culos entre

os colŽgios para meninas ou meninos, no estatuto conferido ˆ

mœsica, mas de forma ainda mais evidente no instrument‡rio.

Refira-se a este prop—sito a curiosa divis‹o de conteœdos que Ž

anunciada pelo ColŽgio de S. Jo‹o Batista, que avisa oferecer aos

seus alunos trs ramos de ensino: ÒRamo Necessario, Ramo Util,

Ramo Agradavel [que integra:] Desenho de Figura, Civilidade e

Dan•a, Musica e Equita•‹o.Ó (GL  1816/07/25, n¼ 174). ƒoportuna a referncia a dois anœncios (oferta) destinados ˆ

forma•‹o musical de meninos: ÒCreado que necessita de Amo -

(...) Clerigo sub diacono que se oferece para secretario ou mestre

de meninos pois sabe alguma cousa de canto de Orgam, toca

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Flauta travessa, e doce, e tem mais algumas boas circunstancias

(...)Ó ( HL 1765, n¼ 25).

Desde logo o ensino da mœsica no masculino destina-se a um

estatuto de equivalncia pœblica em rela•‹o aos mœsicos

 profissionais, integrando quest›es te—ricas e abarcando uma maior

variedade instrumental, no seio da qual a flauta se revela um

instrumento privilegiado.20 Vende-se muito report—rio para flauta

e h‡ relatos, em concreto na  Allgemeine Musikalische Zeitung ,

que testemunham o seu culto entre os mœsicos amadores: A flauta

Ž aqui o instrumento que mais se estuda: s— entre os amadores

conhe•o cerca de doze que tocam muito bem, entre outros, os

concertos de Berbiguier. (Brito/Cranmer 1990: 49.  AMZ  

1821/08/29).

 No que se refere ˆ forma•‹o de mœsicos profissionais estaencontrava-se circunscrita ˆs institui•›es sob a matriz de ensino

eclesi‡stico, i.e., semin‡rios ou conventos. ƒ atravŽs deste

20  Cf. "Precisa-se de hum mestre de Musica para ensinar 9 ou 10 discipulos, o qual deve sabertocar rabec‹o, rebeca, e flauta ou clarinete: o que se achar nas circunstancias, p—de dirigir-se ‡ lojade JosŽ Rodrigues, na Ribeira Velha N¼29, e em Villa Franca a Filipe JosŽ Leal, em a sua auzencia

a JosŽ Maria Affonso, para tratar do seu ajuste." (GL 1819/02/17, n¼ 41).

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circuito, conjugado com a influncia de mœsicos estrangeiros

estabelecidos em Portugal que circulam os mŽtodos e o report—rio

cosmopolita. Em ambos os circuitos o ensino do piano imp™s-se

 pela sua relev‰ncia no processo de renova•‹o das pr‡ticas

musicais.21 Parece contudo verificar-se um desfasamento ao n’vel

do ensino eclesi‡stico de acordo com a avalia•‹o de Balbi, em

1822, a prop—sito do Semin‡rio da Patriarcal: Ò La mŽthode

d'enseignement est assez bonne, quoique un peu trop ŽloignŽe du

 gožt de la musique moderne.Ó (1822: II, 74).

MŽtodos de Ensino em Circula•‹o

As cordas dedilhadas tiveram uma presen•a marcante no circuito

da pr‡tica musical privada em Portugal, captando um pœblico

misto que no final do antigo regime estava em franca expans‹o e

que se caracterizou por uma avidez na apropria•‹o dos recursosde distin•‹o da alta aristocracia. A escassa produ•‹o e impress‹o

de MŽtodos de did‡tica musical em Portugal foi contudo

21  ÒNa prov’ncia, as cidades onde existe um bispo tm Semin‡rios de Mœsica e mœsica vocal e

instrumental que poder‡ ser boa em certos casos. (...) Nos conventos encontram-se de vez emquando bons professores de mœsica: entre estes distingue-se aqui em Lisboa Frei JosŽ Marques,cujas composi•›es s‹o tambŽm apreciadas. Um dos seus alunos, Manuel Inocncio [Liberato dos

Santos], Ž possivelmente o melhor pianista de c‡, pelo menos a seguir a Bontempo: aprendeu entreoutros os estudos mais dif’ceis de Cramer (...)Ó (Brito/Cranmer 1990: 52. 1821/08/29).

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contrariada nas cordas dedilhadas, n‹o se descurando a

legitima•‹o aristocr‡tica. Refira-se a t’tulo de exemplo o MŽtodo

impresso em Portugal de Jo‹o Leite Pita da Rocha, de 1752,

dedicado ao Òillus., e excellent. Senhor D. Joseph

MascarenhasÓ.22 

 Num contexto mais restrito e inserido tambŽm no quadro de

forma•‹o das prendas art’sticas ao mais alto n’vel da Corte, refira-

se o manuscrito de Jo‹o Gabriel Le Gras  Escala de Guitarra

 InglŽs. Dedicada a D. Maria Francisca Benedita (1746-1829),

Princesa da Beira e do Brasil que se constitui como uma sŽrie de

seis li•›es para o instrumento.23 

O investimento editorial em manuais de ensino das cordas

dedilhadas vai acentuar-se destacando-se em concreto os Manuais

de Manuel da Paix‹o Ribeiro para a viola (1789)

24

 e o de Ant—nio

22  Li•am instrumental de viola portugueza ou de ninfas de cinco ordens, a qual ensina a temperare tocar rasgado, com todos os pontos, assim naturaes como accidentaes, com hum methodo facil

 para qualquer curioso aprender os pontos da viola todos, sem a effectiva assistencia de Mestre:com huma tabela, na qual se faz men•‹o dos doze tons principaes, para que o tocador se exercitecom perfei•‹o na prenda da mesma viola. Lisboa na Officina de Francisco da Silva, 1752 (E - Mn- M. 597). 23 >46 4<8<@ ^Sl.6 EDSmgg$bb< k';",.S4' 2 2+0,2 (./+4:,"02 :2(1-'('/0., 8' I252 M.),"'- l'

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da Silva Leite para a guitarra inglesa (1796).25 Qualquer um dos

manuais referidos se dirige a um pœblico de mœsicos amadores,

em grande medida feminino, que pretende uma forma•‹o musical

 breve, f‡cil e agrad‡vel, que permita, em suma, exibir prendas

art’sticas para animar uma sociabilidade musicalmente

 participada. Este interesse est‡ tambŽm documentado por uma

consider‡vel oferta de professores de viola, sobretudo italianos,

em anœncios na imprensa.26  Para alŽm da produ•‹o local Ž

tambŽm relevante a importa•‹o de MŽtodos e report—rio para

viola pelos armazŽns especializados, tirando partido das

24

  Nova Arte de Viola; que ensina a tocalla com fundamento sem mestre, dividida em duas partes,huma especulativa, e outra practica; com estampas das posturas, ou pontos naturaes, eaccidentaes; e com alguns Minuettes, e Modinhas por Musica, e por Cifra. Obra util a toda aqualidade de Pessoas; e muito principalmente ‡s que seguem e vida litteraria, e ainda ‡sSenhoras. Dada ‡ Luz por MANOEL DA PAIXÌO RIBEIROÓ... Coimbra na Real Officina daUniversidade, 1789. Cf. Biblioteca Nacional Digital (P-Ln, C.I.C. 17V).

25   Estudo de Guitarra, em que se expoem o meio mais facil para aprender a tocar esteinstrumento: dividido em duas partes. A primeira contem as principaes regras de Musica, e doaccompanhamento. A segunda as da Guitarra; a que se ajunta huma Collec•‹o de Minuetes,

 Marchas, Allegros, Contradan•as, e outras pe•as mais usuaes para desembara•o dos Principiantes: tudo com accompanhamento de segunda Guitarra  (...) Offerecido a Illustrissima eExcellentissima Senhora D. Antonia Magdalena de Quadros e Sousa, Senhora de Tavarede porAntonio da Silva Leite, Mestre de Capella, natural da Cidade do Porto. Porto, na OfficinaTypographica de Antonio Alvarez Ribeiro, 1796. Cf. Biblioteca Nacional Digital (P-Ln, C.I.C.34P). Reed. facs. de Mac‡rio Santiago Kastner, IPPC, Lisboa: 1983.26  Ficam as referncias a alguns anœncios que s— por si refletem o alcance da influncia dosmœsicos italianos neste dom’nio: Òse d‡ informa•‹o de hum Mestre, que ensina a tocar GuitarraFranceza de seis ordens, segundo o gosto da mais moderna esc—la" (GL 1815, n¼76). "Na rua dasPortas de Santa Catharina, N¼11, assiste Virgilio Rabaglio Italiano, que ensina a tocar vi—laFranceza, de que he Professor, e na mesma casa ha tambem hum mestre de flauta". (   GL 1816/08/05, n¼ 184). "Os Senhores ou Senhoras que quizerem aprender a tocar Viola por musica,ou cantar podem procurar hum Italiano, na rua do Corpo Santo N.7, primeiro andar". (GL 1816/02/16, n¼41). "Na travessa do Romulares N¼12, segundo andar ha hum mestre Italiano que seofferece a ensinar a tocar piano, e a cantar; e outro que ensina a tocar viola e flauta". (GL 1817/01/21, n¼18). "Na rua de cima do Socorro N¼1, terceiro andar, assiste hum Italianonovamente chegado, o qual ensina a dan•ar, e em muito breve tempo, toda a qualidade de dan•a

com o devido preceito. Na mesma casa ha hum professor de musica, que ensina a tocar viola eflauta." (GL 1819/01/22, n¼19).

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vantagens de um instrumento cujo processo de inicia•‹o Ž r‡pido

e permite atŽ recurso acess’vel a tablatura sem necessidade de

sofisticada forma•‹o musical. A viola conhece assim um

report—rio de circula•‹o local a par da produ•‹o cosmopolita,

abrangendo gŽneros musicais com graus de dificuldade muito

diferenciados.27  Esta popularidade das cordas dedilhadas tem

contornos de particular riqueza em Portugal, na medida em que se

se trata de instrumentos que ter‹o uma significativa presen•a em

circuitos populares, o que os coloca ˆ partida numa posi•‹o

 privilegiada de eventual reposit—rio de uma identidade local, que

 pode eventualmente relacionar-se com o posterior processo de

desenvolvimento da guitarra portuguesa.

Refira-se a este prop—sito o testemunho do teatro com a pe•a O

Teimoso em N‹o Casar , (s.d.) que na caracteriza•‹o da

 personagem central apresenta um homem avesso ao casamento porque n‹o quer aturar a m‡ educa•‹o das mulheres modernas.

27 Para se ter um ideia da variedade do report—rio anunciado na imprensa come•amos por destacaras adapta•›es de mœsica de —pera, p.e., Ò Algumas Entradas de differentes Operas para Guitarra.

 Diversas Arias com letra Italiana para o mesmo InstrumentoÓ  (GL  1791/10/25, n¼ 43); ÒHuma grande Sonata de Pleyel para Guitarra"  (GL 1791/11/08, n¼45). Composi•›es variadas e modernas para assembleias como anuncia Waltman: Òhum grande sortimento de Musica moderna de ViolaPortugueza ou Guitarra Franceza, que contem Exercicios, Varia•›es, Sonatinhas f‡ceis, Sonatas asolo, Duetos, Trios, e 50 Arias Italianas s— com acompanhamento de Viola" (GL  1802/03/30,n¼13). Para a guitarra portuguesa um manuscrito mais tard’o com arranjos para a guitarra

acompanhada  pela viola de Aberturas de —peras (de Marcos de Portugal, Martin Y Soler, Vogel e Rossini), (Cf. Morais 2002: 103. P-Cug, mss. s/cota, vol.I: B.I.V.P.; Ms. s.d., c.1830-1840).  

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Quando lhe perguntam se a hostilidade se estende aos

divertimentos, este solteir‹o inveterado (Francillo) responde:

Tenho duas violas de primorCom ellas me devirto a meu sabor,E com a milhor gra•aSe vem pessoa que a segunda fa•a,E sopposto na› ser Taful BandarraTambŽm tenho, e toco huma guitarra. (s.d.: 11).

Pode admitir-se que a referncia citada possa designar j‡ a

guitarra inglesa, uma vez que o termo viola, de acordo com a

tradi•‹o terminol—gica portuguesa, foi utilizado pela mesma

 personagem para referir outros instrumentos. De notar ainda que a

dita guitarra Ž que aparece conotada com a condi•‹o de taful

(aquele que investe de forma excessiva e por isso rid’cula com o

estar na moda, sin—nimo de peralvilho, bandalho, sŽcia, casquilho,

etc.).

A infla•‹o do ensino da mœsica fica documentada tambŽm noalargamento da oferta editorial de MŽtodos de ensino

importados.28 Em 1803 Waltmann prepara um cat‡logo - indicado

28 Refira-se que a fraca atividade editorial de mœsica em Portugal n‹o favoreceu a cria•‹o e, porcerto, a circula•‹o de MŽtodos de ensino. Devendo por isso valorizar-se produ•›es como a de

 Nogueira para o violino, atŽ pela qualidade e consistncia intr’nseca dos exerc’cios: Consta estelivro de toda a casta de Lis›es que servem para se fazer estudo na rabeca: ao que se seguem todos

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como sendo o n¼9 - exclusivamente dedicado aos suportes de

aprendizagem e em que s‹o listados todos os Principios, Solfejos,

e Methodos para aprender a Arte da Mœsica, e do Contraponto, e

os instrumentos  (...), (Albuquerque 2004: 169-174. Trata-se de

um rol rico e variado de 64 t’tulos que cobre os dom’nios te—rico

e pr‡tico. Os Solfejos  e mesmo grande parte dos livros para

instrumento inserem-se na linha de influncia dos MŽtodos

adotados pelo Conservat—rio de Paris, persistindo em matŽria

vocal uma representa•‹o importante de autores da escola

italiana.29  Entre os 41 MŽtodos em cat‡logo revela-se a

 preocupa•‹o de abarcar uma paleta de enorme variedade que

tende para a exaustividade, abrangendo as novidades e

 privilegiando os instrumentos mais populares. Domina por isso

em termos de oferta o piano-forte com cinco t’tulos da autoria de

Jean-Louis Adam (1758-1848), Daniel Steibelt (1765-1823),

os tons varias cadencias, differentes Arpeggios, e outras curiozidades. He de Pedro Lopes NogueiraÓ [ca.177-] P-Ln, M.M. 4824.%_ k';",.S4' 2 #2-+(' 8' 5"*6(B"/ 8+ C#D*$+9 8( E("9 >.;+%#$9 50+;*+##$9 F+//(9 G";)";+9 -+HH"%$9'+66+;"9 >+@$8 G(;(H9 (#04  Rjf^T *+' /. "/0,28+A52 .-',0. 42),' . #./0.3'( 8' 4' ,'+/",'(

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Muzio Clementi (1752-1832), Ignace Pleyel (1757-1831), Jan

Ladislav Dussek (1760-1812) e Fran•ois-Louis Perne (1772-

1832). Logo seguido pelo clarinete e flauta com quatro MŽtodos

cada um e pela Òviola portugueza, ou Lyra, ou Guitarra

HespanholaÓ com trs t’tulos.30  ƒ revelador o facto de n‹o se

registar nenhum MŽtodo dedicado ao cravo, enquanto que no

cat‡logo de 1795, do mesmo Waltmann, se encontravam dois

MŽtodos consagrados ˆ ÒArte de tocar Cravo ou Piano-ForteÓ que

serviam as necessidades pr—prias ao per’odo de transi•‹o.31 

Refira-se ainda que neste mesmo cat‡logo (1803) Waltmann

inclui o MŽthodo para Guitarra Inglesa de Ant—nio da Silva Leite

(1759-1833) cuja edi•‹o em 1795 deve ter conhecido grande

sucesso, pois foi reimpresso logo no ano seguinte. A presen•a da

guitarra tinha j‡ uma representatividade consider‡vel no

ArmazŽm de MarŽchal anunciando-se Òhum Methodo novo para

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aprender a tocar Guitarra, e varios Preludios, Sonatas, e Arias

com varia•›es para o mesmo instrumento." (GL  1791/10/11,

n¼41). O pr—prio Waltmann no referido cat‡logo de 1795 anuncia

 j‡ um  Methodo para guitarra  de L. B. [?] e um  Methodo para

 guitarra ingleza sem indica•‹o de autor.32 

O sucesso da comercializa•‹o de MŽtodos para instrumento foi

tambŽm aproveitado pelo armazŽm de J. B e L.Weltin que em

1816, por aviso na Gazeta de Lisboa anuncia:

ter recebido de Paris as Artes seguintes: para o Piano-forte por Pleyel e

Dussek, Clementi, Adam, e os Estudos de Cramer; para Rabeca por Baillot,

Rode e Kreutzer, adotada pelo Conservat—rio, outras por Mozart, Demar; para

flauta por Hugot e Wunderlich adotada pelo Conservatorio; para Harpa por

Mayer; para Violla, por Carulli, Phillis.Ó (GL 1816/11/25, n¼280).

Confirmam-se as rela•›es comerciais com as grandes casas

editoras de Paris e a decorrente importa•‹o dos manuais em uso

no Conservatoire, j‡ expl’cita no cat‡logo de Waltmann.

32 A confus‹o terminol—gica no que refere ˆs cordas dedilhadas abunda e sobretudo agrava-sequando estamos perante anœncios de imprensa, por isso apesar de mantermos o termo guitarra no

caso, pode n‹o ser evidente se se trata de guitarra ou de viola.

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Clarificam-se ainda tendncias que j‡ se faziam sentir no œltimo

quartel do sŽculo XVIII que v‹o no sentido de privilegiar certos

instrumentos mais em voga na mœsica domŽstica de oitocentos,

como Ž o caso precisamente do piano-forte, violino, flauta, harpa

e viola. Certo Ž que a oferta aqui anunciada pouco acrescenta em

novidade ao referido cat‡logo de Waltmann, constituindo-se mais

como um complemento, sobretudo na escola violin’stica.

Importa em conclus‹o refor•ar o facto de que a reforma do ensino

levada a cabo por Jo‹o Domingos Bontempo (1775-1842)

aquando da importa•‹o do modelo do Conservat—rio de Paris em

1835, encontrou j‡ alguma massa cr’tica em Portugal,

nomeadamente atravŽs da circula•‹o dos MŽtodos de ensino da

capital francesa desde finais do sŽculo XVIII. Estes mesmos

manuais e outros com a mesma provenincia parisiense

continuar‹o a constar dos cat‡logos de armazŽns de mœsica que seimplantam posteriormente como Ž o caso Neuparth ou Ziegler.

O processo de afirma•‹o do piano - principal novidade da Žpoca

em termos de instrument‡rio - contou com uma significativa

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  =`

 produ•‹o e edi•‹o de MŽtodos, por parte dos pianistas que

 protagonizaram a internacionaliza•‹o de report—rios. Tendo em

conta o papel reformador de Jo‹o Domingos Bomtempo no

ensino da mœsica importa chamar a aten•‹o para a sua atividade

anterior como professor privado, porque reflete j‡ sinais de uma

 postura diferente. Em 1816 o mœsico publica em Inglaterra, na

casa Clementi, um  MŽtodo  de piano

33

  e anuncia, em 1818 na

Gazeta de Lisboa a sua disponibilidade como professor:

Jo‹o Domingos Bomtempo, tendo determinado estabelecer-se em Lisboa, sua

 patria, annuncia ao Pœblico que se disp›e a dar Li•›es de Musica, e Piano

forte: quem pretender tratar com elle para esse fim o achar‡ em sua casa, na rua

larga de S.Roque N¼55, desde as 8 atŽ ‡s 11 horas da manh‹". (GL 1818/04/13,

n¼86).

Registe-se que n‹o s— o MŽtodo Ž dedicado ˆ Na•‹o Portuguesa,

como o aviso de imprensa abre anunciando a sua decis‹o de se

estabelecer na P‡tria, o que sugere um entendimento em rela•‹o

ao ensino como uma miss‹o de not—rio alcance pœblico. J. D.

Bomtempo distancia-se do modelo de professor privado que serve

33 7*(!(%#"/ 8( -./$0+ ( !(#2"8" 8( #"0+; G$+%" V";#(1 0"!444 /($/ *$N"(%/ );",;(//$@+/9 #;$%#+

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  =_

humildemente as prendas art’sticas de aluna/os mais ou menos

ociosa/os, que pretendem uma forma•‹o elementar que lhes

assegure com rapidez a possibilidade de estar Òˆ modaÓ ou de

animar o ser‹o domŽstico. Na atividade anterior ao seu

envolvimento no processo de funda•‹o do Conservat—rio de

Mœsica em Lisboa, em 1835, Bomtempo posiciona-se como

alguŽm comprometido com a necessidade de renova•‹o do

ensino, quer na esfera privada, quer, sobretudo, na esfera pœblica,

investindo na valoriza•‹o do ensino da mœsica, da sua

 profissionaliza•‹o, bem como na qualifica•‹o de uma pr‡tica

amadora de elevada exigncia art’stica.

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  Da

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Leite, Ant—nio da Silva. 1796.  Estudo de Guitarra, em que seexpoem o meio mais facil para aprender a tocar este instrumento:dividido em duas partes. (...). Porto: Officina Typographica de

Antonio Alvarez Ribeiro.[A Manh‹ de S. Jo‹o], Novo Entremez Intitulado A Manh‹ de S. Jo‹o na Pra•a da Figueira. 1792. Lisboa: Na Officina de Sim‹oThadeo Ferreira.

 Novo Entremez Intitulado; A Velhice Namorada. s.d. s.l.: s.ed.

Ribeiro, Manuel da Paix‹o. 1789. Nova Arte de Viola; que ensinaa tocalla com fundamento sem mestre, dividida em duas partes

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  D=

2 Scordatura e Tablatura: do velho se faz o novo

 Paulo Vaz de Carvalho

Extens‹o do conceito de instrumento

De um ponto de vista superficialmente tradicionalista e

monumental, o instrumento Ž e deve ser, ele mesmo, gerador e

caracterizador da mœsica escrita para si, n‹o s— nos seus recursos

de car‡ter, mas nos seus limites tessiturais e texturais, marcado e

delimitado pela afina•‹o tradicional. ƒ o reconhecimento das

 barreiras duma gram‡tica cingida a todas as circunst‰ncias

instrumentais de origem. Por outro lado, visto o instrumento

musical como meio necess‡rio ˆ produ•‹o de sons expressivos, o

seu car‡ter circunscreve-se ˆ matriz sonora e c—digo gestual e

sonoro, eventualmente transport‡veis para todas as tessituras, com

aplicabilidade de todos os seus adornos expressivos a todas as

combina•›es de notas. O instrumento, assim concebido, pode

estar em permanente muta•‹o, salvaguardando a matriz sonora e

idiom‡tica primordial para a aplicar, por todas as tŽcnicas de

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  DD

execu•‹o, a situa•›es musicais estranhas ao ‰mbito tŽcnico-

sonoro que o seu modelo cl‡ssico pode mediar.

O instrumento Ñ de natureza medial Ñ prov a necessidade de

aplicar a diferentes situa•›es intervalares e em transposi•‹o os

mesmos gestos musicais ou estruturas gestuais configuradoras de

micro-formas de din‰mica determinada, como s‹o, por exemplo,

certos arpejos,  passagio, e fragmentos de contraponto. Para

transportar para as mœsicas futuras a cultura instrumental do

 passado e presente, reinterpreta-se o modelo ancestral impelindo a

tradi•‹o a movimentar-se no tempo e no espa•o sonoro e cultural.

Ë imagem da sobrevivncia das pronœncias e voc‡bulos

ancestrais em gram‡ticas e estŽticas supervenientes, este conceito

de instrumento exalta a eleva•‹o din‰mica da tradi•‹o a todas as

 potncias. A altera•‹o da tessitura n‹o determina altera•‹o da

essncia do instrumento. Todas as fam’lias instrumentais, como adas flautas e clarinetes, tm sido objeto de extens‹o a ‰mbitos

sucessivamente alargados ou truncados. 

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  DE

Sem preju’zo dos modelos tessiturais mais cl‡ssicos, as guitarras,

tal como aconteceu na sua hist—ria e na de seus congŽneres,

tender‹o a adequar-se ˆ execu•‹o de novas constru•›es texturais

sem perda de essncia e com ganhos de repert—rio. Acordatura

ou afina•‹o  Ž o conjunto de rela•›es intervalares entre cordas

soltas, mais usual em determinado instrumento e contexto.

Scordatura  Ž o conjunto de rela•›es intervalares entre cordas

soltas, diferente da acordatura, num de determinado instrumento,

destinada a possibilitar a execu•‹o de uma pe•a ou conjunto de

 pe•as. Fran•ois Dry (1992) anota: ÒCette pratique qui consiste ˆ

desaccorder lÕun des choeurs de lÕinstrument est frequente au luth

et se trouve ds les premiers recueils pour celui-ci: Capirola et

Dalza. Dans le repertoire de la vihuela nous en trouvons trace

 principalement chez Fuenllana...Ó.

As acordature e scordature sucedem-se sem uma ordem aparente,correspondendo a necessidades organol—gicas surgidas tanto em

meios de pesquisa avan•ada no dom’nio do estilo composicional

como em ambientes de mœsica tradicional.

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  DL

Fig. 1

Mapa tessitural das scordature de G. Bottazzari (1663) em cordas soltas e pisadas por barra nos trastes V, VII e X

Modelos de acordatura e scordatura

O uso de diferentes modos, harmonias e texturas contrapont’sticas

tem estimulado o recurso a diferentes scordature. Para alŽm da

reconhecida distin•‹o entre afina•‹o sequencial e reentrante,

 propomos a seguir alguns subs’dios para uma classifica•‹o mais

abrangente e detalhada de scordature, em raz‹o da sua

apresenta•‹o ou finalidade.

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  D`

5», 2», 4», 4», 2»; esta afina•‹o inscreve-se na tradi•‹o medieval,

molda-se numa irracionalidade, que torna a escrita polif—nica para

este instrumento um privilŽgio quase exclusivo dos guitarristas,

como referiu Carlos Paredes em sucessivas conversas que tive

ensejo de manter com ele.

Fig. 3Acordature de Fran•ois Campion: note-se o uso de scordature regulares e

irregulares pelo mesmo compositor e guitarrista

S‹o  abertas ou fechadas, segundo um critŽrio de extens‹o,

conforme as cordas apresentam intervalos propiciadores da

forma•‹o de acordes ou agregados abertos ou cerrados; neste

segundo tipo inscrevem-se as usuais scordature que contm

intervalos de segunda e as scordature de un’ssonos. Os

instrumentos de arco, outrora afinados por quartas e terceiras,

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  D_

afinam-se atualmente por quintas Ñ acordature abertas Ñ

valorizando a estabilidade do arco, solicitando maior elasticidade

de m‹o esquerda ao longo da corda, ao contr‡rio dos instrumentos

de corda dedilhada que aproveitam a maior capacidade de

mudan•a de cordas da m‹o direita para concentrarem uma grelha

mais fechada de notas sob a m‹o esquerda sem movimento

longitudinal, para facilidade da realiza•‹o harm—nica. A afina•‹o

 por quartas, comum na guitarra cl‡ssica, estabelece um

compromisso entre a necessidade de execu•‹o de acordes

fechados e a necessidade de abrangncia de campos distantes, sob

a mesma postura. Este modelo Ž adotado na acordatura da

vihuela, alaœde e guitarra cl‡ssica, embora, nos trs instrumentos

comporte a exce•‹o do intervalo de 3» maior: nos instrumentos do

renascimento, entre a 3» e 4» cordas e, nos instrumentos do

 per’odo barroco e posteriores entre a 2» e 3» cordas. Segundo a sua

finalidade, s‹o de pendor mel—dico ou abertas as acordature porquintas dos instrumentos de arco, mais adequados ˆ execu•‹o de

linhas mel—dicas. Realizam dificilmente agregados cerrados ou

clusters. Facilitam intervalos de quinta a sŽtima entre cordas

vizinhas, gerando rotinas harm—nicas diferentes das acordature

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  Ea

fechadas. Pertencem tambŽm a este grupo as afina•›es por

quintas dos instrumentos de plectro que, geralmente,

desempenham fun•›es mel—dicas nos conjuntos.

S‹o de pendor harm—nico  ou fechadas  as que contemplam a

necessidade de tocar intervalos curtos sobrepostos. Facilitam

agregados cerrados verticais ou em arpejo. Facilitam, em alguns

casos, o aumento de velocidade em passagens mel—dicas

crom‡ticas por disponibilizarem as notas componentes no mesmo

qu‡druplo. Scordature de modo associam os gestos mais f‡ceis ou

diretos de m‹o esquerda a intervalos caracterizadoras de

determinados modos. S‹o adequadas ˆ execu•‹o de melodias ou

agregados padronizados a partir do desenvolvimento de

mecanismos transversais, na esteira de Villa-Lobos ou, mais

tarde, de Leo Brouwer, mas reconfiguradas para modos

espec’ficos. 

Scordature de acorde  (tri‡dicas)  assentam nas fun•›es de um

acorde perfeito e favorecem a obten•‹o de outros acordes

 perfeitos paralelos por movimento paralelo de todas as suas

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  E$

fun•›es, atravŽs do transporte de barra (Leite 1796: 29). Dentro

desta classe, algumas elegem posi•›es diferentes desses acordes

 Ñ 1», 2» ou 3» Ñ otimizando frequentemente determinados

movimentos mel—dicos. Desse modo de atua•‹o resultam

morfologias das pe•as estruturalmente marcadas conforme a

scordatura, uma vez que cada pe•a pode aproveitar a coloca•‹o

das vozes segundo o critŽrio da maior facilidade de execu•‹o, seja

com vista ao deleite dos iniciados, seja para aumentar o alcance

virtuos’stico de determinados trechos; facilitam o acesso de

iniciados ao acompanhamento de melodias fortemente arreigadas

ao sistema tonal. Geralmente, estes modelos de scordatura

induzem uma forte incidncia na pr‡tica de um pequeno grupo de

tonalidades.

Fig. 4Scordature de 2» (1) e de acorde (2, 3 e 4)

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  E=

cavaquinho, por ordem ascendente: L‡, D— #, Mi, L‡ e, Sol, Sol

Si, RŽ; na braguinha da Madeira a afina•‹o mais comum Ž RŽ,

Sol, Si, RŽ. Estas afina•›es facilitam a execu•‹o de

encadeamentos I-IV-V-I, por a•‹o de apenas dois dedos de m‹o

esquerda. S‹o de temperamento: as scordature microtonais: est‹o

associadas ˆ divis‹o alter‡vel do diapas‹o da guitarra proposto em

1985 pelo construtor su’•o Walter Vogt. Atualmente s‹o

utilizadas em mœsica antiga, contempor‰nea, e de raiz popular.

A inspira•‹o no folclore Turco trouxe necessidades espec’ficas de

afina•›es micro-tonais, estabelecidas recentemente pelos

guitarristas turcos Tolgahan Cogulu e Sinan Cem Erogulu, para a

interpreta•‹o de mœsica do MŽdio Oriente, usando a guitarra

fretless ou o modelo de Walter Vogt (Schneider 1985: 83-85).

 Nos primeiros momentos de ÒHeartÓ de Isabel Soveral, a 3» corda

Ž afinada um quarto de tom acima. Scordature de timbre s‹o asque estabelecem regi›es distintas de not—ria claridade ou

escurid‹o sonora por efeito da diferen•a de tens‹o entre cordas.

Geram verdadeiros fen—menos de micro-instrumenta•‹o dentro do

diapas‹o da guitarra. A este grupo pertencem as  scordature  de

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  ED

harm—nicos; incluem cordas cuja fun•‹o Ž vibrar por simpatia,

valorizando determinadas regi›es harm—nicas do diapas‹o. ƒ um

exemplo eloquente a assinal‡vel complexidade t’mbrica

conseguida por Nuccio DÕAngelo em ÒDue Canzoni LidieÓ

atravŽs da altera•‹o Ñ em sentido contr‡rio Ñ da 6» corda de mi

 para mi b, e da 5» de si para si b. A esta scordatura se deve

tambŽm parte da harmonia em arpejos composta de intervalos que

seriam imposs’veis em acordatura.

Fig. 6 Nuccio DÕAngelo: Due Canzoni Lidie

A figura abaixo contŽm uma pequena sele•‹o de um vasto

conjunto de exemplos por n—s recolhidos, demonstrativos do

 papel crucial da scordatura na obten•‹o de texturas polif—nicasque incluam arpejos em instrumentos de corda.

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  EE

Fig. 7Exemplo de mapas de harm—nicos em scordaturas diversas

De gesto; possibilitam a inclus‹o de certas notas num gesto de

arpejo mecanicamente unidirecional ou acorde ou rasgueado, isto

Ž, sem recurso a uma sele•‹o individualizada das notas

componentes.

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  EL

Fig. 8Leo Brouwer, Hika: um arpejo de harm—nicos fluente, s— poss’vel em

scordatura

Dentro desta classe destacam-se as scordature reentrantes e as

invertidas que possibilitam a acentua•‹o do polegar em cordas

agudas sem altera•‹o do gestu‡rio tŽcnico (Rebours 2002: 59).

Fig. 9Carvalho, J.P.T.V.: Textura obtida a partir de uma scordatura invertida

De regi›es separadas ou contrastantes; apresentam uma quebra

de continuidadeÑum intervalo especialmente grande Ñ no seu

interior, possibilitando a explora•‹o de campos sonoros

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  Eb

distanciados. De exce•‹o ou de ‰mbito restrito; criam um

 pequeno grupo de cordas destinadas a obter um efeito espec’fico

de un’ssonos ou de intervalos crom‡ticos ou diat—nicos; podem

ser œteis, especialmente, em mœsica de conjunto. Pertencem a este

tipo as de un’ssons mœltiplos: em arpejo fundem as caracter’sticas

de textura do tremolo e de resson‰ncia da campanela. Ordens 

dobradas e de un’ssono; as ordens oitavadas (Leite: 1796: 29),

 para alŽm de poderem adensar a grelha harm—nica, abrem

 possibilidades de execu•‹o de campanelas, inclusivamente

crom‡ticas ou de un’ssonos, entre uma das cordas constituintes de

uma ordem aguda e outra corda aguda, constituinte de uma ordem

mais baixa (Rebours: 2002: 59).

Fig. 10Scordature com ordem oitavada 

AlŽm de seis scordature vindas da vihuela, Gaspar Sanz,

Giovanni Bottazzari e outros vieram aumentar o labirinto

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  E`

(Bottazzari: 1663: 19, 31, 36, 70, 77, 82). Muitas delas

sobrep›em-se parcialmente, coincidindo apenas num grupo de

cordas ou transferindo a rela•‹o de um grupo para um grupo mais

grave ou mais agudo.

Fig. 11Vista comparada das scordature de G. Bottazzari, transpostas, tomando como

fixa a 5» corda em l‡

Muitas delas serviam o culto das resson‰ncias praeter mensurais

ou campanelas, efeitos que podem extinguir-se em transcri•›es

 para instrumentos com outra afina•‹o.

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  E_

A scordatura e o seu decl’nio

Observa Alain Miteran (1997: 42-48) que, a par do surgimento da

escrita em partitura e do concomitante ocaso da tablatura, as

scordature diminu’ram acentuadamente em favor da afina•‹o

standard da guitarra, com poucas alternativas. Haver‡ ou n‹o uma

rela•‹o certa de causa e efeito entre o abandono da tablatura e a

estandardiza•‹o da afina•‹o? Tudo leva a crer que sim. O nœmero

de scordature usadas nos sŽcs. XVI, XVII e XVIII era demasiado

elevado para ser domin‡vel de mem—ria e utilizado atravŽs da

leitura em partitura. Era usual a abordagem de cinco ou mais

afina•›es pelo mesmo instrumentista, frequentemente executante

de instrumentos diversos da mesma fam’lia como a guitarra

 barroca, o alaœde e a teorba.

Sistemas de nota•‹o musical

Perante o registo de sons ou gestos tŽcnicos de tocar, a pr‡tica

musical gerou trs sistemas principais de escrita, eivados de rigor

 processual, com crescente grau de transparncia sint‡tica e de

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  La

detalhe de efeito sonoro: a partitura, a cifra e a tablatura, sendo os

dois primeiros correntemente designados tambŽm por escrita de

efeito e o œltimo por escrita de a•‹o. Se a escrita de efeito

 progrediu como processo coerente de elucida•‹o musical, tambŽm

a de a•‹o deu todas as provas de efic‡cia operacional. A

utiliza•‹o complementar dos dois sistemas tende para o

aperfei•oamento operacional e cr’tico de duas fases muito

distintas da produ•‹o musical: a conce•‹o, a que a partitura se

associa estreitamente e a realiza•‹o ou performance que recorreu,

durante sŽculos, ˆ tablatura como utens’lio principal e mais

expedito.

Scordatura e tablatura

Se, ao longo da Hist—ria, a escrita vocal nunca passou pela

tablatura ou escrita de a•‹o, j‡ a escrita instrumental, pelo lequede gestos e conteœdos a que se dirige, passa, em boa parte dos

instrumentos de tecla, sopro e corda, pela media•‹o da escrita em

tablatura, tendo como pressuposto um relativo conhecimento da

afina•‹o do instrumento. Se, desde os tempos primordiais, o uso

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da tablatura se justifica pela economia de aprendizagem da teoria

musical nos aspetos relacionados com a altura dos sons, j‡ a sua

sobrevivncia em tempos de plena academiza•‹o dos mœsicos

 pr‡ticos radica na necessidade de uso alternativo de diversas

acordature. A diversidade de scordature, embora obrigasse o

mœsico a algum esfor•o suplementar, abria-lhe a possibilidade de

executar mais texturas, ou as mesmas transpostas para tessituras

mais adequadas ˆs pe•as em execu•‹o.

A sobrecarga da mem—ria do executante que utiliza a escrita de

efeito ou partitura, advŽm do facto de cada scordatura exigir a

memoriza•‹o de um mapa espec’fico de notas a abranger todo o

diapas‹o do instrumento. Muitos desses mapas s‹o quase iguais

ou transpostos, outros intersetam-se, o que constitui um aumento

do esfor•o de memoriza•‹o, se n‹o houver recurso ˆ tablatura.

 No uso de tablatura, o esfor•o do instrumentista era minorado pelo facto de a informa•‹o da tablatura indicar o s’tio de cada

nota, sempre escrita com vista ˆ scordatura em utiliza•‹o. A

automatiza•‹o era facilitada porque, em qualquer scordatura,

 bastava p™r os dedos no s’tio indicado pela tablatura para dar a

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nota certa, sem que tal dependesse de o executante saber

antecipadamente o seu som, para a executar com alguma fluncia.

Atualmente, os leitores Òde partituraÓ ou nota•‹o de efeito,

aprendem a tocar obras em scordatura ˆ custa da memoriza•‹o

casu’stica acumulada do gestu‡rio tŽcnico de cada

obra/scordatura, dentro de severos limites, por todos

reconhecidos. Embora a tŽcnica de guitarra se tenha racionalizado

e desenvolvido em finais do sŽc. XVIII Ñ o que compensou

 parcialmente o desaparecimento das scordature Ñ com o decl’nio

destas perdeu-se a continuidade de certas linhas de express‹o

textural, designadamente no dom’nio da ornamenta•‹o, de ‡rdua

realiza•‹o sem recurso ˆs  scordature cessantes cujo uso, por sua

vez, dependia da tablatura.

Tablatura ou escrita de a•‹o; a escrita de a•‹o Ž o sistema denota•‹o que, para alŽm do ritmo, indica a corda e trasto que

geram a nota a executar. A escrita de a•‹o tem a vantagem de, in

extremis, prescindir da memoriza•‹o absoluta de cada scordatura

 por parte do executante, solicitando a este, apenas, uma grande

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desenvoltura no cumprimento do itiner‡rio mec‰nico expresso na

tablatura. A escrita em tablatura Ž muito mais adequada a acelerar

o per’odo de localiza•‹o do gesto no instrumento do que a escrita

de efeito mas Ž quase vazia de informa•‹o musical. O leitor que

n‹o conhe•a a tŽcnica e afina•‹o do instrumento a que ela se

destina, n‹o poder‡ extrair dela mais do que uma difusa mancha

textural, sem defini•‹o mel—dica nem harm—nica; apenas o ritmo

subsiste leg’vel. Escrita de efeito Ž o sistema pelo qual se nota a

altura (e restantes par‰metros) do som a executar. A escrita de

efeito Ž adequada ao mais imediato conhecimento sonoro da pe•a.

Para conhecer a obra, o leitor n‹o necessita de ser executante. ƒ

indiscut’vel a superioridade desta escrita, com vista ao

conhecimento musical da obra.

A escrita de efeito mostrou-se mais adequada a especificar a

dura•‹o da vibra•‹o de cada som em pautas que acolham mais doque uma voz, designadamente em agregados sonoros, atravŽs da

atribui•‹o de figuras de tempo ˆs diversas notas agregadas. Por

isso, nos finais do sŽc. XVIII, tanto na mœsica de tecla como na

de corda, o uso da tablatura foi dando progressivamente lugar ao

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  LD

da partitura. Com a possibilidade de anota•›es suplementares, a

 partitura torna-se um meio mais eficaz de comunicar conteœdos

musicais e especifica•›es tŽcnicas, por meio de letras, algarismos,

sinais e figuras de tempo.

Nota•‹o de falso efeito Ž o processo pelo qual os sons

 pertencentes ˆs cordas de afina•‹o alterada s‹o

convencionalmente notados pela altura que teriam em acordutura

standard. Desse processo resulta a vizinhan•a e interse•‹o de

s’mbolos respeitantes a sons notados com altura certa e outras

com altura convencionada.  Na segunda metade do sŽc. XX, o

surgimento de um nœmero consider‡vel de scordature, das quais,

algumas foram citadas acima, veio levantar dœvidas acerca da

efic‡cia da partitura para resolver todo o trajeto que vai da

composi•‹o atŽ ˆ execu•‹o da pe•a em instrumento  scordato. O

conflito entre h‡bitos adquiridos e a aprendizagem das novaslocaliza•›es das notas veio perturbar acentuadamente o ritmo de

 prepara•‹o de obras em scordatura. Correntemente, tal problema

tem sido suprido pela escrita das pe•as em nota•‹o de falso efeito.

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  LE

Assim tm escrito autores como Carlo Domeniconi, Leo Brouwer

e Nuccio DÕAngelo.

Por este processo, mesmo apesar de, na edi•‹o, ser

complementado por uma escrita de efeito certo, este tipo de

escrita, durante a performance, que a leitura est‡ associada ˆ

execu•‹o musical, peca pelo j‡ referido entrosamento de

significados diferentes dos mesmo s’mbolos, efeito que se agrava

com a acumula•‹o de obras em v‡rias scordature. Apesar de ser

uma nota•‹o convencional, destr—i a ideia de unicidade dos

s’mbolos musicais. A escrita de efeito e a de a•‹o s‹o processos

de natureza diferente: n‹o s‹o apenas modos diferentes de notar a

mesma coisa, mas modos diferentes de notar coisas diferentes.

Conscincia sonora

Em tablatura, o instrumentista sofre de alguma dist‰ncia ˆ leitura

musical da pe•a sem aux’lio do instrumento devidamente

ÒscordatoÓ, contudo ele estendia a proficincia da sua leitura a

qualquer scordatura, sem o antecipado conhecimento sint‡tico ou

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sonoro do resultado, mais vi‡vel na nota•‹o de efeito. O

executante por tablatura, em vez de decorar tantos programas ou

critŽrios de leitura/a•‹o quantas as scordature com que, por

 partitura trabalha, automatiza um s— critŽrio de decifra•‹o da

tablatura, uniformemente aplic‡vel a todas as scordature. O dedo,

a corda e o traste s‹o as referncias fixas; a nota, que depende da

scordatura, Ž o efeito vari‡vel de um protocolo r’gido e facilmente

apreens’vel. Este processo assenta numa n’tida separa•‹o entre

dois segmentos de trabalho distintos, componentes da atividade

musical: o conhecimento do texto e a execu•‹o do programa

gestual adequado ˆ sua realiza•‹o. N‹o ter‡ fundamento concluir

que, desta separa•‹o, a atividade do executante fica menos

musical. Ela pressup›e complementaridade com a leitura

 puramente musical. A ÒfaseÓ de leitura por tablatura Ž o algoritmo

da execu•‹o f’sica, n‹o o da interpreta•‹o musical. Aos

executantes competir‡, no quadro da nova mœsica em tablatura,encontrar uma ergonomia da aprendizagem, tendo em conta que,

muito frequentemente, s‹o obrigados a executar trechos distantes

da zona de previsibilidade harm—nica da mœsica do sŽcs. XVI a

XVIII.

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  Lb

A mesma dist‰ncia entre executante e conceito musical acontece

tambŽm na leitura de partitura em que o executante pode atingir

as finalidades operativas num ambiente de efetivo

desconhecimento real da altura das notas, tendo informa•‹o da

sua altura e efeito no conjunto, apenas atravŽs da sua escuta, sem

que a execu•‹o da nota derive do processo de busca que passe

 pela conjetura do som, identifica•‹o da nota, identifica•‹o do

 ponto e, por fim, execu•‹o.

Em obras de dificuldade transcendente, nomeadamente em

linguagens com profus‹o de conson‰ncias distantes, os intŽrpretes

raramente podem dominar em abstrato as alturas ou entoar as

notas: Ž por pura rotina mec‰nica e escuta de resultados que

acedem ˆ vivncia sonora de muitos segmentos musicais. Os

mœsicos de ÒnaipeÓ tambŽm n‹o tm necessariamente a

conscincia inteira da fun•‹o relativa da sua parte no todo.

Os instrumentistas de mœsica antiga - que tocam por tablatura -

adaptam tambŽm a sua atividade a esse baixo grau de prŽvia

conscincia da altura das notas, o que nos leva a duvidar que seja

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indispens‡vel um supremo grau dessa capacidade de

 premedita•‹o da altura para interpretar mœsica. Por isso, n‹o se

afigura correto dizer peremptoriamente que o executante Òpor

tablaturaÓ fica musicalmente diminu’do em rela•‹o ao que usa a

 partitura. Essa diminui•‹o pode ser comum a ambas as categorias

de mœsicos. Ulteriores estudos espec’ficos poder‹o aclarar esta

quest‹o.

Coerncia das linguagens e escritas

Toda a linguagem Ž criada pela necessidade de comunicar

conteœdos. O escopo de uma linguagem n‹o desaconselha que a

sua pr‡tica e desenvolvimento sigam normas ou, como tudo o que

Ž feito em progresso, as instaure pelo uso, nelas sulcando

carater’sticas pr—prias ou combinando criteriosamente as de

outras linguagens, o que lhe pode conferir potencialidadesutilit‡rias e riqueza de estilo. Da constru•‹o da comunica•‹o

resulta um valor que, de utilit‡rio, se autonomiza dos conteœdos e

se vai tornando referencial de cultura, patrim—nio imaterial no

dom’nio dos processos e, por isso, sinal da identidade da

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comunidade que a funda e utiliza. Da’ resulta que qualquer escrita

apta a ultrapassar dificuldades pr‡ticas Ñ a leitura/escrita para

instrumentos em scordaturaÑ n‹o possa ou n‹o deva desfigurar

os pressupostos gramaticais presentes desde a sua gŽnese nem os

critŽrios da sua evolu•‹o e aperfei•oamento.

Testemunho do respeito pela escrita enquanto valor Ž, em diversas

l’nguas, a normaliza•‹o da ortografia enquanto reposit—rio do

significado e hist—ria da palavra, muito para alŽm da sua efic‡cia

enquanto mero ve’culo de informa•‹o. A import‰ncia deste valor

est‡ patente, por exemplo, nas acesas polŽmicas que tm

envolvido a ado•‹o do novo acordo ortogr‡fico da l’ngua

 portuguesa que, no parecer dos opositores, arrasa sinais de

origem, constru•‹o e evolu•‹o da l’ngua. A mesma valoriza•‹o

do processo de registo Ž not—ria na tradicional escrita rupta, um

 processo de escrita manual de poesia, ou caligrafia poŽtica, praticada no Jap‹o, que se entrosa com a inven•‹o poŽtica num

todo em que o processo de registo adquire uma dimens‹o t‹o

art’stica quanto o conteœdo liter‡rio.

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  ba

O processo de comunicar arte tende a fundir-se no conteœdo

 produzido e comunicado integrando inseparavelmente o seu

car‡ter e valor, como os sulcos do pico na fachada de pedra. Em

mœsica, atravŽs da leitura chega-se, frequentemente, mais perto da

essncia e hist—ria e atŽ da frui•‹o de certas obras, acompanhando

o trajeto que o autor seguiu na sua feitura. A simples op•‹o em

determinadas enarmonias, sem qualquer efeito percept’vel, pode

indiciar a valoriza•‹o da tonalidade ou do modo, dada pelo autor

no ato da escrita musical, sem recurso a palavras. A escrita deve,

 pois, ser eficaz na transmiss‹o dos algoritmos de execu•‹o, mas

tambŽm coerente e clara na express‹o da sintaxe musical inerente

ˆs ideias da pe•a em foco.

O modelo da escrita de falso efeito Ž incoerente porque sobrep›e

no mesmo processo de trabalho ou no mesmo ato de leitura dois

ou mais diferentes critŽrios de leitura para s’mbolos iguais,conforme o nœmero de cordas com afina•‹o alterada. H‡

inœmeros casos em que pode acontecer esta discrep‰ncia dentro

do mesmo compasso ou fragmento. Tal escrita n‹o tem a pureza

nem unidade processual da escrita de efeito, com suas regras de

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transparncia sint‡tica por ser opaca ˆ fun•‹o harm—nica das

notas, nem tem a pureza e unidade da escrita de a•‹o, com seu

rigor operativo. ƒ uma espŽcie de escrita de efeito com exce•›es

emprestadas pela escrita de a•‹o, ou uma espŽcie de escrita de

a•‹o, excecionada por elementos da escrita de efeito, sem a

efic‡cia da primeira nem a eloquncia da segunda.  Na pr‡tica,

gera-se nesta escrita um permanente balancear da aten•‹o do

leitor executante, entre uma escrita de efeito correta aqui e

incorreta acol‡, tornando o processo de leitura fragment‡rio,

sinuoso e sobrecarregado de exerc’cio seletivo. 

O esfor•o de mem—ria despendido na leitura e execu•‹o em

diferentes sistemas de nota•‹o

Uma experincia simples pode dar a no•‹o da onera•‹o da

mem—ria de um instrumentista perante um trecho, utilizandocomparativamente os dois sistemas: Ensaie-se a execu•‹o do

mesmo agregado em dez scordature diferentes Ñ que levam a dez

diferentes Òposi•›es de dedosÓ Ñ registado em escrita de efeito.

Este exerc’cio obrigar‡ a reter em mem—ria essas 10 posi•›es, o

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 poss’veis de cada corda solta (29), pelo nœmero de alturas

dispon’veis para cada uma das outras cordas soltas, o que se reduz

ˆ express‹o de 295, de que resultam 20.511.149 combina•›es

 poss’veis.

Deve ter-se em conta que uma grande parte destas scordature se

intersetam ou coincidem parcialmente com muitas outras pelo

que, desta enorme profus‹o de afina•›es n‹o resulta uma

semelhante variedade de texturas sonoras distintas.

Fig. 12Leo Brouwer, Hika: exemplo de uma textura contrapont’stica usual, mas

carecida de scordatura para poder ser executada com as resson‰ncias expressasnos valores r’tmicos

 No entanto, deve ter-se em conta que, em cordas dedilhadas, a

 posi•‹o ordinal da corda que toca cada nota pode gerar diferen•as

de express‹o din‰mica, gestual e t’mbrica, pelo que, muitas das

scordature que s‹o harmonicamente equivalentes, tm express‹o

musical lœdica mais ou menos diferenciada, maxime  em

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contraponto, em arpejos unidirecionais ou assentes em f—rmulas

estandardizadas. A atual e crescente facilidade de entabular

automaticamente ou de, automaticamente traduzir para mœsica

todas as tablaturas, afasta a necessidade de recurso a sistemas

h’bridos, sem unidade gramatical.

Novos mapas e mem—ria: a necessidade do retorno ao estudoda tablatura

Muitos trechos escritos para outros instrumentos ou conjuntos,

 poder‹o ser transcritos para guitarra em scordatura espec’fica,

respeitando a coerncia gestual das vozes ou elementos

componentes. Figuras como un’ssonos mœltiplos e clusters

crom‡ticos ou sobreposi•›es de segundas s‹o recursos preciosos e

caracter’sticos tambŽm em guitarra. No entanto n‹o s‹o

abundantes.

Fig. 13Agregados cerrados nas 3 primeiras cordas em afina•‹o cl‡ssica

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Fig. 14Agregados cerrados a partir da nota mi na 1» corda solta , em afina•‹o cl‡ssica

O crescente universo de texturas sonoras, de matrizes gestuais e

de combina•›es de timbre da mœsica hodierna e futura, plena de

manchas crom‡ticas e micro-tonais, usando muitas vezes a

guitarra integrada em conjuntos e afastando a possibilidade de

transposi•›es para viabiliza•‹o de execu•‹o Ñ podem vir a

solicitar um elevado nœmero de scordature muito alŽm da

capacidade de reten•‹o em mem—ria de qualquer instrumentista

especializado. Ent‹o, vai colocar-se o dilema de encontrar formas

de registo id—neas para o estudo e atua•‹o em palco ou, por

 preconceito, contra o curso da hist—ria, evitar o surgimento de

obras que utilizem recursos instrumentais n‹o tratados em escola,

como s‹o as scordature menos frequentes.

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Trs propostas de avan•o na arte

1. Uma ferramenta de apoio ao trabalho em scordatura

A aplica•‹o de tŽcnicas espec’ficas sobre a mesma afina•‹o criou,

no report—rio de cordas, regi›es expressivas recorrentes do ponto

de vista intervalar. Hindemit, Villa-Lobos e Brouwer, criadoras

de harmonias idiom‡ticas, tm sido profusamente imitados por

n‹o estar suficientemente desenvolvido o h‡bito de  scordare, o

qual proporciona a aplica•‹o dos processos tŽcnicos imitados, a

novas sequncias intervalares.  ƒ ‡rduo para um compositor ou

intŽrprete imaginar um novo mapa espec’fico para a scordatura a

escolher, porque exige um ror de tentativas de aproxima•‹o. A

dificuldade tem demovido muitos compositores de compor para

guitarra. Para obviar tal inc—modo, estamos a projetar um

 programa inform‡tico de grande flexibilidade que disponibiliza aimagem de uma quantidade exaustiva de afina•›es. A

 programa•‹o foi integralmente realizada pelo compositor e

investigador Rui Penha. 

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Fig. 15Exemplo de um mapa de scordatura oferecido pelo software em constru•‹o.

 Note-se a inclus‹o dos harm—nicos

O programa mostra seis pautas em clave de sol, sobrepostas, que

representam seis cordas de um cordofone, unidas por linhas

verticais simbolizando os trastes e a pestana. Cada uma dessas

 pautas contŽm uma sucess‹o crom‡tica de vinte notas

correspondentes a toda a extens‹o do diapas‹o. O mœsico ajusta

essa sucess‹o crom‡tica ˆ afina•‹o que deseja para cada corda

solta. A partir da nota escolhida para a corda solta, o programa,

 para alŽm de facultar automaticamente a representa•‹o de todas

as notas dessa corda atŽ ao 20¼ traste, assinala tambŽm a altura e

 posi•‹o dos cinco primeiros harm—nicos dessa corda, de acordo

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com a altura a que est‡ afinada. Este dispositivo permite ao

compositor e ao instrumentista escolher a afina•‹o mais adequada

 para execu•‹o de quaisquer passagens, designadamente as de

harm—nicos. Para tal, necessita apenas de, por tentativa e erro,

configurar uma scordatura virtual em que os agregados e

sucess›es de notas se mostrem ao alcance da m‹o do executante.

ƒ uma ferramenta muito œtil ˆ organiza•‹o do mapa de

harm—nicos que facilmente fornece os dados para a escolha da

scordatura, oferecendo um leque exaustivo de sugest›es de

afina•‹o que podem, inclusivamente, induzir a inven•‹o.

2. A cria•‹o de instrumentos adapt‡veis ˆ scordatura

A varia•‹o de tens‹o de corda de uma scordatura para outra traz

 problemas estruturais a resolver na concep•‹o da caixa de

resson‰ncia, do sistema do bra•o e do cavalete.Para tornar cŽlerea mudan•a entre afina•›es muito diferentes sem, para tal trocar de

instrumento, ser‡ necess‡rio recorrer a instrumentos cuja caixa de

resson‰ncia e escala suportem as referidas varia•›es. A procura

de cordames alternativos para diferentes scordature, para o

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mesmo ressoador ou para ressoadores diferentes, acarretar‡

esfor•os de pesquisa de cole•›es de cordas com caracter’sticas

mec‰nicas e sonoras conjug‡veis no quadro de cada scordatura.

3. Revis‹o do plano de estudos de guitarra

Verificada esta ordem de necessidades, e para minorar o conflito

entre mem—ria de trabalho e mem—ria de longa dura•‹o no

exerc’cio de aprendizagem das scordature, s‹o necess‡rias novas

rotinas, num plano em que a aprendizagem de tablatura se fa•a a

 par da aprendizagem por partitura, desde a inicia•‹o. Sendo

indispens‡vel estudar o report—rio em escrita de efeito, convŽm

criar-se um tempo escolar para fazer acompanhamentos

entabulados, para o estudo da tablatura e da scordatura. Outro

sector de desenvolvimento ser‡ constitu’do pelo exerc’cio da

transcri•‹o de fragmentos musicais do dom’nio comum paratablatura. Ser‡ prof’cua a retomada do estudo de mœsica antiga

 para alaœde, vihuela e guitarra barroca, por tablatura, conservando

as diversas afina•›es de origem, ainda que em guitarra moderna.

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Como alternativa, parece oportuno aproveitar uma vasta gama de

exerc’cios tŽcnicos para exercitar tambŽm a leitura de tablatura e

o conhecimento de scordature, procurando f—rmulas harm—nicas

usuais que evidenciem eventuais erros de leitura ou execu•‹o. A

finalidade comum a todos estes processos Ž a familiariza•‹o do

aluno com os efeitos psicol—gicos, mec‰nicos e sonoros da

mudan•a de afina•‹o e com a leitura de tablatura, no in’cio da sua

forma•‹o, antes que na sua mente se instalem h‡bitos de rotina

determinante. Nesse sentido Ž conveniente que se conduza o

aluno a gerir as varia•›es de tens‹o de cordas, ou a desloca•‹o

das regi›es de h’per-resson‰ncia em raz‹o da scordatura,

geradoras de poss’vel descaracteriza•‹o sonora do instrumento.

Conclus‹o

O aumento das necessidades provenientes da transcri•‹o literal dereport—rio geral e de mœsica antiga (trans-timbra•‹o) com

conserva•‹o das dist‰ncias entre vozes, articula•›es, campanelas

e un’ssonos do original, ou outros fatores, contribuir‹o para uma

crescente variedade de situa•›es de textura em guitarra, ˆ qual se

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 juntar‡ um caudal de mœsica nova, conduzindo, de futuro, ˆ

necessidade de utiliza•‹o das virtualidades duma mir’ade dessas

scordature, atŽ agora, por explorar. Da’ resultar‡ a

impossibilidade pr‡tica de reter em mem—ria todos os mapas

sonoros, exerc’cio que seria imprescind’vel na execu•‹o por

 partitura. A escrita de falso efeito Ž a forma imediata de resolver o

impasse da escrita para scordatura. ƒ, no entanto, provis—ria por

evidenciar limites de sistema que a impedem de comunicar

grandes regi›es de textura.

A tablatura ser‡ o sistema el‡stico apto a gerir a utiliza•‹o

automatizada de todas essas scordature de poss’vel aparecimento

futuro. Neste sistema, a aquisi•‹o do conhecimento musical

 poder‡ acontecer por leitura de partitura, num segmento de

trabalho diverso do segmento de estudo da execu•‹o mas pode

tambŽm decorrer em simult‰neo com este. Caber‡ ao intŽrprete planificar as fases do seu trabalho. Ent‹o, a tablatura,

aperfei•oada, nomeadamente no que respeita ao rigor de

express‹o do valor de dura•‹o de cada nota dos agregados, ser‡,

atŽ nova descoberta, o sistema mais id—neo para por em pr‡tica

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essa variedade de correspondncias entre ideia sonora e a

execu•‹o, com ganhos na automatiza•‹o de gestos e, por

conseguinte, na prontid‹o tŽcnica e expressiva do executante.  ƒ

 prov‡vel que se assista ˆ retomada do uso da tablatura nos

cordofones dedilhados, como meio de suprir os limites da

mem—ria humana necess‡ria em scordaturas acumuladas,

substituindo-a por uma s—lida rotina da aplica•‹o dos signos da

tablatura a um nœmero indeterminado de scordature.

Ante as comprovadas potencialidades da tablatura, processo a

enriquecer de todos os ornamentos da escrita de efeito, Ž prov‡vel

que a escrita de falso efeito venha a figurar na hist—ria da escrita

musical como procedimento ocasional a que se recorreu num

longo per’odo em que, em determinadas regi›es de report—rio em

scordatura, a escrita de efeito se manifestou insuficiente para

suprir os limites da mem—ria de trabalho dos intŽrpretes e, poroutro lado, em que a cessa•‹o tempor‡ria Ñ de dois sŽculos Ñ

do estudo da tablatura, provocou nos instrumentistas incapacidade

de a ler fluentemente. N‹o tratamos de estabelecer um novo

regime de scordatura mas sim de acautelar as solicita•›es do

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 progresso, seja ele r‡pido ou lento. A combina•‹o de fatores

tŽcnico-musicais que sempre caracterizou a hist—ria da mœsica

instrumental e que, agora, Ž catapultada pelos exemplos

 prodigiosos trazidos pela eletr—nica, vai trazer aos instrumentistas

desafios imprevis’veis e autnticos saltos qualitativos que s— a

altera•‹o de pressupostos de trabalho poder‡ vencer.

-Descontinuidade de sistemas-

 N‹o existe uma identidade numŽrica entre as potencialidades de

ambos os sub-sistemas ou segmentos referidos, correspondentes,

respetivamente, ˆ escrita de efeito e ˆ execu•‹o por partitura. A

escrita musical por partitura utiliza um universo de signos e

fun•›es comport‡vel pela mem—ria dos executantes e, sem

recurso a aumento de carga mnŽsica incomport‡vel pelo utilizador

da escrita, pode responder a um nœmero tendencialmente infinito

de solicita•›es, sendo, para tal, suficiente a aplica•‹o das mesmas

regras e signos, ou com eventual aumento, a um universocrescente de solicita•›es supervenientes. O processo de execu•‹o

em scordatura por partitura, ao exigir um esfor•o de memoriza•‹o

cartogr‡fica de localiza•‹o de notas indeterminavelmente

crescente em raz‹o da acumula•‹o de futuras necessidades de

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scordatura - eventualmente, atŽ ao infinito - n‹o se compatibiliza

com a escassez de mem—ria cartogr‡fica dos instrumentistas.

Todo o sistema de produ•‹o, deve observar a fluidez e

concord‰ncia de rendimento de todas as fases do processo

 produtivo. Nesse sentido, verifica-se que o modelo da execu•‹o

 por partitura, em vez de se constituir como um sistema integrado

e de fluxo comum a todas as fases, divide-se em dois sub-

sistemas: primeiro, a escrita/leitura musicais; segundo, a

memoriza•‹o cartogr‡fica para organiza•‹o da execu•‹o. Estes

sub-sistemas tm limites discordantes: enquanto a concep•‹o da

escrita abre as suas potencialidades de aplica•‹o a um nœmero

indetermin‡vel de scordature, a organiza•‹o do trabalho de

execu•‹o confina o nœmero de scordature aos limites de mem—ria

cartogr‡fica dos executantes. Daqui resulta que o instrumento

musical representa neste sistema, n‹o o simples meio sonoro de

alcan•ar uma sintaxe livre, mas a condicionante instrumental queinspira gram‡ticas mas que tambŽm determina fronteiras

expressivas. ƒ pois previs’vel a necessidade de um sistema uno,

multi-et‡pico e concordante, integrado de escrita e

leitura/execu•‹o, que ultrapasse a coexistncia conflituosa de dois

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sistemas aut—nomos de concord‰ncia imperfeita (o de

escrita/leitura e o de leitura/execu•‹o, que tm assistido ˆ

execu•‹o em cordas dedilhadas por partitura. Admitindo-se que

as solicita•›es vindas da crescente altera•‹o e combina•‹o de

elementos musicais exigem um sistema de escrita que considere a

escassez de mem—ria mas que seja aplic‡vel a um universo aberto

de casos, ent‹o deve admitir-se necessariamente que o sub-

sistema que d‡ continuidade ˆ escrita/leitura musicais (aquele que

vai da leitura musical ˆ execu•‹o em scordatura) deve assentar

tambŽm na aplicabilidade de um nœmero de sinais comport‡vel

 pela mem—ria dos executantes, a um nœmero tendencialmente

infinito de solicita•›es cartogr‡ficas que acompanhe as

solicita•›es musicais advenientes. Esse sistema chama-se, desde

h‡ sŽculos, tablatura. Foi considerado arcaico e foi abandonado.

Ou se reutiliza a tablatura e Òdo velho se faz novoÓ, ou ficar‡ por

cumprir a concord‰ncia dos sistemas da escrita e leitura eficazese, no futuro, muitas obras poss’veis em guitarra, ficar‹o por

escrever ou por tocar.

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3 Desenvolvimento no Estudo Sobre Instrumentos

Musicais com Novas Tecnologias: exemplos de

investiga•‹o, ensino e pr‡tica 

 Patr’cia Lopes Bastos

Desde o reconhecimento, no ser humano primitivo, da utilidade

do som, para chamamento e sinaliza•‹o ou em cerimoniais, a

constru•‹o de instrumentos que permitem a amplifica•‹o e o

controlo do som produzido humanamente tem um longo e

cativante percurso. Como primeira musa, a Natureza; os sons,

naturais, eram observados e imitados, e o crescente conhecimento

do material e inven•‹o de ferramentas para o seu manuseio

 proporcionaram uma evolu•‹o constante na constru•‹o de

Òobjectos que produzem somÓ. Inspirando e sendo por sua vez

inspiradas pela vontade de criar novos sons, as cincias alargam o

escopo e colaboram na sua imensa complexidade, sendo a

criatividade e o engenho duas das qualidades indispens‡veis aos

inventores de instrumentos musicais, objectos mor das vezes

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delicados e muitas vezes extremamente complexos. Com a

evolu•‹o da tecnologia, todo um novo mundo de possibilidades

tem sido explorado, nomeadamente na reprodu•‹o e no tipo de

som, nos modos de tocar, no repert—rio, na renova•‹o de estilos,

nas metodologias de ensino e, de uma forma alargada, na

organologia, sendo o escopo deste artigo oferecer v‡rios cen‡rios

de aplica•‹o de diferentes tecnologias no estudo dos pr—prios

instrumentos musicais, apontando algumas facetas do largo

‰mbito de investiga•‹o contido nesta ‡rea cient’fica.

A evolu•‹o instrumental, dada a sua diversidade na enorme

amplitude geogr‡fica e cultural em que se aplica, raramente segue

uma linha œnica ou ininterrupta. Observa-se, como exemplo, que

o —rg‹o hidr‡ulico inventado pelo grego Ctesibius de Alexandria,

no sŽculo III a.C., um instrumento de alto n’vel conceptual para o

seu tempo, n‹o teve continuidade. Mais avante, a evolu•‹o dos

conhecidos —rg‹os de tubos foi sendo feita com paralelos nem

sempre similares na constru•‹o ou nos resultados sonoros. As

 potencialidades dos v‡rios aperfei•oamentos impressionava quem

conhecia ou tocava os instrumentos, dentro de uma zona

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demogr‡fica, e logo influenciava sobretudo regionalmente a

 produ•‹o musical, facto compreens’vel tendo em conta serem

instrumentos de grandes dimens›es e consequentemente n‹o

facilmente transport‡veis. Todavia, tambŽm com os outros

—rg‹os, de c‰mara ou port‡teis, a expans‹o, e consequente uso,

n‹o era comum nem geral, mesmo em rela•‹o a um espa•o

restrito como a Europa. A divulga•‹o de novos instrumentos pode

ser fruto de acaso ou de fama, e a aceita•‹o Ž ou n‹o bem

sucedida nos diferentes locais. O resultado corresponde ˆ

evolu•‹o hist—rica e etnogr‡fica da mœsica, com a possibilidade

de identifica•‹o regional ou de propaga•‹o global, na sua maioria

de criador an—nimo.

Muitas inven•›es existem por todo o mundo e n‹o se sabe desde

quando e como foram aparecendo ao longo dos sŽculos. Por outro

lado, outras foram desprezadas, abandonadas ou esquecidas

depois de um per’odo mais ou menos curto, de grande ou menor

 popularidade. Algumas foram fruto de um momento que por pura

casualidade se pode ter repetido em circunst‰ncias temporais e

geogr‡ficas diferentes Ð s‹o conhecidos variados casos de

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inventos criados ao mesmo tempo por pessoas em locais

diferentes e sem contacto entre elas. Sabemos que a cada instante

surgem inven•›es surpreendentes, e tanto se Ž maravilhado com o

exotismo de uma cultura remota como com a imagina•‹o das

gentes de saber simples. As inesgot‡veis possibilidades

relacionadas com a Òinven•‹o de somÓ reflectem que lidamos

com um universo ilimitado.

 No trabalho organol—gico acolhe-se toda a informa•‹o que se

refere ao objecto ou sua representa•‹o, lidando com as v‡rias

especialidades que est‹o inerentes ao seu estudo numa perfeita

simbiose interdisciplinar. Cientes do relevo que merece a

investiga•‹o nesta ‡rea, institui•›es conectadas com a mœsica e a

cincia, e frequentemente com a agrega•‹o de outras artes, tm

feito um forte investimento em projectos com resultados

extraordin‡rios para a amplia•‹o criativa Ð muitas vezes,

infelizmente, sem chegarem ao conhecimento do pœblico em

geral. Em alguns casos o trabalho realizado insere-se num

 percurso universit‡rio, noutros envolve investigadores ligados a

museus ou laborat—rios, por exemplo, de acœstica musical, e pode

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tambŽm ser um esfor•o individual.  N‹o Ž demais sublinhar a

import‰ncia da colabora•‹o entre as diferentes ‡reas e

institui•›es, sendo esta ainda mais evidente quando se associa a

 passagem de testemunhos, do conhecimento, do Òsaber fazerÓ. Os

museus, laborat—rios, institutos de investiga•‹o, escolas pr‡ticas e

universidades tm a convenincia de poder congregar pessoas de

v‡rios sectores e de possu’rem instala•›es que facilitam a

 pesquisa especializada e iniciativas interdisciplinares. AlŽm disso,

as redes universit‡rias, de cincia e de artes, promovem a

 participa•‹o em circuitos multi-nacionais, o que Ž uma vantagem

acrescida.

O estudo sobre a influncia dos materiais, a forma e a pr—pria

elabora•‹o dos objectos relacionados com a produ•‹o sonora Ž

feito em duas vertentes. A primeira debru•a-se sobre o passado,

examinando os instrumentos hist—ricos, sobretudo os que em uso

cont’nuo provaram uma qualidade superior (como os famosos

violinos de Cremona seis e setecentistas), ou os que possuem

 perfei•‹o na concep•‹o e na habilidade artesanal (caso dos

instrumentos de Cristofori), mesmo se n‹o tocados

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exaustivamente Ð ou outros ainda, pela sua raridade, antiguidade

ou singularidade. A segunda vertente aponta para o futuro,

 procurando aperfei•oar o que existe e criar novos instrumentos,

sendo as possibilidades infindas. A evolu•‹o tecnol—gica, numa e

noutra vertente, tem conduzido a estudos que n‹o s— auxiliam na

actual constru•‹o dos instrumentos como na melhoria da

execu•‹o musical. Consideram-se, nomeadamente, as

 potencialidades dos objectos, tais como suas frequncias e

amplitudes sonoras, ou a quest‹o ergon—mica, observando os

diferentes posicionamentos com o corpo e o manuseamento dos

acess—rios (ex.: tipos de arco, plectra ou baquetas). Existe

investiga•‹o que se dedica ao efeito da execu•‹o instrumental

sobre o corpo e vice-versa, e, por expans‹o, diversas

metodologias s‹o aplicadas na an‡lise do aparelho vocal, o

Òinstrumento humanoÓ mais individual e rico.

 Na indaga•‹o de uma long’nqua Hist—ria, ou quando n‹o existem

testemunhos directos, ao recriarem-se os instrumentos ilustrados,

desenhados ou pintados, procura-se a correspondncia real das

descri•›es e iconografia sobreviventes, ou seja, pode-se

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experimentar na pr‡tica o modo de tocar e o tipo de som

 produzido pelos instrumentos hist—ricos dos quais restam apenas

fragmentos ou mesmo nenhum exemplar. N‹o se sabe qual a

mœsica dos tempos idos, mas h‡ uma aproxima•‹o aos sons

conseguidos com os instrumentos existentes num certo espa•o

geogr‡fico e tempo. Dentro do conhecimento transmitido,

oralmente ou j‡ com nota•‹o musical, aliam-se os estilos aos

instrumentos da Žpoca, tendo os estudos organol—gicos, fazendo

inclusive uso do avan•o da tecnologia, contribu’do para o rigor

cient’fico e para a consciencializa•‹o dos cuidados a ter na

interpreta•‹o hist—rica. N‹o se aconselha, por exemplo, a

altera•‹o dos instrumentos, devendo-se evitar tŽcnicas ou

materiais de repara•‹o n‹o correspondentes aos utilizados

aquando da sua constru•‹o. No sentido de contribuir para o

entendimento geral sobre a historicidade dos instrumentos

musicais e os cuidados a ter com a sua preserva•‹o, foi publicadoum guia (Bastos, 2010) baseado nas directivas do ÔComitŽ

International des MusŽes et Collections dÕInstruments de

MusiqueÕ (CIMCIM), uma das comiss›es especializadas

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 pertencentes ao ICOM internacional (International Council of

Museums).

Em organologia, entende-se que os instrumentos musicais e os

fen—menos sonoros devem ser explorados atravŽs de diversas

an‡lises pertencentes a campos destacados mas inter-

relacionados. As cincias f’sicas unem-se ˆs cincias humanas ao

abordar objectos tanto tecnol—gicos como culturais que reflectem

um longo percurso experimentalista e um elevado n’vel de

conhecimento especializado. O mœsico, como ser complexo,

interage com o objecto gerador de som numa rela•‹o

identificativa e criativa. Ao lidar com a qualidade, percep•‹o e

efeitos do som, recorre-se a disciplinas aparentemente afastadas

como hist—ria, psicologia, antropologia, museologia, lingu’stica,

sociologia, epistemologia, fisiologia, medicina, biof’sica,

geologia, arqueologia, arquitectura, matem‡tica, bem como

acœstica, electrotŽcnica, mec‰nica, cincia dos materiais,

inform‡tica e, naturalmente, as cincias musicais. Num conceito

genŽrico, o estudo dos fen—menos vibrat—rios, do som como valor

isolado (incluindo a cim‡tica), da percep•‹o sensorial dos sons, e

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da fonŽtica (elemento inerente ˆ evolu•‹o humana), est‡ ligado ˆs

Cincias e ˆs Artes, ˆ tŽcnica e ˆ aprecia•‹o cultural.

A aplica•‹o de processos cient’ficos e a interdisciplinaridade

neste como noutro tipo de investiga•›es tm produzido resultados

que dificilmente seriam obtidos sem esta conectividade,

fundamental na aquisi•‹o cumulativa de informa•‹o e estudo

comparativo. Como exemplo, no contexto dos achados

arqueol—gicos, lembramos um caso em que interveio o Dr.

Graeme Lawson, que se dedica ˆ reconstitui•‹o de liras milenares

 baseada em diferentes descobertas na Ilha de Skye (Esc—cia) e

outros locais. Em Prittlewell, Essex, quando detectaram vest’gios

com a forma de uma lira, pararam a escava•‹o naquele espa•o e

retiraram a terra em bloco. As imagens com raios X e CT

(tomografia computorizada) permitiram determinar a forma

deixada por materiais praticamente desaparecidos, como a

madeira, sendo poss’vel criar uma imagem em trs dimens›es

antes de procederem ao estudo das pe•as que estavam no seu

interior, como nos comentou o arque—logo musical Dr. Peter

Holmes: Çonce the block had been excavated, all traces of the

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original morphology of the instrument had disappeared È. Sem

uma aten•‹o prevenida e a tecnologia actual, este, como outros

achados, seria um testemunho perdido.

As metodologias para o estudo de instrumentos musicais tm

acompanhado a evolu•‹o dos dispositivos cient’ficos de

observa•‹o e an‡lise, com recurso a raios laser, raios X, TAC

(mais comumente CT ou ÒCAT scanÓ, do ingls computerized

axial tomography) ou ainda NI (neutron imaging ). Aplicam-se,

em organologia, tŽcnicas semelhantes ˆs utilizadas em

engenharia, f’sica dos materiais, cincias biomŽdicas, geologia,

 bot‰nica e outras ‡reas do conhecimento. Certos mŽtodos podem

apresentar vantagens em rela•‹o a outros dependendo da

finalidade do estudo. Um dos trabalhos mais comuns Ž o exame

da estrutura e propriedades dos materiais, recorrendo-se a

 procedimentos complementares. Na imagiologia, por exemplo,

comparando com a NI, enquanto que os raios X s‹o dispersos e

absorvidos pelos electr›es, havendo uma reac•‹o directa ao

nœmero at—mico, os neutr›es interagem com os nœcleos, n‹o

tendo uma rela•‹o dependente da matŽria. Em NI, o raio

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direccionado de neutr›es frios Ž menos afectado em absor•‹o ou

dispers‹o pelo material onde incide, resultando numa imagem

 precisa, mensur‡vel e de elevado contraste. ƒ uma tŽcnica que se

 baseia em detectores de imagem digital, sendo especialmente

eficaz em materiais leves e de metal, mesmo de dimens›es

diminutas. Um caso em que a NI demonstrou ser particularmente

v‡lida foi na observa•‹o do bocal de uma das duas trompetes

chamadas ÒSteigerÓ, constru’das em Basel em 1578, existentes no

Musikmuseum pertencente ao Museu Hist—rico de Basel. Na

comunica•‹o que apresentou no Congresso CIMCIM de 2009, o

Dr. Martin Kirnbauer, respons‡vel por esta colec•‹o, apresentou o

 projecto su’•o feito com recurso ao Paul Scherrer Institut, de

Villigen. Segundo o investigador, as imagens permitiram

identificar o modo de constru•‹o extremamente sofisticado do

 bocal, feito agregando diferentes camadas de metal.

Uma outra tŽcnica de alt’ssima resolu•‹o Ž a microtomografia

com radia•‹o de sincrotrone, e podemos referir os trabalhos

organol—gicos executados no Laboratorio Elettra della

Sincrotrone Trieste, em It‡lia, nomeadamente a an‡lise dos

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rar’ssimos tubos de papel do —rg‹o portativo constru’do em 1494

 por Lorenzo Gusnasco da Pavia, conservado no Museu Correr em

Veneza. O sincrotrone Ž um acelerador de part’culas circular e

c’clico, em que o feixe das part’culas Ž sincronizado pelo campo

elŽctrico vari‡vel, que acelera as part’culas, e pelo campo

magnŽtico, que faz o encurvamento da sua traject—ria. Para alŽm

de se produzir uma ÒradiografiaÓ tridimensional controlada, a

qualidade da imagem torna poss’vel o reconhecimento das

caracter’sticas dos materiais com um detalhe excepcional, faceta

muito vantajosa no estudo de cŽlulas e na identifica•‹o de

espŽcies lenhosas, por exemplo. Entre os v‡rios benef’cios deste

mŽtodo podem-se enumerar: a recolha, sem danificar o objecto,

de ÒamostrasÓ de dimens›es microsc—picas e que s‹o visualmente

ampliadas; as diferentes perspectivas tridimensionais que oferece,

numa reprodu•‹o fidedigna; a velocidade na obten•‹o dos

resultados; ser n‹o invasivo, n‹o alterando o material; e serrealizado sob condi•›es adequadas. O rigor das imagens permite

tambŽm a percep•‹o do estado de conserva•‹o e a compreens‹o

dos processos de constru•‹o do objecto, notados atravŽs do

material e das marcas deixadas pelas ferramentas utilizadas. O

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estudo f’sico dos objectos s—lidos, como tem sido averiguado,

complementa o conhecimento hist—rico.

Um dos mais completos institutos de investiga•‹o sobre

constru•‹o de instrumentos musicais Ž o Institut fŸr

Musikinstrumentenbau (IMIB), em Zwota, Alemanha, com o

investigador Dr. Eng. Gunter Ziegenhals como seu actual

director. O edif’cio do Instituto possui uma sŽrie de oficinas e de

laborat—rios, para alŽm da biblioteca e de uma sala de desenho

tŽcnico. No instituto existem aparelhos de medi•‹o e todo o tipo

de modelos mec‰nicos e electr—nicos, na sua maioria fabricados

no pr—prio instituto, concebidos para o estudo de cada

 particularidade dos instrumentos acœsticos. Possuem equipamento

de precis‹o especializado e incluem nos seus projectos a

explora•‹o de materiais. Como exemplos, para a medi•‹o das

caracter’sticas vibrat—rias das lamelas livres foi concebido um

aparelho com entradas controladas de ar, operando no sistema de

 press‹o e de suc•‹o, e mede-se, com um outro aparelho exclusivo,

a capacidade de uma corda nos diferentes movimentos a que est‡

sujeita quando beliscada ou friccionada por um arco.

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Imagem 1

IMIB: aparelho para an‡lise da vibra•‹o de lamelas livres

Imagem 2

IMIB: aparelho para an‡lise da vibra•‹o de cordas

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As madeiras, tal como os restantes materiais, s‹o estudadas

utilizando diversos mŽtodos por forma a conseguir-se a melhor

adapta•‹o para fins espec’ficos, medindo-se a robustez,

flexibilidade, densidade e outras propriedades. No IMIB

realizam-se tambŽm trabalhos no campo da acœstica de ambientes

 Ð estudos para o controlo do som real que Ž recepcionado por um

espectador numa sala ou teatro em diferentes posicionamentos e

vari‡veis (como o nœmero de pessoas na sala), bem como as

condi•›es favor‡veis na montagem de um estœdio de grava•‹o,

como exemplos. Este instituto trabalha em estreita colabora•‹o

com o Departamento de Constru•‹o de Instrumentos Musicais

(DCIM) da Universidade de Cincias Aplicadas de Zwickau, em

Markneukirchen, e em particular com o seu Director, o Dr. Eng.

Eberhard Meinel, que foi investigador no Instituto. O conceito

educativo dominante Ž conseguir obter a melhor qualidade na

constru•‹o dos instrumentos combinando investiga•‹o e perfei•‹oartesanal. No curso, especialmente dedicado aos instrumentos de

corda, incorporam-se no•›es pr‡ticas de acœstica, tendo o

Departamento laborat—rios pr—prios para a execu•‹o de testes ˆ

medida que os estudantes constroem as diferentes partes dos

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Imagem 4

MIMM: Dr. Eng. Eberhard Meinel observa uma guitarra portuguesa existenteno Museu antes de proceder ˆ an‡lise acœstica com um FFT-Analyzer

Colaboram neste projecto, entre outras institui•›es, o

Musikinstrumenten Museum em Markneukirchen (MIMM) e a

Associa•‹o Nacional de Instrumentos Musicais (ANIMUSIC-

Portugal).

Muitos dos produtos criados nas institui•›es que se dedicam ˆ

investiga•‹o do som s‹o aplicados em situa•›es extra-musicais;

outros, como o caso do BIAS (' Brass Instrument Analysing

System'), s‹o concebidos especificamente para a an‡lise e

melhoria na qualidade dos instrumentos, neste caso de sopro de

metal. Este sistema computorizado, inclu’do no programa ARTIM

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(' Acoustic Rating Technology for Instrument Makers'), foi

inventado no Institut fŸr Wiener Klangstil (IWK), çustria,

fundado para o estudo de acœstica musical e em particular do

Òsom vienenseÓ, apoiando o modo de tocar tradicional, mœsicos e

constru•‹o de instrumentos. Na descri•‹o do produto

(www.bias.at) refere-se que as ferramentas de diagn—stico

incluem: a valoriza•‹o objectiva da entoa•‹o; ajudar a encontrar o

 bocal adequado, em todos os tamanhos, desde a trompete piccolo

ˆ tuba baixo; identifica•‹o de problemas como v‡lvulas n‹o

vedadas; documenta•‹o sobre as qualidades acœsticas do

instrumento, com a emiss‹o de um certificado de identifica•‹o e

referncia, œtil para atestar o estado do instrumento, tanto para o

comerciante como para o mœsico; reconhecimento de altera•›es

feitas posteriormente ˆ emiss‹o do certificado; e ainda, com o

acrŽscimo da simula•‹o oferecida com o ' Physical Modelling

 Package', testar o efeito de modifica•›es na entoa•‹o ou nodesenho sem ser necess‡rio faz-las num instrumento real. O

sistema BIAS mede a imped‰ncia de entrada (input impedance),

mostrando a Òimpress‹o digitalÓ acœstica do instrumento. Permite

ilustrar a curva din‰mica (weighted impedance), a an‡lise do

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comprimento acœstico do instrumento ( pulse response), calcular a

mŽdia de resultados de centenas de instrumentos e focar as

 propriedades de entoa•‹o t’picas de um determinado construtor,

ou de certas formas ou materiais, por exemplo. Utiliza-se tambŽm

 para a afina•‹o, calculando os desvios das frequncias dentro de

uma escala de temperamento igual (em cent), e pode ajudar o

intŽrprete na escolha de um bocal ou de dedilha•›es alternativas.

Este produto Ž um exemplo da aplicabilidade da investiga•‹o

acœstica na caracteriza•‹o objectiva da qualidade de um

instrumento e na pr‡tica musical. Efectuam-se outro tipo de testes

no IWK, recorrendo alguns ˆ c‰mara anecoica (importante nas

institui•›es dedicadas ˆ an‡lise dos instrumentos musicais), e

citamos igualmente o programa VIAS ('Versatile Instrument

 Analysis System').

Salientamos tambŽm o trabalho efectuado em institui•›es

francesas, nomeadamente no LAM, 'Lutheries Ð Acoustique Ð

Musique', pertencente ao Institut Jean le Rond d'Alembert e

ligado ao Centre National de la Recherche Scientifique (SPI), ˆ

UniversitŽ Pierre et Marie Curie e ao MinistŽrio da Cultura

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francs. No 'Laboratoire d'Acoustique Musicale', tiveram em

aten•‹o a velocidade que se verifica na evolu•‹o electr—nica e

inform‡tica e estabeleceram assim uma divis‹o que se dedica ao

estudo dos discos —pticos e ˆ conserva•‹o e restauro de registos

numŽricos originais (texto, imagem, som). Adicionaram ao

arquivo de dados um Òarquivo da cria•‹oÓ, respondendo aos

 problemas inŽditos enfrentados no sŽculo XX: s‹o numerosas as

composi•›es semi ou totalmente electr—nicas que est‹o em risco

de se perderem por necessitarem de aparelhos j‡ raros ou

desaparecidos. Ainda antes do programa europeu Caspar,

conscientes da necessidade de preservar e valorizar o patrim—nio

sonoro e ‡udio-visual, foi feita uma recolha e repara•‹o de

equipamento electr—nico que em geral Ž abandonado como

ÒobsoletoÓ. Tratam-se as composi•›es tomando o conteœdo

musical no seu conjunto (partituras, ficheiros sonoros, programas

inform‡ticos, fitas magnŽticas, disquetes ou outros materiais) etransp›e-se para suportes actuais Ð que por sua vez tm uma Òdata

de validadeÓ limitada, e que por isso s‹o periodicamente

renovados. Para alŽm deste laborat—rio de conserva•‹o de

documentos sonoros e dos recursos normais, como gabinetes,

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 biblioteca e salas de experimentos de f’sica, possuem: uma sala de

ÒŽcoute sourdeÓ para simula•‹o de ambientes sonoros v‡lidos

ecologicamente; uma sala de ÒŽcoute claireÓ para a avalia•‹o da

qualidade dos instrumentos musicais; uma cabine para psico-

acœstica; trs estœdios anal—gicos e numŽricos de tratamento dos

sons; uma oficina de lutherie  tradicional e de materiais

comp—sitos; um laborat—rio fotogr‡fico e uma oficina electr—nica.

O LAM colabora com o IRCAM em ' Acoustique, Traitement de

 signal et Informatique AppliquŽs ˆ la Musique' (ATIAM). O

'Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique',

associado ao Centre Pompidou, foi fundado por Pierre Boulez em

1977 e Ž considerado um dos maiores centros mundiais dedicados

ˆ cria•‹o musical, com mais de 150 colaboradores. Reportando-

nos ˆ informa•‹o geral (www.ircam.fr), o objectivo principal do

IRCAM Ž encorajar a interac•‹o produtiva entre a investiga•‹o

cient’fica, o desenvolvimento tecnol—gico e a produ•‹o de mœsica

contempor‰nea. Cientes da import‰ncia de contribuir para a

renova•‹o da express‹o musical atravŽs da cincia e da

tecnologia, tambŽm aqui os avan•os cient’ficos, te—ricos e

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 pr‡ticos, originados em problemas espec’ficos da composi•‹o

contempor‰nea, tiveram ramifica•›es muito para alŽm do mundo

da mœsica. Focando a produ•‹o art’stica, desenvolvem-se

software e prot—tipos em dom’nios como tecnologia de

informa•‹o (exs.: linguagens, interac•‹o entre humano e

computador, real-time, bases de dados), processamento de sinal,

acœstica, percep•‹o auditiva, psicologia cognitiva e musicologia.

Como referem, a investiga•‹o, Òfonte de inova•‹oÓ, expande-se

com a colabora•‹o interdisciplinar.

Dentro do departamento de 'Recherche et DŽveloppement', o

grupo de acœstica instrumental, liderado por RenŽ CaussŽ, dedica-

se ao estudo do funcionamento das principais fam’lias de

instrumentos de mœsica, e elabora modelos segundo os princ’pios

da f’sica que consideram as caracter’sticas de produ•‹o

(mecanismo de excita•‹o e resson‰ncia) e de projec•‹o do som;

desenvolvem o programa de modela•‹o f’sica virtual  Modalys  e

contribuem para a melhoria, extens‹o ('instruments augmentŽs' ) e

avalia•‹o dos instrumentos. Entre os inœmeros projectos do R&D

citamos tambŽm Voxstruments  (realiza•‹o de instrumentos de

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sopro comandados pela voz),  Affective avatars  (respondendo ˆ

 procura massiva de mundos virtuais, neste programa a voz do

utilizador Ž o interface  de controlo de expressividade do avatar

animado em tempo real), Respoken (transforma•‹o da voz para o

desenho animado e dobragem de filmes),  Analyse et

reconnaissance du geste  (sistema musical interactivo baseado no

controlo gestual, aplicando-se ˆs artes do espect‡culo,

especialmente dan•a e teatro), Wave Field Synthesis  (reprodu•‹o

holof—nica que permite, em analogia com os hologramas visuais,

de captar ou sintetizar uma cena sonora preservando as

informa•›es espaciais de dist‰ncia e de direc•‹o das fontes que a

comp›e), SemanticHIFI   (procura, escuta, interac•‹o, execu•‹o

art’stica e partilha em sistemas futuros de alta fidelidade) e

 Interlude  (paradigmas de interac•‹o, modela•‹o multimodal e

interfaces colaborativos gestuais).

A McGill University, no Canad‡, pode ser considerada

mundialmente como uma das institui•›es mais avan•adas na

conjun•‹o de tecnologia, investiga•‹o e cria•‹o musical. O

departamento de ' Music Technology' contŽm na sua estrutura

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v‡rios laborat—rios, entre os quais o 'Input Devices and Music

Interaction Laboratory' (www.idmil.org), sob a direc•‹o do Dr.

Marcelo Wanderley, com projectos sobre a interac•‹o homem-

computador, a concep•‹o de novos instrumentos e interfaces para

a express‹o musical, recolha e an‡lise de dados sobre movimento,

desenvolvimento de sensores e controlo gestual. O IDMIL

trabalha em estreita rela•‹o com o 'Sound Processing and Control

Laboratory' (www.music.mcgill.ca/musictech/spcl), que

desenvolve t—picos correlacionados (exemplos: ' Direct and

indirect acquisition of gestures', ' Formants tracking using Hidden

 Markov Models', ' Digital audio effects', 'Ssynth: Interpolation and

extrapolation of digital musical instruments', 'Sonification of

musician's ancillary gestures', ' High-level control of singing voice

timbre transformations' ou ' Mapping interpolation stragegies').

Para alŽm de contemplar investiga•‹o musical em geral, a

Schulich School of Music possui o 'Centre for Interdisciplinary

 Research in Music Media and Technology' (CIRMMT), que reœne

colaboradores das Faculdades de Mœsica, Cincia, Engenharia,

Educa•‹o e Medicina da pr—pria McGill, das Faculdades de

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Mœsica e Faculdade de Artes & Cincias da Universidade de

Montreal, e da 'FacultŽ de gŽnie' da Universidade de Sherbrooke

(www.cirmmt.mcgill.ca). Nos objectivos do CIRMMT incluem-

se a investiga•‹o interdisciplinar na vasta ‡rea musical, inovar as

abordagens cient’ficas no estudo e cria•‹o art’stica, bem como no

registo, transmiss‹o e percep•‹o da mœsica pelo ouvinte.

Defendem como princ’pios orientadores providenciar instala•›es

e equipamento apropriados ˆ experimenta•‹o, promover a

internacionaliza•‹o e a colabora•‹o com parceiros pœblicos ou

 para-pœblicos e divulgar o conhecimento atravŽs de diversos

meios de comunica•‹o. De facto, de entre os seus laborat—rios,

cada um Çdesenhado com caracter’sticas acœsticas espec’ficas

 para maximizar a variedade de funcionalidades dos espa•os de

investiga•‹o dispon’veisÈ, destacamos o ' Performance and

 Recording Lab', onde se realizou o singular projecto The virtual

 Haydn, em que se simularam salas hist—ricas conhecidas deHaydn atravŽs de tratamento acœstico e de uma cœpula

hemisfŽrica contendo 24 altifalantes enquanto o intŽrprete, Tom

Beghin, tocava em reconstitui•›es de sete instrumentos de tecla

da Žpoca do compositor.

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Os trabalhos organol—gicos procuram consciencializar sobre a

import‰ncia da preserva•‹o do patrim—nio hist—rico bem como

 promover as novas inven•›es. Existe um grande nœmero de

associa•›es organol—gicas, sendo algumas de abrangncia geral,

como The Galpin Society (a mais antiga no mundo ocidental), a

American Musical Instrument Society (AMIS) ou, em Portugal, a

Associa•‹o Nacional de Instrumentos Musicais (ANIMUSIC), e a

maioria dedicada a um determinado tipo ou grupo de

instrumentos, como a Historic Brass Society (HBS), ou a uma

vertente da organologia, como as sociedades de acœstica. De base

internacional, para alŽm do CIMCIM, foi recentemente proposto

um ÔGrupo de TrabalhoÕ sobre a hist—ria, classifica•‹o e

tecnologia dos instrumentos musicais na International

Musicological Society (IMS). Em Portugal, a ANIMUSIC

 procura incentivar o conhecimento especializado atravŽs de

actividades ou de publica•›es, podendo ser consultadas diversasrecens›es, artigos e uma listagem bibliogr‡fica classificada na

 p‡gina internet www.animusic-portugal.org para um

conhecimento mais aprofundado sobre os assuntos abordados

neste artigo.

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Avultamos a import‰ncia da interac•‹o com o pœblico, de

conseguir envolver e unir a comunidade. Esta Ž uma das

 principais finalidades do trabalho desenvolvido, por exemplo, no

Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pelo compositor

Tod Machover, em Cambridge, Boston. No projecto ÔToronto

Symphony: Concerto for Composer and CityÓ, um esfor•o

conjunto com a Toronto Symphony Orchestra, a ser estreado no

ÔNew Creations FestivalÕ em Mar•o de 2013, inclui-se a

colabora•‹o activa do pœblico da cidade. A amplitude de

aplica•›es desenvolvidas nesta institui•‹o no campo da

criatividade sonora Ž ’mpar, desde bonecos ou programas para

crian•as (citamos o  Music Shaper   ou o colorido  HyperScore) ˆ

complexidade de —peras com alta tecnologia ( Death and the

 Powers: the RobotsÕ opera foi estreada em Setembro de 2010, em

M—naco), passando pelos hyperinstruments. Algumas das

explora•›es tŽcnicas do MIT est‹o expostas no MIT Museum eno Media Lab.

 Na maioria das institui•›es dedicadas ao ensino e estudo sobre

instrumentos e produ•‹o musical de alto n’vel tecnol—gico, a

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forma•‹o dos investigadores Ž mœltipla, tendo uma postura

musical activa aliada a bases acadŽmicas diversificadas como

engenharia mec‰nica, electrotŽcnica, telecomunica•›es,

inform‡tica, f’sica aplicada ou acœstica, mas tambŽm h‡

music—logos e mœsicos que se abalan•am no campo tecnol—gico.

Parte dos estudantes continua na ‡rea de aplicabilidade musical, e

 parte envereda por outros percursos aparentemente alheios Ð o

mercado requer tŽcnicos com especializa•‹o em alta tecnologia, e

nas institui•›es de investiga•‹o dedicada a instrumentos musicais,

algumas aqui apontadas, adquire-se a teoria e sobretudo o

 benef’cio da experincia pr‡tica. Um outro incentivo para a

cont’nua expans‹o do panorama musical Ž gerado atravŽs de

concursos, art’sticos e cient’ficos, citando-se o ÔGuthman Musical

 Instrument CompetitionÕ do Georgia Tech Center for Music

Technology ou o desafio educativo do ÔBlue Man GroupÕ. Nos

festivais regionais ou internacionais de inven•›es n‹o Ž incomumaparecerem instrumentos musicais ou formas de produzir ou criar

mœsica digitalmente. Novos produtos, novos paradigmas.

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 Na perspectiva musical, as inova•›es cient’ficas, sobretudo em

electr—nica, mec‰nica e inform‡tica, permitem uma explora•‹o

sem limites de novos modelos e concep•›es sobre a composi•‹o e

a produ•‹o sonora, acoplando-se naturalmente a outras artes. Por

outro lado, h‡ uma maior conscincia da import‰ncia da

 preserva•‹o do patrim—nio que se coaduna com a possibilidade de

recorrer ao progresso tecnol—gico. O avan•o explorat—rio, com

investiga•‹o, ensino e pr‡tica, abre novos horizontes no

conhecimento e contribui para a valoriza•‹o dos objectos

culturais. Como temos referido, a uni‹o da Cincia e Arte

apresenta uma mir’ade de combina•›es que expande os limites do

 presente. Hoje, como sempre, desbravam-se caminhos que

 promovem a inven•‹o e a expans‹o da potencialidade criativa

humana na arte dos sons.

Bibliografia

Bastos, Patr’cia. 2010.  Normas para a preserva•‹o deinstrumentos musicais. Edi•‹o privada. Castelo Branco:Associa•‹o Nacional de Instrumentos Musicais. 

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4 A Improvisa•‹o no Ensino: a heran•a de Benny

Goodman

 Paulo Gaspar  

Introdu•‹o

Apesar de ser o clarinetista de jazz mais importante do seu tempo,

Benny Goodman (1909-1986) tocou e gravou algumas das obras

mais emblem‡ticas da hist—ria do repert—rio do clarinete, entre as

quais est‹o obras de Wolfgang Amadeus Mozart, Carl Maria von

Weber, Johannes Brahms e Francis Poulenc. O seu exemplo

 permite concluir que tambŽm um clarinetista atual pode abordar

tanto o repert—rio erudito como o jazz. Ser‡ feita uma reflex‹o ao

n’vel do ensino no que concerne ˆ abordagem simult‰nea de

matŽrias relacionadas com o jazz, a mœsica erudita e a

improvisa•‹o. Na verdade, o conhecimento do funcionamento da

improvisa•‹o nas mœsicas n‹o eruditas, como o jazz, constituir‡

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uma ferramenta muito valiosa no sentido de interpretar o

repert—rio que, apesar de ser mœsica escrita, contŽm diversos

elementos do jazz e da mœsica improvisada. Neste sentido, n‹o

ser‡ de estranhar que as obras dedicadas a Benny Goodman sejam

casos de estudo privilegiados no que concerne a quest›es de

 pr‡ticas interpretativas neste campo. Entre as obras escritas para

Goodman, as que tm mais influncias do jazz e, por isso,

integram a proposta metodol—gica deste artigo s‹o as seguintes:

- Igor Stravinsky; Ebony Concerto (1945)

- Aaron Copland; Concerto for Clarinet and String

Orchestra (1948) 

- Leonard Bernstein; Prelude, Fugue and Riffs (1949)

- Morton Gould;  Derivations for Clarinet and Band

(1956)

Fruto da colabora•‹o entre importantes compositores que

escreveram para Goodman, estas obras constituem um reposit—rio

das mais variadas influncias de dois aspectos centrais da vida

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musical, o bin—mio composi•‹o/interpreta•‹o. As quest›es de

interpreta•‹o implicadas nestas obras v‹o muito para alŽm da

nota•‹o e este aprofundamento da rela•‹o te—rico/pr‡tico, Ž da

maior import‰ncia para o enriquecimento da interpreta•‹o

informada. Se, por um lado, uma simples an‡lise tradicional ˆ

 partitura revela influncias de mœsicas n‹o eruditas e do estilo dos

 pr—prios compositores, quest›es de interpreta•‹o relacionadas

com influncias estil’sticas do compositor s— s‹o reveladas

noutras fontes. TambŽm as obras refletem a pr—pria tŽcnica

instrumental e estŽtica de Goodman. Assim, encontramos neste

repert—rio bons exemplos de obras cuja interpreta•‹o n‹o pode

menosprezar um profundo conhecimento quer do autor, quer do

dedicat‡rio e do jazz que o tornou famoso (Gaspar 2011).

Podemos ent‹o afirmar que estas considera•›es obrigam todo o

clarinetista que queira abordar este tipo de repert—rio a um

conhecimento dos mecanismos do jazz e do estilo de Goodman. A

melhor forma de o fazer, alŽm de ouvir grava•›es importantes,

ser‡ ouvir os solos improvisados de Goodman nas grava•›es

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hist—ricas dos seus pequenos grupos, bem como a sua big band ,

especialmente a partir dos anos 1930 e atŽ final da sua carreira.

A improvisa•‹o

A composi•‹o sempre mereceu maior aten•‹o do que a

improvisa•‹o por parte dos music—logos. Assim, a improvisa•‹o

na mœsica erudita tem sido classificada no seio da musicologia da

cultura ocidental como (1) algo definitivamente diferente da

interpreta•‹o e da prŽ-composi•‹o, (2) imita•‹o de prŽ-

composi•‹o com a ajuda de nota•‹o, (3) a essncia da

composi•‹o na qual h‡ uma transmiss‹o oral, (4) uma arte na qual

os grandes compositores se notabilizaram, (5) uma habilidade

mas n‹o uma arte, (6) algo para ser avaliado na mesma conjuntura

da composi•‹o, (7) um processo que n‹o pode ser explicado ou

analisado e (8) um tipo de mœsica realizada em culturas musicais

fora das regras estabelecidas pela cultura ocidental (Nettl 1998).

ƒ sabido que, na sua Žpoca, mœsicos como Bach, Haendel, e mais

tarde Mozart e Beethoven ficaram mais conhecidos pelas suas

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capacidades como improvisadores do que como compositores.

Para alguns, a improvisa•‹o Ž a inten•‹o de criar uma obra

musical œnica no ato da performance; enquanto outros referem-na

como uma cria•‹o espont‰nea de um trabalho musical no

verdadeiro sentido, usando formas predefinidas e princ’pios prŽ-

estabelecidos. ƒ tambŽm defendido que os grandes

improvisadores como Bach e Haendel produziam as suas

improvisa•›es baseadas em temas predefinidos (Nettl 1998).

Bach era tambŽm frequentemente convidado para estrear novos

—rg‹os de igreja e improvisava durante mais de uma hora, para

deleite dos presentes que l‡ se deslocavam para o ouvir (Gaspar

2006).

Em cada per’odo da Hist—ria da Mœsica, podem ser encontradas

 particularidades que regulam a improvisa•‹o. Nalguns tipos de

mœsica ocidental, o material tem‡tico e as formas estandardizadasconstituem o ponto de partida. Por exemplo, o organista

improvisador tem um dado tema, as carater’sticas e os requisitos

da fuga a partir da qual desenvolve a sua improvisa•‹o. TambŽm

nas cadncias dos concertos cl‡ssicos, o solista improvisava,

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utilizando motivos e temas do movimento ou da pe•a, com alguns

gestos musicais do tipo escalas e arpejos das tonalidades

utilizadas, de forma a produzir uma exibi•‹o virtuosista (Nettl

1998).

Apesar de a improvisa•‹o no jazz estar atualmente no centro das

aten•›es, e ser objeto de estudo por parte da academia, a

improvisa•‹o est‡ presente na mœsica desde h‡ muito e um pouco

 por todo o mundo, como na mœsica persa, ‡rabe, hindu, ou no

Zimbabwe, Java, em toda a çfrica, etc. Na verdade, apesar de a

improvisa•‹o ter um lugar fulcral no jazz e no fen—meno

conhecido hoje como World Music, por uma quest‹o de justi•a

 para com a mœsica europeia anterior ao sŽc. XX (Žpoca anterior

ao surgimento do jazz), a improvisa•‹o, tal como a conhecemos

no jazz, est‡ presente na mœsica desde a antiguidade. 

A improvisa•‹o no jazz

A improvisa•‹o Ž vista, muitas vezes, como uma capacidade inata

que alguns mœsicos possuem mas, na verdade, os grandes

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improvisadores fizeram muitas experincias, praticaram muitos

exerc’cios, ouviram muita mœsica e efetuaram muitas tentativas

atŽ atingirem solos marcantes, tendo de algum modo presente,

consciente ou inconscientemente, na pr‡tica musical, alguns dos

conceitos te—ricos ÒtradicionaisÓ. De facto, os mœsicos de jazz

usam sequncias harm—nicas (changes) e temas ( standards) que

s‹o a base a partir da qual o solista faz a sua varia•‹o ou

improvisa•‹o. Assim, o conhecimento de um repert—rio de

 standards  funciona como uma estrutura base atravŽs da qual o

mœsico aprende a improvisar. O seu conhecimento harm—nico e

mel—dico, para alŽm de exercitar a capacidade de mem—ria,

assinala a import‰ncia da transmiss‹o de informa•‹o (social,

 pol’tica, etc.) por via oral, escrita em partitura ou Òde ouvidoÓ

(Berliner 1994).

A improvisa•‹o pode come•ar pela explora•‹o de diferentesformas de interpreta•‹o das melodias, usando embelezamentos,

trabalhando o som, diferentes formas de articula•‹o ou vibrato.

De seguida, Ž importante haver uma compreens‹o harm—nica, que

 pode ser te—rica ou simplesmente Òde ouvidoÓ. Estes temas tipo

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d‹o um conjunto de progress›es harm—nicas comuns, podendo ser

fragmentadas e coladas, originando outros temas. A

aprendizagem de modelos Ž, ent‹o, respons‡vel pela aquisi•‹o da

linguagem tradicional que Ž transmitida proeminentemente Òde

ouvidoÓ, carater’stica primordial do jazz. Por exemplo, a

improvisa•‹o no Estilo New Orleans (in’cio do jazz) era muito

rudimentar e intuitiva, evoluindo a partir de ent‹o para estilos

mais complexos.

O pensamento do improvisador pode distinguir-se em pensamento

r’tmico, pensamento harm—nico, pensamento escalar e

 pensamento interv‡lico. As tŽcnicas de improvisa•‹o implicam:

(1) a quest‹o do seguimento da forma harm—nica e da estrutura,

(2) a liga•‹o entre a mente e o corpo no que respeita ˆ

 possibilidade de tocar aquilo que a mente ÒcantaÓ (audi•‹o

interna), (3) o desenvolvimento de ideias r’tmicas e mel—dicas. Odecurso da improvisa•‹o Ž visto como o fluir de uma hist—ria com

um princ’pio, um meio e um fim. Existe um significado, uma

ideia central e um modo de expor aquilo que se quer exprimir de

forma organizada, coerente e com sentido (Berliner 1994).

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 Neste percurso, correm-se riscos e existe um estado emocional

importante que deve ser controlado, dando espa•o a uma

intera•‹o entre os diversos mœsicos do grupo que v‹o fazer

desenrolar o discurso, e que mais uma vez Ž levado a cabo atravŽs

do prŽvio desenvolvimento auditivo e interativo. A criatividade Ž

um ponto essencial na elabora•‹o deste discurso e pode levar o

mœsico a tornar musical um engano. Ponto onde o que pode levar

o mœsico a tornar musical um incidente que, em contexto

diferente, ser‡ tomado como um engano. S— a experincia,

sabedoria e tŽcnica podem ajudar o discurso do improvisador.

A inova•‹o foi sempre uma das raz›es de ser do jazz, por isso os

mœsicos mais recordados ser‹o sempre aqueles que mais

contribu’ram nesse sentido. Por exemplo, o saxofonista tenor

Coleman Hawkins inspirou outros saxofonistas que procuravam

novas ideias, mais avan•adas, frases para aplicar nas progress›esharm—nicas dos temas mais populares. TambŽm o guitarrista

Charlie Christian demonstrou que o seu instrumento podia

assumir um papel solista no jazz e Jimmy Blanton teve um papel

semelhante no contrabaixo. TambŽm Benny Goodman, que

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come•ou por tocar o Estilo New Orleans, evoluiu rapidamente

 para o estilo swing  que viria a celebriz‡-lo.

O ensino e a contribui•‹o de Goodman

Uma vez que Goodman come•ou por ter uma forma•‹o erudita e

desenvolveu uma carreira mista enquanto mœsico erudito e

mœsico de jazz, a sua contribui•‹o para o ensino torna-se, desta

forma, relevante. O contributo de Goodman enquanto intŽrprete

esteve sempre nesta fronteira e a mœsica que tocou pode dividir-se

em trs grupos principais: (1) as obras eruditas puras (Concerto 

de Mozart, por exemplo), (2) o repert—rio de jazz propriamente

dito e (3) as obras que misturam as duas correntes.

Apesar de considerar o jazz e a mœsica erudita ou cl‡ssica como

dois mundos diferentes, a verdade Ž que Goodman mudava de

estŽtica com regularidade e, como sabemos hoje, fazia-o com

enorme competncia. Naturalmente que as suas preocupa•›es na

interpreta•‹o de uma obra cl‡ssica seriam diferentes de um

concerto com um dos seus grupos de jazz, no entanto, importa

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agora perceber de que forma a sua personalidade e o seu

conhecimento como clarinetista lhe permitiram uma reconhecida

dupla afirma•‹o enquanto intŽrprete.

 No seu artigo do  New Grove Dictionary of Music, o compositor,

maestro, professor e autor Gunther Schuller faz uma fus‹o

estil’stica entre todos estes elementos e introduz o termo third

 stream  que engloba uma grande diversidade estŽtica, dando-lhe

simultaneamente unidade. Assim, Schuller (Pinson 2002: 11)

considera que a third stream Ž uma forma de composi•‹o,

improvisa•‹o e interpreta•‹o que faz as mœsicas convergirem em

vez de as segregar. Trata-se de uma maneira de fazer mœsica que

defende que todas as mœsicas nascem iguais, coexistindo numa

irmandade de mœsicas, complementando-se e frutificando-se

mutuamente. Schuller descreve Benny Goodman como um

mœsico third stream  em 1956, atribuindo a essa corrente as

seguintes carater’sticas (Bull 2006: 45): a third stream n‹o Ž jazz

com cordas; n‹o Ž jazz tocado em instrumentos Òcl‡ssicosÓ; n‹o Ž

mœsica cl‡ssica tocada por instrumentistas de jazz; n‹o se trata de

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enxertar um bocado de Ravel ou de Schoenberg entre mudan•as

de bebop, ou o inverso. N‹o Ž jazz em forma de fuga, n‹o Ž uma

fuga executada por instrumentistas de jazz; e n‹o tem como

objetivo p™r termo ao jazz ou ˆ mœsica cl‡ssica; Ž, t‹o s—, mais

uma op•‹o, entre muitas outras, que se apresenta aos mœsicos

criativos [É] por defini•‹o, n‹o existe um jazz third stream. 

De facto, o termo third stream  tem sido aplicado a muitas

composi•›es, mœsicos e compositores, incluindo Goodman. Este

conceito mistura um tipo de mœsica que, atravŽs da improvisa•‹o,

das composi•›es escritas ou ambas, funde carater’sticas essenciais

e tŽcnicas da mœsica erudita contempor‰nea com outras tradi•›es

musicais. No centro deste conceito est‡ a no•‹o de que qualquer

mœsica sustŽm o benef’cio da mistura com outra. Alguns

compositores eruditos podem aprender muitas coisas da vitalidade

r’tmica do jazz, enquanto mœsicos de jazz podem descobrir novos

caminhos de desenvolvimento na diversidade de formas e

sistemas tonais complexos da mœsica erudita.

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Muitas pessoas podem ainda hoje identificar instantaneamente

Goodman pelo seu som de clarinete; estas carater’sticas

 particulares e œnicas da sua forma de tocar est‹o obviamente

relacionadas com o facto de tocar clarinete da mesma maneira,

tanto no jazz como na mœsica erudita. TambŽm as obras que lhe

foram dedicadas s‹o hoje de grande import‰ncia no repert—rio de

clarinete do sŽc. XX. De facto, Goodman pode ser considerado o

 primeiro mœsico third stream, pois tocou toda a vida jazz e

mœsica cl‡ssica. Schuller descreve a capacidade de Goodman para

tocar mœsica cl‡ssica e jazz dizendo que, num certo sentido,

Goodman foi o primeiro mœsico third stream, mudando

facilmente da mœsica erudita para o jazz e vice-versa (Bull 2006).

Bull (2006: 27) refere-se a este facto acrescentando que, na

interpreta•‹o de Schuller, n‹o foi o interesse de Benny Goodman

 por mœsica cl‡ssica, por si s—, que fez dele um mœsico da third stream; os fatores relevantes foram a adi•‹o do repert—rio cl‡ssico

ao j‡ de si amplo repert—rio de jazz de compositores importantes,

 bem como as obras por si encomendadas; Benny Goodman n‹o Ž

um mœsico de third stream  porque tinha capacidade para tocar

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tanto jazz como mœsica cl‡ssica; n‹o Ž third stream porque tinha

estudado mœsica cl‡ssica, ou porque tocava mœsica cl‡ssica e jazz

em pœblico; Benny Goodman Ž um mœsico de third stream porque

era capaz de flexibilidade estil’stica, sendo essencialmente capaz

de tocar bem nos dois estilos (jazz e cl‡ssico). O contributo dado

 por Benny Goodman para esta ponte constitui um importante

legado no contexto estŽtico third stream, especialmente atravŽs da

interpreta•‹o do repert—rio que lhe foi dedicado.

O ensino do jazz e da mœsica erudita

Como j‡ foi dito, o ouvido Ž o sentido mais importante no

contexto musical do jazz. Frequentemente, os mœsicos de jazz n‹o

s‹o leitores ex’mios de partituras: Òl mal, mas ouve bemÓ Ž uma

express‹o recorrente, o contr‡rio acontece na mœsica erudita, na

qual a vis‹o Ž essencial, pois importa ler perfeitamente, embora, por vezes, alguns mœsicos sejam incapazes de ouvir ÒtudoÓ o que

se passa ˆ sua volta. Neste aspecto, como em muitos outros, a

forma•‹o do mœsico de jazz e do mœsico erudito ter‡ muito a

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ganhar de parte a parte com um ensino articulado, como forma de

se completarem mutuamente.

De acordo com a heran•a de Goodman, a versatilidade est‡ hoje

muito presente tanto no repert—rio em si, como nas programa•›es

dos concertos. Falta agora ˆs escolas assumirem a forma•‹o de

clarinetistas (e mœsicos em geral) capazes de responder a uma

 polivalncia cada vez mais œtil. Observa-se em geral, que muitos

dos clarinetistas avan•ados n‹o distinguem as pequenas

diferen•as que s‹o a chave do improvisador de jazz e, neste

sentido, muito pode ser feito para enriquecer a forma•‹o geral dos

clarinetistas e outros instrumentistas no futuro. S‹o de referir, por

exemplo, o estudo das escalas que, no ensino tradicional, est‹o

relacionadas com uma arma•‹o de clave; enquanto no jazz se

 privilegia a sucess‹o de intervalos, tons e meios-tons; e a rela•‹o

entre o acorde/arpejo e os v‡rios graus da escala, sendo aacuidade auditiva da maior import‰ncia. ƒ necess‡rio tratar as

escalas como uma constru•‹o sonora e n‹o apenas uma sucess‹o

de notas, pois no sistema temperado, a mesma escala, em

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qualquer um dos doze tons, dever‡ soar da mesma forma em

qualquer instrumento.

Em vez de se exigir aos estudantes que aprendam apenas as

 passagens que incluem este tipo de material, importa garantir que

s‹o aprofundadas em todos os tons (como Ž h‡bito no jazz) e em

toda a extens‹o do instrumento, para que os mœsicos do futuro

estejam preparados para corresponder rapidamente em obras que

utilizem este tipo de exigncias, j‡ n‹o basta saber as ancestrais

tonalidades maiores e menores, base de trabalho no ensino

tradicional. Este conhecimento, alŽm de favorecer o desempenho

na interpreta•‹o do repert—rio, permitir‡ a sua utiliza•‹o na

improvisa•‹o.

A improvisa•‹o no ensino tradicional

A improvisa•‹o abordada de forma gradual poder‡ permitir ao

estudante o desprendimento da partitura e todas as condicionantes

relativas ˆ interpreta•‹o do texto musical. Obviamente que esse

trabalho pode favorecer ainda a prepara•‹o para tocar de mem—ria

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as obras do repert—rio, que alŽm de potenciar a utiliza•‹o do

ouvido Ž um aspecto muito apreciado pelo pœblico. O estudo da

improvisa•‹o pode ser dividido em diversas fases, sendo

fundamental o estudo das diversas escalas e arpejos. Este material

sonoro, alŽm de fomentar o desenvolvimento auditivo no aspecto

 pr‡tico, permitir‡ aos estudantes o desenvolvimento tŽcnico no

instrumento, bem como iniciarem-se no cap’tulo da improvisa•‹o.

A experincia da improvisa•‹o criativa alŽm de libertar os

estudantes para uma das formas mais emancipadas da pr‡tica

musical, os estados de fluxo podem, por essa raz‹o, desempenhar

ainda um papel-chave ao n’vel da motiva•‹o e,

consequentemente, estimular uma predisposi•‹o, ou uma

inclina•‹o, no sentido de um desenvolvimento art’stico adicional.

Berliner (1994: 389) designa o atingir deste n’vel de desempenho

elevado como ocorrendo no  groove, em que os improvisadores

experienciam uma enorme sensa•‹o de relaxamento que amplifica

as suas capacidades de express‹o e de imagina•‹o.

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Proposta metodol—gica

O ensino do jazz   propriamente dito est‡ nas universidades

americanas desde a Segunda Guerra Mundial.  Este facto est‡

intimamente ligado ao aumento do desempenho tŽcnico exigido

 pelo bebop e pelos arranjos das big bands do final da dŽcada de

1940. O melhor n’vel tŽcnico dos mœsicos, se comparados com as

duas dŽcadas anteriores, pode ser comprovado pelas grava•›es de

 pequenos grupos e big bands  desse per’odo. Em Portugal, alŽm

das escolas particulares que se dedicam ao ensino do jazz

 propriamente dito, desde o final da dŽcada de 1970, a ESMAE do

Porto ofereceu o primeiro curso superior de jazz no ensino oficial,

tendo iniciado no ano letivo 2000/2001 um curso de jazz em

colabora•‹o com os cursos tradicionais. No ano letivo 2008/09,

foi a vez da Universidade de ƒvora e da ESML oferecerem

tambŽm este ramo de ensino.

Esta proposta metodol—gica, que em detalhe est‡ esplanada em

Gaspar (2011), pretende ser uma vis‹o dos mœltiplos aspectos

desenvolvidos por Goodman, para que a forma•‹o futura dos

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clarinetistas possa ser enriquecida pela sua contribui•‹o enquanto

instrumentista polivalente. AlŽm de baseada na an‡lise da vida e

obra de Goodman, foram realizados em Dezembro de 2009 dois

question‡rios: um dirigido aos professores de todas as institui•›es

do ensino superior portugus nas quais se lecionam licenciaturas

!  ramo clarinete, e outro question‡rio, que contou com a

 participa•‹o dos professores de importantes institui•›es que

ministram cursos no ‰mbito do jazz, nomeadamente as que

lecionam atualmente licenciaturas em Portugal.  Estas fontes

 permitiram amadurecer a presente proposta metodol—gica que tem

em conta uma multiplicidade de aspetos.

Uma das dificuldades est‡ na ordem pela qual o trabalho deve ser

seguido e, na verdade, um dos aspectos essenciais do progresso de

um mœsico est‡ na sistematiza•‹o do seu estudo. Neste ‰mbito,

estamos perante op•›es muito individuais, mas tambŽm decisivas para o bom desempenho futuro. O papel do professor, enquanto

orientador deste percurso, torna-se crucial mas tambŽm muito

dif’cil. Os dois question‡rios foram realizados com o intuito de

 perceber as tendncias mais comuns em ambos os ramos do

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ensino a n’vel nacional e organizar uma proposta metodol—gica

que reœna esses elementos de forma progressiva. 

A recolha de material a partir dos question‡rios centrou-se

essencialmente nas escalas (modos), arpejos, padr›es mel—dicos,

improvisa•‹o, mŽtodos, metodologias, repert—rio e referncias

musicais. Para todos estes assuntos, foram pedidos diversos

exemplos a cada um dos professores, numa classifica•‹o que

come•a no mais importante, sendo a abordagem mais direcionada

 para os aspectos mel—dicos, no caso dos padr›es mel—dicos,

escalas e arpejos.

Sobre o repert—rio mais importante para inicia•‹o ao jazz, as

respostas dos professores de jazz permitiu concluir quais os cinco

temas mais importantes neste sentido (Quadro 1) que s‹o os

seguintes:

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Quadro 1

Os temas

AlŽm da descri•‹o dos exerc’cios que s‹o propostos em Gaspar

(2011), o estudante poder‡ dividir o seu estudo di‡rio da seguinte

forma: (1) Aquecimento, (2) Estudos tŽcnicos sobre escalas e

arpejos, (3) Exerc’cios de improvisa•‹o (4) Exerc’cios

 preparat—rios e (5) Estudo do repert—rio. Na aula, pode ser

seguida esta sequncia e o estudante pode apresentar de forma

resumida e aleat—ria alguns exerc’cios para n‹o ocupar muito

tempo porque, como Ž sabido, cada aula tem a dura•‹o de apenas

uma hora. Por exemplo, o estudante trabalha nos doze tons e o

 professor escolhe um tom aleatoriamente. Quanto ˆ extens‹o, uma

vez que o pr—prio Goodman atingia frequentemente o d—6  nos

Tema Compositor

1.  Rhythm Changes - I Got Rhythm Ira and George Gershwin

2.  Blues  V‡rios

3.  Autumn Leaves Kosma and Mercer

4. All the Things You Are  Kerner and Hammerstein

5. So What   Miles Davis

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solos e uma boa parte das obras do repert—rio moderno atinge essa

nota, todos os exerc’cios, escalas e arpejos devem ser estudados

atŽ essa nota, por forma a dominar toda a extens‹o do

instrumento.

Estudos tŽcnicos sobre escalas, arpejos e padr›es

A abordagem mel—dica e harm—nica Ž frequentemente comum no

ensino do clarinete e no ensino do jazz, da’ que diversos

 professores de jazz tenham referido os mesmos exerc’cios que os

 professores de clarinete nos question‡rios.  No ensino tradicional

de clarinete, o estudo das tonalidades centra-se nas maiores e

menores relativas: natural, harm—nica e mel—dica com os

respectivos arpejos. Estas escalas tm sons distintos, mas a

sucess‹o de intervalos varia muito pouco pois, como Ž sabido, s—

uma nota muda por completo a essncia de uma escala. Um bomexemplo Ž a escala menor mel—dica em rela•‹o ˆ maior, que, na

sua forma ascendente, apenas varia no terceiro grau, que Ž menor

na mel—dica. Esta pequena diferen•a separa dois universos

distintos, j‡ que estas duas escalas s‹o as que mais modos d‹o ao

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 jazz. Uma vez que estes modos s‹o usados na mœsica erudita, por

que n‹o trabalhar tambŽm os outros modos que derivam destas

escalas, como entidades sonoras independentes? 

Quanto aos modos estudados na mœsica erudita e no jazz, as

diferen•as das respostas dos question‡rios s‹o dignas de registo.

Apesar de alguns modos (escalas) serem apresentados nas

respostas de ambos os question‡rios, como seria de esperar, o

question‡rio realizado a professores de jazz permitiu uma recolha

muito maior de modos a praticar. AlŽm de serem apontados

modos com uma divis‹o em maiores, dominantes, menores e

diminutas, importante de referir que a cada modo est‡ associado a

uma cifra: como por exemplo a escala  Bebop  menor realizada

sobre a cifra de menor de sŽtima.

Os exerc’cios sobre as escalas devem ser tocados como varia•›esmel—dicas e n‹o como simples exerc’cios tŽcnicos. No entanto,

alŽm de permitirem o desenvolvimento tŽcnico do clarinetista e o

aprofundamento do conhecimento do som de cada escala, podem,

 por outro lado, fornecer uma fonte de ideias musicais a utilizar na

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improvisa•‹o. No Quadro 2 os exemplos s‹o dados para a escala

maior, devendo ser adaptados a todos os modos das diversas

categorias e sempre nos doze tons. Um dos objetivos principais

desta proposta Ž afastar o estudante da nota•‹o musical, por isso,

os exemplos ser‹o dados com recurso aos nœmeros ‡rabes. Apesar

disso, numa fase inicial, o estudante poder‡ recorrer ˆ nota•‹o

musical tradicional, embora o ouvido seja o grande alvo a

valorizar neste trabalho.

Quadro 2

Exerc’cios diat—nicos sobre escalas

Exerc’cio Ascendente Descendente

1 123, 234, 345 [...]  876, 765, 654 [...] 

2  321, 432, 543 [...]  123, 789, 678 [É] 

3 1234, 2345, 3456 [...] 8765, 7654, 6543 [É]

4 4321, 5432, 6453 [...] 1234, 7123, 6789 [É]

5 1231, 2342, 3453 [...] 1231, 7127, 6786 [É]

6 3124, 5346, 7568 [...] 3172, 1657, 6435 [É]

7 1235, 2346, 3457 [...] 5321, 4217, 3216 [É]

8 5321, 6432, 7543 [...] 1235, 7124, 6783 [É]

9 1324, 3546, 5768 [...] 8675, 6453, 4231 [...]

10 3142, 5364, 7586 [...] 8372, 6857, 4635 [...]

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Em fun•‹o das carater’sticas de cada aluno, por um lado, e da

metodologia do professor, por outro, as obras estudadas em cada

semestre variam naturalmente de caso para caso. Apesar disso, o

question‡rio realizado a professores de clarinete permitiu concluir

quais as cinco obras consideradas mais importantes neste n’vel de

ensino, encontrando-se as mesmas ordenadas a partir da mais

importante no Quadro 3.

Quadro 3Obras a abordar

Todas as obras indicam materiais para explorar sob a forma de

exerc’cios preparat—rios (exerc’cios tŽcnicos alargados) que, alŽm

de permitirem aprofundar o desenvolvimento tŽcnico do

instrumento, podem fornecer material mel—dico a utilizar nas

Obra Compositor

1. Concerto K. 622  Wolfgang Amadeus Mozart

2. Sonata Op. 120, No 1 e No 2  Johannes Brahms

3. Premiere Rhapsodie  Claude Debussy

4. Concerto Op. 57   Carl Nielsen

5. Three Pieces for solo Clarinet   Igor Stravinsky

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improvisa•›es; ser‡ ainda vantajoso praticar esses exerc’cios de

mem—ria, sem recursos a partitura. H‡ tambŽm vantagem em

utilizar os nœmeros ‡rabes, para referir os graus da melodia e da

harmonia, os nœmeros romanos para os graus da tonalidade e TM

 para os intervalos. Tomando como exemplo o tema principal do

 primeiro andamento do Concerto  de Mozart (Exemplo 1), este

 pode ser praticado nos doze tons ap—s a sua an‡lise nota a nota,

representada da seguinte forma:

Exemplo 1Concerto de Mozart

Outra forma de realizar os exerc’cios preparat—rios foi sugerida

no question‡rio realizado a professores de clarinete. Um dos

 professores referiu a cŽlebre passagem da obra Pedro e o Lobo de

Sergei Prokofiev, a qual, alŽm do ritmo constante, tem tambŽm

um contorno mel—dico regular. Os intervalos de quarta aumentada

e terceira maior constituem o padr‹o que sobe sempre por meios-

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tons. O desafio proposto consiste em continuar essa evolu•‹o

crom‡tica em Òtoda a extens‹o para cima e depois para baixoÓ.

Desta forma, garante o professor, Òdepois de fazer esse exerc’cio,

tornou-se muito mais f‡cil tocar a passagem originalÓ, conforme

mostra o Exemplo 2.

Exemplo 2 Pedro e o Lobo

Outra pr‡tica importante ser‡ a an‡lise de todas as obras que se

tocam no que concerne ˆ rela•‹o melodia/harmonia com

utiliza•‹o da cifra. Por exemplo, o clarinetista deve saber qual a

fun•‹o das notas longas da melodia no primeiro andamento do

Concerto  de Copland, dedicado a Goodman. Com vista ˆ sua

interpreta•‹o, o clarinetista poder‡ praticar intervalos grandes,

mudan•as de registo e exerc’cios em legato constituem um bom

exerc’cio preparat—rio. TambŽm neste Concerto, n‹o tratar o

compasso 36 da cadncia como uma sucess‹o de notas, mas sim

uma sucess‹o de tr’ades que desce por tons. A cifra torna-se aqui

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uma boa ferramenta na an‡lise e mostra claramente a mudan•a

r‡pida de acorde, como acontece no jazz (Exemplo 3).

Exemplo 3Sucess‹o de tr’ades

Desta forma, pretende-se que o clarinetista ou•a previamente o

que vai tocar no instante seguinte e, se os exerc’cios forem

trabalhados com uma audi•‹o ativa, ser‡ mais f‡cil ouvir sem

tocar e ouvir antes de tocar, aspetos essenciais de toda a pr‡tica

musical, independentemente do estilo em causa, quer se trate de

mœsica escrita ou improvisada.

Conclus‹o

Para alguns autores, a improvisa•‹o Ž vista para alŽm da mœsica,

como uma experincia multidisciplinar e, a esse prop—sito, o

importante saxofonista tenor Joe Henderson considera que, nas

suas improvisa•›es, Ž influenciado por elementos extra musicais:

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como o uso de versos, h’fens, par‡grafos, parntesis. Cada

improvisador tem carater’sticas sonoras individuais e uma

 personalidade musical distinta. Esta personalidade compreende

tra•os estil’sticos individuais, tais como fraseado, articula•‹o,

som (por exemplo o timbre), ideias musicais carater’sticas, entre

outros. O processo de aprendizagem que compreende a busca por

uma voz pr—pria Ž rodeado por uma grande diversidade de fatores

e considerada uma arte por si s—.  Consoante a fun•‹o

sociocultural que desempenha, assim o termo Òimprovisa•‹oÓ

incorpora uma multiplicidade de significados, comportamentos e

 pr‡ticas musicais. N‹o obstante, uma carater’stica comum a toda e

qualquer improvisa•‹o tem a ver com o facto de as decis›es

criativas que os intŽrpretes tomam, serem restringidas pelo tempo

real da pr—pria performance. Por isso, a improvisa•‹o Ž

considerada uma arte performativa por excelncia, exigindo n‹o

s— toda uma vida de prepara•‹o num leque abrangente deexperincias formativas, como tambŽm uma base de

competncias sofisticada e eclŽtica. Ap—s aprender as bases da

respectiva linguagem, o grande objetivo do improvisador passa

 por v‡rias fases e o foco principal Ž a apreens‹o de Òvoc‡bulosÓ

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 para melhor se poder exprimir, j‡ que o objetivo do improvisador

Ž criar linhas com variedade r’tmica, mel—dica e harm—nica.

Essencialmente, espera-se que a improvisa•‹o conte uma hist—ria,

cujas palavras e frases s‹o as escalas e a ÒpronœnciaÓ e as

inflex›es s‹o o estilo. Ë pergunta: como Ž que estas coisas se

aprendem, Cipolla (2000: 7) considera que podemos faz-lo

tocando com os discos e ao aprender as inflex›es e o sentido

r’tmico dos grandes mestres, como quem aprende uma linguagem,

ao imitar e praticar com aqueles que a falam bem.

O desenvolvimento das capacidades improvisativas Ž um

 processo gradual. Por isso, em todos os semestres da proposta

metodol—gica e ao longo das aulas, ser‹o propostos exerc’cios

cujo aumento de dificuldade est‡ de acordo com os restantes

exerc’cios propostos. Obviamente, o professor orienta todo o

 processo em termos do repert—rio que Ž a base de estudo. PorŽm,as vantagens da abordagem do jazz e da improvisa•‹o no ensino

do clarinete ser‹o uma mais-valia no sentido de interpretar o

repert—rio erudito em geral e as obras third stream numa primeira

fase, assim como desenvolver o conhecimento das bases a partir

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das quais se desenvolve a improvisa•‹o, numa segunda fase.

 Naturalmente que Ž poss’vel desenvolver esse trabalho num

 percurso œnico, como prova a carreira de Goodman, embora

visando objetivos diferentes, que no final se complementam. As

escalas devem ser sempre associadas aos arpejos respectivos e

estudados em conjunto de forma a conseguir uma liberdade que

 permita deixar de pensar em notas e pensar em sons, ou melhor,

deve imaginar-se o som antes de tocar; estes aspectos dever‹o ser

explorados pelo professor, porque todas estas variantes s‹o uma

enorme mais-valia para o estudante, n‹o s— no sentido da

improvisa•‹o, como tambŽm na tomada de conscincia das suas

fraquezas musicais que, uma vez identificadas e corrigidas,

tornam o estudante num mœsico mais competente. Todo o

trabalho dever‡ ser orientado no sentido de preparar melhor o

clarinetista para os desafios diversificados do sŽc. XXI.

Bibliografia

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Bull, Jae Ellis. 2006. Benny Goodman: From ÒKing of SwingÓ toThird Stream, MA Thesis, Marshall University.

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5 O GŽnero Musical na Identidade dos

Instrumentos: o saxofone no sŽc. XX

 M‡rio Marques e Eduardo Lopes

O Saxofone

Tendo surgido a meados do sŽculo XIX, e diferentemente de

outros instrumentos musicais, o saxofone n‹o tem antecessores

diretos conhecidos. O saxofone Ž tambŽm um bom exemplo das

 premissas que de certa forma regulavam a constru•‹o de

instrumentos musicais na Žpoca, como por exemplo: dedilha•›es

simples e extens›es; facilidade de emiss‹o sonora, afina•‹o e

 preocupa•‹o com propor•›es de corpo.

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Foi o sonho de construir um instrumento que pelas carater’sticas

do seu timbre e sonoridade se pudesse aproximar ˆ dos

instrumentos de cordas, mas todavia com uma maior proje•‹o e

intensidade sonora, que levou o mœsico e construtor de

instrumentos Antoine Joseph (Adolphe) Sax a desenvolver um

novo instrumento.

Ap—s muitas experincias de constru•‹o, o Belga Adolphe Sax

apresentou pela primeira vez o seu novo instrumento numa

exposi•‹o no seu pa’s natal (BŽlgica) em 1841; tendo tambŽm

sido posteriormente apresentado em Paris a Fevereiro de 1844.

Em Junho de 1846 foi registada a patente do Saxofone, que para

alŽm da ideia inicial de Adolphe Sax sobre as carater’sticas deste

instrumento, acabou tambŽm por se posicionar facilmente entre os

instrumentos de ent‹o, preenchendo uma sec•‹o intermŽdia entreos metais e as madeiras. A profus‹o do saxofone como

instrumento sucedeu-se um pouco por todo o lado, com um

grande acrŽscimo de empresas na sua produ•‹o a partir de 1870.

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O aperfei•oamento tŽcnico dos ÔnovosÕ mœsicos de saxofone bem

como a divulga•‹o deste novo instrumento, foi levado a cabo

inicialmente por for•a das circunst‰ncias por mœsicos militares,

na sequncia da introdu•‹o do saxofone nas bandas militares

Belgas ap—s decreto governamental. O pr—prio Sax acabou

tambŽm por contribuir para a dissemina•‹o do instrumento, tendo

sido professor principal da classe de saxofone do conservat—rio de

Paris, formando cerca de 150 alunos.

Devido ˆs circunst‰ncias econ—micas da I Guerra Mundial muitos

saxofones come•aram a aparecer em leil›es. Vendidos a custo

muito baixo, eram uma aquisi•‹o muito procurada pelos soldados

 Norte-Americanos que estavam colocados em Fran•a. As baixas e

destrui•‹o da guerra tambŽm se fizeram sentir na constru•‹o do

saxofone em Fran•a, em que cerca de mais de dois ter•os da m‹ode obra especializada desapareceu. Sequentemente, e do outro

lado do Atl‰ntico, os Estados Unidos intensificaram e

aperfei•oaram tecnicamente a sua pr—pria produ•‹o de saxofones.

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As escolas de saxofone

Como noutros instrumentos, foi a a•‹o de instrumentistas de

renome que tornou cada vez mais o saxofone um instrumentos de

sucesso, bem como do surgimento e desenvolvimento de

diferentes tŽcnicas de execu•‹o. No in’cio dos anos trinta do

sŽculo XX, trs destes instrumentistas tornaram-se grandes

figuras no ensino do saxofone. Marcel Mule e Sigurd Rascher e

uma terceira, Cecil Leeson j‡ posterior, nos Estados Unidos,

tiveram um papel determinante no desenvolvimento de tŽcnicas

de execu•‹o, metodologias de trabalho, de ensino e de divulga•‹o

de repert—rio. Devido ao seu sucesso, captaram a aten•‹o de

seguidores e consequentemente foram desenvolvendo ÔescolasÕ

(estilos de tocar saxofone), cada uma com as suas idiossincrasias.

Estas trs figuras incontorn‡veis no desenvolvimento do saxofone

foram em certa medida os respons‡veis pelo interesse neste

instrumento por parte de compositores, que atŽ ent‹o n‹o estariam

motivados para compor repert—rio para saxofone. A excelncia do

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dom’nio tŽcnico que estes saxofonistas apresentavam, fez com

que todos os registos existentes das performances ao vivo e

registos fonogr‡ficos, resultassem numa fundamental contribui•‹o

que estes nomes deram ˆ divulga•‹o do repert—rio Ôcl‡ssicoÕ deste

instrumento - obviamente marcando nas dŽcadas seguintes todos

aqueles que se interessavam por este instrumento.

Por outro lado, e quase simultaneamente, surgia um novo gŽnero

musical: o jazz. No in’cio do sŽculo XX surgiram saxofonistas

que, com e atravŽs, do jazz, desenvolviam tŽcnicas de

embocadura e fraseado de articula•‹o diferentes das abordagens

do instrumento no gŽnero Ôcl‡ssicoÕ. Para muitos, ter‡ sido a

grande evolu•‹o destas novas e diferentes tŽcnicas que ajudaram

a tornar o saxofone num dos mais expressivos, empolgantes e

divulgados instrumentos deste gŽnero musical.

 N‹o querendo deixar de referir nomes como Charlie Parker, John

Coltrane, Dexter Gordon, Sonny Rollins, Stan Getz, Michael

Brecker e David Sanborn, importa dizer que ao longo da hist—ria

do jazz tm sido inœmeros os saxofonistas cuja singularidade

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estil’stica Ž tal, que muito embora n‹o constru’ssem uma

deliberada ÔescolaÕ de saxofone, todos eles tiveram um grande

nœmero de disc’pulos que avidamente consumiam os seus discos

tentando a sua imita•‹o.

ƒ no entanto a partir dos anos 70 que se d‡ uma grande explos‹o

de escolas viradas para o ensino do saxofone no gŽnero de jazz.

Isto levou ent‹o a uma sistematiza•‹o da elasticidade de certos

recursos estil’sticos do saxofone-jazz, como por exemplo: os

diferentes tipo de ataque (ÔtuÕ, ÔduÕ, ÔtutÕ, ÔdutÕ, ÔdahÕ, ÔdeÕ, ÔhaÕ);

coloca•‹o da cavidade oral; as varia•›es t’mbricas; os finais de

um som/nota e suas inflex›es para afina•›es superiores ou

inferiores. No saxofone existem assim, diversas tendncias e

idiossincrasias estil’sticas que o diferenciam, levando ˆ sua

caracteriza•‹o como um instrumento musical de acentuado

ecletismo.

Tendo em conta a tem‡tica do presente artigo, podemos resumir

ˆs seguintes, algumas das diferen•as basilares dos aspetos de

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execu•‹o estil’sticos das duas grandes ÔescolasÕ de ensino e

interpreta•‹o do saxofone: A Ôescola cl‡ssicaÕ e a Ôescola de jazzÕ.

 Escola Cl‡ssica

¥ Equil’brio tŽcnico nas variantes do timbre, ritmo,

din‰mica e articula•‹o (a n‹o ser que seja pedido na

 partitura). Materiais utilizados constru’dos para maximizar

esse equil’brio.

¥  Respeito absoluto pela nota•‹o musical.

¥  Conhecimento dos principais estilos musicais ao longo da

hist—ria da mœsica de forma a criar uma interpreta•‹o

evolucionista.

¥  Execu•‹o tŽcnica de afina•›es alternativas ao sistema

temperado.

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 Escola de Jazz

¥  Fraseado personalizado, com um certo desequil’brio

intencional nas variantes do timbre, ritmo, din‰mica e

articula•‹o.

¥  Conhecimento te—rico-pr‡tico de tŽcnicas de

improvisa•‹o.

¥  Interpreta•‹o criativa da nota•‹o musical (que neste

gŽnero Ž normalmente parca em indica•›es que n‹o sejam

de altura e dura•‹o de som).

¥  Dom’nio de tŽcnicas de execu•‹o que pretendem

reproduzir efeitos de instrumentos de sopro com ra’zes na

mœsica Oriental e Africana.

O Third Stream, Schnyder e o Fourth Stream 

ƒ relativamente comum ouvir dizer que o saxofone Ž um

instrumento Ôbastante f‡cil de tocarÕ - esta afirma•‹o Ž

simultaneamente verdadeira e  falsa. Se tivermos em conta o

tempo que se demora para se conseguir produzir um som musical

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no saxofone e os resultados que obtemos em compara•‹o com

outros instrumentos da fam’lia dos aerofones, a relativa facilidade

Ž uma verdade na aprendizagem do saxofone. As suas dedilha•›es

s‹o tambŽm relativamente simples, l—gicas e consequentes na sua

aplica•‹o; isto para alŽm de serem muito semelhantes em diversas

notas de duas oitavas. A sua constru•‹o de tubo c—nico faz do

saxofone um instrumento de amplitudes sonoras generosas, de

riqueza t’mbrica bastante variada e de resposta Ôf‡cilÕ na sua

emiss‹o, resultando assim num instrumento cheio de

 possibilidades enquanto produtor de sonoridades. Contudo, e por

ser um instrumento de tubo c—nico, o saxofone levanta sŽrios

 problemas na execu•‹o de alto n’vel; a delicadeza e eleg‰ncia nos

registos extremos, a din‰mica e seu equil’brio de fraseado, ou

ainda a destreza tŽcnica s‹o aspectos relevantes e de dificuldade

elevada.

Don Ashton (1998) refere o seguinte:

A tube of large diameter in relation to length favours production of the

fundamentals. Moreover, to facilitate a scale of fundamentals the holes will

also be relatively large. The consequence of this to the player, assuming a

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suitably efficient excitation medium, is the ability to effect a great range of

volume, flexibility of intonation, and considerable influence over the tonal

quality. Notice how much these three factors demand player responsibility,

awareness and expertise.

Resultado dessas grandes amplitudes e fruto de uma constru•‹o

 prodigiosamente eficaz, o saxofone tem a par dessas carater’sticas

organol—gicas uma diversidade de acess—rios que s‹o utilizados

na produ•‹o de som. Toda a variedade de boquilhas, palhetas,

 bra•adeiras, apoios para os dentes, s‹o acess—rios que ajudam este

instrumento na sua transforma•‹o enquanto Ôcamale‹oÕ de

timbres. Os diferentes tipos de embocadura, de coloca•‹o das

cavidades orais e de garganta, s‹o tambŽm outros recursos de

op•‹o para o executante. Um bom equil’brio de todo este leque de

op•›es fazem deste instrumento diferente de si pr—prio antes

mesmo de ser executado e colocam, por isso, ao critŽrio do

saxofonista uma pan—plia de decis›es que o contextualizam em

diferentes estilos musicais mesmo antes de tocar uma nota que

seja.

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As diversas tŽcnicas utilizadas nos variados estilos musicais,

 podem dar ao saxofone recursos importante para a difus‹o da sua

mensagem musical. Contudo, esta variedade de tŽcnicas poder‡

confundir o intŽrprete menos experiente, pois existem diferentes

formas de as executar consoante o estilo de mœsica, acrescendo o

facto de, muitas delas, raramente serem contempladas na nota•‹o

musical.

Um os problemas que se coloca aos saxofonistas contempor‰neos

Ž que apesar de j‡ haver uma transversalidade no ensino e

aprendizagem de tŽcnicas espec’ficas de v‡rios estilos musicais, o

estudo do respetivo estilo musical de cada tŽcnica est‡ longe de

ser eficazmente abordado. Em diversos estilos ou culturas

musicais, estas variadas abordagens ˆ produ•‹o de cada nota,

est‹o tradicionalmente ligadas a uma interpreta•‹o instrumental

n‹o escrita, sustentada num legado musical que Ž transmitido degera•‹o em gera•‹o e de uma forma geral baseadas na imita•‹o

direta (em contextos mais recente tambŽm atravŽs da intera•‹o

musical com grava•›es ‡udio). Considerando este facto, n‹o Ž

vulgar a utiliza•‹o de simbologia espec’fica em nota•‹o musical

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que forne•a ao intŽrprete indica•›es de como e quando utilizar

todas essas possibilidades, que no fundo ser‹o uma das suas

carater’sticas interpretativas.

Essa tarefa est‡ por isso reservada ao intŽrprete que dever‡

transversalmente dominar tŽcnicas e atŽ estilos musicais que

ultrapassam os dom’nios das v‡rias escolas de saxofone existentes

na atualidade, como por exemplo:

¥  Dom’nio tŽcnico do saxofone dentro dos par‰metros da

escola cl‡ssica.

¥  Dom’nio tŽcnico do saxofone dentro dos par‰metros da

escola de jazz.

¥  Conhecimento de tŽcnicas de improvisa•‹o, incluindo

com cifra anglo-sax—nica.

¥ 

Conhecimento de v‡rios estilos musicais fora da culturaOcidental.

¥  Dom’nio tŽcnico do instrumento com v‡rios padr›es de

afina•‹o.

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¥  Reconhecimento duma vasta gama de efeitos e das suas

variadas nuances de execu•‹o tŽcnica.

¥  Capacidade de transi•‹o r‡pida entre as diversas

exigncias dos par‡grafos anteriores.

¥  Est’mulo constante ˆ leitura musical, bem como ˆ leitura

criativa.

Se para muitos o conhecimento e dom’nio das mais variadas

tŽcnicas de saxofone, bem como a transversalidade de estilos

como apontado acima pode parecer ut—pico, hoje em dia tm

surgido saxofonistas que representam bem estas novas valncias

na execu•‹o do instrumento. Resultado de um percurso musical

de interesse invulgar destaca-se o compositor e saxofonista Daniel

Schnyder, que confere ˆ sua mœsica e performances carater’sticas

œnicas numa perspectiva interpretativa que vai alŽm do ThirdStream. Mas antes de abordar mais em detalhe Schnyder,

relembremos o conceito de Third Stream. 

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O conceito Third Stream  foi apresentado pela primeira vez por

Gunther Schuller em 1957, apontando uma fus‹o de dois gŽneros

musicais Ð a mœsica Ôcl‡ssicaÕ e o jazz Ð num novo quase novo

gŽnero. Este novo gŽnero tinha alguns aspectos centrais que o

caraterizavam, como por exemplo: a partilha de combina•‹o de

tŽcnicas composicionais; de orquestra•‹o; de instrumenta•‹o; de

harmoniza•‹o; e de execu•‹o instrumental, onde se a inclui

tambŽm a improvisa•‹o. Outro aspecto central da Third Stream 

era a coabita•‹o no mesmo palco de mœsicos de jazz e mœsicos de

forma•‹o cl‡ssica, onde a fus‹o era conseguida atravŽs do

resultado sobreposto das duas formas diferentes de executar um

instrumento. Ou seja, mœsicos de especializa•‹o diferente, com

mœsica escrita propositadamente na sua ‡rea de especializa•‹o,

tudo isto a acontecer na mesma obra.

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Daniel Schnyder

Compositor e saxofonista Su’•o, Daniel Schnyder, nasceu em

Zurique em 1961. De forma•‹o musical muito eclŽtica,

 percorrendo praticamente todos os trajetos poss’veis na educa•‹o

musical, Schnyder torna-se ao longo da sua carreira uma

 personagem extremamente criativa e de muitas valncias.

Faremos agora uma sintŽtica apresenta•‹o do seu percurso de

forma•‹o e profissional de forma a entendermos melhor a

idiossincrasia interpretativa na mœsica de Schnyder.

¥  Filho de um arque—logo, Schnyder desde cedo Ž exposto ˆ

cultura musical de çfrica e do MŽdio Oriente.

¥  S—lida forma•‹o instrumental no violoncelo e na flauta

obtida no Conservat—rio de Zurique na Su’•a.

¥  Enquanto jovem compositor, estreia de v‡rias obras na

Orquestra Su’•a da Juventude.

¥  A descoberta, na sua vida, de uma nova mœsica e de um

novo instrumento: o Jazz e o Saxofone.

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¥  Ida para Boston nos EUA onde estudou saxofone, arranjo

e composi•‹o jazz na Berklee College of Music.

¥  Estudo de Mœsica Antiga na Universidade de Zurique

¥  Ida para a Alemanha onde grava os primeiros quatro

discos com mœsicos alem‹es.

Schnyder afirma tambŽm a import‰ncia dos executantes para a

correta interpreta•‹o da sua linguagem musical. Procura sempre

mœsicos vers‡teis de alto n’vel tŽcnico, capazes de fazer mœsica

em estilos muito diversificados. Assim, Schnyder Ž capaz de se

defender uma realidade musical muito pr—pria, escrevendo mœsica

que Ž ent‹o um verdadeiro fruto da sua personalidade. Se bem que

na sua escrita, podemos em certos trabalhos encontrar o estilo

Third Stream, este parece-nos algo redutor quando se trata de

qualificar a identidade musical de Schnyder.

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Podemos encontrar na obra de Schnyder elemento estil’sticos

 basilares que de certa forma a enquadram num espectro mais

vasto que o Third Stream, como:

¥  A procura de intŽrpretes capazes de dominar v‡rias

linguagens musicais.

¥  Integra•‹o de elementos musicais de outras culturas, como

instrumentos, tŽcnicas de composi•‹o e de execu•‹o, e

mesmo diferentes modelos de afina•‹o.

¥  A escrita para forma•›es reduzidas (como duos e trios)

onde a exigncia do ecletismo na interpreta•‹o Žfundamental.

¥  Uso de tŽcnicas de justaposi•‹o composicional.

¥  Uma distinta combina•‹o de tŽcnicas de execu•‹o

diferenciadas por v‡rias escolas de saxofone.

ƒ ent‹o um pouco por aquilo que apontamos acima que achamos

o Third Stream algo redutor para a mœsica de Schnyder, propondo

assim um novo termo que nos parece tambŽm aplic‡vel a alguma

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mœsica e mœsicos que tm despontado no in’cio deste sŽculo. A

este hipotŽtico gŽnero chamamos Fourth Stream.

Hoje em dia vemos este repert—rio Third Stream na linha do in’cio

da introdu•‹o da diversidade cultural do p—s II Guerra Mundial, e

que de certa forma Ž apontado por alguns como precursor da

mœsica p—s moderna de John Zorn, que atravŽs da improvisa•‹o

coletiva criou pontos de intersec•‹o entre mœsicos de jazz e de

mœsica contempor‰nea.

Mas ter‡ sido j‡ no sŽc. XXI, que vimos ent‹o aparecer a  Fourth

Stream em que os pr—prios mœsicos s‹o eles j‡ produtos de uma

inclusividade quase total (como vimos acima no percurso

 biogr‡fico de Schnyder). Diferentemente do Third Stream, no

qual os mœsicos eruditos tocavam um pouco de jazz em pe•as de

cerne erudito, e mœsicos de jazz tocavam um pouco de mœsicaescrita em certas pe•as, estes mœsicos Fourth Stream conseguem

Ômover-seÕ numa s— pe•a, entre v‡rios estilos, conseguindo

eficientemente dominar as tŽcnicas musicais e de instrumento

especificas de cada gŽnero. Ao referirmos tŽcnicas musicais e de

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instrumento, estamos conscientemente a pensar em composi•‹o e

intŽrpretes, considerando assim o  Fourth Stream  tambŽm

transversal ˆ composi•‹o e ˆ interpreta•‹o. Para alŽm de

Schnyder que Ž figura central neste artigo devido ao instrumento

que toca, gostar’amos no entanto de referir outro mœsico que

consideramos  Fourth Stream  de forma a melhor definir este

gŽnero. Este mœsico Ž Ethan Iverson (n. 1973 nos EUA); pianista

e compositor de forma•‹o cl‡ssica e de jazz que trabalhou muitos

anos como diretor musical da companhia de dan•a contempor‰nea

de Nova York, o Mark Morris Dance Group. Iverson, como

Schnyder, Ž um mœsico que desde cedo na sua forma•‹o, bem

como na sua atividade profissional, esteve exposto a uma grande

diversidade cultural. Iverson tem no trio de jazz contempor‰neo

(piano, contrabaixo, bateria) que fundou,  Bad Plus, o seu mais

reconhecido trabalho.

Uma das pe•as mais reconhecidas deste grupo o tema Velouria,

 baseado num tema com o mesmo nome do grupo  Pixies; um

grupo de mœsica rock-alternativo bastante ativo nas dŽcada de

1980 e origin‡rio de Boston nos EUA. Numa an‡lise macro e

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 bastante reduzida, este tema dos Bad Plus (n‹o esquecendo que a

vers‹o ÔoriginalÕ Ž puramente rock)  inicia-se com a bateria a

interpretar uma espŽcie de cadncia r’tmica que lembrando a

cadncia de caixa de rufo do terceiro andamento da obra

Sheherezade de Rimsky-Korsakov. Sobre este ritmo, o piano de

Iverson come•a a desenvolver um conjunto de progress›es

harm—nicas quase lembrando Chopin. Segue-se quase de imediato

uma sec•‹o com um ritmo pop bastante marcado, sobre o qual

Iverson faz um solo de piano quase jazz’stico, mas cheio de

estruturas musicais atonais.

 Na an‡lise acima utilizamos bastante a palavra ÔquaseÕ aquandoda referncia a semelhan•as, pois na realidade parece-nos que n‹o

chega a ser uma coisa ou outra; existindo uma dissolu•‹o dos

elementos mais caracter’sticos de cada estilo, privilegiando-se

ent‹o uma sombra ou res’duo. Deste modo, a cita•‹o direta a um

estilo diferente do de cerne numa determinada pe•a Third Stream,

 passa numa pe•a  Fourth Stream  a ser perfeitamente integrado e

fundido. Pensamos assim que Ž ent‹o a eficaz fus‹o de diferentes

estilos musicais numa obra, quer seja por recursos de composi•‹o

ou por interpreta•‹o, o cerne da Fourth Stream.

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Passemos ent‹o a uma an‡lise mais detalhada alguns exemplos da

obra para saxofone de Schnyder. Teremos como base excertos de

dois andamentos da suite  Zoom In composta em 2000 (Schnyder

2003). Os mœsicos nesta grava•‹o s‹o:  Daniel Schnyder -

saxofone soprano; Alejandro Rutkauskas - 1¼ violino; Melitta

Keller - 2¼ violino; Akiko Asegawa - viola; Daniel Pezzotti Ð

violoncelo; Jamey Haddad - percuss‹o.

Exemplo 1

Excerto do 4¼ andamento da Suite ÒZoom inÓ

 para saxofone soprano, quarteto de cordas e percuss‹o

Podemos encontrar no excerto acima trs carater’sticas de

execu•‹o constantes na obra de Schnyder:

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¥  O fraseado  Legato  conseguido atravŽs de subtis

articula•›es ÔduÕ e do constante ajuste no volume de ‡rea

obtido na cavidade bocal (boca e garganta) aquando da

mudan•a de nota superior para nota inferior.

¥  A utiliza•‹o frequente de  pitch bend (pequeno  glissando 

ascendente) conseguido na combina•‹o de for•as

aplicadas no l‡bio inferior com num ligeiro movimento de

l’ngua dentro da garganta e da boca, este tambŽm

ascendente que produz um efeito de redu•‹o de volume de

‡rea no interior da boca.

¥  Efeito de diminuendo sempre que o movimento da frase Ž

interrompido por uma pausa num tempo forte de

compasso.

Exemplo 2

Excerto do 1¼ Andamento da Suite ÒZoom InÓ

 para saxofone soprano, quarteto de cordas e percuss‹o

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Duas outras carater’sticas presentes na linguagem de Schnyder

consistem na inten•‹o constante de executar frases r‡pidas de

n’vel tŽcnico elevado com v‡rias  nuances  de acentua•‹o e de

articula•‹o (Exemplo 2):

¥  Uma nota Ž acentuada sempre que inverte o percurso do

sentido de dire•‹o da frase.

¥  Observa-se tambŽm a utiliza•‹o de articula•‹o diversa,

n‹o se aplicando regras nem ciclos de articula•‹o com a

exce•‹o das notas acentuadas que s‹o articuladas com

ÔtuÕ. 

¥  Em todas as outras notas encontramos uma utiliza•‹o

criativa de ÔtutÕ, e muitas vezes executado na parte lateral

da boquilha, conferindo ˆ frase um efeito pr—ximo de um

 Legato ligeiramente articulado.

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Exemplo 3

Excerto de Yellow Beach Birds

 para saxofone soprano, quarteto de cordas e percuss‹o

 No Exemplo 3 da pe•a Yellow Beach Birds composta em 1993 e

inclu’da na mesma grava•‹o dos exemplos anteriores, constatam-

se os seguintes recursos nas frases em que a op•‹o Ž

deliberadamente articular:

¥  Aquando da existncia de uma aproxima•‹o de uma nota

ritmicamente mais r‡pida a uma mais lenta, a utiliza•‹o

das s’labas ÔtuduÕ Ž uma constante.

¥   Na execu•‹o de uma frase, em que pelas carater’sticas da

sua escrita, se podem identificar dois n’veis de linhas

mel—dicas, recorre-se ˆ utiliza•‹o da oscila•‹o de ‡rea e

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volume da garganta havendo assim uma diferencia•‹o

atravŽs do timbre.

Conclus‹o

Carater’sticas hist—ricas e de ordem organol—gica fazem do

saxofone um dos instrumentos musicais que melhor reflete

idiossincrasias de gŽnero musical Ð em particular os gŽneros

Ôcl‡ssicoÕ e jazz. Por outro lado, a capacidade do saxofone de ser

manter ÔautnticoÕ em cada gŽnero faz dele um instrumento

 privilegiado para integrar outros e ÔnovosÕ gŽneros musicais.

Desta maneira, um estudo consciente da plasticidade tŽcnica e de

interpreta•‹o do saxofone ser‡ (dever‡ ser) tambŽm um estudo de

v‡rios gŽneros musicais Ð em que o pr—prio instrumento Ž o

catalisador dessa necessidade.

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A multiplica•‹o de estilos musicais nas œltimas seis/sete dŽcadas,

trouxe inevitavelmente muitas categoriza•›es h’bridas e que

ÔnavegamÕ na fronteira entre v‡rios gŽneros musicais. Aponta-se

o Fourth Stream como um principio de um ÔnovoÕ gŽnero musical

que tem no seu cerne uma fus‹o eficaz da mœsica de tradi•‹o

ocidental, com o jazz e mœsica de outras culturas. Podendo-se j‡

identificar mœsicos e compositores que representam este gŽnero,

caber‡ agora refletir sobre as quest›es de forma•‹o musical (da

teoria ˆ pr‡tica) que possam responder aos desafios futuros de

uma linguagem musical altamente inclusiva.

Bibliografia

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