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MARCO ANTONIO SCANDIUZZI SANTOS /SP 1ª Edição - 2018

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MARCO ANTONIO SCANDIUZZI

SANTOS /SP

1ª Edição - 2018

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“Temos de descobrir segurança dentro de nós próprios. Durante o curto espaço de tempo da nossa vida precisamos encontrar o nosso próprio critério de relações com a existência em que participamos tão transitoriamente”.

―Boris Pasternak

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Copyright©2018 by MARCO ANTONIO SCANDIUZZI

Capa: Enoque Ferreira Cardozo

Diagramação: Enoque Ferreira Cardozo (Trupe serviços editoriais Freelancer -

http://trupeservicoseditoriais.blogspot.com.br/)

Impresso pelo Autor – 2018.

Copyright "©" 2018. Todos os direitos reservados.

Proibida a reprodução parcial ou total, por qualquer meio. Lei Nº 9.610 de 19/02/1998 (Lei dos direitos autorais).

2018. Escrito e produzido no Brasil.

SCANDIUZZI, Marco Antonio. A SEGURANÇA PÚBLICA DE DENTRO PARA FORA – 1ª ed – Santos/SP. Edição do autor, 2018. 266 p.: il.

ISBN: 978-85-85214-12-8 1.Análise das carreiras policiais. 2.Análise do modelo investigativo. 3.Análise do ciclo completo de polícia. LIVRO BRASILEIRO. I Título

FORMATO: A5 148x210

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Dedico a todos os Policiais Federais, Rodoviários Federais, Ferroviários Federais, Civis, Militares, Guardas Municipais, Guardas Portuários e membros da segurança privada que deixam seu suor todos os dias visando uma sociedade mais justa e mais segura.

Não fossem as forças de segurança a sociedade brasileira estaria vivendo caos ainda maior.

***

Agradeço a Deus e toda a minha família. Agradeço ao amigo e colega de Polícia Federal

Marcelo Jardim Varela, Engenheiro de Produção pela UFRJ, pela força e pela revisão crítica.

Agradeço aos amigos, colegas policiais e a Federação Nacional dos Policiais Federais, citados na obra, por poder utilizar parte de suas escritas dando-lhes os merecidos créditos.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO .......................................................................... 09 INTRODUÇÃO ................................................................... 11 CAPÍTULO I/A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL ....... 18 1.1 MEIO EM QUE SE VIVE ......................................................... 29 1.2 TRIPÉ DA JUSTIÇA ................................................................... 34 CAPÍTULOII/CICLO COMPLETO DE POLÍCIA VERSUS CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA ......................................... 45 2.1 CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA .................................. 49 2.2 CICLO COMPLETO DE POLÍCIA........................................ 58 CAPÍTULO III/CARREIRA POLICIAL – COMPARATIVO ENTRE A POLÍCIA FEDERAL AMERICANA – FBI E A POLÍCIA FEDERAL BRASILEIRA – PF .................................... 68 3.1 A CARREIRA NA POLÍCIA FEDERAL DO BRASIL ...... 74 3.2 A CARREIRA POLICIAL NO FBI ...................................... 101 CAPÍTULO IV/A POLÍCIA FEDERAL DAS OPERAÇÕES VERSUS A POLÍCIA FEDERAL DO DIA A DIA................. 113 4.1. COMO FUNCIONA A POLÍCIA FEDERAL EM UMA OPERAÇÃO .................................................................................... 118 4.2. COMO FUNCIONA A POLÍCIA FEDERAL NAS APURAÇÕES DO DIA A DIA.................................................... 129 CAPÍTULO V/VISÃO TÉCNICA – AUXILIAR / SUBORDINADO OU COLABORADOR ................................ 142 5.1 – DADOS DA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS NA POLÍCIA FEDERAL EM 2007 .................................................... 146

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5.2 – PESQUISAS REALIZADAS PELA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ESCRIVÃES DE POLÍCIA FEDERAL NOS ANOS DE 2013 E 2015 .................................................................. 172 5.3. EVOLUÇÃO DA GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS NA POLÍCIA FEDERAL (TENDO COMO REFERÊNCIA O CARGO DE ESCRIVÃO DE POLÍCIA FEDERAL)............. 178 CAPÍTULO VI/AS ESTATÍSTICAS NA POLÍCIA FEDERAL EXALTAM A INEFICÁCIA ........................................................ 186 CAPÍTULO VII/ERRADO É O PORTUGUÊS? .................. 204 CAPÍTULO VIII/QUAIS POLICIAIS SÃO AUTORIDADES POLICIAIS? ...................................................................................... 226 CAPÍTULO IX/UMA PROPOSTA VIÁVEL PARA A POLÍCIA FEDERAL ..................................................................... 254 BIBLIOGRAFIA ................................................................ 262

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PREFÁCIO

São poucas as oportunidades na vida em que temos a oportunidade de desfrutar do conhecimento acumulado por um profissional ao longo de toda a sua trajetória de vida. Mais que plantar uma árvore, publicar um livro e ter um filho, fazer algo para tentar verdadeiramente mudar a vida das pessoas – para melhor - é quase indescritível.

Temos aqui neste livro um belo exemplo em que uma dessas oportunidades se soma de forma leve, e ao mesmo tempo consistente, à alegria de ver o resultado de um trabalho que amadureceu ao longo dos anos, em escritos embebidos de conhecimento sobre os processos internos e o trato humano na Polícia Federal.

A obra é resultado de longos debates e inúmeras análises compiladas a partir da observação atenta do autor acerca da falência do modelo de investigação no Brasil, da falta do Ciclo Completo de Polícia, da prevalência do Direito sobre as demais áreas de conhecimento e da necessidade de implementação urgente de portas únicas de entrada nas polícias brasileiras.

Finalmente um cidadão comum poderá entender o porquê de tão pífios resultados nas investigações brasileiras e a importância de termos policiais investigadores próximos a o que autor brilhantemente crava como o “calor do crime”.

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Ao nobre autor “Scan” o nosso reconhecimento da importância dessa obra e o desejo de que suas palavras adentrem os corações e mentes, exatamente como foi pensado no projeto inicial.

Um prazer fazer parte desse projeto. Um orgulho tê-lo como colega e amigo.

Luis Antônio Boudens

Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais.

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INTRODUÇÃO Ao longo dos anos as experiências foram se

acumulando. Com a vivência no meio policial, primeiro nos plantões da Polícia Civil de SP e depois nas diversas áreas de atuação da Polícia Federal, Brasil afora, também vieram à tona as frustrações. Experiência e frustrações. Binômio interessante para despertar o interesse por mudanças.

Quanto mais o tempo passava maior era o acúmulo de conhecimentos, maior a quantidade de estudos e maior a experiência de casos reais adquirida.

Quando aumentamos a bagagem cultural de um ser humano, mesclado a casos concretos de vivência, isso passa a dar a esse ser a possibilidade de discernir entre o certo e o errado, entre o melhor e o pior, entre o que dá certo e o que não dá certo. Cria-se uma massa crítica e as massas críticas são fatores de mudanças.

Na vida o binômio conhecimento e experiência é uma das regras do sucesso no meio organizacional. Há exceções contrárias, mas, como dito, são exceções. A regra é essa: associarmos um conhecimento científico-cultural a situações cotidianas vividas.

Um engenheiro sabe fazer os cálculos de uma edificação, mas se não “meter a mão na massa” dificilmente saberá fazê-la. Já o mestre de obras não tem a qualificação técnica e o conhecimento do Engenheiro,

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mas é igualmente capaz e importante ao que se destina, a execução da obra.

As obras e as edificações se elevam na medida em que o conhecimento científico se alia ao conhecimento prático. Esse é o resultado da regra real.

Então, em simples análise, se tivéssemos em uma só pessoa a junção do conhecimento científico e estudos (Engenheiro) ao conhecimento prático e experiência (Mestre de Obras) seria a solução ideal.

Engenheiro + Mestre de Obras = Profissional Completo

Dessa mistura teríamos como resultado o melhor aproveitamento do recurso humano, da mão de obra, cálculos exatos de materiais, economia no preço final da obra, segurança do empreendimento, índices mais baixos de acidentes e ao final de todo o processo um lucro garantido pelas melhores práticas.

Então, no meio empresarial, o objetivo final é o lucro e todas as variáveis apontam para que esse número final seja maior ou menor.

E na segurança pública qual seria o “lucro” a ser almejado?

A meu ver, o “lucro” das ações de segurança pública é em parte imaterial, não palpável e está relacionado com as sensações que os cidadãos de determinados locais sentem ou não.

Para que esse lucro possa ser alcançado um dos alicerces é o material humano das instituições policiais.

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Portanto, a fórmula perfeita para o elemento policial que trabalhara para obter esse lucro seria:

Estudo / Capacidade + Inteligência Emocional /

Habilidade / Atitude / Experiência = Policial Completo.

A presente obra não tem a intenção de ser a

palavra final nos assuntos abordados. Apenas traz à tona algumas particularidades e análises sobre a Segurança Pública que podem ter passado despercebidas ao longo dos tempos pelas pessoas que nela gravitam, sejam operadores do sistema (em qualquer nível) ou usuários finais desse mesmo sistema (na verdade somos todos nós).

Com certeza vozes contrárias aos pensamentos aqui expostos se levantarão, mas, de igual forma, eu levanto minha voz e transcrevo meus pensamentos por ser contrário ao que eles defendem como certo.

Em nenhum momento durante os trabalhos de criação e realização do projeto foquei em pessoas, cargos ou mesmo entidades. As análises aqui produzidas são em cima de modelos adotados, suas concepções, como se mantém e ao que se destinam.

Em minha vida familiar, funcional, acadêmica e nas demais áreas sempre levei comigo um ensinamento que tomei para mim desde cedo: “Conhecer para decidir”.

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Com base nesse ensinamento entendo que, compartilhar os conhecimentos adquiridos, sejam eles decorrentes de estudos anteriores, de experiências vividas, de projetos desenvolvidos ou até mesmo de fracassos não superados dá ao outro a chance de agregar novos conhecimentos e com isso decidir com melhor grau de êxito.

Então, a finalidade desta obra é transferir as minhas experiências, as minhas horas de estudos e os meus erros e acertos para os leitores, compartilhando as minhas ideias, ilustradas com exemplos práticos e aumentando, assim, os conhecimentos alheios para que possam tomar suas decisões da melhor forma.

Por anos nosso país investiu na falta de cultura como elemento de manutenção política. Um povo sem cultura é um povo sem poder de mudanças.

Então, compartilhar conhecimentos e compartilhar exemplos é a minha forma de ajudar a mudar o Brasil.

Nosso país será salvo pela educação, pelo conhecimento, pela ciência, pela crítica construtiva, pelos idealistas, pelas pessoas que enxergam no outro um semelhante e não mais um concorrente. Não há outro caminho.

Para entendermos a estrutura desta obra tenho que explicar algumas coisas e alguns elementos da minha vida e em especial das minhas atividades profissionais.

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Nasci em uma família humilde e nada me faltou. Aos pés do Morro São Bento, em Santos-SP, no bairro do Jabaquara, onde cresci vendo dois lados da vida.

Minha família estruturada, sendo meu exemplo e a rua como exemplo de vida.

Amigos meus de infância se perderam e outros seguiram bons caminhos. A antítese da vida de um ser normal. Trabalhei desde os 18 anos e por isso me aposentei aos 49, após 30 anos trabalhados.

Estudei desde cedo, paguei minha faculdade, continuei estudando. Prestei concursos, entrei, saí, entrei em outro, participei de movimentos grevistas, sofri ameaças de punições, tive desconto de salário, errei, acertei, errei mais ainda e persisti. Um sujeito normal.

Passei 25 anos da minha existência trabalhando diretamente com a Segurança Pública em um dos seus módulos, o Policial, e ali acumulei inúmeras experiências. Estudei Administração, estudei Gestão, atuei como Professor em Cursos de Formação de Policiais, recebi críticas, me reciclei através delas, recebi prêmios, me reciclei através deles, fui Professor em Curso de Pós-Graduação, montei disciplinas, gerenciei grupos de policiais professores, fui gerenciado por outros profissionais. Comandei e fui comandado. Planejei e executei. Cumpri planejamentos de outros e aprendi com eles.

Combati o combate de campo. Fui à Selva no combate ao narcotráfico e fui à selva de pedra no

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combate diário ao crime. Fiz cursos operacionais. Planejei ações operacionais e executei ações operacionais planejadas por outros colegas. Trabalhei (e muito) dentro do modelo burocrático, produzi papéis e mais papéis que sabia serem inúteis, mas tinham que ser produzidos pois alimentavam um sistema.

O pacote deste livro tenta trazer o conhecimento dos estudos, da sala de aula, das horas entendendo as coisas, aliado à aplicação real no dia-a-dia. A aplicabilidade do que se escuta e se aprende em sala de aula. Espero que ao término desta obra tenha contribuído na transmissão do conhecimento.

Há algum tempo, nesse mesmo sentido, tenho me dedicado a gravar aulas e palestras no Facebook. Cada capítulo deste livro tem um vídeo correspondente, gravado de maneira caseira e artesanal, sem patrocínio e sem inclinações políticas.

A minha motivação para escrever vem da lembrança de cada uma das pessoas que um dia entrou em uma das Delegacias onde eu trabalhei. Cada uma das vítimas que fez um registro de ocorrência, o chamado Boletim de Ocorrência, e recebeu uma folha com diversos carimbos: “à investigação”, “urgente”, “prioridade”. Cada uma das vítimas que ouviu que seria instaurado um Inquérito Policial e que nunca tiveram retorno sobre seus casos. Todas essas que procuraram o Estado brasileiro em busca de ver solucionado um problema e nunca tiveram uma resposta.

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Ontem foram elas, amanhã poderá ser você, caro leitor.

No fundo, a minha esperança é que você passe a entender o funcionamento do sistema, aumente seus conhecimentos, tire suas próprias conclusões e ao final, se torne um instrumento de pressão pelo aperfeiçoamento do nosso modelo de segurança pública.

Grande abraço e vamos em frente.

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CAPÍTULO I

A SEGURANÇA

PÚBLICA NO BRASIL1

“Os problemas relacionados com o aumento das taxas de criminalidade, o aumento da sensação de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos, a degradação do espaço público, as dificuldades relacionadas à reforma das instituições da administração da justiça criminal, a violência policial, a ineficiência preventiva de nossas instituições, a superpopulação nos presídios, rebeliões, fugas, degradação das condições de internação de jovens em conflito com a lei, corrupção, aumento dos custos operacionais do sistema, problema relacionados à eficiência da investigação criminal e das perícias policiais e morosidade judicial, entre tantos outros, representam desafios para o sucesso do processo de consolidação política da democracia no Brasil. A amplitude dos temas e problemas afetos à segurança pública alerta para a necessidade de qualificação do debate sobre segurança e para a incorporação de novos atores, cenários e paradigmas às políticas públicas. O problema da segurança, portanto, não pode mais estar apenas adstrito ao repertório tradicional do direito e das instituições da justiça, particularmente, da justiça criminal, presídios e polícia. Evidentemente, as soluções devem passar pelo fortalecimento da capacidade do Estado em gerir a

1https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos

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violência, pela retomada da capacidade gerencial no âmbito das políticas públicas de segurança, mas também devem passar pelo alongamento dos pontos de contato das instituições públicas com a sociedade civil e com a produção acadêmica mais relevante à área. Em síntese, os novos gestores da segurança pública (não apenas policiais, promotores, juízes e burocratas da administração pública) devem enfrentar estes desafios além de fazer com que o amplo debate nacional sobre o tema transforme-se em real controle sobre as políticas de segurança pública e, mais ainda, estimule a parceria entre órgãos do poder público e sociedade civil na luta por segurança e qualidade de vida dos cidadãos brasileiros”. (http://www.observatoriodeseguranca.org/seguranca dia 12/10/2016 às 14h07min).

Conforme se depreende da leitura do texto acima, extraído do site observatório de segurança, o entendimento e as soluções de um tema tão complexo como a Segurança Pública e tudo o que ela engloba passa pela compreensão dos diversos fatores que a compõem e que nela interferem diariamente. Questões culturais, questões sociais, questões financeiras e questões de caráter são apenas algumas das formas de influência nos resultados positivos e negativos cujo usuário final é toda a sociedade.

Culturalmente, por fatores que tentaremos entender durante a desenvolvimento desta obra, os resultados da Segurança Pública sempre estiveram relacionados ao desempenho tido como bom ou ruim

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das nossas polícias, da justiça e do sistema prisional, sem levarmos em conta todas as outras variáveis que neles incidem.

Para entendermos nosso atual sistema de Segurança Pública temos que mergulhar na história do nosso país, especialmente no período de 1964 a 1985, o chamado regime militar ou Ditadura Militar para alguns.

Nesse período a concepção de Segurança Pública estava atrelada à Segurança Nacional, pois o Estado entendia que as ameaças eram maiores que os direitos e com base nesse princípio macro, suprimiam-se os direitos individuais.

A responsabilidade era do governo central que para manutenção do sistema e dos ânimos e insatisfações de eventuais opositores anuía com a violência policial, métodos brutais de interrogatórios e meios de obtenção de provas de delitos.

Segundo José Murilo de Carvalho, na Primeira República, os prisioneiros das revoltas Federalistas tiveram suas cabeças decapitadas; Canudos foi destruída e os que se negavam a dar vivas à República foram degolados; os rebeldes do Rio de Janeiro e Santa Catarina, durante a revolta da Armada foram fuzilados; aos soldados indomáveis aplicou-se surra de espada; aos marinheiros revoltosos chibatadas e outros asfixiados na solitária. No Estado Novo, instituiu-se a figura socialmente conhecida como preso político, ao qual se destinou a Delegacia de Ordem Política e Social, o

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famoso DOPS, onde presos eram torturados, espancados, queimados com cigarros, alfinetados nas unhas, sendo-lhes retirados pedaços de carne com maçarico e até assassinados. Na ditadura militar, a violência policial usada em nome da segurança do Estado utilizou prisões ilegais, sequestros, bofetão, espancamento, “pau-de-arara”, “telefone”, surra de toalha molhada, asfixia mecânica, choque elétrico, estupro, cassetete no ânus e na vagina, assassinatos, desaparecimentos, além de outras formas usadas pelos profissionais da Segurança Pública, a serviço do Estado forte/violento (CARVALHO, 1998, p. 327 - 328).

Somente após o ano de 1985, com as eleições indiretas que instituíram o primeiro governo civil do Brasil é que as ideias começaram a mudar.

Em 1988 foi montada a Assembleia Nacional Constituinte cuja carta foi promulgada tendo o seguinte texto:

...Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

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Segurança Pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos. A emblemática frase cravada na Constituição trazia para o Estado Brasileiro a garantia do cidadão e a responsabilidade do mesmo pela Segurança Pública cujo exercício implicava na preservação da ordem, incolumidade das pessoas e do patrimônio. O QUE ISSO PASSOU A SIGNIFICAR? Em primeiro plano, que a sociedade passava a ter responsabilidade sobre a questão da Segurança Pública e, além disso, que os cidadãos passavam a ser possuidores de direitos e garantias individuais outrora suprimidas pela ação do Estado que guerreava os subversivos da pátria.

Após 1988 os pensamentos foram evoluindo e as instituições foram ganhando novos ares.

Ocorre que, mesmo em novos tempos, há resquícios enraizados de tudo o que se passou nesta terra e, acredito, ainda levaremos algumas gerações para desenterrá-los definitivamente.

Eu ingressei na Polícia Civil do Estado de São Paulo ocupando o cargo de Escrivão de Polícia em 1991. Fui designado para trabalhar no plantão policial da Delegacia de Polícia de Cubatão, pequena cidade distante uns 20 Km de Santos/SP e aos pés da Serra do Mar, passagem obrigatória de quem vem da capital São Paulo para as cidades do litoral paulista.

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A constituição era de 1988 e mudava a forma de pensar a Segurança Pública. Eu entrei em 1991, exatos três anos após.

Logo nos primeiros dias e durante os primeiros plantões me deparei com a dura realidade e descobri que a “Pulissa” é bem diferente da Polícia, ainda mais naqueles tempos.

O modo de falar, se vestir, os gestos, todos são próprios ou eram, à época, melhor dizendo.

Lembro de uma breve história que vou lhes contar para ilustrar o choque vivido pelos policiais naqueles tempos, onde as práticas eram pré e as leis e exigências pós Constituição de 88.

Ano 1991. Ingressei um mês antes do Carnaval. Festa de Momo, samba, álcool e um monte de gente junta tem um resultado previsível: chama a PM na hora da confusão.

Já era por volta de 2h da madrugada quando diversas viaturas da PM chegaram trazendo uns 20 fantasiados. Tinha Batman, Marinheiro, Fred e Vilma, uns de sunga, mulher de biquíni e salto alto. O cheiro de álcool imperava no recinto.

Um único bêbado já é um alvoroço. Imaginem 20 deles juntos.

No plantão policial, além deste que vos narra, havia um Delegado que estava em diligências (esse Delegado estava sempre em diligências externas e só fui descobrir isso alguns plantões depois, quando a esposa

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número 1 teve um encontro com a esposa número 2). Outro componente do plantão era o carcereiro que cuidava da cadeia anexa a Delegacia e o último integrante era o “seu Manoel” (nome fictício para não identificar o pulissa), um Investigador em fim de carreira.

Seu Manoel tomou a frente da ocorrência e logo determinou:

_Homem de um lado e mulher do outro. A

bichona de fio dental pode ficar junto com as meninas. Na delegacia havia duas pequenas celas, chamadas

de corrós, que serviam para manter os presos em flagrante até seu encaminhamento para a Cadeia nos fundos da instalação.

Separados homens e mulheres mais a bichona (conforme seu Manoel) formou-se uma fila indiana na direção dos dois corrós (xadrez, cela, salinha de reflexão, como queiram).

Antes, porém, uma explicação: seu Manoel também estava alcoolizado. Isso mesmo. O alcoolismo é frequente no meio policial e mereceria uma abordagem mais específica pela gestão das polícias, em geral.

Voltando a narrativa, homens entrando na primeira cela e mulheres mais a “bichona” na segunda, uns 5 metros adiante.

As celas eram pequenas, algo como 2x3 metros, e todos os alcoolizados teriam que ficar em pé.

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Seu Manoel, após instalar os foliões nos corrós, foi até a mangueira de lavar o pátio e deu à primeira “molhada” na galera.

A segunda molhada da noite foi uns 40 minutos depois quando começavam a secar.

Por volta das 7h30min (o plantão terminaria as 8h) o Delegado não havia retornado da diligência externa e eu, como Escrivão, já havia feito mais uns 7 ou 8 Boletins de Ocorrência sozinho. Nem lembrava mais que os foliões estavam nos corrós aos cuidados do seu Manoel.

Naqueles tempos os plantões eram de 12h por 36h em escala extraordinária por causa do carnaval. Em resumo, uma noite sim e a outra não.

Terminou o plantão, chegou à outra equipe, o Delegado não apareceu e não vi mais seu Manoel. Peguei minhas coisas, passei para o colega Escrivão que me rendia e fui para casa.

Folga tranquila, nem lembro o que fiz. No plantão seguinte, que se iniciava às 20h

cheguei cedo. Antes das 19h já estava lá. Ia de moto e para fugir do trânsito resolvi ir mais cedo, assim já liberava o colega.

Quando cheguei o Escrivão que saia me passou o recado:

_Tem um pessoal no corró que acho que é do Seu

Manoel.

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_Aããããã? Pessoal no corró é do seu Manoel? Fui até lá e vi que ainda estavam o Fred, a Vilma,

o Marinheiro, o Batman, as mulheres e a Bichona (segundo Manoel). A única diferença é que a Bichona estava agora na cela masculina.

Batman reclamava de dores nas costas e o vergão avermelhado apontava algum tipo de “queda” que tivera sofrido na cela.

Seu Manoel chegou um pouco depois e nem se lembrava direito.

Abriu a porta e mandou o povo embora. Cada um que saia da cela levava o famoso “pé na bunda” e era empurrado porta da Delegacia afora.

Cena bonita. Por volta de 8h da noite os fantasiados, cabisbaixos andando pelas ruas do centro da cidade e retornando às suas casas.

Os foliões ficaram quase dois dias “presos” no corró.

Nos dias de hoje nós, os policiais é que estaríamos todos presos, o seu Manoel, eu, o Delegado e até o carcereiro.

Contei essa história para fechar o contexto do antes e pós constituição de 1988. Antes a polícia e os “pulissas” podiam, hoje não podem mais.

Acontece que as instituições policiais descritas no artigo 144 da Carta Magna daquele ano foram todas instituídas e fundamentadas nos princípios vigentes antes

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da promulgação e, por consequência, sofreram na sua gênese, as influências da época.

As polícias militares, foram criadas como forças auxiliares do Exército, que tinha como objetivo combater o inimigo subversivo.

As polícias civis estaduais foram criadas sob o manto imperial e cujo modelo seguia ritos cartoriais, vaidosos e burocráticos.

A própria polícia federal, em sua criação, era um Departamento Federal de Segurança Pública e sua atuação política era cristalina.

Sob esse prisma montou-se a estrutura dos organismos de segurança pública em nosso país antes da Constituição Federal de 1988, sem que essa estrutura policial tivesse sido atualizada para o período que se apresentava depois das mudanças de um Estado que combatia o inimigo subversivo para um Estado garantidor de direitos.

Instituições concebidas dentro de uma ótica, com diretrizes e pessoal formatados para o combate ao inimigo subversivo as quais foram incumbidas de exercer, sob o mando do dever, a Segurança Pública em nosso país. E o pior, com uma constituição que trazia para as pessoas algo que não existia antes dela: direitos individuais.

Está aí o primeiro grande gargalo de nosso modelo de Segurança Pública.

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As instituições e seus efetivos completos viveram essa transição sem que fossem preparados, ao mínimo, para tal. O exemplo clássico foi Seu Manoel e como ele muitos outros, em todos os níveis.

Por muitos e muitos anos o tema Segurança Pública foi entendido como a atuação dos organismos policiais e sua interferência na sociedade. Somente as Polícias eram responsáveis e tinham que dar as respostas às demandas dos cidadãos conforme eram demandados.

Atualmente, entendo que o assunto é muito mais abrangente e concordo com as correntes modernas que tratam do tema como um conjunto de fatores para um fim específico.

Desassociar fatores sociais, prisionais, sensação de impunidade, precariedades na área do judiciário, falta de alimentos, moradias, corrupção em todos os níveis e inúmeros outros elementos que contribuem para o resultado final, que entendemos como a boa Segurança Pública, é fechar os olhos para as realidades que batem à nossa porta todos os dias.

Já li e ouvi vários estudiosos no assunto e abordo o tema sob a minha ótica.

Entendo que a Segurança Pública é algo imaterial, não palpável, mas que pode ser sentida e pode ser vivida por todos nós. É sentimento que todos nós temos e, portanto, como responsáveis (artigo 144 da CF) por ela devemos contribuir para que essa sensação seja boa a todos.

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Quando vemos uma notícia nos jornais ou na TV dando conta da impunidade que reina em nosso país e nos indignamos, muitas vezes acabamos por esquecer que essa impunidade é resultado de uma série de fatores os quais muitas vezes ignoramos ou mesmo desconhecemos.

Conhecer para decidir, decidir para mudar. Vamos começar a tentar conhecer o mecanismo

de nosso modelo de segurança pública. 1.1 MEIO EM QUE SE VIVE

A sociedade brasileira está organizada sob a forma de uma república democrática, cujos governantes são eleitos pelo voto popular, daí decorrendo a célebre frase “todo poder emana do povo”. O QUE ISSO QUER DIZER? A meu ver que a vontade popular deveria ser soberana e esse mesmo povo, através de seus eleitos, de seus servidores e de toda a organização do Estado, teria direitos individuais e coletivos, além das obrigações inerentes a quaisquer pessoas que vivem em sociedade.

A partir desse conceito democrático começamos a formatar o primeiro grande grupo afeto a questão da segurança pública como um todo.

O grupo que denomino: Meio em que se vive.

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QUEM FAZ PARTE DESSE GRUPO? Todos nós – fácil resposta.

Então, médicos, bombeiros, donas de casa, juízes, árbitros de futebol, policiais, vendedores, compradores, usuários, todos, todos mesmo, que residem e se relacionam com nosso país.

É nesse meio que as coisas acontecem ou não. Que as pessoas comercializam, procuram hospitais, sofrem crimes, fazem suas festas, interagem, entram em conflitos, enfim, vivem o seu dia a dia.

Se tudo acontece nesse meio, para delimitarmos nosso pensamento no assunto deste livro, devemos dizer que as ações preventivas e impeditivas de crimes se passam aqui, assim como as ações investigativas que visam elucidar esses mesmos crimes que não foram impedidos de acontecerem.

As forças policiais relacionadas no artigo 144 da Constituição Federal e que exercem essa obrigação do Estado Brasileiro estão nesse meio.

Mais adiante falaremos detalhadamente sobre a estrutura das polícias no Brasil.

Por enquanto ficamos com a informação de que as Polícias Militares nos estados exercem a prevenção aos crimes e as Polícias Civis, também estaduais, exercem as investigações dos crimes cometidos.

A Polícia Rodoviária Federal, apesar de fardada, é de natureza civil e não militar, estruturada em carreira e tem como objetivo o controle das estradas federais.

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Já a Polícia Ferroviária Federal, quase em extinção, de natureza civil, tem como objetivo o controle das ferrovias federais.

Finalmente a Polícia Federal, que foi criada sob a figura de carreira única em sua concepção original foi idealizada como uma polícia de ciclo completo, que também abordaremos detalhadamente adiante, exerce função preventiva (impedir crimes) e investigativa (elucidar crimes).

Nesse ambiente em que convivem pessoas, instituições, ideias e ideais convergentes e divergentes, boas e más práticas, o bem e o mal, ainda que as instituições que exercem o dever de proteger tentem, elas nunca conseguirão o êxito em 100% de suas ações.

E assim os crimes acontecem. Acontecendo um crime o Estado volta suas

instituições investigativas (Polícia Civil nos crimes estaduais e Polícia Federal nos crimes federais e demais contidos na legislação) para elucidação dos mesmos.

Assim segue o ciclo coletivo de tentar conviver em equilíbrio (na área da saúde chamam de homeostase), tentar evitar desvios no convívio (crime) e tentar elucidar as circunstâncias desse desvio, apurando-se quem o fez, quais os motivos e seus resultados (investigação).

Naturalmente que aspectos sociais, políticos, culturais, étnicos e outros interferem nesses processos, mas nesse meio em que se vive, a busca do equilíbrio é o almejado em termos de sensação de segurança pública ou

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sensação de insegurança pública. Não conseguimos comprar 1 Kg ou 1 litro de Segurança Pública mas conseguimos sentir que um local ou uma região é mais ou menos segura.

Existe uma balança que pesa ininterruptamente essa relação entre quantidade, tipos e gravidades dos crimes com a capacidade estatal de solucioná-los levando seus autores para que respondam pelos atos cometidos. Quando a balança pende para o lado dos crimes a sensação de insegurança aumenta e quando a balança pende para o lado da minimização destes ou da punição a seus autores a sensação será de aumento da segurança.

Um exemplo prático está em nosso bairro, exatamente onde moramos.

Se você vai todos os dias à Padaria e recebe a informação de que toda semana há um roubo naquele local e os autores nunca foram presos, naturalmente você se sentirá inseguro em ir àquele local nas próximas vezes (mais crimes, menos sensação de segurança).

Por outro lado, se você tem conhecimento de que naquela mesma Padaria os Policiais Militares fazem rondas diárias e um único caso de roubo foi prontamente desvendado e os autores presos, a sua sensação de segurança irá aumentar proporcionalmente, levando a balança a pender para o lado de melhor funcionamento da segurança pública como um todo.

A sensação de segurança é boa, e a sensação de insegurança é ruim.

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Em uma sociedade ideal, com equilíbrio social, de formação, estudo, financeiro e estruturada, a segurança pública tende a ser encarada dentro de um conjunto de fatores que levam a um resultado final. Ou seja, a segurança pública é somente um dos componentes do bem-estar do cidadão em relação ao bem-estar geral de um povo, o equilíbrio, a homeostase.

O Brasil tem uma sociedade estruturada? As instituições funcionam de forma satisfatória? O cidadão brasileiro é provido de suas condições básicas, de seus direitos?

É claro que não. E por diversos fatores, muitos de conhecimento público, outros não, mas é visível os enormes problemas estruturais que nosso país vive, problemas esses que influenciam diretamente nesse desequilíbrio do bem-estar do povo. Tudo isso influencia para que o “pacote” sensação de segurança penda para o lado contrário ao desejado.

Instituições em colapso, povo com problemas sociais, fisiológicos, estruturais, educacionais e morais resultam no aumento da quantidade de crimes. Com o aumento dos crimes há aumento da sensação de insegurança. Com o aumento da sensação de insegurança há reclamos da população que se sente ameaçada. Com os reclamos da população há uma mobilização policial para resolução dos crimes e diminuição dos mesmos.

Tudo isso se passa no “meio em que se vive”. Se existem os conflitos, esses conflitos são tipificados como

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crimes, e há atuação policial nesses crimes (tentando evitar - PM e PF, ou tentando elucidar - PC e PF): estão configurados os conflitos típicos de interferências do Estado. As decisões dessa interferência, ocorrem no meio jurídico, que eu chamo de “tripé da justiça” como veremos adiante. 1.2 TRIPÉ DA JUSTIÇA

A constituição de 1988 expressa de forma clara e transparente o princípio da Legalidade, implícito no art. 5º, inciso II, CF que esclarece “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, indo no sentido do disposto também no art. 5º, inciso XXXIX, CF que diz “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Em resumo, bem resumido, se não estiver previsto em lei você não é obrigado a fazer. Se fizer algo, este algo só será considerado crime se tiver definição anterior ao fato.

Então, no contexto dessa coisa chamada Segurança Pública, as pessoas se submetem às leis, às quais regulam a vida em sociedade. Quando há quebra dessa harmonia prevista nas leis acontece à necessidade de intervenção do Estado, através de suas instituições.

Surge aí o que chamo de “Tripé da Justiça”. Ele é composto de três partes básicas e vou trazer para uma linguagem bem básica, pois esta obra não se destina a ser

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um tratado com verborragia jurídica e sim um trabalho de entendimento que facilite as discussões e a transmissão de conhecimentos.

Advogado na função de Defensor, Ministério Público na função de Atacante e Magistrados na função de Julgadores e Aplicadores de Medidas.

Vamos criar aqui um exemplo prático de crime e usá-lo para as explicações em todos os capítulos deste livro. O exemplo é simples: Temos uma casa em uma rua comum. Nesta Casa reside um Vigia Noturno chamado Joaquim. Ele trabalha das 20h às 8h em 6 dias da semana. Um dia, logo após sair para trabalhar, duas pessoas (identificadas como Carlos e André) arrombaram a janela

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da casa de Joaquim e subtraíram uma TV de 20 polegadas.

Crime comum, pessoas comuns, fato que acontece diariamente em todas as regiões do país.

Vejam que uma regra de equilíbrio foi rompida. Esse rompimento gerou ação policial no sentido de desvendar o crime. Desvendado o crime há necessidade de se julgar essa conduta de forma justa para que a sociedade se coloque novamente no equilíbrio desejado, aumentando a sensação de segurança pública.

Mas para que esse fato possa ser julgado e impostas medidas previstas em lei alguém tem que dizer que tipo de violação foi cometida, quais as provas que existem e foram colhidas e qual a punição entendida cabível para o caso. Isso chamamos de Denúncia (ou acusação ou ataque) e é promovida pelo Ministério Público.

Epa, lembram da constituição e que ela fala em Direitos Individuais? Se há acusação tem que haver uma defesa do mesmo tamanho, com a mesma força, mesma intensidade, mesmo espaço, mesmo tudo. Aí entra a figura do Advogado de Defesa (que pode ser contratado ou indicado pelo próprio Estado). Ninguém que é acusado pode ser impedido de se defender.

Se temos um ataque (MP) e uma defesa (Advogado) temos que ter um ente julgador. Aí entra a figura do Magistrado, representante do Estado, que irá julgar, com base na lei, o caso examinado, determinando

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medidas que visem devolver à sociedade o equilíbrio perdido quando do cometimento do ato delituoso.

O tripé da justiça ou mundo jurídico é ferramenta essencial à preservação desse equilíbrio que influencia diretamente nessa coisa imaterial, inodora, impalpável que chamamos segurança pública.

Sem o mundo jurídico, sem a paridade de forças entre Advogados e Ministério Público dentro dos autos do Processo legal, sem a imparcialidade dos Magistrados não há que se falar em restabelecimento do equilíbrio na sociedade. 1.3 MEDIDAS

Seguindo a sequência lógica de que as coisas acontecem no “meio em que se vive”, são equilibradas através da paridade de forças entre defesa (Advogados) e ataque (MP) com julgamento imparcial de Magistrados formando o “tripé da Justiça ou Mundo Jurídico” resta à efetivação dessa decisão judicial que se dá através do que passo a chamar de “Medidas”.

As medidas nada mais são que as ações demandadas pelas decisões dos Magistrados nos autos dos processos.

Vamos ao nosso caso prático. O furto da TV da casa de Joaquim, onde foram identificados Carlos e André, como autores.

A Polícia, que não pertence ao meio jurídico, empenhou-se na elucidação do crime.

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Levados, os autores e as provas colhidas, para o MP este providenciou a análise jurídica e ofereceu a denúncia (relacionou o fato à norma escrita prevista - o tipo penal). Os Advogados de Defesa procederam com o

mesmo espaço no Processo, em paridade de forças com o MP.

Ao final dessa fase processual de ataque e defesa cabe ao Magistrado julgar e definir as medidas de reequilíbrio necessárias ao caso.

Há, basicamente e de forma simplista, dois caminhos a serem seguidos, o da Condenação a algum tipo de pena ou a Absolvição, com reingresso ao “meio em que se vive”.

Se o Magistrado optar pela Absolvição os acusados retornam imediatamente para o “meio em que se vive”, se reintegram à sociedade e passam a viver normalmente. Nada ficam a dever e, em tese, obtém-se o equilíbrio tão almejado que resulta no aumento da sensação de segurança pública.

Mas e se o Magistrado absolveu os acusados porque o trabalho de colheita de provas foi mal realizado? E se o Juiz absolveu os acusados porque o trabalho de acusação foi mal feito? E se as pessoas do bairro onde mora o vigilante Joaquim sabem que Carlos e André realmente são praticantes de delitos e foram absolvidos dentro de um processo legal?

Como ficaria a sensação de Segurança Pública? Certamente a balança pesaria para o lado da sensação de

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insegurança pública. As pessoas do bairro veriam aumentadas suas decepções com relação ao sistema.

Daí surge um dos principais dilemas do nosso sistema de Segurança Pública: a capacidade do Estado de investigar os crimes cometidos e fornecer ao MP material suficiente para boas denúncias e subsídios aos Magistrados para boas decisões.

Iremos discutir a fundo os mecanismos investigativos nos capítulos futuros.

Além das absolvições, em via simples de análise, os magistrados podem decidir pelas Condenações fundamentadas nas provas colhidas. Essas condenações podem gravitar desde prestações de serviços a privações de liberdade através de cumprimentos de penas em estabelecimentos prisionais.

Voltando ao nosso exemplo do furto da TV da casa de Joaquim. Vejamos o que diz o artigo 155 do Código Penal:

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

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Então, suponhamos que o Magistrado fixou a

pena como privativa de liberdade, seguirão os condenados para o Sistema Prisional para cumprimento da mesma, ressocialização e retorno ao convívio no “meio em que se vive”.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. Furto qualificado § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. § 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996).

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Começa aí um outro dilema que influencia diretamente nesse nosso grande sistema. Um condenado que é enviado ao Sistema Prisional para cumprimento de pena pode ser ressocializado? Ao cumprir as medidas que lhes foram impostas os condenados conseguirão reinserção na sociedade? O sistema prisional funciona ao que se destina?

As respostas a esses questionamentos ficarão em aberto, pois não me considero apto a respondê-las em virtude do desconhecimento do trabalho desenvolvido no sistema prisional. Minha experiência se restringe a entrega de presos ao sistema e não ao trabalho que é desenvolvido com esse reeducando dentro dele.

Feitas as explicações iniciais sobre o funcionamento desse grande sistema integrado acredito

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que possamos formar um entendimento que serve como premissa para desenvolvermos nossos futuros raciocínios.

Há um meio comum onde todos vivemos, onde as coisas acontecem, onde estão presentes as regras de convivência, onde estão as forças do Estado que ajudam a manter um equilíbrio que permita que as pessoas tenham maior sensação de segurança pública.

Quando os comportamentos se alteram e violam regras pré-definidas há necessidade de intervenção das instituições.

Se esses comportamentos se constituem em crimes são apurados pelas Polícias no sentido de se identificar quem fez, o que fez e qual a materialidade. Atendida a investigação policial entra em cena o meio jurídico, conhecido com Tripé da Justiça, onde advogados e MP (em igualdade) defendem e atacam, cabendo aos magistrados o julgamento. Do Julgamento são aplicadas medidas. As medidas têm como objetivo final o restabelecimento do equilíbrio dessa mesma sociedade e o retorno de todos ao meio comum de convivência.

Nesse ciclo geral destaca-se o papel das Polícias, sejam preventivas, repressivas ou investigativas. O equilíbrio não se mantem somente pela atitude das pessoas, infelizmente. Particularmente, gostaria que as coisas transcorressem sem a intervenção do estado, mas isso não ocorre. As polícias existem e continuarão a

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existir, pois, ao contrário do que muitos apregoam, são responsáveis pela resolução de grande parte dos conflitos, evitando que os mesmos terminem em demandas nos tribunais.

Vamos analisar os organismos policiais sob diversos aspectos, ingressando pelo Ciclo completo de Polícia e o Ciclo incompleto de Polícia, passando pelos modelos de Carreira dos Policiais, comparando com outros modelos, trazendo dados e fórmulas de medição de produtividade das polícias investigativas brasileiras.

Relembro que são os meus pontos de vista sobre os assuntos tratados e extraídos do binômio estudo/prática.

Antes de começar a discorrer sobre os assuntos nos capítulos seguintes vou deixar aos leitores uma pergunta no ar e garanto que os policiais “de campo” têm a resposta na ponta da língua: VOCÊ É POLICIAL E FOI DESIGNADO PARA UMA INCURSÃO NUMA ÁREA CONSIDERADA DE ALTO RISCO. QUEM VOCÊ ESCOLHE PARA LHE ACOMPANHAR:

( ). O Comandante Geral da PM que possui 20 cursos em diversos países do mundo acompanhado do Delegado Geral da Polícia Civil com mais de 30 cursos em diversas áreas;

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( ). O Cabo Jonas e o Sargento Fidélis da PM local que trabalham na região há 10 anos e fazem incursões diárias na área.

Partimos daí

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CAPÍTULOII

CICLO COMPLETO DE POLÍCIA VERSUS CICLO INCOMPLETO

DE POLÍCIA2

Neste capítulo abordaremos dois modelos estruturais para lidarmos com os crimes, sejam antes que aconteçam ou depois de acontecerem. Dentro dessas estruturas que encontramos no “meio em que se vive”, abordado no tópico anterior, podemos visualizar formas distintas de se lidar com o mesmo assunto.

Quando abordamos o mesmo assunto de formas distintas podemos chegar ao mesmo resultado ou a resultados bem diversos. No presente caso os resultados finais, nos locais onde são utilizados os modelos, são diametralmente opostos, ou seja, em se tratando de crimes um modelo responde muito melhor que o outro.

Antes de entrarmos diretamente no assunto é necessário conceituarmos crime e investigação. Segundo o Wikipédia, “crime é uma violação da lei penal incriminadora. No conceito material, crime é uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, 2 https://www.youtube.com/watch?v=knXnvHk84Q4 2.1 https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos

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ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico individual ou coletivo”

De acordo com as definições apresentadas pelo Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora acerca da palavra “investigar” (do latim investigare), este verbo refere-se à ação de seguir os vestígios de algo ou alguém. Também faz referência à realização de atividades intelectuais e experimentais de modo sistemático (pesquisar), com o objetivo de ampliar os conhecimentos sobre uma determinada matéria.

Num entendimento mais simples, o crime é o ato ilícito, previsto em lei e a investigação é o conjunto de ações realizadas para se elucidar as circunstâncias daquele ato.

Durante minha vida profissional tive a oportunidade de agregar conhecimentos em diversas áreas. Em uma das oportunidades participei de um curso promovido pela embaixada americana no Brasil e que foi ministrado por Agentes da CIA e do FBI. O assunto principal era o local dos crimes.

Há uma expressão no meio policial de que “o local do crime fala”. Na verdade, muitas vezes o local do crime berra e por isso essas instituições policiais americanas valorizem tanto as análises desses locais.

Como exemplo prático trago o exemplo do crime de Homicídio, que por circunstâncias profissionais vim a atender durante minha jornada. Em um local de homicídio uma das primeiras providências periciais é

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medir a temperatura do corpo já sem vida. E porque se faz isso? Cientificamente, a temperatura média do corpo humano é de 37º C. Ocorre que a temperatura do corpo humano é mantida por processos bioquímicos e pela circulação sanguínea. Com a morte cessam-se esses processos e a circulação fazendo com que o corpo inerte passe a igualar gradativamente sua temperatura a temperatura ambiente, ou seja, o corpo passa a perder calor. A ciência permite aos investigadores precisar a hora aproximada do óbito e, em caso de crime, a hora em que ocorreu o ato criminoso.

A determinação da hora do crime é importantíssima num contexto de homicídios, pois pode colocar ou tirar pessoas da cena do ocorrido.

Ciência! Guardem isto. Polícia Científica. Foi a primeira vez que vi o gráfico abaixo e as

explicações científicas apresentadas.

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O gráfico aponta um local de crime e as incidências de elucidações relativas às investigações. Quanto mais perto do local do crime está a investigação maior as chances desse crime ser elucidado. Esse conceito se reflete muito claramente quando assistimos filmes americanos e séries do estilo CSI onde fica muito clara a importância das investigações iniciadas e praticadas a partir do local da ocorrência de um crime.

Quando falamos de crime estamos falando no sentido geral, mas a fórmula da proximidade acaba funcionando em todos os casos.

Abordaremos detalhadamente os modelos investigativos pátrios no capítulo em que abordaremos a Polícia Federal das Operações versus a Polícia Federal do dia-a-dia.

Neste momento ficamos com a conceituação de que o investigador que chega mais próximo do local do crime terá mais chances de elucidá-lo.

Já sabemos o que é crime e o que é investigar. Sabemos também que a investigação que se aproxima do local do crime tem maiores chances de êxito. Vamos então aos modelos.

Vamos usar no nosso estudo o mesmo caso para ambos os modelos. Lembram-se do caso do furto da TV da casa do Vigilante Joaquim? Pois bem, é ele mesmo.

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2.1 CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA

Vamos começar informando que esse modelo é

utilizado nos seguintes países: Brasil, República de Cabo Verde e República Guiné Bissau.

O Ciclo Incompleto de Polícia - CIP ou modelo da laranja partida é um modelo baseado na atuação parcial das polícias onde cada uma é responsável por uma parte de determinado procedimento tendo como principal característica a falta de transferência dos

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conhecimentos adquiridos dentro daquele procedimento. Vamos tentar entender dentro do exemplo prático.

O Vigilante Noturno Joaquim saiu de casa para mais um dia de serviço. Durante o período em que trabalhava uma viatura da Polícia Militar chegou a passar pela porta da sua casa. Pela manhã, ao retornar cansado de sua jornada, notou que a janela lateral da sua casa estava aberta. Aproximou-se e viu que o trinco estava danificado. Abriu a porta da casa usando suas chaves e acessou o quarto que tinha a janela aberta. Notou pegadas marcadas com barro no chão da casa e notou também que sua TV da sala havia sido subtraída.

Crime contra o patrimônio, altamente comum nos dias atuais.

Joaquim fez o que qualquer um de nós faria. Telefonou para a Polícia Militar que encaminhou uma viatura ao local. Lá chegaram os Soldados Mario e Fagundes. Mario, um Soldado novo e muito diligente, começou a anotar os dados da ocorrência e preencheu todos os documentos da Polícia Militar. Ao final informou ao Vigilante Joaquim que levaria o caso à Delegacia da área para registro da ocorrência e a partir desse ponto a Polícia Civil local é que ficaria responsável pelas investigações para apurar onde estaria a TV subtraída e quem teria praticado o ato.

Os Soldados Mario e Fagundes levaram os dados colhidos à Delegacia do bairro onde o Delegado de Plantão determinou a elaboração de um Boletim de

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Ocorrência. Nesse Boletim de Ocorrência feito pelo Delegado de Polícia constavam exatamente os mesmos dados já narrados na descrição detalhada feita pelos Policiais Militares nos formulários da sua corporação.

No dia seguinte, como não apareceu ninguém para investigar ou periciar a janela arrombada, o Vigilante Joaquim mandou arrumá-la, pois seria perigoso deixá-la daquele jeito.

O vigilante Joaquim nunca foi comunicado ou teve qualquer retorno sobre as investigações.

Um caso corriqueiro de furto qualificado como muitos outros que são atendidos e registrados todos os dias nas Delegacias de todo nosso Brasil.

Vamos à análise do modelo de Ciclo Incompleto de Polícia.

Notamos aí que existem duas Polícias atuando no mesmo fato criminoso e agora é hora de buscarmos na legislação as atribuições de cada uma.

Analisemos a Constituição Brasileira.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

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Vejam que a Constituição é clara e funciona como instrumento de partição da Laranja, instituindo o CIP, na medida em que esclarece que as Polícias Civis apuram as infrações penais e as Polícias Militares atuam de forma ostensiva visando evitar os crimes.

A constituição impede a Polícia Militar de investigar crimes fazendo com que, em caso de atendimento, seja obrigada a encaminhar os dados obtidos à Polícia Civil para apuração do fato.

Surge uma primeira dúvida: O Vigilante Joaquim, ao constatar o furto de sua TV não deveria ter ligado para a Polícia Civil e esta não deveria ter designado um

I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. … § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem à polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

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Delegado para atender a ocorrência e ir ao local dos fatos?

É claro que sim. Está na Constituição. Além disso o Código de Processo Penal direciona:

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policial deverá: I – se possível e conveniente, dirigir-se ao local, providenciando para que se não alterem o estado e conservação das coisas, enquanto necessário; (grifo meu). II – apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o fato; III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV – ouvir o ofendido; V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

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Então, ocorrido o crime, quem deveria ir ao local

dos fatos seria a Polícia Civil, pois esta é a responsável, dentro do Ciclo Incompleto de Polícia - CIP, pelas investigações. É ela que tem que buscar autoria, materialidade, dinâmica do evento e recuperação da res furtiva.

Só que na prática não é assim que funciona. Imaginem se o Vigilante Joaquim ligasse para a Delegacia do bairro e solicitasse a presença do Delegado de Polícia da área para atender a ocorrência? Claro que não seria atendido porque as polícias brasileiras foram estruturadas de forma desconexas, como meias laranjas.

Na prática, ocorreu o que ocorre em todos os casos de registros de ocorrências. A Polícia Militar que não pode investigar foi até o local, anotou os dados nos seus formulários e encaminhou esses dados à Polícia Civil que de forma burocrática formulou mais um documento com os mesmos dados e ainda assim não começou a investigação.

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

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Ainda na prática, foram mobilizadas duas instituições, uma que começou o que não pode terminar e outra que vai terminar o que não começou. O resultado disso tudo? Dois formulários, nenhum ato investigativo e o Vigilante Joaquim sem a sua TV.

E quais são as características que podemos apontar para esse modelo policial, o chamado Ciclo Incompleto de Polícia ou Laranja Partida?

Desperdício de material humano e de recursos financeiros.

Investigação (pela Polícia Civil) longe do local do crime já que não atende a ocorrência no local.

Baixo índice de resolução de crimes (em torno de 8% dos crimes são solucionados).

Desmotivação dos Policiais Militares que apesar de comparecerem ao local não podem investigar.

Rivalidade improdutiva entre a Polícia Militar e a Polícia Civil.

Centralização da Investigação com demasiada importância à figura do Delegado de Polícia.

Morosidade entre o fato delituoso e eventual início das investigações.

Distanciamento do Policial que atendeu a ocorrência da investigação (o PM que foi ao local não participa das investigações).

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Vou aproveitar para contar um caso real já que, antes de entrar para a Polícia Federal, fui Policial Civil por 6 anos e trabalhei muito nos plantões registrando as ocorrências.

Era um sábado ou uma sexta, não me recordo bem. Sextas e sábados são os dias críticos nos plantões policiais. Trabalhava das 20 às 8h, na madrugada, e, em média, registrávamos de 5 a 10 ocorrências policiais que iam desde briga de marido e mulher a homicídio.

Naquele dia a guarnição da Polícia Militar chegou no início do plantão. Como era de hábito tomei a frente. Era uma ocorrência de tentativa de homicídio, mediante uso de faca, onde o autor havia estocado a vítima na altura do tórax. Vítima socorrida ao Pronto Socorro local, autor saiu correndo e a faca ficou jogada ao solo.

Os PMs que atenderam a ocorrência acharam por bem recolherem a faca e encaminharem à Delegacia. Durante os registros obtiveram um endereço próximo como sendo o da casa do Autor. Lá foram eles. Bateram na porta e perguntaram pelo fulano. A pessoa que atendeu disse que ele não estava em casa e que não havia retornado do bar onde estava comemorando seu novo emprego. Os PMs insistiram, mas não obtiveram êxito em achar o autor das facadas.

Esgotadas as diligências e os registros formais os Militares levaram a ocorrência à Delegacia para conhecimento do Delegado.

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Aí começou a encrenca. O Delegado entendeu que eles não deveriam ter diligenciado, que não deveriam ter recolhido a faca, que não deveriam ter ido à casa do autor, enfim, que não deveriam ter feito nada.

Estabeleceu-se a confusão que só foi contornada quase uma hora depois.

Acredito, por essas e outras, dentro do binômio estudo/experiência que o Ciclo Incompleto de Polícia é um dos grandes motivadores da rivalidade e dos problemas existentes entre as Polícias Civis e Militares nos Estados.

O resultado final dessa ocorrência, no nosso modelo de Ciclo Incompleto de Polícia - CIP, foi nenhum ato investigativo realizado, nenhuma prova técnica colhida e, em decorrência disso e de outros fatores que iremos abordar, um índice bizarro de aproximadamente 5 a 8% de casos solucionados no Brasil.

Além disso, foi uma ocorrência que potencializou a já tão decantada rixa existente entre Policiais Militares e Policiais Civis. Muitos preferem fingir que isso não existe, mas para quem já viveu isso no dia-a-dia não há como negar.

Esse é o modelo usado no Brasil e em mais outros dois países da África. O resto do mundo adota modelos distintos. O principal veremos a seguir.

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2.2 CICLO COMPLETO DE POLÍCIA

Esse é o modelo utilizado nos países da Europa, América do Norte e América do Sul, enfim, na maioria dos países.

Recentemente a Câmara dos Deputados, através da Comissão de Estudo para Unificação das Polícias, presidida pelo Deputado Edson Moreira, enviou seus representantes a diversos países a fim de verificarem a formatação das polícias.

Na Áustria, de 24 a 28/07/2017, verificaram que existem duas polícias: a Gendarmaria e a Polizei, ambas de ciclo completo.

No Chile, de 25 a 27/09/2017, verificaram que existem duas polícias: os Carabineiros e a Policia de Investigaciones-PDI, ambas de ciclo completo.

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Na Colômbia, de 28 a 29/09/2017, verificaram que existe uma única polícia, a Polícia Nacional Colombiana, de ciclo completo.

Nos Estados Unidos, de 22 a 23/05/2017, verificaram que existem mais de 17.000 agências policiais, de ciclo completo.

No Canadá, de 24 a 26/05/2017, a Real Polícia Montada do Canadá, também de ciclo completo.

Na Itália, de 17 a 18/11/2017, verificaram três polícias nacionais, a Polícia de Estado, os Carabineiros e a Guarda de Finanças, todas de ciclo completo.

Ou seja, o mundo desenvolvido pratica o ciclo completo de polícia.

Quando discutimos no item 3.1 o Ciclo Incompleto de Polícia-CIP, atualmente praticado no Brasil e estampado na Constituição de 1988, notamos que existem diversas polícias, mas há uma clara separação de atribuições do Antes e Depois da ocorrência de um crime, como se o acontecimento deste gerasse uma nova dinâmica.

Na verdade, a dinâmica do crime é a mesma e então precisamos ver como os países mais evoluídos e com melhores índices de segurança pública, inclusive sensação de segurança, tratam o assunto.

O Ciclo Completo de Polícia - CCP, basicamente, se resume em: “a polícia que começa é a polícia que termina, se for dentro da sua competência”.

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Para ser mais claro vamos a um exemplo usando uma série americana tradicional chamada CSI. Sempre que ocorre um crime vemos que o local é preservado por policiais ostensivos (fardados) até a chegada dos policiais não ostensivos (geralmente de terno). Os dois policiais, tanto os fardados como os de terno pertencem à mesma polícia e estão em níveis profissionais diferentes.

Como o caso é tratado dentro da mesma polícia um só formulário é feito. A equipe de investigação vai ao local do fato e inicia ali a colheita de provas. O calor do crime, seja ele qual for, está no seu máximo grau. A cena do crime está falando. Os investigadores estão com todas as evidências a sua frente e podem desenvolver melhor suas habilidades técnicas além da colheita das evidências científicas.

Percebemos então que o Ciclo Completo de Polícia-CCP aproxima o investigador do local do fato e talvez por isso os índices de elucidação de crimes aumentem muito em relação ao Ciclo Incompleto de Polícia-CIP, chegando de 65 a 80% de crimes elucidados.

Os países que utilizam o CCP entregam às suas populações uma sensação de segurança pública maior. Para isso basta fazermos uma simples pergunta: Onde eu acho que é mais seguro morar, no Brasil ou nos Estados Unidos? No Brasil ou no Chile? Naturalmente que outros fatores contribuem para essa sensação de segurança, mas é claro e natural que em países onde os

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crimes são solucionados e as pessoas cumprem suas penas, há uma maior confiança no sistema.

Então como faríamos para a implantação do Ciclo Completo de Polícia em nosso país?

Boa pergunta e de diversas respostas. A mais simples seria unificarmos as Polícias Civis e Militares nos Estados e reestruturarmos o sistema de leis de modo a darmos a essa nova polícia operacionalidade e funcionalidade.

Outra forma seria copiarmos países como o Chile onde não há uma única polícia, mas todas elas são de ciclo completo (começam e terminam) e têm suas competências definidas em lei.

Outra forma seria legalizarmos todas as formas policiais, inclusive as municipais, definindo lhes competências para determinados crimes e ciclo completo para que pudessem começar e terminar os casos que lhe são previstos.

Antes de finalizar gostaria de citar o exemplo excepcional da Polícia Federal que na Constituição de 1988 foi concebida como uma Polícia de Ciclo Completo e por isso se difere das Polícias Civis estaduais.

A concepção constitucional da Polícia Federal idealizou que a mesma seria uma polícia de Ciclo Completo, ao contrário das Polícias Civis e Militares. Ocorre que com o passar dos anos e com interesses corporativos a visão e a gênese constitucional foi sendo

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abandonada, mas ainda perdura em vários segmentos de atuação. Vamos ao texto da lei máxima:

Uma simples leitura do texto da Lei Magna e a

análises dos verbos que determinam as ações nos permitem apurar que a Polícia Federal tem em seu papel constitucional funções preventivas, repressivas, funções

Art. 144. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

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de polícia administrativa e funções de polícia judiciária, além da polícia investigativa.

Isso a difere no sentido geral das Polícias Civis e Militares dos Estados que tem na mesma constituição atribuições mais restritas à sua área de atuação, condicionadas ao Ciclo Incompleto de Polícia. Vejamos os verbos abaixo.

Fica bem claro quando analisamos o texto da lei

que a Polícia Federal é por concepção uma polícia de Ciclo Completo (começa e termina), e as Polícias Militares (começam, mas não terminam) e Civis (terminam, mas não começam) dos Estados formam o modelo de Ciclo Incompleto de Polícia.

Como vimos no exemplo de Ciclo Incompleto de Polícia - CIP cabe a Polícia Militar a prevenção tentando

Artigo 144... § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

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evitar o crime e à Polícia Civil a investigação tentando desvendar o crime ocorrido (duas metades da laranja).

Lembram do caso em que o PM levou a ocorrência para a Polícia Civil? Isso é o Ciclo incompleto.

Na Polícia Federal existem as duas situações, configurando o Ciclo Completo de Polícia – CCP e mais uma terceira situação que configura o Ciclo Incompleto de Polícia-CIP que ocorre quando a PF recebe ocorrências das outras forças policiais.

Neste instante temos Policiais Federais trabalhando nos postos de fronteira que vão desde postos na região de selva amazônica até os grandes aeroportos. Vou lhes contar um caso que ocorreu comigo no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP para facilitar o entendimento.

Estava trabalhando no Aeroporto em regime de plantão (24h x 72h). Trabalhava um dia inteiro e folgava outros três. Junto com outros Policiais Federais éramos responsáveis pelo fluxo de pessoas que entravam e saiam do país (estrangeiros e nacionais). Isso incluía a imigração de estrangeiros, o controle de saída de menores acompanhados ou desacompanhados, as deportações, repatriações, expulsões, etc. Serviço complexo que exigia dos Policiais especial atenção, pois tínhamos ciência de que éramos a última barreira do Estado brasileiro em defesa do nosso povo.

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Dentro desse cenário, além desses atos de Polícia Administrativa e de Soberania Nacional (que as Polícias Civis e Militares não exercem) em um aeroporto, também exercíamos todas as funções policiais tentando prevenir crimes.

Como é muito falado e noticiado sabemos que os Aeroportos, especialmente os grandes como Guarulhos, são rotas de tráfico internacional. Como a polícia tem o viés técnico e científico, os policiais federais que lá trabalham desenvolvem técnicas de observação e comportamento, além de um trabalho científico de cruzamento de dados que permitem separar um público alvo que seja passível de um acompanhamento mais próximo.

Naquele plantão já havíamos recebido a informação de que um elemento de naturalidade espanhola se enquadrava naquelas características, e eu e outro colega fomos designados a acompanhá-lo à distância após o check in até o momento de eventual abordagem.

Feito isso passamos a seguir o indivíduo que chamava a atenção pela magreza e uso de calças largas, como se tivesse comprado um número maior.

Para quem não sabe até para seguir as pessoas existe técnica que nos é ensinada na Academia Nacional de Polícia.

Seguimos o cidadão sem suspeitas.

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Quando ele atravessou o portal de raio x nos comunicamos com outros colegas e demos sinal que iríamos abordá-lo. Assim o fizemos.

Nos identificamos colocando nossos distintivos para fora da camisa e pedimos que nos acompanhasse até a sala de revista, alguns passos adiante do portal de raio X. Durante a revista pude constatar que nas suas pernas haviam volumes. Revista mais minuciosa demonstrou que levava consigo aproximadamente 3 kg de cocaína, comprovada através de Narcotest.

Primeira metade da Laranja. Trabalhei na prevenção. Como a Polícia Militar. Concordam?

A seguir comuniquei a equipe de Plantão, composta por um Delegado, um Escrivão, um Perito Criminal e um Agente Federal para quem encaminhei o preso (autoria) e a cocaína (materialidade).

Essa equipe, da mesma Polícia Federal, completou o serviço com a lavratura do flagrante e encaminhamento do preso ao sistema prisional. Outra metade da laranja.

Uma só polícia realizou o trabalho de polícia administrativa, de polícia preventiva, de polícia repressiva e a formalização dos atos burocráticos de polícia investigativa, que alguns confundem com polícia judiciária. Ciclo Completo de Polícia. Quem começa termina.

E quais são as características que podemos apontar para esse modelo policial, o chamado Ciclo Completo de Polícia ou Laranja Inteira?

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Melhor aproveitamento dos recursos humanos e materiais já que os casos tramitam dentro da mesma instituição

Diminuição da morosidade entre o fato delituoso e eventual início das investigações.

Maior proximidade dos Policiais de campo com a amplitude dos crimes

Modelo usado pelos países que alcançam bons índices de resoluções de crimes

Valorização dos Policiais que realmente efetivam as medidas protetivas e investigativas

DIANTE DESSE QUADRO E DO CONHECIMENTO DOS MODELOS POLICIAIS PODEMOS PROPOR UM QUESTIONAMENTO:

O BRASIL ESTÁ CERTO AO ADOTAR UM MODELO, CONHECIDO COMO CICLO INCOMPLETO DE POLÍCIA-CIP, QUE SÓ É USADO AQUI E EM MAIS DOIS PAÍSES AFRICANOS, O QUAL REPARTE EM DUAS METADES O PRÉ E O PÓS CRIME, RESULTANDO EM ÍNDICES DE ESCLARECIMENTOS DESSES MESMOS CRIMES EM TORNO DE 5 A 8%? ( ) SIM ( ) NÃO

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CAPÍTULO III

CARREIRA POLICIAL –

COMPARATIVO ENTRE A POLÍCIA FEDERAL AMERICANA –

FBI E A POLÍCIA FEDERAL BRASILEIRA – PF3

Neste capítulo iremos abordar a gênese da carreira

policial federal, sua estrutura, seus cargos, formas de ascensão, gargalos e expectativas de seus componentes. De igual forma faremos um estudo comparativo com uma das mais conceituadas instituições policiais do mundo moderno, o FBI.

Sabemos que não há uma formula definida e mágica para a Segurança Pública, em especial uma fórmula que aumente a sensação de segurança, mas, também sabemos que há modelos e formas de gestão que dão melhores ou piores resultados e as comparações permitem essas diferenciações.

Quando analisamos modelos empregados nos modais de Segurança Pública pelo mundo nos deparamos e facilmente identificamos seu principal elemento. O ser humano. 3 https://www.youtube.com/watch?v=IPpqSnzyTDg 3.1 https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos

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O ser humano é o principal elemento por motivos óbvios já que é o polo passivo e o polo ativo de todas as relações. Sempre há ação humana antes, durante ou depois de alguma demanda relacionada à segurança uma vez que essa é voltada ao próprio ser humano.

O homem planeja ações, o homem executa as ações planejadas, o homem define leis, as faz cumprir, as cumpre, o homem avalia os resultados, o homem, o homem, o homem.

Partindo desse princípio qualquer ação que influencie na sensação de segurança ou mesmo na efetiva segurança passa por ações do homem que está inserido no contexto sociedade e, portanto, quaisquer modificações no estado desse elemento primordial podem afetar o equilíbrio alcançado.

Como estamos analisando o contexto do nosso país para podermos comparar com outros países temos que iniciar a análise dizendo que o elemento humano por aqui é deixado muitas vezes em segundo e até terceiro plano nas ações relacionadas ao tema. Para isso basta nos aprofundarmos no dia a dia policial ou de cada um dos demais componentes do sistema.

As guardas municipais e seus elementos humanos não possuem status de polícia. A Guarda Portuária e seus elementos humanos, que exercem policiamento nos Portos, não tem reconhecimento.

A Polícia Ferroviária Federal e seus elementos humanos está esfacelada.

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As Polícias Militares nos Estados e seus elementos humanos sofrem no combate diário e direto à criminalidade.

As Polícias Civis e seus elementos humanos definham num modelo corporativista.

A Polícia Federal e seus elementos humanos tem sérios conflitos internos, varridos por vezes para debaixo do tapete, iniciados a partir do entendimento de que o corporativo supera o principal elemento, o elemento humano, lembram?

Como não teria conhecimento e nem capacidade de esmiuçar todas as polícias vou me ater ao modelo da Polícia Federal, onde passei 20 anos e tive a oportunidade de viver as mais diferenciadas situações. A seguir, trarei o modelo do FBI, a famosa polícia federal

americana para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões.

Antes de entrar no tema em si gostaria de algumas análises na área da Gestão, minha área de formação e estudos.

Segundo o psicólogo americano Abraham H.Maslow, as condições necessárias para que cada ser humano atinja a sua satisfação pessoal e profissional podem ser padronizadas hierarquicamente na forma de

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pirâmide, que cujo topo é objetivo ao longo da vida, a conhecida Pirâmide de Maslow.

Como tratamos o elemento humano como principal fator na equação que resulta na sensação de segurança pública temos que entender suas necessidades e para tal, a pirâmide de Maslow é muito utilizada e conceituada nesse sentido.

Necessidades fisiológicas: está é a base da Pirâmide, onde estão as necessidades básicas de qualquer ser humano, como a fome, a sede, a respiração, a excreção, o abrigo e o sexo, por exemplo.

Necessidades de segurança: é o segundo nível da hierarquia, onde estão os elementos que fazem os indivíduos se sentirem seguros, desde a segurança em casa até meios mais complexos, como a segurança no trabalho, segurança com a saúde (planos de saúde) e etc.

Necessidades sociais: é o terceiro nível da Pirâmide. Neste grupo estão as necessidades de se sentir parte de um grupo social, como ter amigos, constituir família, receber carinho de parceiros sexuais e etc.

Necessidades de Status ou Estima: é a quarta etapa da Pirâmide de Maslow, que agrupa duas principais necessidades - a de reconhecer as

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próprias capacidades e de ser reconhecido por outras pessoas, devido a capacidade de adequação do indivíduo. Ou seja, é a necessidade que uma pessoa tem de se orgulhar de sim própria, sentir a admiração e orgulho de outros indivíduos, ser respeitada por si e pelos outros, entre outras características que envolvam o poder, o reconhecimento e o orgulho, por exemplo.

Necessidades de auto realização: este é o topo da Pirâmide, quando o indivíduo consegue aproveitar todo o potencial de si próprio, com autocontrole de suas ações, independência, a capacidade de fazer aquilo que gosta e que é apto a fazer, com satisfação. Naturalmente que um elemento humano não

precisa completar uma das etapas para alcançar a outra, mas ao longo da vida é comum alcançarmos fases ou não.

No mundo moderno as expectativas do ser humano cresceram na medida em que as organizações também se modernizaram. Segundo Robbins (2002), as atitudes dos membros de uma organização (seres humanos) podem ser favoráveis ou desfavoráveis, pois elas transmitem como uma pessoa se sente em relação a alguma coisa. Por isso, a tamanha importância delas nas organizações, porque as atitudes podem afetar o

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comportamento no trabalho. É onde muitas pessoas ficam mal vistas perante os olhos da empresa.

A motivação é fator fundamental para obtenção do sucesso. Ser humano motivado e realizado tende a render mais.

“Para compreender o comportamento humano é fundamental o conhecimento da motivação humana. Motivo é tudo aquilo que impulsiona a pessoa a agir de determinada forma, isto é, tudo aquilo que dá origem a alguma propensão a um comportamento específico” (CHIAVENATO 1982, p. 414).

No caso das organizações policiais, formatadas conceitualmente dentro de um período em que os seres humanos tinham lados, o da lei ou o subversivo, a falta de acompanhamento e de atualização dos conceitos acaba por repercutir no produto final.

Então, para começarmos a analisar a estrutura da carreira da Polícia Federal e compará-la com o FBI partimos de algumas premissas: O ser humano é o elemento mais importante da organização, as necessidades do ser humano são importantes para o sucesso das organizações e a modernização das organizações deve ser acompanhada da modernização das relações com o elemento humano.

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3.1 A CARREIRA NA POLÍCIA FEDERAL DO BRASIL

A Polícia Federal do Brasil, conhecida como PF, surgiu como Intendência-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, criada por D. João VI em 10 de maio de 1808, para a qual foi designado o Desembargador e Ouvidor Paulo Fernandes Viana para o cargo de Intendente-Geral de Polícia da Corte.

Com o Decreto-Lei no. 6.378, de 28 de março de 1944, a antiga Polícia Civil do Distrito Federal, que funcionava na Cidade do Rio de Janeiro/RJ, então capital da República, no Governo de Getúlio Vargas, foi transformada em Departamento Federal de Segurança Pública – DFSP, diretamente subordinada ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores.

Posteriormente ela foi reorganizada em 1964, através da Lei no. 4.483/64 que conferiu ao órgão atuação em todo o território nacional. Com a mudança operada no pensamento político da Nação (grifo meu), prosperou a ideia da manutenção do Departamento Federal de Segurança Pública com capacidade de atuação em todo o território nacional, o que veio a se tornar realidade com a sanção da Lei no. 4.483, de 16 de novembro de 1964, reorganizando o então DFSP, com efetivo cunho federal.

(http://www.pf.gov.br/institucional/historico)

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Entendam que a PF foi concebida como uma polícia de uma forma de governo e para tal necessitava de atuação nacional.

Com a constituição de 1988, a qual trouxe o viés cidadão, a PF teve sua carreira definida e fincada na nova carta magna.

O próprio artigo 144, já citado anteriormente, traz a principal característica para o trato do elemento humano dentro da instituição, a Carreira (no singular).

Essa carreira dentro da Polícia Federal é composta

dos seguintes cargos policiais: Agente de Polícia Federal, Delegado de Polícia Federal, Escrivão de Polícia Federal, Papiloscopista Policial Federal e Perito Criminal Federal.

Além da carreira policial federal ainda temos dentro da instituição o Plano Especial de Cargos, a chamada carreira de apoio, cujos servidores administrativos em diversas formações, muitos de nível superior, enquadram-se no mesmo dia a dia dos policiais federais.

Os servidores administrativos da Polícia Federal exercem a atividade meio, ou seja, a atividade que permite a realização da atividade fim, que no caso da Polícia Federal é exercer as suas funções policiais

Art. 144... § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira...

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contidas na carta magna e na legislação correspondente. Imprescindíveis no funcionamento da PF, infelizmente, ainda não tiveram sua situação resolvida dentro da instituição, mas como o objeto deste capítulo é a avaliação da carreira policial em si uma análise mais profunda ficará para oportunidade futura.

Vamos tentar entender a carreira policial federal utilizando como exemplo uma escada onde cada um dos degraus representa uma etapa da vida funcional do servidor policial.

Como vimos anteriormente, a Carreira

Constitucional da Polícia Federal é composta de cinco

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cargos e todos eles têm em comum a entrada via concurso público, realizado através de instituição de ensino (nos últimos anos a CESPE-UNB) e posterior curso de formação sob a responsabilidade da própria instituição policial.

Apesar de termos uma carreira única na PF a porta de entrada para cada um dos cargos tem sua própria entrada. Usando o próprio exemplo da escada imaginem que dentro da mesma polícia um Agente de Polícia Federal e um Perito Criminal Federal sobem ao longo do tempo cada um sua própria escada e em nenhum momento essas escadas se encontram. Isso acontece com todos os cargos dessa carreira única.

Então, mesmo o Constituinte original tendo tratado a nossa polícia como uma carreira única, na prática ela tem funcionado como uma carreira, com diversas carreiras individualizadas.

Com esse conceito, a nosso ver totalmente equivocado, ao longo do tempo criou-se a impressão de que cada cargo (Agentes, Escrivães, Papiloscopistas, Peritos e Delegados) teria sua própria carreira dentro da carreira policial. Isso nunca esteve na Constituição e nem na ideia do constituinte original.

Enfim, esse entendimento foi enraizado com o passar dos anos e através deles foram sendo moldados mecanismos internos na instituição que levavam outras pessoas, especialmente alheias a estrutura e

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funcionamento da PF, a também acreditarem que cada cargo é uma carreira específica.

Aliado a isso temos a diária e crescente polarização por parte dos ocupantes do cargo de Delegado de Polícia Federal da expressão “Carreira de Delegado” como se ela fosse o próprio motivo da existência da instituição Polícia Federal, quando, na verdade a Constituição Federal é clara ao afirmar que temos a Carreira Única dividida em cargos.

Começa aí o grande dilema. Diversos cargos independentes dentro de uma mesma carreira sem que um esteja administrativamente ligado a outro. Os cargos, na sua gênese, não possuíam subordinações uns para os outros. Diferentemente das organizações policiais militares onde a hierarquia esta estabelecida pelos cargos na PF a hierarquia está estabelecida pelas funções.

VAMOS EXPLICAR MELHOR: Ao contrário do que se pensa, um Delegado de Polícia Federal não manda em um Papiloscopista Policial Federal somente pelo fato de um ter um cargo e o outro ter cargo distinto. Um Delegado de Polícia Federal emana ordens legais de mando a um Papiloscopista se estiver investido de uma função administrativa que permita isso, como, por exemplo a função gratificada de Delegado Executivo.

Seguindo o exemplo e comparando com os Policiais Militares. Se um Cabo da PM de SP se apresenta a um Sargento da PM de SP ele está imediatamente

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subordinado àquele pois as subordinações hierárquicas militares são subordinações por patentes. Da mesma forma o Sargento é subordinado ao Tenente e assim por diante.

Na Policia Federal seria possível e legal uma equipe Operacional ser chefiada pelo Agente de Polícia Federal mais antigo e essa equipe ser composta de Delegados, outros Agentes, Escrivães, Peritos e Papiloscopistas. Digo seria por que na prática isso não tem acontecido. E não tem acontecido pelo entendimento equivocado e militarizado de que as subordinações ocorrem em virtude dos cargos e não das funções.

Por conta dessa visão contraproducente temos vislumbrado aberrações do tipo: Delegado de Polícia Federal com 3 dias de serviço chefiando um Escrivão de Polícia Federal com 30 anos de serviço sendo 20 anos em práticas e atividades operacionais. Para ser mais claro, um Chefe com 3 dias comanda uma entrada tática em uma favela das mais perigosas tendo em sua equipe um policial que faz isso há 20 anos e não pode nem tem o direito de opinar. É um ato legal? Sim. É um ato que acontece? Sim, diariamente. É um ato que pode causar problemas? Claro.

Para entendermos como e por que isso acontece temos que voltar a nossa escada e analisarmos a forma de ingresso dos Agentes, Escrivães e Papiloscopistas da PF e seu crescimento dentro dos cargos respectivos.

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Os chamados Policiais Federais (Agentes, Escrivães e Papiloscopistas) são os cargos da carreira que eminentemente fazem o trabalho. Ingressam através de concurso público que envolve milhares de pessoas e seleciona brilhantes mentes dentre os candidatos.

COMO EU SEI? De 2005 a 2014 lidei com o produto desses concursos na fase de formação junto a Academia Nacional de Polícia. Ajudei, junto com um grupo de outros policiais, na criação, montagem, formalização e execução do projeto de uma nova disciplina dentro do curso, voltada ao estudo dos casos do dia a dia e seu ensino prático.

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Os alunos, agora colegas policiais, chegavam com seus títulos de Graduados, Especialistas em diversas áreas, Mestre em outras e até Doutores. A nata estudantil que atualmente se prepara para concursos públicos diversos. Esse era é o perfil do atual quadro de Agentes, Escrivães e Papiloscopistas da PF que saíram dos quadros da Academia Nacional de Polícia.

Esse público especial é o que chegava às nossas mãos para conhecer um pouco da atividade fim que lhes aguardaria no dia a dia.

E eles passavam horas, dias e meses estudando todo o tipo de disciplina envolvida com as atribuições que iriam desempenhar. Um curso de formação dos mais completos em termos policiais. Pessoas altamente preparadas no aspecto estudantil, mas muitas vezes despreparadas no aspecto vida, especialmente a vida na atividade policial.

Era esse o nosso trabalho na ANP. Colocar esses jovens, muitas vezes saídos dos bancos universitários, em contato com as rudezas da atividade e com o que enfrentariam meses depois.

Esses Policiais Federais entraram pela base da escada, enquanto Delegados e Peritos entraram pela base de outras escadas.

Eu acredito que começa aí o grande problema da Polícia Federal como instituição. Não na entrada pela base de forma única e não há um plano objetivo de

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acolhimento para os Policiais Federais nos seus primeiros passos na instituição.

O Policial Federal no seu primeiro dia estará sujeito ao entendimento de seu chefe administrativo, normalmente o Chefe de uma Delegacia. Não há uma normatização que estabeleça por onde o novo policial deve começar, o que ele pode e deve fazer, o que não pode e não deve fazer, com quem ele deve aprender algo, enfim, não existe um plano aguardando esse policial.

Isso em todo o Brasil e com todos os Policiais Federais.

Mas o que acontece quando ele chega para trabalhar no primeiro dia?

Ele se apresenta ao chefe, normalmente o Chefe de uma Delegacia que irá designá-lo em alguma área de atuação. A discricionariedade é toda desse Chefe. O melhor atirador no curso de formação pode ser designado para uma Comissão de Produtos Químicos e irá lidar com documentos (papéis) o dia inteiro.

Já o melhor aluno no quesito tirocínio policial, inteligência emocional e nas disciplinas investigativas pode ser designado para ficar em um plantão policial atendendo telefonemas.

Por outro lado, os piores nesses quesitos podem ser designados nos primeiros dias para trabalharem em investigações de operações complexas.

Tudo depende do humor do Chefe naquele dia. Se ele vai com a sua cara ou não.

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Isso acontece? Todos os dias e no Brasil inteiro por que não há regulamentação e não há transmissão entre a ANP e a chefia para onde vão os alunos recém-formados, ou seja, a instituição Polícia Federal não sabe a qualidade dos seus formandos e também não orienta suas utilizações conforme seus desempenhos quando da formação.

E eu vou afirmar aqui que os Professores dos cursos de formação conseguem ver, nas avaliações diárias, potenciais bons policiais. Em todo o tempo em que frequentei a ANP em uma única oportunidade me perguntaram sobre um aluno a ser indicado para uma determinada área estratégica.

Como vimos, os Policiais Federais (Agentes-APF, Escrivães-EPF e Papiloscopistas-PPF) em seu primeiro dia dependerão da avaliação pessoal de uma só pessoa, o Chefe, que decidirá e lhes dirá em qual área irão trabalhar.

Essa falta de preparação prévia, de planejamento, de organização e de mecanismos para transferência de conhecimentos dos mais antigos para os mais novos a meu ver é a primeira barreira impeditiva de boas avaliações no modelo utilizado pela Polícia Federal brasileira.

Então o Policial Federal (APF, EPF e PPF) não tem um plano de carreira?

Na teoria sim, mas na prática pela metade. Vamos explicar.

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O Policial Federal que entra na base da escada tem já no seu primeiro dia as mesmas atribuições e as mesmas responsabilidades de um policial federal com 30 anos de serviço. A condição que separa um do outro é tão somente o tempo de serviço. Não há um plano de carreira para esse policial recém ingresso, ou melhor, há sim, que modifica sua nomenclatura, mas não as suas atribuições.

Um Policial Federal ingressa como Policial Federal (dentro de cada um dos cargos) de Terceira Classe. Como policial de Terceira Classe ele, no primeiro dia de serviço, pode ser designado para a mais complexa investigação. Passados 5 anos e mediante um Curso com instruções on-line ele ascende à Segunda Classe (subiu um degrau na escada). Ao subir um degrau eles mantem as mesmas atribuições e continua a poder ser designado para qualquer tipo de serviço, sob conveniência e escolha de seu Chefe imediato.

Nosso policial já com 10 anos atinge a Primeira Classe e com 13 anos chega à Classe Especial. Com 13 anos de serviço dentro da Polícia Federal o policial chega ao ápice de seu cargo. É natural que com 13 anos de serviço no meio policial esse elemento tenha acumulado experiências práticas e reais em seu quotidiano. Natural também que ele tenha usado esse tempo para mais estudos e para realização de cursos.

Depreende-se que ele estaria apto a novos desafios. Experiência prática aliada a alto grau de

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conhecimentos e estudos. Já falamos sobre isso. A fórmula para o sucesso e esse sucesso refletiria em melhoria nas condições de segurança pública e por consequência da sensação de segurança pública, que por vezes é mais importante ao cidadão.

Esse policial deveria, mas não é, ser utilizado e selecionado para grupos de Chefias de outros policiais. Esse era o entendimento do Constituinte originário em 1988 quando da Constituição e por isso ele fincou na Carta Magna o termo Carreira, no singular, já que isso permitiria que, de alguma forma, os policiais crescessem dentro da instituição transferindo seus conhecimentos, buscando suas realizações profissionais, buscando seus sonhos, podendo oferecer à sociedade o seu melhor. Lembram da pirâmide de Maslow? É bem por aí.

Ocorre que isso não ocorre. Isso mesmo. Na prática o Policial Federal ao completar os 13 anos e atingir a Classe Especial e o nível máximo dentro de seu cargo estaciona funcionalmente. O seu próximo dia após atingir a Classe Especial será igual ao seu último dia quando de sua aposentadoria aos 30 anos (para quem entrou no regime antigo já que no atual regime não sabemos quando irá se aposentar). O modelo atual dos cargos Policiais Federais (APF, EPF e PPF) deixa estes, após 13 anos, sem perspectivas funcionais já que o sistema não lhes permite e não lhes dá outras opções.

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Olhando a ilustração abaixo fica claro perceber que o caminho na estrada é interrompido antes de atingir os postos de chefia.

Então temos profissionais com 13, 20 e 30 anos que acumularam conhecimentos práticos, possuem formação acadêmica, possuem graduação e não podem atingir pontos chaves da instituição por que a escada de seus cargos não lhes permite isso. É o que ocorre na prática.

Surge então a pergunta: Como são ocupados esses cargos de chefia?

Na Policial Federal existe concurso para Chefe.

APF-EPF-PPF COM, NO MÍNIMO, 13 ANOS NO CARGO

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Essa distorção da Carreira Única constitucional permite que pessoas recém-saídas dos bancos universitários, que nunca se depararam as agruras impostas pela vida, sequer trabalharam um só dia, assinaram petições jurídicas por um período, prestem um concurso, façam o curso de formação e no seu primeiro dia de serviço, após empossados, comandem grupos de Policiais Federais com décadas de conhecimentos acumulados. Existem exceções, óbvio, mas são exceções. A regra é essa.

Isso acontece mesmo? Sim, todos os dias e em todas as Delegacias da Polícia Federal, especialmente nas regiões de fronteiras que possui uma dinâmica bem própria dependendo do local onde está instalada a unidade.

O problema consiste não em termos um, dois ou centenas de exemplos, mas sim, no sistema que permite que isso aconteça.

Vamos entender isso melhor. No caso do concurso para chefe ele se dá através

do preenchimento dos cargos vagos e concurso público para Delegado de Polícia Federal. Ao longo dos anos os ocupantes desses cargos vêm buscando um empoderamento que discutiremos em capítulo específico mais adiante. Esse empoderamento acabou, por exemplo, com as chefias de Delegacias por parte dos Policiais Federais. Na verdade, acabou com grande parte das chefias ocupadas por esses servidores.

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Ao longo dos anos, especialmente dos últimos, da última década, o cargo de Delegado vem buscando a aprovação de leis e vem editando normas internas dentro da Polícia Federal para estabelecer a dominação dessas chefias.

Durante minha vida profissional presenciei inúmeras situações que comprovam esse pensamento aqui exposto. Gostaria de citar um fato real, ocorrido há não muito tempo.

Durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, fui designado como membro da Equipe de Segurança da equipe de futebol da Bósnia, durante sua estada na cidade de Guarujá.

A equipe era composta de 4 Agentes Federais e 2 Escrivães de Policial Federal, ou seja, 6 Policiais Federais em duas viaturas. Fazíamos o acompanhamento e cuidávamos de toda a segurança nos deslocamentos da delegação. Trabalho que envolvia planejamento, conhecimento dos roteiros e mapeamento das condições dos locais por onde ocorreriam os deslocamentos e os eventos. Eram muitas variáveis, desde possibilidades de atos terroristas até intervenções de crianças em busca de autógrafos de seus ídolos.

O chefe dessa equipe tática era um Policial Federal experiente, com passagem inclusive pelo Comando de Operações Táticas da PF, o famoso COT. Um cara que exalava competência e transmitia segurança em seus

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comandos, fruto dos estudos na área e da vivência de situações anteriores.

Eu mesmo que já tinha experiência na área, pois havia sido chefe da segurança de dois Presidentes em visitas ao Brasil, além de ter participado de outras dezenas de atividades do gênero, estava muito à vontade sob o comando do experiente colega.

Na atividade policial tem uma máxima que vale muito ser seguida. O Chefe de uma equipe é quem determina o sucesso dessa equipe. Isso sempre costuma funcionar.

Então vejamos, situação altamente sensível, pois envolvia situação de risco, envolvia delegação estrangeira, envolvia um evento de repercussão mundial além de outros fatores.

Equipe azeitada, como dizemos. Fizemos treinamento, simulamos os trajetos, fizemos os contatos prévios com as demais forças envolvidas, ditamos parâmetros, impusemos modificações no campo de treinamento por conta da segurança na chegada, enfim, fizemos a nossa parte.

O colega Policial Federal que chefiava a equipe se mostrou extremamente competente e isso delimitou nossa atuação.

Eis que surge a figura do Chefe extra. No começo, quando recebemos a notícia de que

dois Delegados de Polícia Federal haviam sido designados para acompanharem a Delegação da Bósnia

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nos surpreendemos e achamos graça perguntando o que fariam ali. Quais seriam as suas atribuições. Nos informaram que eles seriam o elo de ligação entre a Delegação e nossa equipe. Tá bom, desnecessário, mas tá bom.

Já no primeiro dia fomos “sentir” o conhecimento dos Chefes extras. Zero. Conhecimento zero na área. Um deles recém-saído da Academia Nacional de Polícia. Outro já com algum tempo e com “ares” de chefe.

Durante o primeiro deslocamento, o chefe extra com “ares de chefe” veio dar o seu pitaco dentro do que o Policial Federal havia programado. Como foi um pitaco sem o menor nível de embasamento técnico ou razoabilidade, coisa de pitaco mesmo, já levou a primeira patada. Rusgas surgiram.

Nós havíamos treinado aquilo, planejado aquilo, avaliado aquilo e estávamos executando aquilo previamente traçado. Nenhum chefe tinha, como nós, percorrido os caminhos previamente. Nenhum chefe tinha feito levantamento prévio dos riscos no local, marcado o tempo dos deslocamentos, nada de nada. O básico da fórmula de sucesso para algo. E vem o chefe extra dar palpite. Levou.

Em resumo, o caso foi parar no Chefe da Delegacia que tratou de colocar panos quentes.

Daí em diante as coisas transcorreram melhor. O Chefe com ares de chefe quase não veio nos falar mais

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nada, o outro chefe extra (o novato) ficava no seu cantinho observando tudo e sem abrir a boca.

Ao término dos trabalhos nossa equipe foi elogiada.

Ao mundo externo fico imaginando: Cada um dos dois Chefes extras deve ter colocado em seus currículos “Chefe da Equipe de Segurança de Dignitários da Seleção da Bósnia durante a Copa do Mundo de 2014”. Pois é...

Nós que vivemos isso sabemos como foi. Voltando ao tema do capítulo, temos então

diariamente o exercício de chefias em todas as áreas da Polícia Federal por chefes sem experiência por que o sistema permite que isso aconteça. Óbvio que existem Delegados experientes e muito bons, diria eu que são maioria. Já trabalhei com gente muito competente e tenho orgulho de ter sido chefiado pelos mesmos. Fizemos grandes trabalhos.

O que estamos analisando aqui é o modelo de carreira da PF e no meu entendimento, ele é extremamente falho ao permitir um concurso para Chefe que dê responsabilidade a pessoas sem experiência qualquer chefiar ações de segurança pública. Esse é um erro do modelo que repercute no dia a dia da sociedade e na segurança pública.

Atualmente um Policial Federal com Doutorado na área de Administração e Gestão, com 20 anos de experiência policial, com diversos elogios em sua folha

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profissional não pode concorrer a um cargo de Chefia de uma Delegacia na instituição e um Delegado de Polícia Federal, bacharel em Direito, com dias na função já é elegível.

Em nosso dia a dia, invariavelmente, procuramos experiência nos profissionais que contratamos. Quando vou contratar um pedreiro busco referências de experiência no trabalho. Quando vou buscar um médico busco experiência no assunto. Quando vou buscar um eletricista não vou colocar um novato para cuidar das instalações da minha casa.

Esse é o caminho natural das coisas. Todos nós buscamos profissionais com conhecimento (estudo) e com experiência na área (vivência).

No caso, mesmo no seio dos ocupantes do cargo de Delegado de Polícia Federal há muito descontentamento com as ascensões e mudanças de classes que obedecem aos mesmos critérios dos Policiais Federais e dos Peritos, ou seja, somente por tempo de serviço e realização de Cursos. A grande questão é que no caso do Delegado não há uma escada e sim um elevador automático e ultrarrápido que leva seus ocupantes até os cargos de chefia já no primeiro dia de serviço, como acontece em cidades fronteiriças, com suas peculiaridades.

É comum em cidades como Tabatinga/AM e Epitaciolândia/AC, dentre muitas outras da chamada “Calha Norte”, que os policiais federais que lá estejam

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lotados aguardem a chegada de novos policiais vindos da Academia Nacional de Polícia para conseguirem suas tão sonhadas remoções e voltarem para próximo de suas casas.

Ocorre que, com a chegada desses novos policiais, recém empossados, nessas cidades de fronteira chegam também os novos Delegados de Polícia Federal que já nos primeiros dias recebem atribuições e responsabilidades que só deveriam estar a cargo destes após anos de experiência.

Eu presenciei por anos e anos a chegada desses novos policiais e suas dificuldades naturais. Então, a culpa não é e nunca será dos profissionais recém empossados e sim do sistema que permite, nesse modelo de elevador ultrarrápido, que pessoas sem experiência assumam postos de chefia logo quando assumem.

A fórmula básica de conhecimento (estudos+formação na ANP) + experiências na área de atuação (situações acumuladas durante a vida) serve mais do que nunca neste nosso caso.

Vou usar alguns dados da pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal –ANEPF no ano de 2015, que reflete os demais cargos da instituição, especialmente os chamados Policiais Federais (Agentes, Escrivães e Papiloscopistas):

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Nos dados coletados podemos verificar que os Policiais Federais, em 2015, tinham em média 36 anos de idade e se levarmos em consideração uma idade mínima de 55 anos como média para aposentadoria teríamos uma vida útil de aproximadamente 20 anos.

Formação multidisciplinar superior em diversas áreas do conhecimento com especializações diversas. Policial é extrato da sociedade e assim sendo deve ter as mesmas capacitações e características dessa sociedade para que, no meio dela, possa exercer suas atividades.

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Quase 50% desse grupo já havia exercido chefia anterior, ou seja, trazia consigo experiência prévia sobre o desafio de liderar e ser liderado.

Conseguimos identificar um grupo com formação superior multidisciplinar, extrato da sociedade, com idade produtiva e com experiência anterior de chefia.

Observando abaixo, um recrutador experiente buscaria recrutar futuros profissionais do quadro A ou do quadro B para chefiar uma unidade policial que possui orçamento, questões interpessoais, exige conhecimento prévio e especialmente, envolve vidas, pois as ações policiais implicam muitas vezes em restrições de liberdade de outros? Situação de alto risco.

QUADRO A QUADRO B

Delegado de Polícia Federal

Policiais Federais (Agentes, Escrivães e Papiloscopistas). Classe Especial

Formação: Direito Formação: Em todas as áreas do conhecimento.

Experiência na área: zero

Experiência: no mínimo 13 anos vivenciando diariamente o meio Policial Federal.

No meio policial há algumas regras e uma das

principais é você olhar para o seu lado e confiar na pessoa que o acompanha. É você ouvir um comando e confiar nesse comando. É você andar por um caminho com alguém que já andou por ele e voltou seguro.

Eu não hesitaria em recrutar no quadro B. Mas todos do quadro B estão aptos? Claro e óbvio

que não, assim como 100% do quadro A são incógnitas.

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Que se aplique então um princípio básico da administração chamado Meritocracia.

Ao falarmos em Meritocracia acho importante estudarmos a etimologia da palavra. Do latim meritu (mérito) e cracia (poder), é um modelo organizacional que considera o mérito como principal meio para o crescimento, profissional ou pessoal.

Ela funciona como uma espécie de “filtro” dentro de uma organização. Se aplicada corretamente, a meritocracia auxilia os responsáveis a identificar onde estão os talentos da empresa e a recompensá-los por isso.

Ao serem recompensados, esses profissionais se sentem motivados a continuar trabalhando mais e melhor, o que faz com que a organização gire em um círculo vicioso de produtividade e recompensa, desenvolvendo-se mais com isso. Em se tratando de Segurança Pública a produtividade se reflete na já tão falada Sensação de Segurança através da baixa real dos índices.

E já existe Meritocracia na Polícia Federal? Não, não existe. A carreira Policial Federal,

composta por cinco cargos distintos, não premia os bons e os melhores policiais.

Como implementar a Meritocracia na Polícia Federal?

Através da adoção de medidas legais que permitam a adoção do modelo de entrada única, pela base, sempre no cargo de Policial Federal e as ascensões aos cargos de

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chefia se deem mediante concursos internos de provas e títulos, aliados a ações e comprovações de experiência na área.

Com isso permitiríamos que o binômio Conhecimento+Experiência fosse pré requisito aos cargos gerenciais ao contrário do que se vê hoje onde só se exige o conhecimento (cargo de Delegado).

Portanto, temos nesse estudo da Carreira Policial Federal, algumas assertivas que podem ser feitas:

A Carreira (no singular) é composta de 5 cargos (Agente, Delegado, Escrivão, Papiloscopista e Perito)

Cada um dos cargos tem sua entrada própria e a mobilidade funcional só ocorre dentro do próprio cargo e por tempo de estada

A experiência, o conhecimento amplo e a meritocracia não são levados em consideração na ocupação dos cargos de chefias e nos postos mais altos da instituição.

Somente os ocupantes do cargo de Delegado de Polícia Federal podem ocupar essas chefias.

As policias investigativas (Policias Civis e Polícia Federal) mantém concurso para chefe e desprezam a experiência e a Meritocracia.

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Abaixo utilizei um quadro comparativo formulado pelo Policial Federal Adailton de Lima Gaspari, atualmente lotado na Superintendência da PF no Maranhão, que conseguiu sintetizar as vantagens e desvantagens entre o modelo atual de cargos e do modelo de entrada única. Desvantagens da atual estrutura de cargos da PF:

Subutiliza a capacidade laborativa dos policiais.

Limita a pró-atividade da grande maioria dos policiais.

Dificulta a aferição de produtividade individual dos policiais.

Possibilita que um policial ingresse na polícia federal e se aposente sem concluir uma investigação em toda sua carreira.

Por mais simples que a investigação seja, são necessários em regra três policiais para dar andamento à investigação.

Possibilita que policiais sem experiência assumam funções de chefia.

Em regra, as investigações são extremamente superficiais apresentando baixo índice de elucidação de crimes.

Testemunhas e investigados tem que se deslocar a sede policial para serem ouvidas em data e horário

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marcado, ocasionando lentidão no procedimento de investigação e constrangimento aos envolvidos.

Vantagens da estrutura de carreira única composta na sua base por uma entrada única como investigador:

Possibilita aferição da produtividade individual dos servidores.

Otimiza o emprego do efetivo policial.

Investigações simples poderão ser realizadas por um único policial.

Possibilita o estabelecimento da meritocracia dentro da carreira policial, impedindo que policiais sem experiência assumam cargos de chefia.

Possibilita adoção de uma instrumentalização do procedimento de investigação simplificada e própria de um procedimento técnico, diferente da atual que é muito similar a do processo.

Encurta significativamente a tramitação dos procedimentos de investigação, reduzindo custos no trabalho investigativo.

Elimina os conflitos internos entre os cargos.

Possibilita que testemunhas sejam ouvidas onde quer que se encontre, encurtando o tempo das investigações.

Pessoas que ingressem na carreira policial e não tenham aptidão para o desempenho das funções são facilmente identificadas, e podem ser

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exoneradas durante o período de estágio probatório.

3.2 A CARREIRA POLICIAL NO FBI

Antes mesmo de falar da principal e mais conhecida polícia americana é importante ressaltar que a entrada pela base é padrão das instituições policiais no país mais desenvolvido do mundo.

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Vejam os exemplos:

Joseph Lombardo, Xerife do Texas-EUA;

William Bratton, ex-chefe de polícia de Nova York e Los Angeles-EUA;

William "Bill" Scott, Chefe de Polícia em San Francisco-EUA;

Edward A. Flynn, atual Chefe do Departamento de Polícia de Milwaukee-EUA;

Danielle Outlaw, Chefe de Polícia de Portland-EUA. Ocorre que quando falamos em polícia nos

Estados Unidos da América logo nos vem à cabeça o importante FBI. Vamos entender um pouco do funcionamento daquela instituição.

O Federal Bureau of Investigation, mais conhecido pela sigla FBI, é uma unidade de polícia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, servindo tanto como uma polícia de investigação quanto serviço de inteligência interno. Mantém uma página na internet (https://www.fbi.gov), aberta ao público em geral onde disponibiliza informações sobre sua história, estrutura e funcionamento.

O FBI faz parte de uma série de agências americanas que tem suas atribuições e competências bem definidas e exercem suas atividades sob o espectro do ciclo completo de polícia. Para um entendimento

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simplificado, podemos falar que o FBI começa e termina as investigações que porventura comecem e sejam da sua competência. Assim funcionam as demais agências americanas, as polícias estaduais e as polícias municipais.

Essa é a primeira grande diferença que apontamos quando comparamos com o modelo brasileiro.

No Brasil, como regra, as polícias, agências do tipo Abin (Agência Brasileira de Inteligência), guardas municipais e demais entes que incidem na segurança global do país não exercem esse modelo de Ciclo Completo de Polícia, ou seja, o que elas começam em termos policiais acabam por não terminarem, isso porque aqui tudo migra para uma Delegacia de Polícia.

Então, nos Estados Unidos, se a Polícia Estadual do estado de Nevada iniciar uma investigação dentro de sua competência ela irá terminar essa investigação, enquanto isso aqui no Brasil, se a Polícia Militar do estado do Amazonas atender uma ocorrência ela não pode iniciar uma investigação por que nossa constituição determina que investigações estão a cargo das polícias investigativas (Federal e Civil nos Estados), caracterizando o Ciclo Incompleto de Polícia.

Essa diferenciação de atribuições e de formatação das Polícias aqui no Brasil e nos Estados Unidos faz com que os Policiais tenham, da mesma forma, modelos de carreiras diferentes.

Como vimos no capítulo anterior, aqui no Brasil como exemplo, temos a nossa Polícia Federal que

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mantém uma carreira única constitucional, composta por 5 cargos (Agente, Delegado, Escrivão, Papiloscopista e Perito) com entradas distintas para cada um desses cargos, sem que haja uma interligação entre os mesmos. Na PF brasileira um Agente de Polícia Federal-APF será sempre um Agente de Polícia Federal a não ser que preste novo concurso público. Por exemplo, se um APF quiser almejar ser um Escrivão de Polícia Federal-EPF terá que prestar um novo concurso público, pois não existe possibilidades internas.

Há ainda, por aqui, a carreira de apoio, ou carreira administrativa, que não possui poder de polícia, não participa diretamente das atividades policiais, mas concorre diretamente para o êxito das atividades fins da Polícia Federal. Um exemplo claro ocorre nas operações policiais onde cuidam da logística, do pagamento das diárias, da compra, recebimento, licitações de equipamentos, etc. Sem a carreira de apoio não haveria operação policial.

Não é objeto desta obra, mas eu, particularmente, defendo que as atividades de apoio façam parte da carreira policial. Quem sabe no futuro ainda escreva sobre isso. E COMO FUNCIONA NO FBI? VAMOS TENTAR ENTENDER: Inicialmente gostaria de dar os devidos créditos ao colega Paulo Ricardo Aguiar de Deus, Agente de Polícia Federal que publicou no sítio

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http://sindipoldf.org.br/noticias-sindipoldf/o-fbi-e-a-falacia-das-multiplas-carreiras/ excelente artigo sobre as carreiras no FBI.

Explicou o colega: “Existem duas carreiras no FBI: a Carreira Administrativa (ProfessionalCareer) e a Carreira de Agente Especial (Special Agent Career). Diferentemente do que os Delegados apresentaram em seus textos, a carreira de “Polícia” no FBI é apenas a de Agente Especial. Já a carreira administrativa, atua como suporte de toda a estrutura investigativa, o que não poderia ser diferente. Se colocassem Agentes Especiais (ou seja, investigadores) para gerir o RH, a contabilidade, a logística etc., estaria fadada aos mesmos índices de solução de crimes que temos no Brasil. Então, resumindo, praticamente toda a atividade administrativa é realizada pelos cargos da Carreira Administrativa”

Continuou de forma muito esclarecedora: “...a atividade do Agente Especial não se confunde com a atividade dos Especialistas de Investigação e Especialistas de Vigilância uma vez que não são policiais. Nos EUA, isso se deve ao fato de os job series representarem, até onde se estende o poder daquela atividade. Nos casos que apresentei, os Agentes Especiais possuem 1811 job series, o que significa que tem prerrogativa de portar a insígnia do órgão, armas, credenciais e tem “autoridade para prender”. Por outro lado, os investigadores (caso dos especialistas mencionados) em alguns casos, podem portar insígnias e

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armas, mas não possuem autoridade para prender (arrest authority)”.

Dessa forma, após a sintética e límpida explicação fica mais fácil encontrarmos as semelhanças e diferenças entre a carreira policial federal no Brasil e o FBI americano.

No FBI temos duas carreiras, uma Policial e uma administrativa. No Brasil, temos uma carreira única, totalmente policial, enquanto o quadro administrativo da PF não é constitucional.

Temos leis distintas nos dois países, por óbvio, e isso incide também na formatação investigativa.

Vejamos no quadro abaixo antes de explorarmos mais a Carreira do FBI:

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Pela simples análise visual do quadro fica evidente que no Brasil há elementos a mais dentro do procedimento. Enquanto nos Estados Unidos as investigações dos Policiais migram para os Promotores aqui no Brasil as investigações dos policiais migram para dentro de um sistema burocrático de amarras onde Delegados as encaminham aos Promotores.

Vimos então que no FBI quem exerce as atividades policiais é a Special Agent Career (Carreira de Agente Especial). Esses profissionais são responsáveis pelas investigações, pelas diligências, pelas ações de inteligência e de campo, pela parte operacional. Para isso contam com a excelente Carreira de Apoio que lhes dão respaldo técnico/científico para que desempenhem com excelência suas atividades.

Um belo exemplo da carreira de apoio é o auxílio jurídico através de estudos e pareceres. Ao tempo que no Brasil a parte jurídica está entrelaçada com a investigação no FBI ela é um acessório.

Estabelecida a diferenciação entre a formatação da PF e do FBI vamos analisar o ingresso e a evolução da Special Agent Career.

A formação em Special Agent se dá em um complexo de 2,2 quilômetros quadrados dentro de uma base de fuzileiros navais norte-americanos. Além de formar agentes, o centro, localizado em Quantico, Virgínia, oferece especializações a policiais e militares. É um centro de referência na formação policial.

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O treinamento de novos agentes dura cerca de 20 semanas. Na primeira fase, são mais de 800 horas de cursos acadêmicos (alguns deles online), estudos de casos criminais, treinos de habilidades operacionais e com armas.

Para ingressar quem não for cidadão dos EUA ou tiver histórico criminal não pode se candidatar. A pessoa também não pode participar de programas subsidiados pelo governo, como bolsas estudantis, nem ter deixado de cumprir serviços militares. Consumiu maconha nos últimos três anos ou usou esteroides nos últimos dez? Se o exame de urina der positivo, o candidato está fora. Manufatura, comercialização e transporte de drogas também anulam o candidato automaticamente. Se a pessoa consumiu algum remédio controlado sem prescrição nos últimos 36 meses, ela também é afastada da seleção.

Passada a primeira eliminatória, quem não for excluído recebe quatro formulários para preencher. Com os dados coletados, o FBI investiga o passado e o presente do candidato, que precisa ainda passar por um teste de polígrafo, o detector de mentiras. A investigação envolve entrevistas com pessoas ligadas ao candidato e checagem de dados, e pode durar até seis meses.

Após essas fases começa a seleção de verdade, com testes acadêmicos de inglês, matemática, física e noções básicas de direito. O grifo em noções básicas de

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direito é meu para mostrar que, ao contrário do Brasil, o cargo Policial do FBI não exige essa formação.

E ainda tem as provas físicas, que envolvem um minuto de abdominais, arrancada cronometrada de 300 m, flexões sem limite de tempo e corrida cronometrada de 2,4 km. O candidato deve pontuar em todos os quatro testes físicos

Dentre os principais equipamentos usados na formação do Agente do FBI está O Beco de Hogan que é uma cidade de mentira, com bancos, farmácias, supermercados e outros serviços típicos de qualquer cidadezinha. É usada para simulações de investigação, treinamento com armas e avaliação de tomada de decisão. Os próprios instrutores assumem papéis de criminosos e terroristas.

Os trainees recebem acima de 90 horas de instrução em exercícios práticos de planejamento de operações (planejamento operacional), cooperação com testemunhas e informantes, vigilância e operações à paisana, por exemplo. O currículo básico inclui defesa pessoal com técnicas de boxe, lutas de solo, desarme e paralisação. Também há técnicas de direção defensiva e operações com veículos.

No circuito “Yellow Brick Road” (em referência ao filme O Mágico de Oz), os trainees encaram um percurso montanhoso de 9,8 km. O apelido se deve aos tijolos amarelos da estrada, que melhoram a visibilidade do trajeto em trechos de floresta. Riachos, janelas

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artificiais, paredes rochosas, arames farpados e lama fazem parte da rota. Quem completa o percurso ganha um dos tijolinhos.

O VirtSim é um treinamento tático em realidade virtual desenvolvido pelo próprio FBI. Conta com uma tecnologia 3D que usa captação de movimentos para criar um ambiente em 360 graus. O sistema projeta a ação de criminosos e vítimas em mais de 120 cenários como casas, escolas, escritórios, armazéns, aeroportos e restaurantes.

A legitimidade do FBI está contida no Título 28 do Código dos Estados Unidos (U.S. Code), Seção 533, que autoriza o Procurador-Geral a “indicar funcionários públicos para detectar... crimes contra os Estados Unidos”.

E em seu sítio na internet o próprio FBI declara que sua maior prioridade no combate ao crime é a modalidade criminal denominada “corrupção pública”, justificando-se assim:

“A corrupção no setor público representa uma ameaça fundamental à nossa segurança nacional e ao nosso modo de vida. A corrupção tem impacto em tudo, desde o quanto nossas fronteiras e nossos bairros estão seguros e protegidos, o quanto as sentenças proferidas em tribunais são justas, o quanto são de qualidade as nossas estradas, nossas escolas e os demais serviços governamentais. E isso tem um preço significativo em nosso bolso, desperdiçando-se bilhões de dólares, em impostos, a cada ano. O FBI está

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particularmente bem aparelhado para combater a corrupção pública, com competência e capacidade para executar complexas operações encobertas e de vigilância”.

O FBI é estruturado em carreira, ou seja: o agente

especial, depois de certo tempo de serviço, vai progredindo dentro do órgão, podendo alcançar funções de supervisão, chefia e direção, inclusive tendo a possibilidade de chegar até mesmo a diretor do FBI.

Nesse ponto podemos fazer uma comparação mais clara entre os modelos da PF do Brasil e o FBI americano.

A polícia tupiniquim usa um modelo de carreira estabelecido em castas, não permitindo mobilidade entre elas (Policiais Federais – Agentes, Escrivães e Papiloscopistas; Peritos Criminais e Delegados). Vemos na PF as três castas bem definidas sendo que dentro da casta dos Policiais Federais também não há mobilidade. Um Escrivão não pode virar Agente sem novo concurso. Um Delegado não pode virar Perito ou Escrivão sem um novo concurso.

Já na Polícia Federal norte americana existe uma escada com início e fim. O início é igual para todos que ingressam como Special Agent e através da sua dedicação, trabalho e reconhecimento podem galgar novos desafios com funções de Supervisão, Coordenação, Direção por regiões e até como Diretor Geral do órgão.

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Esse modelo de escada ascendente utilizado pelo FBI é um modelo que permite o acúmulo de experiências e a transferência das mesmas na medida em que um policial mais experiente sempre estará no degrau acima.

Ao contrário de um Policial Federal brasileiro o Policial do FBI tem uma carreira que motiva seu desempenho, estimula seu potencial máximo e competitividade efetiva. COM BASE NESSES ARGUMENTOS APRESENTADOS VAMOS RESPONDER O QUESTIONAMENTO ABAIXO SOBRE A CARREIRA ÚNICA NA PF: ( ) Sou a favor da manutenção do mesmo modelo de recrutamento para os cargos de chefia na PF, mediante a manutenção do concurso para Delegado de Polícia Federal nos mesmos moldes, independente de possuírem experiência ou não para assumirem as responsabilidades das chefias. ( ) Sou favorável a instituição da Meritocracia e da entrada única pela base através do preenchimento dos cargos Policiais Federais com a instituição de provas e títulos para que se alcancem os postos de chefia, levando-se assim o conhecimento + experiência ao se atribuir mais responsabilidades aos servidores.

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CAPÍTULO IV

A POLÍCIA FEDERAL DAS

OPERAÇÕES VERSUS A POLÍCIA FEDERAL DO DIA A DIA4

Quando estudamos a segurança pública no Brasil

nos deparamos com inúmeros gargalos institucionais que contribuem no dia a dia para que as coisas não andem com a qualidade e a velocidade que seriam necessárias à resolução dos crimes.

Um dos principais gargalos da segurança pública é o chamado Inquérito Policial, utilizado como ferramenta de investigação pelas Polícias Investigativas Estaduais, as Polícias Civis e a Polícia Investigativa Federal, a Polícia Federal.

O Inquérito Policial é um procedimento pré-processual, informativo e que serve como um caderno de provas colhidas a respeito de um fato criminoso, sua autoria, materialidade e liame de execução. Para simplificar, o Inquérito Policial serve para apurar quem cometeu o crime, qual o objeto do crime, materialidade e quais as suas circunstâncias. 4 https://www.youtube.com/watch?v=G2UoSC5kA50 4.1https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos

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Essa peça chamada Inquérito Policial é enraizada no imaginário popular já que é um instrumento oriundo da herança imperial, baseada no formalismo, no conceito de perguntas e respostas, inquirições e poder policial.

No Brasil, especialmente durante o período da chamada “Ditadura Militar” (volto a frisar que esta obra não entra no aspecto político dos governos) diversos casos de torturas foram atribuídos à atuação policial, especialmente em delegacias e cadeias públicas usadas como locais para extração da verdade junto aos chamados elementos subversivos, como eram conhecidos os opositores ao sistema, naqueles tempos.

O instrumento Inquérito Policial-IP era utilizado muitas vezes para esconder crimes e torturas, como já comprovado em diversos procedimentos investigativos cujo teor não vem ao caso na presente obra. Ocorre que esse instrumento levou a chancela de ter sido usado muitas vezes nesse sentido. Uma marca histórica.

Uma minissérie exibida pela TV Globo no ano de 2017, intitulada “Os anos eram assim” detalham a utilização de um Inquérito Policial como instrumento para simular a morte de uma pessoa. Foram simulados laudos, depoimentos e relatórios.

Como já explicado aqui anteriormente, após a constituição de 88, a visão do Estado foi alterada para uma visão mais humanizada, onde o cidadão passou de eventual perigo ao Estado para uma pessoa com direitos e deveres.

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Ocorre que a peça investigativa, outrora usada como objeto de coação de pessoas e como instrumento para esconder crimes de tortura não foi alterada na nova ordem constitucional.

O Inquérito Policial continua baseado na burocracia excessiva, na centralização das peças investigativas na figura do Delegado de Polícia, na chamada investigação a distância onde o principal investigador fica longe do local dos fatos e na máxima que “eu pergunto e você responde”, o chamado inquisitório.

Na prática o IP se inicia de duas formas: por Portaria ou por Auto de Prisão em Flagrante Delito. Em algumas Polícias Investigativas Estaduais, as Polícias Civis, há ainda a instauração por despacho na peça que traz a notitia criminis. Vamos tratar das instaurações por Portaria ou por Auto de Prisão em Flagrante Delito.

Uma portaria, segundo o Caderno Didático de NPCART da Academia Nacional de Polícia, versão 2014 e não atualizada até a conclusão deste livro, é a peça inicial do Inquérito Policial e deve conter “o relato sucinto do fato delituoso”, ou seja, funciona como uma certidão de nascimento do procedimento investigativo.

Nos IPs iniciados por Portaria a notícia do crime (notitia criminis) chega geralmente após a ocorrência dos fatos, o autor pode estar identificado ou não e nos iniciados por Auto de Prisão em Flagrante Delito o autor

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do ato delitivo foi pego cometendo o crime, logo após ou com os objetos do crime.

Um Inquérito Policial iniciado por Portaria segue seu rito burocrático com a aposição de despachos ordinatórios (são ordens escritas na primeira pessoa Ex.: Determino ao Escrivão…), carimbos e termos de movimentações, ofícios e memorandos, indiciamentos e relatórios.

Os casos iniciados por Autos de Prisão em Flagrantes Delitos são geralmente mais céleres em virtude de os indiciados estarem presos e submetidos atualmente a audiências de custódias pelo Poder Judiciário. No caso das Polícias Investigativas (Civil e Federal) podemos dizer que elas funcionam na maioria das vezes, nesses casos, como homologadoras de serviços de terceiros já que dificilmente são elas mesmas que produzem os atos que resultam nos flagrantes lavrados.

Como os Inquéritos iniciados por Autos de Prisão em Flagrante são os de menor número nos estudos gerais da Segurança Pública e resultam, como já dito, em sua maioria de atos de terceiros não os abordaremos nesta obra, passando tratar do Inquérito Policial iniciado por Portaria.

Quando falamos em IP iniciado por portaria, no caso da polícia investigativa federal, a nossa Polícia Federal, temos duas situações bem distintas e que são desconhecidas da população em geral. O Inquérito

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Policial Federal- IPL iniciado por Portaria e que é utilizado para apuração de crimes em todas as Delegacias de Polícia Federal no Brasil, inclusive Superintendências nos Estados, etc, são inquéritos de trâmite comum. O que chamamos de vala comum.

Outra forma de IPL, também iniciado por Portaria, dentro da Polícia Federal é o Inquérito instaurado para fins de operações policiais.

Trata-se do mesmo tipo de Inquérito Policial na sua essência e conforme se depreende das entrevistas diárias e dos números apresentados pelas estatísticas oficiais ambos são idênticos. Acontece que na prática, no dia a dia policial, eles são diametralmente opostos quanto a sua celeridade, quanto a sua forma técnica de apuração, quanto aos atos investigativos e principalmente, quanto ao emprego ou não da técnica e da ciência policial.

Vamos estudar os dois casos para entendermos que a diferença entre os modelos é o eixo principal da investigação. Enquanto a PF “das Operações” deixa inerte o Inquérito Policial, desloca seu eixo investigativo para perto do local do crime e dentro de um procedimento chamado Procedimento Criminal Diverso-PCD na PF “do dia a dia” o eixo investigativo está centralizado na figura do Delegado e corre num interminável vai e vem de papéis para dentro e para fora do Inquérito Policial. Um funciona e o outro não.

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4.1. COMO FUNCIONA A POLÍCIA FEDERAL EM UMA OPERAÇÃO

Neste estudo para diferenciarmos o funcionamento da Polícia Federal em apurações comuns e em operações especiais vamos usar o mesmo exemplo que usamos anteriormente. RELEMBRANDO: “Temos uma casa em uma rua comum. Nesta Casa reside um Vigia Noturno chamado Joaquim. Ele trabalha das 20h às 8h em 6 dias da semana. Um dia, logo após sair para trabalhar, duas pessoas (identificadas como Carlos e André) arrombaram a janela da casa de Joaquim e subtraíram uma TV de 20 polegadas”

Em primeiro lugar temos que frisar que o início de uma Operação Policial e toda sua estrutura está vinculada única e exclusivamente a vontade das pessoas. Isso

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mesmo, não há critérios objetivos para se decidir qual caso e por que será transformado e estruturado na forma de uma operação policial.

Geralmente, a regra utilizada é o volume de recursos desviados, a repercussão de determinados casos e grupos com poderios econômicos ou de influência. A falta de critérios objetivos traz para a regra do jogo o fator pessoalidade e sempre que o Estado apurador utiliza esse critério pode incidir em erro.

Como essas decisões não tem os tais critérios objetivos e passa pela pessoalidade podem ocorrer utilizações políticas, econômicas ou corporativas através da realização de operações policiais.

Uma análise mais aprofundada sobre a possibilidade da utilização de Operações Policiais em finalidades não republicanas ficará para uma próxima obra. A princípio gostaria de dizer que desconheço qualquer operação que tenha tido esse viés e se apontasse uma estaria mentindo, mas o sistema permite que isso seja feito e daí a citação.

Voltando ao nosso Estudo de Casos vamos inserir uma cidade, por exemplo, Campina Grande/PB, onde existe uma descentralizada da Polícia Federal, para que possamos ampliar nosso espectro de estudo. Além disso, também inserimos que os autores Carlos e André fazerem parte de uma organização criminosa que atua no tráfico internacional de Drogas.

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ENTÃO NOSSO CASO FICOU DA SEGUINTE FORMA: “Temos uma casa em uma rua comum na cidade de Campina Grande/PB. Nesta Casa reside um Vigia Noturno chamado Joaquim. Ele trabalha das 20h às 8h em 6 dias da semana. Um dia, logo após sair para trabalhar, duas pessoas (identificadas como Carlos e André, que já eram acompanhados pela Delegacia de Polícia Federal de Campina Grande por tráfico internacional de drogas) arrombaram a janela da casa de Joaquim e subtraíram uma TV de 20 polegadas. ”

Então passamos a ter um caso a ser apurado. A forma de apuração contida na legislação pátria é o Inquérito Policial. A Delegacia de Polícia Federal de Campina Grande/PB que já acompanhava a dupla de autores instaurou um Inquérito Policial para apurar o ocorrido. Até aí o rito seguido é o normal. Instauração de Inquérito Policial.

O Delegado que instaurou o Inquérito Policial por seu livre arbítrio e fora de critérios objetivos e pré-determinados indica que aquele caso merece ser transformado em uma operação policial. Encaminha essa sua ideia para o chefe da Delegacia e havendo concordância inicia-se uma operação. Em outras oportunidades a indicação de transformação vem por canais superiores (Direção Geral, Diretoria de Inteligência Policial, Diretorias específicas das áreas, etc).

A partir dessa decisão e da colheita de dados iniciais é decidido o nome dessa Operação Policial.

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Como exemplo passaremos a chamar nosso estudo de “Operação Que país é esse”. Já temos um nome e ele remete a tudo o que ocorre em nosso país durante o período em que esta obra era construída. Acho que é um bom nome. Assim surgem também os nomes das operações especiais.

Já temos um Inquérito Policial instaurado e já temos um nome na operação. Precisamos nos ater agora ao que difere um Inquérito Policial de Operação de um Inquérito Policial do dia a dia.

Vamos à legislação, especialmente a lei das interceptações que faz parte em quase 100% dos procedimentos que correm dessa forma.

Trata-se da Lei 9296/1996: Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. ... Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

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Os grifos nos artigos são meus para demonstrar

que a Lei de Interceptações dita normas para as chamadas Operações Policiais da Polícia Federal a partir do momento em que é solicitada uma medida de interceptação.

O Artigo 1º grifamos que o procedimento dependerá de ordem do juiz competente, ou seja, não está nas mãos da Polícia ou do Ministério Público a decisão da interceptação e sim do Juiz da ação principal.

Autorizada pelo Juiz competente grifamos no Artigo 8º e parágrafo único, que a tramitação se dará em Autos Apartados (vamos explicar a seguir) e sob a forma sigilosa e cujos resultados serão apensados ao Inquérito Policial no momento anterior ao relatório final, ou seja, no término do mesmo.

Para melhor visualização vamos imaginar duas salas em uma Delegacia. Na primeira estão um Delegado com o Inquérito Policial. Na segunda estão os Autos Apartados vinculados àquele Inquérito Policial. O

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.

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Inquérito Policial que está na sala do delegado ficará em stand by, parado, sem nada novo dentro, praticamente inerte, sem diligências, até para não levantar suspeitas sobre o assunto, enquanto as diligências estarão ocorrendo a partir da sala ao lado onde se encontram os Autos Apartados.

Começa aí, a meu ver, a grande diferença e um dos grandes fatores de sucesso das Operações Policiais. A investigação ocorrerá fora, distante, longe, oposta ao Inquérito Policial e seu trâmite burocrático.

De forma prática, o Inquérito está na sala do Delegado em meio à outra centena de procedimentos iguais. Parado e esquecido no meio da burocracia e nas pilhas que são regra em todas as Delegacias. Na sala ao lado já ocorre à primeira reunião dos Policiais Federais

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(Agentes, Escrivães e Papiloscopistas) que farão parte da equipe. Geralmente uma equipe de operação é composta de 3 a 6 policiais, podendo ser mais ou menos dependendo do assunto e do tamanho do caso investigado.

Os 3 Policiais Federais da equipe (um APF, um EPF e um PPF) discutem as estratégias operacionais após receberem do Delegado os dados iniciais já conhecidos.

Abro aqui um parêntese. Se perguntarem de forma oficial em todas as Delegacias da Polícia Federal ouvirão que o Delegado comanda todas as fases da investigação, cuida de tudo e controla tudo.

Estou aqui escrevendo baseado nos 25 anos de práticas policiais. Trabalhei em mais de 100 Operações Policiais, na execução dos Mandados, na elaboração de Relatórios de Inteligência, na elaboração de Laudos de Análise de Materiais, no trato com áudios oriundos de escutas telefônicas, com trabalho de campo, com trabalho nos Inquéritos Policiais. É com base nisso que escrevo e não nos comunicados oficiais emitidos por quem quer que seja.

Na prática, na situação real, os Policiais Federais cuidam da investigação e encaminham os resultados ao Delegado que formula os documentos a serem encaminhados aos respectivos juízes. Essa é a regra. Óbvio que vivenciei exceções e faço aqui o registro, mas

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a “regra é clara”, investigação de verdade nas operações é feita pelos Policiais Federais.

Quem fica responsável pelos áudios, suas degravações e suas análises? Os Policiais Federais.

Quem fica responsável por identificar e acompanhar os alvos? Os Policiais Federais

Quem são os responsáveis pelos sistemas informatizados? Os Policiais Federais

Quem faz as vinculações e orienta os pedidos a serem feitos ao Juiz do caso? Os Policiais Federais.

Quem sabe mais do contexto geral da operação? Os Policiais Federais.

Mas o Delegado não participa das investigações? Eu falei da regra geral e funciona como relatado acima. Há Delegados que interagem mais com a parte policial, mas geralmente ficam mais atrelados a parte burocrática. Recebem as investigações, concentram as informações e elaboram os pedidos. Essa é a regra.

E na sala anexa foram “grampeados os autores Carlos e André”, em cumprimento a ordem judicial. Já no primeiro dia obtiveram a informação de que Carlos havia furtado a TV para cobrir uma pequena dívida com um traficante local visto que serviria de “mula” para transporte internacional de drogas somente no mês seguinte e estava sem dinheiro para suprir seu vício.

A partir dessa informação os Policiais Federais informaram o Delegado e passaram a empreender técnicas de vigilância e acompanhamento. Fotografaram

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e seguiram Carlos e André em seus encontros com outras pessoas. Durante os acompanhamentos foram obtidos materiais que foram submetidos à exame pericial que culminaram por apontar que as digitais de Carlos e André coincidiam com as digitais obtidas no local do crime original (casa do vigilante).

Desse trabalho técnico e científico desenvolvido no campo, próximo ao crime, próximo aos procedimentos criminosos foram obtidas provas materiais e indícios tanto do cometimento do crime de furto (da TV) quanto do envolvimento com o tráfico internacional de drogas por parte de Carlos. Já quanto a André nada se evidenciou de seu envolvimento com o tráfico internacional de drogas.

Os trabalhos transcorreram por mais de um mês e quinzenalmente era elaborado, pelos Policiais Federais, um Relatório Circunstanciado das Diligências o qual era encaminhado ao Delegado que por sua vez o remetia ao Judiciário.

Quando as diligências da operação “que país é esse” atingiram seu grau de maturação, decidiu-se pela deflagração final. Através de um pedido do Delegado ao Juiz original obtiveram ordem de busca e apreensão na casa de Carlos, André e outras pessoas também identificadas, além de Mandados de Prisões.

Lembram do Inquérito Policial que estava parado na sala do Delegado. Pois bem, ele permaneceu lá parado, sem nada dentro e sem nenhum movimento

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importante além de alguns carimbos e despachos burocráticos.

Todas as diligências foram realizadas no campo e anexadas aos Autos Apartados que corriam na sala anexa, sem burocracia, sem despachos, sem formalismos desnecessários.

Finalizadas as diligências e as buscas, colhidas as provas é hora de finalizarmos o procedimento.

Os autos apartados que estavam na sala sigilosa são levados e juntados ao Inquérito Policial que estava “repousando” na sala dos Inquéritos. (Artigo 8º da Lei 9296/96).

Após essa juntada o Delegado faz o Relatório Final do Inquérito Policial que agora conta com as diligências realizadas nos Autos Apartados e encaminha ao Juiz do fato. Algumas constatações sobre os Inquéritos Policiais das Operações:

As diligências transcorrem mais próximas aos locais de crimes.

Há descentralização da investigação na medida em que todos se tornam importantes no processo.

Técnica e Ciência tomam o papel da burocracia e do formalismo.

Os Policiais Federais operacionais conhecem o todo e não partes da investigação.

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O Delegado, como regra, faz a intermediação entre a Investigação Real e o Juiz do caso.

O Inquérito Policial funciona tão somente como uma capa e um número para o caso já que as diligências ocorrem nos Autos Apartados. Esse modelo de PF das Operações é o que mais se

aproxima das polícias e modelos policiais que mais dão certo no mundo. Quando mencionamos e assistimos filmes e séries tipo CSI e vemos que a técnica e a ciência resolvem, de fato, os crimes, estamos evidenciando que esse é o caminho da eficiência e eficácia que as polícias devem buscar.

No sentido oposto ao das Operações Policiais, onde se valoriza a investigação real, a técnica e a ciência, temos a realidade do dia a dia.

Enquanto o modelo de operações engloba menos que 2% dos procedimentos da PF temos o modelo de apuração dentro dos Inquéritos Policiais que engloba aproximadamente 98% dos casos em andamento.

Vamos ver para ao final compararmos?

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4.2. COMO FUNCIONA A POLÍCIA FEDERAL NAS APURAÇÕES DO DIA A DIA

Como vimos anteriormente a PF das Operações

funciona. Faz com que alguns de seus servidores ganhem os holofotes com ares de grandes policiais e ótimos gestores. Todos os dias, há alguns anos, temos acordados com a notícia de figurões de nossa política e de nossa economia presos. Isso aguça nosso imaginário, cria uma expectativa de que a nossa Polícia Federal realmente funciona. Estaria ela atenta a tudo e a todos, como os mais efetivos organismos policiais do mundo.

Mas quando um cidadão comum procura uma Delegacia da Polícia Federal em qualquer lugar do Brasil ele se depara com outra realidade. Há uma Polícia Federal escondida sob o tapete das estatísticas. Há uma PF improdutiva, atolada na burocracia, esfacelada em suas relações internas, deteriorada em vaidades e com

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índices de ineficácia que beiram as piores polícias do mundo. É triste, mas é preciso escancarar essa realidade.

Vamos usar nosso mesmo exemplo para este estudo de caso.

“Temos uma casa em uma rua comum na cidade de Campina Grande/PB. Nesta Casa reside um Vigia Noturno chamado Joaquim. Ele trabalha das 20h às 8h em 6 dias da semana. Um dia, logo após sair para trabalhar, duas pessoas (identificadas como Carlos e André, que já eram acompanhados pela Delegacia de Polícia Federal de Campina Grande por tráfico internacional de drogas) arrombaram a janela da casa de Joaquim e subtraíram uma TV de 20 polegadas”.

Lembram-se que no caso da Polícia Federal das Operações foi feita uma escolha pessoal para que o Inquérito Policial virasse uma operação policial? Neste caso, agora, esse Inquérito não foi escolhido e não irá virar uma glamorosa operação.

Como ele não foi escolhido entrou na fila comum, a chamada Vala Comum dos inquéritos e isso fará com que ele siga trâmites e formalismos tradicionais da tramitação de um procedimento pré-processual.

Lembram que falei em duas salas, a primeira onde permanecia o Inquérito e a segunda onde corriam os autos apartados? Esqueçam a segunda sala. Agora só existe a sala do Delegado.

Lembram que falei que na sala dos Autos Apartados os Policiais Federais (Agentes, Escrivães e

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Papiloscopistas) assumiam a investigação real com análise dos áudios, diligências operacionais, campana, elaboração de Relatórios de Inteligência e isso dava a eles o conhecimento do todo daquele procedimento? Esqueçam os Policiais Federais, agora tudo é centralizado no Delegado.

Lembram que falei que os Autos Apartados não tinham viés burocrático, não havia formalismo desnecessário e o contato com o Juiz natural era mais direto? Esqueçam, agora tudo isso existe e dentro do Inquérito Policial.

Esqueçam a celeridade, a agilidade e o acompanhamento mais próximo do crime. Agora, na PF do Dia a Dia, e dentro do Inquérito Policial as coisas seguem ritos formais, seguem ritos imperiais e seguem seu rumo na medida da vontade de uma só pessoa, o Delegado.

Deslocou-se o eixo investigativo real do local dos fatos para o interior de uma sala em uma Delegacia, deslocou-se o eixo investigativo real dos policiais de campo para um policial de sala e deslocou-se o eixo investigativo real do eficaz para o ineficaz.

Tive a oportunidade de fazer um curso promovido pela embaixada dos Estados Unidos no Brasil e ministrado por membros da Central Intelligence Agency-CIA, uma das inúmeras agências americanas relacionadas com a segurança pública e que faz parte do

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descentralizado modelo investigativo implementado por lá.

Durante esse curso ficou evidente a valorização da análise de campo na elucidação de crimes. Ficaram mais evidentes ainda as explicações acerca do gráfico abaixo:

Então, para as polícias que funcionam, quanto mais perto do local do crime chegar o investigador real maior as chances de elucidação desse crime e no sentido oposto quanto mais distante o investigador real estiver desse local menores as chances de êxito.

Talvez aí resida o grande problema conceitual da ineficácia do nosso sistema investigativo refletido nos índices pífios de elucidação de crimes através do Inquérito Policial, centralizado na figura do Delegado.

Para entendermos isso de forma mais clara vamos usar o nosso exemplo no estudo de caso.

Ao tomar conhecimento do furto e das circunstâncias do ocorrido e após a instauração do

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Inquérito o Delegado passa a determinar o que irá acontecer e a velocidade dessas coisas através de despachos dentro desse mesmo IPL. Vejam que no modelo da PF das Operações o Inquérito ficava parado e as coisas ocorriam foram dele. Agora as coisas passam a acontecer dentro ou a partir de ordens emanadas dentro desse procedimento.

Voltando ao nosso caso estudado, digamos que o Delegado resolveu no primeiro despacho somente determinar a realização de perícia na casa do vigilante. O procedimento se daria da seguinte forma. Delegado despacha (5 dias). Escrivão recebe o despacho (mais 5 dias) e emite um memorando ao setor de Perícias da Delegacia de Campina Grande/PB. O setor de Perícias designa uma equipe e emite uma Ordem de Missão para que a equipe vá até o local. A equipe vai ao local e faz a Perícia. O laudo pericial é encaminhado ao Escrivão via memorando do setor de Perícias (até isso já se foram mais uns 30 dias). O Escrivão encaminha o Laudo Pericial para conhecimento do Delegado (mais 5 dias). O Delegado após tomar conhecimento dá um novo despacho no Inquérito para o Escrivão juntar o Laudo Pericial no IPL (mais 5 dias). O Escrivão recebe o Inquérito e junta o Laudo, voltando a seguir o Inquérito Para o Delegado (e mais 5 dias).

Pelo tamanho do parágrafo acima fica claro vermos a quantidade de movimentos e a quantidade de pessoas e documentos envolvidos até que o Laudo

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chegue ao interior do Inquérito. Fica claro também que, pela decisão do Delegado de determinar uma só diligência (Laudo) no primeiro despacho a investigação em si nem começou já que nada foi feito em matéria de investigação real.

No segundo despacho o Delegado resolve intimar o Policial Militar que atendeu a ocorrência.

E o trâmite não é menos moroso. Delegado despacha no IPL para o escrivão emitir ofício ao comando da PM local a fim de apresentar o Policial Militar para prestar depoimento. O Escrivão recebe os autos e elabora o Ofício. Como o Escrivão não assina esse tipo de ofício ele retorna ao Delegado para assinar. Após assinado o ofício, é encaminhado, via correios, ao Comando da PM. Ao ser recebido no comando da PM é verificado pelo mesmo que o referido Policial se encontra de férias e como resposta ao Delegado é emitido um ofício resposta pelo comandante da PM local. Uma equipe da Polícia Militar é deslocada para entregar o ofício na Delegacia.

Abro aqui um parêntese para abordar o fator Vaidade Humana como complicador das relações interpessoais entre servidores públicos da mesma ou de diferentes instituições.

Com a aprovação da Lei 12.830/2013, mais especificamente em seu artigo 3º temos que “O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento

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protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados” (grifo meu).

Baseados nesse artigo os Delegados, em entendimento próprio e contrário ao Manual da Presidência da República, passaram a exigir o tratamento de Vossa Excelência quando de comunicações oficiais e baseados nessa interpretação passaram até a negar recebimento de correspondências elaboradas por outros servidores e por outros órgãos que não tragam o tratamento protocolar entendido por eles como correto.

O entendimento em nada auxilia na problemática da segurança pública, ao contrário, eleva a tensão já existente inclusive com forças policiais coirmãs. É de se ressaltar que a Procuradoria Geral da República –PGR, através de Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI contesta no Supremo Tribunal Federal a eficácia dessa norma.

Voltando ao nosso estudo. O Ofício da PM local chegou informando que o Policial Militar convocado está de férias. E o Delegado responsável recusou-se a receber o ofício, pois o Oficial da Polícia Militar usou o tratamento de Vossa Senhoria ao invés de Vossa Excelência. A guarnição da Polícia Militar teve que retornar para feitura de novo ofício.

Pode parecer uma grande brincadeira, mas infelizmente não é. A segurança pública vista de dentro para fora é bastante diferente do que é transparecido

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para a população em geral. Isso não só pode como já aconteceu em diversos lugares.

Aconteceu comigo. Triste. O Inquérito segue, em média, dentro da PF por

180 dias. Vejam o nosso estudo dois despachos, um

memorando, um ofício, dois deslocamentos da PM e a investigação real ainda não começou.

Aí vem mais um despacho do Delegado. Mandou juntar a resposta da PM local informando

que o Policial Militar que atendeu a ocorrência encontra-se de férias. A seguir determinou ao Escrivão que expeça novo memorando ao Setor Operacional para que os Policiais Federais ali lotados investiguem o crime. Inquérito vai para o Escrivão. Escrivão expede o memorando, mas como não pode assinar leva para o Delegado. Delegado assina e o Escrivão entrega no setor correspondente. Na verdade, é na sala anexa. Após receber o memorando do Delegado o Setor Operacional designa uma equipe de Policiais Federais para investigar os fatos, mas eles não sabem de nada. A fim de se informarem procuram o Escrivão, mas recebem a informação de que só o Delegado pode autorizar aos Policiais Federais que acessem o Inquérito.

Como é? O Delegado manda investigar e o investigador não pode ver o Inquérito.

Sim, isso mesmo. Tudo passa pelo Delegado.

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Então se o Delegado for embora e só voltar no dia seguinte o Escrivão (que também é de nível superior) não pode mostrar o Inquérito? Sim, não pode.

Como vemos, todos os atos de um Inquérito Policial são centralizados na figura do Delegado, tudo tem que passar por ele e todas as decisões, inclusive as mais básicas não podem ser tomadas por outros servidores policiais mesmo mais experientes e com formação maior e melhor.

No trâmite do Inquérito Policial, por ser um modelo imperial e centralizador, não há o uso do conceito de equipe policial. Há sim uma centralização em um só cargo e daí se usa a expressão “investigação dentro de uma sala”.

Como vemos no gráfico abaixo, as investigações baseadas e centralizadas no Inquérito Policial têm um aspecto de jogar um bumerangue. Vai e espera voltar. Joga novamente e espera voltar.

Tudo que é produzido fora do Inquérito migra ao mesmo por ordem e vontade do Delegado.

Temos, então, várias investigações feitas fora do Inquérito (perícia, diligências policiais, pedidos para outros órgãos) feitas de forma isolada e sem interdependências e que migram para dentro do Inquérito Policial. Vejam que é o oposto do modelo da PF das Operações quando os Policiais Federais circulam dentro dessas diversas áreas investigativas.

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Nesse modelo centralizador a técnica e a ciência policial são levadas a segundo plano na medida em que a burocracia e o formalismo se tornam prioridades.

Eu trabalhei, efetivamente, por 25 anos dentro desse sistema e minhas alegações não são simplesmente teóricas. Vi e vivi na prática os efeitos da burocracia e do formalismo excessivos no dia a dia.

Certa vez, ao receber alguns Inquéritos Policiais despachados passei a analisá-los sob a ótica da efetividade. Lembro que contei mais de 2000 páginas dentre aqueles analisados sem que uma única diligência investigativa fosse tomada. Juntada de papéis e mais papéis, despachos e mais despachos, memorandos e mais memorandos, ofícios e mais ofícios. Nada. Nada de nada de investigar.

A confirmar esse aspecto temos o caso das Correições efetuadas pelas Corregedorias Regionais e que se destinam a verificar o correto andamento dos procedimentos pré processuais (IPLs) em andamento naquelas localidades.

A Corregedoria verifica os Inquéritos quanto à forma e andamento, nunca quanto ao conteúdo e eficácia.

O que temos, então, nas correições é um grande apontamento quanto a erros de numeração de folhas, erros de datas nos documentos, erros de prazos não cumpridos, etc. Nada a ver com a qualidade das investigações. Não se busca no campo correicional saber

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se os Inquéritos Policiais resultaram em condenações efetivas. Não se busca no campo correicional saber se o trabalho centralizado numa só figura é realmente o melhor modelo.

Temos dois modelos bem distintos, um descentralizado, baseado na técnica e na ciência, que aproxima o investigador real da cena do crime e outro centralizado, formal, burocrático, que funciona dentro de uma sala e longe do local do crime. Algumas constatações sobre os Inquéritos Policiais do dia a dia:

As diligências transcorrem dentro das salas das delegacias e distantes dos locais de crimes.

Há centralização da investigação na medida em que tudo é centralizado na figura do Delegado, estabelecendo-se o “tudo vai e tudo volta”.

Técnica e Ciência perdem papel para a burocracia e o formalismo.

Os Policiais Federais operacionais desconhecem o todo e passam a ser acessórios da investigação.

O Inquérito Policial passa a ter papel primordial e assume ares de estrela dentro do modelo investigativo. Como resultado desse estilo de investigação temos

índices de elucidação de casos em torno de 5 a 8% do

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total e de 3% de autores de crimes efetivamente denunciados.

O quadro acima reflete bem duas formas de se

lidar com os cargos e com o modo investigativo. Na parte superior temos o modelo atual,

centralizado, onde tudo que é produzido a nível de investigação retorna ao Delegado. O gráfico pode ser utilizado para qualquer tipo de diligência ou solicitação dentro do Inquérito Policial, bastando substituir a figura ilustrada do Agente pela figura de eventual setor ou órgão demandado.

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Na parte inferior do gráfico temos um modelo mais próximo do ideal e que é utilizado por diversas polícias do mundo onde o real investigador busca as provas, mantém contato com os demais órgãos envolvidos relata tudo na forma de Relatório e encaminha ao judiciário onde passará a ser abordado sob a ótica jurídica.

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CAPÍTULO V

VISÃO TÉCNICA –

AUXILIAR/SUBORDINADO OU COLABORADOR5

Vamos entender a conceituação, origem e atual

desconstrução das relações interpessoais dentro da Polícia Federal, especialmente entre servidores de mesmo nível cultural.

Antes de entrar no assunto propriamente dito, gostaria de dizer que o que me motivou a escrever este capítulo foi uma cena que presenciei certa vez envolvendo um Policial Federal e “seu dono”. Foi mais ou menos assim.

Estava em um corredor da Delegacia onde trabalhava, já era final de tarde e, como Escrivão, tanto eu quanto meus colegas já estávamos cansados de tanto trabalho. A vida do Escrivão naqueles tempos era ainda mais difícil e penosa fisicamente do que é hoje, pois os sistemas não eram apurados e sofisticados como são hoje. 5https://www.youtube.com/watch?v=X__n-iOMH3M 5.1https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos

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Parei um pouco com o serviço e fui à sala de um colega que funcionava em um grande salão nos fundos, local onde também ficavam outras 6 salas, todas com paredes e vidros que não alcançavam o teto, permitindo que os sons se misturassem.

Esse colega tinha uma cafeteira excelente e por vezes nos reuníamos ali.

Ainda naqueles tempos não havia o conceito atual separatista de que os Delegados deveriam ocupar salas individuais, os chamados Gabinetes, e dividiam sala com os Escrivães.

Entrei na sala e cumprimentei o colega Policial e o Delegado. Recebi só a resposta do colega e um desprezo do “majura”, como se eu estivesse incomodando.

Passamos a com versar eu e o colega sobre amenidades e esse

policial, ainda que falasse não parava de trabalhar. Servi-me do café e sentei-me na cadeira das testemunhas.

Nesse instante o Delegado perguntou ao Escrivão: _Já fez o ofício que eu despachei?

No que o colega Policial respondeu: _Ainda não, na verdade eu queria falar com você por que pensei que seria melhor não fazer daquele jeito.

Rosto ruborizado do Delegado. Tom de voz elevado. Lá vem a réplica: _. Eu não mandei você pensar, só mandei você fazer.

Levantei-me no mesmo instante e sai da sala, com vergonha do ser humano. A frase nunca me saiu da

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memória e hoje aproveito para externá-la num capítulo de uma obra em que se discute a ineficácia de um sistema policial que não resolve os crimes que lhe são apresentados.

Vou repetir o que o Delegado falou para que fique gravado também na cabeça de cada um dos leitores deste livro: _. Eu não mandei você pensar, só mandei você fazer.

O colega Escrivão era um cara inteligente, bacharel, pós-graduado, um cidadão, pai de família, cumpridor de suas obrigações, eu diria um exemplo para muitos de nós. Foi prestar sua contribuição à sociedade que é quem lhe paga o salário e a quem presta o seu serviço.

Esta cena ocorreu em meados do ano 2000, mas não me surpreenderia se estiver acontecendo novamente neste instante em alguma Delegacia da Polícia Federal no nosso imenso Brasil.

O entendimento da existência de uma hierarquia baseada em ditames que remontam ao chamado período negro de nossa história, nos permite entender de maneira mais ampla o quanto estamos atrasados em termos de cultura global e o quanto ainda temos que avançar para nos aproximarmos dos países que mantém as melhores práticas.

Para início de conversa gostaria de trazer uma reflexão: As instituições competem com base em seus ativos intelectuais (KLEIN, 1988, pag 35).

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Um pensamento simples, mas atual que demonstra a importância do elemento humano no desempenho de uma instituição, seja ela pública ou privada.

Tenho me dedicado a pesquisar esse elemento humano dentro da Polícia Federal desde o ano de 2007, mais especificamente a categoria funcional dos Escrivães de Polícia Federal. Através de pesquisas de campo, com metodologia idêntica a utilizada pelo Instituto Sensus, apurei dados que permitiram emitir algumas opiniões e formar convicção em algumas áreas.

Através das pesquisas ao longo do tempo podemos notar que as aspirações e anseios dos servidores, o material humano, vão se alterando. Vamos a alguns dados, lembrando que todas as pesquisas realizadas, tanto a minha pessoal no ano de 2007 quanto às realizadas por mim através da Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal são de conhecimento da Direção da Polícia Federal já que foram encaminhadas através do sistema SIAPRO (Sistema de Acompanhamento de Processos).

No ano de 2007 durante a realização do Curso Especial de Polícia, em nível de pós-graduação, infelizmente não reconhecida por erro da própria Polícia Federal, fiz meu Trabalho de Conclusão de Curso-TCC sob o tema Gestão de Recursos Humanos na Polícia Federal onde realizei ampla pesquisa dentro do tema, delimitada no caso dos Escrivães de Polícia Federal.

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5.1 – DADOS DA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS NA POLÍCIA FEDERAL EM 2007 Transcrevo abaixo partes do referido trabalho:

‘Levando em consideração que a maioria esmagadora das organizações tem seu organograma estruturado por níveis hierárquicos, estes conceitos mencionados são automaticamente inerentes às mesmas. O que deve ser considerado neste princípio é a maneira como o gestor aplica a autoridade a ele concedida. Antigamente, as autoridades mais comuns eram as autocráticas, nas quais os chefes eram centralizadores, coercitivos, punitivos e inibidores o que prejudica sensivelmente a motivação e o bem-estar físico e mental dos funcionários.

“Atualmente, a preocupação com custos, principalmente, os relacionados à assistência médica, fazem com que as empresas revejam muitas de suas práticas de autoridade e responsabilidade e adotem posturas mais participativas e de valorização humana”.

(MATOS, 1996, p.56).

Outro fator importante, segundo Fayol, era a disciplina.

“A disciplina consiste, essencialmente, na obediência, na assiduidade, na atividade, na presença e nos sinais exteriores de respeito demonstrados segundo as convenções estabelecidas entre a empresa e seus agentes.”

(FAYOL, 1990, p.46).

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Para Fayol, os meios para estabelecer e manter a

disciplina eficaz são: bons chefes, convenções claras e justas e aplicação de sansões penais.

Antigamente a disciplina deveria ser incorporada pelo funcionário sem contestação, era controlada de forma rígida (haja vista a ligação com a autoridade autocrática) e mesmo para Fayol, punições deveriam ser aplicadas caso não fosse obedecida.

A Unidade de Comando também era entendida como fator de aumento de produtividade.

“Para a execução de um ato qualquer, um agente deve receber ordens somente de um chefe”.

(FAYOL, 1990, p.48).

Fayol opinava que em qualquer organização, a dualidade de comando era fonte perpétua de conflito, às vezes muito grave.

A unidade de comando ajuda a preservar uma linha de autoridade na qual um funcionário recebe ordens apenas de um superior evitando prioridades que sejam conflitantes advindas de mais de um chefe.

“Um só chefe e um só programa para um conjunto de operações que visam ao mesmo objetivo”.

(FAYOL, 1990, p.49).

Este é um princípio que não deve ser confundido com o anterior que apregoa recebimento de ordens de

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apenas um chefe, enquanto este, um só chefe e um só programa. A Unidade de Direção era tida por Fayol como base para a busca de um único objetivo. Seu entendimento torna-se bem simples ao passo que estabelece que uma organização deve se mover toda à direção de um objetivo comum.

A Subordinação do Interesse Individual ao Interesse Geral é princípio da Teoria Geral de Administração.

“Esse princípio lembra que o interesse de um agente ou de um grupo de agentes não deve prevalecer sobre o interesse da empresa”.

(FAYOL, 1990, p.49).

Fayol propõe alguns meios para garantir que os membros da empresa não priorizem seus interesses particulares: firmeza e bom exemplo dos chefes, regras justas e vigilância sempre atenta.

A remuneração justa ao trabalho executado é um dos princípios que com certeza jamais se tornará obsoleto, pois envolve não só remuneração financeira, mas também recompensas não financeiras. Fayol, bem avançado ao seu tempo, já citava prêmios de incentivo e participação nos lucros:

“A remuneração do pessoal é o prêmio pelo serviço prestado. Deve ser equitativa e, tanto quanto possível, satisfazer ao mesmo tempo ao pessoal e à empresa, ao empregador a ao

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empregado. O patrão, no próprio interesse do negócio, deve cuidar da saúde, do vigor físico, da instrução, da moralidade e da estabilidade de seu pessoal”.

Fayol considerava a centralização como algo natural, utilizando o exemplo de que como no organismo, as sensações convergiam na direção do cérebro que emite as ordens para as demais partes do corpo.

“Segundo a definição de Fayol, a centralização era como a diminuição da importância do papel do subordinado, enquanto a descentralização era a elevação desta importância”.

(SILVA, 2001, p.149).

O princípio da Hierarquia abordado segundo o autor (FAYOL,1990, p.57):

“Constitui a hierarquia a série dos chefes que vai da autoridade superior aos agentes inferiores”.

Alguns autores denominam este princípio como “Cadeia Escalar”, porém o sentido permanece sendo o mesmo. A importância deste princípio é destacada, pois as ordens, estratégias, convenções e comunicados em geral partem da autoridade superior com destino aos níveis gerencial e, como destinatário final, ao nível operacional, através da via hierárquica, visando satisfazer

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à exigência de uma transmissão segura e da unidade de comando.

Tendo em mãos as definições dos principais conceitos é possível montarmos um quadro sobre a Teoria de FAYOL:

Vê-se claramente algumas figuras administrativas e

princípios conhecidos, podendo-se traçar um perfil de Administrador, segundo Fayol. Para aquele conceituado autor, à época, a figura central do Chefe, rígido, de

Especialização do Trabalho

“Produzir mais e melhor com o mesmo esforço”.

Autoridade e Responsabilidade

“Equilíbrio entre ambas é condição essencial de uma boa administração”.

Disciplina “Consiste na obediência e assiduidade conforme convenções estabelecidas”.

Unidade de Comando “Um agente deve receber ordens somente de um chefe”.

Subordinação do Interesse Individual ao Interesse Geral

“O interesse de um agente ou de um grupo de agentes não deve prevalecer sobre o interesse da

empresa”.

Remuneração

“Deve ser equitativa e, tanto quanto possível satisfazer ao mesmo tempo ao pessoal e à

empresa”.

Centralização “É a diminuição do papel do subordinado”.

Hierarquia “Constitui a série dos chefes que vai da autoridade superior aos agentes inferiores”.

Equidade

“Para que o pessoal seja estimulado a empregar toda a boa vontade e o devotamento de que é

capaz é preciso que sejam tratados com benevolência”.

Iniciativa

“Conceber um plano e assegurar-lhe o sucesso é uma das mais vivas satisfações que o homem

inteligente pode experimentar”.

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comando único, centralizador, com a diminuição do papel do subordinado, com o conceito de produzir mais com o menor esforço era a tônica a ser empregada nas organizações.

Se traçarmos um paralelo breve com a educação, também à época, podemos visualizar que a visão também era um tanto parecida, havia a chamada escola Tecnicista, com seus modelos “pré-fabricados”, ou seja, testes, avaliações, professor como fonte do saber absoluto, rigidez.

A substituição do modelo autoritário, burocrático, centralizador em cima de uma só pessoa e que apresentava um pacote pronto de soluções para os problemas tem sido discutido por uma visão mais participativa.

A burocracia de uma organização pode operar de um modo indiferente ou incompetente diante de sua missão e este é o risco essencial que acarreta tanto no setor público quanto no privado. Como já notara Weber, os interesses dos profissionais da burocracia frequentemente se cristalizam em mecanismos permanentes de autoproteção nas suas carreiras, o que favorece seu completo alheamento a respeito da missão organizacional.

Todo Estado democrático tem de impor limites ao poder da burocracia para que outros objetivos de justiça, especialmente os que se ligam ao bem-estar social, possam ser atendidos, e também possam ser realizados

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os objetivos da democracia direta, que se cumprem com uma participação dos cidadãos no controle daquilo que o governo faz e como faz.

Atualmente, contamos com algumas mudanças sob a visão do aspecto relativo à disciplina, modificando-se a visão apresentada por Fayol.

Os meios de se atingir a disciplina ficam por conta das pessoas, enquanto os resultados são cobrados pela organização. Assim, o desejável é que as organizações negociem com seus membros os parâmetros de comportamento que estes deverão seguir, sendo que a ação corretiva deve ser preferida à ação punitiva.

Desta forma, as instituições modernizadas e com gestões administrativas tem preferido a ação corretiva à ação punitiva, obtendo maior produtividade e eficácia.

“Em consonância com esforços gerenciais recentes no sentido de tornar as organizações mais flexíveis e sensíveis, houve significativa tendência rumo à descentralização da tomada de decisões”.

(ROBBINS, 2002, p.176).

O papel do chefe centralizador, segundo o autor, vem sendo substituído, dando espaço à flexibilidade das organizações que passaram a ouvir seus funcionários.

Ainda segundo Robbins (2002, p.176): Em condições de grande incerteza, a hierarquia geralmente se torna mais eficiente, substituindo os mercados mediante a

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alocação de recursos, segundo regras e relações de autoridade. As regras criam classificações de cargos, definem programas de remuneração, identificam as pessoas autorizadas, determinam quem pode agir com quem e assim por diante. Dessa forma, as organizações hierárquicas surgem porque reduzem custos mediante o estabelecimento de regras e a coordenação de posições que não são encontradas no mercado.

O princípio da hierarquia é, portanto, perfeitamente aplicável de acordo com a afirmação mencionada e mesmo assim, Fayol adverte sobre a necessidade de conciliar a hierarquia com a agilidade, pois muitas operações para serem efetivadas com sucesso dependem essencialmente da rapidez da execução.

Quanto à iniciativa a discussão atual é a respeito de características desejáveis não só em gerentes, mas em funcionários de modo geral, dentre estas características está a pro atividade inerente a funcionários que não executam somente o necessário ou apenas o que lhes foi ordenado, mas detectam as tendências e antecipam ações.

Robbins (2002, p.177) adverte:

Portanto deve haver não só a iniciativa da empresa, mas também a pro atividade dos funcionários, pois a maioria das organizações está redesenhando o trabalho e os cargos de modo a deixar aos trabalhadores grande parte das decisões de trabalho anteriormente tomadas exclusivamente pelos gerentes.

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Como fizemos anteriormente, é possível a montagem de um quadro com a visão dos autores Contemporâneos:

Especialização do

Trabalho “Nem obsoleta nem fonte inesgotável de aumento

de produtividade”. Robbins

Autoridade e Responsabilidade

“Adoção de posturas mais participativas e de valorização humana”. Matos

Disciplina “O desejável é a negociação dos Parâmetros de comportamento”. Chiavenato

Unidade de Comando “Criação de novos desenhos Industriais que incluem chefes Múltiplos”. Robbins

Unidade de direção

“A organização deve se mover toda à direção de um objetivo comum, mas possuem mais de um.”

Robbins

Subordinação do interesse individual ao

interesse geral

O indivíduo precisa atingir os objetivos da empresa e satisfazer às suas necessidades para sobreviver no

sistema.” Barnard

Remuneração

“Boa parte da riqueza gerada pela organização passa aos empregados sob a forma de salário”.

Centralização Houve significativa tendência rumo à descentralização”. Robbins

Hierarquia “Em condições de grande incerteza, a hierarquia geralmente se torna mais eficiente”. Robbins

Equidade Quando há ausência de equidade, o funcionário experimenta um sentimento de injustiça e

insatisfação”. Chiavenato

Iniciativa

“A maioria das organizações está deixando a cargo dos funcionários as tomadas de decisões

anteriormente tomadas exclusivamente pelos gerente”. Robbins

O quadro acima mostra a visão moderna na área

de Administração e Gestão de Recursos Humanos, com a descentralização das tomadas de decisões, manutenção dos níveis hierárquicos, onde a especialização não deve

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ser entendida como forma de aumento de produtividade, o indivíduo faz parte do sistema e deve ter suas necessidades atendidas para manutenção do equilíbrio , equidade no tratamento sob pena de injustiças e principalmente a polivalência do empregado , entendido como participante do processo.

Interrompo o Estudo do ano de 2007 para um breve comentário. Passados 11 anos ainda há na PF a centralização das decisões. RETOMO O ESTUDO: Dentro da estrutura organizacional de uma empresa, seja pública ou privada, deve existir a Área de Recursos Humanos– ARH, que nada mais é que um sistema de gestão constituído pelo conjunto integrado de políticas, diretrizes, procedimentos e instrumentos gerenciais que viabilizam a ação administrativa e técnica sobre os recursos humanos organizados no espaço organizacional.

A gestão moderna de Recursos Humanos tem como focos atuais:

Necessidade de agilidade, competitividade e maior qualidade e produtividade dos produtos e serviços.

Produção flexível, utilização de recursos humanos polivalentes e multifuncionais.

Trabalho organizado em grupos auto gerenciados.

Avanços tecnológicos e administração virtual.

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As capacidades dinâmicas requerem que as organizações estabeleçam processos que as habilitem a mudar suas rotinas, serviços, produtos e mercados.

Terceirização, descentralização, atendimento a interesses múltiplos.

Design organizacional com fronteiras mais permeáveis entre unidades, papéis e organizações. Desta forma podemos montar um quadro

comparativo entre a moderna Gestão de Recursos Humanos com a Gestão antiga na mesma área:

Características Distintivas do

modelo

Concepção antiga

Concepção Moderna

Políticas de Contratações

Contrata para um cargo ou conjunto

especializado de cargos

Contrata visando uma série de características atuais

Política de Treinamentos

Visa o aumento do desempenho na função

atual

Visa preparar funcionário para futuras funções

Política de Carreiras

Rígidas e Especializada, de pequeno horizonte e amarradas na estrutura

de cargos

Carreiras flexíveis, de longo alcance, permeabilidade entre diferentes carreiras

Política Salarial Focada na estrutura de cargos com alto grau de diferenciação entre eles

Focada na posição, na carreira e no desempenho com baixa diferenciação

entre níveis

Pela visão contemporânea, a área de Recursos

Humanos deve angariar informações de vários

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subsistemas de recursos humanos e orientá-los segundo uma visão sobre o rumo da organização e para ser realmente estratégico, os recursos humanos precisam formular a estratégia e não se alinhar a uma estratégia formulada externamente.

Prevalece atualmente a Teoria do Capital Humano onde o pressuposto de que a força de trabalho altamente habilidosa e altamente motivada é fonte de vantagem competitiva.

Uma força interna é crítica quando ela é: valorizável; rara; não-substituível; difícil e cara para se imitar, capturando-se um “estoque de talento humano excepcional”, ou seja, criando uma talentosa e comprometida força de trabalho.

As pessoas são consideradas como parceiros de trabalho nos quais a empresa deve investir na busca de melhores resultados empresariais.

A Formulação (reflexão) e a implementação (ação) da Estratégia devem estar integradas e refletir um processo interativo e participativo possibilitando que os colaboradores dos mais diversos níveis se engajem nesse processo.

São fatores que podem dificultar a implementação estratégica: Estratégias conflitantes com os valores culturais da organização; Lideranças e gerentes não comprometidos; falta de apoio por parte da Alta Administração; coordenação das atividades de implementação pouco eficiente; pouca disponibilidade de

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recursos humanos; treinamentos e instruções inadequados.

Para que pudesse comparar os modelos de gestão propostos com os utilizados pelo Departamento de Polícia Federal, relativo ao cargo de Escrivão de Polícia Federal foi encaminhado através do serviço de protocolo um requerimento ao responsável pela área de Recursos Humanos com os seguintes questionamentos:

1.Qual a estrutura organizacional da área de Recursos Humanos do DPF? (Organograma) 2.Qual a visão estratégica da área de Recursos Humanos do DPF? 3.A área de Recursos Humanos participa das diretrizes estratégicas do DPF? Em caso positivo, de que forma? 4.Qual o quantitativo de Escrivães de Polícia Federal pertencentes aos quadros do Departamento de Polícia Federal? 5.Qual a quantidade de Escrivães de Polícia Federal por Delegacias, Superintendências nos Estados e órgãos centrais? 6.Qual o número de Escrivães de Polícia Federal cedidos a outros órgãos? 7.Qual a quantidade de Escrivães de Polícia Federal que trabalham diretamente com Inquéritos Policiais? 8.Quais os critérios utilizados para lotação dos Escrivães de Polícia Federal quando formados pela Academia Nacional de Polícia?

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9.Quais os critérios utilizados para abertura de vagas nos Concursos de Remoções do DPF? 10.Qual a metodologia utilizada para aferição dos níveis de satisfação e de desempenho dos Escrivães de Polícia Federal em nível nacional?

As respostas vieram através de Despacho acerca dos itens questionados.

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No organograma apresentado a Diretoria de Gestão de Pessoal-DGP, diretamente subordinada à Direção Geral-DG, possui ascendência hierárquica sobre a Coordenação de Recrutamento e Seleção-COREC, responsável pelo recrutamento e seleção dos futuros servidores policiais; a Academia Nacional de Polícia-ANP, responsável pela formação do policial federal e a Coordenação de Recursos Humanos-CRH, área afeta ao presente trabalho.

A Coordenação de Recursos Humanos-CRH é composta pela Divisão de Estudos, Legislação e Pareceres-DELP, pela Divisão de Pagamento-DPAG e pela Divisão de Administração de Recursos Humanos-DRH.

Já a Divisão de Administração de Recursos Humanos-DRH é subdividida em Serviço de Aposentadoria e Pensões-SEAP, Serviço de Cadastro-SECAD e Serviço de Lotação e Movimentação-SLM.

Desta forma visualizamos a área de recursos humanos no Departamento de Polícia Federal da seguinte forma.

DG DGP CRH DELP DPAG DRH SEAP SECAD SLM

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Os quantitativos de servidores e suas lotações foram obtidos através do sítio do DPF na intranet e fazem parte do quadro de distribuição de Escrivães de Polícia Federal.

Chama a atenção à informação prestada de que a Divisão de Recursos Humanos não dispõe do número exato de Escrivães de Polícia Federal que trabalham diretamente em Inquéritos Policiais.

Esse significativo dado apresentado é muito importante uma vez que a relação é proporcionalmente direta, no sentido de que quanto maior a quantidade de Escrivães trabalhando em Inquéritos Policiais menores as quantidades de Inquéritos Policiais por indivíduo e consequentemente, maior produtividade, melhores níveis de satisfação e melhores serviços prestados à população nesse sentido.

Quanto ao oferecimento de vagas aos formandos da Academia Nacional de Polícia foi informado que os critérios mais considerados para tal é a quantidade de Inquéritos Policiais em andamento e a quantidade de Flagrantes lavrados.

Os últimos editais 24 e 25-DGP/DPF tinham como previsão o preenchimento de 705(setecentos e cinco) vagas de Escrivães de Polícia Federal, porém 200(duzentas) dessas vagas não serão preenchidas em virtude da ausência de candidatos aprovados.

As remoções foram outro problema abordado comentando-se as decisões judiciais que lotam servidores

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sem a previsão da Diretoria de Gestão de Pessoal, o que acaba dificultando as lotações pretendidas pela administração.

É de se reconhecer o esforço dos servidores lotados na CRH, mais especificamente dos subscritores da resposta mencionada, porém é notória a falta de um critério objetivo e real a ser utilizado na lotação dos servidores, uma vez que o próprio órgão desconhece efetivamente como trabalham seus servidores.

A simples divisão do número de Inquéritos Policiais nas descentralizadas pelo número de Escrivães ali lotados traz um número enganoso se não levarmos em conta que inúmeros EPFs não trabalham diretamente com Inquéritos Policiais, sendo deslocados para outras atividades distintas.

Efetivamente uma descentralizada pode possuir um número maior de Inquéritos Policiais aliado a um grande número de Escrivães ali lotados, porém parte desses servidores pode estar desviada para outros setores, informações que não são do conhecimento do órgão central (CRH) responsável pelas lotações.

Por outro lado, descentralizadas com menor número de Ipls e com número de Epfs também menores em virtude da utilização local da mão de obra podem ter coeficientes diferentes dos supostos pela CRH.

O Instituto SENSUS de pesquisas realizou no período 13.12.2006 a 02.02.2007 pesquisa de ambiente interno do Departamento de Polícia Federal

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entrevistando 1000 servidores da carreira policial federal, o que representa aproximadamente 10% do número total de servidores policiais.

O maior percentual de entrevistados na pesquisa apresentada no sítio http://intranet.dpf.gov.br/dgp/ acessado dia 05.07.2007 às 15h27min corresponde ao Distrito Federal com 25% enquanto toda a região Sudeste teve entrevistados aproximadamente 27% do número total.

Quanto ao cargo de Escrivão de Polícia Federal, de um total de 1574(segundo mapa estatístico oficial) foram entrevistados 13,1%, o que corresponde a 206 servidores.

Aquele trabalho apurou que o menor índice de satisfação dentre os servidores do DPF está nos ocupantes do cargo de Escrivão de Polícia Federal, onde 41,20% consideram o ambiente desmotivador.

No âmbito geral a pesquisa aponta que a região centro-oeste é a que possui o maior índice de aprovação na avaliação do DPF e a região sudeste possui os menores índices no mesmo quesito, onde 36,5% dos servidores consideram o ambiente desmotivador. Por outro lado, todos os estados da região centro-oeste consideram o ambiente de trabalho motivador, com os seguintes índices (MT 95%, MS 71%, GO 100% e DF 100%).

Os dados acima, apesar de extraídos de pesquisa ampla e com outra finalidade servem a uma comparação

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posterior com os dados obtidos na forma de questionário junto aos Escrivães de Polícia Federal, conforme demonstrado a seguir.

Conhecida e posicionada a visão da administração faltava à conclusão que fosse visualizada a visão dos servidores Escrivães de Polícia Federal que são submetidos às formas de gestão impostas, implicando em produtividade, satisfação e intenção de mudança.

Uma vez definido o tema da pesquisa, havia a possibilidade de se escolher entre realizar uma pesquisa quantitativa ou uma pesquisa qualitativa. Uma não substitui a outra, elas se complementam.

As pesquisas qualitativas são exploratórias, ou seja, estimulam os entrevistados a pensarem livremente sobre algum tema, objeto ou conceito. Elas fazem emergir aspectos subjetivos e atingem motivações não explícitas, ou mesmo conscientes, de maneira espontânea. São usadas quando se busca percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma questão, abrindo espaço para a interpretação. Parte de questionamentos como: “Qual conceito novo de produto deveria ser criado em uma determinada categoria?” e “Qual é o melhor posicionamento de comunicação para esse produto?”, por exemplo.

Já as pesquisas quantitativas são mais adequadas para apurar opiniões e atitudes explícitas e conscientes dos entrevistados, pois utilizam instrumentos estruturados (questionários). Devem ser representativas

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de um determinado universo de modo que seus dados possam ser generalizados e projetados para aquele universo. Os resultados são mais concretos e, consequentemente, menos passíveis de erros de interpretação. Em muitos casos geram índices que podem ser comparados ao longo do tempo, permitindo traçar um histórico da informação.

Como utilizado pelo Instituto SENSUS e abordado no item 3.4, optei por criar um quantitativo, com perguntas claras e objetivas, já que poderiam garantir a uniformidade de entendimento dos entrevistados e consequentemente a padronização dos resultados.

O objetivo da pesquisa era situar os servidores Escrivães de Polícia Federal geograficamente, por cargas de Inquéritos e os níveis de satisfação no cargo, no local de lotação e finalmente se tinham objetivos futuros dentro do órgão, através de concurso para outro cargo. Os entrevistados foram submetidos aos seguintes questionamentos:

Data de Ingresso no DPF: Lotação Atual: Trabalha atualmente na instrução de Inquéritos Policiais? ( ) sim. Qual a sua carga atual? __________________ ( ) não. Qual a sua atividade?___________________

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O público alvo foram os Escrivães de Polícia

Federal lotados nas diversas regiões do país, órgãos centrais e descentralizadas, com e sem cargas de Inquéritos, com e sem cargos de chefia, desenvolvendo suas atribuições previstas ou em outras funções complementares.

Está satisfeito com sua lotação atual e as atribuições de seu Cargo? ( ) sim ( ) não. Gostaria de mudar de lotação? ( ) sim ( ) não Você considera sua carga de trabalho: ( ) abusiva ( ) grande ( ) normal ( ) pequena Tem participado das Grandes Operações do DPF? ( ) sim ( ) não Você prestaria concurso para outro cargo no DPF? ( ) sim. Qual? ____________ ( ) não

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RESULTADOS OBTIDOS: Foram entrevistados 98(noventa e oito) Escrivães de Polícia Federal, o que corresponde a 6.22 % do quadro do Departamento de Polícia Federal. Os escolhidos pertencem às quatro classes existentes (especial, primeira, segunda e terceira) e tem em tempo de serviço desde 02 anos até 30 anos completos.

Distribuição dos EPFs entrevistados por região: Sudeste 7 17.34%

Nordeste 0 20.40%

Centro-Oeste

6 26.53%

Sul 9 19.38%

Norte 6 16.32%

Distribuição de Trabalho (Inquéritos Policiais): Não trabalham com IPLs 38 38.77%

Carga Maior que 500 IPLs 8 8.16%

Carga Maior que 300 IPLs 10 10.20%

Carga Maior que 200 IPLs 9 9.18%

Carga Maior que 100 IPLs 12 12.24%

Carga Menor que 100 IPLs 21 21.42%

Níveis de Satisfação em confronto com a Distribuição de Inquéritos:

Satisfeitos sem trabalhar em IPLs 38 38.77%

Satisfeitos com carga pequena de IPLs(até 200)

25 25.51%

Satisfeitos com carga grande de IPLs (acima de 300)

3 3.06%

Insatisfeito com carga grande de IPLs (acima de 300)

15 15.30%

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Insatisfeito com carga pequena de

IPLs (abaixo de 100) 17 17.34%

Gostariam de Mudar de lotação Sim 41 41.83%

Não 57 58.16%

Como consideram suas cargas de Trabalho (com ou sem Inquéritos).

Grande 40 40.81%

Pequena 11 11.22%

Normal 36 36.73%

Abusiva 11 11.22%

Participação nas Grandes Operações do DPF: Sim 72 73.46%

Não 26 26.53%

Prestariam concurso para outro cargo dentro do DPF: Concurso para

DPF 31 31.63%

Concurso para PCF

37 37.75%

Concurso para APF

2 2.04%

Não prestariam

28 28.57%

Chamam a atenção alguns dados obtidos:

38.77% dos Escrivães entrevistados não trabalham com Inquéritos Policiais;

18.36% tem cargas de Inquéritos superiores a 300 IPLs, enquanto 21.42% têm cargas menores que

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100 IPLs, portanto dentro da média de Inquéritos extraída da divisão do número total de Inquéritos Policiais pelo número total de EPFs.

Somando-se os 21 dos EPFs com cargas pequenas (menos que 100 IPLs) aos 38 EPFs sem cargas de IPLs temos o percentual de 60,20%.

O maior nível de satisfação (38.77%) está entre os EPFs que não trabalham diretamente com Inquéritos Policiais e se agrupam na região Centro-Oeste, enquanto o nível de insatisfação é de 100% entre os que têm cargas superiores a 500 IPLs, todos na região Sudeste do país.

Do total de entrevistados 41 gostariam de mudar de lotação e 57 afirmaram que não gostariam de mudar de lotação.

36.73% dos entrevistados entendeu sua carga de trabalho como normal, enquanto todos com cargas acima de 500 IPLs acham que é abusiva. Mais uma vez chama a atenção o índice de 100% dos EPFs que possuem carga superior a 500 IPLs entenderem como abusivas suas cargas de trabalho.

Outro fator que chama a atenção e vai à contramão dos comentários freqüentes no Departamento de Polícia Federal é o fato de somente 2,04% afirmarem que prestariam concurso para Agente de Polícia Federal.

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A verticalização é o principal anseio dos ocupantes do cargo de EPF na medida em que 37.75% prestariam para Perito Criminal Federal e 31.63% para Delegado de Polícia Federal.

Comparativamente, um só Escrivão da região Sudeste, com carga de Inquéritos Policiais superior a 500 seria necessário para uma Superintendência como o Acre ou Amapá.

Os números obtidos nos mostram que os

Escrivães submetidos a cargas de Inquéritos elevadas estão entre os que possuem maiores níveis de insatisfação seja quanto às condições de trabalho seja quanto ao próprio local de lotação.

Os índices alcançados com a presente pesquisa se completam com os dados do Instituto SENSUS uma vez que o grande volume de entrevistados naquele trabalho se encontra na região Centro-Oeste, justamente onde se encontram as menores cargas de serviço se comparada à relação EPF/Número de Inquéritos e também onde estão os maiores índices de satisfação.

Por outro lado, ainda se levando em conta os dados do Instituto SENSUS, a região Sudeste que possui carga de Inquéritos e consequentemente de trabalho que corresponde à soma de todas as outras regiões, teve os maiores índices de insatisfação.

A comparação satisfação/pouca carga de IPLs e insatisfação/grande carga de IPLs fica clara quando

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comparamos a pesquisa do Instituto SENSUS conjuntamente com o presente trabalho.

Conhecendo os dados da pesquisa realizada em 2007 e do conteúdo do estudo que serviu de base para o Termo de Conclusão de Curso-TCC podemos usá-los para comparações com dados mais atualizados.

5.2 – PESQUISAS REALIZADAS PELA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ESCRIVÃES DE POLÍCIA FEDERAL NOS ANOS DE 2013 E 2015

Dados da Pesquisa Anepf 2013. Foram alcançados 11% dos servidores do referido cargo durante a pesquisa realizada no período de 13 a 21 de março de 2013.

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Dados da Pesquisa Anepf 2015. Foram alcançados 17.86% dos servidores do referido cargo durante a pesquisa realizada no período de 19 a 29 de junho de 2015.

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Importante dado quando tratamos do assunto é a qualificação dos servidores.

No caso dos Escrivães de Polícia Federal temos 100% de nível superior, sendo que 35% possuem especialização e pós-graduação.

Durante a análise dos resultados chama a atenção o dado obtido de que 78% dos entrevistados entende que “não é tratado pelo Delegado como parte da equipe de investigação dentro dos Inquéritos Policiais”.

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Ainda sobre o perfil dos entrevistados temos que 50% daqueles já exerceram algum tipo de chefia antes de entrarem na Polícia Federal.

Impressiona o resultado abaixo. É um dado que corrobora o que os Policiais Federais sentem na própria pelo, no dia a dia. Cursos são priorizados por cargos, não existindo critérios objetivos para as escolhas.

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Notem que 70% dos EPFs que trabalham todos os dias com os Inquéritos Policiais nunca opinaram nos mesmos. Isso mesmo, apesar do trato diário com os Inquéritos o conceito de equipe não é aplicado e isso remete a reflexão do caso citado e ocorrido no ano de 2000.

Troca de ideias, sugestões de diligencias, perguntas em oitivas, etc.

Daí não nos espanta o resultado abaixo, onde os Escrivães de Polícia Federal se manifestam claramente demonstrando entender que os procedimentos por eles realizados são mecânicos, improdutivos e desanimadores.

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No quesito relacionamento, as pesquisas revelam um dado que é de conhecimento dentro dos muros da Polícia Federal. A relação dos Policiais Federais (Escrivães) com os Delegados é, em sua maioria, de regular para péssima.

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5.3. EVOLUÇÃO DA GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS NA POLÍCIA FEDERAL (TENDO COMO REFERÊNCIA O CARGO DE ESCRIVÃO DE POLÍCIA FEDERAL)

Em primeiro lugar é de se ressaltar que, conforme se verifica na resposta oficial do setor de recursos humanos da PF, no ano de 2007, a instituição não tinha conhecimento do que faziam os seus servidores. A gestão desconhecia o quantitativo de Escrivães que trabalhavam diretamente com Inquéritos Policiais e desconhecia também os que não trabalhavam.

Me arrisco a afirmar que agora, no ano de 2018, passados 11 anos do primeiro questionamento, ainda não sabe. A prática do dia a dia e a falta de mecanismos de acompanhamento e valoração dos servidores, nos permite fazer uma afirmação dessas.

Se eu não conheço meus colaboradores não tenho como aferir suas potencialidades e suas competências. Desconheço um trabalho mais profundo na PF nesse sentido.

Voltando às pesquisas percebe-se, com facilidade, que as exigências dos servidores foram se modificando ao longo dos anos passando das preocupações com as quantidades de trabalho (quantidade de inquéritos por servidor) para a qualidade do trabalho (participação nas investigações, relações interpessoais, motivação, etc).

Esse é o primeiro ponto de reflexão quando abordamos o questionamento do título do capítulo.

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Nota-se atualmente que os Policiais Federais atingiram alto grau cultural, alta formação estudantil, com especializações, mestrados e doutorados. Com esse avanço cultural o nível dos questionamentos também aumentou e isso gera conflito, especialmente num ambiente hierarquizado e mantido sob a ótica do “eu mando e você obedece”. Lembram? E já que estamos no assunto uma história para ilustrar:

Um chefe contou uma piada em uma reunião, todos riram, menos um.

O chefe chegou para esse que não riu e disse: _Eu contei uma piada.

O que não riu: _Eu ouvi. Chefe: _Você não riu. O que não riu: _Não, inclusive achei de mau

gosto. Chefe: _Você não tem medo de falar isso pra

mim? O que não riu: _Absolutamente que não, eu não

trabalho aqui!

Assim tem funcionado a regra das relações interpessoais na Polícia Federal. Há exceções, claro, mas a insatisfação por trás das portas é maior que a satisfação. Sorrisos estão cada vez mais amarelos e as portas das salas estão cada vez menos tempo abertas.

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Pesquisa 001/2018, feita recentemente pela Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal apontam altíssimo nível de insatisfação. PERGUNTA: Você se sente infeliz e subutilizado por realizar atividades de baixa complexidade (nível médio)? COMENTÁRIO: praticamente 95% dos respondentes sentem-se infelizes e subutilizados com as atuais atribuições do Escrivão de Polícia Federal, sendo que ~81% sentem-se assim em grande parte do tempo, o que é algo gravíssimo para a saúde mental e para a vida de um Policial Federal. Este resultado alarmante indica grande insatisfação pessoal (sentimentos de “infelicidade e subutilização”), com grande propagação (95%, ou seja, praticamente a totalidade dos EPFs) e que ocorre com grande frequência (“em grande parte do tempo”).

Ainda na seara das pesquisas efetuadas junto aos servidores da Polícia Federal é prudente ressaltar o texto postado pelo Agente de Polícia Federal Alexandre Sally, Presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Estado de São Paulo, publicado no sítio http://fenapef.org.br/opiniao-presidente-do-sindicato-paulista-revela-bastidores-da-pf/ e acessado no dia 22/08/2018 às 19h26min, o qual transcrevo em sua integralidade:

Há poucos dias, a sociedade se surpreendeu com a divulgação dos resultados de uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB), a pedido do Sindicato dos Policiais

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Federais do Distrito Federal, sobre a saúde emocional de agentes, escrivães e papiloscopistas. O estudo revelou que 50% dos entrevistados apresentaram sintomas de quadro depressivo; 43% de ‘desesperança quanto ao futuro’; 83% têm sentimento de desvalorização na profissão, 74% expressaram indignação; 46% admitiram ’emoções de raiva’; 39% de inutilidade e 18% de medo. O espanto decorre da ideia de glamour gerado em grandes operações, como a Lava Jato e tantas outras, por uma instituição que convive com a credibilidade merecidamente conquistada, mas que também enfrenta problemas internos relacionados às situações de hierarquias autoritárias, assédios morais e disciplinar, falta de perspectivas, dentre outros fatores negativos tornando os dados da UnB uma realidade em todo o país. Esse quadro poderá ser revertido com vontade política dos gestores. Emoções de raiva, medo e indignação, apontados na pesquisa chamam atenção para o regime disciplinar arcaico, instituído na Ditadura Militar pela Lei 4.878/1965 – ainda em vigor. Um dos incisos do artigo 43 da lei que dispõe sobre as transgressões disciplinares, por exemplo, define como infração sujeita à pena de suspensão, a conduta de quem ‘trabalhar mal, intencionalmente ou por negligência’. O texto dá margem para todo tipo de interpretação tanto da chefia como dos responsáveis pela apuração e julgamento dos processos administrativos disciplinares, algumas vezes podendo ser instaurados sem critérios objetivos de causa e efeito. Uma punição disciplinar de suspensão é prejudicial para o policial, pois interrompe a contagem de tempo necessária para a progressão funcional da carreira, causando-lhe prejuízos financeiros e até psicológicos.

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Os 43% de policiais com ‘desesperança quanto ao futuro’, 83% com sentimento de desvalorização na profissão e os 39% com sensação de inutilidade, identificados na pesquisa refletem a falta de perspectiva e de um plano de carreira que motive o efetivo policial. Atualmente, mesmo os servidores com anos de experiência profissional, com cursos de treinamento, mestrado e até doutorado, em áreas mais sensíveis e especializadas de investigação, permanecem estagnados na carreira até a aposentadoria. Se a capacidade e as habilidades do policial fossem bem aproveitadas, com valorização de suas experiências, técnicas e de sua formação acadêmica, com incentivo por meio de um plano de carreira, certamente teríamos uma polícia mais eficaz, com capacidade de investigação comparável às melhores agências do mundo. Afinal, policiais motivados representam mais segurança e qualidade de atendimento. Para tanto, bastaria mudanças na legislação interna da própria PF, não somente com reflexos salariais, mas com alterações na estrutura e na carreira que resultaria em crescimento profissional e pessoal. Mantidas as atuais condições, outras pesquisas certamente não só confirmarão esse quadro desolador de desmotivação, como também o aumento de aposentadorias precoces, afastamentos por doenças psicoemocionais e migração de muitos policiais federais para outras profissões mais atraentes do serviço público.

Os Gestores podem ignorar essa verdade, mas ela é real e segue num crescente.

Vamos recorrer ao que pensa o mundo acadêmico para buscar explicações.

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Segundo LAGO (2001), as empresas que descobrem o segredo de como desenvolver e manter times eficazes sem que os supervisores fiquem desmotivados, e provendo os recursos necessário a excelência do serviço, estarão melhores preparadas para enfrentar as constantes mudanças que continuarão a vir (...).

Já para CHIAVENATO (2000 p. 161) Motivação se refere ao comportamento que é causado por necessidades dentro do indivíduo e que é dirigido em direção aos objetivos que possam satisfazer essas necessidades. O gestor dentro de uma organização não é apenas um líder, é sobretudo mediador da atuação, participação e envolvimento, buscando ser referência através da cumplicidade da delegação de tarefas. O líder direciona as ações, confiante no potencial dos seus colaboradores, para exercer com qualidade este papel é de fundamental importância que o gestor traga consigo algumas virtudes como: iniciativa, determinação, pró atividade, o hábito de saber ouvir e de estar aberto para sugestões.

É imprescindível que a empresa não pare no tempo, perdendo espaço para os concorrentes. CHIAVENATO (2002, p. 529), relaciona capacitação com o próprio desenvolvimento profissional, pois visa ampliar, desenvolver e aperfeiçoar o ser humano para o seu crescimento pessoal e profissional.

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Como vemos, os autores contemporâneos entendem o valor dos colaboradores nas instituições e os colocam em destaque como elemento a ser motivado, atribuindo aos gestores tal atribuição.

Então, se temos uma estrutura hierarquizada dentro da Polícia Federal e todos os cargos de gestão são ocupados por Delegados de Polícia Federal estes são os responsáveis diretos por lidarem com esse potencial humano e que repercute no desempenho do órgão. Deveriam eles assumirem esse papel protagonista na pacificação interna, na valorização do todo e na compreensão de que o todo é muito e o pouco é nada.

Lembrando que o objetivo de uma instituição como a Polícia Federal é a prestação de serviço à população. O resultado do serviço prestado reflete na sensação de segurança do povo brasileiro.

Na medida em que a Polícia Federal, através de seus servidores policiais tem problemas interpessoais, estruturais e motivacionais é natural que a instituição não renda o que dela se espera.

Dentro das necessárias medidas que entendemos necessárias urge uma reestruturação interna de valores e de valorização de pessoas e cargos a fim de que todos estejam em sintonia e motivados, aliando-se a isso a capacidade técnica disponível hoje e a utilização de ferramentas científicas para que, possamos render o máximo e apresentar resultados máximos.

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Da forma como se encontra a nossa Polícia Federal a mesma funciona sob modelo de Estado Mínimo. Pouco se produz em relação ao todo que lhe é demandado e divulga-se algo que foge muito da realidade diária que todos os servidores do órgão conhecem.

Aliás quando falamos em divulgação nos obrigamos a falar das estatísticas da Polícia Federal e como elas são apresentadas.

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CAPÍTULO VI

AS ESTATÍSTICAS NA POLÍCIA

FEDERAL EXALTAM A INEFICÁCIA6

O famoso termo “enxugar gelo” toma corpo e volume quando passamos a analisar os dados da peça investigativa utilizada pela Polícia Federal para apuração de crimes, o nosso conhecido Inquérito Policial.

Costumo ilustrar a dinâmica de um Inquérito Policial com o funcionamento de uma fábrica de gelo, nos primórdios do Estado brasileiro.

A fábrica de gelo é a própria Polícia Federal, que possui uma de suas atividades fim com veio investigativo. Alguns insistem em chamar de Polícia Judiciária o que na verdade é a Polícia Investigativa.

O capataz da Fábrica de Gelo (PF) é o Delegado de Polícia Federal.

A barra de gelo, propriamente dita, é o famoso Inquérito Policial.

E os trabalhadores que fazem o trabalho são os Policiais Federais (Agentes, Escrivães e Papiloscopistas). 6https://www.facebook.com/pg/Policial-Federal-Scandiuzzi238021303237088/videos/?ref=page_internal 6.1 https://www.youtube.com/watch?v=8ZrmESHZuOM

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Quando ocorre um crime a fábrica é acionada (PF). O Capataz (Delegado) determina que seja produzida uma barra de gelo (Inquérito Policial). Os Policiais Federais começam a enxugar a barra de gelo. A cada portaria, a cada despacho, a cada memorando, a cada carimbo uma enxugada na barra. Temos carimbos muito bem batidos, memorandos excelentes, despachos sensacionais.

É o princípio da eficiência dos servidores em um modelo ineficaz. Para entendimento uma rápida conceituação de eficiente e eficaz. Eficiente é fazer certo e eficaz é fazer o que é certo.

O melhor exemplo na PF são os policiais que batem carimbos de folhas nos Inquéritos. Isso mesmo, policiais federais de nível superior, passam o dia batendo carimbos em folhas de inquéritos policiais. Isso é verdade? Sim, é verdade, basta perguntar para qualquer policial federal em qualquer delegacia do Brasil.

Esse policial federal bate o carimbo com precisão, no local certo, carimbo visível, ou seja, fez certo. Foi eficiente.

Agora a pergunta que não quer calar, esse carimbo foi batido dentro de um procedimento que em mais de 90% dos casos é arquivado e não serve para nada. Então o procedimento é ineficaz, pois ele não é fazer o certo.

Em resumo, não adianta profissionais altamente eficientes em procedimentos altamente ineficazes.

Voltemos à fábrica de gelo, pois ela não para.

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Nesse tempo que expliquei os conceitos de eficiência e eficácia a barra seguiu derretendo e molhando toda a sala, e seguiram os Policiais Federais, altamente eficientes, tentando enxugá-la. Memorandos e mais relatórios, despachos e novas intimações. Carimbos para todos os lados. Enxuga pra cá, despacha pra lá. Enxuga pra cá, indiciamento pra lá. Enxuga pra cá, entrega uma intimação pra lá.

Já falamos sobre todo esse mecanismo improdutivo no capítulo em que abordamos a PF das Operações em comparação com a PF do dia a dia.

O resultado final em mais de 90% dos casos é o derretimento da barra de gelo. Menos de 10% daquele gelo produzido serviu para algo, o resto puro desperdício.

O capataz, ao invés de divulgar esse dado real (o derretimento do gelo e a ineficácia da manutenção da fábrica) opta por criar sua própria forma de mostrar os dados.

Ele cria sua estatística própria. Mostra para a sociedade (dona da fábrica de gelo) que a fábrica (PF) está funcionando muito bem. Que o gelo é produzido e utilizado. Oculta a informação de que a maior parte do gelo (90%) não serviu para nada. Derreteu. Exalta o pequeno percentual que foi utilizado (menos de 10 %).

Isso se reflete na insegurança pública como já explicamos anteriormente. Isso se reflete na insegurança de se ir a uma padaria que já foi objeto de ação violenta e

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cujos autores não foram alcançados pela tal polícia judiciária, ou melhor, investigativa. E QUAIS SÃO OS NÚMEROS REAIS? São os números de elucidação de crimes, nos quais a Polícia Investigativa da União (Polícia Federal) conseguiu chegar na autoria e na materialidade, proporcionou ao Ministério Público oferecer uma denúncia que leve o autor a uma condenação.

Esse deveria ser o número divulgado para demonstrar se o procedimento é eficaz ou não.

Esse é um dado negado. E é negado não só pela polícia investigativa da união, a Polícia Federal, como também é negado pelas polícias investigativas estaduais, as Polícias Civis. Ninguém divulga quantos Inquéritos foram instaurados e quantos resultaram em esclarecimentos de crimes e serviram para eventual acusação pelo Ministério Público ingressando na fase jurídica, afeta ao tripé da justiça. No quadro abaixo podemos fazer uma simulação bem próxima da realidade.

1 2 3 4 5 6 7

Início Fim Cidade Instaurados Elucidados Relatados Anda

mento

Produtividade apresentada

pela PF

Produtividade Real

Autoria e Materialidade

Santos/SP 100 20 90 10 90% 20%

Anápolis/ 100 15 100 0 100% 15%

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GO

Altamira/ PA

100 4 100 0 100% 4%

Caxias do Sul/RS

100 80 80 20 80% 80%

Esse é um exemplo simulado de como são

divulgadas as estatísticas relacionadas ao funcionamento da Polícia Judiciária (na verdade é Polícia Investigativa) da união, a nossa Polícia Federal.

Relembrando que o Inquérito Policial deveria servir de instrumento para elucidação de crimes, mais especificamente a elucidação de autoria e materialidade, como já abordamos aqui por diversas vezes. Inquérito bem feito é Inquérito que, existindo crime, chega a esse resultado (autoria e materialidade).

Ocorre que independente da qualidade da investigação todo Inquérito Policial tem começo e fim. O começo se dá por Auto de Prisão em Flagrante ou por Portaria. A prisão em flagrante é um documento completo por si só então deixaremos de lado. A Portaria é um documento que reveste um ato formal de início de uma investigação na PF.

No quadro representativo temos uma suposição de que ocorreram 100 crimes em cada uma das cidades e as Delegacias da PF correspondentes instauraram os correspondentes Inquéritos Policiais para apuração dos fatos. No quadro temos esse dado na Coluna 1 (início).

Iniciadas as investigações, levadas em consideração as características de cada região e a

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pessoalidade de cada presidente de investigação (Delegado de Polícia Federal), cada uma das delegacias apresentou uma produção diferente. Dado contido na Coluna 2, ou seja, nas investigações daquela localidade foram resolvidos aqueles casos. Por exemplo, na cidade de Santos foram iniciados 100 Inquéritos (coluna 1) e foram elucidados 20 deles. Em 20 casos dos 100 chegou-se ao autor e a materialidade do crime, permitindo ao Ministério Público oferecer denúncia. No caso da Delegacia de Caxias do Sul/RS dos 100 Inquéritos instaurados foram elucidados 80 casos.

Já na Coluna 3 temos os Inquéritos que foram encerrados. Lembrando que não é obrigatório para o encerramento de um Inquérito que se chegue ao autor de determinado crime. O Delegado que o preside tem o arbítrio de encerrá-lo a qualquer tempo, independente de resultado. Então, ao analisarmos nosso quadro vemos que na cidade de Anápolis/GO foram iniciados 100 Inquéritos (coluna 1), desses em apenas 15 casos chegaram aos autores do crime (coluna 2) mas todos os Inquéritos foram terminados (Coluna 3). Cabe fazer uma ressalva já que os Inquéritos Policiais podem ser encerrados por diversos fatores como falta de identificação do autor, ausência de crime, dentre outros. Ainda ressalvando que a maioria dos encerramentos se dá por falhas na investigação, mais relacionadas à morosidade e métodos empregados.

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Então temos que em caso de comunicação de crime à Polícia Federal, a Delegacia correspondente instaura um Inquérito (coluna 1), tenta elucidar o crime (coluna 2) e conseguindo elucidar ou não o Inquérito é encerrado em algum tempo (coluna 3).

E AS ESTATÍSTICAS DIVULGADAS? Antes de comentar o quadro acima gostaria de falar que fui responsável por fazer e formatar as estatísticas da Delegacia de Polícia Federal em Santos, como Chefe do Núcleo de Cartório Criminal, no período de 2009 a 2014. Até hoje aquela unidade utiliza o modelo que implementamos e que complementava o modelo oficial oferecido pelo sistema oficial (SISCART).

Além dessa experiência prática, também ajudei a criar e ministrei na Academia Nacional de Polícia a disciplina NPCART que destinava aos alunos conhecimentos sobre o sistema oficial da Polícia Federal utilizado nas investigações policiais através do Inquérito Policial. Tive a oportunidade de compor e coordenar um ótimo grupo de professores que produziram todo o material até hoje utilizado pela própria Anp.

É com base nessa experiência que comento o quadro acima para poder falar sobre a forma de divulgação das estatísticas da Polícia Federal.

Pois bem, vamos ao truque:

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Na coluna 1 temos os inquéritos policiais iniciados.

Na coluna 2 temos os crimes solucionados.

Na coluna 3 temos os inquéritos policiais finalizados.

E na coluna 4 temos o dado que a gestão da Polícia Federal apresenta como índice de produtividade de seus Delegados Gestores de unidades policiais. Se qualquer um perguntar à Direção da Polícia

Federal qual a produtividade da Delegacia de Polícia Federal em Anápolis/GO a PF vai olhar seu quadro e divulgar o dado contido na coluna 4, seguindo a fórmula abaixo:

Anápolis/GO

Inquéritos Instaurados – 100

Inqueritos Relatados- 100

Produtividade: 100%

Caxias do Sul/RS

Inquéritos Instaurados – 100

Inqueritos Relatados - 70%

Produtividade: 70%

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Seguindo esse princípio conseguimos montar um quadro das Delegacias mais produtivas, segundo a forma como a Polícia Federal divulga seus dados:

1 2 4 6

Início Fim

Cidade Instaurados Relatados Produtividade apresentada pela PF

Altamira/ PA

100 100 100%

Anápolis/GO 100 100 100%

Santos/SP 100 90 90%

Caxias do

Sul/RS

100 80 80%

Em primeiro lugar, segundo a estatística da PF (Instaurados x Relatados), estão as Delegacias de Altamira/PA e Anápolis/GO com 100% dos casos relatados, em terceiro lugar estaria a Delegacia de Polícia Federal em Santos/SP com 90% dos casos relatados e em último lugar, a pior de todas, a Delegacia de Polícia Federal de Caxias do Sul com 80% dos casos relatados.

Os Delegados Gestores das unidades de Altamira e de Anápolis iriam exibir os dados orgulhosamente e provavelmente receberiam congratulações de seus superiores. Serão tidos como ótimos gestores e quem sabe, promovidos a Superintendentes Regionais ou um dia até como Diretores Gerais da Polícia Federal, afinal trabalham e alcançam índices de 100 de finalização nos Inquéritos instaurados.

Tudo certo?

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Espera aí... Para que serve a Polícia Investigativa? Serve para instaurar e relatar Inquéritos Policiais

ou serve para investigar e elucidar crimes? Se serve para investigar e elucidar crimes a

estatística acima não serve. Mas é claro que não serve. A estatística do quadro acima mostra a eficiência e

não a eficácia. A Polícia Federal deveria mostrar seus níveis de

eficácia. Epa, vamos relembrar eficiência e eficácia para

ficar mais claro. Eficiência é fazer certo as coisas (instaurar e relatar

é fazer certo) e Eficácia é fazer a coisa certa (investigar e elucidar o crime).

Então a Polícia Federal aponta a eficiência de seus servidores, mas omite a eficácia de seu modelo investigativo?

A resposta é sim, infelizmente.

Vamos à fórmula do que é omitido usando o mesmo quadro...

1 2 3 7

Início

Cidade Instaurados Elucidados Produtividade Real Autoria e Materialidade

Santos/SP 100 20 20%

Anápolis/GO 100 15 15%

Altamira/PA 100 4 4%

Caxias do Sul/RS

100 70 70%

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Usando o critério da eficácia da do modelo investigativo temos no nosso quadro a cidade de Santos com 20% de efetividade, Anápolis com 15%, Altamira com 4% e Caxias do Sul com 70%.

O que importa à sociedade: Relatar Inquéritos Policiais ou elucidar crimes?

Sem dúvida a resposta é elucidar crimes. Isso incide diretamente na questão Segurança Pública. Vejamos o quadro da eficácia das Delegacias:

1 2 3 7

Início

Cidade Instaurados Elucidados Produtividade Real

Autoria e Materialidade

Caxias do

Sul/RS

100 70 70%

Santos/

SP

100 20 20%

Anápolis/GO 100 15 15%

Altamira/ PA

100 4 4%

Mudou tudo. Quem era bom ficou ruim e quem era ruim ficou

bom. Na realidade, no dia a dia, quando se mede a eficácia do Inquérito Policial todos se tornam ruins pois não há índices de elucidações de 70%, nem de 20% e nem de 15%.

O que mais se aproxima da realidade é o quadro da cidade de Altamira/PA com 4% dos crimes elucidados. Vergonhoso e por isso não é divulgado.

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O que deveria ser divulgado e o que todos os Gestores deveriam cobrar dos Delegados que presidem as investigações seriam melhores conduções dos Inquéritos, maior qualidade nas ações, maior celeridade nas ações, mais ações técnico científicas, menos burocracia.

Vejam o exemplo do gestor de Altamira que na relação InstauradoxRelatado (usado pela PF) era o melhor gestor do Brasil e quando se mede a eficácia da “sua” Delegacia nota-se que ele, na verdade, é o pior gestor do Brasil (instauradosxelucidados).

Vivemos uma grande maquiagem nos números da segurança pública. Esse termo maquiagem não é de minha autoria. Várias e fartas reportagens na imprensa em todo o Brasil tratam desse tema há diversos anos. Por isso a distância entre o que os Gestores apresentam como números da segurança nas entrevistas e o que vivemos no nosso dia a dia. Triste realidade.

Mas a manipulação da forma de apresentação estatística passa também pelas apreensões, a chamada materialidade delitiva.

Vamos entender através de um exemplo prático, fica mais fácil.

Imaginemos uma cena onde duas pessoas são presas pela Guarda Portuária andando pela avenida principal do porto de Santos/SP carregando consigo uma mala que em seu interior contém 2kg de pó branco,

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posteriormente identificado como cloridrato de cocaína. Típica situação flagrancial.

A Guarda Portuária, por determinação de sua chefia, comunica a Polícia Militar que envia uma viatura em apoio.

Após análise inicial os Policiais Militares resolvem encaminhar a ocorrência e os Guardas Portuários até a Delegacia da Polícia Civil onde é elaborado o Auto de Prisão em Flagrante Delito.

Durante a lavratura do Auto de Prisão a equipe da Polícia Civil descobre que os dois autores são estrangeiros e tripulantes de um navio de cargas que teria como destino o porto de Veneza na Itália.

Configurado aí eventual tráfico internacional de drogas o Delegado da Polícia Civil resolve encaminhar a ocorrência para ser atendida pela Delegacia de Polícia Federal, também na cidade de Santos/SP.

Rumam todos para a DPF/Santos onde são atendidos pela equipe plantonista. O Delegado plantonista resolve pela autuação dos autores por tráfico internacional de drogas, encaminhando-os à Cadeia Pública local.

Vamos à estatística real.

Instituições participantes Pessoas

Presas

Drogas Apreendidas

Guarda Portuária 02 (duas) 02 Kg (dois quilos)

Polícia Militar - -

Polícia Civil - -

Polícia Federal - -

Totais 02 (duas) 02 Kg (dois quilos)

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O quadro acima expressa o que aconteceu de verdade e como vimos acima. Resumindo e relembrando. A Guarda Portuária prendeu, a Polícia Militar ajudou, a Polícia Civil fez a primeira análise e a Polícia Federal formalizou a prisão.

AGORA VAMOS AO QUE É DIVULGADO: Quando a Guarda Portuária prendeu os dois autores seu comando lançou nas suas estatísticas a prisão de duas pessoas e a apreensão de 2kg de cocaína. Ao término do mês isso foi computado e divulgado em seu boletim mensal.

Quando a Polícia Militar foi acionada para auxiliar a Guarda Portuária também lançou em suas estatísticas a prisão de duas pessoas e a apreensão de 2Kg de cocaína. Ao término do mês isso também foi computado e divulgado durante a entrevista do Comandante da respectiva unidade militar.

Quando a Polícia Civil recebeu a ocorrência e elaborou seu boletim de ocorrência também relacionou o atendimento de caso com 2 pessoas presas e a apreensão de 2kg de cocaína. O Chefe da Polícia Civil na região irá comentar esses números na sua entrevista mensal.

Finalmente, quando a Polícia Federal atendeu a ocorrência encaminhada fez a mesma coisa. Jogou nos seus sistemas 2 presos e 2 kg de drogas apreendidas. Tudo isso fará parte da estatística oficial que será divulgada em determinada época.

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Conseguimos fazer um quadro com base nas entrevistas que serão concedidas.

Instituição Pessoas Presas Drogas Apreendidas

Guarda Portuária 2 presos 2kg de cocaína

Polícia Militar 2 presos 2kg de cocaína

Polícia Civil 2 presos 2kg de cocaína

Polícia Federal 2 presos 2kg de cocaína

Então para o cidadão comum que não entende a dinâmica da segurança pública e assistiu entrevistas do chefe da Guarda Portuária, do Comandante da Polícia Militar, do Diretor da Polícia Civil e do Diretor da Polícia Federal irá entender que as instituições todas estão funcionando perfeitamente afinal somando-se os valores das entrevistas temos a irreal prisão de 8 meliantes e a apreensão de 8 Kg de cocaína quando na verdade tivemos a reutilização da mesma apreensão e prisões para geração de dados estatísticos.

Essa triste realidade se repete em muitos outros indicadores de segurança. Os dados das prisões realizadas por Policiais Militares são também contabilizados pelas polícias Civis e Federal dependendo do encaminhamento. Casos de apreensões feitas pela Polícia Rodoviária Federal são contabilizadas pela Polícia Federal que só formaliza as prisões. Uma sucessão de geração de números e mais números.

Por essas e outras é que no dia a dia os chefes das instituições policiais divulgam números que não

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correspondem, muitas vezes, ao que vivenciamos no dia a dia das cidades.

Não digo aqui que mentem com relação aos números, mas posso dizer que muitas vezes se omitem ao não informar a origem real dos dados.

Outra triste e inegável realidade. Para finalizar o capítulo, mesmo longe de esgotar

as diversas possibilidades de análises, gostaria de trazer mais um dado, diria eu negado, da nossa combalida segurança pública.

Este exemplo é bem específico das nossas polícias investigativas estaduais, as Polícias Civis e pela polícia investigativa federal, a Polícia Federal. Aliás, é muito usada nas Polícias Civis como demonstrativo de aumento da produtividade.

Em primeiro lugar é preciso esclarecer que nem todos os registros de crimes feitos nas Delegacias de Polícia Civil em todo o Brasil viram investigações por meio de inquérito policial. Em grande parte dos casos, quando os autores de eventual crime não estão identificados os Boletins de Ocorrências são encaminhados para os setores de investigações das unidades locais e lá permanecem inertes até que fato novo ocorra.

Vou contar um caso da minha época na polícia civil, mas antes de contá-la confirmei com colegas que lá ainda militam e confirmei que a prática ainda permanece:

Vamos lá...

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Certa feita, havia uma enxurrada de um tipo de crime, mais especificamente contra entregadores de cigarros, com registros de inúmeros boletins de ocorrência. O chefe da unidade foi cobrado pelo Delegado Regional, pois estava repercutindo na imprensa.

Não vou citar nomes, mas eventuais colegas poderão se reconhecer nessa historinha.

O chefe da unidade convocou uma reunião com toda a Delegacia.

Todos reunidos, iniciou a reunião com a seguinte exposição:

_Estão ocorrendo muitos crimes contra os

entregadores de cigarros nos bairros da nossa circunscrição. Temos mais de 20 boletins de ocorrências sem solução e precisamos dar uma resposta com urgência. Quero empenho nas investigações.

Terminada a reunião as equipes de investigação

foram a campo. Deixaram todas as outras investigações de lado e foram tentar resolver esse caso. Não me perguntem como resolveram, mas uma semana depois já havia uma dupla de acusados.

Aí vem o truque. Foram instaurados mais de 20 Inquéritos de uma

só vez. Em todos os Inquéritos instaurados foram identificados e indiciada essa dupla de acusados.

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Nenhuma materialidade foi recuperada, mas os inquéritos foram finalizados.

Com menos de 1 mês o chefe da unidade fez um ofício ao Chefe Regional informando que haviam solucionado o problema e os autores haviam sido identificados, interrogados, indiciados e os Inquéritos enviados à Justiça para prosseguimento.

Não acompanhei a eficácia e nem sei se os meliantes indiciados foram condenados ou não.

Aparentemente tudo resolvido. Só que não (sqn). Os roubos aos entregadores de

cigarros pararam de acontecer na circunscrição de nossa unidade, mas aumentaram na unidade vizinha.

Só sei que os crimes pararam na nossa área. Resolveu? Claro que não, mas os números ficaram lindos. Atualmente a PF vem alterando e criando

fórmulas para aferição de produtividade, sem, contudo, deixar claro o principal índice que interessa quando tratamos de segurança pública. Mesmo com a nova fórmula ainda é negado o índice de crimes elucidados que resultaram em condenações.

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CAPÍTULO VII

ERRADO É O PORTUGUÊS?7

Vamos recorrer à nossa origem para podermos

falar de evolução nos procedimentos e modelos investigativos pátrios.

O surgimento do chamado Inquérito Policial no Brasil, ao menos com essa denominação, deu-se por meio da Lei n.º 2.033/1871, regulamentada pelo Decreto n.º 4.824, de 22 de dezembro de 1871. Neste Decreto, em seu art. 42, lia-se: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices”. Em pleno império.

No entanto, já em 1841 havia lei disciplinando os trabalhos de investigação policial dos crimes, suas circunstâncias e seus autores. De fato, naquele ano, a Lei nº. 261, de 03 de dezembro, em seu art. 4º, § 9º. determinava que as autoridades policiais deveriam “remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma exposição do caso e das circunstâncias, aos juízes competentes, a fim de formarem a culpa”. 7 https://www.youtube.com/watch?v=M7l4I1dxdTM 7.1https://www.facebook.com/Policial-Federal-Scandiuzzi-238021303237088/videos

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Ainda antes disso, várias instituições oficiais acabaram sendo criadas no Brasil, dentre elas, a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Reino, mediante norma conhecida como Alvará, datado de 10 de maio de 1808 do Príncipe Regente D. João VI. Assim foi nomeado para o cargo o Desembargador Paulo Fernandes Viana, que também assumiu a função de Ouvidor da Corte. Além das atividades de repressão a prática de crimes comuns, aquela instituição recém-criada, a Intendência se encarregava da atividade de inteligência, com o objetivo de fornecer a Dom João VI informações acerca da movimentação de espiões franceses, bem como propagadores de ideais revolucionários, contrários aos interesses da corte.

A Intendência também se encarregava da segurança pública e tinha como desafio principal diminuir o número de crimes de roubo, contrabando, homicídio. O Desembargador Paulo Viana criou então a figura do Oficial de Polícia dentro da estrutura da Intendência

Já em 13 de maio de 1808, foi criada a Guarda Real, comandada pelo Tenente José Maria, sendo composta por 01 sargento, 03 cabos e vinte e um 21 soldados, responsável pela segurança pessoal do monarca.

Vou utilizar parte dos estudos disponibilizados no site do Sindicato dos Policiais Federais na Paraíba (http://sinpefpb.org.br/historia-da-policia-no-brasil-2/)

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e da lavra do Policial Federal Cristóvão de Melo Goes Júnior, que retratam de forma bem fidedigna os fatos em ordem cronológica e que nos permitem constatar o início da formatação de nosso modelo policial investigativo que perdura até hoje. Figuras como Escrivães e Delegados, legítimos representantes do modelo burocrático cartorial imperial permanecem em nosso modelo investigativo de forma contínua e importante.

“Durante o período regencial, foi sancionado o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, com disposição provisória da administração da Justiça civil, através lei de 29 de novembro de 1832. A organização judiciária territorial de juízos de primeira instância continuou dividido em Distrito de Paz, Termos e Comarcas. Esta divisão era feita de acordo com a necessidade da população e levada a aprovação pelo corpo legislativo. Os Distritos de Paz eram criados pelas Câmaras Municipais e deveriam conter pelos menos setenta e cinco (75) casas habitadas, onde havia um Juiz de Paz, um Escrivão e tantos Inspetores quantos fossem os Quarteirões. Além desses, havia também os Oficiais de Justiça. Nos Termos, havia um Conselho de Jurados, um Juiz Municipal, um Promotor Público, um Escrivão das Execuções e tantos Oficiais de Justiça quantos fossem necessários. Nas Comarcas havia um Juiz de Direito, até o limite de três com jurisdição cumulativa, levando-se em conta o tamanho da população. Um desses Juízes deveria exercer a função de Chefe de Polícia. Foram extintas as Ouvidorias da Comarca, o cargo de Juiz de Fora e Ordinários, bem como qualquer outra que possuísse jurisdição criminal. Nos distritos, a administração da

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justiça se dava através de juízes eleitos em número de quatro (04). O cargo de Juiz de Paz cabia ao mais votado pela população, devendo exercer a função pelo prazo de um ano. Os demais eram seus suplentes. Ao Juiz de Paz competia tomar conhecimento das novas pessoas viessem habitar no seu Distrito, caso fossem desconhecidas, ou suspeitas. Concediam passaporte e obrigavam a assinar termo de bem viver entre os vadios, mendigos, bêbados habituais, prostitutas que perturbam o sossego público; aos que ofendessem os costumes, a tranquilidade pública, e a paz das famílias. Competia também obrigar a assinar termo de segurança aos legalmente suspeitos da pretensão de cometer algum crime, podendo cominar neste caso, a aqueles do parágrafo anterior, multa até trinta mil réis, prisão até trinta dias, e três meses de Casa de Correção, ou Oficinas públicas. Procediam a lavratura do Auto de Corpo de delito, além de formar a culpa aos delinquentes. Determinavam prisões dos culpados no seu, ou em qualquer outro Juízo. Podiam conceder fiança na forma da lei, aos declarados culpados no Juízo de Paz. Julgavam as contravenções as Posturas das Câmaras Municipais, bem como os crimes a que não esteja imposta pena maior que a multa até cem mil réis, prisão, degredo, ou desterro até seis meses, com multa correspondente à metade deste tempo, ou sem ela, e três meses de Casa de Correção, ou Oficinas públicas onde as houvesse. Podiam também dividir o seu Distrito em Quarteirões, contendo cada um pelo menos vinte e cinco casas habitadas. Os Escrivães de Paz eram nomeados pelas Câmaras Municipais, mediante proposta dos Juízes de Paz dentre as pessoas, que, além de bons costumes e vinte e um (21) anos de idade, tenham prática de processos, ou aptidão para adquiri-la facilmente,

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competindo-lhes: escrever em forma os processos, ofícios, mandados, e precatórias; passar procurações nos autos e certidões do que não contiver segredo, sem dependência de despacho; assistir às audiências, e fazer nelas, ou fora delas, citações por palavras, ou por carta; acompanhar os Juízes de Paz nas diligências de seus ofícios. Em cada Quarteirão haverá um Inspetor, nomeado pela Câmara Municipal, mediante proposta do Juiz de Paz dentre as pessoas bem conceituadas do Quarteirão, e que sejam maiores de vinte e um (21) anos. Serão dispensados de todo o serviço militar de 1ª linha e das Guardas Nacionais, servindo por um ano, podendo recusar no caso de reeleição. Aos Inspetores competiam as seguintes atribuições: vigiar sobre a prevenção dos crimes; prender os criminosos em flagrante delito, os pronunciados não afiançados, ou os condenados à prisão; observar e guardar as ordens e instruções que lhes forem dadas pelos Juízes de Paz para o bom desempenho de suas obrigações. Vale destacar que o artigo 19, do Código de Processo Penal do Império, suprimiu a função de delegado. Antes não havia o cargo de Delegado, o que havia era a possibilidade de delegação de algumas funções, pois a concepção de poder girava em torno do Monarca e naqueles que recebessem o poder que lhe fora atribuído, formando uma estrutura com funções específicas junto ao Rei. Isso pode ser observado na Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850[9], que criou a Repartição Geral das Terras Públicas, subordinada ao Ministro e Secretário do Estado dos Negócios do Império, onde previa que todos os empregados[10] deveriam ser nomeados por Decreto Imperial. Nas Províncias haviam Repartições Especiais das Terras Públicas que eram dirigidas por um delegado do Diretor Geral das Terras Públicas, que também era

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nomeado através de Decreto Imperial. Na segurança pública também ficou estabelecido o instituto da delegação, mais precisamente durante o período regencial provisório, onde foi editada a lei de 06 de junho de 1831[11] que, dentre outras medidas, estabelecia aos Juízes de Paz competências ex-officio para a punição de todos os crimes de Polícia, exercendo autoridade cumulativa em todo o município inclusive nomeando delegados nos seus distritos, através de edital. Observa-se que esta lei tinha caráter rígido devido ao período de conturbações e incertezas que giravam naquela época em relação a política local e a abdicação de D. Pedro I. Constam em seu texto várias medidas de exceção. Dentre elas, podemos destacar a proibição de ajuntamento noturno de cinco (05) ou mais pessoas nas ruas, praças e estradas, sem um fim justo, estabelecendo pena de um a três meses de prisão e proibição de fiança para os presos em flagrante nos casos de crimes policiais. Por esta lei, o governo estava autorizado a alistar, armar e empregar cidadãos eleitores para auxiliarem os juízes enquanto não organizavam a Guarda Nacional, fornecendo-lhes armamento e munição a custa da fazenda pública. Competia também aos Juízes de Paz nomear tantos Oficiais de Justiça quantos fossem necessários para o desempenho das suas atribuições, competindo-lhes fazer pessoalmente citações, prisões, e mais diligências, além de executar todas as ordens do Juiz. Para prisão dos delinquentes, e para testemunhar sobre qualquer fato de sua atribuição, poderiam os Oficiais de Justiça intimar qualquer pessoa, e estas deveriam obedecer sob pena de serem punidas pelo crime de desobediência. Em 03 de dezembro de 1841 foi publicada a Lei Nº 261, que tratava da reforma do Código de Processo Criminal do

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Império por D. Pedro II. Toda matéria referente à Polícia vem descrita no primeiro capítulo do Título I, que prevê o funcionamento da estrutura do Sistema de Justiça Criminal, onde podemos observar as atribuições dos Juízes Municipais, que estão previstas no Capítulo II do Título I. Estes Juízes eram nomeados pelo Imperador dentre os Bacharéis em Direito, que possuíssem, pelo menos um ano de prática forense adquirida depois da sua formatura, devendo servir pelo tempo de quatro anos e ser reconduzido ou nomeados para outros lugares. O art. 17 e seus parágrafos trazem as suas competências, dentre elas podemos citar o julgamento definitivo do contrabando, com exceção da prisão em flagrante, cujo conhecimento na forma da Lei e Regulamentos de Fazenda, pertencia as Autoridades Administrativas. A eles competia também as atribuições criminais e policiais, que antes competiam aos Juízes de Paz, além de sustentar, ou revogar, ex-officio, as pronúncias feitas pelos delegados e subdelegados. Vale ressaltar que nesta reforma do Código de Processo do Império, foi ressuscitada a função de delegado na atividade policial. Havia a possibilidade de nomeação pelo Governo da Corte e pelos Presidentes de Províncias de substitutos aos Juízes Municipais, desde que fossem obedecidos os seguintes critérios: eleição de seis Cidadãos notáveis do lugar para o exercício da função por quatro anos, sendo exigido fortuna, inteligência e boa conduta. Os chefes de Polícia eram escolhidos pelo Imperador dentre os Desembargadores e Juízes de Direito. Qualquer cidadão ou Juiz poderia ser nomeado delegado ou subdelegado. Todos eram reconhecidamente autoridades policiais, inamovíveis e obrigados a aceitar o encargo. Em cada Província e no Município da Corte tinha um Chefe de Polícia, com tantos

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delegados e subdelegados quantos fossem necessários. Os desembargadores que exerciam o encargo de Chefe de Polícia faziam jus ao seu ordenado, acrescido de uma gratificação. Aos Chefes de Polícia e aos seus Delegados competiam tomar conhecimento das pessoas que viessem morar seu Distrito, bem como, conceder passaporte, lavrar termos de convivência aos vadios, mendigos, bêbados por hábito, prostitutas que perturbam o sossego público. Procediam a lavratura de auto de corpo de delito e formar a culpa aos delinquentes; prender os culpados e julgar as contravenções às condutas contrárias às posturas das Câmaras Municipais e os crimes a que não esteja imposta pena maior que a multa até cem mil réis, prisão, degredo, ou desterro até seis meses, dentre outras. Concediam fiança e mandado de busca, na forma da lei, aos réus que pronunciassem ou prendessem. Inspecionavam os teatros e espetáculos públicos, bem como as prisões da Província. Os Escrivães de Paz e os Inspetores de Quarteirão serviam perante os subdelegados e delegados, mediante nomeação deste. Os Promotores Públicos eram cargos de livre nomeação e exoneração pelo Imperador ou Pelos Presidentes das Províncias, escolhidos preferencialmente dentre os Bacharéis, que fossem idôneos. Havia, pelo menos um Promotor em cada Comarca. O cargo era remunerado de acordo com o trabalho exercido, tais como: oferecimento de denúncias, atuação em Júri; etc. Os Juízes de Direito eram nomeados pelo Imperador, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 44 do Código de Processo do Império, ou seja: deveriam ser bacharéis em direito; maiores de vinte e dois (22) anos, bem conceituados, e que tivessem, pelo menos, um (01) ano de prática no foro, podendo ser provada por certidão dos Presidentes das Relações, tendo preferência os que tiverem servido de Juízes

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Municipais e Promotores. Aos Juízes de Direito das Comarcas competia, além das atribuições que tem pelo Código do Processo Criminal: formar culpa aos Empregados Públicos não privilegiados nos crimes de responsabilidade; julgando definitivamente e julgar as suspeições postas aos Juízes Municipais e Delegados”.

Vê-se que a estrutura imperial trazida de nosso país colonizador e implementada no período regencial mantém seu legado até os dias atuais.

E os nossos patrícios que nos trouxeram esse modelo, como evoluíram em termos de modelos investigativos? Vamos tentar entender.

Para esse entendimento vou me ater ao estudo realizado pelo Policial Federal Ubiratan Antunes Sanderson que foi publicado na revista Conjur (http://www.conjur.com.br/2016-jun-10/sanderson-sistema-policial-portugal-frente-brasileiro).

“O presente estudo foi feito utilizando-se fontes doutrinárias, acadêmicas e institucionais portuguesas, onde percebemos que em Portugal, como no resto do mundo, a diminuição das fronteiras surgidas a partir da globalização contribuiu para a modificação dos comportamentos em todos os níveis. Dessas mudanças, resultaram o aparecimento de novas formas de criminalidade, cada vez mais sofisticadas e imunes aos métodos tradicionais de investigação policial.

Brasil e Portugal, embora possuam sistemas processuais e penais parecidos, têm diferenças gritantes

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no âmbito da investigação criminal. Em Portugal, a direção da investigação é atribuída à magistratura ministerial, enquanto que no Brasil os trabalhos de investigação estão sob a direção de Delegados de Polícia.

Diante do fracasso do inquérito policial no Brasil, instrumento que não tem cumprido com seu objetivo de auxiliar o Ministério Público na formação da opinio delicti, a função investigativa dos representantes ministeriais tem ganhado espaço no seio das comunidades, seguindo uma tendência mundial onde promotores criminais vêm ocupando o comando das investigações criminais de maneira cada vez mais efetiva.

Em Portugal, para que a democracia fosse restabelecida, foram adotadas uma série de medidas (processo de descolonização no continente africano e a instituição de uma renovada constituição portuguesa em 1976), tendo as entidades policiais também passado por um processo de modernização, o que implicou na democratização dessas organizações.

Cabe registrar que em Portugal, como no Brasil, não vigora o Sistema de Polícia Única, existente, por exemplo, no Uruguai. Em Portugal coexistem inúmeras instituições policiais, cujas atribuições, eventualmente, sobrepõem-se, a saber: Polícias ostensivas (uniformizadas): Polícia de Segurança Pública (PSP), Guarda Nacional Republicana (GNR), Guarda Prisional (GP), Polícia Marítima (PM), Polícia Florestal (PF) e

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Polícias Municipais (PM). Polícias de investigação criminal: Polícia Judiciária (PJ), Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Serviço de Informações de Segurança (SIS) e a recém-criada Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

Tendo o contexto democrático tomado conta de Portugal, os interesses social e político passaram por elevar as polícias a um nível europeu de atuação, com exigências de cumprimento legal e de funcionamento eficaz e moderno. Advertências de agências de direitos humanos internacionais também contribuíram para a democratização das forças policiais portuguesas. Esse novo modelo policial, voltado à incondicional defesa dos direitos dos cidadãos, acabou por transformar estas instituições em elementos-chave no processo de democratização da sociedade. A Polícia Judiciária de Portugal (PJ): Principal instituição policial de investigação criminal do país, a PJ (ou simplesmente judiciária) possui viés direcionado à elucidação de delitos em geral, de grande porte, notadamente ao crime organizado, ao tráfico de entorpecentes, ao terrorismo, à corrupção e aos crimes financeiros e econômicos. A PJ portuguesa, no âmbito administrativo, está subordinada ao Ministério da Justiça e, no âmbito de ação, age sob a orientação e dependência funcional do Ministério Público, que em Portugal é enquadrado como magistratura.

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Nos termos da Lei Orgânica e da Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC), à PJ cabe coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação e desenvolver ações de prevenção, detenção e investigação ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes.

A Polícia Judiciária possui semelhança com a Polícia Federal do Brasil, eis que vocacionada, tal como a PF brasileira, a investigar crimes de maior lesividade à nação, como tráfico internacional de drogas e armas, homicídios, evasão de divisas, corrupção, crimes eleitorais, etc. Entretanto, é na estrutura organizacional da PJ que residem as grandes diferenças em relação à PF brasileira.

Na PJ portuguesa vige a carreira única, onde todos os integrantes da carreira policial, detentores de nível superior em diversas áreas (35% das vagas devem ser preenchidas por bacharéis em Direito) ingressam no órgão como inspetores, com idade até 30 anos, através de concurso público (sistema idêntico ao brasileiro).

Cabe salientar que todo policial ingressa na PJ por uma única porta (inspetor), entretanto, para passar de um cargo para outro os interessados devem submeter-se a concurso interno de provas e títulos. Assim, um inspetor pode iniciar e encerrar sua trajetória profissional num mesmo cargo, caso não deseje progredir verticalmente.

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O inquérito policial em Portugal denomina-se apenas inquérito — Artigo 262 do CPP, entretanto, essa peça é da titularidade do Ministério Público (Artigo 53, “b”, do CPP), já que lá não existe a figura do Delegado de Polícia. No sistema português não há o chamado indiciamento, todavia, no âmbito do inquérito (já no juízo de instrução), denomina-se “arguido” o sujeito suspeito de ter praticado uma conduta tida como criminosa. Cabe ao Juiz Instrutor, diante da existência de fundados indícios, constituir o suspeito como arguido, devendo ser o arguido cientificado sobre essa indicação.

Quando da prisão de um indivíduo em flagrante delito lavra-se o Termo de Identidade e Residência (TIR), sendo o detido apresentado ao juiz de instrução para fins de interrogatório, não cabendo à polícia judiciária a realização de interrogatórios.

Malgrado a existência de uma carreira única bem constituída, com uma política de progressão que procura valorizar as valências técnicas, as experiências profissionais e o orgulho policial, o capital humano da Polícia Judiciária tem reclamado melhores condições de trabalho nos últimos tempos, sobretudo com relação ao congelamento dos salários em Portugal. A Polícia de Segurança Pública (PSP): A Polícia de Segurança Pública é uma força policial que possui a missão de defesa da legalidade democrática, de garantia da segurança interna e de defesa dos direitos dos

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cidadãos. Apesar de ter muitas outras funções, a PSP é conhecida por ser à força de segurança responsável pelo policiamento fardado e ostensivo nas grandes áreas urbanas de Portugal, estando o policiamento das áreas rurais reservado, normalmente, à Guarda Nacional Republicana (GNR).

Em virtude de sua visibilidade nas ruas das cidades de Portugal, com 22 mil policiais, a PSP tornou-se a polícia por excelência em Portugal (a que possui maior contato com a população em geral), já que a PJ atua de forma não ostensiva em suas investigações e a GNR possui atuação nas zonas de campo e agrícola de Portugal. A Guarda Nacional Republicana (GNR): Trata-se de uma força policial de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas e dotada de autonomia administrativa, com jurisdição em todo o território nacional e no mar territorial, cuja atuação principal se dá nas áreas rurais do país. Pela sua natureza e polivalência, a GNR encontra o seu posicionamento institucional no conjunto das forças militares e das forças e serviços de segurança, sendo a única força de segurança com natureza e organização militares, caracterizando-se como uma Força de Segurança Mista, com atuação entre Forças Armadas e Forças Policiais.

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O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF): O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras constitui-se em serviço de segurança, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Administração Interna, com autonomia administrativa. Tem como finalidade fundamental controlar a circulação de pessoas nas fronteiras, a permanência e atividades de estrangeiros em território português, bem como coordenar e executar as ações relacionadas à atividade migratória. É a instituições responsável pela emissão de passaportes em Portugal.

Enquanto órgão de polícia criminal, o SEF atua no processo, nos termos da lei processual penal, sob a direção e em dependência funcional da autoridade judiciária competente, realizando as ações determinadas e os atos delegados pela referida autoridade.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras possui estrutura de carreira única e com ciclo completo de polícia, onde os interessados ingressam na instituição no cargo de inspetor-adjunto, via concurso externo, fazendo carreira de acordo com as qualificações técnicas e antiguidade da cada um, via concurso interno.

Autoridade de Segurança Alimentar e Econômica A Autoridade de Segurança Alimentar e Econômica, ou simplesmente ASAE, é a autoridade administrativa especializada para atuar nas áreas de segurança alimentar e fiscalização econômica de Portugal, tais como: tabacos,

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falsificações em geral, direito autoral, jogos ilícitos, vendas on-line, etc.

A ASAE também é um órgão de polícia criminal (segundo disposição do Artigo 5º do Decreto-Lei 194/2012), dependente do Ministério da Economia, responsável pela avaliação e comunicação dos riscos na cadeia alimentar, bem como pela disciplina do exercício das atividades econômicas nos setores alimentar e não alimentar. Age como órgão de fiscalização e de controle de mercado. As Polícias Municipais: As Polícias Municipais em Portugal fazem parte de departamentos especiais das Prefeituras Municipais (lá chamadas de câmaras municipais), cuja missão é fiscalizar o cumprimento dos regulamentos municipais e de outras normas legais de interesse local, tendo como principais atribuições, em coordenação com as demais forças de segurança pública: Vigilância de espaços públicos ou abertos ao público; Vigilância nos transportes urbanos locais; Programas de segurança junto às escolas ou de grupos específicos de cidadãos; Guarda de prédios públicos municipais e equipamentos públicos municipais; Fiscalização do trânsito rodoviário na área municipal; Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal.

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As polícias municipais têm atribuição lavratura de auto de notícia de crime por ilícito de mera ordenação social, de transgressão por fatos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de ato legalmente devido no âmbito das relações administrativas. Também podem realizar a “identificação” e a revista de suspeitos de prárica delitiva, bem como imediata condução dos detidos à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente. CONCLUSÃO: Diante da apresentação das principais forças de segurança pública de Portugal, observamos haver importantes diferenças entre as instituições policiais do Brasil e Portugal, a saber:

Em Portugal há polícias nacionais (PJ, PSP, GNR) e policiais municipais, enquanto que no Brasil as forças policiais são organizadas pela União (PF, PRF e PFF) ou pelos Estados (Polícias Civis e PMs), inexistindo polícias municipais (forças locais);

A Polícia Judiciária de Portugal (PJ), principal órgão de investigação (idealizada em 1945 aos moldes do FBI), possui estrutura de carreira única, onde os policiais ingressam no órgão como inspetores;

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A progressão na carreira da PJ ocorre por capacidade técnica e antiguidade (critérios cumulativos), via concorrência interna, havendo concurso externo apenas para o cargo de inspetor.

Não há nas polícias de Portugal cargos com natureza jurídica (inclusive na PJ);

Não existe em Portugal a figura do Delegado de Polícia, sobretudo na qualidade de autoridade policial, cabendo às Instituições Policiais o desempenho do encargo de autoridade de polícia criminal, podendo qualquer agente ser considerado autoridade de polícia criminal quando agindo em razão da função policial;

Não há a figura do Escrivão de Polícia na estrutura das forças policiais de Portugal, nem mesmo na Polícia Judiciária. Esta função é exclusiva do Poder Judiciário, onde existem as funções de escrivão-auxiliar, escrivão-adjunto e escrivão de direito (Decreto-Lei 343/199, de 26.08.99). Estes profissionais auxiliam os juízes de direito no âmbito do Tribunal de Instrução Criminal (na fase de instrução do inquérito) e os Juízos Singulares (na fase de julgamento do processo);

Todas as Polícias Nacionais de Portugal (PJ, PSP, GNR, SEF) possuem ciclo completo de atuação;

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A PSP, cuja função assemelha-se à nossa da Polícia Militar, possui viés civil uniformizado (não-militar), apesar de contar com uma estrutura tradicionalmente hierarquizada. Não possui carreira única, existindo oficiais e agentes com formações e atribuições diferentes. Os oficiais possuem nível superior, enquanto que os agentes nível médio. Pode haver sindicalização.

Os Conselhos Superiores de Polícia da PJ e da PSP contam com membros (vogais) de todos os cargos, indicados pelas entidades sindicais;

Considerando o PIB dos 02 países (US$ 219 bilhões x US$ 2.190 trilhões), o efetivo de Inspetores da PJ portuguesa em atividade é 100% maior do que o de policiais federais do Brasil (contando todos os cargos). Se usarmos o número de habitantes, o efetivo de investigadores da PJ em Portugal é 350% superior aos quadros da PF brasileira;

Os serviços de polícia aeroportuária, controle migratório e expedição de passaportes, são realizados por uma força policial específica (SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) que atua na prevenção e investigação dos crimes havidos em áreas de fronteiras, portos e aeroportos;

Nas forças policiais de Portugal, os candidatos admitidos vinculam-se a permanecer na

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instituição por no mínimo de 05 anos após a conclusão da formação ou do estágio ou, em caso de abandono ou desistência injustificada, a indenizar os custos de formação. De tudo, pode-se constatar que o sistema policial

português, apesar de ainda pendente de adequações segundo os modelos policiais mais modernos (EUA, Inglaterra, Alemanha e Japão — totalmente civis e com grande liberdade de ação), apresenta-se mais aprimorado que o sistema policial brasileiro, notadamente por possuir a totalidade de suas organizações de segurança pública atuando em ciclo completo de polícia, bem como por contar com instituições como a Polícia Judiciária (PJ, operando aos moldes do FBI) e o Serviço de Estrangeiros Fronteiras (SEF, operando aos moldes do U.S. Customs) estruturadas em carreira única e com importante liberdade operacional.

Certo é que, abrindo o leque de possibilidades que o direito comparado nos disponibiliza, o sistema de segurança pública brasileiro está visivelmente em descompasso com a realidade mundial, especialmente quando se trata do respeito aos direitos humanos, aos direitos trabalhistas dos policiais e ao prestígio de doutrinas que valorizem a ética profissional, a meritocracia, a eficiência e o respeito ao primado da democracia no seio das forças policiais”.

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Para complementar gostaria de transcrever e citar algumas assertivas do Policial Arnaldo Ferreira, da Polícia de Segurança Pública de Portugal, disponível no endereçohttps://www.youtube.com/watch?v=M7l4I1dxdTM acessado no dia 18/07/2017 às 16h23min:

“...é uma polícia que tem uma carreira

transversal... ...É uma polícia que faz investigação criminal... ...É uma polícia que tem todas as competências... ...Não temos Delegados... ...Não temos Escrivães... ...O policial faz tudo, é o Agente, o Escrivão e o

Delegado, ele prepara, faz tudo e remete para o tribunal...

...A entrada é feita pelo posto mais baixo e pode chegar ao posto mais alto, através de concursos e aptidão...

...A policial de Portugal se iniciou igual à polícia brasileira no império, guardava os reis...”

Com a junção dos dois textos e com a entrevista

do colega Policial Português podemos ver de forma clara que Portugal avançou e o Brasil estacionou. Ainda que o modelo utilizado em Portugal não tenha chegado ao nível dos melhores modelos utilizados no mundo há que se verificar que está muito avançado que em nosso país.

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O Brasil, em termos de segurança pública, nasceu Império e permanece assim. Portugal nasceu Império e evoluiu, buscando evolução em seu modelo investigativo.

Quando me contarem uma piada envolvendo nossos irmãos patrícios com certeza virá a minha mente: Errado está o Português?

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CAPÍTULO VIII

QUAIS POLICIAIS SÃO

AUTORIDADES POLICIAIS?

Sobre esse assunto eu não gravei um vídeo específico, mas como tem sido muito discutido no meio policial resolvi incluir neste livro.

Há uma discussão que a meu ver é efêmera, mas tem sido levantada em inúmeros projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional. É efêmera no sentido de que pouco importa à segurança pública e ao que ela se destina quem ou qual servidor deve ser entendido como Autoridade Policial.

Eu, particularmente, entendo como mero movimento por consolidação de poder se levantar esse assunto num momento tão difícil para nosso país, onde os índices de criminalidade aumentam exponencialmente, onde as pessoas têm medo de saírem às ruas, medo de passarem por determinados locais e medo, inclusive, de ficarem dentro de suas casas.

Num cenário tão caótico soa como algo sem sentido a necessidade de se auto afirmar como “Autoridade Policial” como tem tentado algumas associações de servidores.

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Ainda assim, pelo lado simplista, que vocês me respondam: 1.O Policial Militar que para seu veículo na rua é autoridade policial naquele instante? R: experimenta não parar para ver...

2.O Policial Civil que procede uma revista pessoal em uma abordagem é autoridade policial naquele instante? R: Ouse desobedecer para ver... 3. Um Policial Federal de qualquer cargo, designado para trabalhar em um Aeroporto e que determina uma multa a uma empresa aérea por descumprimento de norma vigente ou impede um estrangeiro de entrar no Brasil está exercendo a Autoridade Policial em nome do Estado ou não? R: Obvio que sim.

Então é bem fácil de saber que essa tal Autoridade

Policial é todo e qualquer policial que exerce a autoridade de seu cargo policial.

Mas como vivemos em um mundo técnico, onde as coisas precisam de fundamentos sólidos transcrevo a Nota Técnica emitida e assinada pelo Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais Luis Boudens e pela Diretora de Comunicação Magne Cristina, chamando a atenção para o item 75 na Conclusão...

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Eles fundamentaram o que eu disse acima. Muito bom.

NOTA TÉCNICA Nº 003/2016-FENAPEF

Assunto: Projetos de lei que visam retirar o atributo de “autoridade policial” dos policiais e restringi-lo exclusivamente ao cargo de “delegado de polícia” Ementa: PL nº 6433/2013 de autoria do Dep. Bernardo Santana de Vasconcellos (PR/MG) e PL nº 7/2016 de autoria do Deputado Sergio Vidigal (PDT/ES), que alteram dispositivos da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) elabora a presente Nota Técnica, com o fim de subsidiar os debates parlamentares sobre os Projetos de Lei nº 6.433/2013 e 07/2016, que tramitam na Câmara dos Deputados, visando alterar dispositivos da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), para retirar o atributo de “autoridade policial” dos agentes públicos policiais e restringi-lo ao cargo de “delegado de polícia”. 2. O Projeto de Lei nº 6.433/2013, de autoria do Deputado Bernardo Santana de Vasconcellos (PR/MG), visa acrescentar o §2º ao art.10 na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), com a seguinte redação: Art. 10… 2º – Considera-se autoridade policial, para os fins legais, o delegado de polícia da área do fato, da delegacia especializada de proteção à mulher ou que primeiro tomar conhecimento da ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher. (grifo nosso)

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3. O Projeto de Lei nº 7/2016, do Deputado Sergio Vidigal (PDT/ES) também pretende alterar a Lei Maria da Penha e teve seu parecer aprovado em 29/06/2016 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania com o acréscimo da Emenda de Redação nº 8 – CCJ, de autoria da Senadora Marta Suplicy, que dispõe: Substitua-se, onde couber, no PLC 07, de 2016, a expressão “autoridade policial” por “delegado de polícia”. Outros projetos de lei estão tramitando no Congresso Nacional com a mesma finalidade. 4. Preliminarmente, esclarece-se que o termo “autoridade policial” é inerente a todos os agentes públicos policiais que integram dos órgãos de polícia definidos no art. 144 da Constituição Federal e executam a atividade de policia do Estado. Por isso, as propostas que visam retirar esse atributo dos policiais atentam contra a soberania da Constituição, o princípio da eficiência e teria impacto sobre todo o sistema de segurança pública do País. A Constitucionalização da Segurança Pública 5. A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova ordem jurídica no Brasil e incluiu, pela primeira vez, a segurança pública no seu texto, instituindo-a como um direito fundamental e um direito social de responsabilidade de todos, além de defini-la como um dever do Estado, exercido para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. No texto constitucional o Capítulo III “Da Segurança Pública” integra o Título V, “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. 6. A constitucionalização da segurança pública estabeleceu um novo desenho para a estrutura, organização e funcionamento da segurança pública e órgãos de polícia na democracia brasileira e produziu inúmeros avanços para o país, conforme leciona o Professor-Doutor Cláudio Pereira de Souza Neto,

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no livro Comentários à Constituição do Brasil, de Gilmar Ferreira Mendes e outros: A história constitucional brasileira está repleta de referências difusas à segurança pública. Mas até a Constituição de 1988, não havia capítulo próprio, nem previsão constitucional mais detalhada, como agora se verifica. As Constituições anteriores não disciplinavam a segurança pública em um único preceito. Por ter “constitucionalizado”, em detalhe, a segurança pública, a Constituição de 1988 se individualiza ainda no direito comparado, em que também predominam referências pontuais. […] (grifo nosso) 7. O autor aponta ainda as consequências da Constitucionalização da Segurança pública para as políticas de segurança e legislação infraconstitucional: A constitucionalização traz importantes consequências para a legitimação da atuação estatal na formulação e na execução de políticas de segurança. As leis sobre segurança, nos três planos federativos de governo, devem estar em conformidade com a Constituição Federal, assim como as respectivas estruturas administrativas e as próprias ações concretas das autoridades policiais. O fundamento último de uma diligência investigatória ou de uma ação de policiamento ostensivo é o que dispõe a Constituição. E o é não apenas no tocante ao art. 144, que concerne especificamente à segurança pública, mas também no que se refere ao todo do sistema constitucional. (Grifo nosso) 8. O Constitucionalista Michel Temer[2] destaca a imperatividade dos preceitos constitucionais: O Estado, já dissemos, é uma sociedade. Pressupõe organização. Os preceitos organizativos corporificam o instrumento denominado Constituição. Portanto, a Constituição é o conjunto de preceitos imperativos fixadores

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de deveres e direitos e distribuidores de competências, que dão a estrutura social, ligando as pessoas que se encontram em dado território e certa época. 9. A constitucionalização da segurança pública buscou organizar e dar maior rigidez ao regramento da atividade policial – que executa o uso legítimo da força pelo Estado – e, ao mesmo tempo, limitar alterações substanciais em seu conteúdo pelo legislador ordinário, visando uma maior garantia ao novel Estado Democrático de Direito. 10. Destarte, a partir do que dispõe a Constituição devem se fundamentar a política, organização e estrutura da segurança pública do País, abrangendo as leis em âmbito federal, estadual e municipal que a ela se subordinam, conforme ensina o Ministro Barroso[3]: “toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado”. A “autoridade” como prerrogativa do exercício do poder do Estado 11. O Estado democrático brasileiro, para o cumprimento do dever de alcançar o interesse público, diante dos múltiplos cometimentos que lhes assistem (saúde, educação, segurança, etc.), reparte seus encargos entre diferentes unidades, denominadas órgãos públicos. Os órgãos públicos são integrados por agentes que são as pessoas físicas que pertencem aos seus quadros, e quando atuam, manifestam a própria vontade do Estado[4]. 12. O renomado administrativista José dos Santos Carvalho Filho[5] conceitua que “os agentes públicos são todos aqueles que, a qualquer título, executam uma função pública como prepostos do Estado. São Integrantes dos órgãos públicos, cuja vontade é imputada à pessoa jurídica. Compõem, portanto, a trilogia fundamental que dá o perfil da Administração: órgãos, agentes e funções”.

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13. Assim, a atuação dos agentes públicos não se trata do exercício de um poder particular, mas sim da concretização do poder público em abstrato e, por isso, os agentes públicos gozam da prerrogativa de “autoridade” em relação aos particulares. 14. Por outro lado, não se pode confundir as funções do órgão público exercidas pelos agentes públicos (que possuem prerrogativa de autoridade), com as atribuições dos cargos públicos que eles ocupam. Conforme distinção apresentada por Hely Lopes Meirelles[6]: Cada órgão público, como centro de competência governamental ou administrativa, tem necessariamente funções, cargos e agentes, mas é distinto desses elementos que podem ser modificados, substituídos ou retirados sem supressão da unidade orgânica. Isso explica porque a alteração de funções, ou a vacância de cargos, ou a mudança de seus titulares não acarreta a extinção do órgão. 15. Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello[7], “os cargos públicos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei”. 16. Segundo Damásio de Jesus[8], “a noção de autoridade para o direito está indissociavelmente ligada a de poder, de ter aptidão para decidir e impor a sua decisão a outrem nos termos e limites da lei”. O autor explica quem são os agentes públicos que podem ser considerados autoridades, dentre os quais se incluem os servidores públicos, categoria em que se enquadram todos os cargos policiais: No quadro dos agentes públicos podem ser considerados autoridades: a) os agentes políticos, que já o são por natureza, em decorrência da mera investidura no cargo ou do exercício

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das funções; b) os servidores públicos, quando desempenharem atividade que pressuponha poder administrativo; c) os particulares em colaboração com a atividade estatal, quando, no desempenho da atividade requisitada ou delegada, fiquem investidos de poder decisório capaz de afetar outras pessoas. (grifo nosso) 17. Em decorrência da prerrogativa de autoridade, a desobediência do particular à ordem legal do agente público pode vir a configurar crime, assim como também pode incidir em abuso de autoridade se essa conduta exceder os limites legais de sua autoridade. A Lei do Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/65) define que são autoridades todos os agentes públicos, não se limitando a cargos, pois é inerente ao exercício da função pública: “5º. Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”. 18. A lei do abuso de autoridade aponta ainda que existe um escalonamento hierárquico entre as autoridades públicas: “2º. O direito de representação será exercido por meio de petição: a) dirigida à autoridade superiorque tiver competência legal para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção (…)”. Esse escalonamento hierárquico de autoridades é inerente à estrutura do quadro funcional de cada órgão público. 19. Portanto, a “autoridade” é uma prerrogativa inerente ao exercício das funções do Estado pelos agentes públicos, independentemente do cargo que ocupam. As atribuições dos cargos públicos determinam os limites de atuação e de exercício dessa autoridade. A ”autoridade policial” dos agentes públicos policiais. 20. A Constituição Federal 1988 dispõe no art. 144 que a segurança pública será exercida pelos seguintes órgãos: polícia

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federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias militares e corpos de bombeiros militares. Assim, todos os agentes públicos policiais que exercem a função de segurança pública nos órgãos policiais são “autoridades policiais”. 21. Veja-se que na Constituição não há qualquer definição ou limitação do conceito de autoridade policial a qualquer cargo. O texto constitucional contém a expressão “autoridade policial” apenas uma vez, no capítulo que trata do estado de defesa e estado de sítio e, mesmo neste, sem se referir a qualquer cargo público: “136. § 3º Na vigência do estado de defesa: I – a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial”. 22. A falta de definição ou limitação da “autoridade policial” no texto constitucional expressa o “silêncio eloquente”, uma vez que o atributo é intrínseco a todos os agentes públicos policiais que executam o “múnus público” da atividade de policiamento do País definida na Constituição. 23. O cargo de delegado de polícia somente poderia portar a exclusividade da prerrogativa de autoridade policial se o Constituinte tivesse lhe outorgado a natureza de “agente político” ou de “órgão público” do Estado, tal como fez expressamente com o cargo de juiz (Art. 92. “São órgãos do Poder Judiciário: […] III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho; V – os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI – os Tribunais e Juízes Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios”). Porém, não foi a vontade do Constituinte Originário atribuir ao cargo de delegado de polícia a prerrogativa de agente político ou de órgão público do Estado e, por isso, não pode

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o atributo de “autoridade policial” do Estado ser exclusivo do cargo de delegado de polícia. 24. Artigo do Desembargador Álvaro Lazarini[9]leciona que o policial é autoridade nos limites da sua investidura legal e independentemente da denominação do cargo público que ocupa. Ele define com propriedade o conceito de autoridade policial: Autoridade Policial é um agente administrativo que exerce atividade policial, tendo o poder de se impor a outrem nos termos a lei, conforme o consenso daqueles mesmos sobre os quais a sua autoridade é exercida, consenso esse que se resume nos poderes que lhe são atribuídos pela mesma lei, emanada do Estado em nome dos concidadãos. 25. A doutrina de Damásio de Jesus[10]explica que “o policiamento é atividade de execução, cujo comando e chefia cabem aos agentes políticos, mas cuja efetivação concreta incumbe aos servidores públicos”. O autor cita como exemplo, que a chefia e o comando da atividade policial no plano estadual incumbem ao Governador, auxiliado pelo Secretário de Estado, ambos agentes políticos, mas o desempenho concreto dessa atividade compete aos servidores ocupantes de cargos públicos de policial civil ou militar. O autor apresenta ainda o conceito de autoridade policial: Considerando que autoridade é qualquer agente público com poder legal para influir na vida de outrem, o qualificativo “policial” serve para designar os agentes públicos encarregados do policiamento, seja preventivo, seja repressivo. Assim, podemos, lato sensu, conceituar autoridade policial como todo servidor público dotado do poder legal de submeter pessoas ao exercício da atividade de policiamento. Nesse sentido há antigo acórdão do STF, segundo o qual “soldado do policiamento de uma cidade do interior, fardado

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e armado, está investido de uma parcela do poder público”; “soldado da polícia, sempre fardado e armado, é a encarnação mais presente e respeitada da autoridade do Estado… (RTJ, 75:609). (grifo nosso) 26. A jurista Ada Pellegrini Grinover[11], integrante da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto da Lei 9,099/95, assinalou que “qualquer autoridade policial poderá dar conhecimento do fato que poderia configurar, em tese, infração penal. Não somente as polícias federal e civil, que têm a função institucional de polícia judiciária da União e dos Estados (art. 144, § 1°, inc. IV, e § 4°), mas também a polícia militar”. 27. Por ocasião da publicação da nº 9.099/95, que trata sobre a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência, o conceito de autoridade policial restou fixado nos entendimentos dos órgãos judiciários, da doutrina e da jurisprudência, como sendo inerente a todo agente público que exerce função policial, independentemente do cargo. Dessa forma, estão autorizados a lavrar Termos Circunstanciados e a encaminhá-los aos Juizados todas as autoridades policiais do art.144, sem a necessidade de participação do delegado de polícia. A inconstitucionalidade da restrição da “autoridade policial” ao cargo de delegado de polícia 28. Não se pode restringir a exclusividade do atributo de “autoridade policial” ao cargo de delegado de polícia, sob pena de violar a supremacia constitucional e inviabilizar o funcionamento dos órgãos de polícia do País. A atividade de policiamento do Estado é desempenhada pelos órgãos públicos, por intermédio dos agentes públicos policiais, categoria de servidores que comporta vários cargos policiais, inclusive o de delegado de polícia e todos executam suas atribuições determinadas pelo texto constitucional.

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29. Além disso, o cargo de delegado de polícia, por somente existir em dois órgãos policiais (polícia federal e polícias civis), resultaria em subordinar todos os demais órgãos policiais – Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Militar e Corpos de Bombeiros Militares, à autoridade policial exclusiva do delegado de polícia, uma atecnia absurda e inconstitucional. 30. Note-se que o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/41) dispõe sobre a persecução penal e faz constar o termo “autoridade policial” ou “autoridades policiais” quarenta e nove (49) vezes, porém sem conceituá-los ou restringi-los a qualquer cargo. Somente há referência ao cargo “delegado de polícia” no artigo 295, quando trata da prisão especial: “serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: XI – os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos”. 31. Diversas são as referências contidas no Código de Processo Penal sobre atribuições a serem realizadas pela “autoridade policial” e que não são realizadas pelo cargo delegado de polícia, como exemplo: Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; […] 32. Assim, não são os delegados de polícia que quando têm conhecimento da prática de infração penal “dirigem-se ao local,

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providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais”, nem são eles que “apreendem os objetos que tiverem relação com o fato” ou tampouco os que “colhem todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”, pois essas atividades são desempenhadas pelos policiais ocupantes de outros cargos, como agentes e escrivães de polícia, somente de forma excepcional é feita pelo delegado. 33. Dessa forma, interpretar que a autoridade policial é sinônimo de delegado de polícia seria, somente para os fins do inciso I, do art. 6º, atribuir ao delegado a obrigação de estar em todos os locais de ocorrências de crime, desde uma briga de vizinho, até nos crimes a bordo de embarcações e aeronaves, pois somente este cargo teria a competência de cumprir o dispositivo legal e de adotar as medidas cabíveis no caso de descumprimento. 34. O Código de Processo Penal é norma geral sobre o processo penal no Brasil e por isso estabelece inúmeras atribuições aos órgãos incumbidos da persecução penal. O CPP cita as atribuições do Ministério Público (e não do promotor de justiça ou procurador federal), as atribuições do Juiz (que é órgão definido no art. 92 da Constituição) e ainda as atribuições da polícia e das autoridades policiais (sem adentrar nos diversos cargos que compõem os órgãos de polícia e desempenham as atividades de persecução penal). Dessa forma, dá-se maior vigência ao texto do CPP, resguardando-o da flexibilidade das alterações legislativas inerentes ao funcionamento dos órgãos públicos e a dinâmica de suas organizações internas e composição dos cargos públicos. 35. Destaque-se que somente a recente Lei nº 12.830/2013 reservou ao cargo de delegado de polícia “a condução da

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investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, para a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais”, mas a atividade de apuração de infrações penais é desempenhada também pelos demais cargos policiais (agentes, escrivães, papiloscopistas, peritos, etc.). 36. Assim, a Lei nº 12.830/2013 ao dispor sobre a “condução da investigação criminal” pelo delegado de polícia, refere-se à posição de comando na estrutura hierárquica da função de apuração criminal pelo inquérito policial, o que não significa que o delegado executa de forma exclusiva a atividade de investigação criminal, até porque só existe comando se existirem comandados, e esses são todos os policiais que efetivamente executam a atividade policial investigativa definida na Constituição Federal e, para tanto, possuem o atributo de autoridade policial. 37. As funções constitucionais da Polícia Federal estão definidas no art. 144, §1º, que são: apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas (I); prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho (II); exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (III); exercer as funções de polícia judiciária da União(IV). Todas essas funções – polícia investigativa, polícia administrativa, polícia de soberania/fronteiras e polícia judiciária, respectivamente -, são exercidas mediante inúmeras atividades desenvolvidas por todos os cargos da “carreira policial federal”. 38. As funções constitucionais das Polícias civis também são definidas no art.144, §4º: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as

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funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Assim a função de polícia judiciária e a função de apuração de infração penais pelas polícias civis também são desenvolvidas por todos os cargos policiais civis, sob a direção dos delegados de polícia de carreira. 39. Ou seja, o exercício das funções da Polícia Federal e Polícias Civis dos Estados definidas na Constituição Federal não são desempenhadas exclusivamente pelos delegados de polícia, mas também por policiais de outros cargos, todos no exercício da autoridade policial do Estado. Por exemplo, é no exercício da autoridade policial que um agente da polícia civil persegue alguém que acabou de praticar um homicídio e o prende em flagrante, ou quando investiga roubo de cargas em rodovia e retém mercadorias. Também é a autoridade policial do agente federal que o autoriza a investigar e prende um traficante internacional de entorpecentes, ou multar uma empresa por realizar atividade de vigilância privada sem autorização legal, ou impedir um estrangeiro de entrar no território nacional por não portar a documentação necessária ou, ainda, quando permite que um estrangeiro saia do país por atender aos requisitos legais. 40. Além disso, os outros órgãos policiais definidos no art. 144 da Constituição Federal também exercem atribuições policiais que não se referem à condução de inquérito policial (e que por isso não possuem o cargo de delegado de polícia), mas que detém o atributo de autoridade policial. Ou seja, a Polícia Rodoviária Federal realiza o patrulhamento ostensivo das rodovias federais e a Polícia Ferroviária Federal das ferrovias federais; a polícia Militar realiza o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública e os corpos de bombeiros militares executa as atividades de defesa civil e todas essas atribuições são desempenhadas pelos agentes

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públicos policiais no exercício da autoridade policial do Estado definidos pela Carta Magna. 41. Portanto, não se há de confundir as atribuições do órgão policial – que são definidas na Constituição Federal e exercidas pelos agentes públicos policiais, com as atribuições do cargo policial, que são criadas pelas leis ordinárias quando dispõem sobre a estrutura administrativa e quadro de pessoal de cada órgão. Aliás, a própria Constituição Federal determina no § 7º do art. 144 que “a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades”. 42. Onde a Constituição Federal iguala, não cabe ao intérprete ou legislador diferenciar. Conforme leciona J. J. Gomes Canotilho: O intérprete e aplicador do direito deve fazer as leis e demais normas infraconstitucionais adaptarem-se ao ordenamento constitucional, não este àquelas, a fim de não conferir à constituição caráter demasiadamente aberto, a ser preenchido a seu talante pelo legislador ordinário, e de não se chegar a interpretações constitucionais inconstitucionais. 43. Assim, resta claro que a “autoridade policial” é um atributo indissociável e irrenunciável dos agentes públicos policiais que executam as funções dos órgãos de polícia definidos no art. 144 da Constituição Federal. Por isso, não pode o legislador ordinário retirar-lhes esse atributo e restringi-lo somente a um cargo policial, o cargo de delegado de polícia, pois afrontaria a supremacia da Constituição e violaria os princípios da isonomia e da igualdade positivados no art. 5°, caput, do texto constitucional. Contestações aos desvirtuamentos do termo ”autoridade policial”.

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44. Há na doutrina quem desvirtue o alcance do termo “autoridade policial” para restringi-lo ao cargo de delegado de polícia, a partir da interpretação de dispositivos do Código de Processo Penal (CPP) e de leis infraconstitucionais, desconsiderando a constitucionalização da segurança pública que estabeleceu novas regras para a atividade de policiamento do Estado exercida pelos órgãos policiais. Dentre esses argumentos destacamos: a) que a autoridade policial estaria vinculada à função de polícia judiciária, exclusiva do cargo de delegado de polícia; b) que pela leitura do CPP o delegado de polícia seria “autoridade” e os demais policiais seriam “agentes de autoridade”; c) que o delegado de polícia seria autoridade policial e os demais policiais exerceriam somente o poder de polícia geral; d) que as Leis nº 12.830/2013 e nº 13.047/2014 restringiram a “autoridade policial” ao cargo de delegado de polícia. Todos esses argumentos não têm fundamento constitucional e serão contestados pontualmente a seguir. a) A diferenciação constitucional das “funções de polícia judiciária” e “funções de apuração de infrações penais” 45. Em que pese que o Código de Processo Penal ter mais de setenta e cinco anos e ser anterior à constitucionalização da segurança pública, as controvérsias sobre o conceito de autoridade policial têm origem no artigo 4º do título que trata do inquérito policial, que dispõe: “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. 46. Há na doutrina quem interprete o citado art.4º conjuntamente com o art. 144, §1º, IV, da Constituição Federal, que dispõe que “a polícia federal se destina a exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União”, para chegar a conclusão de que o delegado de polícia é quem

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conduz o inquérito policial e por isso teria a exclusividade do atributo de autoridade policial. Há outros autores que fazem a interpretação conjunta do art. 4º, do CPP, com o art. 144, § 4º, da Constituição Federal que dispõe que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. 47. Porém, essa hermenêutica não tem fundamento constitucional, pois a “exclusividade da função de polícia judiciária” é atribuída pela Constituição somente à Polícia Federal e não às policiais civis dos Estados, o que por essa interpretação excluiria os delegados da polícia civil do atributo de autoridade policial, que seria somente dos delegados de polícia federal. Por outro lado, se for feita uma interpretação ampliativa para que o conceito de autoridade policial também alcance os delegados da polícia civil, é razoável que também se faça a mesma interpretação para alcançar aos demais policiais que integram a Polícia Federal e Polícias Civis, pois atuam no desempenho da “função de polícia judiciária” por imposição da Lei Maior. 48. A Constituição Federal expressamente distingue a “função de polícia judiciária” da “apuração de infrações penais”, conforme se depreende da leitura do §1º, do art.144, que ao dispor sobre a Polícia Federal, trata no inciso I da “apuração de infrações penais” e no inciso IV da “função de polícia judiciária da União”: 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de

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suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; […] IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (grifo nosso) 49. Também, ao dispor sobre as polícias civis, o texto Constitucional cita expressamente essas duas atribuições, “as funções de polícia judiciária” e a “apuração de infrações penais”: “§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Note-se que o texto constitucional utiliza a conjunção “e” para separar as “funções de polícia judiciária” da função de “apuração de infrações penais”, demonstrando claramente que se tratam de duas funções diferentes. 50. Segundo explica Renato Brasileiro[13], “o disposto no art. 4º do CPP, segundo o qual ‘a polícia judiciária tem por objeto a apuração das infrações penais e da sua autoria’, essa terminologia não foi recepcionada pela Constituição Federal que diferencia a função de polícia judiciária da função de apurar infrações penais”. Prossegue o autor: Destarte, por funções de polícia investigativa devem ser compreendidas as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à autoria e materialidade das infrações penais. A expressão polícia judiciária está relacionada às atribuições de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judiciárias relativas à execução de mandados de prisão, busca e apreensão, condução coercitiva de testemunhas, etc. Por se tratar de norma hierarquicamente superior, deve, então, a Constituição Federal, prevalecer sobre o teor do Código de Processo Penal (art. 4º, caput).

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51. Douglas Fischer[14], da mesma forma, diferencia a função de polícia judiciária da função de apuração de infrações penais, a partir da leitura do texto constitucional: Funções de polícia judiciária são diversas de atribuições investigatórias. Não só pela compreensão sistêmica do ordenamento – que se vem defendendo insistentemente – como também, complementarmente, da própria leitura da Constituição, que, no §4º do mesmo art. 144, estipula claramente a diferenciação entre ambas. 52. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou pela diferenciação da função de polícia judiciária e da função de investigação penal: Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal […]. (STF, Processo HC 89.837/DF, Relator: Ministro Celso de Mello, 2ª Turma, Data de Julgamento: 20/10/2009, Publicação no DJ: 20/11/2009). 53. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), n/a mesma linha, também se manifestou pela distinção entre a função de polícia judiciária e a função de apurar infrações penais (função investigatória): Essa função de polícia judiciária qual seja, a de auxiliar do Poder Judiciário, não se identifica com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, como exsurge, entre outras disposições, do preceituado no parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição Federal […]. (STJ, RESP Nº 332.172-ES, de 24/05/2007, Relator Ministro Hamilton Carvalhido. 6ª Turma, Data de Julgamento: 24/05/2007, Publicação no DJ: 04/08/2008). 54. Veja-se que a distinção entre polícia judiciária e apuração de infrações já consta na Lei nº 12.830, de 20/06/2013, que

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no seu artigo 2º dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, com o mesmo delineamento que foi dado pela Constituição Federal: 2º. As funções de polícia judiciária ea apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. 55. Assim, com a diferenciação expressa no texto constitucional entre a “função de polícia judiciária” e a função de “apuração de infrações penais”, a investigação de crimes no Brasil não é exclusiva sequer da Polícia Federal. Assim não há proibição constitucional para que outras instituições públicas investiguem, como o Ministério Público, as Comissões Parlamentares de Inquérito, a Receita Federal, etc. 56. O Código de Processo Penal também dispõe que não há exclusividade na função de apuração de infrações penais pelas polícias, uma vez que define que pode ser realizada por outras autoridades administrativas, conforme consta no art. 4º, parágrafo único: “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”. 57. Assim, o Código de Processo Penal dispõe sobre o processo penal e a função de apuração de infrações penais, a qual chama de “polícia judiciária”, e essa função não é exercida somente pelo cargo de delegado de polícia, mas sim por todos os policiais federais e civis, não sendo esse argumento hábil a atribuir-lhe a prerrogativa exclusiva de “autoridade policial”. Existem inúmeras atribuições na Polícia Federal e Polícias Civis dos Estados que não são desempenhadas por delegados, mas sim por outros cargos policiais e em todas elas a autoridade policial do Estado se faz presente. b) A referência do CPP à “autoridade e seus agentes”

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58. Também a partir da restrita interpretação do Código de Processo Penal de 1941, há um antigo argumento de que somente o delegado de polícia seria autoridade policial e que os demais cargos policiais seriam “seus agentes”, a partir da interpretação do que dispõe o 301: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. 59. Essa é mais uma interpretação extensiva que não se sustenta porque “autoridade policial” são todos os agentes públicos policiais que executam as atividades de policiamento do Estado definidas na Constituição Federal. Ademais, a remota expressão “autoridades policiais e seus agentes” não retrata nenhuma situação técnica ou jurídica, pois na ordem constitucional o servidor público é vinculado ao Estado, não havendo que se falar de “um servidor e seu agente”, “uma autoridade policial e seu agente”, pois todos os policiais são agentes do Estado e detém o atributo de autoridade para exercer as suas atividades públicas. 60. Para resolver esse equívoco, tramita o Projeto de Lei do Senado nº 227/2012, de autoria do Senador Armando Monteiro, que apresenta o conceito de “autoridade policial” e de “agente da autoridade policial”, ao estabelecer regras e critérios mínimos para o registro de infrações penais e administrativas pelos órgãos de segurança pública no território nacional: Art. 3º. 2º. Considera-se autoridade policial, para os fins previstos nesta Lei e para os dispositivos equivalentes previstos na legislação processual penal, todo servidor público civil ou militar que atuar nas atividades de policiamento ostensivo, preservação da ordem pública ou investigação criminal, sem distinção de nível hierárquico.

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3º. Considera-se agente da autoridade policial, para os fins previstos nesta Lei e para os dispositivos equivalentes previstos na legislação processual penal, os agentes públicos ou privados que exercerem atividade complementar ou auxiliar aos órgãos de segurança pública através de proteção e guarda de bens, serviços e instalações públicas, ou na proteção e guarda de pessoas, valores, patrimônio ou atividades privadas, regulamentada por lei e autorizada por autoridade policial competente. 4º. Os militares das Forças Armadas, quando exercerem atividades próprias de segurança pública, para a garantia da lei e da ordem, nas hipóteses autorizadas e previstas em lei, passam à condição análoga de autoridade policial e deverão registrar as infrações nos termos desta Lei. (Grifo nosso) 61. Vê-se que a redação do Projeto de Lei do Senado nº 227/2012 está alinhada à Constituição Federal e às funções dos órgãos de polícia do país e por isso essa proposta virá a esclarecer o significado desses termos e atender ao princípio da eficiência definido no §7º do art. 144. c) Distinção entre “poder de polícia” e “poder da polícia” 62. Há ainda antigo argumento apresentado de que somente o delegado de polícia seria autoridade policial porque os demais cargos policiais exerceriam somente o poder de polícia. Mas essa interpretação ampliativa mais uma vez não merece prosperar, pois todos os agentes públicos são dotados de “poder de polícia” e somente os agentes públicos policiais detêm a exclusividade do “poder da polícia” que é inerente ao atributo de “autoridade policial” do Estado. 63. O conceito de “poder de polícia” é apresentado pelo Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966): Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito,

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interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. 64. Já o conceito de “poder da polícia” pode ser extraído a partir da concepção do conceito de polícia. Segundo Cretella Junior[15], polícia é o “conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre as atividades do cidadão mediante restrições legais impostas a essas atividades, quando abusivas, a fim de assegurar-se a ordem pública”. Assim, o conceito de “poder da polícia” pode ser definido como o atributo inerente aos agentes públicos dos órgãos policiais incumbidos da segurança pública, no cumprimento da função de policiamento do Estado. O “poder da polícia” é restrito aos agentes que compõem os órgãos policiais definidos no art.144 da Constituição Federal. 65. A doutrina divide o conceito de polícia em sentido objetivo e no sentido subjetivo. Do conceito de polícia no sentido objetivo (polícia-função) decorre o “poder de polícia”, que consiste na “atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos” e que é exercido pelos agentes dos órgãos públicos em geral, tais como órgãos de vigilância sanitária, de fiscalização das edificações, de defesa do consumidor, de segurança ambiental, etc. que exercem a atividade administrativa do Estado, sem serem órgãos policiais. Já do conceito de polícia no sentido subjetivo (polícia-corporação), decorre o “poder da polícia”, que é um poder especializado, inerente ao exercício da atividade policial, que detém o monopólio da força física

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legítima, para assegurar as finalidades do Estado, nos limites da lei[16]. 66. Segundo Álvaro Lazzarini[17], o “poder de polícia” pode ser visto como abstrato e informante da atividade policial e o “poder da polícia” como a materialização do poder: Como poder administrativo, assim, o Poder de Polícia, que legitima o poder da polícia e a própria razão dela existir, é um conjunto de atribuições da Administração Pública, como poder público e indelegáveis aos entes particulares, embora possam estar ligados àquela, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades. 67. Cretella Junior[18]apresenta uma clara distinção entre polícia e poder de polícia, afirmando que “o poder de polícia é uma potencialidade, é alto em potência, ao passo que a polícia é uma realidade, é algo em ato. O poder de polícia legitima a ação da polícia e a sua própria existência“. O autor explica ainda que: Polícia e poder de polícia são palavras que traduzem duas noções relacionadas e interdependentes, inconfundíveis, porque o poder de polícia é pressuposto ou antecedente lógico da polícia sendo o primeiro algo in potentia e o segundo algo in actu. Abstrato, o poder de polícia concretiza-se na polícia, força organizada visível, cuja ação se faz sentir no mundo e no mundo jurídico. 68. Como exemplo prático da distinção entre “poder de polícia” e “poder da polícia” é a situação de agentes públicos do órgão de vigilância sanitária que no exercício do “poder de polícia” pretendem interditar um estabelecimento comercial por vender mercadoria fora do prazo da validade, mas que são impedidos pelo proprietário de efetuarem o fechamento do estabelecimento e, que, por isso, solicitam o auxílio de

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policiais militares, os quais, mediante o exercício do “poder da polícia”, efetuam o fechamento do local pelo uso legítimo da força, inerente às suas funções de agente policial do Estado. 69. Portanto, por essa abordagem, os agentes públicos policiais, por exercerem as atribuições dos órgãos de polícia definidos no art. 144 da Constituição Federal, detém o “poder da polícia” inerente ao monopólio da força física legítima do Estado, imposta nos limites da lei[19] e por isso são “autoridades policiais”. d) A “autoridade policial” nas Leis nº 12.830/2013 e nº 13.047/2014 70. A recente Lei nº 12.830/2013 definiu que ao delegado de polícia cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento: “ 2º, §1º. Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais”(grifo nosso). 71. Observe-se que a redação do art.2º, §1º da Lei nº 12.830/13 não atribui ao cargo de delegado de polícia a exclusividade do termo “autoridade policial”, até porque seria inconstitucional. A expressão “na qualidade de” é sinônimo de “enquanto”, “como”, e por isso o parágrafo §1º pode ser lido como “Ao delegado de polícia, enquanto autoridade policial…”. Ou seja, a expressão “na qualidade de” constante nessa lei, somente ressalta o atributo de autoridade policial do delegado de polícia, sem excluí-lo dos demais policiais integrantes da carreira policial federal. 72. Da mesma forma, a Lei nº 13.047/2014 (que altera a Lei nº 9266/96 que reorganiza as classes da Carreira Policial Federal), também não limita a autoridade policial ao cargo de delegado de polícia federal quando dispõe: “ 2º-A. Parágrafo

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único. Os ocupantes do cargo de Delegado de Polícia Federal, autoridades policiais no âmbito da polícia judiciária da União, são responsáveis pela direção das atividades do órgão e exercem função de natureza jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado”. Ou seja, todos os policiais, federais e civis, que desempenham atividades de polícia judiciária da União são autoridades policiais. 73. Ademais, como demonstrado, a “função de polícia judiciária” (CF, art.144, §1, IV) é inerente ao cumprimento de ordens do Poder Judiciário, atividade que é desenvolvida por todos os cargos da carreira policial federal. Aliás, todos também desenvolvem a função de apuração de infrações penais ou função polícia investigativa (CF, art.144, §1, I), a função de polícia administrativa (CF, art.144, §1, II) e a função de polícia de fronteiras ou soberania (CF, art.144, §1, III), exercendo atividades relativas às atribuições legais de seus cargos. Ressalte-se, porém, que nenhum cargo da carreira policial federal tem suas atribuições definidas em lei. 74. A constitucionalidade da Lei nº 12.830/2013 está sendo questionada por três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal: ADI 5043, impetrada pela Procuradoria Geral da República; ADI 5073 – impetrada pela Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) e ADI 5059, impetrada pela Associação Nacional das Operadoras Celulares – ACEL. Da mesma forma, foi impetrada pela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) representando a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), a ADI 5364 que contesta a também a constitucionalidade da Lei n° 13.047/2014. Em todas essas ações se contestam as violações aos preceitos positivados na Constituição Federal para a segurança pública e à inconstitucionalidade de atribuir ao

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cargo de delegado de polícia competências constitucionais de outros agentes políticos e servidores policiais. Conclusão 75. A “autoridade policial” é atributo indissociável e irrenunciável de todos os agentes públicos policiais que integram dos órgãos de polícia definidos no art. 144 da Constituição Federal e que concretizam o poder do Estado na atividade de policiamento do País. 76. Diante disso, não pode o legislador ordinário retirar o atributo de autoridade policial dos agentes públicos policiais para restringi-lo somente a um cargo policial (cargo de delegado de polícia), pois violaria os princípios da isonomia e da igualdade positivados no art. 5°, caput, do texto constitucional, bem como a supremacia da Constituição, uma vez que não foi vontade do Constituinte Originário atribuir a exclusividade da autoridade policial ao cargo de delegado de polícia. 77. Por esses fundamentos e ainda com base no princípio da eficiência, a Federação Nacional dos Policiais Federais – Fenapef postula pela rejeição dos dispositivos dos Projetos de Lei nº 6.433/2013 e 07/2016 que visam retirar o atributo de “autoridade policial” dos cargos policiais para restringi-lo somente ao cargo de delegado de polícia.

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CAPÍTULO IX

UMA PROPOSTA VIÁVEL PARA A

POLÍCIA FEDERAL8

Pretendia escrever um encerramento trazendo uma proposta viável para a Polícia Federal. Viável sob a ótica da gestão e sob a ótica da evolução da instituição Polícia Federal dentro do contexto da segurança pública quando me deparei com comentários de colegas dentro de uma rede social que denominamos ACADÊMICOS da PF.

Percebi, então, que as propostas para a nossa Polícia estão dentro do seu próprio contexto.

Defendo o Ciclo Completo de Polícia, a Carreira com entrada única e a modernidade da investigação com viés Técnico Cientifico ao invés do viés jurídico como caminhos a serem seguidos.

Resolvi reproduzir o excelente artigo de dois colegas de profissão, mestre e doutor, que relatam, ipsis litteris, o meu pensamento final.

Vou inverter a ordem e apresentá-los. Brilhantes...

8 https://www.youtube.com/watch?v=-1lTp0kJkDI 8.1https://www.facebook.com/238021303237088/videos/595431734162708/

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Antônio José Moreira da Silva é mestrando em Ciências Humanas pela UFFS, especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UCAM e em Controle da Gestão Pública Municipal pela UFSC. Graduado em Direito pela UFU. É agente de Polícia Federal, que atuou em operações de inteligência e combate a organizações criminosas. Vladimir de Paula Brito, é doutor em Ciência da Informação pela UFMG. Especialista em inteligência de estado e inteligência de segurança pública pela Escola Superior do Ministério Público/MG. Especialista em sistemas de banco de dados. Graduado em biblioteconomia pela ECI/UFMG. Membro do Centro de Estudo de Inteligência Governamental. É diretor da Associação Internacional para Estudos de Segurança e Inteligência (INASIS) e membro do Centro de Estudo de Inteligência Governamental (CEEIG/UFMG). É agente de Polícia Federal, com atuação em operações de inteligência e combate a organizações criminosas. MAIS DO MESMO NA SEGURANÇA PÚBLICA: ... Essa estrutura claramente ineficiente resiste às necessárias reformas, graças à atuação de entidades representativas que não poupam esforços em tentar manter e ampliar os poderes institucionais do cargo, como ocorreu no processo de aprovação da Lei nº 12.830/2013 (conhecida como “lei das excelências”) e Lei nº 13.047/2014, que tornou privativo dos delegados o cargo diretor-geral da Polícia Federal. Na prática, aquelas leis não trouxeram qualquer solução para a crise das instituições policiais ou para o falido modelo de segurança pública brasileiro.

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Os esforços das entidades de delegados atualmente estão voltados para a aprovação da PEC-412, que atende apenas aos interesses corporativos dos ocupantes do cargo de delegado, um dos cinco que compõem a carreira policial federal, garantindo-lhes, por exemplo, a possibilidade de fixação dos próprios vencimentos. Nada sobre a alteração da estrutura ineficiente da investigação criminal no Brasil.

Na visão dos articulistas, o modelo de uma carreira única não passaria de um delírio quixotesco defendido por uma “minoria de sindicalistas”. No entanto, omitem a realidade de polícias que já permitem a ascensão profissional desde a base da carreira, em países como Alemanha, Chile, Estados Unidos, França, Portugal, Reino Unido, entre outros.

Nesses países, onde os índices de elucidação criminal contrastam com as vergonhosas estatísticas brasileiras, a investigação criminal não tem o engessamento “judicialiesco” do inquérito policial e não se exige dos chefes de polícia a formação exclusiva em Direito.

Lá, a preocupação das instituições policiais é com a produção de provas válidas, através de métodos e técnicas baseados no conhecimento científico e multidisciplinar. O anteparo jurídico da investigação é feito pelo Ministério Público e por juízes de garantias, não por chefes de polícia, que por aqui se preocupam mais com correntes jurisprudenciais do que com as técnicas investigativas e a qualidade das provas.

A estruturação em carreira única é defendida não só pela maioria dos policiais, como também por estudiosos em segurança pública, como José Luiz Ratton, Luiz Eduardo Soares, Michel Misse, Renato Sérgio de Lima, Ricardo Balestreri, entre outros.

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Aliás, a profunda insatisfação dos policiais com o modelo de carreira adotado no Brasil não é novidade. Em 2009, uma pesquisa feita pela secretaria nacional de Segurança Pública (Senasp), com policiais militares, civis, rodoviários e federais, bombeiros, guardas municipais e agentes penitenciários, mostrou que, em sua maioria, esses profissionais “desejam mudanças institucionais profundas, querem novas polícias e não concordam com o atual modelo organizacional. A mesma enquete, por outro lado, constatou que “se tornar promotor, procurador e juiz está nos planos – ao menos nos sonhos – de alguns delegados”.

Entre outubro de 2015 e março de 2016, o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, realizou um debate on-line, por meio de uma plataforma virtual intitulada “Mudamos” e por uma página no Facebook, com o objetivo de detectar os pontos de vista de diversos agentes sociais e construir um debate de propostas de mudança para arquitetura institucional do sistema brasileiro de segurança pública.

Motivado pela Proposta de Emenda Constitucional 51/2013, o debate contou com a participação de policiais militares, membros do Judiciário, delegados, investigadores e guardas municipais, profissionais do terceiro setor, da educação e da saúde. O tema que contou com maior participação foi a “carreira única”, em que a maioria dos participantes se posicionou favoravelmente a esse modelo.

Em nenhuma organização séria, um profissional qualificado e experiente seria fadado a passar cerca de 30 anos sem a perspectiva de ascensão profissional, pois isso se traduziria em desmotivação e consequente queda de produtividade. No entanto, na ideia equivocada dos delegados, os policiais brasileiros estariam almejando posições

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de chefia apenas pelo decurso do tempo, sem a experiência, a formação superior, o conhecimento e a titulação, que legitimassem a ocupação de postos de chefia.

É pela falta de perspectiva que policiais experientes e qualificados, graduados em diversas áreas do conhecimento, após anos de dedicação à investigação criminal, escolhem trabalhar em setores burocráticos. Isto porque não importa o quanto se dediquem: serão sempre chefiados por um delegado, ainda que recém-ingresso na corporação.

A grande falha do modelo brasileiro é a supervalorização da atividade jurídica, em detrimento do conhecimento técnico e científico. Na fase policial da persecução criminal, a análise jurídica é uma atividade meramente instrumental, pois o que realmente possibilita a coleta de provas é o conhecimento multidisciplinar dos fatos investigados.

O saber jurídico, por si só, não é suficiente, por exemplo, para a detecção de uma fraude contábil, um dano ambiental, ou um crime cibernético. Para essas atividades, são requeridas formações acadêmicas, conhecimentos, habilidades e experiências específicas, fora do domínio exclusivo do bacharel em Direito.

É evidente que o conhecimento da lei deve balizar a atuação de todo e qualquer agente público, pois a atuação do Estado afeta a esfera individual não apenas pela ação da polícia. Todo e qualquer policial toma, diuturnamente, uma série de decisões que repercutem diretamente em direitos fundamentais dos cidadãos, mas não a partir do conforto dos gabinetes, e sim pelo contato com a realidade das ruas, com os subterrâneos do sistema financeiro e do submundo da política.

Prosseguem os colegas ... o que torna efetiva uma prisão feita nas ruas não é a formalização do auto de prisão em

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flagrante pelo delegado, mas a homologação do ato pelo juiz. No modelo atual, fica evidente a excessiva burocratização dos atos policiais, o que gera trabalho desnecessário e, consequentemente, ineficiência.

Afirmar que o desejo de mudança vem de uma “minoria de sindicalistas” é uma atitude que demonstra a prepotência como alguns participantes desse debate se postam diante do conjunto das corporações policiais. Desqualificam o ponto de vista dos demais profissionais e se apoiam no surrado discurso de que o problema da polícia está na falta de recursos materiais e financeiros. Omitem o fato de que os investimentos nas polícias cresceram vertiginosamente nas últimas décadas.

Dados do “Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2016” mostram que em 2010 foram gastos R$ 50 bilhões em segurança pública, enquanto em 2003 este valor foi menos da metade, R$ 22,6 bilhões. Em 2015, os estados e a União gastaram R$ 76,1 bilhões na área, 11,6% a mais que em 2014, quando os gastos somaram R$ 68,2 bilhões. Além de gastar muito, gestores formados exclusivamente em Direito gastam mal. A solução para a segurança pública não está na velha fórmula do “mais do mesmo”.

Comparar as atividades desempenhadas por agentes e delegados com as exercidas por auxiliares de enfermagem e médicos, pedreiros e engenheiros, ou sustentar que haveria paralelo entre a atuação daqueles profissionais com a relação entre serventuários da Justiça e juízes/promotores é desonestidade intelectual e não passa de retórica; desconsidera a natureza da investigação criminal e supervaloriza o conhecimento jurídico na fase policial da investigação criminal.

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A verdadeira meritocracia não é demonstrada pela aprovação em concurso público que mede conhecimentos jurídicos, com vagas ocupadas, muitas vezes, por jovens que encontram no cargo de chefe de polícia o seu primeiro emprego e – como novatos -, precisam se apoiar na experiência de outros policiais para a condução dos trabalhos.

A Constituição Federal já estabelece que a Polícia Federal é estruturada em “carreira” (no singular), sem estabelecer relação de hierarquia entre os ocupantes de seus cinco cargos. Assim, falta regulamentar esse dispositivo para que prevaleça a vontade do constituinte. Ademais, a Administração Pública já dispõe de instrumentos suficientes para estruturar tecnicamente uma carreira, sem que seja necessário invocar a anedótica figura do “delegado calça-curta” para atacar a ocupação de postos-chave, por critérios políticos ou pessoais. Defender esse ponto de vista não significa rechaçar a importância do concurso público, que seria o meio de ingresso numa carreira que teria início, meio e fim, o que já ocorre em outras carreiras, inclusive no Brasil. Ou alguém já ouviu falar em concurso para desembargador ou general?

VOLTO APÓS O BRILHANTISMO DOS COLEGAS PARA ENCERRAR: Por todo o exposto, longe de tentar ser unanimidade no assunto, ciente de que os modelos merecem discussão e evolução, entendo que precisamos discutir urgentemente, em todos os campos, o sistema policial brasileiro. Em especial, o modelo de carreira nas polícias, o ciclo completo de polícia e a desburocratização da investigação.

Hoje temos carreiras dentro de instituições como Receita Federal do Brasil, Comissão de Valores

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Mobiliários-CVM, Superintendência de Seguros Privados-SUSEP, Banco Central do Brasil-BACEN e outros, que exercem poder de polícia, contam com servidores de nível superior em diversas áreas técnico-científicas, e que mesmo sem formação em direito são capazes de realizar autos de infração, enquadramentos legais, consultas legais, etc., totalmente a contento, mostrando que a formação em Direito é acessória à atividade fim policial e não a essência fundamental da mesma.

A discussão deve ser em cima da Carreira com entrada pela base (experiência + estudo + meritocracia) com múltiplas formações, da Desburocratização e descentralização da Investigação Policial (valorização da técnica e da ciência) e do ciclo completo de polícia (a polícia que começa é a que termina) visando trocar um modelo que não valoriza os policiais que efetivamente investigam, um modelo que investiga muito mal e que desperdiça material humano e recursos financeiros no retrabalho por outro que funciona em boa parte do mundo civilizado e é tido como efetivo e eficaz.

Temos que buscar implementar isso por aqui. Chega da Jabuticaba brasileira.

O Brasil tem jeito.

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