Maria Francisca Sales Vignoli - Sapili · No primeiro capítulo pretendemos expor algumas mudanças...

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Maria Francisca Sales Vignoli A FAMÍLIA COMO CAMPO DE ATUAÇÃO E INVESTIGAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo/SP 2007

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Maria Francisca Sales Vignoli

A FAMÍLIA COMO CAMPO DE ATUAÇÃO E INVESTIGAÇÃO DOSERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS

EM SERVIÇO SOCIAL

São Paulo/SP

2007

Maria Francisca Sales Vignoli

A FAMÍLIA COMO CAMPO DE ATUAÇÃO E INVESTIGAÇÃO DOSERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora daPontifícia Universidade Católica de São Paulo, comoexigência parcial para obtenção do título de MESTREem Serviço Social, sob a orientação da ProfessoraDoutora Maria Lúcia Silva Barroco.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS

EM SERVIÇO SOCIAL

São Paulo/SP2007

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

DEDICO

Aos meus pais Marinete e Armindo,

grandes incentivadores do meu

crescimento intelectual, vida, apoio e

estímulo incondicional.

Ao Paulinho, companheiro de todas

as horas, que me completa com amor,

respeito e carinho.

Aos meus filhos Isa e Flávio, fontes de

alegrias, bênçãos da minha vida.

A minha irmã Marta, meu cunhado

Luis e minhas sobrinhas Nathália e

Renata pelo apoio constante.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que participaram neste processo, com estímulos

afetivos e intelectuais.

Aos meus pais, marido, filhos, irmã, cunhado, sobrinhas, parentes e amigos,

pela paciência e acolhimento.

À minha orientadora, Professora Doutora Maria Lúcia Silva Barroco, grande

mestra, pela sabedoria e compromisso.

Aos companheiros de trabalho, primeiramente na Prefeitura Municipal de

Birigüi e atualmente na Prefeitura Municipal de Araçatuba, pela amizade destes

anos, ensinando-me tanto no convívio diário.

Aos colegas docentes da UNIJALES, bem como aos alunos e funcionários

pelo incentivo, aprendizado e paciência.

Aos queridos professores e amigos do mestrado na PUC/SP que me

privilegiaram com seu conhecimento e amizade.

Aos membros da banca de qualificação, Professora Doutora Maria Amália

Faller Vitale e Professora Doutora Maria Lucia Martinelli, pelas substantivas críticas

e sugestões.

Ao CAPES, órgão que, por intermédio da PUC/SP, concedeu-me uma bolsa

de estudo fundamental para a realização desta pesquisa.

RESUMO

A presente dissertação trata das transformações ocorridas com as famílias,

contempladas na produção teórica do serviço social brasileiro. É uma pesquisa

histórica bibliográfica, realizada através do levantamento de alguns clássicos que

abordam o assunto, mas, principalmente das Revistas Serviço Social & Sociedade

com o título sobre família. Objetivamos conhecer as contribuições teóricas dos

assistentes sociais brasileiros sobre a temática, visando a ampliar nosso

conhecimento como profissional que atua diretamente com esses usuários. A

intenção deste trabalho foi seguramente pontuar indagações que foram sendo

alinhavadas no processo de estudo e na proximidade com essa demanda. Sentimos

a necessidade de buscar uma maior compreensão da família, que é uma instituição

social, problematizando-a em sua complexidade e contradições. Compreendemos

que temos que pensá-la em suas configurações atuais e as responsabilidades que

lhe são atribuídas. Para entender o que vem ocorrendo na contemporaneidade,

iniciamos nossa pesquisa retornando à antiguidade para conhecer concepções de

famílias em alguns países e principalmente as transformações ocorridas com elas no

Brasil. Estudamos as políticas sociais brasileiras e alguns marcos históricos das

gestões de Getúlio Vargas a Luis Inácio Lula da Silva (1930 a 2006). Preocupamo-

nos em pensar a política social voltada à família, as relações com o Estado nas

últimas décadas, priorizando a questão social, o serviço social e a atuação dos

assistentes sociais, junto a essa demanda. Este estudo possibilitou ampliar nosso

conhecimento sobre a temática, aprofundando assim o saber para enfrentamento de

desafios que demandam a intervenção profissional.

Palavras-chave: famílias, transformações, responsabilidades, estudo, intervenção.

ABSTRACT

The present dissertation concerns about the current transformation of families

regarded in the theoretical production of the brazilian social service. It is about a

historical bibliographer research, accomplisher through the survey of some classic

references which approach this subject but mainly through the renowned social

service & Society magazines which have brought the word family as title. We have

aimed at the acquaintance of theoretical contributions of the brazilian social

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS 12

1.1 – CONCEPÇÕES DE FAMÍLIAS, EM ALGUNS PAÍSES, NA

ANTIGÜIDADE

14

1.2 – AS FAMÍLIAS NO BRASIL 24

1.3 – AS POLÍTICAS SOCIAIS: ORIGEM E FUNÇÃO 29

1.4 – ALGUNS MARCOS HISTÓRICOS DAS POLITICAS

SOCIAIS NAS GESTÕES DE VARGAS A LULA (1930 A 2006)

31

2 – POLÍTICA SOCIAL VOLTADA A FAMÍLIA, NA

CONTEMPORANEIDADE

49

2.1 – RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESTADO, NAS ÚLTIMAS

DÉCADAS

53

2.2 – QUESTÃO SOCIAL, IMPLANTAÇÃO DO SERVIÇO

SOCIAL E ATUAÇÃO COM FAMÍLIAS

59

3 – ANÁLISE DA REVISTA SERVIÇO SOCIAL & SOCIEDADE 66

3.1 – BLOCO UM: A DÉCADA DE OITENTA 76

3.1.1 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A FAMÍLIA 76

3.1.2 – GÊNERO, VIOLÊNCIA E FAMÍLIA 78

8

3.2 – BLOCO DOIS: A DÉCADA DE NOVENTA E O NOVO

SÉCULO

79

3.2.1 – TRABALHO E FAMÍLIA 80

3.2.2 – GÊNERO, TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS 81

3.2.3 – GÊNERO, VIOLÊNCIA E FAMÍLIA 83

3.2.4 – A FAMÍLIA E A CRIANÇA E O ADOLESCENTE 83

3.2.5 – A FAMÍLIA E O PORTADOR DE TRANSTORNO

MENTAL

85

3.2.6 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A FAMÍLIA 85

3.3 – AS CONCEPÇÕES SOBRE A FAMÍLIA 89

CONCLUSÃO 91

BIBLIOGRAFIA 94

9

INTRODUÇÃO

As inquietações de pesquisadora, após ter concluído três especializações em

recursos humanos, serviço social e violência doméstica contra crianças e

adolescentes; de mestranda no programa de estudos pós-graduados em serviço

social da PUC/SP e da experiência adquirida como assistente social, primeiramente

atuando em empresa e, nos últimos anos, em prefeitura municipal, atendendo

cotidianamente famílias, foram sem dúvida os elementos propulsores para a escolha

do tema.

Assim, a intenção de abordar o assunto é seguramente pontuar indagações

que foram sendo alinhavadas no processo de estudo e na proximidade com essa

demanda.

Pretendemos pensar a família em suas configurações atuais e as

responsabilidades que lhe atribuímos.

Percebemos que a maioria dos profissionais com quem convivemos, tanto

assistentes sociais como de outras áreas, esperam das famílias atendidas que elas

produzam cuidados, proteção, aprendizado dos afetos, construção de identidade e

vínculos relacionais de pertencimento, capazes de promover o convívio saudável de

seus membros, sem parar para pensar se elas estão preparadas para assumir esse

papel.

O fato de participarmos, no nosso cotidiano, de vivências em família, durante

a nossa vida, não significa que conhecemos todos os instrumentos necessários para

atuarmos com elas. Há necessidade de um maior aprofundamento teórico-

metodológico do tema, para se intervir adequadamente.

Necessitamos buscar uma maior compreensão da família, que é uma

instituição social, problematizando-a em sua complexidade e contradições, pois esse

é um requisito para uma prática profissional comprometida com os nossos usuários.

No entanto, ao estudar o assunto nos deparamos com um problema: o tema

família é pouco desenvolvido no serviço social, seja nos debates da categoria, seja

na produção teórica. Pareceu-nos importante investigar essa produção para saber

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se ela tem acompanhado as mudanças sociais que interferem na configuração das

famílias.

Nesse sentido, entendemos ser de suma importância estar pesquisando e

registrando o que outros estudiosos, principalmente os assistentes sociais, têm a

contribuir sobre a temática, sintetizando essas informações teoricamente e também

expondo nossas concepções como profissional que atua cotidianamente com essa

demanda.

Temos clareza de que o profissional, para atuar com a população, deve

conhecer e compreender a realidade, estudando e decifrando: o movimento de

estrutura e conjuntura da história, as contradições internas e externas às classes

populares, as possibilidades e os limites históricos com que se defronta.

Acreditamos que o serviço social tem muito a contribuir quanto a fornecer

informações sobre o que vem ocorrendo com as famílias brasileiras, pois os

assistentes sociais mantêm contacto direto com elas, ouvindo suas dificuldades e

conhecendo suas necessidades e expectativas.

Nosso objetivo foi conhecer as contribuições teóricas dos assistentes sociais

brasileiros sobre a temática, visando a ampliar nosso conhecimento como

profissional que atua diretamente com esses usuários.

A pesquisa foi bibliográfica, realizada através do levantamento de alguns

clássicos que tratam do assunto, mas, principalmente das Revistas Serviço Social &

Sociedade com o título sobre família.

Este estudo pretendeu ter uma dimensão histórica, expondo algumas

concepções de famílias, situando-as em relação às políticas públicas e ao serviço

social, mostrando a interdependência da família com a sociedade e com as

circunstâncias vivenciadas pelos diversos grupos sociais. Deteve sua atenção para

as famílias, e não para uma família específica, principalmente no interior da

sociedade brasileira.

Assim, apresentaremos alguns aspectos da história da família e seu processo

de modernização, na perspectiva de adentrarmos minimamente a complexidade que

a abrange e que devemos conhecer para atuar adequadamente com ela.

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No primeiro capítulo pretendemos expor algumas mudanças ocorridas com as

famílias, em outros países, na antiguidade, e no Brasil, na contemporaneidade, uma

síntese da política social e dos períodos históricos importantes do país, onde se

evidencia que muitas famílias modificaram seu perfil em resposta as transformações

por que passou a sociedade brasileira.

No segundo capítulo buscaremos apresentar brevemente a política social

brasileira voltada à família, as relações com o Estado nas últimas décadas, a

preocupação com a questão social, o surgimento do serviço social no Brasil: as

principais transformações ocorridas desde sua origem até a atualidade e a

intervenção do assistente social junto a essa demanda.

No terceiro e último capítulo serão expostas as concepções dos assistentes

sociais sobre família e como trataram das transformações que ocorreram com as

mesmas, na história, através dos artigos publicados nas revistas Serviço Social &

Sociedade.

Esperamos expor elementos para o debate, somando-se a outras

contribuições existentes sobre a temática.

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I

1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O título deste trabalho: a família como campo de atuação e investigação do

serviço social brasileiro leva a algumas considerações.

Quando estudamos o tema família, devemos pensar nelas em suas várias

configurações e formas de organizações, compreendendo suas particularidades

como pertencentes a diferentes camadas sociais.

Apesar das transformações que ocorrem com a configuração da família na

sociedade contemporânea brasileira, nos parece que ainda se pauta pelo ideário da

família nuclear burguesa, composta por pai, mãe e filhos.

Essa forma de compreender a família foi por muito tempo hegemônica para a

maioria dos pesquisadores, sendo referência para os diversos profissionais, entre

eles os assistentes sociais, na implementação de programas/projetos sociais.

Ainda há, na contemporaneidade, muita dificuldade em reconhecer os novos

arranjos familiares (não convencionais) como famílias.

Qualquer pessoa sabe o que é uma família porque todo mundo tem a sua.

Porém, não podemos comparar nosso modelo de relação familiar com aquela com

que trabalhamos. Esses estigmas podem nos impedir de perceber as possibilidades

e os recursos que as famílias buscam construir.

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“É também um indicador da multiplicidade de discursos que definem o que é

uma família: discursos religiosos, morais, legais, das tradições culturais, das políticas

sociais, até a específica tradição de cada família, de cada indivíduo.” (Saraceno,

1992: 11-12)

Assim, embora para o senso comum a representação da família seja sempre

compreensível, existe uma infinidade de significados para essa palavra.

As pesquisas têm mostrado as diferenças na sua organização, tanto no que

se refere à composição quanto no que diz respeito às formas de sociabilidade que

vigoram em seu interior. Essa diversidade de configurações familiares tem sido, na

atualidade, objeto de reflexão de alguns estudiosos que pesquisam ou trabalham

com famílias. Para Symanski, ela pode ser formada através de vários tipos de laços:

“1) família nuclear, incluindo duas gerações, com filhos biológicos; 2) famílias

extensas, incluindo três ou quatro gerações; 3) famílias adotivas temporárias; 4)

famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais; 5) casais; 6) famílias

monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; 7) casais homossexuais com ou sem

crianças; 8) famílias reconstituídas depois do divórcio; 9) várias pessoas vivendo

juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo.” (Symanski, 2002:10)

Concordamos com Heloisa Szymanski que compreende família como uma

associação de pessoas que escolhe conviver por razões afetivas e assume um

compromisso de cuidado mútuo.

Portanto, é um tema complexo, de difícil problematização porque a família é

algo tão próximo que acabamos esquecendo sua dimensão social e histórica.

Abordar o assunto implica levantar algumas questões: de quais famílias

estamos falando, de que país, de que estrato social, de que época e outras.

Mas para compreendermos o momento atual, é importante efetuarmos uma

retrospectiva histórica, pois os séculos passados foram caracterizados por profundas

transformações econômicas, sociais e culturais que incidiram diretamente nas

estruturas das famílias.

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1.1 – CONCEPÇÕES DE FAMÍLIAS, EM ALGUNS PAÍSES, NA ANTIGÜIDADE

Segundo Friedrich Engels1 (2002), até o início de 1860 não se pesquisava o

tema família. As ciências históricas se embasavam nos Cinco Livros de Moisés. A

forma patriarcal exposta se identificava à família burguesa atual. Era como se ela

não tivesse evoluído. Apenas cogitava-se que nos tempos primitivos pudesse ter

havido um período de “promiscuidade” sexual. Conheciam-se a monogamia e a

poligamia no Oriente, e a poliandria na Índia e no Tibete. Em poucos povos do

mundo antigo e algumas tribos selvagens, a descendência era contada por linha

materna e não paterna, porém ninguém sabia como abordar tais fatos.

O estudo da história da família começa, realmente, em 1861, com o Direito

Materno, do pesquisador suíço Jakob Bachofen.

Bachofen escreveu que entre os gregos e os povos asiáticos existiu, antes da

monogamia, uma época em que não só o homem mantinha relações sexuais com

várias mulheres, mas também o inverso, sem que isso violasse a moral estabelecida

e que a validez da filiação feminina se manteve por muito tempo.

John Fergusson Mac Lennan voltou a tocar no assunto em 1865, sem

conhecer as idéias de seu antecessor. Foi considerado, pelos ingleses, o fundador

da história da família. Expôs que entre muitos povos selvagens, bárbaros e até

civilizados, houve uma forma de matrimônio em que o noivo raptava sua futura

esposa da casa dos pais, ou seja, os homens de uma tribo roubavam mulheres de

outras, pela força.

Para Mac Lennan ocorreram duas situações: uma em que os homens eram

obrigados a buscar esposas, e as mulheres, maridos, fora do grupo (exógamas) e

outra em que só podiam procurá-las no seio de seu próprio grupo (endógamas). E

que, entre as raças exógamas, existiu primitivamente a união da mulher com

diversos homens (irmãos ou primos) e que o primeiro sistema de parentesco foi o

que reconhecia o vínculo de sangue pelo lado materno.

1 Engels, em seu livro, A origem da família, da propriedade privada e do estado, trata do tema commuita clareza. Assim, consideramos oportuno trazer citações de obras de intelectuais por elepesquisados como: Jakob Bachofen, John Fergusson Mac Lennan, John Lubbock, Lewis HenryMorgan, Lorimer Fison, no início deste primeiro capítulo.

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John Lubbock, também inglês, em 1870, em seu livro A Origem da

Civilização, reconheceu como fato histórico o casamento por grupos, escrevendo

que entre povos mais desenvolvidos ocorreram outras formas de famílias, nas quais

vários homens tinham em comum várias mulheres.

O americano Lewis Henry Morgan, em 1871, apareceu com novas

informações, no seu livro Sistema de Consangüinidade e Afinidade da Família

Humana, levando a discussão para um campo mais amplo. Tomou como ponto de

partida os sistemas de parentesco e reconstituindo as formas de família a eles

correspondentes, possibilitou enxergar mais longe, a pré-história da humanidade. A

aceitação desse método acabou com as construções de Mac Lennan.

Morgan, em 1877, lançou o livro A Sociedade Antiga, onde informou que a

existência de tribos exógamas não foi provada. Colocou que, na época em que

dominava o matrimônio por grupos, a tribo dividiu-se num certo número, de gens

consangüíneas por linha materna, onde era proibido o casamento, embora os

homens de uma gens pudessem conseguir suas mulheres dentro da própria tribo, o

que acabavam fazendo. No entanto, tinham de consegui-las fora de sua gens. As

gens grega e romana que eram um enigma para os historiadores, acabaram sendo

entendidas, dando nova base ao estudo de toda a história primitiva.

Morgan pesquisou por muito tempo os iroqueses (estabelecidos no Estado de

Nova York) sendo adotado por uma de suas tribos (a dos Senekas). Identificou um

sistema de consangüinidade diferente dos seus reais vínculos de família, na qual o

matrimônio era facilmente dissolúvel, por ambas as partes, e chamado, por ele, de

família sindiásmica.

A descendência do casal era reconhecida por todos, e não surgia dúvida

quanto às denominações pai, mãe, filho, filha, irmão ou irmã, porém, o casal

chamava filhos e filhas, além dos seus, os de seus irmãos, os quais, por sua vez, o

considerava pai. Já os filhos de suas irmãs eram os sobrinhos e sobrinhas, e tio para

ele. Inversamente, a iroquesa chamava de filhos os seus e os de suas irmãs, e

esses a denominavam mãe; e os filhos de seus irmãos, os sobrinhos e sobrinhas, a

consideravam tia. Era um sistema de parentesco elaborado e que expressava

diferentes relações de parentesco em um único indivíduo. Essa estrutura, além de

vigorar entre todos os índios da América, também existiu, quase sem nenhuma

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modificação, entre os Aborígenes da Índia, as tribos Dravidiana do Dekan e as

Gauras do Indostão.

As designações pai, filho, irmão, irmã, não eram simples títulos, mas, ao

contrário, implicavam deveres definidos e cujo conjunto formou uma parte essencial

do regime social desses povos.

Já no Havaí, na primeira metade do século XIX, todos os filhos de irmãos e

irmãs eram irmãos e irmãs, considerados filhos comuns.

Ao estudar a história da família, Morgan chegou à conclusão, como vários

outros historiadores, de que existiu no seio da tribo, em uma época primitiva, o

comércio sexual “promíscuo”, no qual cada mulher pertencia igualmente a todos os

homens e vice-versa. Porém, poucos estudiosos tocaram nesse assunto.

Morgan acreditava que desse estado primitivo de “promiscuidade” formou-se:

1 - família consangüínea, na qual os grupos conjugais classificavam-se por

gerações: todos os avôs e avós eram maridos e mulheres entre si. O mesmo

acontecia com seus filhos, isto é, com os pais e mães; os filhos desses são o

terceiro círculo de cônjuges comuns, e seus filhos, os bisnetos, o quarto círculo. Os

pais e filhos não tinham relações sexuais recíprocas (primeiro progresso da

organização da família). Irmãos e irmãs, primos e primas em todos os graus eram

todos, entre si, irmãos e irmãs, e por isso mesmo maridos e mulheres uns dos outros

(com relação carnal mútua). Essa família desapareceu, e o que indica que ela deve

ter existido é o sistema de parentesco havaiano.

2 - família punaluana, na qual aconteceu o segundo progresso na organização

familiar, ou seja, a exclusão dos irmãos nas relações sexuais recíprocas. Uma vez

proibidas essas relações sexuais, o grupo se transforma numa gens, constituindo-se

num círculo fechado de parentes consangüíneos por linha feminina, distinguindo-se

de outras gens da mesma tribo. A família punaluana explicou o sistema de

parentesco entre os índios americanos e foi também a base para a dedução da gens

do direito materno.

3 - família sindiásmica, ou seja, um homem vivia com uma mulher; mas a poligamia

e a infidelidade ocasional continuavam a ser um direito dos homens, e, enquanto

durasse a vida em comum, exigia-se a mais rigorosa fidelidade das mulheres, que

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recebiam castigo por prática de adultério. O vínculo conjugal podia ser facilmente

quebrado por qualquer parte, e os filhos pertenciam à mãe.

4 - família monogâmica, baseava-se no poder do homem que tinha por finalidade

procriar filhos, e cuja paternidade era indiscutível. Nessa época, só o homem podia

romper os laços conjugais. Somente ele podia ser infiel, desde que não trouxesse a

concubina ao domicílio conjugal. Quanto à mulher legítima, exigia-se que ela

aceitasse tudo e guardasse uma fidelidade rigorosa. A esposa era apenas a mãe

dos filhos, a que cuidava da casa. Na verdade era monogamia apenas para a

mulher. Foi a primeira forma de família que não se baseava em condições naturais,

mas econômicas.

Um pesquisador que também contribuiu com esse tema foi o missionário

inglês Lorimer Fison, que durante anos, estudou essa forma de família (matrimônio

por grupos), na Austrália.

Fison identificou que entre os negros australianos do monte Gambier, no sul

da Austrália, a tribo inteira dividia-se em duas grandes classes: os Krokis e os

Kumites. Eram proibidas as relações sexuais dentro de uma dessas classes, porém

todo homem de uma delas era marido nato da mulher da outra e vice-versa. Não

havia nenhuma restrição de idade ou de consangüinidade, salvo a determinada pela

divisão em duas classes exógamas.

Esse sistema também foi identificado nas margens do Rio Darling, mais a

leste, e em Queensland, no nordeste, demonstrando ser bastante difundido. Excluía

apenas os matrimônios entre irmãos e irmãs, filhos de irmãos e filhos de irmãs por

linha materna, porque esses pertenciam à mesma classe.

Já entre os Kamilarois, às margens do Darling, na Nova Gales do Sul, duas

classes dividiram-se em quatro. As duas primeiras (originárias) eram esposos natos

uma da outra, mas, segundo a mãe pertencesse à primeira ou à segunda passavam

os filhos à terceira ou à quarta. Os filhos dessas duas últimas classes igualmente

casavam um com a outra e seus filhos pertenciam de novo à primeira e à segunda, e

assim sucessivamente. Então os filhos de irmão e irmã (por linha materna) não

podiam ser marido e mulher, porém, podiam sê-los os netos.

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Percebeu-se que a tendência de impedir o matrimônio entre consangüíneos

manifestou-se, mas de maneira espontânea, sem consciência clara dos fins

objetivados.

O casamento por classes inteiras, como ocorreu na Austrália, foi considerado

a forma mais primitiva de matrimônio por grupos. Já a família punaluana permeou o

que conduziu ao grau imediatamente superior de desenvolvimento. Provavelmente

devem ter existido outros graus intermediários.

Porém, ainda continuou acontecendo, em algumas tribos, a união por grupos.

Exemplo disso foram as quarenta tribos da América do Norte, nas quais o homem

que se casasse com a moça mais idosa tinha direito de tomar, igualmente como

mulheres, todas as irmãs dela, logo que chegassem à idade própria.

Entre habitantes da Península da Califórnia, em certas festividades,

aconteciam de se reunirem várias tribos para praticar sexo. O mesmo costume

também ocorreu na Austrália.

Nas Ilhas Baleares, entre os Augilas Africanos e entre os Báreas, na

Abissínea, na antiguidade, os amigos e parentes do noivo, ou os convidados,

exerciam durante o casamento, o direito à noiva, por costume; e ao noivo só

chegava a vez por último, depois de todos.

Em outros povos, um personagem oficial, chefe da tribo ou da gens, fosse

cacique, xamã, sacerdote ou príncipe aquele que representasse o grupo, era quem

exercia com a mulher que se casava o direito da primeira noite. Igualmente

aconteceu entre a maioria dos habitantes do território do Alasca e os Tanus do Norte

do México.

Ao introduzirem a criação do gado, a elaboração dos metais, a arte do tecido

e, por fim, a agricultura, as coisas mudaram, principalmente depois que os rebanhos

começaram a ser propriedade de algumas famílias. Passando essas riquezas em

propriedade particular, e aumentadas depois rapidamente, influenciaram a

sociedade alicerçada no matrimônio sindiásmico.

Ao homem, na divisão do trabalho, cabia procurar a alimentação e os

instrumentos desse trabalho. Conseqüentemente era, por direito, o proprietário

desses. Assim, em caso de separação, levava-os consigo, enquanto a mulher

conservava os seus utensílios domésticos. Nessa separação, os filhos não podiam

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herdar bens do pai. Anteriormente, esse fator não teve importância porque

praticamente nenhuma das partes tinha o que dividir, mas depois que o homem

começou a adquirir riquezas, isso influenciou na organização familiar.

Ao possuir valores, o homem foi ganhando uma posição mais importante que

a da mulher na família e, por outro lado, fizeram que nascesse nele a idéia de se

valer dessa vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem da

herança anteriormente estabelecida. Porém, isso não poderia ocorrer se continuasse

prevalecendo o direito materno. Foram abolidas então a filiação feminina e o direito

hereditário materno, sendo substituídos pela filiação masculina e o direito hereditário

paterno. Passou-se assim ao patriarcado. Isso ocorreu entre os povos cultos, ainda

nos tempos pré-históricos.

O homem também começou a mandar na casa em domínio e a mulher a ser

servidora (instrumento de reprodução).

Essa forma de família assinala a passagem do matrimônio sindiásmico à

monogamia.

Porém, em vários países do mundo, continuaram existindo comunidades

familiares (onde moravam várias gerações da mesma família).

Os gregos diziam que os únicos objetivos da monogamia eram a

preponderância do homem na família e a procriação de filhos que só pudessem ser

seus, para herdar. O casamento, para eles, era uma carga, um dever para com os

deuses, o Estado e seus antepassados.

A antiga liberdade de relações sexuais não desapareceu completamente com

o matrimônio sindiásmico, e nem mesmo com a monogamia.

Bachofen afirmou que a passagem do heterismo à monogamia realizou-se

essencialmente graças às mulheres.

Morgan falou do heterismo (no período da monogamia) que eram as relações

extra-conjugais de homens com mulheres não casadas, ocorridas em todas as

épocas da civilização e que se transformaram em prostituição.

Em outros povos, o heterismo provém da liberdade sexual concedida às

jovens antes do casamento (isso não deixava de ser um resto de matrimônio por

grupos).

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É dúbia a herança que a união conjugal por grupos legou à civilização: de um

lado a monogamia, de outro o heterismo, incluída a sua forma extrema, a

prostituição.

Na monogamia desenvolveu-se uma outra contradição: como o marido

apelava para o heterismo, a esposa ficava abandonada. O adultério passou a ser

uma instituição social inevitável. Foi uma forma de a mulher se rebelar contra o

domínio do homem.

A família monogâmica não foi igual em todos os lugares e épocas. Entre os

romanos a mulher era mais livre e considerada. Lá elas podiam romper o vínculo

matrimonial.

Só na monogamia que se pôde desenvolver o amor sexual, porém, não se

sabe se esse amor era mútuo entre os cônjuges.

Segundo Engels (2002), em todas as classes históricas dominantes, do

período monogâmico, o matrimônio continuou sendo de conveniência, arranjado

pelos pais.

O casamento burguês assumiu duas feições:

1 – nos países católicos, os pais proporcionavam ao jovem a mulher que lhe

convinha, do que resultou naturalmente o heterismo por parte do homem e o

adultério por parte da mulher.

2 – nos países protestantes, o filho teve mais ou menos liberdade para procurar

esposa dentro da sua classe. Assim, o amor pôde ser, até certo ponto, a base do

casamento, pelo menos aparentemente, ou seja, o marido não praticava o heterismo

sempre e a infidelidade da mulher foi mais rara.

Mas nos dois casos, o matrimônio baseava-se na posição social dos

contraentes e, assim, uma união de conveniência. Essas situações só ocorreram

para as classes burguesas.

Para o proletariado foi diferente, principalmente quando a mulher ingressou

no mercado de trabalho, pois, como ela também era colaboradora nos rendimentos

da casa, passou a ter direito nas decisões familiares.

A América foi considerada a terra clássica da família sindiásmica, que só

começou a ter a monogamia estável depois do descobrimento e da conquista.

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Gueiros, em breve retrospectiva histórica, expõe que, antes do século X, a

família não tinha expressão. A partir daí e com as oscilações do Estado, a

concepção de linhagem ganha forças tendo como uma das preocupações a não

divisão do patrimônio.

“No século XIV, começam a se operar mudanças na família medieval, que vão

se processar até o século XVII. Neste período, a situação da mulher é também alvo

de mudanças, caracterizadas pela perda gradativa de seus poderes, o que culmina,

no século XVI, com a formalização da incapacidade jurídica da mulher casada e a

soberania do marido na família. Assim, a mulher perde o direito de substituir o marido

em situações nas quais ele se ausenta ou é considerado louco e qualquer ato seu

tem efeito legal apenas se autorizado pelo marido.” (Gueiros, 2002: 106)

Segundo Ariès (1978), na Idade Média, a transmissão de conhecimentos,

entre as gerações ocorria pela participação das crianças na vida dos adultos, através

do contato diário. Por volta dos sete anos, ou seja, depois que desmamavam, essas

tornavam-se companheiras naturais daqueles.

“... A criança desde muito cedo escapava à sua própria família, mesmo que

voltasse a ela mais tarde, depois de adulta, o que nem sempre acontecia. A família

não podia portanto, nessa época, alimentar um sentimento existencial profundo entre

pais e filhos. Isso não significava que os pais não amassem seus filhos: eles se

ocupavam de suas crianças menos por elas mesmas, pelo apego que lhes tinham,

do que pela contribuição que essas crianças podiam trazer à obra comum, ao

estabelecimento da família. A família era uma realidade moral e social, mais do que

sentimental....” (Ariès, 1978: 221)

Naquela época a família assegurava a transmissão da vida, dos bens e dos

nomes, porém não penetrava na sensibilidade.

O sentimento da família era desconhecido na Idade Média e nasceu nos

séculos XV e XVI. Foi a partir dessa época que ela foi reconhecida como um valor.

Era a família conjugal, formada pelos pais e filhos.

22

“A idéia essencial dos historiadores do direito e da sociedade é que os laços

de sangue não constituíam um único grupo, e sim dois, distintos embora

concêntricos: a família ou mesnie, que pode ser comparada à nossa família conjugal

moderna, e a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os descendentes de

um mesmo ancestral. Em sua opinião haveria, mais do que uma distinção, uma

oposição entre a família e a linhagem: os progressos de uma provocariam um

enfraquecimento da outra, ao menos entre a nobreza. A família ou mesnie, embora

não se estendesse a toda a linhagem, compreendia, entre os membros que residiam

juntos, vários elementos, e, às vezes, vários casais, que viviam numa propriedade

que eles se haviam recusado a dividir, segundo um tipo de posse chamado frereche

ou fraternitas. A fereche agrupava em torno dos pais os filhos que não tinham bens

próprios, os sobrinhos ou os primos solteiros. Essa tendência à indivisão da família,

que aliás não durava além de duas gerações, deu origem às teorias tradicionalistas

do século XIX sobre a grande família patriarcal. A família conjugal moderna seria

portanto a conseqüência de uma evolução que, no final da Idade Média, teria

enfraquecido a linhagem e as tendências à indivisão.” (Ariès, 1978: 211)

Com o decorrer do tempo, alguns estudiosos começaram a perceber que as

crianças não estavam preparadas para o mundo dos adultos e sim deviam ser

ensinadas em escolas.

Somente a partir do século XV que poucas famílias começam a sentir a

necessidade de maior entrosamento entre pais e filhos, principalmente quando o

conhecimento começou a ser transmitido pela escola, pois essa passou a ser,

juntamente com a família, um instrumento de iniciação social, da passagem do

estado da infância ao do adulto.

A escola era importante por vários motivos, e entre eles, por isolar os jovens

do mundo dos adultos, para mantê-los “inocentes” e concorria para despreocupar os

pais de vigiar seus filhos mais de perto. A partir daí, ocorre uma aproximação da

família e da criança. Segundo Ariès (1978), começa a existir o sentimento de

pertencimento à família.

Durante muito tempo, as meninas foram educadas pela prática e pelo

costume, e muitas vezes em casas alheias. Elas apenas começaram a freqüentar a

escola a partir do século XVIII e início do XIX.

23

Houve um período em que se tinha o costume de beneficiar com riquezas um

dos filhos, geralmente o mais velho. Temiam que, se dividissem seus bens,

diminuiriam seus prestígios. Porém, a partir da segunda metade do século XVII, esse

hábito começa a ser questionado.

O cuidado dispensado às crianças começou a inspirar uma afetividade, o

sentimento moderno da família. Os pais já não se satisfaziam mais em por filhos no

mundo, em privilegiar apenas alguns deles, esquecendo dos outros. A moral da

época estabelecia proporcionar a todos, e não apenas aos mais velhos, os mesmos

direitos, inclusive às meninas.

A família e a escola retiraram a criança da sociedade dos adultos. Porém, a

escola, num primeiro momento, confinava esses jovens num regime disciplinar

rigoroso que nos séculos XVIII e XIX resultou no internato.

Antes do século XVIII, o sentimento da família existia para poucos. Só a partir

daí ele estendeu-se a todas as camadas sociais.

No século XVIII a família começou a se isolar da sociedade. A organização da

casa era uma defesa para o mundo externo. Essa se tornou uma sociedade

fechada.

A experiência familiar apesar de parecer ser comum a todos os indivíduos

depende das várias culturas e vai se modificando conforme as transformações

sociais que vão ocorrendo com o tempo.

Segundo Gueiros (2002), foi apenas a partir da segunda metade do século

XIX que o modelo patriarcal passa a ser questionado, iniciando-se a família conjugal

moderna, na qual o casamento começa a ocorrer por escolha dos parceiros, com

base no amor romântico. Porém, o modelo antigo ainda continua prevalecendo, em

muitas famílias, até o século XX. No Brasil, essa conquista somente virou lei com a

Constituição de 1988.

24

1. 2 – AS FAMÍLIAS NO BRASIL

No Brasil, no início dos séculos XVI e XVII, a economia da colônia esteve

praticamente assentada nas plantações de cana, localizadas no Nordeste. Nos

engenhos, as famílias nobres viviam nas mansões, cercadas de escravos. O poder

de decisão, na maioria delas, pertencia ao marido, como protetor e provedor da

esposa e dos filhos. A mulher tinha como responsabilidade o controle dos afazeres

domésticos e a orientação moral da prole. Apesar de, na lei, essas uniões serem

consideradas legítimas e modelos, nas quais o papel dos sexos estava bem definido

por costumes e tradições, na realidade isso não acontecia em todas famílias, com

tanta rigidez.

A descoberta de minas de ouro, na década de 1690, provocou alterações,

deslocando o eixo econômico, antes localizado no nordeste, para o sul.

As populações mais pobres começaram a migrar para a região mineira em

busca do enriquecimento, provocando uma vida urbana mais intensa. Aumentaram

os concubinatos e os filhos ilegítimos. Mais mulheres passaram a exercer atividades

econômicas fora do âmbito doméstico e as mães solteiras ou viúvas, a chefiarem. A

sociedade que estava se formando era uma mistura de raças e origens diversas,

muito difícil de ser controlada pela igreja e coroa portuguesa, principalmente a dos

escravos.

Com essas transformações econômicas se processando vai ocorrendo a

modernização das relações familiares, enfraquecendo também as obrigações

mútuas entre gerações.

Como a mulher, com todas essas modificações, passa a ter maior controle

sobre suas decisões pessoais, alguns homens passam a se desobrigar das

responsabilidades familiares.

No século XVIII, essas mudanças continuam se processando. Os núcleos

urbanos prosseguem em crescimento, conseqüentemente a vida rural vai ficando

cada vez mais modesta. Nos engenhos, o número de escravos foi diminuindo, e, na

falta desses braços, lavradores empobrecidos trabalhavam a terra com suas

famílias.

25

No meio urbano, uma gama variada de serviços ligados ao abastecimento foi

surgindo, favorecendo assim a atuação das mulheres trabalhadoras que, pouco a

pouco, vão ocupando os espaços deixados pela migração masculina e a falta de

escravos.

Essas mudanças se acentuam ao longo do século XIX, com o

desenvolvimento econômico no sul do país, provocado pela cafeicultura.

Existiram também modificações políticas importantes, entre elas: a abolição

da escravatura em 1888, a proclamação da república em 1889 e a entrada de

imigrantes.

Especialmente na segunda metade do século XIX, abriram-se novas

oportunidades de empregos e as mulheres passaram a ocupar uma fatia desse

mercado, principalmente na indústria têxtil, porém num nível de trabalho não

qualificado. Mesmo com algumas delas passando a trabalhar fora, elas continuaram

exercendo suas funções básicas de mãe e de donas de casa, para as quais tinham

sido socializadas e educadas.

A tendência da chefia familiar feminina está associada à história da

colonização; com a crescente ruptura da sobrevivência baseada na economia

familiar e a transição para o assalariamento individual. Assim, a sobrevivência dos

membros da família passa a depender do trabalho e rendimento individual, fora do

ambiente familiar.

No final do século XIX inicia-se o curso da industrialização. Esse fator

também ocasionou a precipitação da urbanização. Vários acontecimentos

concorreram para o início desse processo: a agricultura que se modernizou exigindo

novas técnicas, a disposição de um grande contingente de população por um

território amplo, a criação e desenvolvimento das cidades maiores, pois novas

atividades estavam surgindo e principalmente a expansão das atividades públicas

governamentais.

No início do século XX, mulheres da elite e das classes médias urbanas foram

ocupando espaço nas universidades.

26

“Com a adoção do sistema capitalista como sistema produtivo em substituição

a outras formas de produção, a família foi perdendo a posse dos meios de produção.

Se inicialmente era necessário haver famílias numerosas (o que implicava uma alta

taxa de fertilidade, uma vez que a unidade principal de produção era o grupo

familiar), o desenvolvimento para a forma capitalista determinou que a família

perdesse sua característica de unidade produtiva, fazendo com que cada membro

desta se transformasse em vendedor de sua força de trabalho.” (Hermácula et al.,

1982: 144)

O aumento da participação feminina no mercado formal foi se acentuando ao

longo do século, porém também estava inserida nos setores informais,

principalmente através do trabalho domiciliar que reforçava ou mantinha o

orçamento.

O rápido crescimento da população, no mesmo espaço, em tão pouco tempo,

não poderia deixar de causar um desequilíbrio dos serviços de infra-estrutura e

equipamentos, ou seja, deficiências nas condições de habitação, saneamento

básico, transporte, lazer, saúde etc.

Muitos passaram a dirigir-se para a cidade porque verificaram que os

moradores dos centros urbanos tinham várias facilidades como assistência médica,

educação e outros benefícios. Isso fez com que a população do campo almejasse

ter acesso a esses serviços, além do sonho de obter um emprego estável com

melhor salário. Porém, ao chegar à cidade, esses contingentes populacionais

deparavam com a inexistência de emprego para tanta mão-de-obra, tendo que se

sujeitar às precárias condições de vida, se quisessem continuar sobrevivendo na

zona urbana.

Segundo Iamamoto e Carvalho (1986), nesse período ocorrem

transformações importantes ao nível econômico, social e político. Aconteceu uma

intensa retomada do aprofundamento capitalista tanto ao nível da expansão da

produção industrial quanto de outras atividades produtivas de realização interna e

agro-exportadora. Conseqüentemente ocorre uma intensificação da taxa de

exploração da força de trabalho. O Estado passa a intervir no mercado de trabalho,

bloqueando a capacidade de reivindicação dos sindicatos operários e restringindo

aspectos importantes da legislação trabalhista. Assim, o Estado fortalece a

27

aceleração da acumulação. É nesse período que é criada a Legião Brasileira de

Assistência (LBA) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) que

surge em 1942 para qualificar a força de trabalho necessária à expansão industrial.

“A desmoralização dos Círculos Operários e de outras formas de intervenção

no movimento operário, assim como o crescimento da organização e combatividade

desse movimento, são fatores que contribuem fortemente para o surgimento e

orientação de instituições assistenciais atualmente de relevo, como por exemplo o

SESI. Da mesma forma, as primeiras experiências de eleições democráticas (1945 e

1946), (...), contribuirá para o aparecimento de outras instituições, como a Fundação

Leão XIII, no Rio de Janeiro. “ (Iamamoto e Carvalho, 1986: 254-255)

Na década de sessenta, ocorreram várias acontecimentos que influenciaram

nas formas de ser da família, dentre eles, os movimentos de conquistas de direitos,

onde ganham destaque os das mulheres, que lutaram pela sua emancipação.

“As mulheres eram consideradas colaboradoras da eficientização dessas

medidas, no âmbito privado da família, cabendo a elas ajudar a reproduzir a força de

trabalho efetiva e futura e, quando muito, receber uma atenção vinculada às

contingências da maternidade, da viuvez, da separação, da filiação etc., que sua

relação de dependência com o pai e depois, com o marido implicava. Isso ensejou,

de certa forma, uma recusa do casamento por parte de muitas mulheres.” (Pereira,

1995: 108)

O movimento feminista contribuiu, a partir de seus questionamentos e críticas,

para demonstrar que a emancipação da mulher só seria possível se ela fosse titular

de direitos civis, políticos e sociais.

Posteriormente foi descoberta a pílula anticoncepcional que pôde separar a

sexualidade da reprodução, provocando a redução da fecundidade e a diminuição

do tamanho médio das famílias. Possibilitou à mulher o direito de optar pela

maternidade ou não. Facilitou seu ingresso no mercado de trabalho remunerado e

nas universidades. Ocorreu a fragilização dos laços matrimoniais, com as

28

separações, divórcios e os novos acordos sexuais. Como conseqüência do divórcio

e dos recasamentos, surgiu outra configuração que vem sendo chamada “família

reconstituída”. Observou-se o crescimento da família monoparental, ou seja, aquela

geralmente chefiada por mulheres.

Mais tarde, a partir dos anos 80, as novas tecnologias reprodutivas

(inseminações artificiais, fertilizações in vitro) dissociaram a gravidez da relação

sexual entre homem e mulher, determinando alterações nas estruturas familiares.

Na década de 90, passa a ser possível o exame de DNA. A comprovação da

paternidade possibilita a sua reivindicação, tanto pela mulher como pelo filho,

forçando o homem a assumir sua responsabilidade, pelo menos legalmente, em

relação ao filho.

Segundo Maria Amália Faller Vitale, nos segmentos da classe média:

“A inserção da mulher no mercado de trabalho e o controle da reprodução são

fatores fundamentais para a emergência de um rearranjo sobre os papéis e funções

femininas, com repercussão direta no padrão de relacionamento familiar. As novas

representações sobre o papel feminino decorrente destes aspectos gestam a

necessidade de novos acordos que podem ser explícitos ou, por vezes, implícitos

quanto à estrutura de poder, quanto à forma de expressão da sexualidade e do afeto

na família. Como dinâmica complementar, há um redimensionamento (pelo menos

parcial) do papel de marido e pai. O desenvolvimento da condição feminina e suas

implicações no relacionamento da família não ocorre, no entanto, de forma linear

mas sim contraditória. Coexistem, no mesmo espaço familiar, modelos de relação

calcados no papel feminino de ordem tanto tradicional quanto modernizante. A

mulher considerada sede e esteio do mundo, da casa, convive com a mulher que ao

trabalhar, faz parte do mundo da rua. Em contrapartida, o homem passa a agir de

forma mais expressiva em esferas que eram, antes, pertinentes ao universo feminino,

aproximando-se da intimidade com os filhos e participando de novas formas na

socialização destes.” (Vitale, s.d.: 285–286)

Todos esses e outros fatores contribuíram para alterar o quadro da

organização familiar. Assim, os séculos passados e, principalmente o XX,

significaram importante marco para os estudos sobre as transformações ocorridas

com as famílias brasileiras.

29

1.3 – AS POLÍTICAS SOCIAIS: ORIGEM E FUNÇÃO

As políticas sociais vinculam-se, em sua origem, ao enfrentamento da

questão social, no contexto do processo de industrialização que provocou inúmeras

transformações, como a migração acelerada do campo para as cidades, fato esse

gerador de inúmeros problemas sociais no meio urbano, entre outros.

Com o passar dos anos, o termo social, antes compreendido como ligado à

caridade, deixou de ser entendido como tal e passa a ser pensado em relação ao

indivíduo pertencente a uma sociedade e também à melhoria das condições de vida

da população urbana notadamente aquela trabalhadora de baixa renda, a quem

restava viver nas cidades que, inchadas com esse novo contingente, oferecia

apenas condições sub-humanas de vida.

A expressão “Estado – Providência” aparece na língua francesa em torno de

1860, e “Estado Social”, na língua alemã, por volta dos anos de 1880; já a expressão

inglesa “Welfare State” ou “Estado de Bem-estar” é bem mais atual, firma-se na

década de 1940 e é desse tipo de Estado que emerge a preocupação mais formal

com o social.2

São muitas as concepções desse século a respeito das funções da política

social, legitimação do Estado, regulação social, correção das imperfeições do

mercado, eliminação das injustiças sociais e outras. Essa variação na forma de

conceber as políticas sociais se dá em conseqüência das várias correntes teóricas

existentes e que explicam historicamente o movimento, a aplicabilidade e a

efetividade dessas medidas.

Em termos da teoria política existem três matrizes que influenciaram as

concepções de política social: a liberal, a marxista e a social-democrata.

A visão liberal destaca que a competição é o caminho para o progresso

econômico, gerando o bem-estar coletivo. Assim os serviços prestados pelo Estado

devem atender apenas aqueles que têm alta prioridade social. O gasto social é

considerado uma carga que prejudica o crescimento econômico, daí porque a

2 As reflexões aqui apresentadas estão assentadas em Luiz Fernando Rodrigues de Paula. Estado epolíticas sociais na Brasil, 1992 e Evaldo Vieira. Democracia e Política Social, 1992.

30

destinação de recursos para a esfera social sofre restrições e cortes que não

permitem o atendimento efetivo das necessidades sociais da população carente.

Para a marxista, a política social do estado capitalista visa a assegurar a

reprodução das relações sociais, ou seja, é uma resposta do estado às contradições

de classe. Nesse sentido, a política social tem uma dupla dimensão: é, ao mesmo

tempo, uma resposta às necessidades sociais dos trabalhadores e, por outro lado,

uma forma de ocultar as contradições de classe.

Na social democrata, os problemas sociais resultam de falhas de

funcionamento do mercado que distribuem mal seus recursos. Cabe à intervenção

estatal acabar com a injustiça e a pobreza que terminam compensando os

problemas existentes pelas falhas do mercado. O gasto social é um instrumento

auxiliar no processo de desenvolvimento econômico, contribuindo para o

crescimento da economia.

A configuração política do estado brasileiro está vinculada ao

desenvolvimento do capitalismo, com a industrialização, a mudança de poder da

oligarquia agrária agro-exportadora para a nascente burguesia industrial. O governo

Vargas marca a origem das políticas sociais no Brasil, configurando uma resposta do

estado “populista” à questão social, tendo em vista a regulação da força de trabalho

da classe operária que se formava nos grandes centros urbanos e que vinha de

forma crescente e expressiva manifestando sua insatisfação diante das condições

de trabalho.

Foi a partir do ângulo das relações de trabalho que o governo começou a

intervir na questão social, por meio de políticas sociais, demonstrando que o mesmo

muda sua concepção sobre seu papel frente às questões sociais emergentes

passando a intervir através de ações ditas “populistas” junto a essa nova classe a do

operariado.

No âmbito das análises sobre as políticas sociais, coloca-se uma polêmica

sobre a questão da existência ou não de um “Estado do bem-estar” ou “Estado

protetor” no Brasil. Entretanto, vale lembrar que foi a partir do século XX que foram

formados os grandes sistemas organizacionais em algumas áreas sociais como, por

exemplo, o previdenciário e o habitacional, considerados sistemas de determinado

padrão de proteção social do país.

31

Após o término da segunda guerra mundial, o Estado alargou sua intervenção

no campo econômico e social. É interessante destacar que a direção das

transformações de atitudes da classe dominante depende basicamente do jogo das

forças sociais, particularmente da pressão dos movimentos trabalhista.

“Não tem havido, pois, política social desligada dos reclamos populares. Em

geral, o Estado acaba assumindo alguns destes reclamos, ao longo de sua

existência histórica. Os direitos sociais significam, antes de mais nada, a

consagração jurídica de reivindicações dos trabalhadores. Não significam a

consagração de todas as reivindicações populares, e sim a consagração daquilo que

é aceitável para o grupo dirigente do momento. Adotar bandeiras pertencentes à

classe operária, mesmo quando isto configure melhoria nas condições humanas,

patenteia também a necessidade de manter a dominação política.” (Vieira, 1992: 23)

Assim, vê-se que no caso brasileiro as políticas sociais expressam um

conjunto de medidas que buscam o atendimento a reivindicações populares, mas,

ao mesmo tempo, contraditoriamente, se configuram como instrumentos de

manutenção do poder. Isso é percebido quando analisamos a trajetória dessas

políticas ao longo da história.

1.4 – ALGUNS MARCOS HISTÓRICOS DAS POLÍTICAS SOCIAI S NAS

GESTÕES DE VARGAS A LULA 3 (1930 A 2006)

Utilizaremos os marcos da década de 30 para iniciar nossa periodização

porque nesse período também foi implantado o serviço social no Brasil.

Getúlio Vargas exerceu seu primeiro mandato como Presidente da República

durante o período compreendido entre 1930 a 1945. Apesar de assumir um governo

provisório, deixou clara sua intenção de deter em seu poder tanto as decisões

políticas quanto as econômico-financeiras.

3 Os dados históricos e comentários nesta parte do trabalho além de constarem na bibliografia citadaanteriormente e nas Constituições Brasileiras, também estão embasados em Renato Francisco dosSantos Paula. Trabalho, família e ser social: elos que unem a centralidade do trabalho às relaçõesfamiliares, 2005; Nelson Piletti. História do Brasil, 1982; Francisco de Assis Silva e Pedro Ivo Bastos.História do Brasil, 1989; Evaldo Vieira. Estado e Miséria Social no Brasil, 1983 e 2. ed. 1985.

32

Como o café era a base da economia nacional e essa passava por uma crise

de superprodução em conseqüência da crise mundial de 29, provocando vários

problemas para outros setores econômicos como o comércio e a indústria, Getúlio

institui uma nova política cafeeira no país. Em 1931, cria o Conselho Nacional do

Café (C.N.C.) que foi substituído em 1933 pelo Departamento Nacional do Café

(D.N.C.). As oligarquias cafeeiras opuseram-se à política agrária de Vargas por

estarem sentindo-se prejudicadas com essa nova política cafeeira, pelo fato de

terem que se submeter às decisões econômicas do governo federal, além de

perderem o poder político.

Getúlio Vargas também teve que lutar contra a revolução de São Paulo que

pretendia a constitucionalização imediata do país.

“Entretanto, se a Revolução Paulista de 1932 foi um fracasso do ponto de

vista militar, foi um sucesso do ponto de vista político, pois em 1933 Getúlio Vargas

promoveu eleições para a Assembléia Constituinte, que se instalou a 10 de

novembro, sendo responsável pela elaboração de uma nova Constituição,

promulgada em 1934.” (Silva e Bastos, 1989: 261)

A Constituição promulgada a 16 de julho de 1934, em pleno governo

Vargas, foi a terceira Constituição do Brasil e a segunda da República, considerada

de inspiração liberal e centralizadora. Consta dessa Constituição: a estrutura

federativa do país; eleições diretas para presidente; mandato presidencial de 4 anos;

extinção do cargo de vice-presidente; instituição da Justiça do Trabalho; salário

mínimo; jornada de trabalho de oito horas diárias; repouso semanal remunerado;

férias remuneradas; indenização por dispensa sem justa causa; criação do mandato

de segurança, limitação do hábeas-corpus; voto secreto e feminino; voto aos 18

anos; ensino primário gratuito e obrigatório; autonomia dos sindicatos; obrigação de

as empresas estrangeiras manterem no mínimo dois terços de seus empregados

brasileiros e outras. Vemos aí, pelo menos de forma oficial, a preocupação do

33

governo com o social através das instituições que, de certa forma, deveriam garantir

alguns direitos sociais que estão em vigência até hoje.

34

Quanto à família consta nessa Constituição, título V, capítulo I:

“Art. 144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção

especial do Estado.

Paragrapho único. A lei civil determinará os casos de desquite e de annulação do

casamento, havendo sempre recurso ex officio, com effeito suspensivo.

Art. 145. A lei regulará a apresentação pelos nubentes de provas de sanidade

physica e mental, tendo em attenção as condições regionaes do paiz.

Art. 146. O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante

ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem publica ou

bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos effeitos que o casamento civil, desde

que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos

impedimentos e no processo de opposição, sejam observadas as disposições da lei

civil e seja elle inscripto no Registro Civil. O registro gratuito e obrigatório. A lei

estabelecerá penalidade para a transgressão dos preceitos legaes attinentes a

celebração do casamento.

Paragrapho único. Será também gratuita a habilitação para o casamento, inclusive os

documentos necessários, quando o requisitarem os juizes criminaes ou de menores,

nos caso de sus competência, em favor de pessoas necessitadas.

Art. 147. O reconhecimento dos filhos naturaes será isento de quaesquer sellos ou

emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita a impostos iguaes aos que

recáiam sobre a dos filhos legítimos.” (Constituição da República dos Estados Unidos

do Brasil, 1934: 46–47)

Com o crescimento populacional das áreas urbanas, encontrava-se maior

oferta de trabalho. Emergem daí as contradições que agravam o panorama geral,

quadro esse que permitiu a intervenção do governo brasileiro como agente defensor

das classes dominantes. Essa interferência vem regular as relações sociais com

vistas a harmonizar os antagonismos surgidos dentre as novas classes que

emergiam no cenário brasileiro.

35

O Estado dedicou-se ao urbano com intuito de encontrar mecanismos que

demonstrassem seu interesse em amenizar os problemas existentes na sociedade.

Essa intervenção de natureza política fez criar um conjunto de órgãos e entidades

cuja finalidade seria a de formular a política das cidades. Ao fazê-lo, deveria levar

em conta as exigências técnicas e econômicas do capital e também propiciar

soluções para as necessidades de reprodução da força de trabalho.

O governo passa a promover os serviços coletivos urbanos e também a infra-

estrutura básica para a produção do capital, porém a maior beneficiada foi a

iniciativa privada que teve acesso a esses bens coletivos de maneira diferenciada,

acompanhando os interesse políticos reinantes. O Estado deveria, além de dirigir-se

à iniciativa privada, voltar-se ao atendimento dos anseios da população, cujas

necessidades estão ligadas diretamente à reprodução da força de trabalho.

O período foi marcado pelo choque de duas correntes ideológicas: a Ação

Integralista Brasileira (A.I.B.) e a Aliança Nacional Libertadora (A.N.L.). Getúlio

Vargas aproveitou-se do confronto desses dois grupos para demonstrar a população

os perigos de uma política aberta.

Em 10/11/37 Vargas com o apoio da forças armadas, deu um golpe de Estado

utilizando-se do pretexto de os comunistas estarem preparando uma nova revolução.

Dissolveu o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras

Municipais. Os governadores dos Estados foram substituídos por interventores.

Outorgou uma nova Constituição em 10/11/37, criando o “Estado Novo”.

A constituição estabelecia a ditadura, ou seja, um Estado Autoritário que

permitia ao chefe do governo controlar os poderes Executivo, Legislativo e também o

Judiciário. Getúlio acabou com a independência dos sindicatos, além de proibir as

greves. Extinguiu todos os partidos políticos, regulamentou a pena de morte no

Brasil, exilou vários políticos, criou o Ministério da Aeronáutica. Destacava que sua

política econômica caracterizava-se pelo nacionalismo, intervencionismo estatal e

protecionismo.

Completando a política trabalhista iniciada com a criação do Ministério do

Trabalho, regulamenta as relações entre trabalhadores e patrões. Cria o imposto

sindical. Em maio de 1940, surge um decreto-lei fixando o primeiro salário mínimo.

Em 1943, elaborou a C.L.T. (Consolidação das Leis Trabalhistas).

36

Promoveu a diversificação agrária, incentivando a policultura.

A industrialização sofreu grande impulso a partir de 1940, em conseqüência

de vários fatores: diminuição das importações, aumento das exportações de

produtos industrializados e outros, tudo em virtude da segunda guerra mundial.

“Dentro do âmbito da Assistência Social, distinguia-se a atuação do Serviço

de Alimentação da Previdência Social (SAPS), da Legião Brasileira de Assistência

(LBA), do Serviço Social da Indústria (SESI) e do Serviço Social do Comércio

(SESC), embora Vargas apresentasse também a expansão de uma forma de

assistência onde não havia necessidade de contribuição por parte do beneficiário.

Tratava-se do que ele denominava de ‘abono familiar’, destinado às famílias

numerosas, a fim de estimular a natalidade e de proteger os filhos ...” (Vieira, 1985:

55)

Porém, a opinião pública exigia a redemocratização do país.

Por decreto-lei de 02/02/45, foi designado o dia 02/12/45 para realização das

eleições para Presidente da República e para membros do Congresso. Assim foram

realizadas as eleições no dia marcado.

Eurico Gaspar Dutra foi eleito Presidente da República em dezembro de 1945

e tomou posse em 31/01/46.

Declarando-se “representante de todos os brasileiros”, inicia seu mandato

juntamente com a abertura da Assembléia Nacional Constituinte. Considera-se que o

fato mais importante ocorrido em sua gestão foi à promulgação da nova Constituição

(18/09/46).

Consta da Constituição: regime republicano, federativo, presidencialista e

representativo; eleições diretas para Presidente e Vice-presidente da República,

além de mandato de cinco anos; voto secreto e obrigatório, para maiores de 18

anos, salvo exceções; liberdade de opinião e de pensamento; defesa da propriedade

privada; igualdade de todos perante a lei e outras.

37

Quanto à família, consta nessa Constituição, título VI, capítulo I:

“Art. 163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito

à proteção especial do Estado.

1.º O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. O casamento religioso

equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o

requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no

registro público.

2.º O casamento religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos

civis, se, a requerimento do casal, fôr inscrito no registro público, mediante prévia

habilitação perante a autoridade competente.

Art. 164. É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à

infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo das famílias de prole numerosa.

Art. 165. A vocação para suceder em bens de estrangeiro existentes no Brasil será

regulada pela lei brasileira e em benefício do cônjuge ou de filhos brasileiros, sempre

que lhes não seja mais favorável a lei nacional do de cujus.” (Constituição dos

Estados Unidos do Brasil, 1946: 45)

Praticamente sem oposição, o governo completou a institucionalização do

regime, organizando o Conselho Nacional da Economia, o Tribunal Federal de

Recursos e as Comissões de Planejamento Regional.

Intensificou as relações com os norte-americanos. Dessa amizade nasceu o

plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia que constituíram os

objetivos do projeto, executado apenas em parte).

Dutra seguia as tendências liberais, seu governo foi considerado conservador

e sem muitas iniciativas. Desenvolveu seu mandato em ambiente de paz e

tranqüilidade.

Getúlio Vargas regressou novamente à Presidência da República em

03/10/50 quando foi eleito com quase maioria absoluta de votos. Sua posse ocorreu

em 31/01/51 com a sustentação dos militares.

38

Dizia retomar a liderança das massas populares, deixada pelo seu

afastamento em 1945. Surge como “porta-voz de todos os trabalhadores brasileiros”.

Getúlio buscava a conciliação de forças diferentes que sobressaíam na luta

pelo poder, ou seja, acreditava ser um intermediário entre as massas populares e o

próprio governo. Não se descuidava da manutenção da ordem social vigente,

aconselhando as pessoas a limitarem seus movimentos e protestos.

Em 1951 foi criada a Comissão Nacional de Bem-estar Social, com a

finalidade de promover os estudos e as providências indispensáveis à estruturação

de uma política tendo por meta a melhoria das condições de vida do povo brasileiro.

Essa comissão estava vinculada ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

“ ... No segundo governo de Vargas, ele ofereceu resistência à derrubada de

seus anseios de emancipação da economia brasileira. De um lado, o radicalismo

conservador se agitava com as formulações e com as realizações nacionalista do

Presidente da República. De outro, temia a participação das massas populares no

jogo político, mesmo através da mobilização controlada por Vargas e pela máquina

estatal. A política econômica de caráter nacionalista correspondia à política social de

natureza trabalhista. Assim, a política social do segundo governo de Getúlio Vargas

reduziu-se a um conjunto de deliberações predominantemente setoriais na

Educação, na Saúde Pública, na Habitação Popular, na Previdência Social e na

Assistência Social. Não houve transformações gerais e essenciais da política social,

mas decisões particulares a cada questão importante e urgente.” (Vieira, 1985: 230)

Após o suicídio de Vargas, quem assumiu o governo, em agosto de 1954, foi

o Vice-presidente Café Filho. Em novembro de 1955, o Presidente Café Filho, por

moléstia, foi substituído por Carlos Luz, Presidente da Câmara dos Deputados.

Como se acreditasse que se preparava um golpe de Estado, no dia 14 desse mesmo

mês foi o Presidente interino deposto pelo General Teixeira Lott, Ministro da Guerra,

com apoio de outros militares, cabendo a Presidência da República ao substituto

legal de Carlos Luz, Nereu Ramos (Vice-presidente do Senado).

39

Em 03/10/55 Juscelino kubitscheck foi eleito Presidente da República e João

Goulart, vice. Tomaram posse em 31/01/56.

Juscelino não tentava comparar-se a Vargas a nível dos compromissos com

as massas populares, principalmente no que diz respeito à Política Social. Agia

através de intervenções de cunho setorial, conforme as carências do momento.

Declarava-se “protetor dos trabalhadores” em suas conquistas. Porém não

conseguiu levar a cabo providências inovadoras voltadas para o atendimento das

carências da população.

“ ... O governo juscelinista delimitara o espaço consentido para a mobilização

dos trabalhadores, embora chegasse a admitir suas reclamações e até a concordar

com a influência deles sobre as alianças partidárias. A política econômica

preponderou sempre, no tempo de kubitschek, sobre a política social. O

desenvolvimento vinha para acabar com as precárias condições de vida. Mas, em

certo sentido, às vezes terminava por agravá-las e daí, dizia o Presidente da

República, tornava-se imperioso maior desenvolvimento. A política social vivia

unicamente de uma série de decisões apenas setoriais na Educação, na Saúde

Pública, na Habitação Popular, na Previdência e na Assistência Social. Não

aconteceram transformações mais profundas, capazes de alterar substancialmente a

política social. Kubitschek orientou suas decisões para os casos de emergência.

Indicam-se a Lei Orgânica da Previdência Social e sua Regulamentação como atos

de maior importância, realizados por ele no âmbito da política social. Durante o

governo juscelinista, desenvolveu-se em grande parte a Campanha em Defesa da

Escola Pública, como resposta autêntica ao projeto da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional.” (Vieira, 1985: 230–231)

Em 03/10/60 Jânio Quadros elegeu-se Presidente da República, substituindo

Juscelino. Tomou posse em 31/01/61.

“ ... Jânio Quadros jogou com a mágoa da pequena burguesia e assumiu a

auréola do carisma, tão a gosto das massas populares em seus momentos de

irracionalismo diante do poder político. Aos desgostos da pequena burguesia e ao

40

irracionalismo dos trabalhadores, ofertou uma política antiinflacionária que, enfim,

vinha prejudica-los.” (Vieira, 1985: 231)

Em 25/08/61 Jânio Quadros renuncia. Essa decisão surpreendeu toda

população brasileira. De acordo com a Constituição, quem deveria assumir o

governo com a renúncia de Jânio era seu Vice-presidente João Goulart. Porém os

militares, visando a propor um golpe, não concordavam, acusando-o de comunista,

haja vista que Goulart fez carreira graças a Vargas, por isso era tão odiado por

setores direitistas da sociedade e das Forças Armadas. Entretanto outros grupos

levantaram-se em defesa da Constituição.

“O Congresso Nacional propôs, então, uma solução negociada para a crise e

foi promulgado um Ato adicional que estabelecia o parlamentarismo no Brasil. No dia

07 de setembro de 1961, depois de doze dias de ameaça de uma guerra civil, Jango

assumiu o poder.” (Silva e Bastos, 1989: 289)

Por ocasião da renúncia de Jânio, Goulart encontrava-se no exterior, na

China Comunista; quem ocupou o cargo interinamente foi o Presidente da Câmara

dos Deputados Sr. Ranieri Mazzili.

João Goulart tomou posse no dia 07/09/61, indicando Tancredo Neves como

primeiro ministro. Sua posse foi tumultuada, pois havia um conjunto de obstáculos

impostos pelos opositores.

O sistema parlamentarista de governo manteve-se até 06/01/63, quando o

plebiscito trouxe de volta o presidencialismo. Foi a partir daí que Goulart começou

realmente exercer as funções de Presidente da República.

“ ... João Goulart confiou bastante na legalidade, embora por vezes se

propagasse o contrário. Como Jânio, João Goulart procurou vencer as

inconsistências políticas, econômicas e sociais, por meio da conciliação entre

ideologia nacionalista e capitalismo internacional. Jango defendeu mais

intensamente a contenção do custo de vida, ao mesmo tempo em que colocava a

emancipação econômica como condição de derrota do subdesenvolvimento. Os

41

eventos de 1964 eliminaram o projeto de reformas de base do período janguista,

acabando igualmente com a política de massas, presente até então no Brasil. As

reformas propostas por Goulart, de resultados parciais e acanhados em termos de

conquistas para os trabalhadores, conseguiram encontrar condições para pôr-se em

prática .... ” (Vieira, 1985: 231)

Como Jango pendia para reformas populares consideradas radicais como

desapropriações de terras e outras, exigindo para tanto uma nova carta

constitucional, muitos conservadores derrubaram-no com uma intervenção militar.

Assim, depois de fugir para o Rio Grande do Sul, ele asilou-se no Uruguai.

Estando João Goulart exilado, em 02 de abril, o cargo de Presidente da

República foi entregue ao deputado Ranieri Mazzilli. Ainda no dia 09 do mês de abril,

o denominado Supremo Comando Revolucionário (composto por três ministros

militares: Marechal Arthur da Costa e Silva, Brigadeiro Francisco de Assis Correia de

Mello e Vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Guinewald) publicou o ato

institucional nº 1. O ato institucional concedeu o privilégio de retirar os direitos de

vários políticos por 10 anos, inclusive cassando mandatos legislativos federais,

estaduais e municipais, sem qualquer exame judicial dessas medidas. Ficou mantida

a Constituição de 1946 e as Constituições Estaduais com suas emendas.

Posteriormente, propôs-se a eleição do novo Presidente e Vice-presidente da

República pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional.

Foi indicado como candidato único o Marechal Castelo Branco, escolhido pelo

Supremo Comando Revolucionário e apoiado por várias entidades como a cúpula

militar, pelos governadores e, sobretudo, por grupos da burguesia.

Em 11/04/64 foi eleito, por eleições indiretas, pelo Congresso Nacional, para o

cargo de Presidente da República o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco

e José Maria Alkimim, seu Vice-presidente. Assumiram o governo em 15/04/64.

Na área política, esse governo efetuou uma série de modificações

principalmente através da extinção dos vários partidos, criando em substituição

outros dois: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), à qual filiaram-se os

governistas e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), aqueles que

representavam a oposição.

42

A publicação do ato nº 2 normatizou a nova formulação partidária brasileira.

Em fevereiro de 1966 foi decretado o ato institucional nº 3, regulando as eleições

indiretas pelas Assembléias Legislativas e ainda em dezembro de 1966, saiu o ato

institucional nº 4 estabelecendo as condições de votação pelo Congresso Nacional

da nova Constituição.

A sexta Constituição do Brasil foi promulgada em 24 de janeiro de 1967, a

qual conservava o federalismo e reforçava o regime presidencial, determinando que

as eleições do Presidente e Vice-presidente da República fossem indiretas, por meio

de um colégio eleitoral, composto pelo Congresso Nacional e de delegados das

Assembléias Legislativas dos Estados.

Quanto à família, consta nessa Constituição, título IV:

“Art. 167 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos

Poderes Públicos.

Parágrafo 1.º - O casamento é indissolúvel.

Parágrafo 2.º - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento

religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei,

assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato

inscrito no registro público.

Parágrafo 3.º - O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo

terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no registro público,

mediante prévia habilitação perante a autoridade competente.

Parágrafo 4.º - A lei instituirá a assistência à maternidade, à infância e à

adolescência.” (Constituição do Brasil, 1967: 63)

Em março de 1967, tomou posse o Marechal Arthur da Costa e Silva que fora

eleito em outubro de 1966 pelo Congresso Nacional. Assim, Costa e Silva passou a

governar de acordo com a nova Constituição da República Federativa do Brasil e

não Mais dos Estados Unidos do Brasil.

43

Na gestão de Costa e Silva houve inúmeros conflitos, não só entre policiais e

estudantes, como entre universidades. Por causa dessa situação que se agravava a

cada dia, o governo decretou o ato institucional nº 5, o mais rigoroso do que todos

aumentando os poderes do Executivo que assim poderia intervir nos Estados.

Em 1969 foi outorgada outra Constituição. Quanto à família, consta nessa

Constituição, título IV:

“Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos

poderes públicos.

1.º O casamento é indissolúvel.

2.º O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso

equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e prescrições da lei, o ato for

inscrito no registro público, a requerimento do celebrante ou de qualquer interessado.

3.º O casamento religioso celebrado sem as formalidades do parágrafo anterior terá

efeitos civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no registro público, mediante

prévia habilitação perante a autoridade competente.

4.º Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à

adolescência e sobre a educação de excepcionais.” (Constituição da República

Federativa do Brasil, 1969: 73)

Em fins de agosto de 1969, impedido por doença, Costa e Silva foi substituído

pela junta militar, não passando a Presidência da República a seu Vice-presidente

Pedro Aleixo, tolhido por um golpe de Estado dirigido por três Ministros militares:

General Aurélio de Lira Tavares (Exército), Brigadeiro Márcio de Sousa e Melo

(Aeronáutica) e Almirante Augusto Hamann Rademaker Grienewald (Marinha). Ao

Congresso Nacional coube a função de abrir suas portas para eleger o candidato

indicado pelas forças armadas: General Emílio Garrastazu Médici.

O General Emílio Garrastazu Médici foi eleito em 31 de outubro de 1969

Presidente da República pelo Congresso Nacional, juntamente com o Almirante

Rademaker Vice-presidente.

44

Médici enfatizava que em seu governo o país atravessava a fase de um

verdadeiro “milagre brasileiro”. Também publicou o primeiro Plano Nacional de

Desenvolvimento – PND.

“Internamente, o ‘milagre’ resultou de um grande desenvolvimento industrial

fundamentado na produção de bens de consumo, numa austera política salarial e

nas concessões de privilégios e vantagens aos empresários internacionais, o que

estimulou uma maior aplicação de capital, principalmente estrangeiro no Brasil. Esse

‘progresso’ econômico causou uma euforia consumista, onde a classe média,

beneficiada por altos salários, passou a consumir em larga escala e a praticar a

especulação imobiliária. Mas o grande beneficiado pelo ‘milagre’ foi o capital

estrangeiro, que praticamente passou a dominar a economia nacional, ‘engolindo’ a

pequenas e médias empresas e aumentando o endividamento externo, que passou a

consumir uma parcela considerável da riqueza nacional.” (Silva e Bastos, 1989: 297)

Emílio Garrastazu Médici foi fiel ao prazo de seu mandato.

O General Ernesto Geisel foi eleito Presidente da República pelo Congresso

Nacional, juntamente com o General Adalberto Ferreira dos Santos, assumindo em

15 de março de 1974.

Geisel deu prosseguimento à política econômica da gestão anterior. Em

dezembro de 1977, saiu o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND).

Em conseqüência das contestações, Geisel revoga o ato institucional nº 5 e

inicia o processo de abertura política.

O General João Batista Figueiredo assumiu a Presidência da República em

15 de março de 1979. Encontrou o país em profunda crise econômica, política e

social, ou seja, alta dívida externa, inflação galopante, economia em recessão,

desemprego crescente e muitas greves.

Figueiredo criou o terceiro Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND).

Aprovou a nova Lei Orgânica possibilitando a organização dos partidos.

45

Em 20/08/79 foi aprovada a lei de anistia dos crimes políticos, quando a

maioria dos exilados voltaram ao país e os presos políticos foram soltos.

Em 1982 ocorreram eleições diretas para governadores de Estados.

Em 15 de janeiro de 1985, o colégio eleitoral escolheu, por ampla maioria,

Tancredo Neves como novo Presidente da República e José Sarney como Vice-

presidente. A posse deveria ser realizada em 15/03/85.

Na noite de 14/03/85, enquanto o país inteiro preparava-se para a posse do

primeiro Presidente da República civil após período militar, Tancredo Neves foi

internado no Hospital de Base de Brasília onde foi submetido a uma cirurgia de

emergência. O estado de saúde de Tancredo agravou-se a ponto de levá-lo à morte

na noite de 21 de abril.

José Sarney assumiu a Presidência da República prometendo concretizar os

planos de Tancredo, através de uma “Nova República”.

A “Nova República” originou-se de uma rearticulação de forças políticas do

país, em virtude do aprofundamento da crise decorrente do endividamento externo,

inflação galopante, arrocho salarial, especulação financeira, desemprego, serviços

precários de saúde, fome, entre outros. Essa situação por sua vez provocou ampla

mobilização, que ameaçava a estabilidade institucional, social e política da nação.

Contrariando os princípios reclamados pelas “Diretas Já”, um grupo de

parlamentares dissidentes do P.D.S. formaram a Frente Liberal, unindo-se ao

P.M.D.B. na chamada “Aliança Democrática”, que, no contexto político, significava

uma transição conservadora que se desdobrou no Colégio Eleitoral e no Governo

Sarney.

Em função das reivindicações e protestos da população brasileira frente a

gravidade situação econômica por que passava o país, o presidente José Sarney

cria, em 1986, uma plano de estabilização econômica chamado Plano Cruzado.

Posteriormente instaurou-se uma outra crise política e o governo lança o

Plano Cruzado II, voltando a aumentar os preços e a inflação.

Em 1987 o ministro da fazenda, Dílson Funaro, foi substituído por Luis Carlos

Bresser Pereira que também anuncia outro plano, o Bresser. Em 1988 muda-se

novamente o ministro da fazenda, assumindo Maílson da Nóbrega que anuncia o

Plano Verão e muda a moeda que passa a chamar-se cruzado novo.

46

“Essa sem dúvida foi a conjuntura dos planos desastrosos. A Nova República

pode ser entendida como um período de investidas ‘amadoras” na regulação macro

econômica da sociedade brasileira. “ (Paula, 2005: 84)

Em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República

Federativa do Brasil, que continua vigorando até os dias atuais. Em relação à família

em seu capítulo VII, artigo 226, destaca:

“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem

e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento.

4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer

dos pais e seus descendentes.

5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente

pelo homem e pela mulher.

6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial

por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato

por mais de dois anos.

7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade

responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado

propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada

qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a

integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

Em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência da

República juntamente com Itamar Franco, enfatizando que pretendia fazer do país

um “Brasil Novo”.

47

Collor também baixou um pacote de medidas econômicas, financeiras e

administrativas, dando o nome Plano Brasil Novo, mais conhecido como Plano

Collor, ou Plano Cruzeiro. Porém, o presidente não conseguiu colocar em prática

várias propostas de seu plano.

Com a imposição de tantas medidas provisórias, Collor deixava claro o

autoritarismo do seu governo, provocando um descontentamento tanto no legislativo

como na maioria da população brasileira.

Fernando Collor de Mello, o primeiro Presidente eleito depois de quase trinta

anos de autoritarismo, foi acusado de cometer vários crimes (corrupção). Em

conseqüência dessas denúncias, foi formada uma Comissão Parlamentar de

Inquérito para apuração. Em 02/10/92 o Presidente Collor foi notificado de que a

Câmara dos Deputados lhe impusera afastamento do cargo para ser submetido a

um processo de “impeachment”. Nesse mesmo dia seu vice Itamar Franco foi

proclamado Presidente interino.

Itamar encontrou um país desmoronado, em total recessão, inflação

galopante, ou seja, um país com problemas econômicos, sociais e também políticos.

“Seguindo a tradição de seus antecessores, Itamar Franco, assume o governo

e após sucessivas trocas de ministros, anuncia um novo plano de estabilização

econômica sob o comando do então ministro da fazenda, Fernando Henrique

Cardoso. Nasceria aí o Plano Real.” (Paula, 2005: 93)

À medida que a pretensa estabilidade econômica foi mantida, o Estado deixou

de investir na área social ocasionando a ausência de um sistema de proteção social

de bases sólidas.

Assim o Estado passa a incentivar a sociedade civil a assumir boa parte da

questão social. Expande-se nesse período o terceiro setor que além de atender as

tradicionais demandas de serviços sociais, também focam suas ações em

reestruturação dos núcleos familiares.

Itamar teve muitas dificuldades, haja vista não ter canais de comunicação

com o mundo empresarial, sindical e, mesmo no mundo político, sua base era

precária. A maior realização dessa gestão foi dar início ao processo de estabilização

da economia. Conseguiu eleger seu sucessor.

48

Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente da república em 1994,

assumindo em 1995. Insistiu nas metas de estabilização propostas anteriormente

pela via do controle inflacionário e conseguiu como custo social desse processo:

desemprego, recessão, arrocho salarial etc.

Foi reeleito em 1998. O seu segundo mandato foi mar

49

vínculos e pactuar novas formas de relacionamento com vistas a superação das

dificuldades ... .” (Paula, 2005: 105)

Não se pretendeu neste trabalho proceder a uma análise profunda dos

governos brasileiros em seus aspectos políticos, econômicos e sociais, mas

demonstrar que esses cenários afetaram as famílias.

50

II

2 – POLÍTICA SOCIAL VOLTADA A FAMÍLIA, NA CONTEMPOR ANEIDADE

Segundo Cormely4 (1987), na década de 1940, para grande parte dos

analistas do tema, a família era vista segundo a concepção funcionalista, de corte

positivista, conceituada como a célula básica da sociedade, como um universo

fechado, estático, de relações intrafamiliares.

“A família nuclear tem sido tratada predominantemente, no âmbito das

ciências sociais, pela linha teórica do funcional-estruturalismo. Dentro dessa

perspectiva teórica, a sociedade é considerada como um sistema em equilíbrio, no

qual os diversos componentes se encontram num estado de interdependência,

desempenhando funções essenciais para a subsistência e funcionamento da

sociedade como um todo. Essa abordagem enfatiza o estudo da sociedade com

base nas inter-relações que se estabelecem entre o sistema social e as instituições,

destacando-se a maneira como estas contribuem para o funcionamento da

sociedade, ficando os indivíduos num segundo plano e sujeito às estruturas

estabelecidas. Com base nesses pressupostos, pode-se tratar das diversas

instituições sociais dentro da perspectiva do equilíbrio e da funcionalidade do

sistema. Assim, a família é vista como um componente do sistema social cujo bom

funcionamento permite atingir um equilíbrio na vida social.” (Calderón e Guimarães,

1994: 23–24)

As políticas sociais, neste período, eram setoriais (crianças, mulheres,

deficientes, idosos, negros e outras) e não focalizadas para a família de forma

global, conforme se almeja na atualidade.

O Estado pretendia garantir a reprodução, a proteção e a socialização da

sociedade. Para tanto, tentou assumir algumas funções das famílias, entre elas a

educativa. Com a instrução obrigatória, acreditou-se que o conhecimento

4 Neste segundo capítulo, grande parte do referencial teórico são as Revistas Serviço Social &Sociedade.

51

socialmente necessário para as crianças/adolescentes poderia ser transmitido pela

escola. Assim, a maioria das mães começou a se preocupar mais com a saúde física

e emocional do filho.

Quanto à assistência aos doentes e aos idosos, em muitos casos, passou a

ser relegada às instituições. Com o tempo não mais se viam membros de três

gerações viverem juntos, e os conhecimentos tão necessários, passados de uma

geração a outra, acabaram sendo desvalorizados.

Para muitos, a casa deixou de ser o lar, passando a ser mais um albergue

onde os filhos encontravam alimento e abrigo. Seus membros, pela vida corrida,

deixaram de conversar e de dividir afeto ou felicidade.

Esses e outros fatores implicaram a mudança de numerosas e importantes

funções sociais das mulheres no seio da família, principalmente na gestão da esfera

afetiva.

Nesse período, o discurso era permeado pela concepção da família nuclear

burguesa e quem não se enquadrava nessa regra era considerada “desorganizada”.

Assim, problemas que afetaram a relação de parentesco com o desemprego, os

“vícios” os mais variados, a violência etc, foram designados como “desestruturação”

da família. Acreditavam que, para resolver os problemas, era só educar a mesma. O

pai devia ser o chefe da casa, a mãe submissa e “bondosa”, e os filhos educados

dentro de uma rígida disciplina moldada aos padrões tradicionais.

Justificava-se que a sociedade tinha “problemas” porque a família estava

deixando de cumprir suas responsabilidades. A família era culpabilizada pela

estrutura social em que ela estava inserida, sem que a mesma fosse colocada em

questão.

Alguns pesquisadores chegaram a essas conclusões porque seus estudos

foram fragmentados teoricamente e localizados contextualmente, não gerando

trabalhos com amplitude suficiente para entender as transformações que ocorreram

com as famílias de forma global.

Na verdade, a família não se desestruturou, mas sim houve mudanças nas

relações de gênero e nas relações amorosas que estavam vinculadas às

transformações que afetaram os ideais pré-concebidos, principalmente nas práticas

conjugais.

52

A família não estava acabando, como acreditavam vários estudiosos, na

época, mas mudando seu perfil, ou seja, o que esteve agonizando foi a idealização

romântica que vários pesquisadores construíram sobre ela, tornando-a dependente

desse modelo.

“O conceito de famílias conjugais e nucleares, chefiadas pelo provedor

masculino, é, portanto, uma construção duplamente problemática para inúmeras

sociedades, bem como para o Brasil. Nem as famílias nem os domicílios são

necessariamente conjugais ou nucleares, nem tampouco exclusivamente chefiados

por membros masculinos. (...) A denominação chefia familiar feminina é em si

reveladora, pois é empregada tão-somente quando o homem adulto não está

presente, como se a família chefiada por mulheres fosse uma anomalia, pois não se

faz a discriminação da terminologia por gênero quando a situação é inversa, ou seja,

quando o homem está presente. A tradição nos recenseamentos, nos programas

governamentais, nas práticas sociais quotidianas tem imposto, dessa forma, um

padrão de autoridade e de responsabilidade econômica familiar que nem sempre

corresponde à realidade ou é reconhecida pela própria família.” (Carvalho, 1998: 77)

O grupo familiar extenso, ou a junção de parentes ou amigos, ou a pequena

comunidade rural criam sistemas próprios que garantem os padrões de reprodução

social. A vida no grupo familiar aumenta as possibilidades de se garantir a

sobrevivência dos membros.

Os períodos de transição caracterizam-se pelas reconfigurações no interior

dos grupos em redor das relações de parentesco. Essas remodelações são

marcadas por mudanças gerais que influenciam ou determinam, de acordo com o

tempo histórico e o contexto social, transformações que se operam nas relações

intergrupais.

Em tantos contextos de crise, como a família poderia desenvolver suas

funções essenciais de núcleo central de intimidade e de procriação, educação,

socialização, geração de um ambiente de paz, amor e apoio a seus membros?

Obviamente ela teve que se defender com seus meios para garantir a sobrevivência

de sua prole.

53

Tentou-se moldar a família como instituição do sistema para reproduzir o

modo de produção capitalista, para gerar nela apenas as transformações

convenientes. Porém, como ela é dinâmica, acabou se rebelando ao modelo que lhe

foi imposto porque precisava sobreviver.

As políticas sociais desse Estado capitalista sempre obedeceram aos

interesses da acumulação. Assim, as de proteção à família também seguiram essa

lógica.

Outros pesquisadores, já naquela época, compreenderam a sociedade em

movimento, inacabada, em construção e reconstrução e, conseqüentemente, a

família também em movimento, em mudança permanente. Ela é a mediação entre a

sociedade e os indivíduos.

Nesse contexto mais geral, a família é o núcleo básico da produção e

reprodução social, um sujeito histórico.

“A família permanece sendo a única forma de comunidade real, é a ‘casa’, o

‘porto seguro’ do indivíduo. No mundo externo ninguém tem piedade do outro,

ninguém se interessa pela personalidade do outro e é dentro da família que cada um

deseja receber atenção, respeito e o reconhecimento da própria personalidade. O

termo ‘casa’ não significa mais apenas o local de moradia, a cidade, ou o país de

nascimento, ‘casa’ é agora muito mais do que isto, é sinônimo de família. Assim, a

família torna-se a esfera íntima da existência, o local exclusivo onde se pode exprimir

a própria emoção e agregar-se aos outros. O local onde se pode relaxar em

conjunto, o local enfim onde se pode desfrutar a sensação de pertencer. Representa,

ainda, o lugar onde se pode refazer-se das humilhações sofridas no mundo externo,

expandir a agressividade reprimida, exercitar o próprio autocontrole, repreender e

vencer o outro.” (Heller, 1987: 10)

No cotidiano da família existe um movimento dialético entre elementos

repetitivos e inovadores. É no seio dela que se desenvolve o movimento de

54

A família deve ser enxergada dentro da sociedade de classe em que vivemos.

Também não se podem entender as transformações que vêm ocorrendo com as

famílias fora da divisão do trabalho.

A família é uma instituição social historicamente determinada que, ao mesmo

tempo, produz impactos societários.

Pesquisadores entenderam que a família não pode ser vista como um modelo

único, pois ela se transformou. Novas configurações surgiram. Ela continua, mas

hoje não existe família e sim famílias.

2.1 – RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESTADO, NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

A família ocupa, na atualidade, uma posição de centralidade no âmbito da

sobrevivência material. Isso porque as condições de vida dos indivíduos dependem

da inserção social de todos os membros da família, pois é aí que ocorrem as mais

diversas formas de alternativas para superar as situações de precariedade social.

A família é um canal de iniciação e aprendizado dos afetos e das relações

sociais e é o alicerce para que os indivíduos desenvolvam suas primeiras

experiências como membros da sociedade.

“... A família revela-se como um dos lugares privilegiados de construção social

da realidade a partir da construção social dos acontecimentos e relações

aparentemente mais naturais. De facto, é dentro das relações familiares, tal como

são socialmente definidas e regulamentadas, que os próprios acontecimentos da

vida individual que mais parecem pertencer à natureza, recebem o seu significado e

através destes são entregues à experiência individual: o nascer e o morrer, o

crescer, o envelhecer, a sexualidade, a procriação.” (Saraceno, 1992: 12)

A socialização ocorre na família, na escola, igreja, mídia etc.

55

“A família não é o único canal pelo qual se pode tratar a questão da

socialização, mas é sem dúvida, um âmbito privilegiado, uma vez que este tende a

ser o primeiro grupo responsável pela tarefa socializadora. A família constitui uma

das mediações entre o homem e a sociedade.” (Carvalho, 2002: 90)

É na família que se identificam a multiplicidade de possibilidades e

experiências de vida, organizadas pelos indivíduos com vistas à reprodução

biológica e social.

Os estudos sobre as funções da família na sociedade capitalista também

tornam evidente o papel dela como unidade de renda e consumo.

“ ... A família não é um simples terminal passivo de mudança social, mas um

dos actores sociais que contribuem para definir as formas e os sentidos da própria

mudança social, ainda que com diferentes graus de liberdade e segundo as

circunstâncias.” (Saraceno, 1992: 14)

“ ... Fenômeno eminentemente histórico, a família tem também uma história

interna própria, que transforma continuamente as regras e as formas das relações, e

as gerações, bem como as relações e os intercâmbios entre família e sociedade.”

(Saraceno, 1992: 16)

No Brasil, a família sempre funcionou como anteparo social, diante da

inexistência de políticas públicas que assegurem a proteção social.

A centralidade da família como elemento vital para os indivíduos justifica-se

diante da despolitização das questões referentes à reprodução social dos

trabalhadores. É, através da família e do trabalho, que seus membros vislumbram

possibilidades de inserção social.

No quadro atual de retração do Estado da esfera social, a família passa a ser

revalorizada. Na ausência de direitos sociais, é na família que os indivíduos tendem

a buscar alternativas para lidar com as circunstâncias difíceis. Assim, as situações

mais complexas de precariedade social como desemprego, doença etc, são

56

consideradas como problemas da esfera privada que devem ser solucionadas no

seio da família.

Pereira destaca que as famílias são:

“... fortes, porque elas são um componente central da integração social mediante a

qual os indivíduos podem encontrar um refúgio contra o desamparo e a exclusão.

Fortes, ainda, porque é nelas que se dá a reprodução e onde são transmitidos

valores culturais básicos. Mas elas também são frágeis pelo fato de que não estão

livres de despotismos, violência, confinamentos, desencontros e rupturas. Tais

rupturas, por sua vez, podem gerar inseguranças, mas também abrir as portas para a

emancipação e o bem-estar de indivíduos particulares. Novamente aqui se ressalta o

caráter contraditório da família.” (1995: 109)

Sobre as formas familiares se constroem mitos positivos e negativos.

“Analogamente, ao lado das imagens também contemporâneas da família

refúgio, da família lugar de intimidade e de afectividade, espaço de autenticidade,

arquétipo de solidariedade, da privacidade, juntam-se às imagens da família como

lugar de inautenticidade, de opressão, de obrigação, de egoísmo exclusivo, a família

como geradora de monstros, de violência, a família que mata.” (Saraceno, 1992: 13)

“O que torna comuns todas estas imagens diferentes, mesmo na sua

contraditoriedade, é por um lado a sua a-historicidade, e por outro, o facto de

parecerem considerar a família como uma realidade plenamente enquadrada,

interiormente homogênea e apreciável como tal em qualquer contexto social e

histórico – precisamente a família.” (Saraceno, 1992: 13)

As famílias chefiadas por mulheres, na atualidade, são alvo de políticas

sociais por vários motivos, entre eles:

- cada vez mais ocorre o aumento de famílias sem a presença masculina

(chefiadas por viúvas, mães solteiras ou mulheres separadas);

57

- crescente isolamento feminino na manutenção econômica da família, ou seja,

a mulher é responsável pela sobrevivência do grupo familiar,

independentemente da família contar com a presença de um homem;

- as mulheres serem vistas apenas como mães e “donas de casa”, com

disponibilidade de tempo e receberem status secundário e complementar ao

do marido.

“Dadas as características predominantes da sociedade brasileira, do sistema

de valores e parentesco existentes e da ausência do Estado no provimento da

satisfação de necessidades básicas, um enorme contingente de pessoas sobrevive

graças aos processos de redistribuição que ocorrem dentro das famílias e

domicílios.” (Carvalho, 1998: 93)

Na última década, a família tornou-se o elemento central da intervenção das

políticas de assistência social, enquanto alvo privilegiado dos programas sociais.

À medida que o Estado restringe sua participação na atenção de questões de

determinados segmentos (crianças, adolescentes, deficientes, idosos etc), a família

tem sido chamada a preencher esse espaço.

Nas metas de intervenção social, apresentadas pelos neoliberais, eles

recomendaram uma maior participação da iniciativa privada na prestação de bens e

serviços sociais.

Assim, o Estado vem propondo:

- descentralização: repartição de responsabilidades entre os governos federal,

estadual, municipal e iniciativa privada;

- participação: envolvimento dos atores sociais na provisão de benefícios e

serviços;

- co-responsabilidade: criação de redes informais e comunitárias para a

prestação de assistência social.

O Estado vem distribuindo algumas de suas responsabilidades para a

sociedade, da qual a família faz parte. Porém, com tantas mudanças se

58

processando, como esperar que a família possa ser um agente tranqüilo de proteção

social?

Não podemos atribuir às famílias, principalmente àquelas em situação de

vulnerabilidade, uma função de proteção aos seus membros sem lhes oferecer

meios para isso.

O Estado vem deixando de assumir muitas de suas responsabilidades e

depositando nas famílias uma sobrecarga que, na maioria das vezes, elas não

conseguem suportar, levando em consideração as precárias condições sócio-

econômicas da maioria da população. Isso é acentuado quando se trata de

configurações familiares que não são reconhecidas social e legalmente.

As constituições brasileiras, até 1969, reconheciam, para fins de proteção do

Estado, apenas a família constituída pelo casamento.

A ampliação do conceito de família ocorreu na constituição de 1988, sendo

reconhecidos, no artigo 226, o concubinato, as famílias monoparentais e a igualdade

de direitos e deveres entre marido e mulher. Porém, mesmo assim, ainda percebe-

se a reafirmação do casamento como a forma ideal de família:

“3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem

e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento.

4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade familiar formada por

qualquer dos pais e seus descendentes.

5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente

pelo homem e mulher.” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988: 155)

A Constituição Brasileira de 1988 incorporou algumas mudanças ocorridas

nas famílias na atualidade, todavia não contemplou totalmente a sua diversidade.

No contexto brasileiro, as famílias têm sido chamadas a assumirem um lugar

de destaque na política social. A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo VII,

artigo 226 destaca:

59

“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e no

parágrafo 8º “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos

que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas

relações.”

Na Política Nacional de Assistência Social aprovada em Novembro de 2004,

consta no capítulo 3, item 3.1.1:

“... Por reconhecer as fortes pressões que os processos de exclusão

sociocultural geram sobre as famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e

contradições, faz-se primordial sua centralidade no âmbito das ações da política de

assistência social como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e

socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa

também ser cuidada e protegida.”

Acredita-se que, mesmo com tantas transformações, a família não perdeu o

que lhe é essencial, suas possibilidades de proteção, socialização e criação de

vínculos relacionais.

O Estado não pode devolver à família a responsabilidade com a reprodução

social, sobrecarregando-a, sem lhe dar condições para tanto. Só tornando-se de fato

alvo de políticas que levem em consideração as novas configurações da questão

social no Brasil, é que poderemos atribuir mais responsabilidades às famílias.

A família passou a ser vista como base estratégica para a condução de

políticas públicas, beneficiária de serviços e programas. Porém, o assunto ainda

constitui um desafio a ser pesquisado.

61

“Em suma, é preciso reeducar a família – e a religião será o esteio moral de

sua estabilidade – e leis que garantam o direito da família e dos filhos na sociedade,

abono familiar, e salários que permitam um mínimo de bem-estar, exonerando a

mulher da necessidade de trabalhar fora do lar.” (Iamamoto e Carvalho, 1986: 214)

Inicia-se pela mobilização da igreja, através de seu movimento católico leigo,

tendo por meta a moralização da questão social e a cristianização da sociedade,

principalmente pela perda dos valores tradicionais, em conseqüência do

desenvolvimento capitalista.

Quando, em 1936, foi fundado pelo CEAS (Centro de Estudos e Ação Social

de São Paulo) a primeira Escola de Serviço Social do Brasil, já existia uma demanda

de instituições que necessitavam de pessoas com formação técnica especializada

para intervir na realidade.

“A questão social fica, assim, relegada a um obscuro segundo plano. ‘A

questão social não atraiu a atenção das lideranças católicas, que dela não se

ocuparam concretamente. Sobre questões sociais foram raros os artigos na revista A

Ordem, nos anos 20 a 30; na Pastoral de 1922 foi muito pequena a referência que

lhe foi feita’. As análises, pouco freqüentes, sobre a situação do proletariado,

assumem apenas o caráter de constatação das penosas condições de trabalho a que

eram submetidas mulheres e crianças, e de crítica moralista, à promiscuidade entre

sexos nas oficinas e a desagregação da família.” (Iamamoto e Carvalho, 1986: 148)

O serviço social inicia-se no Brasil como profissão, principalmente atuando no

setor público e organizações patronais privadas de caráter empresarial que visavam

a ampliar o controle junto à sociedade civil.

“A Escola de Serviço Social passará por rápidos processos de adequação. O

primeiro se dá a partir do convênio firmado entre o CEAS e o Departamento de

Serviço Social do Estado, em 1939, para a organização de Centros Familiares. Essa

demanda terá por reflexo a introdução no currículo da Escola de um Curso Intensivo

de Formação Familiar: pedagogia do ensino popular e trabalhos domésticos. O

62

segundo se dará, logo em seguida, para atender à demanda das prefeituras do

interior do Estado.” (Iamamoto e Carvalho, 1986: 181)

Iamamoto e Carvalho, expõem que:

“... o alvo predominante do exercício profissional é o trabalhador e sua

família, elemento mais vital e significativo do processo de produção ... .” (1986: 86)

Ainda segundo Iamamoto e Carvalho, as Escolas de Serviço Social contavam

com muitos alunos bolsistas patrocinados principalmente pelo Estado, por grandes

instituições estatais ou para-estatais, como as Prefeituras Municipais, o

Departamento Nacional da Previdência (e os diversos institutos e caixas), a Legião

Brasileira de Assistência, o Serviço Social da Indústria, o Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial etc.

“Os relatos existentes sobre as tarefas desenvolvidas pelos primeiros

assistentes sociais demonstram uma atuação doutrinária e eminentemente

assistencial. Os Centros Familiares organizados pelo CEAS a partir de convênio com

o Departamento de Serviço Social do Estado, que funcionam a partir de 1940 em

bairros operários e que se deveriam constituir em modelo de prática de serviço

social, não fugiram a essa caracterização. Sua finalidade seria a de ‘separar as

famílias das classes proletárias, prevenindo sua desorganização e decadência e

procurando elevar seu nível econômico e cultural por meio de serviços de assistência

e educação. Nesses Centros manterão serviços diversos, como plantão para

atendimento de interessados, visitas domiciliares, bibliotecas infantis, reuniões

educativas para adultos, curso primário para proteger as crianças cujas mães são

obrigadas a trabalhar fora’ cursos de formação familiar (moral e formação doméstica

para o lar), restaurante para operários, etc. O tratamento dos casos será

basicamente feito através de encaminhamentos, colocação em empregos, abrigos

provisórios para necessitados, regularização da situação da família (casamento, etc)

e fichário dos assistidos.” (Iamamoto e Carvalho, 1986: 193-194)

Nos anos seguintes começam a se organizar novas escolas de serviço social

em outros Estados.

63

“ ... O portador dessa qualificação não mais necessariamente será uma moça

da sociedade devotada ao apostolado social. Progressivamente se transformará num

componente de força de trabalho, possuindo uma determinada qualificação

englobada na divisão sócio-técnica do trabalho.” (Iamamoto e Carvalho, 1986: 183)

Iamamoto e Carvalho também observam o caráter conservador do serviço

social, em sua origem, a serviço das classes dominantes, e como é possível que, em

outro momento, parcela da profissão passe a se posicionar de outra forma, em favor

das classes subalternas, influenciada pelo movimento de reconceituação. Os

autores lembram que não se questionou, nas duas situações, a realidade do

mercado de trabalho do assistente social.

“Ora, o serviço social, como instituição componente da organização da

sociedade, não pode fugir a essa realidade. As condições que peculiarizam o

exercício profissional são uma concretização da dinâmica das relações sociais

vigentes na sociedade, em determinadas conjunturas históricas. Como as classes

sociais fundamentais e suas personagens só existem em relação, pela mútua

mediação entre elas, a atuação do assistente social é necessariamente polarizada

pelos interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma

posição dominante. Reproduz também, pela mesma atividade, interesses

contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como

do trabalho e só pode fortalecer um ou outro pólo pela mediação de seu oposto.

Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tempo

e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da classe

trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses sociais, reforçando

as contradições que constituem o móvel básico da história. A partir dessa

compreensão é que se pode estabelecer uma estratégia profissional e política, para

fortalecer as metas do capital ou do trabalho, mas não se pode excluí-las do contexto

da prática profissional, visto que as classes só existem inter-relacionadas. É isto,

inclusive, que viabiliza a possibilidade de o profissional colocar-se no horizonte dos

interesses das classes trabalhadoras.” (Iamamoto e Carvalho, 1986: 75)

64

José Paulo Neto, em seu livro Ditadura e serviço social: uma análise do

serviço social no Brasil expôs que, desde o final da década de 1950, parcela dos

profissionais principalmente envolvidos com as lutas sociais começam a questionar o

tradicionalismo do serviço social apontando para a problematização do

conservadorismo do SS. Segundo ele, esse é um início do processo de ruptura que

vai ser desencadeado nos anos sessenta, devido a vários fatores, dentre eles, o

processo de renovação profissional que se dá em função da erosão das bases do

Serviço Social tradicional.

Nos anos oitenta o projeto de ruptura tem condições de se fortalecer porque a

sociedade brasileira vivia um momento de redemocratização, oferecendo as

possibilidades de ressurgimento dos movimentos sociais, de organização política da

categoria profissional. O CBAS de 1979 foi um marco nesta direção.

O movimento de renovação do serviço social, que foi impulsionado a partir

dos anos 60 pelo processo de erosão das bases do serviço social tradicional, pelo

movimento de reconceituação, entre outros, ganha força na década de oitenta com a

organização política da categoria e a sua produção teórica.

Essa renovação rebate nas discussões sobre a família no serviço social,

como podemos observar na Revista Serviço Social & Sociedade nº 21 – no

Relatório-síntese do Seminário Latino-americano sobre Família e Comunidade.

O Seminário Latino-Americano ocorrido em Porto Alegre/RS no período de 11

a 15 de maio de 1986 foi um evento preparatório para a XXIII Conferência

Internacional onde se discutiu a questão da família, da comunidade e sua inserção

no processo de desenvolvimento social.

Os três temas desenvolvidos no seminário foram:

I – A família e a comunidade latino-americana

II – A família e a comunidade: ação dos organismos oficiais, privados e movimentos

populares.

III – A família e a comunidade: perspectivas de mudanças e alternativas de ação

Nessa conferência chegou-se à conclusão, através dos trabalhos

apresentados, de que a América Latina encontra-se em crise social que repercute

diretamente sobre a família.

65

“A aguda crise social que assola nosso continente por certo traz inúmeras

repercussões sobre a família que, enquanto unidade social, expressa e reproduz as

contradições da sociedade em que se insere.” (Martinelli e Alayon, 1986: 147)

“A família encontra-se em crise, incapaz de responder às funções que lhe são

próprias e, por outro lado, não encontra no Estado, cujo aparato político-institucional

encontra-se defasado, respostas à suas demandas no plano social.” (Martinelli e

Alayon, 1986: 144)

Na América Latina, onde os países se inserem no “Terceiro Mundo”, cuja

característica é o capitalismo periférico e dependente, se busca o estabelecimento

de política social que possa gerar o fortalecimento da relação familiar.

“Tornam-se imprescindíveis o revigoramento da família e da comunidade, o

resgate do exercício da cidadania, da capacidade de organização e de luta, como

forma de avançar no processo de desenvolvimento social.” (Martinelli e Alayon, 1986:

142)

“A família, portanto, dentro de um enfoque teórico-crítico mais abrangente,

passa a ser visualizada como um potencial agente sócio-político de transformação.”

(Martinelli e Alayon, 1986: 145)

É importante o papel político, social, econômico e cultural da família na

perspectiva dos processos de transformação social.

“Neste sentido, a família nuclear, clássica, própria do paradigma positivista,

praticamente será absorvida por outras formas de organização social, sofrendo,

portanto, radicais transformações.” (Martinelli e Alayon, 1986: 145)

66

Foi a partir desse momento que as faculdades começaram a implantar a

extensão na rotina universitária, com verdadeiros projetos-pilotos, visando a testar

as propostas de renovação do serviço social.

“O próprio papel do Estado diante da questão familiar deve ser revisto, assim

como a prática social deve passar por profundas transformações, apoiando-se

essencialmente em uma política educativa e participativa e não mais assistencialista

e paliativa.” (Martinelli e Alayon, 1986: 145)

A implantação do serviço social esteve relacionada às profundas

transformações econômicas e sociais que ocorreram na sociedade brasileira.

Os assistentes sociais sempre foram considerados agentes profissionais

preparados para implementarem políticas sociais, porém poucos se dão conta da

quantidade de ferramentas de que dispõem para promover mudanças e acabam,

muitas vezes, se acomodando, sendo apenas executores das exigências

institucionais.

O assistente social, no exercício de sua função, em qualquer organização,

dedica-se ao planejamento, operacionalização e viabilização de serviços sociais

para a população. Atua como intermediário entre a instituição e os usuários dos

serviços. Dispõe de um poder de selecionar os indivíduos que têm ou não direitos de

usufruir dos programas/projetos institucionais, devido à incapacidade da rede de

atender todo o público que necessita dos serviços sociais.

O assistente social também não pode esquecer sua condição de intelectual

que pode produzir conhecimentos científicos explicando o que identifica na prática

teoricamente.

Por trabalhar com a questão social nas suas mais variadas expressões

cotidianas, entre elas a família, o assistente social dispõe de um acervo privilegiado

de dados e informações que, analisados, poderão fornecer subsídios para propostas

de trabalhos inovadoras.

67

III

3 – ANÁLISE DA REVISTA SERVIÇO SOCIAL & SOCIEDADE

A primeira Revista Serviço Social & Sociedade foi editada no ano de 1979

pela Cortez. Somente em 1982, revista nº 8, foi publicado um artigo pertinente ao

tema família.

Segundo estatística fornecida pela editora, em 28/11/06, por e-mail, até a

presente data foram elaboradas 88 revistas, sendo cerca de 740 mil o número de

exemplares publicados, porque houve muitas reedições. A Cortez conta com 800

articulistas do país e alguns do exterior e 95% pertencem à categoria de Assistentes

Sociais.

Identificamos que, nesses 27 anos de existência (1979 a 2006), foram

escritos 39 textos com o título sobre família. Entre esses, 2 artigos em espanhol, 1

em francês e 10 de autores de outras áreas (advogado, filósofa, antropólogo,

sociólogos e economista). Apenas 26 autores eram assistentes sociais brasileiros,

ou mestrandos ou doutorandos em serviço social e alguns em parceria com outros

profissionais.

Assim, nos detivemos no terceiro capítulo, nos artigos escritos por assistentes

sociais brasileiros, mas somente aqueles pertinentes às famílias brasileiras; por este

motivo os textos de Cristina Almeida Figueiras (1993) que trata das trabalhadoras

sociais e as famílias pobres em Paris, e o de Louis Ruddelesden traduzido por

Viviane N. A. Guerra (1995), que retrata um trabalho desenvolvido na Inglaterra, não

foram analisados aqui. Porém estes e os demais artigos foram lidos e muito

contribuíram, para nossa reflexão, nos capítulos anteriores.

Segue tabela com títulos dos artigos sobre família.

68

69

REVISTAS SERVIÇO SOCIAL & SOCIEDADE – ARTIGOS SOBRE FAMÍLIA

Nº DA

REVISTA

ANO DE

PUBLICAÇÃO

TÍTULO AUTOR FORMAÇÃO

08 1982 Pró-família: planejamento

familiar ou controle da

natalidade?

Maria Virgínia Hermácula,

Marista A. Evangelista,

Neusa C. Lima e Yurico

Tatamiya

Assistentes Sociais

11 1983 A família e a propriedade no

código de menores

Carlos Simões Advogado

21 1986 Relatório-síntese do

seminário latino-americano

sobre família e comunidade

Maria Lúcia Martinelli e

Norberto Alayon

Assistente Social e

Assistente Social

22 1986 A família e a comunidade:

perspectivas de mudança e

alternativas de ação

Maria Cecília Tobón Assistente Social

24 1987 A concepção de família no

estado de bem-estar social

Agnes Heller Filósofa marxista

húngara

70

24 1987 A violência no cotidiano das

famílias de camadas

populares

Maria Amália Faller Vitale Assistente Social, Mestre

em Serviço Social e

Terapeuta de família.

25 1987 Seminário latino-americano

sobre família e comunidade

– palestra de abertura

Seno Antonio Cornely Assistente Social

25 1987 La família y la comunidad

latino americana

Maria Atilano Uriarte,

Lautaro Prado Bravo

Assistente Social e

Assistente Social

33 1990 Administração da produção

doméstica e reprodução da

força de trabalho das

famílias inseridas no setor

informal de Natal, RN

Maria das Dores Costa e

Sandra Lúcia B. Cavalcanti

Assistente Social e

Doutora em Serviço

Social e

Mestre em Administração

37 1991 Planejamento familiar como

um direito humano: uma

experiência em empresa do

interior do Paraná

Rosi Maria Sinjal Assistente Social

71

42 1993 As trabalhadoras sociais e

as famílias pobres em Paris

(1919 – 1939)

Cristina Almeida C.

Figueiras

Assistente Social

42 1993 A proteção social destinada

às famílias brasileiras

Maria do Carmo Brant Assistente Social e

Doutora em Serviço

Social

42 1993 Informativo sobre o Ano

Internacional da Família

Romeu Kazumi Sassaki Assistente Social

46 1994 Das famílias

“desestruturadas” às famílias

“recombinadas”: transição,

intimidade e feminilidade

José Rogério Lopes Antropólogo e

Doutorando em Ciências

Sociais da PUC/SP

46 1994 Família: a crise de um

modelo hegemônico

Adolfo Ignácio Calderón,

Rosamélia Ferreira

Guimarães

Sociólogo, Mestrando em

Ciências Sociais da

PUC/SP e Assistente

Social, Doutoranda em S.

S. da PUC/SP

72

46 1994 A mulher migrante

nordestina e a organização

do cotidiano na dinâmica do

seu grupo familiar

Maria Luzia Clemente Assistente Social e

Mestre em Serviço Social

pela PUC/SP

48 1995 Desafios contemporâneos

para a sociedade e a família

Potyara A. P. Pereira Assistente Social

48 1995 A experiência com famílias

substitutas em Kent

Louis Ruddlesden e

Tradução e notas de Viviane

N. A. Guerra

Assistente Social e trad.

Mestre e Doutoranda em

Serviço Social

49 1995 El análisis de las políticas

sociales desde una

perspectiva familiar

Nidia Aylwin de Barros Assistente Social e

Mestre em Educação

55 1997 Família e Serviço Social:

contribuições para o debate

Regina Célia Tomaso Mioto Assistente Social e

Doutora em Saúde

Mental

73

57 1998 Famílias chefiadas por

mulheres: relevância para

uma política social dirigida

Luiza Carvalho Mestre em Economia e

Doutora em Sociologia

64 2000 Desenvolvimento da política

sueca para a família:

múltiplas lógicas e inflexões

Carlos Aurélio Pimenta de

Faria

Sociólogo, Mestre em

Ciências Sociais e

Doutor em Ciência

Política

67 2001 Poder judiciário e violência

doméstica contra a mulher: a

defesa da família como

função da Justiça

Lourdes de Maria Leilão

Nunes Rocha

Assistente Social e

Mestre em Políticas

Públicas pelo UFMA

67 2001 Família de apoio: uma

experiência inovadora

Abigail Aparecida de Paiva

Franco

Assistente Social e

Doutoranda em S. S.

67 2001 Néthodologie de la médiaton

familiale

Justin Lévesque por Eliedite

Mattos Ávila – Tradução de

Eliedite Mattos Ávila

Mediador familiar e

Assistente Social

74

71 2002 Viver em família como

experiência de cuidado

mútuo: desafios de um

mundo em mudança

Heloisa Szymanski Psicóloga, Mestre e

Doutora em Psicologia

da Educação

71 2002 Perspectivas jurídicas da

família: o novo código civil e

a violência familiar

Silvia Pimentel Doutora em Filosofia do

Direito

71 2002 Famílias monoparentais:

indagações

Maria Amália Faller Vitale Assistente Social e

Doutora em Serviço

Social

71 2002 O trabalho da mulher,

relações familiares e

qualidade de vida.

Virginia Paes Coelho Assistente Social e

Doutora em Serviço

Social

71 2002 Família e proteção social:

questões atuais e limites da

solidariedade familiar

Dalva Azevedo Gueiros Assistente Social e

Doutoranda em Serviço

Social

75

71 2002 A família na Amazônia:

desafios para a assistência

social

Carlos Alberto Batista Maciel Mestre em Antropologia

e Doutorando em

Sociologia

71 2002 Os saberes construídos

sobre a família na área da

saúde mental

Lucia Cristina dos Santos

Rosa

Doutora em Serviço

Social e Doutora em

Sociologia

71 2002 Famílias: uma experiência

76

80 2004 Retratos da vida das famílias

multiproblemáticas

Susana Pires, Ana Matos,

Margarida Cerqueira,

Daniela Figueiredo e Liliana

Sousa

Socióloga, Socióloga,

Cientista da Educação,

Cientista da Educação e

Psicóloga

81 2005 Direito à convivência familiar Dalva Azevedo Gueiros e

Rita de Cássia S. Oliveira

Assistente Social ,

Doutoranda em S. S. e

Assistente Social, Mestre

em S. S.

77

Observação: as formações dos profissionais citados nesta tabela são referentes à época da redação.

78

Esta pesquisa documental, tendo por base os textos da Revista Serviço

Social & Sociedade, possibilitou a seleção de algumas tendências sobre famílias, a

partir de parâmetros que foram orientados pela nossa análise teórica geral, levando

em conta:

- se os autores trataram das transformações que ocorreram com as famílias na

história;

- se situaram a família em um contexto mais amplo, apontando as

determinações históricas e elementos que influenciaram e a particularizaram;

- se eles explicitaram concepções de família.

Agrupamos as produções em dois blocos: o primeiro, que abrange artigos

escritos entre as décadas de setenta e oitenta, que pertencem a um período

marcante na trajetória da profissão e da sociedade brasileira, porque foi nesse

momento que após a ditadura a sociedade se reorganizou politicamente, oferecendo

as possibilidades de ressurgimento dos movimentos sociais e de organização

política da categoria profissional. Também em 1988 foi promulgada uma nova

Constituição, possibilitando que o Serviço Social continuasse se fortalecendo em seu

processo de ruptura com o conservadorismo e na construção do projeto ético-político

profissional. Esse processo de renovação do Serviço Social se expressou na

produção teórica e nas discussões sobre a família que também apareceram na

Revista Serviço Social & Sociedade, que cumpre um papel importante na divulgação

das idéias da profissão nesse contexto. O segundo bloco de textos abrange os da

década de noventa em diante, momento em que o Serviço Social esteve atento às

mudanças que se processaram rapidamente na sociedade provocando

repercussões na economia, política, cultura etc, exigindo que os assistentes sociais

fizessem a critica à globalização neoliberal, defendessem as políticas públicas frente

ao desmonte do Estado e os direitos e as conquistas das classes trabalhadoras.

Observamos as seguintes características das abordagens sobre a família:

- A família não é tratada a partir dela mesma, mas em relação a um contexto

mais amplo, que, em geral, foi visto como sendo determinado por:

– condições econômicas e situações de classe;

– influências ideológicas e políticas;

– determinações culturais e morais

79

- Nas conjunturas, a família foi abordada em relação aos seguintes elementos:

– as políticas públicas para a família;

– gênero, violência e família;

– trabalho e família;

– gênero, trabalho e políticas públicas;

– gênero, violência e família;

– a família e a criança e o adolescente;

– a família e o portador de transtorno mental.

- As concepções teóricas sobre a família.

3.1 – BLOCO UM: A DÉCADA DE OITENTA

3.1.1 – As políticas públicas para a família

Vários textos trouxeram questões sobre os critérios que deveriam orientar a

formulação das políticas para a família. Observamos que os que foram produzidos

na década de oitenta expressaram a renovação do Serviço Social em busca de

superação de sua perspectiva tradicional, de construção de uma crítica à visão

conservadora, o que foi conquistado pela profissão com as transformações do

currículo das escolas de Serviço Social, em 1982, com a mudança do Código de

Ética, em 1986, com a produção teórica influenciada pelo marxismo, com Iamamoto

(Iamamoto e Carvalho, 1982), com a organização política da categoria, tendo como

marco o “Congresso da Virada” (1979), entre outros.

Os artigos de Serviço Social desse período se destacaram, pela visão

histórica, por situar criticamente as políticas sociais e a política de família no

capitalismo, em uma perspectiva de totalidade.

Ressaltamos os que apresentam as discussões e propostas do Seminário

Latino–Americano sobre Família e Comunidade, realizado em Porto Alegre, em

1986:

Maria Lúcia Martinelli e Norberto Alayon (1986) expuseram que o Seminário

foi uma iniciativa do Conselho Internacional de Bem-Estar Social, composto por 76

80

Comitês Nacionais e 24 Organizações Internacionais de Desenvolvimento e Bem-

Estar Social, que se organizaram para promover um evento preparatório para a XXIII

Conferência Internacional. O evento promoveu a reflexão sobre a questão da família,

da comunidade e de sua inserção no processo de desenvolvimento social, visando

do estabelecimento de uma política social capaz de gerar o fortalecimento da

relação familiar. Fizeram uma síntese dos temas tratados, os resultados das

discussões, inclusive concepções de famílias e movimentos sociais, já expostos no

2º capítulo deste trabalho. Finalizaram com alguns questionamentos objetivando

levantar outras reflexões para diversos profissionais, entre eles, os assistentes

sociais: o sistema social predominante na maioria dos países não prioriza o

desenvolvimento social, sendo que grande parte dos problemas que atingem a

população tem sua origem no social, porém a ordem social reinante tenta exigir dos

oprimidos a solução dessas dificuldades. A atuação do serviço social se dá no bojo

das contradições das relações sociais, devendo os profissionais acabar com as

concepções ingênuas que vigoraram por muito tempo, encarando as limitações de

sua ação e ao mesmo tempo se colocando a serviço das classes populares.

Maria Cecília Tobón (1986), no mesmo seminário, propôs a implementação

de várias políticas (desenvolvimento econômico, habitação, saúde, educação,

cultura entre outras). Também enfatizou a necessida

81

necessidade da revisão do conceito de família para que possa atender as

transformações por que elas passaram.

Na década de oitenta também houve críticas aos programas de governo para

a família, a exemplo do Pró-Família, programa do Governo do Estado de São Paulo,

implantado pela Secretaria da Promoção Social (SEPS), para planejamento familiar.

O artigo de Maria Virgínia Hermácula, Marista A. Evangelista, Neusa C. Lima e

Yurico Tatamiya, produzido a partir de um TCC5 (1982), discute a questão dos

movimentos sociais e do controle da natalidade, vinculando o Programa aos

interesses internacionais da BENFAM (Sociedade Civil Bem-estar Famíliar no

Brasil). Segundo as autoras o programa não atende a realidade da população

porque não ataca as causas dos problemas. O Estado quis conter o aumento da

população pobre utilizando-se de paliativos. Consideraram que as pessoas não têm

consciência da sua situação dentro da estrutura social. O Pró-família também

interfere na reprodução humana, onde mulheres não têm o direito de optar entre ter

filhos ou não, além do espaço de tempo entre eles. As autoras destacaram que as

mulheres devem ter o direito de decidir sobre seu número de filhos sem a

interferência do Estado. E qualquer política para essa demanda deve ser

implementada com ampla discussão entre todos os setores sociais. A Associação

Profissional dos Assistentes Social de São Paulo – APPASSP - encerrou o artigo

protestando contra a implantação do programa e denunciando a forma autoritária

com que o mesmo foi elaborado.

3.1.2 – Gênero, violência e família

Também é característico das produções desse período o trabalho em

comunidade, a valorização da participação popular, das classes subalternas, a

pesquisa participante, o trabalho com mulheres.

Maria Amália Faller Vitalle (1987), ao apresentar sua experiência prática,

realizada em um trabalho comunitário com mulheres, em 1978, em Embu-Guaçu.,

mostrou situações de violência na família. Através da pesquisa participante, onde a

5 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado pelas autoras à Faculdade de Serviço Social daPontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da professora Graziela AcquavivaPavez, em dezembro de 1981.

82

autora foi discutindo com as mulheres e suas famílias os problemas de seu

cotidiano, foram se apresentando diversas formas de violência vividas por elas e

pelos filhos, que são retratadas no texto. Através dos depoimentos verificou-se que a

tarefa de servir cabe tanto à mulher/esposa como à mulher/filha, ou seja, o cuidado

com a casa, além da educação dos filhos e irmãos. Ao mesmo tempo, o não

cumprimento dessas funções, adequadamente, pode gerar a violência que se

manifesta nas agressões verbais e físicas. Assim, a família passa a ser o local onde

também ocorre a violência, em conseqüência da insatisfação de seus membros. Ao

mesmo tempo, o medo do abandono faz com que essas mulheres suportem a

violência, porque um homem em casa significa proteção contra a violência externa,

além de também poder contar com alguém que se responsabilize por elas. Por esse

motivo as mulheres se sentem numa situação de dependência, existindo uma

relação assimétrica no casamento. Porém o que se identificou na realidade foi que

as mulheres, sem ter clareza disso, têm um importante papel, através do seu

trabalho, na sobrevivência da família.

3.2 – BLOCO DOIS: A DÉCADA DE NOVENTA E O NOVO SÉCU LO

Entre as grandes transformações que ocorreram com o capitalismo, nas

últimas décadas do século vinte, destacamos as do mundo do trabalho que geram o

desemprego, a perda dos direitos, afetando a vida dos trabalhadores e dos

profissionais. Repercute na família, em sua estrutura econômica e emocional,

acirrando a violência, entre outros aspectos. Isso rebate na produção teórica do

Serviço Social. A partir da década de noventa, o trabalho aparece como um tema de

pesquisa e de produção teórica do Serviço Social. Nesse contexto, na Revista

Serviço Social e sociedade, a discussão da família é relacionada com as políticas

públicas, com o trabalho, com a questão de gênero, da violência etc. Com a

globalização também começaram a ser mais divulgadas as experiências

internacionais com programas e políticas para a família. É também na década de

noventa que o ECA é aprovado, o que rebate na Revista, em artigos sobre a relação

entre a família e a criança e o adolescente. Em seu Editorial, a Revista Serviço

Social e Sociedade nº 42, em 1993, informa que o ano de 1994 seria dedicado, pela

83

ONU, à família. Nesse número é publicado o informativo: “preparando-nos para o

Ano Internacional da Família”.

Na década de oitenta, foram publicados 08 artigos sobre família, enquanto

que apenas entre 1993 e 1995 foram publicados 09 artigos, o que mostra um grande

desenvolvimento do debate sobre família neste período.

3.2.1 – Trabalho e família

O primeiro artigo sobre família da década de noventa, de Maria das Dores

Costa e Sandra Lúcia Barbosa Cavalcanti (1990), trata da administração da

produção doméstica e reprodução da força de trabalho das famílias inseridas em um

setor informal em Natal, no Rio Grande do Norte, onde ocorreu uma pesquisa em

800 domicílios, com famílias de baixa renda. As autoras destacaram que ocorre a

produção doméstica através de atividades desenvolvidas no lar, onde se realizam

tarefas necessárias à reprodução da força de trabalho diária e geracional, além dos

serviços que os membros da família prestam uns aos outros. Quando o ganho da

família diminui, desorganiza-se a produção doméstica, acarretando a necessidade

de mais membros ingressarem no mercado de trabalho. As pessoas que participam

da produção doméstica, na pesquisa realizada, são basicamente mulheres e filhos.

Sendo que os filhos em sua maioria combinam tarefas no lar com estudo ou outras

atividades que gerem rendimentos. Também foi significativo o percentual de

mulheres com ocupações extradomésticas (emprego formal e informal). Com essa

atividade, a mulher fica sobrecarregada por uma dupla jornada de trabalho. Nessa

pesquisa observou-se que a maioria das mulheres só permanecem no trabalho por

necessidade, ou seja, ausência do marido ou complementação do orçamento

familiar. Porém identificou-se que, na maioria dos domicílios, a maior parte das

mulheres ainda permanecem cuidando de seus lares, participando os filhos do

mercado de trabalho, principalmente os maiores de 18 anos. Quando a mulher

necessita ingressar no mercado de trabalho sobra para os filhos assumirem as

tarefas domésticas.

Rosamélia Ferreira Guimarães expõe o trabalho realizado com famílias

pobres no Programa de Renda Mínima, no município de Santo André/S.P. Segundo

a autora “... a atenção direta aos grupos de famílias favorece a expressão de sua

84

vivência cotidiana, em termos de sua estrutura, colaborando para que não se sintam

marginalizadas e deslocadas face à realidade. Ao mesmo tempo, é construída com

elas uma nova concepção de família como lócus onde existem afeto, solidariedade e

responsabilidade.” (2002: 177). O trabalho com grupos possibilita a ampliação do

conhecimento do que se passa na atualidade com as famílias para facilitar a atuação

dos diversos profissionais com essa realidade.

3.2.2 – Gênero, trabalho e políticas públicas

A questão de gênero aparece vinculada ao trabalho e às políticas públicas.

Maria Luzia Clemente (1994) comentou uma pesquisa de campo em serviço

social, realizada com mulheres que migraram do nordeste brasileiro para a capital,

na década de 80. Essas mulheres, nos momentos difíceis recorreram a instituições

assistenciais como a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM e

Instituto de Assuntos da Família – IAFAM, de São Paulo. Objetivou-se com esse

estudo compreender os papéis que essas mulheres desempenhavam na dinâmica

de seu grupo familiar, e para tanto se pesquisou seus históricos de vida. Teceu

algumas considerações sobre o trabalho no nordeste, situou São Paulo no contexto

nacional, a mulher e a organização do cotidiano na dinâmica do grupo familiar,

educação dos filhos, aspectos sobre as relações familiares e as características da

família nordestina. A decisão de migrarem para São Paulo se deu em função da

busca de melhores condições de emprego e vida para as famílias. As mulheres

assumindo o papel de chefe da casa ou permanecendo ao lado do

marido/companheiro tem um dinamismo incontestável, tomando iniciativas, suprindo

assim as necessidades que surgem no seu cotidiano. Porém, quando existe um

homem na família, de forma geral, este auxilia na segurança do convívio familiar.

Maria Amália Faller Vitale chama a atenção para esta nova forma de família

apontando que foi a partir dos anos 1970 que elas passam a ter visibilidade. Informa

que as famílias monoparentais masculinas são em número menor que as femininas.

85

monoparentais, chefiadas por mulheres e pobreza aponta claramente estes

segmentos como foco de critérios para programas sociais.” (2002: 51) Complementa

que na realidade estes programas sociais dirigidos a essa demanda “...deverão

contribuir para sua autonomia e não para estigmatizá-las como sem condições de

oferecer cuidados e proteção aos seus membros.” (2002: 52) Destacou o sistema de

trocas intergeracionais, colocando o papel dos avós como anteparo diante das

fragilidades familiares e também as redes de solidariedade. Lembrou que não se

deve entender um período de tempo onde ocorre a monoparentalidade como algo

negativo.

Virginia Paes Coelho (2002) descreve uma parte da pesquisa por ela

realizada quanto às mudanças ocorridas nos padrões de conduta feminino nas

últimas décadas, estudando histórias familiares de duas gerações de segmentos

médios, e nascidas na década de 1960. Destaca o ingresso das mulheres no

mercado de trabalho como fator mais importante relacionado às transformações que

ocorreram com as famílias, porém, mesmo apresentando maior grau de instrução do

que os homens, permanecem ganhando menos. Expõe sobre a discriminação que

muitas mulheres sofrem no ambiente e relações de trabalho; além do acúmulo de

tarefas que elas têm que assumir. Destaca que a presença dos filhos é o fator que

mais interfere em relação à participação feminina no trabalho. Todavia mais

mulheres começam a ter consciência de que o trabalho é uma possibilidade

emancipadora em sua vida (realização pessoal) e que os pais começaram a

86

3.2.3 – Gênero, violência e família

No contexto do novo século, a violência é um tema que invade o cotidiano e

também demanda a reflexão teórica.

Lourdes de Maria Leilão Rocha analisa a violência contra a mulher, problema

que se encontra nas “relações assimétricas entre homens e mulheres marcadas pela

desigualdade, pela hierarquização e pela dominação.” (2001: 113) e que rebate na

família. Como mostra a autora, vivemos em uma sociedade “... estruturada por

relações de classe, de gênero, e de raça/etnia, caracterizadas pela dominação e

pela desigualdade, em que a instituição familiar constitui um dos elementos

utilizados para a reprodução e manutenção da ordem social vigente.” (2001: 114).

Nesse contexto, justiça-se o silêncio e a omissão em relação à violência contra a

mulher tendo em vista a defesa da instituição familiar.

3.2.4 – A família e a criança e o adolescente

Três textos tratam da questão da criança e do adolescente em relação à

família, tendo em vista a lei (ECA e Constituição) e o sistema judiciário. O sistema

sócio-jurídico é um tema que começa a ser debatido no início do novo século no

Serviço Social por envolver um grande número de assistentes sociais e questões

muito complexas, especialmente ligadas à família.

O artigo de Abigail Aparecida de Paiva Franco (2001) retratou uma

experiência vivenciada na cidade de Franca que substituiu a institucionalização de

crianças e adolescentes pela família de apoio e teve resultados muito significativos.

Dalva Azevedo Gueiros e Rita de Cássia Silva Oliveira (2005) tratam da

importância da convivência familiar para a criança e o adolescente. Reconhecem a

dificuldade de se garantir esse direito, previsto em lei, frente à crise econômica,

política e social por que passa o país, que gera uma série de problemas, afetando

principalmente as famílias mais pobres. A convivência familiar se difere de uma

camada social para outra, e em qualquer delas não se pode assegurar a capacidade

protetora da relação parental. O desenvolvimento dessa condição na família está

relacionado a fatores econômicos, culturais, sociais etc. Quando existem

87

deficiências, seus membros, entre eles as crianças e os adolescentes, ficam sujeitos

a maior vulnerabilidade social. Assim, a crise por que passa o país repercute

diretamente em muitas famílias que deixam de ter condições de prover os mínimos

necessários à sobrevivência de sua prole, ocasionando transtornos para a

convivência familiar. Essa deficiência no acesso a trabalho e políticas públicas

ocasiona abandono de crianças porque os próprios pais ou responsáveis se sentem

negligenciados pelo Estado, acarretando, em alguns casos, a necessidade de

entrega desses filhos para serem criados por terceiros. Trazem alguns dados da

prática de abrigamento, entre eles a informação de que, após a promulgação do

Estatuto da Criança e do Adolescente, houve o crescimento da rede de abrigos,

mesmo a lei prevendo priorizar a convivência familiar. Expõem que, na

impossibilidade de convivência dos filhos com seus pais biológicos, também existe a

possibilidade da família substituta, em lugar do abrigamento. Porém, tanto a prática

de institucionalização como a família substituta somente são viáveis quando

esgotados todos os recursos para que as famílias assumam os cuidados e educação

das crianças e adolescentes.

Abigail Aparecida de Paiva Franco (2005) escreveu outro texto sobre família

de apoio descrevendo as ações desenvolvidas ao longo da década de 1990 até o

ano de 2004, relatando assim sua experiência como assistente social. O artigo

decorreu da tese de doutorado6. Franco faz um detalhamento da ação para

implantação do programa, expondo marcos evolutivos na implementação, a busca

da consolidação da política de acolhimento, formação do aparato jurídico e

administrativo do programa, sistematização e regulamentação na esfera municipal e

judiciária, configuração do trabalho de acolhimento e fontes de financiamento. O

programa foi assumido pela Prefeitura de Franca, através da Secretaria de

Assistência Social, Juizado da Infância e Juventude e Conselho Tutelar. Concluiu

que para esse programa prossiga alcançando os resultados almejados deve

continuar contando com as famílias de apoio que concretizam o acolhimento.

Enfatizou também que o Estado só conseguirá eficiência na atenção da criança e do

adolescente através do esforço comunitário. Esse deve atender aos anseios da

população, tendo o devido amparo técnico e financeiro do Estado. Finalizou

6 A tese foi intitulada A família acolhedora na comarca de Franca, defendida em 2004, no Programade Pós-graduação em Serviço Social da UNESP/Franca sob a orientação da professora doutoraMaria Rachel Tolosa Jorge.

88

ressaltando que a família de apoio em Franca é hoje uma política pública, fruto do

esforço coletivo e da ação democrática e participativa.

3.2.5 – A família e o portador de transtorno mental

Lúcia Cristina dos Santos Rosa (2002) fez um balanço histórico da relação

família com o portador de transtorno mental. Para a autora a família sofre com a

enfermidade e ao mesmo tempo acaba sendo, muitas vezes, culpabilizada pelas

causas da doença. Retorna a história desde o nascimento da psiquiatria para que os

leitores possam entender o que ocorre na contemporaneidade na área. Relata que

foi a partir dos anos de 1980, depois da reforma psiquiátrica, que o tema família na

área de saúde mental passou a ter maior visibilidade.

3.2.6 – As políticas públicas para a família

Em 1991 a Revista publicou um artigo onde outra autora expôs que acredita

no planejamento familiar. Relatando sua experiência Rosi Maria Sinja expõe o

trabalho desenvolvido com funcionários (as) de uma empresa e seus familiares,

onde a maioria das famílias conta com número de filhos acima de 4 e com renda

familiar mensal em torno de 2 salários mínimos. A equipe que desenvolveu o projeto

foi composta por assistente social, médicos e técnicos de medicina do trabalho. A

assistente social ficou responsável pela atuação com as mulheres. A campanha

atingiu 260 domicílios. Primeiramente atuou-se na prevenção de várias doenças,

entre elas o câncer. Posteriormente prosseguiu-se com a implantação do programa

de planejamento familiar, com reuniões, onde foram tratados os temas: câncer de

mama, doenças sexualmente transmissíveis, AIDS, hipertensão, verminoses,

vacinação etc. Rosi concluiu que pode sim haver um trabalho de planejamento

familiar que obtenha resultados satisfatórios, desde que desenvolvido por pessoas

89

sérias e compromissadas e sem a interferência de órgãos governamentais que

tenham outros interesses.

90

Maria do Carmo Brant (1993) lembra que a proteção e a promoção das

famílias ficaram esquecidas por muito tempo, chegando-se a minimizar o seu papel

social. O Estado acreditou que poderia garantir a reprodução, proteção e

socialização dos membros das famílias. O indivíduo foi eleito politicamente como

foco de atenção das políticas públicas. O trabalho com famílias passou a ser

periférico e, na maioria das vezes, como uma prática conservadora e disciplinadora.

Assim, quando se atuava com família, ela não era o alvo, mas a mulher, a criança, o

idoso, o deficiente, o negro e outros. Na contemporaneidade, com o descaso do

Estado com as políticas sociais, ressurgiram a família e a comunidade. A família,

como unidade econômica e como direito da criança. A comunidade, como

possibilidade de o Estado partilhar responsabilidades. Na atualidade a sociedade-

providência brasileira é a base de proteção da família. É nela que as camadas

populares se organizam para resistir e encontrar soluções para continuar

sobrevivendo frente às carências e pobreza. Também é nela que se organizam

redes não-governamentais de verdadeira solidariedade para auxiliar nos momentos

de crise. Essa sociedade providência é composta por: solidariedade parental e

conterrânea (parentes, vizinhos, compadres, como suportes nas situações difíceis),

solidariedade apadrinhada (onde um ou mais membros da família mantêm laços

próximos com as classes média e alta assegurando um canal de doação de roupas,

remédios etc.), a solidariedade missionária (as várias igrejas através de seus

programas pastorais, representam suporte espiritual, emocional, afetivo e material).

A autora alertou para a necessidade de repensar as ações cotidianas destinadas às

famílias, atentando em que situações elas vivem e quais suas reais necessidades.

Romeu Kazumi Sassaki (1993) expôs que 1994 foi proclamado pela

Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano

Internacional da Família (AIF). Para tanto, haveria necessidade da junção de todos

os setores da sociedade, envolvidos com essa questão, para organização dos

preparativos das atividades a serem desenvolvidas nesse ano. Romeu propôs no

informativo ações imediatas e inadiáveis a serem tomadas, explicou o que significa o

emblema AIF, o tema, os objetivos e os princípios do AIF e sugeriu propostas para

1993 e 1994.

Adolfo Ignácio Calderón e Rosamélia Ferreira Guimarães (1994) destacaram

que em 1994 estava sendo comemorado o Ano Internacional da Família e que a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a Campanha da

91

Fraternidade com o tema: “A família como vai?” Os debates ocorridos nesse período

foram em relação à importância da família como espaço de desenvolvimento e

socialização dos cidadãos e da falta de programas sociais voltados para essa

demanda. Também foi salientada a dificuldade de os trabalhadores sociais atuarem

com famílias diferentes do modelo da nuclear burguesa. Expuseram sobre o modelo

de família da linha teórica do funcional estruturalismo, dos novos arranjos familiares

que existem na atualidade, na família ideal tão sonhada e outros (informações já

constantes nos capítulos anteriores). Concluíram que muitos trabalhadores sociais

não têm conseguido vislumbrar as mudanças que vêm ocorrendo nas estruturas das

famílias ocasionando dificuldades para o trabalho cotidiano com elas.

Potyara A P. Pereira (1995) descreveu as mudanças ocorridas nas estruturas

das famílias brasileiras, entre elas: queda da taxa de fecundidade, diminuição do

número de casamentos e aumento das separações, alteração na composição da

unidade familiar (novos arranjos), aumento do número de famílias monoparentais, ou

seja, chefiadas por um só dos cônjuges, e de forma geral chefiada por mulheres

viúvas, descasadas ou solteiras. Destacou, que na atualidade, não é mais

concebível compreender somente a família como o modelo nuclear composto por

pai, mãe e filhos, que existia há 50 anos. Também não se devem entender essas

mudanças ocorridas nas estruturas das famílias como tendências negativas, ou

sintomas de crise. As transformações que vêm ocorrendo com as famílias são

conseqüências das transformações econômicas, políticas e culturais do Brasil.

Também todas essas mudanças têm atingido e modificado os tradicionais

mecanismos de solidariedade familiar. Para a autora o Estado deve continuar

proporcionando políticas públicas, mas que atendam realmente a necessidade das

famílias brasileiras.

Regina Célia Tamaso Mioto (1997) expõe sua preocupação quanto à relação

teoria/prática colocando que existem poucas reflexões teóricas do serviço social na

temática família, comparado ao que a categoria poderia contribuir uma vez que

mantém contato direto com essa demanda cotidianamente. Informa alguns dados da

Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio – IBGE realizada em 1994 quanto às

características da população brasileira para explicar as causas das mudanças

ocorridas na configuração da família. Finaliza o artigo expondo que no espaço

institucional a família não é atendida de forma integral, mas sim cada indivíduo

92

separadamente. Na realidade a família necessita de atendimento como um todo e

não apenas um membro dela que necessita de atenção, como se cada problema

não fizesse parte da mesma estrutura. Então os problemas identificados nas famílias

devem ser analisados dentro de uma perspectiva de totalidade e fazendo parte de

um processo de contínuas mudanças.

Dalva Azevedo Gueiros (2002) coloca sua preocupação quanto à ausência de

políticas de proteção social voltadas às famílias brasileiras. Observa que o Estado

vem se retraindo nesse campo e a família passou a ser vista como alternativa para o

enfrentamento de determinados problemas sociais. Fez breve histórico da família, do

processo de modernização em que ela está inserida, expôs questões atuais da

família e finaliza o artigo enfatizando a necessidade de investimento público em

políticas que assegurem efetivamente proteção social.

Regina Maria Giffoni Marsiglia (2002) apontou algumas características

econômicas e sociais identificadas em famílias atendidas pelo Programa de Saúde

da Família em São Paulo. Esclareceu que esse programa ganhou importância pelo

Ministério da Saúde, principalmente a partir da segunda metade de 1990. Porém,

somente conseguem atender famílias de uma área delimitada por grupos que vivem

em piores condições de vida. Refletiu sobre as estratégias buscadas pelas famílias

de baixa renda para enfrentar os problemas cotidianos numa metrópole. Esclareceu

onde vivem essas pessoas, suas estrutura e composição, relações familiares, nível

social, sociabilidade, problemas de saúde enfrentados e informou que, quanto à

saúde, houve uma ampliação das responsabilidades do Estado. Enfatizou a

necessidade de capacitação dos recursos humanos que atuam na área para que

consigam entender as transformações que ocorreram com as famílias para buscar

os instrumentos necessários para atuação com essa demanda.

De modo geral, todos os textos atenderam aos critérios 1 e 2, ou seja,

consideraram, com diferentes graus de aprofundamento, as transformações que

ocorreram com as famílias na história e situaram a família em um contexto mais

amplo, com uma visão crítica, mas com diferentes abordagens.

93

3.3 – As concepções sobre a família

Os textos de análise teórica sobre a família das décadas de setenta e oitenta

situam a família em uma perspectiva marxista e apresentam o funcionalismo como

oposição a essa forma de pensar.

Seno Antonio Cornely afirma que existem duas fontes para a análise da

família: a funcionalista, de corte positivista que entende a família como:

“...a célula básica da sociedade, (...) universo fechado e estático, de relações

intrafamiliares, que se esgotam em si mesmas.” e a marxista que a entende como

“... instância de mediação entre a sociedade global e os indivíduos, (...) variável

intermédia nos processos de transformação social.” (1987:6-7)

Maria Lúcia Martineli e Norberto Alayon abordaram concepções de família

extraídas do Seminário Latino-Americano realizado em Porto Alegre/RS no período

de 11 a 15 de maio de 1986:

“ – A família é uma unidade em movimento, em construção, é o lócus

privilegiado do processo de transformação;

- A família é uma instância de mediação para o processo de transformação

social, é o agente sócio-político de tal processo;

- A família é uma unidade de produção e reprodução, é o agente de mudança

social.” (1986: 148)

Dos textos que a partir da década de noventa, situam teoricamente

concepções sobre a família destacamos:

Regina Célia Tomaso Miotto considera que a família é uma:

“... instituição historicamente condicionada...” e como parte da sociedade

expressa as suas contradições (...) se constitui no decorrer de sua vida ou em

momentos dela, tanto num espaço de felicidade, como num espaço de infelicidade.”

(1997:117).

94

Maria Amália Faller Vitale em seu artigo conceitua:

“...os lares monoparentais são aqueles em que vivem um único progenitor

com os filhos que não são adultos.” (2002: 46)

Dalva Azevedo Gueiros e Rita de Cássia Silva Oliveira entendem família

como:

“...uma construção histórica e sociocultural....” (2005: 118)

Em cima dessas concepções podemos perceber que já na década de 1980

95

CONCLUSÃO

Este trabalho pretendeu proporcionar uma pequena contribuição aos

profissionais da área social, quanto a entender as transformações que ocorreram

com as famílias, segundo as contribuições teóricas dos assistentes sociais

brasileiros, e ao mesmo tempo refletir se elas estão preparadas para assumirem as

responsabilidades propostas na política social reinante, na contemporaneidade.

Um dos maiores desafios para os profissionais comprometidos com a

população usuária é compreender a realidade em sua dinâmica histórica, para

construir propostas de trabalho capazes de efetivar os direitos do cidadão.

Nosso estudo possibilitou identificar a variedade de experiências familiares

que ocorreram, apresentando, assim, um inesgotável modo de compreender

famílias.

A pesquisa demonstrou que o fato de os assistentes sociais terem a família

como objeto de intervenção, ao longo da história da profissão, não lhes proporcionou

uma ampla discussão teórica, pelo menos na revista da sua categoria profissional,

porém acreditamos que isto ocorreu porque por muitos anos as políticas sociais

foram setoriais (crianças, mulheres, deficientes, idosos, negros e outros) e não

focalizadas para a família de forma global.

As transformações ocorridas, em especial ao longo da segunda metade do

último século, têm redefinido progressivamente os laços familiares. Essas alterações

verificadas nas estruturas das famílias são decorrência de mudanças na economia,

nos processos de trabalho e nas relações sociais. Estão relacionadas às

transformações mais amplas, desencadeadas pela dinâmica global das forças

produtivas e das relações de produção que governam as formações sociais.

O Estado vem deixando de cumprir muitas de suas responsabilidades, com a

ausência de políticas públicas consistentes ante questões sociais que se expressam

no âmbito da família.

As políticas sociais brasileiras, não conseguem minimizar as desigualdades

sociais e também não oferecem proteção social suficiente para atender todos

aqueles que dela necessitam.

96

A família tem sido chamada a assumir as seqüelas da questão social por

causa da crise financeira por que vem passando o regime de proteção social

brasileiro.

Espera-se assim, das famílias, respostas para as graves situações vividas

pelos indivíduos que dela fazem parte. A transferência de responsabilidades do

Estado para as famílias implica uma sobrecarga, principalmente para as mulheres.

Na realidade, as solidariedades familiares nunca acabaram, e apenas na

atualidade, estão sendo valorizadas para suprirem a crise de proteção social do

Estado. Esse é um fator preocupante uma vez que essa forma de proteção pode

acentuar as desigualdades, em vez de compensá-las.

Muitas vezes atuamos com famílias desconhecendo as mudanças que se

processaram na sociedade. Elas foram obrigadas a se modificar como estratégia de

sobrevivência.

Antes do profissional atribuir à família a responsabilidade quase exclusiva do

futuro de seus membros, ele deve analisar as alterações que ocorreram na

organização e dinâmica familiar, as quais atingem e modificam os mecanismos de

solidariedade, e também a grave crise econômica do país, expressa no desemprego

crescente, rebaixamento dos salários, precarização das condições e relações de

trabalho, desregulamentação de direitos sociais que interferem diretamente no

ambiente familiar.

Ao se pensar na família, na atualidade, temos que considerar as

transformações que estão ocorrendo em nossa sociedade que afetam a dinâmica

familiar como um todo e, de forma particular cada família conforme sua composição,

história e pertencimento social.

A dinâmica relacional estabelecida em cada família é construída a partir de

sua história e de negociações cotidianas que ocorrem internamente entre seus

membros e externamente com o meio social. Elas vivem no seu cotidiano o que foi

possível construir no seu processo de vida, levando em conta seus valores, suas

carências emocionais, sociais e econômicas.

No nosso cotidiano profissional, freqüentemente deparamos com situações

que nos levam a pensar nos recursos disponibilizados pelas políticas sociais, através

do Estado, em prol das famílias.

97

Temos clareza da necessidade de ampliação dos recursos por parte do

Estado para implementação de políticas públicas de caráter universalista que

assegurem proteção social. Essas políticas devem possibilitar também a autonomia

das famílias.

98

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