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D.E.L.T.A., Vol.10,N"2, 1994 (329-338) PESQLIISAINTERPRETATIVISTA EM LINGúSTICA APLICADA: A LINGUAGEM COMO CONDIçÃO E SOLUçÃO(I ) Luiz Paulo da MOITA LOPES (Universidade Federal do Rio de Janeiroì ABSTMCT: In íhis ruer, the ìnterpretath,ist trdiíidt oÍ Ìeeüch in Adied Linguistics is dìscussed This is dcne through a comprison between thepositivist and the interprelativisl m&s of recu-ch on the basis of theìr ontological epistemological od metfulogical principles. Il is argued tha, since language both corditions wial realìty - ie, men constrlrct il throtrgh lmtgnge ase - and ofers the means íor its comprehension, tlg interpretativií tradition pems to be more adequate to the W oí daía one is cor{ronted vith when dow research in Applied Littguistics. Tlre interprctativist tÍúìtion is exemplifed through íhe dìscwssion oÍ two tyWS oÍ refuarch Wadigms: the ethnogrqhic atd trv introqactive pqrdigms. 0. Introdução Antes de tratar da questão da pesquisainterpreatiüsta €m Linguística Aplicada (LA), tema central deste trúalho, seria útil esclaÍecer o motivo pelo qual considero este um tópico relevanteda á,reâ, Há três motivos principais poÍ que me parcce impoÍtante disc1rt! lo. l) Cúe àqueles que frzem pesquisa em LA comiderar aspectos de natureza epistemológica da fuea.E necessário que se discuta como se dá a produção de coúecimento nestecampo,principalmente porque em uma área de investigação tão nova s discussão contribui para definir a LÀ através da anáüse das formasde investigação. Na verdade, nota-se, no Brasil, um interesse cadavez maior pela compreensão do que seja LA ie, como se produz coúecimento em LA Os tÍês encontros de LA realizados no ano de 1990 (cf Rarnião do GT de LA na V ANpOLL - I-ÌFPE, II SIMPLA na IIFRJ, e o I INPLA na PUC-Sp) trataram da questão (cf Moita l-opes, l99l); 2) Muitas das pesquisas que seproduzer4 no Brasil, sob o rótulo de LA ignoram as tradiçõesde pesquisa nas quais se insereÍn- parec€

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D.E.L.T.A., Vol. 10,N"2, 1994 (329-338)

PESQLIISA INTERPRETATIVISTA EM LINGúSTICAAPLICADA: A LINGUAGEM COMO CONDIçÃO E SOLUçÃO(I )

Luiz Paulo da MOITA LOPES (Universidade Federal do Rio deJaneiroì

ABSTMCT: In íhis ruer, the ìnterpretath,ist trdiíidt oÍ Ìeeüch inAdied Linguistics is dìscussed This is dcne through a comprisonbetween the positivist and the interprelativisl m&s of recu-ch on thebasis of theìr ontological epistemological od metfulogical

principles. Il is argued tha, since language both corditions wialrealìty - ie, men constrlrct il throtrgh lmtgnge ase - and ofers themeans íor its comprehension, tlg interpretativií tradition pems to bemore adequate to the W oí daía one is cor{ronted vith when dowresearch in Applied Littguistics. Tlre interprctativist tÍúìtion isexemplifed through íhe dìscwssion oÍ two tyWS oÍ refuarch Wadigms:the ethnogrqhic atd trv introqactive pqrdigms.

0. Introdução

Antes de tratar da questão da pesquisa interpreatiüsta €mLinguística Aplicada (LA), tema central deste trúalho, seria útilesclaÍecer o motivo pelo qual considero este um tópico relevante daá,reâ, Há três motivos principais poÍ que me parcce impoÍtante disc1rt!lo.

l) Cúe àqueles que frzem pesquisa em LA comiderar aspectos denatureza epistemológica da fuea. E necessário que se discuta como se dáa produção de coúecimento neste campo, principalmente porque emuma área de investigação tão nova s discussão contribui para definir aLÀ através da anáüse das formas de investigação. Na verdade, nota-se,no Brasil, um interesse cada vez maior pela compreensão do que sejaLA ie, como se produz coúecimento em LA Os tÍês encontros de LArealizados no ano de 1990 (cf Rarnião do GT de LA na V ANpOLL -I-ÌFPE, II SIMPLA na IIFRJ, e o I INPLA na PUC-Sp) trataram daquestão (cf Moita l-opes, l99l);

2) Muitas das pesquisas que se produzer4 no Brasil, sob o rótulode LA ignoram as tradições de pesquisa nas quais se insereÍn- parec€

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essencial que, como pesquisadores e formadores de pesquisadores emLd possamos refletir sobre as formas de produzir coúecimento emnosso campo. A constituição de um corpo de metacoúecimento sobreuma área de investigação é extremaÍnente importante para o seudesenvolümento;

3) Há ainda em Ld e não so no Brasil e não ú em LÂ ie, úas C.Sociais como um todo, uma forte tradição de pesquisa de basepositiüsta que parece ou ignorar ou ÍejeitaÍ outÍas formas de produzircoúecimento. Como exemplo, basta examinarem-s€ os câtálogos do IXe do X Congresso Internacional de LA (AÍr A-90 e 93), onde se not4claramente, em Ld uma prepondefancia de pesquisa de naturezapositivista. Na verdade, os metodos quanútuivos, nas C. Sociais, têmum status privilegiado e, geralmentg úo são questionados. Htá,contudo, formas inovadoras de invesügação ern LÂ que, fazendo partede uma tradigão epistemológica diferentq podern ser rweladoras decoúecimento, que não está ao a.lcance da tradição positivistl, deúdo ase basearern ern princípios diferotes.

Essa tradiçõo inovadora é o que se convencionou chamar depesquisa interpretatiüsta, de que trata o cerne deste tÍabalho. PaÍaconsiderar a questão, vou fazer uma breve comparação entÍe as basesgerais em que se assentam a tradição positiústa e a interpretatiústa doponto de vista ontológico, epistemológico e metodológico (dHitchcock& Hughes, 1989). para a seguir, conc€ÍÌtÍaÍ-me na pesqúsainterpretatiüsta" através da exemplificação de dois tipos de pesquisadentro desta tÍadição: a etnogÍáfica e a infosp€ctiv8" que já contamcom alguns trúalhos representativos no Brasil.

Conforme Ochsner (1979: 70-71) apont4 estas duas tradi@sremontiìm a um debate filosofico antigo, que tem sua.s bases naantiguidadg ie, a úsão monotética e a hermenêutica de peÍÌsaÍ o mundo.O debate assenta em concepções diferent€s sobre a existência do mundosocial independentemerte do homen\ ie, do coúecimento que teÍnos domundo. Nas C. Sociais, como já disse acim4 provavelmente deüdo àcrença de que o fazer científico se dweÍia PautaÍ pelos mesmosprincípios que oriedam as C. Naturais, há uma grande preferência pelaposição positiüst4 considerad4 mútas vezes, a maneira legítima deproduzir ciência. Em outras palawas, o saber científico é o saberoriundo da tradição positiúst4 que teÍ4 eÍn mútos gmpos depesqúsadoreg o monopólio sobre a chamada verdade cienúfic4 o que

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quer que isso seja. Deste ponto de üst4 o mundo social existirir-ind€pend€ntemente do homem.

Todaü4 aqueles que defendem a posição interpretatiüsta como amaneira mais adequada de produzir coúecimento nas C. Sociaisargumentam que a natureza do objeto de investigação das C. Sociais etão diversa do das C. Naturais, que não se justifica a utilização de meiose procedimeÍúos das C, Naturais nas C. Sociais. A natureza do mundosocial é de tal ordem que é necessário que se desanbram meiosadequados à produção científica nas C. Sociais (sendo est4 no meuentender, uma das tareÈs da LA). O que é específico, no mundo social,é o fato de os significados que o caracteÍizam serem constnídos pelohomenq que interpÍeta e re-interpreta o mundo a sua volt4 fazendo,assir4 com que não haja uma realidade únic4 mas várias realidades.

A utilização da linguagem pelo homenq portanto. tomainadequado o uso dos mesmos procedimentos das C. Naturais nas C.Sociais, pois o objeto de investigação das C. Sociais faz uso dalinguagem : n.-.difer€nteÍnente dos fenômenos fisicos, os atores sociaisatribuem significados a si mesmos, aos outros e aos contextos sociaisem que üvem ' (Hughes, 1990: 96). A linguagem possibilita aconstrução do mundo social e é a condição para que ele exista: ' osignificado não é o resultado da intenção indiúdual mas deinteligibilidade inter-indiüduâI. Em outras palawas, o significado econstruído socialmeÍrte ..." (Aronowitz & Groux, l99l:93). Assim, ainvestigação nas C. Sociais tem que daÍ mnta da pluralidade de vozesem ação no mundo social e considerar que isso envolve quesiõesrelaüvas a poder, ideologi4 história e subjetividade. Na posiçãointerpretâtiüst4 não é possível ignorar a úsão dos paÍticipantes domundo social caso se pretenda investigá-lo, já que é esta que odetermina: o mundo social é tomado como existindo na dependência dohomem. Tais serian\ então, as concepções ontológicas sobre a naturezado mundo social, em que se baseiam as duas tradi@es de pes(uisa.

A concepção da forma de produzir coúecimento que subjaz aestas duas tradições tambeÍn é diferente, Na positiústa so a experiênciapessoal atÍavés da obsewação direta do fato a ser estudado e possivel,enquanto que, na interpretatiüst4 o acesso ao fato deve ser feito deforma indireta através da interpretaçào dos vários significados que oconstitu€Ín.

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Tais concepções determinam procedimentos metodológicosespecificos que úsam a captar aspectos diferentes do fato sociatconsiderados como relevantes em cada uma das tradições. Na üsãopositiüst4 as variáveis do mundo social são passívds de padronização,podendo, portanto, ser tratadas estatisticaÍnente para geÍaÍgeneralizações. Já na úsão interpretatiúst4 os multiplos signìficadosque constituem as realidades so sâo passiveis de interpretação. E o frtorqualitativo, ie, o paÍicular, que interessa Para se frlar de generalizaçãoé necessário que esta seja entendida de forma diferente, já que nãoprocede de urna causa observável. E uma generalização construidaintersubjetivamente, que privilegia a especifdade, o contingente e oparticular. Acredita-se que é impossível controlar as variáveis, para usarum termo positiústa, que caÍacteÍiam o homem / o mundo social demodo que s€ possa demonstraÍ a causa de um fato observado. Na üsãopositiüst4 a realidade é passível de ser reduzida a uma caus4 que setorna observável através da padronização da realidade em expeÍimentos-Na üsão interpretaliúst4 a padronização é üsta corno responsável poruma realidade distorcidg ig construída pelos pÍóprios procedimeÍrtos deinvestigação, que trazem à ton4 poÍtanto, resultados de investigÂçâoque absolutamente não interessam por não câptarem a muhiplicidade designificados que o homem atribui ao mundo social ao constituilo. Napositiúst4 o elemento objetiüdade a qualquer proço é o que interessaiq os frtos sociais resistem a nossa vontade (cf Hughes, 1990:24).enquanto qug na üsão interpretatiüsta" o único preço a pagar é asubjetividade, ou melhot a intersrbjetiüdade, os significados que oshomens. ao inreragirem uns com os outÍos, conslroeÍL destroern ereconstroem. E é justamente a intersubjetiúdade que possibilitachegarmos mais próximo da realidade que é consituída pelos atoressociais - ao contrapormos os significados construídos pelosparticipantes do mundo social. O foco é, entiio, colocado eÍn aspectosprocessuais do mundo social em vez do foco em um produtopadronizado.

À apresentação feita acim4 subjaz uma clara preferência pelainvestigação de natuÍeza interpÍetatiúst4 que me parece mais adequadapara tratar dos fatos com que o linguisa aplicado se depar4 além de sermais enriquecedora por permitir revelar coúecimentos de naturezadiferente deúdo ao san enfoque inovador. Além disso, tendo tÍabalhâdocom a veÍtente positiüsta ern pesqúsas anteriores (como mútospesquisadores em Ld miúa iniciação em pesqúsa foi feita com base noparadigma positiústa), pude daectar cnmo a interpretaçõo de dados de

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natureza quantitativa fica coÍÌpletsmeflte aÍbitrária ou especulaüva sedados de natureza subjetiva e qualitativa forem ignorados (cf MoitaLopes, 1990b). Contudo, parece-me essencial aqui que dois pontosfiquem claros para o pesqúsador ern LA: a) as implicações ontológicase epistemológicas de suas escolhas metodológicas de investigação,sendo que estas muitas vezes dependem de fatores pragrnáticos taiscomo tempo e financiamento disponíveis para concluir um doutorado,por o<emplo; e b) o fato de que o paradigma posiúústa não tem nenhummonopólio sobre a verdade científicl, ernbora haja marcado de tal modoa produção científica nas C- Sociais çe é impossível ignoráJo (cfHughes, !990). Ou s€ja este fabalho dwe ser entendido, na verdade,como uma problernatização sobÍe a rutoÍidade intelectual da prodrrçãocientífic4 qug como diz Kuhn (1970), vincula-se tâmbem a processosde p€Í$.nsilo e propàganda.

O necessário é çe o pesquisador tenha metacoúecimento sobre osa.r processo de investigação e quq como Giorgi (1985) indic4 ubmaasra pesquisa a três criterios paÍa caÍact€Íiála como científica. AssiÍÍL ainvestiga@o tem que ser: a) metódica (os procedimentos deinvestigação têm que estaÍ claros); b) sisteÍrxíúca (o conhecimertoproduzido deve ser inter-rdacionado, ou sej4 a investigação de umadeterminada questiio não pode ignorar outras); c) criücada pelo própricpesquisador e oferecida à critica dos pares na comunidade científica, E acrítica do tÍabâlho de pesqúso qug ém última análisq pode anular ospreconceitos idiossincníticos de cada pesqúsador.

Assirq a linguagem e, ao mesmo tempo, a determinante central dofuto social, como visto acim4 e o meio de se teÍ acesso a sracompreensão atraves da mnsideração de várias stújetiüdâdes/interpreta@ dos paÍticipantes do contexto social sob investigação e deoutros pesquisadores. RepreseÍúa-se, portanto, a operação cientificacomo sendo intrinsecamente $bjetiva, já que é entendida como ummodo partiorlar de organizar a experiàcia humana por. meio dodiscurso, sendo, portanto, uma construção social. A submissão à criticada comunidade científic4 poú4 implica a questõo de que um gnrpo depesquisadores, devido à tradição de pesquisa sob a qual trabalha podeconsideraÍ um tipo de investigação inaceiúvel. Isto tenderá a ocorreÍem relação ao paradigma interpretúiúst4 üsto que o outro e,tradicionalmente, recoúecido como científico. Neste caso, pareoe-meque so restará ao pesquisador a argumentação apresentada aqú: alinguagem é, novamente, o camiúo para solucionar o impasse.

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Tendo considerado, acim4 o porquê da pesquisa interpretatiúst4passo agoÍa a trataÍ do como. Para ilustr.:rr as formas de hzer pesquisade base interpretatiústa, primeiramente, apresentaÍei alguns tÍaçoscaracterísticos da p€sqúsa etnogÍífica (que consider4 primordialmante,aspectos sociais) e, a seguir, da pesquisa introspectiva (que e,ess€ncialmerúe, de nÍureza psicológica) (2).

A pesquisa etnogÍáfca origina-se na sociologia e na antropologia efocaliza o conto(o social da perspectiva dos participantes, Isto é, emvez de considerar som€nte a observação do pesqúsador externo, mmotradicionalmente feito em pesqúsa de base positiüstq a pesquisaetnográfica leva ern coífta que em qualquer estudo conts<tualizado eessencial que se leve em consideração a visão que os participantes(sendo o observador-paÍticipante incluído aqü) têrn do codexto e otodo do contexto social. Para Erickson (1986), a pesqúsa de baseeüográüca quer responder a quatro questões: l) o que estáacont@endo no cont€rco sob investigação?; 2) como os ev€ntos estiioorganizados?; 3) o que significam para os paÍticipaÍtes?; e 4) comopodem ser comparados a oufios em contsdos diferemes?. Em ultinraanálise, o çe o pesquisador deseja é entender os significadosconstruídos pelos participantes do contsdo social de modo a podercompreendèlo.

Em LA este paÍadigma tem sido cada vez mais usado na área depesquisa na sala de aula (cfvan Lier, 1988), focalizando o processo deensino/aprendizagern ern oposição ao foco no produto da aprendizagem- üpico de pesqúsa positiústa em sala de arla (cf Cavalcanti e MoitaI-opes, l99l). No Brasil os trabalhos de Bortoni (1991) e Moita Lop€s(1990a) podem dcmplificrÌ esta tendência (3).

Para realizar tal iwestigação, o pesquisador qu€Í int€ÍpretaÍ ossignificados construídos pelos participantes na sala de aula de línguas. Oacesso aos significados se dá através da utilização de instrumentos depesquisa tais como diários (do pesqúsador-participante, dos alunos edos professores), gravaçâo de aulas em üdeo e áudio, entreústâs,documeÍrtoq etg que apÍesentam descÍiçõêVinterpÍetações do contextoescolar. E a conjunção dos vários tipos de instrumentos que possibilita atriangulação dos dados mm base em pelo menos tÍ€s int€rpretaçõ€ssobre o que ocorran na sala de aula. A intersubjetiúdade tents dar contados significados possíveis sobre a sala de aula e é um critério paraestabelecer a validade da imerpretação por parte do pe.sqúsador.

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A outra vertente de pesquisa de base interpretatiüsta a que querome referir aqui é a chamada pesqúsa introspectiva" que assenta suallbases em psicologia cognitiv4 e que tem despeítado o inteÍess€ delingüsas aplicados. No Brasil" são os trabalhos de Cavalcanti (1989) ede Paschoal (1992), e no corÌtexto internacional, o liwo editado porFaerch & Kasper (1987) e o volume 8(4) da Íevista Text de 1988,editado por Van üjk e Wodak que podern iluttrtr esta tendência.

Esta forma de pesqúsa tern sido usada para investigar ospÍocessos que zubjazem à compreen$o e à produção lingiística e osprocessos de ensino/aprendizagern lingüstica. Devido ao fato de estesprocessos não serem passíveis de observação diÍet4 tem-seaÍgumentado que uma maneira de se teÍ acesso a eles é atraves do usoda técrÌica de pÍotocolo veltal, originalmente desenvoMda na Teoria deResolução de Problernas, €m que se solicitava que o sjeito sobirwestigação relatasse os passos envolvidos na resolugão de uma tarefa-problema (cf Cavalcanü,1987:234} Em poucas palavras, o uso destatecnica em LA ao deslocar o foco tradicional da anáüse do produto - ,ig compreensão de um todo ou do pÍoduto de uma tradução, poro<emplo, como forma de se ter acesso ao pÍocesso da leitura ou detradução -, enfatiza o próprio processo, ao solicitar-se que leitoreJtradutores veÍbalizern - descrwam - o que está ocoÍrendo ao lerern outraduziÍem um texto.

Cohen (1987: 84) discute três tipos de dados de relatos veóaisusados por pesquisadores na área de aprendizagem de linguas: auto-relato (em que o informante fomece informação sobre o que ele pensaque faz, sem que nerúum evento especifico de aprendizagern esteja emprocesso), auto-observação (que se c€ntra em um ev€nto específico deaprendizâgem), e auto-revelação (em que o inforÍnante teÍn que deixar amente fluir quando alguma informação lingüística está sendoprocessada). De posse das descri@es/interpretações, o pesquisadorpassa a irÌterpretá-las na tentativa de compreender os pÍocessos emestudo. A técnica de triangulaçào é usada tambán como forma de darconta da intersubjetiüdade, que é típica da tÍadição interpretatiüsta.

Uma das dificuldades dos dois tipos de pesquisa relaciona-se àabundância de dados com que o pesquisador se depara na interpÍetaçãoe na diulgação de resultados, principalmente dwido aos espaçosreduzidos para a publicação. A questão da interpretação pode serresolúda através de uma tática de aní,lise de dados oue orimeiramente

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trabalha com base na procura das regularidades que suÍgem nos dados(padrões de unidades de significados) e que possibilitam a formação deum arquivo de dados, relacionados à(s) questão(ões) sob análise, quepodem ser então novamente re-inte4netados a partir do confronto comdados provenientes de outros instrumentos ou de novas invesigações.Já quanto ao problema da diwlgção, resta ao pesqúsadoÍ usaÍ suacapacidade de fazer julgamentos sobre os dados e escolher aqueles quemelhor ilustrem sua interpretação, estando claÍo, portanto, que os dadosrefletem sua intcrprctrçio, e que a sua totalidsde deve estaÍ disponivelpaÍa outÍos pesquisadores-int€rpretadores, como forma de oferecer seutrúalho à crítica (4).

Para finalizar, gostaria dg citando lfughes ( I 990: I 52), indicar quee provável que : ' A procura pelo coúecimento úsoluto e certo dewser abandonada e substituida por uma seÍie infinita de hterpretações domundo", que estão politica e historicamente situadss. Esta talvez sejaum modo de fazer ciêrcia mais adequado aos dados com que nosdeparamos em LA ou de dar conta do fato de que a linguagern q aomesmo tempo, condição para a co struçõo do mundo social e caminhopara encontrâr soluções para compreendê-lo.

Recebido em 03/M/92l Aceito em t2l03/93)

NOTAS

t. Esto tr8balho s€ tqnou possível gra&s a uma bolsa de pesquisa do CNPq(300194-86/2) e a uln auxilio da FUJB (3825-3). Agradeço à Silvia BradãoCJFRJ) pclas zugÊstõ€s feitas I uma prineira v€Ísão dÊstê u'sbalho-

2. Gostaria de enfatizar que lì{i difercntrs n€todologias de pesquisa do Dabrezaint€Ípr€tativista €Ín uso na rárea dc LA (cf Cavalcanti & Moita Lopes, l99l-por exonplo. para outros tipos). O que s€ apÍEscnta aqui e soÌn€Ít€ urnarlustração.

3. E preciso salienur que as pesquisas exerrplificadas deste tr'abalho nâoÍeflelEm, !Ìec€ssõiamente, ín toto a visão de pesçisa inierpftÍativistaaprcsentada acima, sobretudo no que se ÍcfeÍe ao fato de o ato de p€squisar tç.sido descrito aqú como inserido histqiça c politicameúte. Ressalve-sc.tsmbérq que há outros pesquisadores no Brasil úabalhaìdo com ebrografia eintoepecção: o que se ofereç é uma peqrna ocnpüficaçâo-

4. Frcderiçk Ericksor! um dos grmdes p€squisadores a faar uso de eEografia-e|n ÍEceúe counicçâo p€ssosl, argm€ntou que o uìo & estatísticadescritiva pods ajrdar a esclarecer a qumtidade d€ dados pÌ€s€ntcs no coÍpus,

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Íef€í€nbs a uma qu€stão em €studo, que permite uma inúerpr€taçãodeteÍmin8da.

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