Morfologia do intestino delgado de capivara - Hydrochoerus ...

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122 Braz. J. vet. Res. anim. Sci., São Paulo, v. 45, n. 2, p. 122-130, 2008 Morfologia do intestino delgado de capivara - Hydrochoerus hydrochaeris (Linnaeus, 1766) 1 - Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário de Rio Preto, São José do Rio Preto-SP 2 - Curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista, Araçatuba- SP 3 - Curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá-MT Noedi Leoni de FREITAS 1 Moisés Calvo de PAULA 1 Sílvia Helena Venturoli PERRI 2 Rosa Helena dos Santos FERRAZ 3 Correspondência para: Rosa Helena dos Santos Ferraz, Av Fernando Correa s/n, Cuiabá-MT, 78060-900 [email protected] Recebido para publicação em 05/07/2004 Aprovado para publicação em 20/03/2008 Resumo O alto potencial zootécnico para a exploração da capivara implica no aporte de informações sobre a morfofisiologia do trato digestório para adequada implementação do manejo nutricional. O intestino delgado foi investigado em seus aspectos macro e microscópico e as correlações entre os comprimentos dele e do corpo foram averiguados. Os valores absolutos, mínimo e máximo foram, respectivamente, para fêmeas e machos de 441 cm e 1734 cm e de 355 cm e 1123 cm, dimensões intestinais que alocaram a espécie entre as do canino e do suíno. A correlação entre comprimento corpóreo e intestinal revelou que o comprimento do intestino delgado corresponde a aproximadamente 12 vezes o comprimento corpóreo do animal, não havendo diferenças significativas quanto ao sexo. Cada segmento do intestino não mostrou diferenças estatisticamente significativa entre os sexos. A correlação entre o comprimento desses segmentos e o comprimento corpóreo foi positiva e estatisticamente significativa somente para o duodeno. O intestino delgado era formado pela mucosa, submucosa, muscular e serosa. A mucosa possuía glândulas intestinais e duodenais, respectivamente, do tipo serosa e mucosa. A lâmina muscular da mucosa era composta por duas camadas bastante evidentes no jejuno e no íleo, e delgada e única, no duodeno. A submucosa de tecido conjuntivo moderadamente denso não apresentava glândulas. Os feixes de fibras da camada interna da túnica muscular estavam dispostos de forma helicoidal. Macroscopicamente, o intestino delgado na capivara assemelhou-se ao dos caninos e suínos, embora microscopicamente sutis diferenças puderam ser identificadas na tela submucosa e muscular interna. Palavras-chave: Macroscopia. Microscopia óptica. Comprimento. Roedor. Introdução Desde os primórdios da civilização a fauna silvestre tem sido explorada pela espécie humana, como fonte de proteína na sua alimentação. Atualmente mecanismos legais viabilizam aos interessados, a implantação de criadouros de espécies da nossa fauna para fins comerciais, o que implica em uma demanda crescente de informações nas mais variadas áreas do conhecimento. Dentre as várias espécies com potencial para uso sustentável destaca-se a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris). Além de ser o maior roedor silvestre 1 , com 1,3 m de comprimento; 0,5 m de altura e 50 kg 2 , formam grandes rebanhos e apresentam expressivo valor econômico, como animal produtor de carne, couro e óleo 3 . Como outros roedores, estes animais são bons reprodutores, o que os torna bastante adequados à produção de diferentes produtos 3 . Segundo Nogueira 4 , as capivaras podem ser criadas com volumoso de baixo

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Morfologia do intestino delgado de capivara -

Hydrochoerus hydrochaeris (Linnaeus, 1766)

1 - Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário de Rio Preto, São Josédo Rio Preto-SP2 - Curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista, Araçatuba-SP3 - Curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Agronomia e MedicinaVeterinária da Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá-MT

Noedi Leoni de FREITAS1

Moisés Calvo de PAULA1

Sílvia Helena VenturoliPERRI2

Rosa Helena dos SantosFERRAZ3

Correspondência para:Rosa Helena dos Santos Ferraz, Av FernandoCorrea s/n, Cuiabá-MT, [email protected]

Recebido para publicação em 05/07/2004Aprovado para publicação em 20/03/2008

Resumo

O alto potencial zootécnico para a exploração da capivara implica noaporte de informações sobre a morfofisiologia do trato digestóriopara adequada implementação do manejo nutricional. O intestinodelgado foi investigado em seus aspectos macro e microscópico e ascorrelações entre os comprimentos dele e do corpo foram averiguados.Os valores absolutos, mínimo e máximo foram, respectivamente,para fêmeas e machos de 441 cm e 1734 cm e de 355 cm e 1123 cm,dimensões intestinais que alocaram a espécie entre as do canino e dosuíno. A correlação entre comprimento corpóreo e intestinal revelouque o comprimento do intestino delgado corresponde aaproximadamente 12 vezes o comprimento corpóreo do animal, nãohavendo diferenças significativas quanto ao sexo. Cada segmento dointestino não mostrou diferenças estatisticamente significativa entreos sexos. A correlação entre o comprimento desses segmentos e ocomprimento corpóreo foi positiva e estatisticamente significativasomente para o duodeno. O intestino delgado era formado pelamucosa, submucosa, muscular e serosa. A mucosa possuía glândulasintestinais e duodenais, respectivamente, do tipo serosa e mucosa. Alâmina muscular da mucosa era composta por duas camadas bastanteevidentes no jejuno e no íleo, e delgada e única, no duodeno. Asubmucosa de tecido conjuntivo moderadamente denso nãoapresentava glândulas. Os feixes de fibras da camada interna da túnicamuscular estavam dispostos de forma helicoidal. Macroscopicamente,o intestino delgado na capivara assemelhou-se ao dos caninos e suínos,embora microscopicamente sutis diferenças puderam ser identificadasna tela submucosa e muscular interna.

Palavras-chave:Macroscopia.Microscopia óptica.Comprimento. Roedor.

Introdução

Desde os primórdios da civilização afauna silvestre tem sido explorada pelaespécie humana, como fonte de proteína nasua alimentação. Atualmente mecanismoslegais viabilizam aos interessados, aimplantação de criadouros de espécies danossa fauna para fins comerciais, o queimplica em uma demanda crescente deinformações nas mais variadas áreas doconhecimento. Dentre as várias espécies com

potencial para uso sustentável destaca-se acapivara (Hydrochoerus hydrochaeris). Além deser o maior roedor silvestre 1, com 1,3 m decomprimento; 0,5 m de altura e 50 kg 2,formam grandes rebanhos e apresentamexpressivo valor econômico, como animalprodutor de carne, couro e óleo 3. Comooutros roedores, estes animais são bonsreprodutores, o que os torna bastanteadequados à produção de diferentesprodutos 3. Segundo Nogueira 4, as capivaraspodem ser criadas com volumoso de baixo

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custo de produção devido a sua altacapacidade de conversão alimentar. Frentea esse alto potencial zootécnico, oconhecimento acerca de sua morfofisiologia,especialmente a do trato digestório,responsável pela conversão dos nutrientescontidos nos alimentos, é a condiçãoprimária para se subsidiar ações no processoprodutivo que garantam a eficiência domesmo. Dos segmentos do trato digestório,merece destaque os intestinos, por seremsede de grande parte dos eventosrelacionados aos processos de digestão eabsorção desses nutrientes. Do ponto devista macroscópico, relatos sobre osintestinos de animais domésticos sãoencontrados em diversos tratados deanatomia veterinária 5, 6, 7, onde se tem acesso,tanto a sua caracterização (forma, coloração,textura, topografia) quanto ao seucomprimento e relação com as dimensõescorpóreas. Especificamente em relação aointestino delgado de capivara, os aspectosmacroscópicos disponíveis na literaturatambém abordam esse parâmetro e suarelação com as dimensões corpóreas 8,9,10 nãotrazendo informações sobre sua anatomiadescritiva propriamente dita. A estrutura daparede do intestino delgado em animaisdomésticos é descrita por tratadistasclássicos como Sisson 6, Banks 11, e Dyce,Sack e Wensing 7. Em capivaras, acaracterização ao microscópio óptico, daestrutura e dos tipos celulares desse órgão édescrita nos relatos de Medina 12, que o fazde modo genérico, e de Velásquez et al. 13

e Freitas et al. 9 que particularizam asdescrições para cada segmento (duodeno,jejuno e íleo).

Sendo assim, objetivou-se caracterizaro intestino delgado e suas partes (duodeno,jejuno e íleo) pela descrição de seu aspectomacroscópico, por suas dimensões(verificando as possíveis correlações entre asvariantes: sexo, comprimento total dointestino delgado e de cada uma de suaspartes e do comprimento corpóreo) e,também, pela sua estrutura ao microscópioóptico correlacionando-a aos achadosmacroscópicos.

Material e Método

Os animais abatidos no abatedourocomercial da empresa Pró-fauna (Iguape/SP, registro IBAMA nº. 1/35/93/0848-0)eram provenientes do estado do Rio deJaneiro e criados em regime semi-extensivo.A alimentação constituía-se de pastagem(Brachiaria sp.) suplementada com milho,capim elefante, cana-de-açúcar e sal mineralutilizado para bovinos. Após o óbito,mensurou-se o comprimento corpóreo decada animal pela linha mediana dorsal, desdea base do osso occipital até a articulação entrea última vértebra sacral e a primeira caudal,com auxílio de fita métrica flexível. Na linhade inspeção, após a liberação das peçasidentificou-se 25 intestinos de capivarasadultas, sendo 11 de machos e 14 de fêmeas.O aspecto (forma, cor, textura, consistência)macroscópico do intestino delgado foiobservado a fresco e após refrigeração,seguido de documentação com câmeradigital. Para a efetivação das medidas dointestino delgado demarcaram-se comolimites entre os segmentos, a flexuraduodenojejunal, entre o duodeno e o jejunoe a extremidade cranial da prega ileocecal,entre o jejuno e o íleo. O mesoduodeno,mesentério e mesoíleo foram seccionadospara permitir o posicionamento retilíneo dointestino delgado e a verificação do seucomprimento total bem como de suaspartes. As análises estatísticas constituíram-se do Teste t, para a comparação de doisgrupos independentes (macho e fêmea) paracada uma das variáveis estudadas, e docoeficiente de correlação linear de Pearsonentre o comprimento do corpo e oscomprimentos do duodeno, jejuno, íleo etotal. O programa utilizado foi o StatisticalAnalysis System (SAS 14) e as análises foramconsideradas significativas quando pd 0,05.Para a investigação ao microscópio óptico,fragmentos de dois animais foram retiradosdos três segmentos do intestino delgado eimersos em solução fixadora de Bouindurante 6 horas. Os fragmentos foramcoletados por incisões transversais a alçaintestinal. Dessa mesma forma, foram

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incluídos para que os cortes analisadosfossem sempre secções transversais. Omaterial foi então desidratado emconcentrações crescentes de etanol, incluídoem paraplast, seccionado em cortes de cincomicrômetros de espessura e corados comhematoxilina - eosina (HE), tricrômico deMallory e submetidos à reação pelo ácidoperiódico de Schiff (PAS). A documentaçãomicroscópica constituiu-se da captação daimagem por sistema analisador de imagem.Para a padronização dos termos histológicose anatômicos foram utilizadas a Nominahistológica 15, a Terminologia Anatômica 16 e aNomina Anatomica Veterinária 17.

Resultados

Na observação das víscerasabdominais das capivaras pós-morte, ointestino delgado (Figura 1) e seus segmentos(duodeno, jejuno e íleo) foram identificadose diferenciados entre si por característicascomo forma, tamanho e localização.Apresentou-se como uma estrutura tubularlonga constituindo uma massa de diâmetro

relativamente homogênea ao redor da raizdo mesentério e nitidamente menor emcomparação ao intestino grosso. Situado logoapós o piloro, o duodeno direcionava-se àparede abdominal direita, e próxima a estarealizava uma flexura, a flexura duodenalcranial originando a parte cranial doduodeno. Este segmento estava fixadodorsalmente ao teto da cavidade abdominalpelo mesoduodeno. A parte cranial descrevetrajeto em sentido caudal constituindo oduodeno descendente que se flexionava dadireita para a esquerda (flexura duodenalcaudal), caudalmente a raiz do mesentério,formando o duodeno ascendente. Oduodeno ascendente, fixado ao cólondescendente pela prega duodenocólica,direcionava-se cranialmente e próximo aoestômago, uma acentuada flexura, aduodenojejunal marcava a transição entre oduodeno e o jejuno. As partes descendentee ascendente estavam dispostas em formade U ao redor da raiz do mesentério. Ojejuno foi o segmento mais facilmenteidentificado em virtude de seu comprimentoe pelas suas típicas circunvoluções.

Figura 1 - Imagem digital dos intestinos delgado e grosso a fresco de capivara adulta fêmea. O fígado foi retiradopara evidenciar o estômago e o duodeno. ES: estômago; D: duodeno; J: jejuno; M: mesentério I: íleo;CE: ceco; CA: cólon ascendente; CD: cólon descendente; R: reto; RI: rim; UT: corno uterino. A setademarca o limite entre jejuno e íleo

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Macroscopicamente não se observoumodificação quanto ao diâmetro na transiçãodo jejuno com o íleo; mas a palpação dessesdois segmentos mostrou uma discretadiferença na consistência de suas paredes. Omesentério, ampla prega peritonial compouco tecido adiposo e muitos vasos,sustentava do ponto de vista físico enutricional as alças jejunais. O íleo revelou-se como um segmento tubular retilíneolocalizado logo após o jejuno, sustentadopela parte final do mesentério, o mesoíleo, eabrindo-se na superfície visceral do ceco(Figura 1). A prega ileocecal conectava asuperfície visceral do ceco a margem anti-mesenterial do íleo.

O comprimento corpóreo varioupara fêmeas e machos, respectivamente, de73 cm a 98 cm e de 67 cm a 100 cm. Ocomprimento total do intestino delgado dacapivara apresentou, respectivamente,valores mínimo e máximo, para fêmeas emachos de 441 cm e 1734 cm e de 355 cme 1123 cm. Em média, a relação entre ocomprimento do intestino delgado e ocomprimento corpóreo, independente dosexo é de aproximadamente 12, ou seja, oprimeiro é 12 vezes maior que o segundo,sendo a principal contribuição dada pelojejuno. As médias obtidas a partir de valoresabsolutos revelaram para cada uma dasvariáveis, comprimento corpóreo

Figuras 2a-c - Fotomicrografias do duodeno de capivara. A estrutura (a) da parede intestinal é constituída pelamucosa (MU), submucosa (SM), muscular interna (MI), muscular externa (ME) e serosa (S). Aspregas (P) dispostas longitudinalmente são formadas pela mucosa e submucosa. Em b: observa-se oepitélio colunar simples (EP) revestindo as vilosidades intestinais (VL). Profundamente a elas nota-sea região das glândulas intestinais (GI) e duodenais (GD). No detalhe (c) observam-se as glândulasintestinais (GI) e, marcadas positivamente pela reação do PAS, as duodenais (GD) e as exocrinócitoscaliciformes (∆). (Paraplast, HE, a: 5X; b: 20X; c: PAS, 40X)

(p = 0,0230), do duodeno (p = 0,0185),jejuno (p = 0,0035), íleo (p = 0,0289) ecomprimento total do intestino delgado (p= 0,0029) diferenças estatisticamentesignificativa (p ≤ 0,05) entre fêmeas emachos, sendo os maiores valores para asfêmeas. Os valores médios, expressos emporcentagem, do comprimento doduodeno (p = 0,5048), jejuno (p = 0,3215)e íleo (p = 0,2113) em relação aocomprimento total do intestino delgado, nãoapresentaram diferenças estatisticamentesignificativa (p ≤ 0,05) entre fêmeas emachos. Somente entre o comprimento doanimal e do duodeno (p = 0,0154) houvecorrelação positiva significativa (p ≤ 0,05),ou seja, o aumento do comprimentocorpóreo será acompanhado pelo aumentono do duodeno.

Do ponto de vista microscópico, aestrutura de todos os segmentos do intestinodelgado, estava constituída por 4 camadasconcêntricas (Figura 2a), a saber: mucosa,submucosa, muscular e serosa. Dessascamadas, a mucosa e submucosaparticipavam na formação de pregasdispostas longitudinalmente (Figura 2a)observadas em secções transversais doduodeno, jejuno e íleo. A túnica mucosa eraconstituída por abundantes vilosidades(Figura 2b) cujo epitélio de revestimentocolunar simples repousava sobre discretalâmina própria. Este epitélio era formadoprincipalmente por células absortivas combordas estriadas entremeadas porexocrinócitos caliciformes. A lâmina própria

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formada por tecido conjuntivo frouxo,penetrava entre as glândulas intestinais(glândulas de Lieberkuhn) de natureza serosae também entre as glândulas duodenais(glândulas de Brunner) subjacentes(Figura 2c). Na base das glândulas intestinais,entre as suas células, encontravam-se osexocrinócitos com grânulos acidófilos(células de Paneth). No segmento proximaldo intestino delgado, a lâmina muscular damucosa, constituída por fibras musculareslisas, era tênue tornando-se mais conspícuaem sentido distal, e quando as glândulasduodenais estavam presentes, dispunham-seentre elas e a tela submucosa. Esta por suavez, estava constituída principalmente por umafaixa de tecido conjuntivo moderadamentedenso (Figura 3a) com predomínio de fibrascolágenas onde se observava a presença devasos sangüíneos e linfáticos, o plexonervoso submucoso e nódulos linfáticossolitários. A túnica muscular interna(Figura 2a), mais proeminente, estavarepresentada por uma camada de fibrasmusculares lisas dispostas de formahelicoidal, evidenciada pela disposição dosseptos de tecido conjuntivo que separava osfeixes musculares; na camada externa as fibrasestavam dispostas longitudinalmente. Entreelas notava-se, além de alguns vasossangüíneos, principalmente o plexo nervosomioentérico. A túnica serosa revestia toda asuperfície externa do órgão sendointerrompida apenas na margem mesenteriale se constituía de mesotélio apoiado emdiscreta camada de tecido conjuntivo frouxo.

Cada região possuía particularidades,sendo assim, o duodeno apresentava váriaspregas largas formadas por dobras damucosa e submucosa. Arranjada na formade evaginações da túnica mucosa, asvilosidades intestinais (Figura 2b) nessa região,apresentavam forma alongada e estreita, ouseja, digitiformes. A lâmina muscular damucosa era tênue e melhor observada emcoloração específica para fibras musculareslisas. Exocrinócitos caliciformes eramabundantes e presentes ao longo dasvilosidades intestinais, estando em maiornúmero, na região das glândulas intestinais,

e eram facilmente identificadas após a reaçãode PAS (Figura 2c). Os exocrinócitos comgrânulos acidófilos localizadas na base dasglândulas intestinais apresentavam formapiramidal com núcleo basal e secreçãoacidófila no citoplasma apical conferindo aessa região um aspecto granular. Osendocrinócitos gastrintestinais apresentavamnúcleo central e arredondado, citoplasmaclaro e grânulos acidófilos na sua parte basal.Foram identificadas principalmente na regiãodas glândulas intestinais. Essas glândulas eramdo tipo tubulosa simples e de naturezaserosa. As células secretoras apresentavamnúcleos arredondados e basófiloslocalizados em sua base e citoplasmaacidófilo com grânulos na parte apical dasmesmas. Já as glândulas duodenais estavamdispostas profundamente às glândulasintestinais formando uma faixa contínua.Essa glândula do tipo tubuloacinosaramificada apresentava células com núcleoachatado. Esses núcleos estavam deslocadospara a parte basal da célula, pelos seusprodutos de secreção de naturezaglicoprotéica; e que por também seremfracamente corados, conferem o aspectovacuolizado ao citoplasma. Na submucosa, osnódulos linfáticos solitários, apresentavam-secomo massas arredondas fortemente coradapela hematoxilina cujo centro germinativomais claro contrastava com a periferiaconstituída predominantemente de linfócitos.Em alguns pontos havia infiltraçãoeosinofílica conspícua. Os plexos nervosossubmucoso e mioentérico eram profusos. Nojejuno, a mucosa apresentava pregas evilosidades semelhantes àquelas encontradasno duodeno. A principal diferença era aausência de glândulas duodenais e a presençade uma lâmina muscular da mucosa maisexuberante, principalmente nas pregas, ondese identificavam duas camadas musculares(Figura 3b), a interna (circular) e a externa(longitudinal). Exocrinócitos caliciformeseram mais abundantes do que os doduodeno e localizavam-se na grande maioria,desde a base das vilosidades até a região dasglândulas intestinais. Estas por sua vez,formavam neste segmento, uma estreita faixa

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quando comparada ao duodeno. No íleo(Figura 4), as pregas eram mais curtas e asemelhança com o jejuno era marcante noque se referia a ausência de glândulasduodenais, a abundância de exocrinócitoscaliciformes e a presença da lâmina muscularda mucosa com duas camadas.

Discussão

Os segmentos do intestino delgadode capivara, assim como sua forma,coloração e textura mostraram-sesemelhantes ao dos animais domésticos,conforme descrito por Nickel, Schummere Seiferle 5, Sisson 6 e Dyce, Sack e Wensing7. Embora o objetivo do trabalho não tenhasido descrever a topografia e sintopia dointestino delgado in situ, verificou-se que

Figuras 3a-b - Fotomicrografias do jejuno de capivara. A submucosa (SM) é constituída principalmente por fibrascolágenas, evidenciadas por coloração especial, onde se visualizam arteríolas (•), vênulas (*) e ocapilar linfático (CL). Neste segmento do intestino delgado (b), a muscular da mucosa é evidente econstitui-se de duas camadas de músculo liso (*). (MU) mucosa. (Paraplast, Tricrômico de Gomori,a: 20X; b: 40X).

Figura 4 - Fotomicrografia do íleo de capivara. (MU)mucosa; (GI) glândulas intestinais comexocrinócitos caliciformes, (*) muscular damucosa e (SM) submucosa. (Paraplast,Tricrômico de Gomori, 20X).

quanto a sua localização, eles mantiveram opadrão morfológico relatado pelos autoresanteriormente citados e também por Freitaset al. 9.

Em relação ao comprimento dointestino delgado, os valores mínimo emáximo (441 cm e 1734 cm para fêmeas e355 cm e 1123 cm para machos) encontradosnos espécimes estudados constituíram umintervalo, no qual estavam inseridos os valoresmédios citados por Parra e Gonzáles 8 (597cm) e por Rodrigues et al. 10 (534,9 cm) eque também permitiu alocar, segundoNickel, Schummer e Seiferle 5, as dimensõesdo intestino delgado da capivara entre as docanino (180 cm - 480 cm) e do suíno (1600cm – 2100 cm). A correlação entrecomprimento intestinal e corpóreo paracaninos (5 vezes) e suínos (15 vezes),fornecida por Nickel, Schummer e Seiferle5

referia-se aos intestinos delgado e grosso, noentanto, somente o intestino delgado emcapivaras correspondeu a aproximadamente12 vezes seu comprimento corpóreodiferentemente do encontrado porRodrigues et al. 10 (5,8 vezes). Na análise dosvalores absolutos, as fêmeas apresentaramvalores maiores em relação aos machos, noentanto, os valores percentuais mostraramque não havia diferença estatisticamentesignificativa entre os sexos, isto por que, olote de animais abatidos possuía matrizes queforam descartadas durante o processoprodutivo. Já os valores médios encontrados

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nesse estudo para o comprimento do jejunoe do íleo diferiram dos de Rodrigues et al.10, embora ambos os autores tivessemutilizados os mesmos critérios paraidentificação dos segmentos acimamencionados. A falta de uma estruturaanatômica evidenciando o limite entre jejunoe íleo justifica essa diferença. Por outro lado,como o limite entre o duodeno e o jejuno émarcante, essa diferença não foi observada.Quando analisada a proporção, expressa emporcentagem, do comprimento de cadasegmento em relação ao comprimento totaldo intestino diferenças foram constatadasprincipalmente em relação ao duodeno e íleo,que corresponderam nesta pesquisa,respectivamente, a 2,45 % e 2,37 % docomprimento total do intestino delgado emcontrapartida aos 5% e 10% citados porRodrigues et al.10. Estes autores encontrarambaixa correlação entre os parâmetroscorporais e intestinais, especificamente entreo comprimento de cada segmento dointestino delgado e o comprimentocorpóreo, neste experimento, só foisignificativa e positiva para o duodeno(p ≤ 0,05), entretanto, o nível descritivo dosdemais segmentos, está muito próximo de0,05. Essa tendência do nível descritivo atornar-se significativo poderia ser verificadapelo aumento do número de amostras.

A estrutura geral do intestino delgadoda capivara, como mencionada por Medina12, Velásquez et al.13 e Freitas et al.9

assemelhou-se a encontrada nos animaisdomésticos conforme citações de Sisson 6,Banks 11 e Dyce, Sack e Wensing7. No entanto,particularidades nessas camadas e quediferiram dos relatos disponíveis para acapivara foram notadas e são discutidas aseguir. Medina12 e Velásquez et al.13

descreveram na capivara, a presença depregas circulares no duodeno. Banks11 referiua sua ausência no íleo. Nos animaispesquisados, não foi possível identificá-lasem virtude do tipo de seção durante a coletados fragmentos, no entanto, pregaslongitudinais, conforme o relato de Dyce,Sack e Wensing 7 e Freitas et al. 9 foramobservadas em todos os três segmentos do

intestino delgado, variando apenas asdimensões das mesmas entre essas regiões.A natureza frouxa do tecido conjuntivo queforma a tênue lâmina própria na capivaraera semelhante ao referido por Banks11 eVelásquez et al.13, mas diferiu da citação deMedina12 que a referiu como sendoconstituída de tecido conjuntivo denso. Alâmina muscular da mucosa, conformerelatado por Medina12 e Velásquez et al.13 eracomposta por duas camadas, bastanteevidente no jejuno e no íleo, já no duodeno,a mesma era formada por uma camadamuito delgada9 melhor identificada por meiode coloração apropriada. A natureza mucosadas glândulas intestinais citadas por Velásquezet al. 13 não foi observada neste trabalho, cujotipo celular, de natureza mucosa, encontradonessa região foi o exocrinócito caliciforme.As glândulas duodenais, segundo Medina 12

e Velásquez et al.13 estavam ausentes nasubmucosa em todos os segmentos dointestino delgado. De fato, isto foi verificadono jejuno e íleo; porém no duodeno,diferentemente do citado por Sisson6,Banks11 e Dyce, Sack e Wensing7 as glândulasduodenais apresentavam-se entre as glândulasintestinais e a discreta lâmina muscular damucosa fazendo, portanto, parte da túnicamucosa, se considerar a mesma como olimite entre mucosa e submucosa. Quandopresentes, as glândulas duodenaisapresentaram natureza mucosa semelhanteas dos ruminantes e caninos, conformerelatado por Banks11. Em acordo com osautores anteriormente mencionados notou-se a ramificação de vasos sangüíneos e plexosnervosos na submucosa, esta por sua vez,era constituída de tecido conjuntivomoderadamente denso conforme BachaJúnior e Bacha18 relataram para eqüinos,ruminantes e suínos e Freitas et al.9 para acapivara, diferentemente do citado porMedina12 e Sisson6. A camada interna datúnica muscular é relatada por Medina 12 eSisson6 como sendo circular, situaçãodiferente do que constatamos na capivara jáque a disposição dos feixes de fibras dessacamada era helicoidal16. Exocrinócitoscaliciformes eram mais abundantes

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no jejuno e íleo conforme o relato deBanks11.

Conclusões

No que se refere aos aspectosmorfológicos do intestino delgado dacapivara Hydrochoerus hydrochaeris foi possívelconcluir que: quando avaliado a sua forma,coloração e textura, assemelhou-se ao dosanimais domésticos; o comprimento dointestino delgado correspondeu aaproximadamente 12 vezes o comprimentocorpóreo do animal, não havendo diferençassignificativas quanto ao sexo; as camadasmucosa, submucosa, muscular e serosaconstituíam a estrutura histológica do intestinodelgado; os tipos celulares encontrados nointestino delgado foram: células absortivas,

exocrinócitos com grânulos acidófilos,exocrinócitos caliciformes e endocrinócitosgastrintestinal; as glândulas encontradasforam de dois tipos: glândulas intestinais,tubulosas simples e glândulas duodenais,tubuloacinosas ramificada, ambas namucosa, sendo a primeira do tipo serosa e asegunda, mucosa; a lâmina muscular damucosa apresentava-se única no duodeno eformada por duas camadas no jejuno e íleo;a submucosa era de tecido conjuntivo denso;ausência de glândulas na submucosa; os feixesde fibras da camada interna da túnicamuscular estavam dispostos de formahelicoidal.

Agradecimentos à FAPESP pelo auxílioà bolsa de iniciação científica nº. 02/10322-0da acadêmica Noedi Leoni de Freitas.

Morphology of capybara small intestine - Hydrochoerus hydrochaeris(Linnaeus, 1766)

Abstract

The high potential for the exploitation of capybara requires informationabout its digestory morphophysiology, to improve nutritional handling.In the present study, gross anatomy, light microscopy and body andintestine lengths of 25 capybaras were evaluated. The minimum andmaximum small intestine lengths for females and males were,respectively, 441 cm and 1734 cm, and 355 cm and 1123 cm. These valuesposition the capybara between canine and swine intestinal lengths. Theratio between small intestine and body length was 12:1, withoutdifferences between sexes. There were no statistically significant differencesbetween sexes for each part of small intestine. Correlation betweenlength of each small intestine segment and body length was positive,and statistically significant only for the duodenum. The small intestinewall was formed by mucosa, submucosa, muscular and serosa. Themucosa presented intestinal and duodenal glands, of mucosal and serosaltypes, respectively. The mucosa muscular layer consisted of two distinctlayers in the jejunum and ileum, and a thin and single layer in theduodenum. The submucosa, formed by moderate dense connectivetissue, didn’t show glands. The fiber bundles of the internal layer ofmuscular tunic were helicoidally arranged. The gross anatomy of thecapybara small intestine was similar to canine and swine intestines.Microscopically, however, subtle differences can be identified in thesubmucosa and internal muscular tunics.

Key words:Gross anatomy.Light microscopy.Length. Rodent.

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