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O público e o privado Revista do Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará Dossiê Política, Comunicação e Cidadania

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O público e o privadoRevista do Programa de Pós-

Graduação em Políticas Públicas da

Universidade Estadual do Ceará

Dossiê Política,Comunicação e Cidadania

R E I T O RR E I T O RR E I T O RR E I T O RR E I T O R

Francisco de Assis Moura Araripe

VICE-VICE-VICE-VICE-VICE-R E I T O RR E I T O RR E I T O RR E I T O RR E I T O R

Antônio de Oliveira Gomes Neto

P R Ó - R E I T O R D E PP R Ó - R E I T O R D E PP R Ó - R E I T O R D E PP R Ó - R E I T O R D E PP R Ó - R E I T O R D E P ÓÓÓÓÓS - G R A D U A Ç Ã O E P E S Q U I S AS - G R A D U A Ç Ã O E P E S Q U I S AS - G R A D U A Ç Ã O E P E S Q U I S AS - G R A D U A Ç Ã O E P E S Q U I S AS - G R A D U A Ç Ã O E P E S Q U I S A

José Jackson Coelho Sampaio

C O N S E L H O E D I T O R I A LC O N S E L H O E D I T O R I A LC O N S E L H O E D I T O R I A LC O N S E L H O E D I T O R I A LC O N S E L H O E D I T O R I A L

E D I T O RE D I T O RE D I T O RE D I T O RE D I T O R

João Tadeu de Andrade

P R O J EP R O J EP R O J EP R O J EP R O J E TTTTTO G R Á F I C OO G R Á F I C OO G R Á F I C OO G R Á F I C OO G R Á F I C O

Clarice Frota

E D I T O R A Ç Ã O E L E T R Ô N I C AE D I T O R A Ç Ã O E L E T R Ô N I C AE D I T O R A Ç Ã O E L E T R Ô N I C AE D I T O R A Ç Ã O E L E T R Ô N I C AE D I T O R A Ç Ã O E L E T R Ô N I C A

Cristiê Gomes Moreira - Nupes

C O N S U LC O N S U LC O N S U LC O N S U LC O N S U L TTTTT O R E SO R E SO R E SO R E SO R E S I N T E R N O SI N T E R N O SI N T E R N O SI N T E R N O SI N T E R N O S

João Bosco Feitosa dos Santos

Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes

Francisco Horácio da Silva Frota

José Filomeno de Moraes

Maria do Socorro Ferreira Osterne

José Jackson Coelho Sampaio

Maria Barbosa Dias

Maria Celeste Magalhães Cordeiro

Maria Helena de Paula Frota

Sofia Lerche Vieira

Ubiracy de Souza Braga

Liduina Farias Almeida da Costa

Maria Glauciria Mota Brasil

Elba Braga Ramalho

Francisca Rejane de Bezerra Andrade

Gisafran Nazareno Mota Juca

Francisco Josênio C. Parente

C O N S U LC O N S U LC O N S U LC O N S U LC O N S U L TTTTT O R E S E X T E R N O SO R E S E X T E R N O SO R E S E X T E R N O SO R E S E X T E R N O SO R E S E X T E R N O S

Manoel Domingos (UFC)

Jawdat Abu-EI-Haj (UFC)

Pedro Demo (UNB)

Ronald Chilcote (University California)

Mariano Fernandez Enguita (Universidad de

Salamanca)

Luiz Jorge Wernek Viana (IUPERJ)

Mauricio Domingues (IUPERJ)

Maria Alice Resende de Carvalho (IUPERJ)

Adalberto Moreira Cardoso (IUPERJ)

Paulo Filipe Monteiro (Universidade Nova Lisboa)

Maria Lucilia Monteiro (Universidade Nova Lisboa)

Maria Celi Scalon (IUPERJ)

CENTRO DE HUMANIDADESCENTRO DE HUMANIDADESCENTRO DE HUMANIDADESCENTRO DE HUMANIDADESCENTRO DE HUMANIDADES

Marcos Antônio Paiva Colares

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOSCENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOSCENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOSCENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOSCENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

Maria da Conceição Pio

O Público e o privado. Fortaleza: UECE, 2003-. Semestral.Conteúdo: ano 7, n.14, Julho/Dezembro, 2009

1.Humanidades e Ciências Sociais

CDD 320.000

ISSN 1519-5481

O público e o privado

Revista do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade

Estadual do Ceará - UECE. Tem por objetivo divulgar artigos e comunicações

resultados de pesquisas e estudos na área de políticas públicas. Periódico

semestral e temático, recebendo também colaborações com temas diversos, desde

que relevantes para a área. A revista possui uma versão on line localizada na

página wwwwwwwwwwwwwww.politicasuece.com.politicasuece.com.politicasuece.com.politicasuece.com.politicasuece.com do Programa de Pós-Graduação em

Políticas Públicas da UECE com diversas informações das atividades

desenvolvidas.

Correspondência

A submissão de artigos deve ser feita através do endereço eletrônico

[email protected]@[email protected]@[email protected], para a Editoria da Revista. Correspondências

via correio comum devem ser encaminhadas para:

Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas - UECE. Campus do Itaperi.

Av. Paranjana, 1700, Fortaleza – Ceará. CEP: 60.740.9003

- Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas

Secretaria: Cristina Maria Pires de Medeiros

Endereço eletrônico: [email protected]

Tel: (85) 3101-9887

- Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas

Secretaria: Maria de Fátima Albuquerque de Araújo Souza

Endereço eletrônico: [email protected]

Tel/fax: (85) 3101-9880

EditorialEsta edição 14 de O público e o privado volta-se mais uma vez para questõesde política cultural, particularmente comunicação e cidadania. Na ediçãonúmero 09 foi organizado o dossiê retratando múltiplas abordagens em políticasculturais, reunindo pesquisadores de vários estados brasileiros e de outrospaíses, a partir do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas de Cultura e deComunicação (Cult.Com), de nosso Programa de Pós-graduação.

Agora, contemplando outra área do Cult.Com, as políticas de comunicação,apresentamos o tema "Política, Comunicação e Cidadania", mais uma vezagregando variedade de pontos de vista sobre assunto tão fundamental para acontemporaneidade. É oportuno destacar que esta publicação é de notóriaatualidade, em especial quando recém ocorreu no Brasil a I ConferênciaNacional de Comunicação. Importante acrescentar que o debate acercadas políticas voltadas para os campos cultural e comunicacional se insere emredes mais amplas, nacionais e internacionais, de pesquisadores destas temáticas,resultando em parcerias e publicações coletivas. Conteúdos audiovisuais, redessociais e comunicação, democracia, comunicação pública, escola em ummundo cada vez mais digital e dinâmico são alguns dos ricos temas deste dossiê.

Esperamos que os artigos aqui reunidos promovam reflexões e intervenções,se desdobrando em outras produções acadêmicas.

Boa leitura.

João Tadeu de Andrade Editor Editor Editor Editor Editor

Alexandre Barbalho Organizador do Dossiê Organizador do Dossiê Organizador do Dossiê Organizador do Dossiê Organizador do Dossiê

Sumário

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Editorial

DOSSIÊ DOSSIÊ DOSSIÊ DOSSIÊ DOSSIÊ POLÍTICA, COMUNICAÇÃO E CIDADANIAPOLÍTICA, COMUNICAÇÃO E CIDADANIAPOLÍTICA, COMUNICAÇÃO E CIDADANIAPOLÍTICA, COMUNICAÇÃO E CIDADANIAPOLÍTICA, COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

El papel de los medios masivos en la vida ciudadana. Aportes yprácticas perversasOrlando Villalobos Finol

Políticas de Comunicação e Sociedade Democrática: o papel dacomunicação no desenvolvimento socialCida de Sousa

Comunicação Pública: um espaço de construção da cidadaniaHorácio Frota, Elza Ferreira

Redes Sociais e usos da Internet por migrantes brasileiros na EspanhaDaiani Ludmila Barth, Denise Cogo

Comunicação Comunitária e Local em Rede: lógicas, práticas evivências de sociabilidade e cidadania em telecentros no Agresteda Borborema-PBJuciano de Sousa Lacerda

Paradigma digital: capitalismo, cultura e esfera públicaCésar Ricardo Siqueira Bolaño, Valério Cruz Brittos

O dono do mundo: O Estado como proprietário de televisão no BrasilSuzy dos Santos

Políticas de Comunicação na Amazônia: entre o Estado e o mercadoAlexandre Barbalho, Ana Paula Freitas, Fabrício de Mattos

A contribuição da cota de tela no cinema brasileiroAnita Simis

Un debate abierto: La clasificación de contenidos audiovisuales enEspañaLuis A. Albornoz

05

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147

Sumário

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165 Linguagem e modos de subjetivação na relação práticas escolarese televisãoLuciana Lobo Miranda

TEMAS LIVRESTEMAS LIVRESTEMAS LIVRESTEMAS LIVRESTEMAS LIVRES

Quando a televisão produz suas próprias políticas de comunicação:uma análise do Merchandising Social nas Telenovelas BrasileirasRoberta Manuela Barros de Andrade, Erotilde Honório Silva

RESENHARESENHARESENHARESENHARESENHA

Alexandre Barbalho. Textos Nômades: política, cultura e mídiaLuzia Aparecida Ferreira-Lia

Summary

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05 Editorial

POLITICSPOLITICSPOLITICSPOLITICSPOLITICS, COMMUNICA, COMMUNICA, COMMUNICA, COMMUNICA, COMMUNICATION AND CITIZENSHIPTION AND CITIZENSHIPTION AND CITIZENSHIPTION AND CITIZENSHIPTION AND CITIZENSHIPDOSSIERDOSSIERDOSSIERDOSSIERDOSSIER

The role of mass means of communication in citizen life:Contributions and perverse practicesOrlando Villalobos Finol

Policies of Communication and Democratic Society: the paper ofthe communication in the social developmentCida de Sousa

Public Communication: An area of construction of CitizenshipHorácio Frota, Elza Ferreira

Social Networks and Internet use by brazilian migrants in SpainDaiani Ludmila Barth eDenise Cogo

Communitarian and local communication in network: logics,practices and experiences of sociability and populations intelecenters in Agreste of the Borborema-PBJuciano de Sousa Lacerda

Digital Paradigm: capitalism, culture and public sphereCésar Ricardo Siqueira Bolaño, Valério Cruz Brittos

The owner of the world: The State like television owner in BrazilSuzy dos Santos

Policies of Communication in the Amazon region: between the Stateand the marketAlexandre Barbalho, Ana Paula Freitas, Fabrício de Mattos

The contribution of the screen quota to the brazilian cinemaAnita Simis

An open debate: The classification systems of audio-visual in Spain

Luis A. Albornoz

Summary

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Language and subjectivity in the relationships > between schoolpractices and televisionLuciana Lobo Miranda

FREE THEMESFREE THEMESFREE THEMESFREE THEMESFREE THEMES

When the television produces its proper politics of communication:An analysis of the Social Merchandizing in the Brazilian soap operaRoberta Manuela Barros de Andrade, Erotilde Honório Silva

REVIEWSREVIEWSREVIEWSREVIEWSREVIEWS

Luzia Aparecida Ferreira-Lia. Textos Nômades: política, cultura emídiaAlexandre Barbalho

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O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

11 11 11 11 11(*) Orlando Villalobos Finol é Profesor - investigador de la Universidad del Zulia, Venezuela.Email: [email protected]

The role of mass means of communication inThe role of mass means of communication inThe role of mass means of communication inThe role of mass means of communication inThe role of mass means of communication incitizen life:citizen life:citizen life:citizen life:citizen life:

Contributions and perverse practices**

Orlando Villalobos Finol*

El papel de los medios masivosen la vida ciudadana:

Aportes y prácticas perversas

Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:

comunicación,ciudadanía,participación, tejidosocial.

RESUMENRESUMENRESUMENRESUMENRESUMEN::::: Se parte por establecer que el espacio comunicacional, particularmente

el que está referido a los medios masivos, simboliza la opción de ganar presenciaen el ámbito ciudadano, si se favorece una relación diferente con la audiencia queincentive la participación ciudadana y genere la opción para el periodismo de serun factor para el diálogo y no para la versión sesgada y limitada. Pero el efecto delos medios tiene resultados paradójicos, porque también desestimula lo ciudadanoy es fuente de prácticas desinformadoras y contrarias a la creación de hilos asociativos.El trabajo se sustenta en una perspectiva epistémico cualitativa. En los resultadosse exponen certezas y conjeturas acerca del problema de la ciudadanía desde unaidea más amplia, que remite a la participación, al diálogo y la solidaridad; y serevisa el impacto de la labor de los medios en la construcción de ciudadanía.

I ntroducción

Dos preguntas decisivas se pueden mencionar para justificar el presenteartículo. La primera, ¿cómo construir ciudadanía, en nuestras ciudades? Lasegunda, ¿cómo aprovechar el valioso recurso comunicacional que estárepresentado por el aparato de medios público (o estatales) y privados?

A partir de allí se genera la revisión crítica de las posibilidades que ofrece elpoderoso dispositivo técnico o tecnológico de que dispone el aparato mediático,

** El trabajo esresultado deldesarrollo del proyetode investigación:“Incidencia de lacomunicación masivaen la participaciónciudadana enMaracaibo”, quecuenta con laaprobación y elfinanciamiento delConsejo de DesarrolloCientífico y

1212121212Orlando Villalobos Finol

y desde luego de las posibilidades culturales y políticas que puede aportar laplataforma mediática, para superar la desigualdad social, la exclusión y lascontradicciones que impiden el acceso a un código justo de ciudadanía, que seexprese en condiciones materiales (vivienda, salud, empleo) y socioculturales(educación, cultura, democracia, diversidad, identidad), que faciliten sociedadesdiferentes, capaces de revertir las condiciones de pobreza y de construir calidadde vida, ejercicio ciudadano pleno, cultura de paz y democracia.

Ese es el debate que aquí se asume, en un esfuerzo por generar diálogo,reflexión teórica y mostrar otras opciones, diferentes a las conocidas.Cualquiera que se asome a nuestras ciudades encontrará una notoriaconflictividad social, atizada por las precariedades de las condiciones devida y por el cultivo de indicadores socioculturales desfavorables. El problema,entonces, es cómo revertir las condiciones actuales, cómo revisar la actuacióndel aparato mediático, para transformarlo; cómo crear vías para que sea posible elsurgimiento y crecimiento de la vida ciudadana; cómo generar vías de inclusiónsocial y derrotar su antitesis, la exclusión, que se traduce en precariedad,desempleo, deserción escolar, delincuencia y pérdida de la esperanza.

Justificación

El trabajo se sustenta en la perspectiva epistémica cualitativa. Se valora lasubjetividad como forma de conocimiento. Para apoyar las reflexiones que seincluyen en el texto, se incorporan los testimonios de algunas fuentes clavesentrevistadas, durante la investigación.

El estudio se circunscribe al contexto de Maracaibo, una ciudad que reúneuna serie de rasgos específicos: históricos, lingüísticos, culturales ycomunicacionales.

La ciudad resume un conjunto de características propias: su historia, sucondición de ciudad-puerto y de ciudad-centro, sus particularidadeseconómicas y culturales, el empleo del voseo (uso del vos, en Venezuelapredomina el tú) en el habla, su condición de ciudad fronteriza con Colombia,y el signo distintivo que la convirtió, por mucho tiempo, en una región históricasolvente y autosuficiente.

Maracaibo tiene una integración espacial con permanencia en el tiempo; ytiene una condición de ciudad-puerto le permitió desde el siglo XIXcomercializar sus productos con Europa y con otras regiones de América Latinay el Caribe. Según Cardozo (1985: 237), se puede definir como una región histórica

Humanístico (Condes)de la Universidad delZulia (VAC - Condes CH- CH - 0777-08)

O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

13 13 13 13 13El papel de los medios masivos en la vida ciudadana: Aportes y prácticas perversas

que a principios del siglo XIX, “era ya el centro de la actividad económica ycomunicaciones del occidente venezolano”. Abarcaba el extenso territoriode la cuenca hidrográfica del lago y tenía abundantes recursos naturales.

Enfoque teórico

Ciudadanos vs. consumidores

Desde los medios masivos se favorece la disyunción entre ciudadanía yconsumo. Esquemáticamente se puede mostrar de este modo: se coloca alciudadano en el papel de espectador y se le niegan sus posibilidades comoprotagonista y actor. Prevalece el enfoque filosófico que se nutre delpensamiento liberal, que reduce el ciudadano a la condición de cliente. Lasaudiencias de los medios son tratadas como potenciales clientelas de losanunciantes. La publicidad hace el resto.

En ese escenario, interesado en la promoción de los valores del consumo, losmedios masivos surgen como la plataforma que está llamada a cumplir ese rol deagente catalizador, de factor clave para contribuir a generar una subjetividad quelo propicie. De tal modo que los medios masivos se convierten en la vía a travésde la cual se promueve el consumo desmedido, que se ofrece como posibilidadde acceder al estatus. Importa tener, no importa la persona. Importa tener, no ser.

Packard (1982: 10) explica que surgen los persuasores o manipuladores desímbolos que exploran los hábitos ocultos de la gente para

aumentar su capacidad para manejar y ganar nuestroconsentimiento (…) estos investigadores buscan porsupuesto los porqués de nuestra conducta, de modo quepuedan manipular más eficazmente hábitos y preferenciaspara ventaja suya. Esta idea los ha llevado a investigarporqué los bancos nos asustan; (…) por qué adquirimosun hogar; por qué los hombres fuman cigarros; (…) porqué las amas de casa caen en trance hipnótico cuandoentran en un supermercado.

Se busca descubrir las debilidades o percepciones para influir de la maneramás eficaz en el comportamiento de la gente.

Con motivo de la guerra de Vietnam, en la que se desplegaron campañaspara persuadir al público norteamericano de la supuesta amenaza que esepaís representaba, Arendt (1998: 43) analizó que,

los engañadores empezaron engañándose a sí mismo (...)se hallaban tan convencidos de la magnitud del éxito, noen el campo de batalla, sino en el terreno de las relacionespúblicas, y tan seguros de sus premisas psicológicas acercade las ilimitadas posibilidades de manipulación de laspersonas, que anticiparon una fe general y la victoria enla batalla por las mentes de los hombres.

Como se sabe EEUU fracasó en Vietnam, pero en ese caso los persuasoresintentaron crear la idea de la invencibilidad. Los solucionadores de problemaserraron porque confiaron demasiado en sus premisas y se olvidaron de larealidad. “No necesitan hechos, ni información; tenían una ́ teoría´ y todoslos datos que no encajaban en ésta era negados o ignorados” (Arendt, 1998:48). No hicieron distinción entre una hipótesis plausible y el hecho de queésta debe ser confirmada. Confiaron en sus propias teorías. Terminaroncreyendo las imágenes que ellos habían elaborado. Quisieron engañar yterminaron autoengañados.

Los medios se orientan en esa dirección de agentes persuasores y al mismotiempo, o justamente por eso, desestimulan lo ciudadano. Se crea desinteréspor el otro; la política es menospreciada y colocada como una actividad desegundo orden. La comunidad, lo colectivo, la cooperación, la solidaridadquedan en entredicho. No son lo esencial, son lo complementario, o se lesconfina al rincón de lo secundario.

Los medios masivos se ajustan a un guión previamente asignado por la sociedadde consumo. Son fuente de una subjetividad propensa al consumo que seagota en si mismo. Lo ciudadano queda en segundo plano. Esa idea de lasubjetividad sólo puede valorarse si se comprende que la realidad no es unasimple abstracción, el contexto pasivo, sino en buena medida nuestra propiacreación simbólico-vivencial.

El mundo en que vivimos es un mundo humano, un mundosimbólico, un mundo construido en nuestra interaccióncon lo real, con lo que está afuera del lenguaje, con elmisterio que opone resistencia a nuestras creaciones y ala vez es la condición de posibilidad de las mismas(Najmanovich, 2001)

El aparato mediático se instrumentaliza; se coloca al servicio de la lógica queestimula el consumismo, como fin en si mismo. Para que eso sea posible sepropicia una subjetividad, una “espiritualidad”, que le sirve de sustento. Se

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instala un “programa” que dicta los valores, la cultura, el estilo de vida. Esaorientación viene de la televisión y hoy día incluye el entorno tecnológico quenos arropa y nos acompaña en nuestras manos, bolsillos, mesas, camas y sobretodo en la mente. Se apoya en los teléfonos celulares, cada vez más sofisticadoso multiespecializados, los PC, los IPOD, MP3, Wifi, Palm, pantallas táctiles,juegos electrónicos, y desde luego, en el amplio arcoiris que ofrece Internet.

De tal manera que las explicaciones simples pueden ser cómodas peroinsuficientes, por cuanto no incluyen la multidimensionalidad de factoresque generan las nuevas metáforas de lo complejo. Hasta hace poco una personapodía vivir en el mundo de su pueblo, aldea o comunidad, ahora desde quenace interactúa con los medios masivos, que desde la cuna tratan de imponerlepautas, criterios, valores, estilos de vida.

Hoy se puede concluir que “el mundo que construimos no depende sólo denosotros, sino que emerge en la interacción multidimensional de los sereshumanos con su ambiente, del que somos inseparables” (Najmanovich, 2001).

De allí la pertinencia de la interrogante, ¿qué noción de ciudadanía sepromueve desde los medios masivos? Se entiende de este modo que hay unainfluencia que éstos ejercen y luego que desde la plataforma mediática sepromueve o estimula una visión, unos valores, que la mayoría de las vecesvan en la dirección de favorecer el consumo que se agota en si mismo.

La idea que favorece la expresión de ciudadanía, entendida como el ejerciciobenefactor emancipatorio, que se traduce en pluralidad democrática, diálogo,justicia social y solidaridad, requiere un comportamiento de los medios,comprometido con esos propósitos. En términos específicos, el medio masivoestá llamado a favorecer la circulación del pensamiento y el derecho a lainformación, como parte de la misión social y pública que les corresponde.

En otras palabras, los medios masivos están llamados a favorecer unademocracia comunicacional, que responda a una lógica de empoderamientodel ciudadano, de la participación de muchos; una red de redes de lo que yase ha hecho común denominar la sociedad civil.

Esta aspiración forma parte de una vieja bandera de lucha postulada, porejemplo, en el Informe Mcbride:

La comunicación ya no debe considerarse sólo como unservicio incidental y su desarrollo no debe dejarse al azar(...) el objeto debe ser la utilización de las capacidades

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peculiares de cada forma de comunicación, desde lasinterpersonales y tradicionales hasta las más modernas,para que los hombres (y las mujeres, NN) y las sociedadesestén conscientes de sus derechos, la armonización de launidad en la diversidad, y la promoción del crecimientode individuos y comunidades en el marco más amplio deldesarrollo nacional en un mundo interdependiente(McBride, 1987: 211).

Las raíces del problema están en un modelo informativo/periodístico que enlugar de promover el diálogo público y la participación, reduce el ciudadanoa la condición de espectador y de consumidor.

El rol de la ciudadanía se limita a “leer lo que hace el poder” (Miralles,2001). En el llamado “debate público” sólo se visibiliza a protagonistas conalguna posición de poder. Rara vez se le concede la palabra al ciudadano.Ese debate se convierte, en razón del ejercicio mediático, en un espectáculode noticias que van y vienen. Aquellos están allá y el ciudadano aparece unlugar distante, opaco, invisible.

Esta forma de periodismo tiene como sólida referencia el paradigma liberalque postula que unos hacen la historia y otros –el periodismo- la narra. Esdecir, al periodismo existe para narrar lo que ocurre, desde una posicióndistante, descontextualizada, en tercera persona, desde una supuestaobjetividad.

El relato liberal se escuda detrás de la fachada de la objetividad y de laimparcialidad para evitar explicar los acontecimientos en toda su amplitud ysu complejidad. Se insiste en que las informaciones tienen dos lados: blancoy negro. No se incluyen los matices.

No se trabaja con otros aspectos ni con otros actores.Incluso los debates de opinión se montan sobre estemodelo: el que defiende una idea y el que la ataca. Esees el papel reservado a los debates, especialmente en latelevisión. La ley de los contrarios le pide al periodistaque entreviste a la parte y a la contraparte, y entonces laobjetividad resultaría -¡cosa extraña!- de la bipolaridad yno de la proximidad a la realidad con todos sus matices.(Miralles, 2001: 26)

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En ese juego de ataque y contraataque la ciudadanía queda al margen; suspuntos de vistas no aparecen representados.

El relato liberal de la ciudadanía encuentra su sistema de legitimación en elmodelo informativo/periodístico que actúa para crear audiencias cautivas ypasivas; para tener espectadores y no actores.

Para hacer el desmontaje este sistema tradicional se tiene que dar paso a unenfoque diferente que revalorice la presencia ciudadana, que fomente agendasque propicien la participación, “que promueva la deliberación y la acciónpública, que admita que el periodismo es un actor y no solamente un relatorde la vida social” (Miralles, 2001: 10).

La lógica hegemónica de los medios masivos

En el ámbito de la comunicación se han desarrollado dos lógicas. Más allá decualquier previsión teórica así ha ocurrido en los hechos. La primera es lalógica de los grandes medios masivos, alimentados por capitalestransnacionales. La segunda incluye a medios alternativos, regionales,comunitarios o mucho más cercanos a la vida complicada de la gente; mediosque expresan certezas, dudas, contradicciones, precariedades y esperanzas.

Los medios masivos o grandes medios, anotados en la dirección globalizadora,responden a propósitos expresos de estimular el consumo, de reproducir elestilo de vida que uniforma gustos, valores y costumbres, de fomentar labanalidad. La reflexión, las ideas, la educación, la música que estimula elpensamiento y la cultura han quedado reducidos a pequeños espacios. Estosítems no están en el horario estelar. Son parte del relleno de la programación.

En vista de que es éste el desarrollo que han adquirido los medios, puedeentenderse que se distancien cada vez más de la comunidad, o de lo quepodemos llamar las nociones e intereses del ciudadano promedio. Entonces,los medios consiguen “independencia”; están para velar por otros intereses,coincidan o no con lo comunitario.

Mucho puede debatirse sobre la influencia de los medios masivos, pero nocabe duda que éstos constituyen escenarios de poder, en términos políticos,pero fundamentalmente en lo sociocultural, en la medida en que puedeninfluir en las pautas que rigen el comportamiento humano. Por esa razónresponden a una lógica que marcha, muchas veces, en dirección contraria ala del ciudadano.

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En la actualidad, esos medios masivos muestran las siguientes características:1. Hay concentración de la propiedad de los medios; 2. La privatización delas frecuencias. 3. El crecimiento constante de la importancia industrial yeconómica de los medios masivos, en medio de una “correlativa reducciónen el poder los gobiernos para regularla y controlarla” (McQuail, 1998: 440).4. La ausencia de radio y televisión de servicio público. “Por influencia delas grandes empresas multinacionales ya no se discute la información comoun hecho cultural y social sino como un hecho de mercado”. (Gumucio,2005, citado por Beltrán).

La concentración de la propiedad de los medios se expresa en el control queejercen los megagrupos mediáticos estadounidenses, que dominan los mediosmasivos en Estados Unidos y extienden su radio de acción hacia AméricaLatina. Entre estos megagrupos están: Walt Disney Company, AOL/TimesWarner, The Washington Post, The New Cork Times y Viacom. En ellos,

el discurso dominante ofrece propaganda política, creaopinión pública y persuade a favor de la ideologíaconservadora (…) en vez de informar al ciudadano paradotarlo de una visión crítica y vigilante, el control mediáticolo transforma en un consumidor pasivo de entretenimientyoy en espectador de la política por televisión (Carmona,2008: 70).

Pero además hay un plus, un extra que es que el nos interesa resaltar ahora.El manejo de los medios hace que quienes tengan el dominio de éstosadquieran una capacidad de influir que se traduce en poder, en cuotas depoder, que deriva de la madeja de relaciones que ocurre entre estos medios ylos corporaciones transnacionales y nacionales.

Puede añadirse, que los medios constituyen una industria, cuyo desarrollo seexpresa en cuatro tendencias principales señaladas por McQuail (1998: 436-441)

a. Expansión: incremento del volumen de la producción mediática(más canales, más mensajes).

b. Interactividad: creciente importancia de los “nuevos medios”electrónicos multimedios.

c. Internacionalización: transmisión de la información y de la culturaa través de fronteras nacionales que antes cerradas o restringidas.

d. Comercialización: se depende de la publicidad comercial y de losauspicios y hay cada vez menos un control público de los medios.

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Estas tendencias, que van de la mano del crecimiento vertiginoso de lastecnologías de la información y la comunicación, favorecen el predominio detendencias perversas. Lo importante es persuadir, “vender” ideas y vendermercancías; se impone la filosofía del tener por encima del ser. Desde la ópticaperversa la “realidad” y la “verdad” se construyen, obedecen a un guión.

Comunicación y tejido comunitario

Frente a ese panorama aleccionador, complejo y difícil surgen una serie deinterrogantes. ¿Qué hacer para rescatar el sentido comunitario de la comunicación?¿Cómo hacer para que la comunicación incluya y haga posible opcionesdemocráticas, ciudadanas, revitalizadoras de lo humano? ¿Acaso puede surgiry desarrollarse una noción diferente, un paradigma emancipatorio?

Esta es la idea clave. Recuperar la noción de que comunicación significadiálogo, encuentro; significa poner algo en común, para construir comunidad,tejido social, y por esa vía se pueden añadir más sustantivos vitales y centrales:dignidad, justicia, soberanía, derechos humanos y derechos de todos, de losseres humanos y de la naturaleza.

Emancipación es un sustantivo que refiere el acto de tomar conciencia, ganarsoberanía, liberarse de la subordinación o sujeción. De tal modo, que en elcaso de la influencia de los medios puede hacerse referencia de un paradigmaque sea emancipatorio; que haga de los usuarios y usuarias personasconscientes, no sujetas de ningún reflejo condicionado. Como eso requieresuperar la lógica mediática predominante, entonces, es preciso propiciartendencias y prácticas contrahegemónicas,

para remar en la dirección de nuevos valores asociados ala solidaridad, la cooperación y las acciones colectivas.Enarbolar la idea de levantar o construir una nuevahegemonía no es suficiente, porque se trata de proponerotro poder ligado a lo ciudadano, que sea incluyente ycorrija las perversiones generadas por la pobreza y ladesigualdad. En lugar de otra hegemonía, tiene máspertinencia propiciar el desarrollo de corrientescontrahegemónicas capaces de revelar prácticascomunitarias y transformadoras (Villalobos, 2008: 229).

Esa nueva lógica está en la comunicación humana, entendida como conceptointegral. Si hablamos de medios técnicos está en los medios masivos, seanpúblicos, privados o comunitarios. No es potestad de ningún campo.

El papel de los medios masivos en la vida ciudadana: Aportes y prácticas perversas 19 19 19 19 19

Eso implica entender la comunicación a partir de aproximaciones teóricasque permitan un reconocimiento más amplio del contexto, que se quierecomprender y explicar. En ese sentido, conviene observar que la comunicaciónincluye una pluralidad de prácticas y saberes, convivencia, y vínculos conuna comunidad humana específica. Más allá de las determinacionesinstrumentalistas y de enfoques mecanicistas, y simplificadores, paracomprender el valor efectivo de la comunicación se requiere de una visiónque incorpore lo social, busque dilucidar la trama de relaciones que hacenposible la convivencia humana y se recupere la perspectiva que presente lacomunicación como una acción dialógica, en la que participan sujetos activos,críticos, específicos, con intereses propios.

En síntesis, el paradigma emancipatorio reclama ver la comunicación desdeuna perspectiva de complejidad, interesada en contribuir a ofrecer unaexplicación crítica, amplia, diversa, solvente y menos apegada a rígidasconceptualizaciones; sugiere una revisión exigente de cómo se constituyenel tejido social y el ejercicio de la ciudadanía; propone una visión diferente quetome en cuenta una demanda que viene de la ciudadanía y que fielmente serefleja en la frase recogida de un graffiti: “Basta de medios, queremos enteros”.

Aplicaciones, resultados y consideraciones mínimas

La investigación sobre el impacto de la labor los medios masivos en la ciudad,o dicho de otro modo, en la conformación de ciudadanía en Maracaibo, colocade manifiesto que los medios masivos no reflejan la ciudad o no la reflejan losuficiente. Han sido empleados muchas veces para defender interesesparticulares, económicos o políticos, y no para cumplir la labor de medio deservicio público, que investiga, interpreta e informa, busca la verdad y nodeja imponer los límites de determinados intereses. Se utilizan los símboloslocales para exaltar una cierta condición marabina, la Chinita, el lago o lagaita, como íconos, pero se quedan en eso; no reflejan un afán por favorecerel desarrollo de la región, en términos favorables para la comunidad. Lo locales un pretexto para ganar cobertura, pero no para marchar junto a lacomunidad, a la que se dice defender.

Cuando uno se aproxima, a través de los relatos recabados, al periodismoque se ejerce en Maracaibo consigue distintas tendencias y desarrollos. Afines del siglo XIX y a principios de los XX predomina un periodismo culturaly literario, que tiene en El Zulia Ilustrado uno de sus mejores emblemas.Posteriormente, desde mediados del siglo pasado, cobra vigencia un tipo deperiodismo que sigue los moldes del periodismo industrial: 1. Quiere llegar a

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amplias audiencias con informaciones de interés público y deja en lugarsecundario la investigación y la interpretación; 2. En lugar de formar ymultiplicar sus posibilidades culturales y educativas queda a merced de losintereses comerciales y políticos circunstanciales; y 3. Los medios masivosno reflejan la ciudad o no la reflejan lo suficiente y se desaprovecha lapotencialidad de lo local o regional. A los ciudadanos se les trata como merosconsumidores a los que hay mucho que vender, pero nada o casi nada que contar.

Mariana1: “Lo que pasa es que el periodismo, al principio, el primerperiodismo fue un periodismo formativo (…) por eso se crea una concienciade ser regionalista que tomó un peso específico y tomó una capacidad histórica,¿verdad?, de hacer cosas, y ¿qué pasa?, que una vez que ese periodismo ya noes formativo, porque se va generando otro tipo de cosas, entonces se vuelve unperiodismo brollero (intrascendente), y no es que el periodismo construye la ciudad,sino la ciudad la que construye al periodismo y se transforma en otra cosa, sitú te pones a ver, el periodismo del siglo XIX, por ejemplo, donde los grandesintelectuales escribían…Yo ubiqué El Zulia Ilustrado, que además fue unaexquisitez de publicación, bueno, ése era más o menos el tono, había 16revistas literarias especializadas en teatro, en literatura en 1883, ¿verdad?,entonces eso le daba a la gente una conciencia, peleaban por las cosas queles interesaban como comunidad, las defendían. También tuve oportunidad dever una guerra de ésas porque, al teatro Baralt lo iban a llamar Teatro Colón, yentonces algunos intelectuales se opusieron a eso, primero, que en ese tiempohubo un sentimiento de reivindicar a Baralt y luego Dagnino, FranciscoEugenio Bustamante y toda esa gente defendía la tesis de que Colón debióser para un puerto no un teatro, porque Colón no tenía nada que ver con elteatro y pidieron que se le rindiera un homenaje a Baralt y consiguieron eso.Entonces ése es el tipo de discusión en los medios que tú después no ves”.

Cabe la acotación siguiente. La influencia que ejercen los medios es notoria,según se desprende de los relatos de vida. El imaginario colectivo, de algunamanera, es pautado u orientado desde los medios masivos. Eso se refleja enel lenguaje y en la forma de pensar; en las tradiciones que predominan e,incluso, en los símbolos que identifican al marabino. Luce desproporcionadolo señalado por un entrevistado en el sentido de que “la ciudad durantemuchos años aprendió a pensar, tal como Panorama2 se lo enseñó”. Noobstante, para explicar el comportamiento social de la ciudad se requiere dela valoración del papel ejercido por los medios.

Ciro3: “La ciudad durante muchos años aprendió a pensar, tal como Panoramase lo enseñó, esto es una hipótesis que yo tengo, yo no la puedo probar. Esose puede determinar o comprobar un poco en expresiones populares, o sea,

El papel de los medios masivos en la vida ciudadana: Aportes y prácticas perversas

1 Entrevista realizada el20 de mayo de 2003

2 Panorama es un diariolocal de antigua data.Fue fundado en 1914

3 Entrevista realizada el4 de junio de 2003

2121212121

la credibilidad que tiene la gente con Panorama, o sea, hay muchas personasmayores, sobre todo, los lectores de 50, 60 ó 70 años, y todavía una parte delos que tienen 40 años, que no creen en los hechos sino lo leen a través dePanorama, y te dicen, ‘no chico, eso lo leí en Panorama y eso es verdad, léetePanorama pa´ que veáis’. Están discutiendo, por ejemplo, algo sobre béisbol¿no?, que el juego se perdió porque la culpa la tiene... ´léelo en Panorama,allí ésta`. Entonces se ha aprendido; hay en el consciente colectivo de lasgeneraciones, una manera de pensar, de creer y de valorar la ciudad quePanorama ha servido como el puente o la inyección de esa manera de pensar,y sigue siendo el periódico que más se vende en el occidente del país, porqueEl Impulso no vende más que Panorama”.

La influencia que ejercen los medios es específica, se puede demostrar. Elejemplo de Ciro coloca de manifiesto que hay un imaginario colectivo dealguna manera pautado u orientado desde los medios masivos. Eso se reflejaen el lenguaje y en la forma de pensar; en las tradiciones que predominan eincluso en los símbolos que identifican al marabino. Esa influencia esinnegable, de acuerdo con los testimonios aquí expuestos.

Gertrudis4: “Indudablemente que los medios han incidido bastante en laforma de ser de los marabinos. Por ejemplo, aquí la gente no bebe otro caféque no sea El Imperial, no utiliza otra hojilla que no sea la Gillette, es más,no habla de hojilla, sino de Gillette; de la mayonesa no se consume sino laKraft, y así sucesivamente. Se dan casos como el de mi mamá, que viajabamucho a Caracas porque yo vivía allá, y me iba a visitar, y cuando llegabaallá decía: ‘Mijo comprame un Panorama que quiero leer el Panorama deCaracas’. Lo que me estaba pidiendo era el diario El Nacional. Eso es lo quedemuestra que la gente asume lo que consume, como parte de su patrimonio,y en eso tienen que ver mucho los medios”.

Los medios masivos influyen y el testimonio incluido lo revela. Pero esainfluencia es limitada. Siempre hay una barrera infranqueable para los medios:la conciencia ciudadana. La capacidad de decidir de los usuarios y usuarias,con conciencia plena de su responsabilidad social.

En lo que se refiere al aporte de los medios impresos la percepción queprevalece no es favorable. “Son simples agentes informadores y explotadoresde la noticia”, dice Gastón5.

Se asume la actividad periodística como un negocio del que se espera unarentabilidad y se hace poco o nada por convertirla en un servicio público. Portanto, se obvian las responsabilidades de información y de atención a la ciudadanía.

Orlando Villalobos Finol

4 Entrevista realizada el14 de junio de 2003

5 Entrevista realizada el

7 de abril de 2008

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En el criterio de Celina periodista6, “realmente no ayudan mucho porque elhecho de que sucesos sea la sección más leída, no me parece que ayudemucho a rescatar los valores de la gente. Que una historia morbosa de muerteque es lo que gusta leer más a la gente no creo que ayude mucho. Yo creo queallí priva lo que dijo el colombiano Javier Restrepo. Él dice que a la gente nohay que darle lo que quiere, sino lo que necesita”.

Los periódicos, ni los periodistas, asumen plenamente, con responsabilidadsocial, el papel que les corresponde en la creación de ciudadanía. El interéspor vender el producto periodístico se sobrepone al servicio público que se presta.

ABSTRCTABSTRCTABSTRCTABSTRCTABSTRCT::::: We begin by establishing that communicational space, especially that

refered to in mass means of communication, symbolizes the option of establishingpresence in the citizenry environment, which favors a different relationship whichthe audience that promotes citizen participation and generates the option in whichmass communication becomes an option for dialogue, and not simply another blindand/or limited version of reality. But the effects of mass means of communicationare paradoxical, since they are a source of dis-informational practices and oftencontrary to the creation of associative links. This paper is based on a qualitativeepistemological perspective. The results offer wider certainties and conjectures inrelation to this problema from the perspective of the common citizen, which includesparticipation, dialogue and solidarity; and which reviews the impact of the effort of

mass means of communication in the construction of citizenship.

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6 Entrevista realizada el

6 de febrero de 2008

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:

communication,citizenry,participation, socialfabric.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 08/08/2009Aprovado: 20/10/2009

El papel de los medios masivos en la vida ciudadana: Aportes y prácticas perversas2323232323

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Orlando Villalobos Finol2424242424

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2525252525(*) Cida de Sousa é Professora do Curso de Comunicação Social da UFC. E-mail: [email protected]

PPPPPolicies of Communication and Democratic Society:olicies of Communication and Democratic Society:olicies of Communication and Democratic Society:olicies of Communication and Democratic Society:olicies of Communication and Democratic Society:the paper of the communication in the social

development

Cida de Sousa*

Políticas de Comunicação eSociedade Democrática:

o papel da comunicação no desenvolvimento social

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

Comunicação,Democratização,Sociedade, Políticasde Comunicação,Desenvolvimento.

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: As políticas públicas de comunicação devem ser pensadas como

ferramentas no trabalho de promover a democratização da sociedade. Devem visarnão apenas o acesso ao consumo da informação mas, possibilitar a participação dasociedade nas etapas de sua produção, o que é fundamental para a construção dasociedade democrática. O impacto positivo da comunicação pode ser sentido nosprojetos de desenvolvimento. O presente artigo reflete sobre as políticas públicasde comunicação e discute a comunicação para o desenvolvimento.

I ntrodução

A Comunicação é tema de indiscutível relevância no mundo contemporâneo,sobretudo se pensarmos na possibilidade de consolidação de uma sociedadeverdadeiramente democrática que, portanto, não pode prescindir do direito àinformação. Ocorre que, ao mesmo tempo em que historicamente se temdefendido este direito, temos assistido ao desenvolvimento de um processode concentração dos media que, ajudada pela omissão dos poderes públicos,inviabiliza a democratização. A implementação de políticas de comunicaçãoque visem não apenas ao acesso ao consumo da informação, mas possibilitem

2626262626Cida de Sousa

a participação da sociedade nas etapas de sua produção é fundamental paraa construção da sociedade democrática.

Pensando o conceito de políticas de comunicação

A discussão em torno das políticas de comunicação data do final dos anos de1960. Mas, é somente no final da década de 1970 que se percebe anecessidade de uma nova ordem mundial para a comunicação. O contexto dedesencanto com a política econômica marcado pela dependência da AméricaLatina, herdeira das contradições dos grandes centros do mundo, reforçava anecessidade de se refletir sobre o tema. A dependência comunicacionalcomeça a ser questionada. O monopólio da comunicação, contribuindo paraa internacionalização de elementos culturais e ratificando a força de gruposhegemônicos, desperta preocupação. Quando a Organização das NaçõesUnidas para a educação, a ciência e a cultura – UNESCO defende anecessidade do debate e recomenda a seus membros que estudem maneirasde formular políticas de comunicação, os donos das grandes empresas decomunicação na América Latina iniciam uma campanha contra o debatee possíveis mudanças, evitando que as discussões ganhem visibilidade,comprometendo sua legitimação. Assumem a defesa do modelo vigente einiciam uma batalha silenciosa contra uma possível comunicaçãolibertadora para a América Latina. Postura de fácil compreensão seatentarmos para o fato de que a comunicação está relacionada com a ordemsocial, ou seja, com os processos sociais, políticos e econômicos vigentes.Dessa forma, debater a comunicação é debater a própria estrutura social, oque não interessa aos dominantes (GOMES, 1997).

Neste ou em outro contexto, independentemente do compromisso dos governoscom a democracia, todos os países têm sua política de comunicação, vistoque, de alguma forma mantêm as relações com o sistema de mídia existente.O Pensador boliviano, Luiz Ramiro Beltrán define políticas de comunicaçãocomo “um conjunto de normas integradas e duradouras para reger a condutade todo sistema de comunicação de um país, entendendo por sistema atotalidade das atividades de comunicação massiva ou não massiva”(BELTRÁN, citado por GOMES,: 1997). Outros estudiosos da comunicação,como Mauricio Antezana, seguindo a mesma linha de pensamento, ressaltamprincípios e normas que constituem o sistema de comunicação de cada país.

De fato, as políticas de comunicação expressam as relações que se estabelecementre governos e veículos de comunicação de massa. Assim, definir políticasde comunicação é aproximar os campos político e jurídico do campo da

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comunicação. É preciso, pois, compreender que essa relação se vaiestabelecendo num determinado chão histórico com todas as suas marcascomo (no caso brasileiro) a concentração, o monopólio exercido pelascorporações da mídia, a inexistência de controle público, a falta de um sistemanão-comercial realmente forte para disputar audiência. Enfim, é preciso refletirsobre esse cenário em que os donos dos meios de comunicação pressionampolíticos e governos a desestimular e até impedir o surgimento de meios alternativos,como as rádios comunitárias. Pressão que se expressa na forma da Lei 9.612/98 que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária no País, que ao invésde contribuir para a democratização, limita. As políticas de comunicação estãodiretamente ligadas ao sistema econômico e a tudo que ele representa. Ocaráter de classe dos meios de comunicação de massa, seu papel no processode acumulação capitalista, findam por interferir significativamente naimplementação das políticas de comunicação dos governos.

Uma definição sempre contextualizada de políticas de comunicação deveconcebê-la como um complexo de leis, normas e recomendações, que orientame definem ações, tanto de governo no campo da comunicação, como dospróprios veículos de comunicação, que contemplam aspectos das realidadespolítica, econômica e cultural de um país. Podem ser concebidas de formamais democrática ou menos democrática, conforme os espaços de discussãoque se estabelecem na sociedade com suas representações.

Políticas Públicas de Comunicação

A noção de comunicação pública como sendo simplesmente aquela praticadapelo governo é um equívoco. A comunicação pública é mais que isso, elaenvolve toda a comunicação de interesse público que é praticada não apenaspelos governos, mas também por empresas, pelo Terceiro setor e pelasociedade em geral. Um outro equívoco que precisa ser desfeito dizrespeito ao que é público e ao que é estatal, quase sempre apresentadoscomo sinônimos. O espaço público não se restringe ao estatal. Devemosentendê-lo como o que é de todos e para todos. Pode ser estatal e públiconão-estatal. Desfazer tal engano é imperativo para que a sociedadecompreenda que “o espaço público é responsabilidade de todos e requer oengajamento e participação ampla da sociedade, a fim de que tal espaço setransforme, de fato, num espaço de cidadania” (Oliveira, 2004, p.188).

Assim, embora o governo se constitua num dos principais atores do espaçopúblico, dada a sua própria natureza, cabe a toda a sociedade ocupar seusespaços construindo uma cidadania plena, necessária para que se efetive acomunicação pública.

As políticas públicas de comunicação devem ser pensadas como ferramentasno trabalho de promover a democratização da sociedade. A própriacomunicação deve ser pensada como ferramenta de gestão, ou seja, deveconstruir condições para as ações dos governos dando visibilidade a elas, deveajudar a promover ações que impliquem em mudanças culturais e de atitudes nasociedade. Cabe ao Estado promover políticas públicas de comunicação querespeitem as complexidades e pluralidades do corpo social visando à democracia.

Comunicação e desenvolvimento

Um país não poderá se desenvolver sem que o acesso ao conhecimento e ainformação seja democrático. Em 2006, em Roma o World Congresso onComminication for Development (WCCD) ou Congresso Mundial sobreComunicação para o Desenvolvimento discutiu a importância desta áreae fez recomendações sobre como aplicá-la em políticas de desenvolvimento.A principal orientação aos mais de setecentos participantes de todo omundo foi sintetizada na frase: “vão para casa e ouçam as pessoas”. Darvoz a todos e fazer com que essas vozes sejam ouvidas é tornar odesenvolvimento sustentável. Os líderes precisam dar maior prioridade àcomunicação, fazer menos propaganda e promover mais engajamento, maisdiálogos participativos. Essa mudança de postura representa maiortransparência e um tratamento mais justo para todos.

Em seu discurso, proferido na cerimônia de abertura do Congresso, PatriziaSentinelli, então Vice-Ministra dos Negócios Estrangeiros da Itália, afirmouque a comunicação anda de mãos dadas com o desenvolvimento e está no âmagoda dimensão social dos direitos. Ela lembrou que se quisermos atingir asMetas de Desenvolvimento do Milênio, eliminar a pobreza econômica e financeira,e quisermos ainda que os direitos sociais dos países pobres sejam reconhecidose não esquecidos, precisamos reconhecer a importância da comunicação.

O Congresso Mundial sobre Comunicação para o Desenvolvimento finalizaseus trabalhos declarando que “Comunicação é Desenvolvimento” edemonstrando que a Comunicação para o Desenvolvimento é uma ferramentaessencial que precisa ser fortalecida na agenda global.

Comunicação e desenvolvimento local

O desenvolvimento local é um caminho que leva à construção da cidadania.Nesse sentido, participação é uma palavra-chave. Para Bordenave (1994), aparticipação é inerente a natureza social do homem e não participar representa

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uma frustração que só será resolvida numa sociedade que permita e facilitesua participação. Sabemos, no entanto, que há sociedades cujos gestores nãoestão interessados em abrir espaços. Quando isso ocorre, faz-se necessárioreivindicar, lutar, e conquistar a participação.

Demo (1988), em seu livro “Participação é Conquista” discute o lugar daparticipação na política social, destacando questões como emprego erenda, e os canais de participação na luta pela consolidação da democraciaeconômica e política.

Para entendermos o papel da comunicação no desenvolvimento local, antes épreciso lembrar que este representa uma transformação nas bases econômicae social, que só se efetiva com a mobilização da sociedade explorando todasas suas potencialidades. É um processo que se dá internamente, provocandomelhoria da qualidade de vida e mudanças na economia com o aumentoda renda. Para ser sustentável deve garantir a conservação dos recursosnaturais para as gerações futuras. Portanto, o desenvolvimento sustentávelconsiste em criar um modelo econômico que seja capaz de gerar riqueza ebem-estar ao mesmo tempo em que promove a harmonia social, adotandoações que impeçam a destruição da natureza.

Para a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, daOrganização das Nações Unidas, é aquele que atende às necessidadespresentes sem comprometer a possibilidade de que as gerações futurassatisfaçam as suas próprias necessidades.

O desenvolvimento local sustentável, então, é aquele que se dá a partir deiniciativas locais fazendo uso de suas potencialidades, visando o crescimentoeconômico justo, a qualidade de vida superando as desigualdades sociais,respeitando e preservando a natureza e valorizando o local sem perder devista o global.

A qualidade da participação é, portanto, imprescindível e se manifesta quandocada cidadão mobiliza suas iniciativas, forças e energias em torno de umprojeto coletivo. Nesse processo é comum a existência de conflitos, graças aocaráter heterogêneo e plural de toda sociedade. As experiências vividas apartir desses conflitos permitem que todos aprendam a lidar com ascontradições e diferenças, o que pode levar a importantes parcerias e aliaçasque aproximem a sociedade dos processos decisórios.

Numa sociedade de democracia representativa, a força da participação semanifesta a partir da possibilidade de influenciar nas decisões que serão

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tomadas por instâncias de autoridade estabelecida. Tarefa nem tão simplesnum pais marcado pelo fracasso das instituições representativas. É bom lembrarque uma das dimensões de representação política é a de poder representar.Isso significa tomar decisões que vinculam os representados como se elesmesmos as houvessem tomado. O que não ocorre sem uma vigilância efetivada sociedade. Daí a importância, para o desenvolvimento local sustentável,da participação das organizações não governamentais sem fins lucrativos(as ONG´s), e de todos os atores sociais, sejam comunitários (com as maisdiversas associações comunitárias), sejam corporativos (com os sindicatos,federações, associações), sejam temáticos (com os movimentos sociais emdefesa do meio ambiente, em defesa dos homossexuais e outros). Asdecisões politicas estarão mais próximas de serem democráticas. E paramerecer o crédito de democrática, uma decisão deve ser influenciada portodas as pessoas na mesma medida em que estas serãos afetadas. Fora dessecenário, a cultura política autoritária e excludente não será superada, o queinviabiliza o desenvolviomento sustentável.

O Papel da Comunicação

A comunicação é um fator de organização social e tem como missão darvisibilidade a questões sociais; ser formadora de opinião; e ser ferrementa deeducação pública, de preservação da cultura e das artes, de ampliação do diálogoentre representantes da sociedade civil e poder público. Estes são alguns dosaspectos de relevância no papel da comunicação na sociedade e seu desempenhoé preponderante na construção do desenvolvimento. Mas, é preciso compreenderque o desempenho desse papel está diretamente ligado a uma das maisimportantes reivindicações no Brasil: a democratização da comunicação.

Não se trata apenas de investimento quantitativo, trata-se, isso sim, de investirno caráter qualitativo. Isso significa que não basta facilitar e ampliar o acessoaos meios de comunicação. É necessário e urgente criar possibilidades departicipação da sociedade na etapa de produção da comunicação, tornandoos atores sociais sujeitos da produção de informação e conhecimento e nãoapenas meros e passivos receptores. Ou seja, é o poder de comunicar queprecisa ser democratizado. Tarefa difícil no contexto da dinâmica do capitalismoglobalizado que supervaloriza o caráter privado e tem os meios de comunicaçãosocial como uma força a favor do mercado. Difícil, mas não impossível.

A comunicação é um direito e sua democratização é uma questão de cidadania.É condição sine qua non nos processos de desenvolvimento humano e social,sendo seu capital intelectual peça essencial para as organizações.

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Estratégias de Comunicação

Antes de pensar sobre as estratégias de comunicação convém fazer referênciaa alguns princípios básicos da Comunicação Social que, em sendo respeitadosgarantem aos veículos maior credibilidade, ratificando sua importância nasociedade. Dentre os princípios constitucionais destaco aqui:

· o princípio da dignidade da pessoa humana, que impõe àComunicação, jornalística ou publicitária, o dever de respeitar apessoa, não expondo sensacionalisticamente suas mazelas. Amanipulação da comunicação social, como na publicidadesublininar, não é compatível com a dignidade e a liberdade da pessoa,que deve ter resguardado seu direito de comunicação percebidaconscientemente;

· O princípio da função social, que se edifica na Constituição Federal,exige respeito aos valores sociais da pessoa e decorre da cidadaniae da dignidade da pessoa humana;

· O princípio do dever da informação que consiste em fazer conhecercomo o poder estatal é exercido e como se manifesta o podereconômico. Pela notícia, os meios de comunicação social possibilitamo exercício do direito à informação.

Há também os princípios extraconstitucionais da Comunicação Social, dentreos quais destaco:

· O princípio da confiança que deve estar presente na produção damensagem, na produção e seleção de imagens no jornalismo e napublicidade. Uma informação pode levar a pessoa a tomada dedecisões, bem como ao consumo e a mudança de atitude, sendoinconteste a necessidade do respeito a esse princípio. A propagandagovernamental assim como a eleitoral devem respeitar o princípioda confiança;

· O princípio da veracidade da mensagem exige que a mensagemseja verdadeira e honesta, seja ela governamental, noticiosa, oupublicitária (publicidade enganosa é crime);

· O princípio da transparência pelo qual a comunicação e todo seuprocesso deve ser transparente.

Fica evidenciado que não é regra geral um compromisso rígido e resistentedos meios de comunicação de massa com os princípios básicos da

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Comunicação Social. Quando pensamos, por exemplo, sobre a transparência,vemos que esta começa a faltar desde o processo de concessão de Rádio eTV, que tem sido usado para fazer barganha política. Soma-se a isso odesconhecimento dos prícipios e das leis que regem a Comunicação Social poruma significativa parcela da sociedade. Isso se constitui num sério problema cujasolução pode se dar a partir do processo de democratização. Só a mobilização dasociedade por políticas democráticas de comunicação pode ampliar o acessodemocrático aos meios e levar à formulação de um novo modelo de comunicaçãoque respeite princípios e contribua para o desenvolvimento.

As estratégias de comunicação voltadas para o desenvolvimento localsustentável devem perseguir a democratização dos meios de comunicação,ampliando o espaço público. Aqui, mais uma vez, quero lembrar o PrimeiroCongresso Mundial sobre Comunicação para o Desenvolvimento, realizadoem Roma. O documento elaborado no final dos trabalhos diz que os exemplosde estratégias bem sucedidas de superação da pobreza passam por modelos decomunicação que envolvem “diálogo, debate e participação; compartilhamentode conhecimento e de informação; identificação das necessidades dedesenvolvimento; a avaliação do ambiente sócio-político; valorização doscontextos culturais; construção de mútuo entendimento; ação cooperativa efortalecimento dos agentes e das capacidades de cada local” (WCCD, 2006).

No Brasil há uma visível necessidade de maior diálogo dos meios decomunicação com sociedade. Historicamente têm sido autoritários e os poucosespaços que são abertos produzem um pseudo-poder de participação, quandosua função é mobilizar a sociedade em torno de questões de interesse público.“O grande desafio da comunicação ao mobilizar é tocar a emoção das pessoas,sem, contudo manipulá-las, porque se assim o fizer, ela será autoritária eimposta” (PERUZZO, 1998).

A mobilização é uma importante estratégia para o desenvolvimento local, vistoque promove a inserção de pessoas da comunidade local nos processos deintervenção para o desenvolvimento.

Uma outra estratégia que deve ser posta em prática, de forma incisiva é ofortalecimento das Rádios Comunitárias. Elas são instrumentos de desenvolvimentolocal, de democratização da comunicação e da própria sociedade, visto quepode proporcionar capacitação, treinamento, produção e distribuição de umconteúdo verdadeiramente democrático e plural. “O fortalecimento das emissorascom essas características é um caminho corretivo para a situação do monopóliode propriedade e de divulgação de um pensamento único, formado pelosmeios de comunicação hoje, no Brasil” (LAHNI, 2008).

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A estratégia de fortalecimento da cultura local, com a preservação dasidentidades, tem nas Rádios Comunitárias o espaço necessário para sedesenvolver, pois sua programação prioriza a comunidade.

Desenvolver estratégias para o controle social voltadas para diferentes temas,como a Aids, ampliando ainda mais a participação da comunicação nomovimento social de luta contra a doença, para promover a melhoria daqualidade de vida da população, inclusive na perspectiva de prevenção doHIV/AIDS. Nesta e em outras questões, é fundamental a participação dasociedade no trabalho de acompanhar as ações da gestão pública na execuçãodas políticas públicas, inclusive avaliando seus resultados.

Mas, é o fortalecimento da luta pela democratização da comunicação a principalestratégia para o desenvolvimento, visto que, como foi dito antes, este não seefetivará sem que o acesso ao conhecimento e a informação seja democrático.Cabe aos partidos políticos, sindicatos, associações, organizações não-governamentais, enfim, a toda a sociedade, assumir seu papel nessa luta.

Considerações Finais

Não basta que a sociedade e, em especial, os movimentos sociais, reconheçame denunciem o oligopólio da mídia, é preciso criar alternativas a ele. As RádiosComunitárias são um exemplo de que isso é possível.

As políticas de comunicação devem potencializar o uso das tecnologias dedifusão em processos de desenvolvimento local, preservando as identidadesculturais. A comunicação é parceira na luta pela construção dodesenvolvimento e, conseqüentemente, na construção de um modelo econômicoe social mais justo.

A B S T R AA B S T R AA B S T R AA B S T R AA B S T R A C TC TC TC TC T ::::: The public communication politics should been thought as work tools

to promote the society democratization. They should aim not only at informationconsume access but, to enable the society participation on the production steps,which is basic to build a democratic society. The communication positive impactshould been felt on the development projects. The present article reflects about the

communication politics and discusses the communication for development.

Referências

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Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:

Communication.Democratization.Society. Politics ofCommunication..Development.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 12.11.2008Aprovado: 20/12/2008

Políticas de Comunicação e Sociedade Democrática: o papel da comunicação nodesenvolvimento social

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Cida de Sousa3434343434

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35 35 35 35 35(*) Horácio Frota é Professor do Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas daUniversidade Estadual do Ceará. E-mail: [email protected] Elza Ferreira é Discente do MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas -UECE.E-mail: [email protected]

Public Communication:Public Communication:Public Communication:Public Communication:Public Communication:An area of construction of Citizenship

Horácio Frota

Elza Ferreira*

Comunicação Pública:um espaço de construção da cidadania

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

cidadania,comunicação pública,cemocratização dacomunicação, direitoà informação.

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: O trabalho discorre sobre a comunicação pública como um debate novo

no Brasil com o propósito de analisar sua importância na construção da cidadania.Apresenta a comunicação pública realizada nos períodos de cerceamento daliberdade - Estado Novo e Ditadura Militar e saúda como promissora a proposta doatual governo de estabelecer uma Política Nacional de Comunicação. O argumentodefendido é o da necessidade de engajamento dos movimentos sociais na lutapela democratização da comunicação com o entendimento de ser a informação umdireito que, sem a participação ativa da sociedade, não se efetivará.

I ntrodução

A palavra cidadania se origina no latim “civitas”, que quer dizer cidade. Foiusada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e osdireitos que essa pessoa tinha ou podia exercer. Apenas homens maiores deidade e proprietários de terras, desde que não fossem estrangeiros, eram cidadãos,reduzindo assim a idéia de cidadania, já que mulheres, crianças, estrangeirose escravos não gozavam dos mesmos direitos, portanto, não eram cidadãos.

Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade peranteá lei, que são os direitos civis. Os direitos políticos garantem aos cidadãos

3636363636Horácio Frota Elza Ferreira

participar do destino da sociedade, votar e ser votado. Os direitos civis epolíticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles quegarantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva, o direito à educação,ao trabalho justo, à saúde de qualidade, a uma velhice tranqüila.

Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. A cidadaniaé a expressão concreta da democracia, é sua materialização expressa naigualdade dos indivíduos perante a lei, pertencendo a uma sociedadeorganizada. É o poder do cidadão de exercer o conjunto de direitos e liberdadespolíticas, socioeconômicas de seu país, estando sujeito a deveres que lhe sãoimpostos. Relaciona-se, portanto com a participação consciente e responsáveldo indivíduo na sociedade, zelando para que seus direitos não sejam violados.

A cidadania instaura-se a partir dos processos de lutas que culminaram naindependência dos Estados Unidos da América do Norte e na RevoluçãoFrancesa. Esses dois eventos romperam o princípio de legitimidade que vigiaaté então, baseado nos deveres dos súditos, e passaram a estruturá-lo a partirdos direitos dos cidadãos. Desse momento em diante, todos os tipos de lutasforam travados para que se ampliassem o conceito e a prática de cidadania,estendendo-a, no mundo ocidental, para as mulheres, crianças, minoriasnacionais, étnicas, sexuais, etárias etc.

Como uma construção, podemos dizer que no Brasil, a cidadania está nosalicerces. Após o longo período de cerceamento de direitos, civis e políticos,o Brasil reconstrói sua democracia, a palavra cidadania ganha alento e virauma espécie de fetiche, possuidora de virtudes mágicas de inclusão social, adespeito de permanecerem todas as desigualdades sociais. Percebe-se nabanalização do vocábulo um instrumento de manutenção da estrutura de classeem nosso país. Face à emergência dos movimentos sociais, reivindicatóriosde direitos que extrapolam meramente o direito político ou econômico, surgea cidadania como uma mercadoria que se implanta, que se doa, que seconcede. A classe dominante se apropria do discurso da cidadania, fazcampanha de promoção e de resgate da cidadania. Ora, como resgatar algoque não se construiu? É a cidadania consentida.

A realização dos direitos que vai efetivar a cidadania exige que sejamos ativos,participantes. Construir cidadania é também construir novas relações sociaise consciências. A cidadania deve ser perpassada por temáticas como asolidariedade, a democracia, os direitos humanos, a ecologia, a ética. Énesse contexto que se quer discutir a comunicação pública, um termo queembora pouco estudado no Brasil diz muito sobre a cidadania do ponto de

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37 37 37 37 37Comunicação Pública: um espaço de construção da cidadania

vista dos direitos sociais, numa época em que a comunicação ocupa espaçosimportantes na vida de todos, e que a frase informação é poder mais do quenunca é realidade. No mundo todo, a comunicação enquanto produção deinformação e de entretenimento está nas mãos de poucos grupos de grandepoder econômico, impondo valores, hábitos e códigos à sociedade. No Brasil,segundo dados do Movimento Pró-Conferência Nacional de Comunicação, setegrupos controlam 80% de toda a informação veiculada na mídia e 31% dasconcessões públicas de rádio e tevês estão nas mãos de políticos, desrespeitando-se, assim a Constituição Brasileira e o Código Brasileiro de Telecomunicações.1

Dadas as limitações desse estudo, este, porém, não será o objeto do nossofoco que se limitará à comunicação pública entendendo que avançar nessedebate é uma contribuição fundamental para a construção da cidadania.

O que é Comunicação Pública

São múltiplos os sentidos atribuídos à expressão comunicação pública, emboraa literatura sobre o tema não seja ainda das mais férteis. Por se tratar deestudos recentes, não há ainda uma definição exata sobre o tema e diferentesabordagens podem ser feitas, dentre as quais se destacam cinco possibilidades:comunicação pública é a comunicação que se dá na esfera pública entre ogovernante e a sociedade, diferenciando-se da comunicação praticada pelosetor privado; é a comunicação realizada pelo terceiro setor quando este serelaciona com o estado, com o mercado e com a sociedade; a comunicaçãopública é a comunicação realizada por meio da radiodifusão pública, advindada Constituição de 1988 que instituiu os serviços de radiodifusão estatal,privada e pública, proliferando, então, as rádios comunitárias; é a comunicaçãopraticada pelo setor público e realizada pelo próprio governo, legitimada pelointeresse geral e pela utilidade pública das mensagens.

As origens do debate sobre a Comunicação Pública

A expressão comunicação pública surge no Brasil, na década de 80, comosinônimo de comunicação estatal. Com o fim do regime militar, a sociedadecomeça a se organizar e debater a necessidade de democratização dacomunicação. A prodigalidade do primeiro governo civil na distribuição deconcessões de emissoras de rádio e tevês como moeda de sustentação dogoverno, a manipulação das informações pelo maior grupo de comunicaçãoeletrônica do país fortaleceram o debate sobre a democratização dos meios decomunicação e a luta pelo fim do monopólio das comunicações. A consolidaçãoda democracia nos anos 90 representa o surgimento de novos atores e umanova visão política de estado e da participação da sociedade civil. A

1 O Art. 38 do CódigoBrasileiro de Telecomu-nicações, Lei 4117/62,em seu parágrafo únicodetermina que aqueleque estiver em gozo deimunidade parlamentarnão pode exercer afunção de diretor ougerente de empresaconcessionária de rádioou televisão. Já o Art. 54da CF, letras a e b diitem I proíbe que depu-tados e senadoresmantenham contrato ouexerçam cargos funçõesou empregos remune-rados em empresasconcessionárias deserviços públicos.

compreensão da expressão comunicação pública como mera comunicaçãoestatal torna-se incompatível com a nova realidade fundamentada ainda naexpansão dos meios de comunicação em razão das novas tecnologias Atransformação da expressão comunicação pública em um conceito com novosignificado, que ainda não é consensual, é resultado dessas mudançasocorridas tanto no estado quanto na sociedade civil.

Na Europa, o conceito de comunicação pública começou a ser estudadotambém na década de 80. O francês Pierre Zémor, principal estudioso dotema, define comunicação pública como a comunicação formal que diz respeitoà troca e a divisão de informações de utilidade pública, assim como amanutenção do liame social cuja responsabilidade incube as instituiçõespúblicas (ZÉMOR, 1995). O autor pontua quatro funções para a comunicaçãopública, relacionando-as com as finalidades das instituições públicas: deinformar, levar ao conhecimento, prestar conta e valorizar; de ouvir asdemandas, as expectativas, as interrogações e o debate público; de contribuirpara assegurar a relação social, sentimento de pertencer ao coletivo, tomadade consciência do cidadão enquanto ator; e de acompanhar as mudanças,tanto as comportamentais quanto as da organização social.

Uma das dificuldades do estudo da comunicação pública no Brasil é o númeroreduzido de pesquisadores e conseqüentemente as poucas fontes literárias.Mesmo o livro de Zemor2, publicado em 1995 na França, não se encontradisponível na língua portuguesa, existindo apenas uma tradução resumidada professora Elizabeth Pazito Brandão. E é com estes autores que pretendemostrabalhar, conduzindo o debate para o imbricamento que nos propomos decomunicação pública como um espaço de construção da cidadania. Paraalcançarmos este objetivo deixaremos de analisar alguns significados tais comocomunicação pública identificada com a comunicação organizacional, com acomunicação científica, com a comunicação política e comunicação dasociedade civil organizada, detendo-nos na análise da comunicação públicacomo comunicação do estado e/ou governamental.

Por se tratar de uma área recente da comunicação, não há ainda uma formulaçãoacabada do que é comunicação pública. Se ainda não é consenso o que écomunicação já há um consenso sobre o que não é, como lembra Brandão(2007, p.15) uma característica de quase todos os autores da área é o cuidadoextremo em citar o que a comunicação pública não é, apesar de não se terchegado a um acordo sobre o que ela é ou deveria ser. Ao afirmar que a áreaé um conceito em processo de construção, a autora em suas pesquisas eanálises sobre os múltiplos significados e acepções da comunicação pública

2 La ComunicationPublique. PUF, Col.Que sais-je? Paris 1995

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identificou cinco áreas diferentes de conhecimento e atividade profissional, asaber: 1) Comunicação pública identificada com os conhecimentos e técnicasda área de comunicação organizacional; 2) Comunicação pública identificadacom comunicação científica; 3) Comunicação pública identificada comcomunicação do Estado e/ou governamental; 4) Comunicação públicaidentificada com comunicação política e 5) Comunicação pública identificadacom estratégias de comunicação da sociedade civil organizada. Para Matos, acomunicação pública é uma vertente da comunicação política, o debateque se dá na esfera pública entre Estado, governo e sociedade, sobretemas de interesse coletivo. Um processo de negociação através dacomunicação, próprio das sociedades democráticas. Um ponto comum deentendimento é, Para Brandão, (2007, p.9) aquele que diz respeito a umprocesso comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedadecom o objetivo de informar para a construção da cidadania, definindocomunicação pública como o processo de comunicação que se instaura naesfera pública entre o Estado, o governo e a sociedade e que se propõe a serum espaço privilegiado de negociação entre os interesses das diversasinstâncias de poder constitutivos da vida pública no país.

A comunicação pública não é uma comunicação de governo posto que estetem caráter transitório. Além da transitoriedade dos governos, não é permitidodesconhecer que interesses governamentais nem sempre se coadunam com ointeresse público este que deve ser o denominador comum da comunicaçãopública, como bem defende Duarte: praticar comunicação pública implicaassumir espírito público e privilegiar o interesse coletivo em detrimento deperspectivas pessoais e corporativas (DUARTE, 2007, p. 61). Comunicaçãopública é, portanto, uma comunicação de Estado na compreensão do Estadoideal, aquele que atende aos requisitos modernos do direito de informar e deser informado e que, além disso, instaura políticas públicas voltadas para ademocratização da informação, estimulando o pluralismo e coibindo o domínioda informação por monopólios privados que produzem e vendem informaçãocomo mercadoria ou como espetáculo.

Ao observarmos o cenário brasileiro em que a comunicação pública,compreendida como comunicação de Estado, no conceito já explicitado, éfeita muito mais como um jogo de manutenção do poder, já captado pelaindiscrição de uma antena parabólica3, ou uma comunicação imbuída denatureza publicitária em que não faltam as modernas técnicas de marketingpersuasivo em detrimento do conteúdo educativo, da transparência, doestímulo a mobilização e ao engajamento da sociedade podemos cair em umpessimismo que seguramente não contribuirá para o longo processo que

3 Na noite de 1 desetembro de 1994, noauge da primeiradisputa presidencialentre Luís Inácio Lulada Silva e FernandoHenrique Cardoso,enquanto esperava paraser entrevistado noestúdio da TV Globopara o Jornal Nacional,o então ministro daFazenda, RubensRicúpero, confidenciouao jornalista CarlosMonforte que vinhaaproveitando do cargopara promover ativa-mente a candidatura deFernando Henrique.Durante vários minutos,certos de que osmicrofones estavamdesligados, conver-savam animadamentesobre as manobras deRicupero para promo-ver Fernando Henrique.“Eu não tenho escrú-pulos, o que é bom agente fatura, o que éruim a gente esconde”,disse Ricupero, emreferência aos índices deinflação. E acusou oIBGE (Instituto Brasi-leiro de Geografia eEstatística) de ser “umcovil do PT”. Sem queos dois soubessem, noentanto, a conversaestava sendo transmi-tida via satélite e foicaptada por antenasparabólicas em váriasregiões do país. Foigravada por váriosespectadores, que, es-candalizados, enviaramfitas gravadas aosjornais, provocandouma comoção nacional.O episódio foi identifi-cado como um abuso damáquina administrativapara favorecer umcandidato e levou àdemissão do ministroRicupero.

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precisamos encarar. A discussão sobre a comunicação pública precisa decada um de nós num processo de construção da cidadania.

Comunicação é um direito

Aqui voltamos ao ponto inicial dessa reflexão. Dallari (1988, p.14) conceituacidadania como um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade departicipar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não temcidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada dedecisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. Oacesso á informação é uma ferramenta indispensável a qualquer indivíduopara participar ativamente da vida e do governo do seu país, exercendo,portanto sua cidadania como defende Dallari. A informação é um bem público,o acesso à informação é um direito fundamental, esta é a essência dacomunicação pública que devemos perseguir.

Após a redemocratização, o Brasil construiu fortes instrumentos de defesados direitos das minorias, e a própria Constituição, promulgada em 5 de outubrode 1988, estabeleceu formas de democracia direta fomentadoras daparticipação popular e de cidadania ativa como o referendo, plebiscito e outrosinstrumentos. Temos uma legislação das mais avançadas na questão ambiental,o Código do Consumidor, Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e doAdolescente. Entretanto, falta-nos a prática da cidadania. Muitas vezes, háuma negação absoluta de acesso aos direitos que estão nas leis sem que seregistre nenhuma reação, ao contrario percebe-se uma aceitação, umconformismo ao aceitar como natural aquilo que é criminalmentediscriminatório ou injusto. É uma resignação culturalmente impregnada e osque destoam desta matriz são rotulados de barraqueiros. Fomos educados paraachar normal a injustiça, a querer resolvê-las com um jeitinho, com as amizadescom quem detém poder. Como se direitos fossem concessões de quem tempoder àqueles desfavorecidos. Há uma subserviência entranhada nas relaçõessociais, explicada pelos estudiosos como originária do nosso passadoescravocrata. Esta cultura dificulta ou impede a efetividade da cidadaniaque é construída a partir da nossa capacidade de organização, de intervençãosocial. Não são os estatutos legais que asseguram a efetividade dos direitos.Aliás, o Brasil é conhecido como o País de leis que não são cumpridas.

O que assegura a efetividade dos direitos é a nossa prática e a comunicaçãopública tem um importante papel a desempenhar na construção da cidadania.O cenário político do país exigiu uma transformação na natureza dacomunicação pública que embora ainda tímida, já desponta no horizonte. Na

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área acadêmica, um grupo de pesquisadores, infelizmente ainda pequeno,porém bastante atuante, tem conseguido levar o debate para além dos murosda universidade. É necessário destacar que considerável número dessespesquisadores atua profissionalmente em áreas governamentais, contribuindodecisivamente para a qualificação da comunicação pública.

Política Nacional de Comunicação

A comunicação ganha um novo significado no Governo que tomou posse emjaneiro de 2003. Sinalizando este posicionamento o tema foi escolhido parainaugurar os Fóruns do Planalto, programa de discussão permanente detemas da agenda do governo, de políticas públicas e de práticas inovadorasna gestão pública, promovidos pela Casa Civil. Realizado em 04 de setembrode 2003, o primeiro Fórum teve como tema a Política Nacional deComunicação, cujas diretrizes foram apresentadas pelo então Secretário Chefeda Secretaria de Comunicação do Governo e Gestão Estratégica da Presidênciada República, Ministro Luiz Gushiken. Inicialmente ainda confusa, é latentea preocupação de que a comunicação não seja apenas o Órgão institucional,a SECOM, e as agências de publicidade. A isto o ministro chama depensamento estratégico e elaborado para a comunicação governamental: oque importa em matéria de comunicação é a totalidade dos agentes públicosdesenvolvendo um diálogo com a sociedade, sabendo esclarecer, sabendoinformar, sabendo debater (GUSHINKEN, 2003).

A unidade da comunicação e a transparência do Governo são apontadas comoatributos importantes na comunicação para que o povo saiba reconhecer emcada ação do governo aquilo que está sendo feito, levando-se em conta anecessidade de manter a esperança depositada no novo governo. O Fórum,que reuniu os agentes da comunicação nas diversas áreas do Governo,demonstrou a dificuldade de conceituar a comunicação pública no âmbito doGoverno, embora o Ministro Gushiken tenha em diversos momentos usado aexpressão norte significando rumos a serem adotados na comunicaçãogovernamental, fez-se uma salada de componentes de educação cívica,propaganda política, e marketing político. Em 2005, em exposição no IIISeminário Internacional Latino-Americano de Pesquisa da Comunicação,realizado em São Paulo, O Ministro Gushiken apresentou os princípios dacomunicação pública, sintetizados em oito pontos, 1) o Cidadão tem direito àinformação que é a base para o exercício da cidadania, 2) É dever do Estadoinformar, 3) Zelo pelo conteúdo informativo, educativo e de orientação social,4) comunicação pública não deve se centrar na promoção pessoal dos agentespúblicos, 5)0 promover o diálogo e a interatividade, 6) estímulo do

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envolvimento do cidadão com as políticas públicas, 7) Serviços públicos têmde ser oferecidos com qualidade comunicativa, 8)comunicação pública temde se basear na ética com qualidade comunicativa.

Na Radiobrás, empresa estatal de comunicação, pela primeira vez em suahistória foi definida missão: somos uma empresa pública de comunicação.Buscamos e veiculamos com objetividade informações sobre Estado,governo e vida nacional. Trabalhamos para universalizar o acesso àinformação, direito fundamental para o exercício da cidadania. E valoresque perpassam conceitos como respeito ao caráter público, à cidadania,às diferenças, transparência, compromisso com a universalização do direitoà informação, com a verdade e com a qualidade da informação. A empresacriou também um conselho editorial. Percebe-se em todas estas ações umavanço na compreensão e no exercício da comunicação governamentalembora ainda não no patamar que se espera de uma administração guindadaao poder pelas forças populares e que mantém em seus quadros diversosmilitantes da causa de democratização da comunicação

Entretanto, é necessário reconhecer que é a partir desse governo que o debatesobre comunicação pública ganha força, sendo pensada, debatida e elevadaao status de política pública. Já defendemos antes que a comunicação públicaé uma comunicação de Estado não de governo. Diz respeito ao processo eambiente de informação e diálogo entre governo e os diversos atores sociaissobre temas de interesse coletivo. A informação é a primeira etapa do processoque tem como fim a transparência, a mobilização, a participação, a cidadaniaativa. É o Governo o responsável pela disponibilização e viabilização dosinstrumentos que tornarão a comunicação pública efetiva e eficiente.

Este é um país que vai pra frente

Poucas vezes a comunicação foi pensada como política pública no âmbitodos governos brasileiros e quando isto aconteceu a sistematização produzidae o conjunto de leis estabelecido não teve como foco o cidadão e muito menoscolaborou com a emancipação da sociedade, ao contrário, tiveram um viés detutela. No Governo Getúlio Vargas, a comunicação governamental esteve soba orientação do Departamento de Imprensa e Propaganda4, criado por decretopresidencial para difundir a ideologia do Estado Novo junto às camadaspopulares, um polvo com tentáculos nas áreas de radiodifusão, divulgação,teatro, cinema, imprensa e turismo, coordenando, orientando masprincipalmente censurando. Com uma estrutura altamente centralizada e umaconcepção clara de subordinação das informações à ideologia estadonovista,

4 Antes do DIP, oGoverno criou, em1931, o DepartamentoOficial de Publicidadeque em 1934 transfor-mou-se em Departa-mento de Propaganda eDifusão Cultural. NoEstado Novo, no iníciode 1938º DPDC trans-formou-se no Departa-mento Nacional dePropaganda e, final-mente, em dezembro de1939 transformou-se noDIP.

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o DIP exerceu durante quase uma década o total controle sobre a comunicaçãoe a vida cultural do país. Não informava, formava. A Agência Nacional garantiaa uniformização das notícias distribuídas gratuitamente ou como matérias pagase o Departamento de Censura assegurava o filtro que mantinha as empresasprivadas sob controle. O radio viveu um período de expansão, incentivadasua difusão nas escolas, estabelecimentos agrícolas, industriais e comerciaiscom o pretexto da promoção da cooperação entre os entes federados.Emblemático desse período foi a criação do programa Voz do Brasil, quepermanece até hoje com transmissão obrigatória no mesmo horário,considerado nobre pela lógica da publicidade, e que divulga as açõesdos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No Cinema, foi criado oCinejornal Brasileiro, também de exibição obrigatória antes das sessões,documentários de curta metragem difundindo e glorificando feitos do governo.Muitas outras mídias integravam a estrutura do DIP que não nos deteremosna análise porque não é esse o objetivo do estudo.

Durante o regime militar foi criado o Sistema de Comunicação Social que,sem a penetração e capilaridade do DIP, atuou com a mesma ideologia,eficiência e objetivos: propaganda e censura. A principal marca do período éa censura e a perseguição indistintamente à pessoas físicas e jurídicas quepregassem ou defendessem a liberdade. É um período negro que além dalegislação repressiva e centralizadora recebida do Estado Novo criou novosinstrumentos como a Lei de Segurança Nacional, os atos institucionais cujosímbolo maior é o AI-5, editado em 05 de dezembro de 1968, no GovernoCosta e Silva que se revelou um instrumento ditatorial muito mais poderosoque a própria censura no campo das comunicações. Invadiu e destruiuoficinas gráficas, empastelou edições, fechou jornais, prendeu e torturoujornalistas e quando mais suavemente atuou foi na manutenção da censuraprévia com funcionários públicos absolutamente amestrados no papel decensores a bater cartão nas redações decidindo o que seria ou nãopublicado, ou seja, a informação que chegaria à sociedade era aquelaescolhida pelo governo naturalmente tendo como matriz a manipulaçãodos fatos na tentativa de dar um polimento à ditadura militar.

Além da censura política, em forma de autocensura ou censura prévia, outroinstrumento eficaz dos regimes militares na sua política de comunicação foi apressão econômica com a suspensão dos anúncios publicitários nos veículoscontrários a ditadura e generosas verbas publicitárias aos alinhados com opensamento verde-oliva. No editorial “Retirada” em que Niomar Muniz SodréBittencourt, proprietária do jornal Correio da Manhã divulga sua posição deabandonar o jornal, a empresária afirma que “a publicidade do Estado,financiada pelos contribuintes, representando 36% do total do mercado

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publicitário foi sonegada maciçamente a uma instituição com quase 70 anosde relevantes serviços(...)” . Em um estudo sobre a censura no Brasil, GláucioAry Dillon Soares aponta também os efeitos colaterais da censura:

Num país em que o Estado desempenha um papeleconômico e financeiro fundamental, houve até efeitossecundários, isto é, empresas privadas que, diretamentecoagidas ou simplesmente receosas da suspensão denegócios com o Estado, suspenderam a sua própriapublicidade. Tal foi o caso da Editora José Olympio,que suspendeu o contrato de publicidadecom OpiniãoOpiniãoOpiniãoOpiniãoOpinião porque aguardava um empréstimo doBNDE. Ofereceu-se, inclusive, para pagar o contrato jáfeito, mas não desejava que os anúncios saíssempublicados

No rádio e na televisão, a censura alcançava além das matérias de cunhoinformativo sobre os movimentos sociais, ações do partido de oposição, oMDB, intelectuais e artistas que discordavam do regime além depersonalidades consideradas “inimigas do Estado”. O colaboracionismo coma ditadura era premiado na forma de verbas publicitárias e concessões decanais de tevê e rádio. É sob esse signo que floresceu o império dasorganizações Globo, que chegou a criar um departamento de autocensuraalegando que o custo da contratação de altos funcionários aposentados doServiço Nacional de Informação SNI era menor que o prejuízo econômicoprovocado pelos cortes ou a censura total nas produções, transformando-seem rede nacional. Isso explica porque na linha de cultura e entretenimento,a censura agiu com mais repressão nas peças teatrais, publicações literáriascomo livros e revistas de cunho político que nas transmissões televisivas.Internamente, o Regime Militar criou, ainda no Governo Costa e Silva, aAERP – Assessoria Especial de Relações Públicas, centralizando os órgãosgovernamentais de propaganda, ocupada por profissionais oriundos das forçasarmadas, não necessariamente jornalistas, com o objetivo de “motivar a vontadecoletiva para o esforço de desenvolvimento nacional”. Havia uma preocupaçãoe cuidado dos militares no sentido de diferenciarem a AERP do DIP com oreceio de que a associação criasse um desgaste maior junto à opinião públicajá desencantada com a chamada gloriosa. Produziu-se então uma comunicaçãocalcada em valores morais com apelos cívicos entrelaçados à ideologia doregime. O Governo gastava milhões com publicidade procurando enaltecer amiscigenação, a generosidade do povo brasileiro, a idéia de um país forte euma nação coesa. Foi a época do milagre brasileiro e as campanhas tinhamum tom ufanista: este é um país que vai pra frente, Brasil, ame-o ou deixe-o.

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Nem DIP nem AERP ou quando tudo isso mudar

A redemocratização trouxe novos parâmetros para a comunicação pública noâmbito dos governos e exigências da sociedade que dia-a-dia avança emmovimentos sociais organizados emergindo uma nova cidadania. A AssessoriaEspecial de Relações Públicas dos governos militares foi transformada emSecretária de Comunicação Social, ainda no Governo do Presidente JoãoFigueiredo, incorporando a Empresa Brasileira de Notícias – Radiobrás,responsável pelas ações de planejamento, execução e controle, inclusive doscontratos de publicidade, da comunicação social de Governo, além de suasatribuições específicas de radiodifusão educativa,  recreativa e institucional.Mudanças na legislação foram atribuindo funções e responsabilidades àSECOM tais como coordenação, supervisão e gerenciamento da publicidadegovernamental da administração pública federal.5

Em 2003, com a alteração na estrutura da presidência da Republica6. Foiinstituído o regimento interno da Secom, centralizando as ações decomunicação institucional do Governo e dando ao órgão a responsabilidadepelo assessoramento sobre gestão estratégica e pela formulação da concepçãoestratégica nacional. Em 2006,7 a SECOM passou a integrar a estrutura daSecretaria-Geral da Presidência da República, com o nome de Subsecretariade Comunicação Institucional.8

As mudanças na legislação são acompanhadas de um deslocamento nanatureza da comunicação pública. No Estado Novo, o DIP; na ditadura militar,a AERP; nos governos civis a comunicação pública passa a adotar técnicasde marketing, entendido como um conjunto de ações e estratégias que visamaumentar a aceitação e fortalecer imagens com foco no mercado. O caráter dacomunicação pública nos governos civis assume a estética do governante,não desprovida dos matizes ideológicos, especialmente no Governo Collor(1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Logo no GovernoSarney, inicio da redemocratização, foi criado um Plano de ComunicaçãoSocial que visava criar um distanciamento da comunicação do períododitatorial e uma identidade para o governo civil. O tema cidadania e justiçasurge na comunicação pública, especialmente na mídia eletrônica, emcontraponto ao ufanismo dos governos militares.

A tentativa de uma comunicação diferenciada, com foco nos direitos de diversossegmentos, não resistiu ao insucesso do plano cruzado – plano econômicoque tentou controlar a inflação. A partir daí predominou a técnica publicitária

5 Decreto 6.650, de abrilde 1979

6 Lei 10.683, de 28 demaio de 2003, eDecreto nº 4.799

7 No Decreto nº 5.849,de 18.6.2006.

8 As últimas alteraçõesforam efetuadas pelaMedida Provisória nº360, de 29.3.2007, quedentre outros, retorna onome inicial, ou seja,Secretaria de Comuni-cação Social e incorporaa antiga Secretaria deImprensa e Porta-Voz.

Comunicação Pública: um espaço de construção da cidadania4545454545

onde o governo e a administração aparecem como produtos. Este viés se acentuano Governo Collor em que a marca do governo é a juventude e o dinamismoe a do Brasil é a de um país atrasado que precisa daquele presidente forte, comautoridade, que vai conduzi-lo à modernidade do mundo globalizado. De formasucinta, traçamos um quadro da comunicação pública no Brasil para reforçarnosso entendimento sobre o papel da Política Nacional de Comunicação e daimportância da comunicação como espaço de construção da cidadania.

Considerações Finais

Materializar a Política nacional de Comunicação, torná-la palpável e presenteno dia-a-dia não é desafio somente dos profissionais de Comunicação ou dosGovernos. Criar uma nova matriz nas relações com a sociedade, construirreferenciais teóricos de comunicação pública com foco no exercício dacidadania, debater e conceituar comunicação pública, como estão fazendopesquisadores e a própria academia, disciplinar comunicação pública comoo fez o governo são passos importantes no caminho que se quer trilhar.Entretanto é preciso que cada um de nós compreenda a informação como umdireito e lutemos para que ele se efetive. A comunicação pública precisaassumir um foco diferente daquele dos veículos comerciais, centrando-se emeducação, informação e serviços de utilidade para a sociedade.

Concebendo comunicação pública como um processo, afirmamos que muitojá se avançou. A Carta de Atibaia, documento conclusivo do ParlamentoNacional de Relações Pública, realizado em 1997, definiu comunicaçãopública como “um conceito de comunicação comprometida com o exercícioda democracia, onde a autoridade de turno exerce o direito de informar, masonde também deve ser exigido o direito dos cidadãos de serem eficientementeinformados”. O direito de ser eficientemente informado não se efetivará semuma mobilização dos movimentos sociais, sem a compreensão da informaçãono campo dos direitos sociais e uma luta permanente pelo seu exercícioconfigurando-se um espaço de construção da cidadania. Experiências comoo orçamento participativo já bastante difundido no seio da sociedade emboraadotado como uma decisão espontânea de alguns governos, a criação deconselhos representativos de segmentos sociais, alguns já disciplinados nalegislação, a existência de um sítio na internet com a divulgação de todos osgastos com o dinheiro público são transformações que ampliam o espaço dacomunicação democrática. Da mobilização dos movimentos sociais emergiráum novo tratamento na comunicação pública estabelecendo parâmetros deexercício do direito que é a informação.

Horácio Frota Elza Ferreira

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O Governo criou em outubro de 20079 uma Tevê pública que tem sofridoviolento bombardeio dos grandes grupos de comunicação, obviamente estesataques têm relação direta com a volumosa verba publicitáriagovernamental. A exemplo de outros países, a TV Brasil nasce com aproposta de se diferenciar da tevê comercial e da tevê governamental, ouseja, sua programação não obedecerá as regras do mercado e nem ás dopoder político, conforme preconizada na Constituição de 88, Art. 22310.Em seu sítio na internet, a TV Brasil assim se expressa sobre seu objetivo:A TV Pública, com participação direta da sociedade em sua gestão, deveoferecer uma programação diferenciada da que é exibida pela TVcomercial, com ênfase na informação artística, cultural e científica, nobom jornalismo, no debate das questões nacionais, na expressão dapluralidade social. Com apenas cinco meses no ar, ainda não cobrindotodo o território nacional, torna-se impossível avaliar a correlação entre oplanejado e o executado. Entretanto, cuidar para que assim seja é semdúvida um bom exercício para iniciarmos o processo de participação quedesaguará na efetivação do direito à informação como dever do Estado e,conseqüentemente, fortalecedor da cidadania.

Em benefício do governo, deve-se mencionar a natureza do Conselho curadorda TV Brasil que tem 15 representantes da sociedade civil entre seus 20membros com o objetivo de fiscalizar a observância das finalidades da tevêpública e poderes, inclusive, para destituir os seus diretores. A criação datevê pública é sem dúvida uma aspiração antiga dos movimentos organizadosem torno da bandeira de democratização da comunicação. Para que a iniciativatenha conseqüência e se consolide como tevê pública, livre de manipulaçõespolíticas ou governamentais, é necessário que nos engajemos em sua defesa.É oportuno lembrar que por ocasião da votação da continuidade da CPMF noSenado Federal, o PSDB, por meio de seu presidente Tasso Jereissati, exigiuao Ministro Guido Mantega, o arquivamento ou o adiamento da implementaçãoda EBC – Empresa Brasil de Comunicação para que os tucanos votassem afavor do imposto do cheque. Justificou que, dessa forma, o Presidente Lulademonstraria que estava disposto a cortar seus gastos correntes. Tamanhodespropósito só tem uma explicação: uma tevê pública com um orçamentoadequado e com controle social, cumprindo o papel de um canal com asociedade é uma ameaça ao poder hegemônico dos grandes grupos privadosde comunicação. Não é tudo. Devemos perseguir a realização da ConferenciaNacional de Comunicação, como já se realizou Conferência da Cidade, daSaúde, da Assistência Social e o estabelecimento de novos marcos legais coma revogação da legislação retrograda do setor.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 14/05/2008Aprovado: 20/07/2008

9 Medida provisória398, de 10 de outubrode 2007 criou EBC –Empresa Brasil deComunicação

10 Art. 223. Compete aoPoder Executivo outor-gar e renovar concessão,permissão e autorizaçãopara o serviço deradiodifusão sonora e desons e imagens,observado o princípioda complementaridadedos sistemas privado,público e estatal.

Comunicação Pública: um espaço de construção da cidadania 47 47 47 47 47

A B S T R AA B S T R AA B S T R AA B S T R AA B S T R A C TC TC TC TC T ::::: The work talks about the public communication as a new debate in

Brazil with the aim of analyzing its importance in the construction of citizenship. Itpresents the communication held in periods of restriction of freedom - State andNew Military Ditadura as promising and welcomes the proposal of the presentgovernment to establish a National Policy on Communication. The argument isdefended the need for engagement of social movements in the struggle fordemocratization of communication with the understanding of the information is a

right that without the active participation of society, is not effective.

Referências

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Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:

citizenship, publiccommunication,democratisation ofcommunication,right toinformation.

Horácio Frota Elza Ferreira

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MATOS, Heloisa. Comunicação pública, democracia e cidadania: o caso dolegislativo. In XXI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DACOMUNICAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOSINTERDISCIPLINARES – INTERCOM, 6, 1999. Anais eletrônicos.Disponível em HTTP// www.fafich.ufmg.br. Acesso em 05 fev.2008.

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51 51 51 51 51(*) Daiani Ludmila Barth é Mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos. E-mail:[email protected] Denise Cogo é Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e PesquisadoraProdutividade do CNPq. E-mail [email protected].

Social Networks and Internet use by brazilianSocial Networks and Internet use by brazilianSocial Networks and Internet use by brazilianSocial Networks and Internet use by brazilianSocial Networks and Internet use by brazilianmigrants in Spainmigrants in Spainmigrants in Spainmigrants in Spainmigrants in Spain

Daiani Ludmila BarthDenise Cogo*

Redes Sociais e usos da internetpor migrantes brasileiros na

Epanha**

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

comunicação;internet; migraçõestransnacionais; redessociais.

RRRRResumo: esumo: esumo: esumo: esumo: Este artigo aborda os usos da internet, especialmente MSN, Skype e chat

Uol, nas experiências de construção e manutenção de redes sociais de migrantesbrasileiros na Espanha. A pesquisa orienta-se por uma perspectiva qualitativa,centrada nos estudos de recepção latino-americanos, especialmente na vertentedos chamados usos sociais, e ancorada em uma abordagem metodológica baseadaem etnografia da Internet. Como resultados da pesquisa empírica, destacamos,para análise, duas dimensões dos usos sociais da internet no âmbito das migraçõestransnacionais: (1) a internet como ambiente e ferramenta de construção do objetoda pesquisa e abordagem empírica das migrações transnacionais e (2) a internetcomo espaço de interação de migrantes transnacionais no âmbito das redes sociaisde brasileiros na Espanha.

I ntrodução

Esse trabalho traz os resultados de uma pesquisa de mestrado1 que teve comoobjetivo abordar as relações entre os usos da internet, especialmente MSN,Skype e Chat, nas experiências de construção e manutenção de redes sociaisde brasileiros em experiência migratória na Espanha. A partir de brevediscussão conceitual sobre redes sociais, internet e migrações transnacionais,

(**)Trabalho apresen-tado no GP Comuni-cação para a Cidadaniado XXXII CongressoBrasileiro de Ciênciasda Comunicação (Iner-com), realizado emCuritiba de 4 a 7 desetembro de 2009.

1 A dissertação, deautoria de Daiani

5252525252Daiani Ludmila Barth

Denise Cogo

retomamos, nesse artigo o percurso teórico-metodológico da pesquisa centradanos usos sociais, vertente dos chamados estudos de recepção latino-americanos, e em uma abordagem empírica baseada na etnografia da Internet,composta por observação e entrevistas. Como resultados da pesquisa empírica,destacamos, para análise, duas dimensões que se tornam relevantes para oestudo dos usos sociais da internet no âmbito das migrações transnacionais:(1) a internet como ambiente e ferramenta de construção do objeto dapesquisa e abordagem empírica no contexto do trabalho de campo commigrantes transnacionais e (2) a internet como espaço de interação demigrantes transnacionais, especificamente de brasileiros na Espanha,através de usos específicos em redes sociais que abrangem a constituiçãode vínculos com familiares e amigos, a (re) atualização de contatos com o paísde nascimento (Brasil), a vivência com migrantes e não migrantes no país demigração (Espanha) e a constituição de experiências de caráter organizativoe coletivo de apoio às migrações transnacionais.

Redes sociais, internet e migrações transnacionais:itinerário conceitual da pesquisa

Inicialmente, nos preocupamos em resgatar brevemente três noçõesconceituais - redes sociais, Internet e migrações transnacionais - que foramcentrais na formulação do problema e desenvolvimento da pesquisa.2

As redes sociais são fundamentais para a compreensão de fenômenos paradiversas áreas de conhecimento, dentre as quais estão a Sociologia, aMatemática, a Antropologia, a Psicologia. Na visão de Lozares, as redes sociaissão compreendidas como “coesão subjetiva” e têm a função de “identificaciónde los miembros del grupo con los de su grupo, en particular a partir delsentimiento de que los intereses individuales están ligados a los intereses delgrupo” (1996, p.15)3. Dessa maneira, em um sistema de redes sociais, seriaimportante a construção de um sentimento de solidariedade e de coesão entreseus membros. Em grupos migrantes, esse sentido aprofundaria asustentabilidade dessas redes sociais, e, conseqüentemente, a união entreseus membros as transformariam em processos coesos, fixos e inabaláveis.

Entretanto, nos processos de vivência migratória transnacional, nem sempreuma rede social tende a configurar a coesão social sugerida ou pressuporum profundo sentimento de solidariedade. Ao contrário, pode sertransitória, fluida, permeável assim como comportar hierarquizações entreseus integrantes. Nessa perspectiva, compartilhamos da proposição de

Ludmila Barth, intitula-se “Brasileiras naEspanha: Internet,migração transnacionale redes sociais” e foidefendida em março de2009 no Programa dePós-Graduação emCiências da Comuni-cação da Universidadedo Vale do Rio dos Sinos– Unisinos, sob aorientação da Profª Dra.Denise Cogo.

2 Resumimos breve-mente aspectos dadiscussão conceitualdesenvolvida de modoaprofundado na dis-sertação de mestrado.

3 Tradução das autoras:“Identificação dosmembros do grupo como seu grupo, particu-larmente a partir dosentimento de que osinteresses individuaisestão ligados aosinteresses do grupo”.

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53 53 53 53 53Redes Sociais e usos da internet por migrantes brasileiros na Espanha

Scherer-Warren (1999, p. 33-34) quando define as redes sociais como “formasmais horizontalizadas de relacionamento, mais abertas ao pluralismo, àdiversidade e à complementaridade.”

No entendimento dos recursos online utilizados, é necessário propor umadiferenciação entre internet e web. A internet é uma “rede de redes”,estruturada em nível global. Através dela, milhões de computadores estãoconectados, e, mais recentemente, também celulares, pagers e outros aparelhoscomo o iPhone. Todos estes formam uma rede na qual qualquer um dessesaparelhos pode se comunicar com outro, desde que disponham de acesso, obtido,em geral, a partir de empresas de telefonia que comercializam o serviço, paraassim estarem conectados à grande rede internet, cujas informações trocadassão realizadas por uma variedade de linguagens conhecidas como protocolos.

A world wide web (www), ou simplesmente web, é uma dessas maneiras deacessar, compartilhar e armazenar informações a partir da internet. Assim, aweb utiliza o protocolo HTTP (Hypertext Transfer Protocol), para transmitirinformações e precisa de navegadores (browsers) tais como o Internet Explorer,Mozilla Firefox, e o recentemente lançado Google Chrome, para acessardocumentos chamados de páginas web (homepages), que podem conter textos,gráficos, sons e vídeos. Estas páginas são ligadas umas as outras através delinks. A Web é, portanto, apenas uma das maneiras pelas quais a informaçãopode ser disseminada pela Internet. Embora a Web seja a grande responsávelpela popularização alcançada pela internet e, para os usuários leigos os doistermos possam parecer sinônimos, é importante não confundi-las

Ao abordarem relacionamentos online e offline, Boase; Wellman (2006)reconhecem a internet como uma mídia de comunicação e informação, maslembram que as pessoas continuam mantendo suas relações sociais fora dela.4

Em estudos anteriores, os mesmos autores apontavam que a maioria das interaçõessociais na internet acontecia entre pessoas que já se conheciam anteriormente navida offline. Ainda, ao contrário do que se imaginava, a internet não teria opoder de alterar significativamente as atividades rotineiras das pessoas.

Entretanto, seria equivocado afirmar que houvesse a diminuição do interessepela vida online, tendo como base, por exemplo, os processos de migraçãotransnacional focalizados nesse trabalho, uma vez que os migrantes estariammais conectados por desejarem se relacionar com o que deixaram para trás.No entanto, esta poderia ser considerada apenas como uma tendência, umavez que se torna impossível demarcar quantitativamente as interações sociaisindividuais ou coletivas. Haveria, ainda, a possibilidade de ocorrer o contrário

4 As experiênciasonline e offline foramabordadas separada-mente na pesquisadesde um ponto de vistade operacionalização doempírico, mas comopráticas sociais foramcompreendidas demodo inter-relacionado.

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do exposto pelos autores, ou seja, as pessoas podem se conhecer offline eincorporarem este relacionamento também ao contexto online e mesmomanterem simultaneamente relacionamentos online e offline em seu cotidiano.

Essas reflexões nos conduzem a entender o MSN, Skype e chat Uol -ferramentas que permitem a comunicação simultânea entre interlocutores - apartir dos sentidos que os migrantes lhe atribuem e dos usos que fazem delas.Além disso, a reflexão sobre configurações e reconfigurações de usos evivências da internet no âmbito dos movimentos migratórios exige queconsideremos que a internet vem se constituindo como um importante meiode busca de informações sobre a vida no exterior bem como visibilidade esustentação de identidades no mundo digital.5

Os usos de recursos da internet realizados no cotidiano dos migrantes podemabranger desde o contato com as pessoas mais próximas, como amigos e afamília, até a orientação para conseguir documentação, trabalho ou, ainda,processos de aprendizados em torno dos idiomas e da cultura de cadalocal de migração. Esses usos geram e dinamizam contatos que tambémpodem configurar redes sociais que comportam os mais variados níveis deorganização e permanência.

A mudança geográfica constitutiva das migrações transnacionais significa nãoapenas uma mudança de localização e sim a construção de espaços simbólicosentre os lugares por onde o sujeito passa, vive e constitui-se em processoconstante e fluído de atribuição de sentidos, vivenciados no cotidiano dastransformações culturais da sociedade contemporânea. (MEZZADRA, 2005).

Outra questão a ser referida é que, uma vez no exterior, o uso cotidiano dainternet tem sido preponderante na criação e manutenção de redes sociaisentre migrantes transnacionais. Ou seja, através de sites de relacionamentos6,chats, MSN e Skype, a constituição de redes sociais, entre os próprios migrantesentrevistados em nossa pesquisa, se mostrou fundamental no decorrer daexperiência transnacional, bem como na relação afetiva e emocional proporcionadaatravés da vivência de estar online, conforme nos dedicaremos a analisarposteriormente nesse trabalho. Ainda assim, importa lembrar que essas redes nãose limitam à comunicação mediada por computador, comportando um caráterinterpessoal não mediado que atravessa a história das migrações.

Por fim, vale mencionar que, apesar de recente, a migração de brasileirospara a Espanha cresceu consideravelmente nos últimos anos. De acordo com oInstituto Nacional de Estatísticas (INE) 7, no início dessa década, os brasileiros

5 São possíveis algumaspistas a partir do estudo“Internet, imaginário emigrantes brasileiras: osonho de morar naEuropa visto do sitewww.midiamigra.com.br”,realizada como Traba-lho de Conclusão deCurso de Jornalismo daUnisinos, em 2006,pela co-autora desse tra-balho, Daiani LudmilaBarth. Sua propostaconfigura-se na reflexãosobre usos da internetpor um grupo de mi-grantes brasileiras apartir de três experi-ências em que asmigrações se rela-cionam ao imaginárioeuropeu: o projeto demigração para aEuropa; a vivência damigração e sua recon-figuração no territórioeuropeu; e a reconfi-guração no territórioeuropeu na migração deretorno ao Brasil.

6 Neste exemplo, citoprincipalmente o site derelacionamentos Orkut,que não é consideradouma ferramenta decomunicação simul-tânea, mas que tem sidomuito utilizado pelosbrasileiros. Conforme oI b o p e / N e t R a t i n g s(março/2008), no Brasil,a cada 10 pessoas queacessam a Internet decasa, 7 usam o Orkut.

7 Dados do InstitutoNacional de Estatísticas(INE), da Espanha.Disponível em: <http://www.ine.es/inebase>.Acesso em: 25 set.2008.

Daiani Ludmila BarthDenise Cogo

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somavam 13.730, alcançando mais de 80 mil em 2005. Mesmo representandoum número pequeno, comparado aos 4 milhões 274 mil 821 estrangeiros quevivem na Espanha, o contingente de brasileiros praticamente duplicou a cadaano, ficando atualmente cinco vezes maior do que no início da década.8

Outro fator importante é que, no âmbito do coletivo de brasileiros em vivênciatransnacional no contexto espanhol, registra-se uma forte desigualdadeeconômica. Há aqueles em condições financeiras favoráveis e aqueles emposições menos favoráveis, conforme explica Cavalcanti:

[...] enquanto existem brasileiros que chegam a dividirsua própria cama, fazendo uso da conhecida estratégia dacama quente, para sobreviver, existem outros, com umarazoável conta bancária e, inclusive, quando as ‘coisasapertam‘, recebem ajuda de algum familiar radicado noBrasil. (2005, p.10).

Usos da internet na construção do objeto dapesquisa e abordagem empírica das migraçõestransnacionais

Em termos teórico-metodológicos, nossa pesquisa, de caráter qualititativo,situa-se no contexto dos estudos de recepção latino-americanos, especialmentena vertente dos chamados usos sociais. Desde essa perspectiva, nos orientamospela percepção de que, embora os processos mediáticos intervenhamfundamentalmente na constituição e na conformação das interações, memórias eimaginários sociais, os indivíduos são sujeitos ativos no processo de comunicação,conferindo e negociando usos específicos em relação às mídias. (COGO, 2008).A noção de usos sociais nos possibilita, ainda, pensar a ação dos receptoresnos espaços dos conflitos e de mestiçagens culturais, no contexto dos quais,segundo propõe Martín Barbero (1987), podemos distinguir modos de atuaçãoda hegemonia e de mobilização da resistência assim como resgatar os processosde apropriação e réplica das classes subalternas. Os usos sociais favorecem anossa análise sobre as diferentes abrangências da relação dos receptores comas tecnologias da comunicação em uma dimensão temporal e espacial maisampla que não se limita ao momento da recepção, mas abarca a compreensãodos processos de circulação dos sentidos produzidos. (JACKS, 2008).

No âmbito dos usos sociais, nos valemos, ainda, da etnografia como perspectivade abordagem metodológica, e, mais especificamente da etnografia na internetque contempla a possibilidade de nos apropriarmos e inserirmos em uma

8 Na leitura dessesdados, deve ser consi-derado o fato de que asestatísticas oficiais nãoregistram a presença demigrantes clandestinosou não regularizados.Vale lembrar, ainda,desde a crise econômicaglobal desencadeadaem 2007, está sendoregistrado um crescentesignificativo de retornode brasileiros daEspanha, em funçãoprincipalmente do altoíndice de desempregodo país. Sobre isso, vermatéria da BBC Brasil.Disponível em: <http:// w w w . b b c . c o . u k /portuguese/multimedia/2 0 0 9 / 0 5 / 0 9 0 5 1 2 _a b r e e s p a n h a _video.shtml>. Acessoem: 18 mai. 09.

Redes Sociais e usos da internet por migrantes brasileiros na Espanha

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rede relacional situada no tempo e no espaço, porém sem circunscrições auma territorialidade geográfica concreta no que se refere à convivência entrepesquisador e sujeitos pesquisados. Nesse sentido, a etnografia na internetnos exigiu adaptações das ferramentas clássicas de entrevistas e conversação apartir dos usos das “novas tecnologias”, em dimensão similar à descrita por Hine:

The emergence of multi-sited ethnography, conceived ofas an experiential, interactive and engaged exploration ofconnectivity, is encouraging news for ethnography of theInternet. It offers up possibilities for designing a studywhich is based on the connections within and around theInternet and enabled by it but not reliant on any oneunderstanding of it. 9 (2000, p. 61)

Vale mencionar que, no processo da pesquisa, a própria inserção dos migrantesbrasileiros em redes sociais, mediada por diferentes usos da internet, colaboroufundamentalmente para a localização dos entrevistados e realização dasentrevistas. Essa estratégia metodológica de encontro com os entrevistadosreafirmou que a utilização de recursos online favorece o estudo dasmigrações transnacionais em virtude dessa presença relevante das redessociais mediadas pela internet, mas também e, sobretudo, pela própriaexperiência transnacional que, muitas vezes, impõe uma distância geográficaentre pesquisadoras e os sujeitos migrantes pesquisados que limita o acessopresencial offline à realidade das migrações.

Uma primeira etapa de realização da pesquisa empírica visando à construçãodo objeto de estudo esteve orientada por uma pesquisa exploratória atravésda realização de buscas no chat Uol, especificamente na sala de bate-papo“Brasileiros no Exterior”. Foram realizadas também incursões no contextodos chats oferecidos pelo portal Terra Brasil e Terra-Espanha. Em ambastentativas não obtivemos sucesso, uma vez que, no Terra-Brasil, encontramosapenas “brasileiros no Brasil” ao passo que, no Terra- Espanha, tivemosdificuldades no carregamento da página que ficava indisponível ao tentarmosentrar em uma das salas. Essas dificuldades colaboraram para a abordagemempírica inicial ficasse limitada ao chat Uol.

Nestas entradas a campo, é interessante mencionar as várias tentativasfrustradas de conversarmos com mulheres. Quando contatávamos comnicknames femininos nos chats, mesmo fazendo referência à pesquisa, nãoconseguíamos manter uma conversação. Em geral, as que se apresentavamcom nicks de mulheres abandonavam as salas quando começávamos o diálogo.

9 Tradução das autoras:“A emergência de umaetnografia multi-situada,concebida como umaexploração experimen-tal, interativa e engajadade conectividade, é umaboa notícia para aetnografia da internet.Isso amplia as possibi-lidades de desenhosmetodológicos /ou/ deestudos baseados nasconexões internas e emtorno da internet, quesão viabilizadas por ela,mas que não dependemde um único enten-dimento sobre ela.“.

Daiani Ludmila BarthDenise Cogo

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Nas últimas entradas a campo utilizando o chat, adotamos outra estratégia:ao invés de esperar que um dos usuários disponíveis viesse conversar, utilizamosa possibilidade “reservada” (ou seja, apenas os dois interlocutores vêem aconversação), lançando a pergunta: “Alguém da Espanha?”, e enviando-a atodos os usuários. Essa estratégia permitiu iniciar contato, a partir do chatUol, com a única mulher brasileira que integrou o grupo de entrevistados.

Para além do chal Uol, procuramos outros modos de contato com brasileirosna Espanha. Inicialmente, a partir da lista de discussão“brasileirosebrasileirasnaeuropa”, integrante das listas de grupos Yahoo.Posteriormente, utilizamos uma comunidade desse grupo que foi criada nosite de relacionamentos Orkut, intitulada “Rede brasileiros no exterior”,10

onde identificamos perfis de mulheres brasileiras na Espanha, no esforço11

de diversificar as experiências de migração a serem focalizadas no estudo.

Ao longo do trabalho de campo, foi possível perceber três experiências distintasde migração, que, posteriormente, também se constituíram como critérios daamostra final de migrantes pesquisados no trabalho: 1) Migração com destinoà Espanha: brasileiros que saíram do Brasil com destino prévio à Espanha enão residiram em outros países, estabelecendo-se em território espanhol. 2)Migração de múltiplos trânsitos: brasileiros que saíram do Brasil e viveramem mais de um país, e que, na época da entrevista, estavam morando naEspanha, com ou sem pretensão de se estabelecerem naquele país. 3)Migração de retorno: brasileiros que viveram na Espanha, mas retornaram ese estabeleceram no Brasil.

Essas três modalidades de migrações foram cruzadas ainda com outros critériosna perspectiva de diversificação da amostra de migrantes que nasceram noBrasil e estavam em vivência migratória na Espanha e com os quais fomosnos aproximando no decorrer da abordagem empírica. Dentre esses critérios,estão o gênero, a idade, o nível de escolaridade, o tempo de migração e otempo de utilização e de acesso à Internet.

Para a realização das entrevistas, utilizamos um roteiro composto por questõesorganizadas em cinco blocos temáticos: (1) Identificação, (2) Usos deferramentas de comunicação, (3) Interações online/offline, (4) Internet -Cidadania e (5) Migração transnacional. Realizamos sete entrevistas commigrantes brasileiros na Espanha. Três brasileiros foram encontrados pelochat Uol, e entrevistados no MSN. Uma quarta migrante foi contatada peloOrkut e entrevistada através de e-mail. Um quinto brasileiro foi contatadoatravés de lista de discussão do Yahoo e entrevistado por e-mail. Um sextoentrevistado, encontrado no chat Uol, foi adicionado ao MSN, mas entrevistado

10 Disponível em:< h t t p : / /www.o rku t . com.br /P ro f i l e . a spx?u id=8975712732970420281>.Acesso em: 20 set. 08.

11 Publicamos recadossobre a pesquisa nosperfis de quatro inte-grantes da comunidade.

Redes Sociais e usos da internet por migrantes brasileiros na Espanha

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através do Skype. E, por fim, uma última entrevista foi realizada pessoalmente,offline, em Porto Alegre, constituindo-se na única abordagem em que foicontemplada a modalidade de migração de retorno.

Além disso, não havíamos previsto realizar uma entrevista presencial. Esteprocedimento, que havia sido experimentado durante o processo exploratórioda pesquisa, nos possibilitou refletir sobre semelhanças e diferenças namediação, ou não, de tecnologias disponibilizadas pela internet no processocomunicacional na abordagem empírica através do uso da entrevista. O quefoi possível perceber é que, no contato presencial offline, face-a-face, acomunicação se favorece dos múltiplos sentidos e dimensões que aparecemenvolvidos nos processos de interação entrevistador-entrevistado. Além daspalavras, têm-se os gestos, expressões, maneiras de posicionar-se perante ooutro, que, muitas vezes, a partir do acionamento de uma webcam, não sãopossíveis de serem notados ou sequer vivenciados. Até pelo fato de que aprópria webcam, utilizada durante as entrevistas por MSN e Skype, muitasvezes acoplada na parte superior do computador, exige que o entrevistadofique em uma mesma posição, sentado, para que possa ser visto por seuinterlocutor. Concorre, para isso, ainda, a questão das condições de acesso àinternet, como o tipo de conexão que deve ser favorável para que a imagempossa ser transmitida com maior nitidez ou, ainda, os riscos da conexão serinterrompida por algum problema com os servidores utilizados.

Outra especificidade da abordagem dos entrevistados através da internet queobservamos empiricamente é a atenção dispensada ao momento da entrevista.Quando os entrevistados não mostravam sua imagem pela webcam, passavamum longo tempo sem responder às questões propostas, causando até certodesconforto. O que nos lembra o relato das pesquisadoras Elisenda Ardèvol,Marta Bertrán, Blanca Callén e Carmen Pérez, sobre essas mesmas questõesde espera da resposta do entrevistado no uso de chats em seus trabalhosetnográficos online:

Y como ‘quien espera desespera’, durante los segundos e,incluso, minutos de espera que pueden transcurrir desdeque lanzas una pergunta hasta que recibes la respuesta,es inevitable que nos pasen muchas cosas por nuestrascabezas: ¿habrá entendido la pregunta?, ¿se la estarápensando?, ¿será que está hablando con otras personasen otros ‘privados’ mientras está haciendo la entrevistaconmigo?, ¿le habrán llamado por teléfono? O,simplesmente, ¿será que me está escribiendo una respuestamuy larga?12 (2003, p.83)

12 Tradução das autoras:“E como ‘quem espera,desespera’, durante ossegundos e, inclusive,minutos de espera quepodem transcorrer des-de que envias uma per-gunta até que recebasuma resposta, é inevi-tável que passemmuitas coisas pelacabeça: será que enten-deu a pergunta? Seráque está pensandonela? Será que estáconversando com outraspessoas reservadamenteenquanto faz a entre-vista comigo? Será queo telefone tocou? Ou,simplesmente, será queestá escrevendo umaresposta muito longa?”

Daiani Ludmila BarthDenise Cogo

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Também não imaginávamos, até a entrada em campo, que teríamos que utilizar oe-mail para entrevistar dois dos imigrantes brasileiros na Espanha que compuseramnossa amostra. Entretanto, em função da preferência dos entrevistados, tivemosque nos adaptar ao uso dessa ferramenta que exige outro modo de estruturaçãode uma entrevista. Para ambos os entrevistados, as questões foram enviadasem blocos e levaram cerca de um mês para serem respondidas.

Os usos da internet em espaços de interação nasredes sociais de migrantes brasileiros na Espanha

Passamos a analisar, a seguir, a segunda dimensão de usos desenvolvida nanossa pesquisa em que a internet aparece como espaço de interação demigrantes brasileiros na Espanha através de seus usos na constituição devínculos transnacionais com familiares e amigos, na (re) atualização de contatoscom o país de nascimento (Brasil), na vivência com migrantes e não migrantesno país de migração (Espanha) e na constituição de experiências de caráterorganizativo e coletivo de apoio às migrações transnacionais.

Inicialmente, caracterizamos os migrantes entrevistados e apresentamos umbreve mapa de seus acessos à internet no sentido de oferecer referênciascontextuais para, posteriormente, compreender os usos específicos que osmigrantes fazem da internet relacionado às suas experiências migratórias.

No quadro abaixo, sintetizamos os perfis dos sete entrevistados 13:

13 Por questões éticas,os nomes dos entrevis-tados foram alterados.

14 Cidade situada a 35km de Madri.

15 Joana morou emBarcelona durante osseis meses em que viveuna Espanha.

Redes Sociais e usos da internet por migrantes brasileiros na Espanha

PERFIL DOS ENTREVISTPERFIL DOS ENTREVISTPERFIL DOS ENTREVISTPERFIL DOS ENTREVISTPERFIL DOS ENTREVISTADOSADOSADOSADOSADOS

Migração1

Migração2

Migração3

NomeNomeNomeNomeNome

Murilo

Fábio

Vicente

Elisa

Silvia

RaulJoana15

IdadeIdadeIdadeIdadeIdade

34

37

23

37

25

33

24

OndeOndeOndeOndeOndemoramoramoramoramora

Camarmade

Esteruelas14

Barcelona

Madri

Madri

Madri

MadriPorto Alegre

Escola-Escola-Escola-Escola-Escola-ridaderidaderidaderidaderidade

Superior

Pós-graduação

EnsinomédioEnsinomédio

Superior

Superior

Superior

EstadoEstadoEstadoEstadoEstadoCiv i lC iv i lC iv i lC iv i lC iv i l

Casado

Casado

Solteiro

Casada

Solteira

SolteiroSolteira

OcupaçãoOcupaçãoOcupaçãoOcupaçãoOcupação

Biólogo

Coordenadorde associaçãode migrantesbrasileiros

Empregadoem mercado

Auxiliaradministrativo

Cuidado decrianças

Serviços gerais

Psicóloga

TTTTTempo deempo deempo deempo deempo demigraçãomigraçãomigraçãomigraçãomigração

14 anos

3 anos

2 anos

12 anos

2,6 anos

3 anos6 meses

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Na utilização de ferramentas de comunicação simultânea, o MSN figura napreferência de contato online da maioria dos migrantes brasileirosentrevistados. Já o Skype parece não ser tão difundido. O número de pessoasonline é o que diferencia o uso de cada recurso, na opinião dos entrevistados.A quantidade de contatos é maior no MSN, e mais reduzida no Skype (paraos entrevistados que conhecem o recurso). A menor quantidade de contatoslimita, portanto, a dimensão qualitativa de encontro com as pessoas com asquais os entrevistados mantêm contato freqüente.

Apesar de os dois programas terem o recurso da câmera web, a popularizaçãodo MSN entre brasileiros e, talvez o desconhecimento com relação aos recursosdisponíveis através do Skype, possam contribuir para que o primeiro sejamais acessado do que o segundo. Durante as próprias entrevistas, foi possívelperceber, um trânsito por ambos recursos ou, ainda, conforme o ambiente em seencontravam, os entrevistados podiam optar pelo uso de um ou outro. Aafirmação de Raul, no decorrer da entrevista, de que “não posso falar com vocêagora, só digitar, tem muita gente aqui”, é ilustrativo desse condicionamentodo local de uso. Alguns entrevistados controlavam, ainda, suas expressõesfaciais conforme o ambiente onde estavam no momento da entrevista.

Assim, num ambiente público, o entrevistado preferia escrever a usar a voz,levando a supor, por exemplo, que o MSN parece se configurar como umaferramenta de comunicação mais amigável para a escrita do que o Skype. OMSN também foi apontado pelos entrevistados como recurso importante paraa sociabilidade, traduzida em conhecer pessoas e conversar, assim como emmanter os contatos já existentes.

Dos sete entrevistados da nossa pesquisa, quatro deles foram encontrados apartir do chat Uol: Murilo, Raul, Vicente e Silvia. Isso não significa, contudo,a afirmação do uso cotidiano desse recurso pelos quatro migrantes. Sílvia,por exemplo, ao se referir a essa modalidade de conversação na web, afirmou:“akilo la, ta uma chatisse, eu entro as vezes mas nem gosto mto. O MSNposso selecionar as pessoas q quero conversar e q eu tenha confiança, ja oschats é muita sacanagem, e mentira”. 16

Em geral, nas entradas metodológicas realizadas no chat, foi possível vivenciaralgumas dessas especificidades mencionadas por alguns dos entrevistadosquando, no processo de procura por desconhecidos para a inclusão noMSN, foi necessário contornar as propostas ou sugestões ligadas,principalmente, a sexo pela internet, tendo em vista, sobretudo, o fato do chatnão possibilitar o uso da webcam.

16 Nesta e em outrascitações, foi respeitadaa grafia utilizada pelosentrevistados.

Daiani Ludmila BarthDenise Cogo

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Por fim, foram quase nulas as referências de utilização do MSN, Skype e chatUol no planejamento dos projetos migratórios para o exterior. Dentre osentrevistados, apenas Sílvia chegou a trocar informações acerca da Espanhacom uma pessoa que classificou como “conhecido” e que já vivia naquelepaís europeu. Os outros brasileiros entrevistados buscaram maneiras diferentesde obter informações sobre o destino e efetivar a migração.

O caráter transnacional de dinamização dos relacionamentos familiarespossibilitado pela condição de migrante é vivenciado pelo grupo deentrevistados tanto através do uso de ferramentas de comunicação onlinecomo de outras tecnologias anteriores à internet, como o telefone. Os usos dainternet favorecem, segundo os relatos dos entrevistados, contatos pessoaiscom parentes, amigos e conterrâneos, possibilitando, muitas vezes, a obtençãode informação sobre oportunidades de empregos, hospedagem e assistênciafinanceira no local de migração.

Nos estudos sobre migrações, família e transnacionalismo, realizados porWilding, uma das questões relevantes diz respeito às especificidades dasreconfigurações das relações familiares produzidas pela experiência damigração. De acordo com a autora: “First, family relationships are dynamic andfluid, shifting according to life-cycle events (including birth, death and migration)and perceptions of affection and emotional closeness”.17 (2006, p.129)

Com o advento de diferentes tecnologias de comunicação, a partir destainvestigação, cada entrevistado tem sua história de interação pela internet norelacionamento com a família. A mãe de Joana teve que aprender a utilizar oMSN durante o tempo em que a filha esteve na Espanha. Uma webcam foiadquirida para as sessões que reuniam a família aos domingos, muitas vezescom a presença dos avós.

A mãe e a irmã de Vicente também se conectam quase diariamente ao MSNpara conversar com o filho. Na maioria das vezes, o telefone é deixado delado, e a internet, especialmente através do MSN e e-mail, ganha preferênciapara os contatos. Sobre essa questão, o entrevistado lembrou que, emboranos locutórios que freqüenta sejam disponibilizados aparelhos telefônicos,não se sente à vontade para ligar para a família e conversar em voz alta.Novamente, ganha destaque a questão da ausência de privacidade que osentrevistados relatam vivenciar nesses espaços de acesso coletivo a internet.

Nos vínculos mantidos com brasileiros no Brasil, foi possível constatar apreferência pela utilização de ferramentas de comunicação online,representadas, neste trabalho, pelo MSN, Skype e chat Uol. Dentre elas, mais

17 Tradução dasautoras: “Em primeirolugar, as relaçõesfamiliares são dinâmicase fluídas, mudando deacordo com os aconteci-mentos do ciclo de vida(incluindo nascimento,falecimento e migração)e percepções de proxi-midade afetiva eemocional“.

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uma vez, o MSN foi o mais lembrado. Ocorre também, conforme o relato dosentrevistados, uma redução “qualitativa” dos amigos a partir do uso dessasferramentas, o que se reflete na necessidade de hierarquização das amizadesem função do tempo dispensado à internet.

Combinada com as relações familiares, a convivência intercultural dosentrevistados merece uma reflexão, principalmente pelas interaçõesvivenciadas em âmbito online e offline. Na vivência migratória na Espanha,todos os entrevistados afirmaram se relacionar com a população local,incluindo espanhóis e outros migrantes. Nenhum deles mantem contato apenascom brasileiros. Porém, com a população de espanhóis, o relacionamentoparece ser mais formal. A maior parte dos entrevistados considerou ter maiorproximidade com pessoas em situação similar de migração na Espanha.Possivelmente contribua para isso o atual posicionamento da Espanha comoum dos maiores destinos de migrantes na Europa, o que a converte em umcontexto nacional onde se potencializa, de forma crescente, a convivênciaentre pessoas de diversas nacionalidades.

Do grupo de entrevistados, o que pôde ser constatado é que nenhum delesutiliza a internet para se comunicar com a população local. As conversastanto formais quanto informais, quando existem, ocorrem desde umaperspectiva interpessoal não mediada pelas tecnologias. Na formação de umvínculo afetivo mais estável, os dados levantados evidenciam uma maiorrelação dos entrevistados com os poucos amigos no Brasil e com as pessoasna mesma situação migrante na Espanha do que com a população local deespanhóis. O que sugere, ainda, certo caráter de distanciamento entre essesmigrantes brasileiros entrevistados e os espanhóis.18

Além disso, a distância geográfica vivenciada pelos migrantes parecepotencializar ou mesmo intensificar usos da internet, privilegiando o contatocotidiano com quem está mais longe fisicamente em detrimento do que estãomais próximos. Joana, uma de nossas entrevistadas, atribuiu a falta acesso àinternet em momentos de sua estadia na Espanha como um dos principaismotivos de ter vivido o que podemos definir com uma “migração offline” eassim dispor de mais tempo para conhecer melhor a cidade onde residia evivenciar, assim, uma comunicação não mediada:

Quando a gente não tinha, perguntávamos: ‘o que vamosfazer hoje à noite?’ Vamos sair, vamos andar, vamos paraalgum lugar, vamos conhecer um lugar novo. Porquequando tu tem internet, tu acaba ficando mais confortável

18 É importante destacarque a Espanha tem umaconstituição históricahíbrida determinadapela própria migração,tendo vivido, inclusive,experiências massivasde emigração paraoutros países da Europae América Latina.

Daiani Ludmila BarthDenise Cogo

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em casa, meio acomodada ali porque tu tinha que fazeraquilo, tinha alguém com quem falar. E não deixava deser interessante, porque mesmo fora, poder falar comalguém do Brasil, poder saber notícias daqui.

Por fim, no que se refere ao caráter coletivo que assumem os usos da internetno contexto das redes sociais migrantes, o que observamos entre a migraçãobrasileira na Espanha, não foge a certas características organizativas quedemarcam a trajetória dos movimentos migratórios transnacionais na atualidade.Associações e coletivos de migrantes têm atuado para suprir espaços nãopreenchidos pelo poder público na prestação de assistência e orientação aosmigrantes, em diversos âmbitos, tais como, saúde, lazer, educação(especialmente o aprendizado linguístico) ou ainda no apoio direto à obtençãode trabalho e de regularização jurídica por parte dos migrantes.

Esse é o exemplo da AME - Asociación de Mujeres Emprendedoras - Brasil/España, onde atua uma de nossas entrevistadas, Elisa19, e que se orienta aincentivar o empreendedorismo de mulheres brasileiras na Espanha. Outrainiciativa similar é a do Coletivo Brasil-Catalunya -, que tem, entre seusorganizadores, outros de nossos entrevistados, Fábio 20. Assim como estasduas, vários exemplos de associações podem ser encontrados no universoonline21, tendo em vista, inclusive, a própria relevância que tem assumido ainternet na dinamização de experiências de caráter coletivo e organizativodos migrantes. Em outra pesquisa, já observávamos o quanto, numa perspectivade movimentos culturais, se evidenciava a emergência da própria migraçãocomo sentido ou posição de pertencimento étnico e/ou cultural em que seancoram as estratégias comunicativas no contexto das mídias impressas e/ouonline produzidas pelos migrantes e suas organizações. (COGO, 2007).

Como associação onde atua Eliza ainda não conta com uma sede física própria,os contatos são realizados regularmente por e-mail e telefone:

A nossa Associaçao esta voltada a passar informaçoes paraas pessoas q querem montar seus negocios aqui, fazemoseventos e algunas reunioes sobre outros temas também, jáq temos flexibilidade para todos os temas q vao surgindodas pessoas q entram em contato com a gente.

Por ser um dos fundadores do Coletivo Brasil Catalunya, Fábio lembra quededica grande parte do seu tempo às atividades da associação. Costumaorganizar reuniões, participar de encontros de samba, ao mesmo tempo emque realiza contatos regulares por e-mail.

19 Disponível em<http://asociacioname.blogspot.com> Acessoem: 20 nov. 08

20 Fábio é um dosorganizadores do Cole-tivo Brasil Catalunya.Disponível em: http://b r a s i l c a t a l u n y a .blogspot.com/. Acessoem 02 dez. 08

21 Somente no site derelacionamentos Orkut,existem vários exem-plos: Associación deMujeres Empreende-doras. Disponível em:http://www.orkut.com/Main#Community.aspx?c m m = 4 0 7 7 5 0 8 5 ;Associação HispanoBrasileira de Apoio aosImigrantes em Espa-nha. Disponível em:http://www.orkut.com/Main#Community.aspx?c m m = 3 9 8 1 2 8 0 5 ;NEBE – Núcleo deE n t i d a d e sB r a s i l E s p a ñ a .Disponível em: http://w w w . o r k u t . c o m /Main#Community.aspx?cmm=46848406; eainda a Rede de Brasi-leiros no Exterior, a qualmantém também umalista de discussão noYahoo, a qual estou ca-dastrada. Disponível em:http://www.orkut.com/Main#Community.aspx?cmm=53795918; Osacessos foram realiza-dos em 02 dez. 08.

Redes Sociais e usos da internet por migrantes brasileiros na Espanha

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A participação de ambos entrevistados em associações de brasileiros no paísde migração evidencia a incidência das práticas online, que se combinamcom iniciativas offline, nos esforços de organização, nos sentimentos envolvidosnestes espaços associativos e no empenho no exercício da solidariedade aosmigrantes transnacionais.

ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : This article looks at internet uses by Brazilian Migrants in Spain (especially

MSN, Skype and chat Uol) by using construction and maintenance knowledge about

these social networks. The research is based on qualitative perspectives and iscentered on Latin-American reception studies, especially regarding so called social

uses. It is sounded on an Internet ethnography methodological approach. Beingresults of empirical research we highlighted two dimensions of social uses of the

internet (in the field of transnational migrations) for analysis: (1) the internet as

the research objective's enviroment and construction tool using an empirical approachto transnational migrations and (2) the internet as an area for interaction between

transnational migrants with respect to Brazilians in Spain and their social networks

Referências

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KKKKKey Wey Wey Wey Wey Words:ords:ords:ords:ords:

communication;internet;transnationalmigrations; socialnetworks.

Daiani Ludmila BarthDenise Cogo

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 09/09/2009Aprovado: 20/11/2009

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Redes Sociais e usos da internet por migrantes brasileiros na Espanha

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Daiani Ludmila BarthDenise Cogo

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O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

67 67 67 67 67(*) Juciano de Sousa Lacerda é Professor e pesquisador do Departamento de ComunicaçãoSocial da UFRN. E-mail: [email protected]

Communitarian and local communication inCommunitarian and local communication inCommunitarian and local communication inCommunitarian and local communication inCommunitarian and local communication innetwork:network:network:network:network:

logics, practices and experiences of sociability andpopulations in telecenters in Agreste of the Borborema-PB

Juciano de Sousa Lacerda*

Comunicação Comunitária eLocal em Rede:

lógicas, práticas e vivências de sociabilidade e cidadania emtelecentros no Agreste da Borborema-PB**

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

comunicaçãocomunitária emrede; cidadania;inclusão digital;mídias digitais;telecentroscomunitários.

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Apresentamos neste texto uma proposta de investigação das lógicas,

práticas e vivências que caracterizam a condição de agentes produtores decomunicação e informação local e comunitária, em ambientes digitais midiático-comunicacionais, das pessoas e grupos que participam de projetos de inclusão digitalpúblicos e gratuitos, no Agreste da Borborema-PB, região polarizada por CampinaGrande-PB. Adotamos, como referencial metodológico, a perspectiva da pesquisa-participante, num modelo plural e flexível de webgrafia, midiografia dos telecentrose entrevista em profundidade. Com isso, pretendemos fazer o mapeamento dascondições tecnológicas em multimídia dos telecentros da região, sistematizar aprodução digital local e comunitária, tendo em vista identificar tipos de agênciacidadã ou contra-hegemônica em seus modelos e resultados.

C(**) Trabalho apresen-tado no GP Comunica-ção para a Cidadania doIX Encontro dos Gru-pos/Núcleos de Pes-quisa em Comunicação,evento componente doXXXII CongressoBrasileiro de Ciênciasda Comunicação.

1 Uma das contribuiçõesda pesquisa será a

ontextualização e problematização

Em busca de avançar na produção de conhecimento sobre práticascomunicativas, usos e apropriações comunitárias e locais das novas tecnologiasda comunicação e das mídias digitais, pretendemos nesta pesquisa analisaras lógicas, práticas e vivências que caracterizam a condição de agentes1

produtores de comunicação e informação local e comunitária, em ambientesdigitais midiático-comunicacionais, das pessoas e grupos que participam de

6868686868Juciano de Sousa Lacerda

projetos de inclusão digital públicos e gratuitos, na região Agreste daBorborema-PB, no contexto das práticas políticas de inclusão digital.

No contexto da comunicação regional e da relação local-global, Milton Santos(2002) assevera que “cada vez mais as redes são globais”, entre elas asredes de informação e do comércio. E seriam, segundo ele, atéincompreensíveis se as observássemos somente em suas manifestações locaisou regionais. Contudo, admite que “estas [redes locais/regionais] são tambémindispensáveis para entender como trabalham as redes à escala do mundo”(SANTOS, 2002, p. 269-270). É nessa perspectiva, que em nossas pesquisasempíricas temos observado o processo das redes de comunicação digital emtelecentros em diversas localidades: Curitiba-PR (2007), Barcelona(Catalunha) (2006), Joinville-SC (2008) e, agora, a região de CampinaGrande, na Paraíba. Na perspectiva das redes, desenvolvida por Milton Santos,são três os tipos de solidariedade, manifestas em três totalidades: o mundo, oterritório (pais/estado) e o lugar. As redes garantem a realidade empírica doglobal (mundo), comprometem as fronteiras/contratos nos territórios, mas ganhamuma dimensão única no local. É essa dimensão única que buscamos captar emcada investigação nessas diversas localidades.

O lugar é a terceira totalidade, onde fragmentos da redeganham uma dimensão única e socialmente concreta,graças a ocorrência, na contigüidade, de fenômenos sociaisagregados, baseados num acontecer solidário, que é frutoda diversidade e num acontecer repetitivo, que não excluia surpresa (SANTOS, 2002, p. 270).

Cicilia Peruzzo, a partir das contribuições de Renato Ortiz, propõe o caráterrelacional do local, que só existe se visto em relação ao regional, nacional ouglobal, ao mesmo tempo em que o global, por sua vez, necessitaria tornar-selocal para se realizar (PERUZZO, 2006, p. 144). Desta forma, a ambiênciamidiático-comunicacional2 dos telecentros precisa ser compreendia atravésdas práticas locais de inclusão digital relacionadas com o panorama depolíticas brasileiras e latino-americanas e, mesmo, com o paradigma globalda Sociedade da Informação (CASTELLS, 2004; SCHAFF, 1995;TREMBLAY, 2005; MATTELART, 2002). Em nossa visão, a inclusão digitalnão pode se resumir a conectar pessoas à rede mundial de computadores. Oacesso à tríade computador-telefonia-provedor de acesso não pode ser vistocomo única política de inclusão digital (SILVEIRA & CASSINO, 2003), poishá sempre o risco de colocar luz sobre a tecnologia de hardwares(equipamentos e estruturas) e softwares (programas) e deixar na sombra ascondições humanas e sociais (WARSCHAUER, 2006).

fundamentação teórica eaplicada do conceito deagente, como forma deavançar na polaridadeemissor-receptor, quenão dá conta dos pro-cessos nos ambientesdigitais. Nosso primeiromovimento será siste-matizar o conceito tendocomo ponto de partidaproposições de BrunoLatour sobre a Actor-Network-Theory (ANT)(SEGATA, 2008;OPPENHEIM, 2007;LATOUR, 1998), autorsobre qual temos nos de-bruçado no GrupCiber(PPGAS/UFSC).

2 A ambiência é umlugar que põe emrelação (BATESON,1998) distintas semios-feras culturais (LOTMAN,1996), em que atuamou se estabelecemfronteiras, no processode conhecimento mútuoe de inserção em umdado mundo culturalcomum, que provocamtanto uma aproximaçãoentre distintos espaçosculturais como a pro-dução de distinções,especializações dentrodesses espaços. Destaforma, podemos pensara ambiência dos tele-centros como um lugarde relação entre dis-tintas semiosferas:espaço digital, espaçopessoal e espaço dosobjetos técnicos (arqui-tetônico). Cada uma fazparte de um espaço designificação específico,com suas gramáticas emodos de organizaçãopróprios, mas ali seencontram numa fron-teira que as põe em

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E no local, o que fazem as pessoas e grupos em seu tempo cotidiano dedicadoà internet em telecentros de acesso público gratuito? A compreensão dessasdiversas singularidades das práticas locais nos possibilitará ir mais além,como afirma Clifford Geertz: “Necessitamos, no final, algo mais que saberlocal”. E acrescenta: “Precisamos descobrir uma maneira de fazer com queas várias manifestações desse saber se transformem em comentários uma dasoutras, uma iluminando o que outra obscurece” (GEERTZ, 2001, p. 353).Alejandro Piscitelli (2005) descreve características desse uso em termos deescrever, ler e estudar na rede. Abordamos os internautas nos telecentrosinvestigados em Curitiba (LACERDA, 2008) em termos de por onde navegam,o que lêem, o que publicam e como se comunicam com outras pessoas emrede. Na webgrafia3 realizada durante o doutorado nos telecentros de Curitiba-PR, em termos de permanência efetiva na espacialidade digital, registramosdiversos ambientes específicos ou categorias4 em que navegaram 136internautas dos telecentros Aristides Vinholes, Telêmaco Borba (Faróis doSaber) e Vila Real (Paranavegar).

O tempo de permanência no Orkut nos três telecentros alcançou 2.409 minutos(42,63%), seguido de sites com temas sobre esportes, jogos on line,entretenimento e TV com 1.553 minutos (27,48%). Os sites de buscas epesquisas escolares chegaram a 456 minutos (8,07%). O uso do editor detextos correspondeu a 97 minutos (1,71%). Identificamos, naquele contexto,que as condições tecnológicas dos telecentros não são propícias para se produzirconteúdos que ultrapassem as formas conversacionais, por mais que os gestoresafirmem o contrário. Também são baixos os índices de leitura de conteúdosproduzidos por instituições midiáticas tradicionais reconhecidas como a “velhamídia” (DIZARD, 2000). Com o processo de convergência midiática, ainternet se tornou uma incubadora de mídias (LEMOS, 2003). Estamos diantede um novo sistema midiático que engloba todas as formas de comunicaçãohumana em um formato digital (PAVLIK, 2005). Ou seja, uma espécie deecologia em rede (PISCITELLI, 2005) com forte caráter midiático-comunicacional, com proeminência das plataformas de mídias sociais (SPYER,2007), softwares gestados para internet, em que as pessoas se comunicam,acessam informações, compartilham experiências e opiniões no ambientedigital. Definimos como caráter midiático da internet, naquilo que a distingueda mídia tradicional: a possibilidade de o internauta expressar-se, sejasegundo as normas vigentes ou em oposição a elas, na mídia digital que ohospeda. Esse tipo de interação não acontece dentro das condições de produçãotradicionais dos players da mídia impressa e eletrônica. O aspecto significativoé que o advento das mídias sociais, da maior interatividade e o estabelecimentode uma intensa conversação digital,5 atuam diretamente sobre a lógica sobre

relação: o telecentrocomo ambiência mi-diático-comunicacional,como uma semiosferade intersecção.

3 Abordaremos aproposta da Webgrafiana estratégia metodo-lógica da pesquisa.

4 Registramos 3.064minutos de navegaçãono Aristides Vinholes,correspondente a 57internautas (até 1h porpessoa), nos dias 03, 11e 26/10 e 01/11/2007;1.856 minutos no VilaReal, referentes a 64internautas (até 30 minpor pessoa), nos dias04, 17, 18, 19 e 20/10/2007, e 760 minutos noTelêmaco Borba, cor-respondentes a 15internautas (até 1h porcada um), nos dias 13 e14/10/2007.

5 Identifiquei um amplouso de ferramentas einterfaces conversa-cionais na ambiênciadigital dos telecentrosde acesso públicogratuito de Curitiba,Paraná, com 54,14% dotempo de permanênciados internautas obser-vados na investigação,na espacialidade digitaldos três telecentros, eravoltado para a conver-sação digital via orkut,meebo, msn, chat, etc.O fenômeno também erasemelhante em Barce-lona (Espanha).

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a qual os profissionais, em empresas de mídia, estavam acostumados. Portanto,é mister buscar desvendar/desvelar (HEIDEGGER, 2001) os fenômenoscomunicacionais e midiáticos, atencipando, quando possível, suas tendências.

Identificamos a conversação digital como um tipo de prática significativa emrede que problematiza as lógicas, produtores e produtos de interfaces digitaismidiático-comunicacionais, pois não só reproduz, mas produz lógicas desociabilidade, interação e comunicação local-cidadã, em grande parte contra-hegemônicas. A conversação digital é um tipo de agência significativa, emtelecentros cuja tecnologia não possibilita outras formas de produção deconteúdo, por estabelecer outras lógicas de interação, em grande partenão midiatizadas pelos grandes conglomerados produtores de conteúdo. Adupla postura de fascínio e de crítica às tecnologias e sua relação com asorganizações de mídia, demonstraram, na fala dos entrevistados, a fragilidadede se pensar um ethos midiático centrado na lógica do poder econômico. Osinternautas demonstraram a capacidade de reconhecer os problemas epossibilidades da digitalização. É importante destacar que o Brasil representouna América Latina, a partir de experiências dos governos municipais eestaduais, a defesa de programas nacionais de telecentros de carátergovernamental, distintos das iniciativas de parceria público-privadas ousomente privadas, em que os interesses comerciais entram em conflitocom os objetivos sociais e cuja contribuição não passa da conectividade e doconhecimento básico de informática, podendo conduzir a uma perspectivameramente consumista da informação (MENOU et al, 2004: 53).

É nessa perspectiva que problematizamos a experiência da região Agreste daBorborema-PB,6 em relação às experiências locais anteriormente investigadas,como possibilidade de identificar, nas cidades em que há telecentros, aampliação da conversação digital em que os participantes do diálogo interativoe produtivo se reconheçam como agentes do processo (para além das trocastextuais e icônicas em ambientes como Orkut, MSN, Meebo, chats, correioeletrônico) em condições concretas de produção de informação (multimídia,textual, hipertextual, visual, em aúdio ou audiovisual) cidadã ou contra-hegemônica (HALL, 1984; TREMBLAY, 2005; PASQUALI, 2005) deinteresse/enfoque local ou comunitário (PERUZZO, 2006) em plataformasde mídias sociais (SPYER, 2007) da Internet. Ou seja, em que condições oacesso e o uso de tecnologias de produção multimídia em telecentros de acessopúblico gratuito tornam possível a ampliação da conversação digital em termosde produção, circulação e troca de produtos culturais ou informativos deinteresse local ou comunitário? Em segundo lugar, de que modos essaprodução informativa/expressiva pode ser caracterizada como um tipo deagência cidadã ou contra-hegemônica? Quais as semelhanças e diferenças

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6 A microrregião écomposta por 12 muni-cípios: Areial, CampinaGrande, Esperança,Fagundes, Lagoa Seca,M a s s a r a n d u b a ,Montadas, Pocinhos,Puxinanã, Queimadas,Remígio e Solânea.Fonte: SOUSA, LuizGonzaga de. Caracteri-zação das terras agrí-colas paraibanas. In:____. Análise de de-sempenho das culturasagrícolas da Paraíba.Edición electrónicagratuita, 2006. Textocompleto em www.e u m e d . n e t / l i b r o s /2006a/lgs.

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entre a ambiência dos telecentros de acesso público gratuitos em CampinaGrande, cidade de referência do Agreste da Borborema-PB, em comparaçãocom as demais localidades da microrregião atendidas por projetos de inclusãodigital? E, por fim, de que modo essas diferenças e semelhanças operamsignificativamente sobre os modos de uso e apropriação das pessoas queusufruem dos serviços destes telecentros?

As perguntas se justificam pelas mutações do fenômeno dos telecentros nosúltimos tempos. Durante a pesquisa empírica do doutorado, não erasignificativa a presença de telecentros voltados para a produção de conteúdos,integrados a projetos culturais locais de maior amplitude, a exemplo dos Pontosde Cultura ou do Casa Brasil, que ainda eram uma promessa. Hoje, são 824Pontos com apoio de verbas do Ministério da Cultura em todo o Brasil, segundodados do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos.7 O projetointerministerial Casa Brasil, coordenado pelo Ministério da Ciência eTecnologia tem, atualmente, 73 unidades em funcionamento no país.8 Naregião Agreste da Borborema-PB há dois Pontos de Cultura e duas CasaBrasil, oficialmente reconhecidas, todos em Campina Grande. Outros 57pontos de inclusão digital (PIDs) são atendidos por diversos programaspúblicos e privados, sendo 41 deles sediados em escolas públicas de CampinaGrande, com foco na comunidade estudantil. Os outros 16 espaços são abertospara a comunidade em tempo integral e estão distribuídos nos municípios deCampina Grande (9 deles), Areial (1), Fagundes (2), Remígio (1) e Solânea (3).

Pretendemos na pesquisa caracterizar os produtos e modos de produçãoinformativa/expressiva realizados nos telecentros dos Pontos de Cultura e CasaBrasil do Agreste da Borborema-PB, tendo em vista identificar tipos de agênciacidadã ou contra-hegemônica em seus modelos e resultados. Para isso, vamosmapear e descrever as lógicas das condições de acesso e uso de tecnologiasmultimídia em telecentros de acesso público gratuito para produção, circulação etroca de produtos culturais ou informativos de interesse local ou comunitário. Porfim, vamos avaliar e comparar o modo como as diferenças e semelhanças entreas ambiências de telecentros sediadas em Campina Grande e nos municípiossatélites operam significativamente sobre as vivências, modos de uso eapropriação das pessoas que usufruem dos serviços e tecnologias ofertados.

Percurso da investigação

Não há um caminho já traçado entre um acontecimento ou fato concreto –que nos provoca – e sua transformação em objeto estruturado de uma pesquisacientífica. O caminho se faz ao andar, mas como diz o poeta sevilhano-

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7 Conferir o Mapa dasRedes de Pontos deCultura no endereçoeletrônico [http://mapasdarede.ipso.org.br/mapa/]. Acesso em 30/03/2009.

8 Conferir seção“Unidades” no site doprojeto Casa Brasil:[http://www.casabrasil.gov.br/]. Acesso em 30/03/2009.

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madrilenho António Machado: “são teus rastros o caminho”.9 Esses rastrossão o que poderíamos interpretar em Bachelard como o percurso metodológico,o caminho feito pela pesquisa na transformação de um fenômeno imediato emuma experiência construída, ricamente estruturada (BACHELARD, 2006:125). Ou poderíamos atribuir metáforas para representar a dimensãometodológica da pesquisa, como “dimensão norteadora”, “mapa”, “bússola”,que representam o artesanato articulado em torno da fabricação de um objetode conhecimento. Como propõe Jiani Bonin,

a metodologia pode ser pensada como dimensão quenorteia, orienta, encaminha os processos de construção dapesquisa, em todos os seus níveis; como instânciacorporificada em fazeres, operações, experimentações eprocedimentos que vão dando feição ao objeto doconhecimento, que vão se inscrevendo em lógicas atuantesna captura e fabricação pensada deste objeto (BONIN,2008, p. 121).

Desta forma, passaremos a detalhar o nosso percurso, apontando o recorteempírico da investigação, os aspectos que situam o comunitário e o localcomo produção informativa, o tipo de postura investigativa e as estratégias ecritérios de coleta e organização dos dados.

O recorte empírico dos telecentros do Agreste daBorborema

O nosso recorte principal, atendendo aos objetivos da pesquisa, é demarcadopelos telecentros de uso comunitário que possuem estrutura tecnológica paraprodução de informação local e comunitária, em distintos suportes multimídia.Portanto, definimos como primeira parte do recorte empírico da pesquisa quatrotelecentros de Campina Grande-PB: a) o Ponto de Cultura Espaço CUCA –Centro Universitário de Cultura e Arte; b) o Ponto de Redes Culturas PopularesEmpreendedoras - Rede Viva de Culturas Populares Empreendedoras(www.paqtc.org.br/redeviva), coordenado pela Fundação Parque Tecnológicoda Paraíba, em parceria com a UFCG, UFPB e UEPB; c) a Casa Brasil CampinaGrande, cuja gestão é da Prefeitura Municipal de Campina Grande; d) e a CasaBrasil UEPB, cuja gestão é da UEPB.

Completando o recorte empírico, definimos outros 16 telecentros do Agresteda Borborema-PB, nove deles em Campina Grande e 7 em cidades da região,para atender ao objetivo 3 da pesquisa: avaliar e comparar o modo como as

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9 “Caminante, son tushuellas el camino, ynada más; caminante,no hay camino, se hacecamino al andar” .T r a d u ç ã o :“Caminhante, são teusrastros o caminho, enada mais; caminhante,não há caminho, faz-secaminho ao andar.”[ h t t p : / /ocanto.esenviseu.net/d e s t a q u e /machado.htm].

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diferenças e semelhanças entre eses telecentros operam significativamentesobre os modos de uso e apropriação das pessoas que usufruem dos serviçose tecnologias ofertados. Os nove telecentros de Campina Grande são: 1) 31ºBatalhão de Infantaria Motorizado. Programa/projeto GESAC; 2) 5ª Delegaciado Serviço Militar da 23ª CSM. Programa/projeto GESAC; 3) Telec. FundaçãoSistêmica-Somos Um, Programa/projeto Telecentros Comunitários Banco do Brasil;4) Prefeitura Municipal de Campina Grande, Programa/projeto GESAC; 5)Fundação Sementes da Vida, Programa/projeto Ação Digital Nordeste – RITS; 6)Estação Digital Campina Grande, Programa/projeto Estações DigitaisFundação Banco do Brasil; 7) Casa Brasil Orgulho da Gente (não consta nosite do Casa Brasil); 8) TIN Campina Grande, Programa/projeto TIN – MDIC;9) TIN Campina Grande/Amde, Programa/projeto TIN - MDIC

Os outro sete telecentros, distribuídos nos demais municípios da região Agresteda Borborema-PB são: Areial (1) TIN Areial - Programa/projeto, TIN – MDIC;Fagundes (2) 1 - Prefeitura Municipal de Fagundes; 2 – Telecentro Comunitáriode Fagundes, Programa/projeto: GESAC; Remígio (1) TIN Remígio, Programa/projeto, TIN – MDIC; Solânea (3) -1 – Central das Associações Comunitárias deSolânea, Programa/projeto GESAC; 2 - Centro de Serviços Sócio-Educativos eTécnico-científicos para o desenvolvimento Comunitário, Programa/projeto AçãoDigital Nordeste – RITS; 3 – TIN Solânea, Programa/projeto TIN – MDIC.

Da região Agreste da Borborema fazem parte outros 7 municípios,10 contudono Mapa da Inclusão Digital do IBICT (http://inclusao.ibict.br/) não háregistros da existência de telecentros nestas cidades, portanto, não farão parteda investigação neste momento. Há, ainda, em Campina Grande outros 41pontos de inclusão digital (PIDs) localizados em escolas públicas. Muitosdeles abrem no fim de semana para o uso comunitário, mas seu principal focoé atender às demandas de ensino-aprendizagem das escolas. Diante disso,ficam fora do recorte desta investigação, mas, por sua representatividade, nosinteressam para um próximo projeto de investigação, focado justamente nessacaracterística específica de contexto de uso das tecnologias da informação eda comunicação: atender às escolas como foco principal para o ensino-aprendizagem e à comunidade, nos fins de semana.

Informação comunitária e local: cidadania e disputashegemônicas

Neste segundo movimento de construção do percurso metodológico,pretendemos fazer a distinção entre informação comunitária e local, a partirdas contribuições no campo da comunicação de Cicilia K. Peruzzo (2006),

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10 São eles Lagoa Seca,M a s s a r a n d u b a ,Montadas, Pocinhos,Puxinanã, Queimadas eEsperança.

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como recorte do tipo de produção informacional que analisaremos nostelecentros supracitados do Agreste da Borborema-PB. O primeiro movimentoé a impossibilidade de delimitar fronteiras totalmente demarcadas entrepráticas midiáticas locais e comunitárias, da mesma forma como é problemáticoestabelecer fronteiras claras entre as espacialidades comunitárias, locais eregionais (PERUZZO, 2006, p. 143). Tomamos aqui duas perspectivas comoponto de partida para essa distinção, que serão melhor problematizadasdurante o decorrer da pesquisa. A primeira, em termos da compreensão dolocal, como “um espaço determinado, um lugar específico de uma região, noqual a pessoa se sente inserida e partilha sentidos. É o espaço que lhe éfamiliar (...) muito embora as demarcações territoriais não lhe sejamdeterminantes” (PERUZZO, 2006, p. 144). Já a comunidade não pode serconfundida com um território (bairro, cidade etc) ou com segmentos eagrupamentos da sociedade (MARQUES DE MELO, 2006; PERUZZO, 2006;PAIVA, 2007). “Ela pressupõe a existência de elos mais profundos e nãomeros aglomerados humanos” (PERUZZO, 2006, p. 145). Portanto, segundoPeruzzo, não bastaria falar de coisas do lugar para um meio de comunicaçãoser considerado comunitário, é preciso laços fortes entre os participantes emtorno de um coletivo capaz de fazer a superação das amarras do individualismo.

Há, portanto, uma tendência de a comunicação midiática local manter-sedentro da “ordem cultural dominante”, ou seja, uma relação de consonânciacom a estruturas hegemônicas vigentes no mundo político, social e cultural(HALL, 1980). A ordem dominante ou hegemônica procura então manterseu sistema de valores e significados como válidos, enquanto permanece adisputa, a “luta cultural” com outras formas não-hegemônicas, cujoenfrentamento se realiza de diversas formas: “incorporação, tergiversação,resistência, negociação, recuperação” (HALL, 1984). Muitas dessaspráticas são contra-hegemônicas, podendo representar forças emergentesde produção de informação. Contudo, nas palavras de Stuart Hall, “lasrupturas culturales de hoy pueden recuperarse para apoyar el sistema devalores y significados que domine mañana” (1984).

No contexto acima apresentado, pretendemos considerar os telecentrosselecionados para a pesquisa em seu caráter comunitário ou local, até mesmoa intersecção entre essas características, uma vez que é impossível umlimite exato entre elas. Esse será um avanço em termos das investigaçõesanteriores que realizamos, pois não havíamos trabalhado uma definiçãometodológica clara sobre como classificar os telecentros em locais oucomunitários, em seus modos de gestão, objetivos, aptidões, interesses,tipos de públicos, diante das condições locais de produção de informação eas relações de poder que se estabelecem.

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Postura investigativa, estratégias e critérios de coletae organização dos dados

O próximo movimento é explicitar o conjunto plurimetodológico deprocedimentos que operacionalizamos para o registro, organização,sistematização da investigação. Os procedimentos que vamos explicitar foramconstruídos e aplicados durante a pesquisa de doutorado, primeiramente demodo exploratório em Barcelona (Catalunha), em 2007, e depois, de modosistemático, em Curitiba-PR (2007). Contudo, uma construção metodológicanunca está dada ou é definitiva, pois pode se transformar numa receita eperder seu caráter de experimentação (BONIN, 2008), capaz de produzirnovos conhecimentos no campo. Nossa postura, portanto é de experimentaçãocriteriosa na perspectiva da observação direta participante, na qual “oinvestigador social se implica directa y activamente en la vida cotidiana delgrupo” (GARCÍA FERRANDO; SANMARTÍN, 1996, p. 121). Na observaçãodireta e participante, é importante ter em claro as questões que se querinvestigar, mas o conjunto de procedimentos não precisa estar totalmentedefinido e fechado de antemão, pois corre-se o risco de uma aplicação mecânicaem campo, que gera uma aparência de segurança, mas compromete osresultados (GARCÍA FERRANDO; SANMARTÍN, 1996). No contexto dainvestigação das práticas comunicacionais e midiáticas nos telecentros noAgreste da Borborema, nossa postura é de que a metodologia da pesquisaparticipante é um artesanato intelectual (MILLS, 1975), que na perspectivaqualitativa sempre pode ser aperfeiçoado. Desta forma, as estratégiasmetodológicas aqui propostas são nosso ponto de partida, cabendo, no percurso,a necessidade de movimentos táticos no sentido de qualificar ainda mais osinstrumentos de pesquisa em função do cotidiano concreto das pessoas queatuam nos telecentros selecionados. Entendemos que a perspectiva qualitativana observação direta e participante não é o lugar da informalidade, em quetudo é válido, pois importaria somente a “qualidade”. Qualidade necessitade disciplina e, também, de flexibilidade. “No hay reglas de correspondenciaque liguen teoría y objeto de la observación, sino maneras enormementeespecíficas de conducirse em la interacción social em cuyo seno se vadesarrollar la observación participante” (GARCÍA FERRANDO;SANMARTÍN, 1996, p. 132). Temos consciência de que no cotidiano dosusos e apropriações dos telecentros configuram-se lógicas, práticas e vivênciasde sociabilidade e cidadania. E para poder identificá-las e interpretá-las épreciso “estar ao mesmo tempo em posição exterior para escutar e ser umparticipante das conversações naturais onde emergem as significações dasrotinas dos participantes” (COULON, 1995. p. 91). Numa observaçãoparticipante, nossa implicação com o local e risco de tomarmos uma postura

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militante é muito maior do que em outros métodos. Diante disso, é preciso terconsciência crítica de si mesmo, de que não somos “nativos” do grupo, nojogo da observação, somos vistos, ainda, como pesquisadores, temos papéisdistintos nas atividades cotidianas realizadas no telecentro.

Do ponto de vista da sistematização dos dados, mais do que reforçar oimaginário dualista entre perspectiva qualitativa (interpretativa) e quantitativa,é preciso perceber que não há quantificação sem qualificação ou análiseestatística sem interpretação (BAUER, GASKELL & ALLUM, 2003: 24).Interessa questionarmos sobre, do ponto de vista metodológico, como o objetocomunicacional nos interpela em seus vários nuances. “Uma coberturaadequada dos acontecimentos sociais exige muito mais métodos e dados: umpluralismo metodológico se origina como uma necessidade metodológica”(BAUER, GASKELL & ALLUM, 2003: 18).

Esse pluralismo não se confunde com dispersão ou efeito de cientificidade,mas deve se constituir como imperativo. “Cada pesquisa empírica demandaa estruturação de instrumentos técnicos de observação, experimentação,registro, teste e sistematização de informações” (MALDONADO, 2006: 286).A natureza dos processos comunicacionais e midiáticos requer formulaçõesplurimetodológicas no contato com a realidade empírica numa perspectivainvestigativa, principalmente quando o comunitário e o local vivenciam aslógicas das tecnologias digitais de comunicação. O conjunto plurimetodológicode procedimentos está articulado em três eixos relacionados entre si, quedenominamos como webgrafia, midiografia do tempo/espaço dos telecentrose entrevista em profundidade com enfoque na história das práticas e vivênciasdigitais do sujeitos da pesquisa.11

Webgrafia da produção comunitária e local

Para desenvolver a Webgrafia como procedimento metodológico, partimos dametáfora elaborada por Todd Gitlin (2005) da “correnteza” ou do “dilúvio”midiático que inunda de informações nosso cotidiano. E para reduzir suaenormidade a uma escala humana de convivência cômoda com tantainformação, “definimos nossos favoritos, classificamos as partes, nos centramosem determinados segmentos e fazemos o possível para ignorar o restante”(GITLIN, 2005: 146). Essas atividades de definir, classificar ou nos focar emdeterminados tipos de informação se constituem como “estratégias denavegação”. “Com o fim de controlar o incontrolável, cultivamos estratégiasde navegação que, quando se consolidam e se tornam habituais, com bomcritério podem denominar-se ‘estilos’” (GITLIN, 2005: 146). Na pesquisa

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11 “Os processos decomunicação não acon-tecem por si só, preci-sam de sujeitos que secomuniquem. Mas,para que tenham umvalor de cientificidade,é preciso que estessujeitos, a partir de suasc o m p e t ê n c i a s ,desenvolvam uma capa-cidade de reflexividadee relatabilidade sobresuas práticas. Essemovimento operativo ostorna co-produtores doconhecimento sobre suaprópria comunicação e,dessa forma, contri-buem ativamente paraos estudos ou formula-ções sobre a Comuni-cação enquanto lugar deprodução de saberes”(LACERDA, 2003:138).

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de doutorado (2004-2008), nos limitamos à descrição das estratégias denavegação dos internautas, dos seus ambientes digitais favoritos, a partir deum mapa em que registrávamos, minuto a minuto, em intervalos de uma hora,os ambientes por onde navegavam os internautas. Esse instrumento foi aliadoa um questionário breve sobre as preferências de navegação e sobre asatividades que realizavam no telecentro. Nesta nova investigação,trabalharemos principalmente o mapeamento das estratégias de produção. Apartir da construção de um novo instrumento que possa dar conta do registrosistemático das práticas e astúcias dos agentes na produção de informaçõescomunitárias ou locais e de bens culturais, em função da qualidade desoftwares, fluxos, acessos, plugins, filtros, interdições, possibilidades e limitestécnicos encontrados na espacialidade digital (ciberespaço) dos telecentrosinvestigados. Procuraremos identificar em um questionário pistas sobrehábitos, práticas, rotinas, astúcias, para chegar aos sentidos que elaboramsobres tais práticas, durante a fase das entrevistas em profundidade.

Midiografia do espaço/tempo dos telecentros

Com o que denominamos de midiografia do espaço/tempo dos telecentrostemos como meta caracterizar, pela descrição detalhada, a ambiência midiático-comunicacional dos espaços dos telecentros. Como primeiro procedimento,realizaremos o registro e a descrição do espaço informacional arquitetônicode cada telecentro, a partir de anotações em dois tipos de diário de campo:textual e digital.12 Compararemos com os registros os tipos de ambiente,estrutura tecnológica, número, tipos e configurações de computadores eequipamentos midiáticos acessíveis à população, e, por fim, a qualidade dasacomodações. Para narrar essas comparações e estabelecer um diálogo comos dados escritos, produziremos imagens com câmera digital, tomando-as comoum caderno de campo digital (ACHUTTI & HASSEN, 2004).13

Entrevistas em Profundidade: histórias das práticase vivências digitais

Para fazer relações necessárias entre práticas, vivências e percepções dosinternautas sobre sua agência produtiva face às ofertas e condiçõestecnológicas de produção dos telecentros, como ambiência midiática digital,optamos no enfoque da entrevista em profundidade pela linha da história daspráticas e vivências digitais, compreendendo os períodos de sua experiênciacom a mídia tradicional e as mídias digitais, de consumidor a produtor deinformações. O objetivo é captar nas significações produzidas nas entrevistasse há o reconhecimento, por parte dos agentes, do sentido de cidadania e de

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12 C. Wright Mills(1975) indica aprodução de um diáriocomo parte do artesanatointelectual, inclusivepara registrar “pensa-mentos marginais”advindos de pensa-mentos da vida diária,de conversar queouvimos na rua, atémesmo sonhos. Nomomento da observaçãomesma nos telecentros,certas impressões ouinsights se produzemou são provocadossomente naquele con-texto, naquele momento(timing), sem o registroperdem-se como pos-sibilidade de levar a umraciocínio estruturado.13 “O filme e a prata nãosão mais os elementos.Falamos em pixels, bitse memória (não somen-te cartões de memória,mas a memória comosuporte da identidadeindividual e coletiva).As câmeras fotográficasdigitais garantiramc o n s i d e r á v e i smudanças no trabalhode campo. Talvez suaprincipal diferença emrelação à fotografiaconvencional seja apossibilidade de sepoder ver as fotografias“no lugar” e, maisimportante ainda, poderselecioná-las “no lugar”(ACHUTTI & HASSEN,2004: 278). Ao mesmotempo, isso pode seconverter num proble-ma, segundo os autores,pelo risco de perder umtempo precioso dossujeitos da pesquisa oupara a observação, aodemorar em avaliandoas “melhores” as fotos.E a sensação de poderdescartar as não

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ação contra-hegemônica em suas práticas de produção comunicativa eexpressão cultural na Internet, a partir dos telecentros. A partir do grupo depessoas que participarem mais ativamente da fase da webgrafia e midiografia,definiremos um grupo significativo que represente as especificidadesencontradas em campo, em função das diferentes modalidades de telecentros(de produção de conteúdo multimídia; de acesso a conteúdos e troca demensagens; de capacitação em informática básica) e do lugar onde se localizam(Campina Grande; cidades periféricas do Agreste da Borborema), de formaque as narrativas possam contemplar os diferentes matizes. Não se trata deuma proposta metodológica de história de vida como concebida strictu sensue consolidada na etnografia,14 mas como método inspirador e auto-reflexivopara se pensar e apropriar-se do processo de entrevista em profundidade,uma vez que se trata uma pesquisa participante, mas de médio prazo. Parafortalecer o aspecto participante, a inspiração metodológica de “confiançaambígua”15 nos faz ver o desafio de construir uma relação de intensidadecom os entrevistados num período de tempo relativamente curto. Mesmo setratando de uma entrevista em profundidade, a sua “efetivação exige umconsiderável esforço do pesquisado, portanto deve ser efetuada quando ascondições de amadurecimento da inter-relação pesquisador-pesquisadoalcancem um nível bom de produtividade e criação” (MALDONADO, 2000, p. 6).

Principais contríbuições da pesquisa

Com os resultados da pesquisa, pretendemos fortalecer: a) no campo dacomunicação a teorização sobre as plataformas digitais de mídias sociais comenfoque local e comunitário; b) no âmbito da comunicação regional, ateorização sobre o local e o comunitário na perspectiva das novas tecnologiasda comunicação e mídias digitais. Por fim, esperamos contribuir para opensamento desenvolvido no campo da comunicação regional em torno douso das mídias digitais/sociais em práticas de cidadania e da democratizaçãoda informação e da produção cultural. Com isso, ampliar a discussão daspolíticas públicas de comunicação, relacionadas às políticas públicas deinclusão digital, no contexto do paradigma da Sociedade da Informação.

ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : We present in this text a proposal of inquiry of the logics, practical and

experiences that characterize the condition of producing agents of communicationand communitarian local information and, in mediatic-communications digitalenvironments, of the people and groups that participate of public and gratuitousprojects of digital inclusion, in the Agreste of the Borborema-PB, region polarizedfor Campina Grande City. We adopt, as methodological referential, the perspectiveof the research-participant, in a plural and flexible model of webgraphy,mediagraphyof the telecenters and interview in depth. With this, we intend to

KKKKKey Wey Wey Wey Wey Words:ords:ords:ords:ords:

communitariancommunicationnetwork; citizenship;digital inclusion;digital medias;telecenterscommunitarian

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 04/08/2009Aprovado: 10/10/2009

Juciano de Sousa Lacerda

classificadas, pode fazerperder imagens que,distante do calor dahora, teria um valor paraa pesquisa ou comoregistro histórico.14 Que envolve pro-cessos de exploração,descrição e análise defundo das histórias devida, em vários momen-tos, com idas e vindas,retomadas, num proces-so temporal longo eintenso, paralelo aoutros registros etnográ-ficos de imersão na vidada população investigada(GALINDO CÁCERES,1998: 371-375).

15 Mills adverte que opesquisador tem queser, ao mesmo tempo,“confiante e cético emrelação à sua experi-ência” (1975: 213), eessa ambigüidade omantém vigilante sobresuas próprias práticasde pesquisa de campo.Neste aspecto, a arti-culação da entrevista emprofundidade com odiário de campo textualé fundamental tambémcomo espaço de pensar-se do pesquisador, aotomar nota sobre si, emcampo, enquanto aplicaos procedimentos depesquisa.

O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

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make the mapping of the technological conditions in multimedia of the telecentersof the region, systemize the digital and communitarian local production, in view of

identifying to types of agency against-hegemonic citizen or in its models and results.

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Juciano de Sousa Lacerda

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8383838383(*) Valério Cruz Brittos é Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências daComunicação UNISINOS. E-mail: [email protected] César Ricardo Siqueira Bolaño éProfessor na UFS e no Programa de Pós-Graduação em Ciências daComunicação da UnB. E-mail: [email protected]

Digital PDigital PDigital PDigital PDigital Paradigm:aradigm:aradigm:aradigm:aradigm:capitalism, culture and public sphere

Valério Cruz BrittosCésar Ricardo Siqueira Bolaño*

Paradigma digital:capitalismo, cultura e esfera pública

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

convergência,tecnologia,regulação,comunicação,economia política.

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Este artigo condensa uma parte do marco teórico desenvolvido pelos

autores para análise da TV digital, onde se pode encontrar, ademais, um examemais extenso da história do desenvolvimento dessa tecnologia no Brasil e no mundo,na perspectiva da Economia Política da Comunicação. Neste texto faz-se a opçãode apresentar o estado da arte dos debates sobre internet, convergência e seusimpactos sobre a economia das telecomunicações e da televisão, além de avançarna discussão sobre a democratização das comunicações, na base de consideraçõessobre cultura e esfera pública.

I ntrodução

A atual reestruturação capitalista, fruto da revolução micro-eletrônica, permiteuma ampla subsunção do trabalho intelectual, paralela a uma intelectualizaçãogeral de todos os processos de trabalho, de modo que a relação entre trabalhomanual e intelectual tende a alterar-se, o que está relacionado com transformaçõesprofundas no modo de produção, de maneira que as tecnologias da informação eda comunicação adquirem um protagonismo crucial no processo.1 Por toda partefala-se de uma sociedade da informação, construída pelos principais paísescapitalistas, que arrasta praticamente o mundo todo na direção de um novo

1 A idéia de subsunçãodo trabalho intelectualcomo característicafundamental da ter-ceira revolução in-dustrial, seguindo aperspectiva de Marxa respeito das duasprimeiras revoluçõesindustriais, foi for-mulada inicialmentepor BOLAÑO, César.Economia Política,Comunicação e Glo-balização. In: IIIC O L Ó Q U I O

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padrão de acumulação de capital, modificando modos de vida, valores, relaçõessociais de todo tipo, enfim, aprofundando brutalmente a tendência deexpansão de uma cultura global, especificamente capitalista, cujo exemplomais acabado são as indústrias culturais, especialmente a radiodifusão e a internet.

A revolução da micro-eletrônica, desencadeada em 1948, com a invenção dotransístor, se traduziu, nas telecomunicações, em um processo progressivo dedigitalização – primeiro na transmissão, nos anos 50 e 60, depois na comutação,nos 70 –, acabando por constituir um novo paradigma tecnológico. Nestadireção, Phan e N’Guyen bem resumiram a problemática, destacando que,com a digitalização da informação, abre-se um paradigma novo, “associadoàs técnicas informáticas que constituem o seu suporte genérico”, sendoseu ritmo de desenvolvimento dependente do rendimento dossemicondutores; ante isso, são oferecidas oportunidades de transformaçãoradicais “nos setores fornecedores de meios (telecomunicações, informática)ou produtores de conteúdos (audiovisual, edição escrita e musical etc.)”, deforma que todo esse processo é traduzível pelo desenvolvimento progressivode uma convergência funcional “entre as redes informáticas detelecomunicações e, mais recentemente, de teledifusão”.2

Impactos sobre a economia das telecomunicações

No que se refere à economia das telecomunicações – beneficiada tambémpor outras inovações, como as fibras óticas, os satélites ou a telefonia móvel–, a digitalização da comutação facilita a separação das funções deadministração e controle das chamadas e de transporte da informação oucomunicação, de modo que, por exemplo, a sinalização entre comutadoresnão é mais efetuada através do próprio canal da conversação, mas de umcanal semáforo específico, o que permite uma gestão mais econômica dasredes, levando a sua reestruturação geral, cujo resultado será diferente emregime de concorrência ou de monopólio. O operador que conservar omonopólio em tal caso de prestação, tem sua vantagem competitiva reforçada;mas se, contrariamente, for instaurada a disputa entre capitais no setor, “aconcepção modular das funções de comutação, a separação entre transportee sinalização podem permitir à concorrência ter acesso aos recursos de rededo operador, em condições similares às dele”.3

Assim, a questão das normas de interconexão torna-se absolutamente centralna economia das telecomunicações e toda uma teoria e prática a respeito sedesenvolve para embasar as ações das autoridades, evidenciando o fato deque a constituição do mercado competitivo depende de dois elementos quepodem ser tomados como duas condições sine qua non: tecnologia e regulação.

BRASIL-FRANÇA DECIÊNCIAS DA COMU-NICAÇÃO. 1995, Ara-caju, Anais...Anais...Anais...Anais...Anais... Aracaju,1995. Texto republicadoem BOLAÑO, César.(Org.). GlobalizaçãoGlobalizaçãoGlobalizaçãoGlobalizaçãoGlobalizaçãoe Regionalizaçãoe Regionalizaçãoe Regionalizaçãoe Regionalizaçãoe Regionalizaçãodas Comunicaçõesdas Comunicaçõesdas Comunicaçõesdas Comunicaçõesdas Comunicações.São Paulo: EDUC,1999. Uma análisemais extensa, conside-rando as citadas conse-qüências mais gerais dofenômeno, encontra-seem BOLAÑO, César.Trabalho intelectual,comunicação e capi-talismo. Revista daRevista daRevista daRevista daRevista daSociedade Brasi-Sociedade Brasi-Sociedade Brasi-Sociedade Brasi-Sociedade Brasi-leira de Economialeira de Economialeira de Economialeira de Economialeira de EconomiaPPPPPolíticaolíticaolíticaolíticaolítica, Rio deJaneiro, n. 11, p. 53-78,dez. 2002.

2 PHAN, Denis;N’GUYEN, Godefroy.Economie desEconomie desEconomie desEconomie desEconomie desTélécommunicationsTélécommunicationsTélécommunicationsTélécommunicationsTélécommunicationset de l’Iternetet de l’Iternetet de l’Iternetet de l’Iternetet de l’Iternet.Disponível em: <http:// w w w - e c o . e n s t -bre tagne . f r /b ib l io /ecotel.pdf>. Acessoem: 14 dez. 1999. p.24.

3 PHAN, Denis;N’GUYEN, Godefroy,op. cit., p. 24.

Valério Cruz BrittosCésar Ricardo Siqueira Bolaño

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A digitalização permite, por outro lado, a comunicação entre computadoresatravés das redes de telecomunicações, promovendo uma revolução natransmissão de dados, cujo auge é o desenvolvimento da internet. O modoassíncrono, por pacotes, de operação das redes e o protocolo TCP/IP permitemuma gestão completamente descentralizada dos fluxos de informação,extremamente eficaz porque fundado na otimização das filas de espera nosroteadores, o que reduz enormemente o custo das chamadas, podendo ameaçaro negócio tradicional da telefonia vocal assim que as dificuldades técnicasque prejudicam a qualidade desse tipo de comunicação estiverem resolvidas.

Deixando de lado o problema da segurança que essa gestão descentralizadaacarreta – exigindo esforços muito importantes de desenvolvimento de sistemasde codificação, sem o qual o promissor comércio eletrônico encontra umabarreira fundamental –, o importante a ressaltar é que o sucesso do protocoloTCP/IP deve-se, além do fato de funcionar em meio heterogêneo, precisamentea essa descentralização e à localização da inteligência na periferia da rede,segundo o conceito defendido pelos informáticos, por oposição ao modeloconvencional das telecomuicações, de inteligência centralizada. Com isso,os usuários podem controlar o valor agregado associado à circulação deinformação, reduzindo-se os operadores de rede à condição de simplesfornecedores de capacidades de transmissão.

Não interessa entrar aqui nas especificidades da economia da internet,4 dastelecomunicações ou nos detalhes dos diferentes avanços tecnológicos quevêm sendo introduzidos no setor. Será útil, por outro lado, resumir o panoramados agentes do setor em nível mundial após a reestruturação dos anos 80 e 90do século XX. Phan e N’Guyen dividem os operadores de telecomunicaçõesem três grupos: os históricos (AT&T, as RBOCs norte-americanas e osherdeiros das infra-estruturas dos antigos monopólios públicos da Europa edo resto do mundo), os pesados (concorrentes diretos dos primeiros em todosos segmentos, incorrendo, portanto, em custos de entrada extremamenteelevados) e os leves, que adotam uma estratégia de nicho, dirigindo-se a umpúblico específico, oferecendo serviços especializados, com uma infra-estrutura mínima e custos de entrada relativamente baixos.5

O caso da norte-americana Worldcom ilustra a possibilidade de passagem daterceira para a segunda categoria através de um movimento de fusão ouaquisição.6 O fato é que essa combinação de uma estrutura de custos vantajosacom uma oferta focalizada tornam muito eficientes os operadores leves, dando-lhes em certos casos vantagens competitivas importantes. Assim, “no caso daoferta global para os grandes clientes multinacionais [...], um operador levecomo Equant ... mostrou-se mais reativo e competitivo que as mega-alianças

4 A esse respeito, videHERCOVICI, Alain;BOLAÑO César;CASTAÑEDA, Marcos;V A S C O N C E L O SDaniel. EconomiaEconomiaEconomiaEconomiaEconomiaPPPPPolítica da internetolítica da internetolítica da internetolítica da internetolítica da internet.Aracaju: Editora UFS,2007.

5 PHAN, Denis;N’GUYEN, Godefroy,op. cit.

6 No caso da Worldcom,ela iniciou suas opera-ções como operador levee acabou realizandouma série de aquisi-ções que culminaram,em 1998, com a da MCI,o principal operadorpesado concorrentedireto da AT&T, que jáhavia adquirido, em1990, a Telecom USA,quarto maior operadorde rede de longa distân-cia, atrás da AT&T, daprópria MCI e da Sprint.

Paradigma digital: capitalismo, cultura e esfera pública

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de operadores históricos que foram Global One (France Télécom/DeutscheTelekom/Sprint), Unisource (KPN/Swuisscom/Telia) ou Concert (BT/MCI)”.7

O ponto fraco dessa estratégia de especialização dos operadores leves paraganhar as fatias mais saborosas do mercado dos operadores históricos é queestes podem “identificar mais facilmente a ameaça e ajustar a reação ao segmentode mercado atacado, sem questionar necessariamente toda a sua estruturatarifária”, comparativamente com a estratégia dos entrantes pesados, os quais:

perseguem uma política agressiva, que se revela nomontante dos investimentos irreversíveis que fazem paraa instalação das suas redes. Eles esperam que o operadorhistórico não procure responder de forma muito bruta aessa entrada massiva, pois uma baixa drástica de todas astarifas [...] custaria ao antigo monopólio uma forte quedados seus lucros ou uma reação da agência de regulação.8

Em todo caso, a capacidade de resposta do operador histórico aos operadoresleves torna-se mais difícil se ele estiver sendo atacado em diferentes frentes.Por outro lado, a internacionalização de um operador histórico o levará, nomais das vezes, por proximidade cultural, a investir em um operador pesadopara afrontar o operador histórico local, que pode, por sua vez, de formasemelhante, ser um entrante pesado no mercado interno do primeiro,constituindo-se uma espécie de concorrência cruzada, que pode levar aacordos de não beligerância. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para ocaso da internacionalização dos operadores leves, que tenderiam a investir emempresas congêneres. Em ambos os casos, poder-se-iam citar contra-exemplos.

Phan e N’Guyen definem quatro estratégias adotadas pelos operadoreshistóricos face à nova concorrência: uma defensiva (comercial ouorganizacional) sobre o mercado doméstico; uma ofensiva, deinternacionalização multi-doméstica, entrando em mercados externos(através, por exemplo, da aquisição de empresas privatizadas no TerceiroMundo) para oferecer seu produto tradicional em posição de quase-monopólio, exercendo assim seu papel tradicional de operador dominanteem um contexto novo; uma de internacionalização global, oferecendo soluçõesintegradas às multinacionais, como no caso das fracassadas alianças globaismencionadas acima, numa perspectiva, de fato, basicamente tambémdefensiva, pois o objetivo é fundamentalmente o de preservar a carteira degrandes clientes, ameaçada pela ação dos operadores leves; e, finalmente,uma estratégia de multinacionalização de atividades novas, como a telefoniacelular, o audiovisual9 ou a internet.

7 Ibid., p. 80. A outraaliança global,Worldpartners, formadapor AT&T, KDD eSingapore Telecom,chegou a criar, com aUnisource (que adqui-riu também parte daWorldpartners), umafilial comum, a Uniworld.Mas este tipo de estra-tégia internacional dasgrandes operadoras det e l e c o m u n i c a ç õ e sacabou não funcionandoe as quatro aliançasglobais se dissolveram– segundo Phan eN’Guyen, porque “opoder de mercado dosclientes, a homoge-neidade das ofertas e aagressividade dos ope-radores ‘leves’ desbas-taram as margens,enquanto as dificul-dades inter-culturaisdos parceiros não tor-naram a filial muitoreativa”. Ibid., p. 80.Alianças multinacionaisfundadas sobre a com-plementaridade dosparceiros, ao contrário,“funcionam bem, apesarde uma pressão concor-rencial mais forte devidoao papel de challengerque ocupa a filialcomum”. Ibid., p. 80.

8 Ibid., p. 81-82.

9 Ibid. Neste caso, valecitar a aquisição, em1993, de 25% docapital da Time Warnerpela US West, a aliança,em 1994, entre Sprint,TCI, Comcast e Cox e,em 1995, entre BellSouth, Ameritech, SBCe Disney.

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Incidências sobre a economia da televisão

A TV digital terrestre se apresenta, à semelhança da internet, como um novodesafio para os atores hegemônicos, nos diferentes mercados da chamadaconvergência entre audiovisual, telecomunicações e informática. Torna-seinteressante, neste ponto, discutir a problemática tecno-econômica datelevisão, situando a TV digital no interior da linha evolutiva da indústria doaudiovisual, revolucionada efetivamente com a introdução dos sistemas pagos,nos EUA, nos anos 70 (excetuando-se experiências pouco exitosas anteriores)e na Europa e no resto do mundo, a partir dos anos 80. 10

É o surgimento da televisão por assinatura, portanto, que permitirá umamudança econômica e financeira, capaz de provocar profundas alterações narelação entre oferta e demanda, com uma retração da lógica publicitária davelha TV aberta, ao re-introduzir a exclusão pelos preços, reduzindo aimportância absoluta de indicadores como a maximização e fidelizaçãopermanente da audiência. O sistema televisivo a pagamento, ademais, encurtao ciclo financeiro da TV convencional, aumentando a rentabilidade e aremuneração da produção, o que leva a uma maior estabilidade da indústriaaudiovisual. Aumenta, por fim, a capacidade de escolha do telespectador-cliente e a especialização do consumo. Trata-se, segundo Bustamante, deuma transformação profunda na esfera econômica apenas “muitorelativamente” relacionada com a inovação tecnológica:

Não obstante, estas características genéricas hão dematizar-se seriamente em uma escala de transformações,com diversos graus de “interatividade” e “convergência”,portanto, que vai da pay TV ou televisão por assinatura, àtelevisão “interativa” ou o vídeo por demanda, passando pelapay per view ou televisão de produto, com suas variações devídeo próximo por demanda (near video on demand).Categorias claramente econômicas, de modalidades depagamento e estratégias financeiras e mercantis,possibilitadas certamente pelas tecnologias e os suportes,mas não necessariamente condicionadas por eles.11

A pay TV – o modelo convencional da televisão segmentada conhecido –introduz pela primeira vez no televisual uma lógica de club,12 ou de distinção,constituindo-se na “mudança mais importante sem dúvida do audiovisualdepois da própria expansão da televisão e o desenvolvimento do vídeodoméstico, com notáveis conseqüências sobre a economia do audiovisual”.13

Entre essas mudanças, está a tendência de aproximação da TV ao modelo

10 Ver BOLAÑO, César;BRITTOS, Valério. AAAAAtelevisão brasileiratelevisão brasileiratelevisão brasileiratelevisão brasileiratelevisão brasileirana era digitalna era digitalna era digitalna era digitalna era digital: exclu-são, esfera pública emovimentos estruturan-tes. São Paulo: Paulus,2007.

11 BUSTAMANTE,Enrique. La televisióndigital: referenciasbásicas. In: ______;MONZONCILLO, JoséMaría Álvarez (Orgs.).Presente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dela television digitalla television digitalla television digitalla television digitalla television digital.Madrid: Edipo, 1999.p. 21-32. p. 24.

12 TREMBLAY, Gaëtan.La théorie desindustries culturellesface aux progrès de lanumérisation et de laconvergence. In:LACROIX, Jean-Guy;TREMBLAY, Gaëtan(Orgs.). Les autoroutesLes autoroutesLes autoroutesLes autoroutesLes autoroutesde l’informationde l’informationde l’informationde l’informationde l’information: unproduit de laconvergence. Sainte-Foy:Presses de l’Universitédu Québec, 1995.

13 BUSTAMANTE,Enrique, op. cit., p. 25.

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editorial de organização das indústrias culturais, segundo a classificaçãoamplamente aceita pela Economia da Comunicação e da Cultura.14

Não obstante, a pay TV constitui uma transição em direção a um modelo“abstrato e perfeito” de vídeo-serviços, prenunciado pelos modelos de payper view (PPV, pagar para ver) –15 um sistema de oferta de conteúdo audiovisualpor produto específico, com o assinante pagando por escolha, como filme,esporte, evento ou temporada de um acontecimento (um torneio esportivo,por exemplo) –,16 cujo impacto sobre o consumo e a economia do audiovisualainda não se verificou. Esse sistema, apesar de permitir, em alguns casos,uma recepção muito rápida do programa escolhido, como quando, no chamadonear video on demand (NVOD, vídeo próximo por demanda), se re-transmiteum filme de êxito a cada dez minutos,17 ainda não permite ao telespectadoruma resposta à seleção simultânea e no mesmo suporte:

Na pay per view a programação foi eliminada comomacromontagem de programas, e a contra-programaçãonão é possível, mas o emissor elege ainda os programas eseleciona os de êxito majoritário para uma difusão de maiorperiodicidade. Em todo caso, e ainda que os produtosisolados sigam situados no tempo constrangendo o consumodo espectador, este consegue uma maior responsabilidadena auto-programação e paga já pelo conteúdo (ou otempo) que consome, por um produto isolado que temseu preço específico.18

A digitalização é uma inovação técnica que amplia – de forma assimétrica,segundo os diferentes suportes, a situação histórica de desenvolvimento daregulação e das infra-estruturas nacionais de transmissão, vantagens deprecedência etc. – as possibilidades de convergência e de desenvolvimentoda multimídia, aprofundando tendências já existentes, ao reduzir os custosde transmissão e permitir uma oferta maior de canais e serviços e uma maiorfragmentação do consumo, mas não sem um processo anterior dedesregulamentação, ligado a estratégias econômicas e políticas globais.

Com a televisão digital e o sistema de video on demand (VOD, vídeo pordemanda) – um serviço interativo em alto grau, no qual filmes digitalizados,agrupados a partir de informações como título, gênero, intérprete, diretor esinopse, são colocados à escolha do cliente, o qual, ao decidir, determina ohorário específico para receber a atração –, que é a parte básica dofuncionamento e da oferta da televisão interativa, com forte apelo de venda,há uma reviravolta completa do velho paradigma da cultura de onda, da

14 HUET, Armel; ION,Jacques; LEFEBVRE,Alain; MIÈGE, Bernard;PERON, René.Capitalisme etCapitalisme etCapitalisme etCapitalisme etCapitalisme etI n d u s t r i e sI n d u s t r i e sI n d u s t r i e sI n d u s t r i e sI n d u s t r i e sC u l t u r e l l e sC u l t u r e l l e sC u l t u r e l l e sC u l t u r e l l e sC u l t u r e l l e s .Crenoble: PUG; 1978;MIÈGE, Bernard;PAJON, Patrick;SALAÜN, Jean-Michel.LLLLL’ indus t r ia l i sa t i on’ indus t r ia l i sa t i on’ indus t r ia l i sa t i on’ indus t r ia l i sa t i on’ indus t r ia l i sa t i onde l’áudiovisuelde l’áudiovisuelde l’áudiovisuelde l’áudiovisuelde l’áudiovisuel:des programmes pourles nouveaux médias.Paris: Aubier, 1986;ZALLO, Ramon.Economía de laEconomía de laEconomía de laEconomía de laEconomía de laComunicación y laComunicación y laComunicación y laComunicación y laComunicación y laCulturaCulturaCulturaCulturaCultura. Madrid:Akal, 1988;HERSCOVICI, Alain.Economia daEconomia daEconomia daEconomia daEconomia dacultura e dacultura e dacultura e dacultura e dacultura e dacomunicaçãocomunicaçãocomunicaçãocomunicaçãocomunicação. Vitória:Fundação Ceciliano A.de Almeida, UFES, 1995.

15 BUSTAMANTE,Enrique, op. cit., p. 24.

16 Para adquirir essasatrações em separado, oconsumidor deve pre-viamente já ser as-sinante de um dospacotes disponibili-zados pela operadora.

17 Mais difundido,inclusive no Brasil, onear video on demand éuma técnica de progra-mação de menor caráterinterativo, que utilizavários canais paradistribuir um mesmofilme, cada um em umhorário diferente, masaproximado, de formaque uma quantidadelimitada de produtossempre está começan-do, em curtos intervalosde tempo.

18 Ibid., p. 26.

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televisão convencional, que chegaria, assim, definitivamente, a se constituirsegundo um modelo editorial puro, o dos chamados vídeo-serviços, quemarcam, ao menos teoricamente, a conversão de uma economia de oferta emoutra regida pela demanda, em que a maior proximidade entre emissor ereceptor e a cessão da função de programação para este último estariam ligadasà “restituição da proporcionalidade entre consumo e remuneração doaudiovisual com o reequilíbrio conseguinte da economia do audiovisual embenefício da produção”,19 de modo que se renovaria a liberdade de criação eexpressão, garantindo um máximo de pluralismo e a viabilização econômicae sociológica das mensagens inovadoras e minoritárias.

Na prática, entretanto, foi observada nas experiências já em curso aonipresença de determinado tipo de conteúdos, chave para a amortizaçãodos investimentos a curto e médio prazo (filmes, esportes de massa, vídeo-jogos, tele-compras), que se orientam prioritariamente para a funçãodivertimento, a espetacularização e a comercialização, fazendo abstração dosdebates clássicos sobre serviço público e universalização, e uma brutalconcentração, centralização e transnacionalização do capital, colocandodúvidas sobre a transparência e o pluralismo que o novo sistema poderia ensejar.

Mesmo reconhecendo a dificuldade em se fazer generalizações a partir dessasexperiências ainda amplamente minoritárias no panorama televisivo mundial,marcado pela consolidação da TV segmentada convencional, que competeainda com a velha televisão de massa, o sistema audiovisual digital seguequatro tendências observáveis. Do ponto de vista da estrutura empresarial, aconcorrência está centrada no “controle de uma sólida e atrativa carteira dedireitos de programas em gêneros” bastante específicos, como esportes demassas e filmes-acontecimento, juntamente com “a capacidade de sua ‘edição’em pacotes segmentados para os diversos mercados, mas isto implica umamplo conhecimento do mercado (carteira de clientes) e um saber fazer notávelno marketing”, previamente dispondo, com garantia, da presença de canaisindispensáveis, disponíveis através de transponders múltiplos no satélite, deredes de cabo potentes ou de abundantes concessões hertzianas).20

Como o controle simultâneo desses elementos básicos supõe investimentosmilionários e riscos enormes, o setor será, em segundo lugar, naturalmentedominado por “poucos grupos gigantescos (Time-Warner-Turner, Murdoch, Disney,Kirch, Bertelsmann, Canal Plus-Nethold) que tendem a concentrar-se maisfortemente mediante fusões ou alianças intra ou intercontinentais (como Sky ouGalaxy na América Latina)”.21 A importância dos conteúdos citados, emsegundo lugar, faz aumentar “geometricamente seu valor estratégico revelando ocrasso erro de quem se preocupa unicamente com as redes e as infraestruturas”,22

19 Ibid., p. 28.

20 Ibid., p. 30.

21 Ibid., p. 30.

22 Ibid., p. 30.

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implicando em elevação de preços, inflação de custos, reforço da posição dosintermediários de direitos, aumento da integração vertical entre difusão e produçãoetc. Em terceiro, a experiência mostra que a pura e simples substituição dofinanciamento publicitário pelo pagamento direto por parte do usuário não passade um mito. O normal é uma mistura dessas duas formas de financiamento, coma publicidade adequando-se aos mercados hiper-segmentados.

Finalmente, as novas redes digitalizadas podem transportar tanto sinais deTV como outros serviços de telecomunicações, as empresas do setor são levadasa abarcar as diferentes possibilidades, sempre que a legislação nacional e osrecursos permitam. As experiências de integração entre televisão e internet23 sãouma tendência efetiva, dados os interesses convergentes dos diferentes agentesprincipais envolvidos, indústria eletro-eletrônica, informáticos, operadores detelecomunicações e redes de televisão. Em todo o caso, trata-se de uma vitóriada comunicação de massa sobre a comunicação interativa ou individual.

Problematizando a convergência

As características da economia da comunicação convencional, amplamenteconhecida no campo, são sumarizadas no quadro 1.

QQQQQuadro 1. Estrutura da economia dos meiosuadro 1. Estrutura da economia dos meiosuadro 1. Estrutura da economia dos meiosuadro 1. Estrutura da economia dos meiosuadro 1. Estrutura da economia dos meios

Fonte: GARNHAM, Nicholas. El desarrollo del multimedia: un desplazamiento de lacorrelación. In: BUSTAMANTE, Enrique; MONZONCILLO, José María Álvarez (Orgs.).Presente y futuro de la television digitalPresente y futuro de la television digitalPresente y futuro de la television digitalPresente y futuro de la television digitalPresente y futuro de la television digital. Madrid: Edipo, 1999. p. 297-314. p. 300.

Variáveis

Tecnologiade produção

Suporte detransmissão

Sistema deprodução

Tecnologia dedistribuição

RegulaçãoIdeologia

Imprensa

Imprensa

Papel

Editor

EstradaTrem

ConcorrênciaLiberdade

de imprensa

Filme

PelículaCâmera

Película

Produtor

Projetor

AutorizaçãoCulturanacional

Disco

Aparelhagemde gravação

DiscoVinilFita

Editor

EstradaTrem

NenhumaNenhuma

Rádio/TV

Câmera degravação

Ondas

Difusor

Emissor/Receptor

ReguladorServiçopúblico

Telecomu-nicações

Telefone

Cabo decobre

PTT

Rede

ReguladorServiço

universal

23 Essa integração podese dar através do apare-lho de TV (WebTV) oudo computador (comono projeto Intercast, daIntel). A esse respeito,vide LAFRANCE, JeanPaul. La televisión delsiglo XXI: será o no será!In: BUSTAMANTE,E n r i q u e ;MONZONCILLO, JoséMaría Álvarez (Orgs.).Presente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dela television digitalla television digitalla television digitalla television digitalla television digital.Madrid: Edipo, 1999.p. 283-295.

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Segundo Garnham, “a incidência da digitalização neste sistema de meios decomunicação herdados vai romper, ao menos potencialmente, as barreirastécnicas entre essas indústrias”.24 Isto repercute em todos os níveis do sistema,desde a produção e a definição dos gêneros, até os canais de distribuição, osmodos de consumo e os mercados, tornando possível a entrada de novosagentes em cada setor, nova concorrência inter-setorial, novos meios,exigindo inclusive mudanças na legislação. No caso da regulamentação,por exemplo, as normas sobre propriedade cruzada de meios de comunicaçãodependem da possibilidade, fundada puramente na tecnologia, de fazer umaclara distinção entre os meios e seus respectivos mercados, o que se vêembaralhado com as novas possibilidades de convergência.

Quanto ao concernente à convergência, Garnham distingue entre:

1) Convergência de rede ou de canais técnicos de distribuição (numsistema comum de cabo digital, banda larga e comutado), o queenvolve “o conflito entre o operador de telecomunicações e osmodelos informáticos de desenho e controle da rede e a concorrênciaentre operador de telecomunicações, companhias de cabo e difusorespelo controle do acesso às residências e às empresas”;

2) desenvolvimento de produtos multimídia ou convergência denovas formas de meios de comunicação (armazenamento controladopor computador, manipulação e visualização de combinações detexto, sons e imagens móveis e fixas) – neste caso, as questões centraissão aquelas ligadas à convergência entre o audiovisual e as indústriaseditoriais, aos direitos de autor e ao desenvolvimento de novosgêneros midiáticos;

3) convergência dos modos de consumo dos meios (entre os desentido único e os interativos, comutados e não comutados);

4) convergência dos modos de financiamento no sentido dopagamento pelo usuário por acesso, o que põe em relevo as questõesrelativas ao controle do acesso, à publicidade, ao financiamentopúblico ou ao controle dos dados sobre os consumidores;

5) convergência de mercados domésticos e comerciais – neste caso,“a penetração do computador pessoal pode ser o estímulo tecnológico,internet pode ser o modelo do futuro, as conseqüências do tele-trabalhopodem ser o problema e Microsoft, o principal agente global”.25

24 GARNHAM, Nicholas.El desarrollo delmultimedia: un despla-zamiento de la correla-ción. In: BUSTAMANTE,E n r i q u e ;MONZONCILLO, JoséMaría Álvarez. (Orgs.).Presente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dePresente y futuro dela television digitalla television digitalla television digitalla television digitalla television digital.Madrid: Edipo, 1999.p. 297-314. p. 301.

25 Ibid., p. 301.

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Cada um desses processos seguirá sendo diferente. É possível, por exemplo,“alcançar o desenvolvimento de um grande mercado para os produtos e osserviços multimídia, mas fornecidos em redes competidoras, não convergentesou, de forma alternativa, uma rede convergente monopolística que ofereçauma série de formas de meios de comunicação não convergentes”.26

Nos anos 60, 70 e 80 fracassaram as tentativas de integração de redes, o quesugere prudência na análise das promessas atuais, se bem que, de fato, asredes de telecomunicações se transformaram em extensos sistemas informáticosde distribuição. Paralelamente, enquanto reconhece continuar a telefonia vocalsendo o motor do sistema, Garnham se refere à internet, que utiliza efetivamentea rede de telecomunicações, lembrando que, não obstante, ela se baseiaprincipalmente “na capacidade informática instalada, fora do controle dosoperadores de telecomunicações, e cresceu a partir de uma cultura informáticae não de telecomunicações”, tornando-se um exemplo de natureza híbrida enão propriamente de convergência de redes ou de indústrias.27

O cenário da convergência comumente apresentado é assim resumido: umarede de banda larga comutada oferecendo todos os serviços eletrônicos paraos lares e empresas, todos eles, em alguns casos, em um terminal informáticomultimídia, o que levará, não apenas à distribuição de todos os serviços detele-difusão e telecomunicação através da mesma rede, mas permitirá ainda aoferta de uma série de novos serviços interativos de entretenimento einformação – vídeo-jogos, tele-compras e outros sequer imaginados quesubstituirão possivelmente os serviços tradicionais de sentido único porserviços interativos, pagos pelo usuário em função do uso efetivo. Numa visãootimista, esse cenário ampliaria a capacidade de escolha do usuário e adiversidade, enquanto que, numa perspectiva pessimista, isso poderiaincrementar o controle monopolista da informação, o isolamento, afragmentação social e a decadência da esfera pública.

O primeiro argumento de Garnham para demonstrar o irrealismo desse cenárioé de ordem técnica: o autor parte do pressuposto de que, nos próximos 10anos, se incrementará a concorrência entre operadores de telecomunicações– que poderão oferecer vídeo – e de tele-distribuição – que, por sua vez, severão aptos a oferecer serviços de telefonia comutada a seus clientes – pelocontrole do enlace fixo local que provavelmente continuará tendo característicasde monopólio natural.28 O resultado dependerá em grande parte da ação dasentidades de regulação, sem a qual, a vantagem seria dos operadores detelecomunicações, devido a sua maior capacidade financeira. Mas importantesbarreiras tecnológicas ainda impedem uma convergência uniforme:

26 Ibid., p. 301.

27 Ibid., p. 304.

28 Ibid.

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Não está claro que tenha sentido fundir redes desenhadasem grande medida para o oferecimento de serviços detelevisão em sentido único com redes desenhadas paraotimizar a oferta de serviços de banda estreita, comutadose de ida e volta. Os exemplos de convergência existentessão basicamente exemplos de condução compartilhada,dado que a engenharia civil, não a transmissão, nem asinstalações de comutação, seguem sendo o principalelemento de custo na implantação de uma rede. Seu rápidocrescimento já está dando lugar a problemas decapacidade. Não há dúvida de que dito crescimento severá freado quando os usuários tiverem que pagar. Nãoobstante, se se amplia a interatividade da internet em bandalarga, entra-se no campo do desconhecido, quanto àcapacidade de comutação atual. O software que se precisapara dita comutação é de tal complexidade que nada sesabe ainda sobre se pode fazer funcionar com a confiançaque requer uma rede de telecomunicações pública.29

Em segundo lugar, mesmo que os problemas técnicos sejam resolvidos, asbarreiras econômicas à convergência continuam sendo notáveis. Com a quedaprogressiva dos custos de transmissão em relação aos custos de prestaçãode um serviço, especialmente de um serviço audiovisual, o elementodeterminante da estrutura de mercado de uma rede em convergênciadificilmente seria dado por vantagens de custo na rede. O poder econômicose desloca cada vez mais da distribuição – que pode encontrar sempremecanismos alternativos – para o controle da propriedade intelectual, dandocrescente vantagem competitiva para as empresas cinematográficas, osfabricantes de vídeo-jogos, as emissoras, os editores de tele-vendas, demodo que não se deve esperar que um canal de distribuição venha adominar o mercado. A digitalização da transmissão hertziana, por outrolado, reduzindo o problema da escassez de freqüências e barateando essetipo de transmissão, a manterá, num futuro previsível, como a forma de maioreficiência de custos para se atingir audiências economicamente viáveis.

“Certamente, o problema para os operadores de telecomunicações consisteem contar com serviços que gerem ingressos suficientes para explicar os custosde melhora das prestações da rede. Para justificar as conexões domésticas àbanda larga é preciso dispor de um fluxo de ingressos notável”,30 o que vemsendo procurado através da oferta de video a la carte pelos operadores detelecomunicações que entram no mercado audiovisual.

29 Ibid., p. 305.

30 Ibid., p. 306.

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Se for verdade que o consumo doméstico de vídeo nos EUA demonstra aexistência de um mercado potencial importante para tal, este é muito sensívelao preço e se vê muito limitado pela renda disponível. Assim, o consumo médioatual de cinema por esse meio nos domicílios assinantes (um filme por ano) édesalentador, de maneira que, mesmo “que este mercado se desloque totalmenteà rede dos operadores de telecomunicações, é completamente marginal emcomparação com os ingressos da telefonia. Mas em realidade só uma parte dessesrecursos iria para o operador da rede e a maior parte iria, como agora, aos titularesde direitos. Estes serviços competirão pelo mercado tanto com as lojas devídeo como com outros canais de cinema por assinatura”.31

Uma terceira barreira para a convergência estaria no “tremendo abismoexistente entre as culturas dos operadores de telecomunicações e o setor deprogramas audiovisuais”.32 Esta particularidade torna difícil combinar ashabilidades distintas de uns e outros e associar as estruturas adequadas dentrode uma mesma organização corporativa. O mais provável é o desenvolvimentode novos produtos e serviços multimídia “a partir de indústrias especializadasdo software informático e de edição, baseados na infra-estrutura técnica e doparque de computadores pessoais nos mercados profissionais e de tele-trabalho. É provável que tenham uma incidência mínima nas telecomunicaçõesexistentes ou nas indústrias de programação audiovisual”.33

Regulação e poder global

A estes três tipos de barreiras soma-se aquela relativa ao problema daregulação, que envolve uma contradição básica entre a pressão por flexibilizaras normas de propriedade cruzada dos meios de comunicação34 e aquelapara incrementar o nível da concorrência na produção de programas,protegendo e ampliando a diversidade informativa e cultural.

Isto remete à necessidade de uma regulação forte, que busque otimizar tantoo desenvolvimento como o acesso às redes – cujas características de monopólionatural tendem a manter-se, ou reforçar-se no caso da telefonia fixa local –,garantindo uma estrita separação entre suporte e conteúdo (à qual se oporãoos operadores de rede), acompanhada de uma política de serviço universalclara, economicamente avançada e sustentável. Ao mesmo tempo, é precisoreforçar os meios para contra-restar a tendência ao aumento da concentraçãodo controle dos conteúdos (contra, neste caso, os interesses dos titulares dedireitos) e dirigir esforços no sentido de garantir o uso social das tecnologiasda informação e da comunicação, no sentido da melhoria da qualidade devida e da eficácia dos sistemas de saúde, educação, participação política

31 Ibid., p. 306.

32 Ibid., p. 307. “Osoperadores de teleco-municações estão acos-tumados a tratar com avenda de uma sériereduzida de serviçosnormalizados, basica-mente dirigidos aempresas clientes, emum mercado cujaelasticidade de preçosnão é muito elevada,manejando, sobre abase de cálculos deprobabilidades e eco-nomias de escala, osfluxos de quantidadesde bits não diferen-ciados e faturando ditosserviços. O mercadoaudiovisual é bastantedistinto. Implica acriação constante denovos protótipos e avenda dos mesmos emum mercado domésticomuito incerto. Osproblemas consistemna coordenação de umamão de obra criativa, ocontrole dos direitos emarketing”. Ibid., p.307 Essas diferençasse vêm reforçadas pelosdiferentes mercadosdos quais as indústriasdependem: “a relaçãoentre comprador evendedor no mercadode empresas ao qual sedirigem em grandemedida as telecomu-nicações (por exemplo,a importância da con-fiança do serviço emcomparação com opróprio preço), aspautas de inversão, asprestações exigidas etc.,são muito distintas dasque distinguem o mer-cado do entretenimentodoméstico e da infor-

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etc., o que, como sabemos, não depende da tecnologia:

muitas dessas melhoras prometidas poderiam ter sidopostas em prática faz anos [...] com gerações anterioresda tecnologia. Em minha opinião, a tecnologia em si mesmatem pouco que oferecer [...] As barreiras são econômicas,sociais e políticas e estão profundamente arraigadas. Não seromperão se se deixa o desenvolvimento exclusivamenteem mãos do mercado que parcialmente as criou.35

Pois a digitalização é um dos sustentáculos da retomada da hegemonia norte-americana, com o projeto Global Information Infra-structure (GII), que levatodos os países do mundo a implantar ambiciosos e caros programas dereestruturação das suas infra-estruturas nacionais de comunicação. Nos EUA,Canadá, França e Japão, por exemplo, o programa será comandado pelosministérios respectivos ligados à área econômica, enquanto que na Espanha,Portugal e Brasil, a iniciativa será encabeçada pelos Ministérios de Ciência eTecnologia. A hegemonia norte-americana na área traduz-se nas diferentesênfases que os programas terão naquele país e na União Européia, por exemplo:

No caso dos EUA, claramente o foco das ações na fase dedecolagem da NII [...] foi em infra-estrutura [...]Acertadamente (para o contexto americano), deixou-se aprototipagem de aplicações para a livre iniciativa depesquisadores e empreendedores. Mais recentemente, atendência é ainda mais clara [...] No caso da UniãoEuropéia, o bloco pôs prioridade em aplicações [...] semmaior preocupação com a qualidade de pesquisa. Oobjetivo maior parece ter sido colocar uma operaçãorápida em movimento acerca do tema “sociedade dainformação”, de tal sorte que aplicações (e temasassociados, tais como legislação, difusão etc.) fossemtratados em nível de bloco, enquanto cada país buscariauma estratégia própria no nível da infra-estrutura.36

Essa estratégia nacional, na área de infra-estruturas, traduzir-se-á, na Europa,na aceleração do processo de privatização de empresas de telecomunicações,visando a injeção de capital estrangeiro, o que reforça a tendência instauradaem 1984, quando os EUA passaram a pressionar o resto do mundo para aabertura dos mercados nacionais de telecomunicações. O significado dessemovimento para a reestruturação das relações de hegemonia no setor detelecomunicações foi apresentado de forma cristalina pelos autores do

mação. O problema decriar uma estruturacorporativa viável quesirva para ambosmercados com a mesmaeficácia pode muito bemresultar insuperável”.Ibid., p. 30733 Ibid., p. 307

34 Vale citar a defesa queo autor faz da neces-sidade de se manter osmecanismos que impe-dem a propriedadetransversal de meios,questionados sobre abase de uma perigosaconfusão entre multi-meios e trans-meios porparte dos defensores deempresas que “são játrans-mídia no sentidode que exercem suaatividade em diversosmeios. Pretendem queesta integração hori-zontal lhes permita,através de sinergias,conseguir economias deescala e de envergadura[...] Por uma parte, asvantagens econômicasdessas sinergias estãolonge de serem de-monstradas. Por outrolado, as regras quelimitam a propriedadetransversal dos meiosnão impedem a criaçãode projetos multimídia,só põem fronteiras aopoder oligopolista sobrecanais de distribuiçãon o r m a l m e n t ecompetitivos. Não hánada, por exemplo, queimpeça as empresas deimprensa produzirpelículas e programasde televisão, só existeum controle sobre oscanais de distribuiçãohertziana. Em curtoprazo, não deveriapermitir-se utilizar achegada do multimídia,

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Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, ao analisar a políticabrasileira de telecomunicações e informática:

Uma das principais diretrizes que nortearam tanto a políticade telecomunicações como a de informática no Brasil,desde pelo menos a década de 70, foi a ênfase em domíniotecnológico e na produção de equipamentos e softwareno país. Na área de telecomunicações, ao longo dadécada de 90, tal diretriz foi colocada em prioridadesecundária, não somente no Brasil como em todo omundo, devido à necessidade de acelerar ações de paísesrumo à sociedade da informação através dadesregulamentação e liberalização dos mercados detelecomunicações. Tal necessidade está, por exemplo,entre as principais motivações que levaram a UniãoEuropéia a recomendar a privatização de empresas estataisda área em seus países membros.37

No caso do Brasil, o documento defende a geração de tecnologias locais –apoiando explicitamente a Lei 8.248, de 23 de outubro de 1991, referente aincentivos à informática –, tendo em vista a contínua e progressiva deterioraçãoda balança comercial do setor, desde 1992 e, sobretudo, a partir de 1997,como demonstra o quadro 2.

em suas diversas mo-dalidades, como argu-mento contra a plurali-dade desejável dasfontes de informação ediversão”. Ibid., p. 314.35 Ibid., p. 313.36 MINISTÉRIO DACIÊNCIA E TECNO-LOGIA. Livro VLivro VLivro VLivro VLivro Verdeerdeerdeerdeerdeda Sociedade da In-da Sociedade da In-da Sociedade da In-da Sociedade da In-da Sociedade da In-formação no Brasilformação no Brasilformação no Brasilformação no Brasilformação no Brasil .Disponível em: <http://www.mct .gov.br>.Acesso em: 20 maio2003. p. 94. No programa1999/2002 da UniãoEuropéia, ainda que aênfase permaneça nasaplicações, os autoresdo Livro Verde brasi-leiro consideram “bas-tante provável que qua-lidade de P&D nostemas selecionadostenha critérios mais rígi-dos agora do que noquadriênio 1994/98,quando a iniciativaeuropéia decolou”. MI-NISTÉRIO DA CIÊNCIAE TECNOLOGIA, op.cit., p. 94. Em todo caso,os modelos adotados emrelação à P&D variamentre os EUA e a UE.No primeiro caso, “oesforço foi estruturadona origem, como ummega-programa depesquisa dentro do qualse inseriu um compo-nente de articulação deaplicações e de difusãopara o setor privado/governamental. Já nocaso da União Européia,a iniciativa foi estrutu-rada, na origem, comoum mega-programa deações políticas [...]dentro do qual há umcomponente de P&D ede infra-estrutura deredes para educação epesquisa”. Ibid., p. 95.

37 Ibid., p. 109.

Fonte: MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Informática e telecomunicaçõesInformática e telecomunicaçõesInformática e telecomunicaçõesInformática e telecomunicaçõesInformática e telecomunicaçõesno Brasilno Brasilno Brasilno Brasilno Brasil. Disponível em : <http://www.mct.gov.br/Temas/Socinfo/Livro_Verde/ca03.pdf>. Acesso em: 5 out. 2004.

Quadro 2. Brasil: Balança comercial – informática eQuadro 2. Brasil: Balança comercial – informática eQuadro 2. Brasil: Balança comercial – informática eQuadro 2. Brasil: Balança comercial – informática eQuadro 2. Brasil: Balança comercial – informática etelecomunicações (em US$ milhões)telecomunicações (em US$ milhões)telecomunicações (em US$ milhões)telecomunicações (em US$ milhões)telecomunicações (em US$ milhões)

Variáveis

Importações

Computadores eperiféricos

Telecomunicações

Exportações

Computadores eperiféricos

Telecomunicações

Déficit

1996 1997 1998

4,126 5,357 5,008

2,662 3,070 3,015

1,464 2,287 1,993

383 553 592

289 329 337

93 224 255

-3,744 -4,804 -4,416

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A própria expansão do uso das tecnologias da informação e da comunicaçãono país tende a agravar ainda mais essa situação, propugnando por “iniciativasjudiciosamente planejadas de substituição de importação de itens de altadensidade tecnológica”,38 as quais levariam, por outro lado, a abrir a opçãoestratégica para o Brasil de posicionar-se como exportador na área, tendo emvista a instalação de grandes empresas dos setores de informática etelecomunicações, interessadas no mercado latino-americano no seu conjunto,e a conseqüente criação de um ambiente propício à inovação.

Tecnologia, esfera pública e mudança social

As mudanças estruturais do capitalismo iniciadas no final do século XXreferem-se ao conjunto da sociedade global, não se limitando à economiae à política. Elas afetam diretamente a esfera pública, refletindo-se tambémnos movimentos dos agentes não-hegemônicos.39 Assim, o desenvolvimentodas tecnologias da informação e da comunicação se insere na sociedadede modo determinado historicamente, incorporando as contradiçõesinerentes à esfera pública burguesa. É nesse processo contraditório quese situam as alternativas democráticas de uma comunicação popularorganizada a partir dos movimentos sociais.

Na nova esfera pública que emerge na confluência entre reorganização docapitalismo, mudanças no processo inovativo, política tecnológica e domínioneoliberal, novos lugares são perifericamente articulados, envolvendo odesenvolvimento de elementos que poderão ser importantes para um plenoexercício da cidadania, como o aperfeiçoamento de certas tecnologiaseducacionais, sistemas de governo eletrônico, certas tendências de reforçoda diversidade cultural, da pluralidade no tratamento da informação, dadisponibilização de conteúdos locais, articulação dos movimentos sociais emredes virtuais, a conseqüente, ainda que problemática divulgação de idéiasnão-hegemônicas, tudo isto dependendo não apenas da ampliação do númerode canais e meios de comunicação por força do desenvolvimento tecnológicosimplesmente, mas principalmente pela definição das políticas nacionais decomunicação, mais ou menos permeáveis às pressões de grupos de interessehegemônicos ou contra-hegemônicos. Os elementos potencialmente contráriosà lógica capitalista, que apontam para a possibilidade de práticas decomunicação mais democráticas, são limitados pela força e controle doscapitais, em especial no campo das comunicações, onde a mídia em geral –afetada profundamente em seu trabalho e em seus negócios pela introduçãodo paradigma da digitalização – exerce um importante papel, sendo pautada,cada vez mais, pelo princípio econômico da exclusão pelos preços.

38 Ibid., p. 110.

39 Ver BOLAÑO, César.La génesis de la esferapublica global. NuevaNuevaNuevaNuevaNuevaSociedadSociedadSociedadSociedadSociedad, Caracas, n.147, p. 88-95, jan./fev.1997.

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Na nova esfera pública globalizada, a tecnologia e os novos meios geramimpactos, tanto econômicos, quanto políticos e nas formas de sociabilidade,atingindo o espaço público. A atual digitalização geral, fruto da revoluçãomicro-eletrônica e destinada precipuamente a facilitar a circulação dainformação mercadoria, fundamental para vencer os limites à expansão docapital e da cultura ligada aos ditames do consumo, também pode servir àconcretização de uma comunicação popular libertadora, articulandodemocracia e cidadania e testando e construindo potencialidades de liberação.

A implantação da televisão digital terrestre deve ser vista nesses termos. Odebate em torno da TDT pode ser entendido como uma oportunidadefundamental para a democratização dos meios de comunicação e a inclusãodigital. Neste sentido, antes de discutir o modelo de negócio mais adequadoao meio, como vem sendo feito no Brasil, é preciso decidir o modelo deesfera pública a implantar.

O avanço tecnológico está na base da atual reestruturação econômica, marcadapela crescente interdependência de mercados, permitida pelo deslocamentoinstantâneo de enormes montantes de recursos financeiros e de informaçõesindispensáveis à realização dos negócios. Mas também o mundo daprodução de bens e serviços materiais se vê afetado pelo desenvolvimentoconjunto dos sistemas de transporte e dos meios de comunicação queimpulsionam uma homogeneização dos padrões de consumo e dos modosde vida, muitas vezes imperceptível àqueles que, excessivamente fixadosno momento, também característico da situação atual, da segmentação e dafragmentação, não são capazes de perceber a dinâmica massificação/diferenciação, inerente ao desenvolvimento da cultura de massas.

O fato é que, tanto no setor financeiro quanto no produtivo, bem como naorganização dos fluxos de informação, ocorre um movimento de concentraçãooligopolista que afasta o sistema do ideal liberal dos seus primeiros ideólogos.Ao longo do século XX, tecnologias como o cinema, o rádio e a televisão – ea fotografia, desde o século XIX, como ícone impulsionador da venda dejornais – incrementaram o consumo, mas tal papel é muito melhordesempenhado pela internet e sistemas audiovisuais que incorporam aparatoscapazes de captar imagens e áudio remotos, através de satélites, cabos eligações de fibra ótica. Fica claro que os recursos da técnica têm aproximadocompradores e vendedores ou investidores e instituições financeiras, reduzindodistâncias, por imposição de necessidades internas ao processo de acumulaçãodo capital em suas diferentes fases de desenvolvimento.

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A questão tecnológica, no entanto, não é a fundamental. A partir dosdispositivos técnicos, constitui-se alguma condição de base para o surgimentoou a reestruturação da esfera pública que garante a legitimidade do sistemade dominação. O que ocorre, com a internet e a TV digital, é a ampliação doslugares mercadológicos, justamente num momento de expansão do caráterexcludente do capitalismo. Chesnais lembra que a resultante da combinação“das novas tecnologias e das modificações impostas à classe operária, notocante à intensidade do trabalho e à precariedade do emprego” permitiu“aos grupos americanos e europeus a possibilidade de constituir, com a ajudade seus Estados, zonas de baixos salários e de reduzida proteção social”.40

A técnica pode ser re-funcionalizada, como em algumas experiênciasalternativas, mas, então, para seu uso como instrumento do espaço público,requer intervenção estatal; não pode ficar à mercê de voluntarismos. Economiae política se articulam, assim, necessariamente na definição dos rumos queserão dados às redes de comunicação. Isso evidencia a contradição inerenteàquilo que Habermas chama de esfera pública burguesa, uma organizaçãopolítica, social e econômica sem precedentes, forjada com a derrocada dopoder feudal e o desenvolvimento do capitalismo mercantil do século XVI.Sua constituição representa, para o autor, um efetivo avanço democrático, aoreduzir o poder do Estado sobre a sociedade:

A esfera pública burguesa desenvolveu-se no campo detensões entre Estado e sociedade, mas de tal modo queela mesma se torna parte do setor privado. A separaçãoradical entre ambas as esferas, na qual se fundamenta aesfera pública burguesa, significa inicialmente apenas odeslocamento dos momentos de produção social e de poderpolítico conjugados na tipologia das formas de dominaçãoda Idade Média avançada. Com a expansão das relaçõeseconômicas de mercado surge a esfera do “social” queimpede as limitações da dominação feudal e tornanecessárias formas de autoridade administrativa.41

O marco tecnológico contemporâneo comporta um enorme potencial que nãopode ser desprezado pelos setores populares, pois define um embate no espaçodito virtual, justaposto aos confrontos que se dão nas diversas arenas sociais,o que remete à necessidade do empreendimento de ações em direção àutilização e recriação da mídia. Não se trata de uma valorização excessivados palcos comunicacionais, mas de um reconhecimento de que as instituiçõeslegais, ligadas à esfera pública, centradas nos parlamentos, há muito já não

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40 CHESNAIS, François.A mundialização doA mundialização doA mundialização doA mundialização doA mundialização docapitalcapitalcapitalcapitalcapital. São Paulo:Xamã, 1996. p. 35.

41 HABERMAS, Jürgen.Mudança estruturalMudança estruturalMudança estruturalMudança estruturalMudança estruturalda esfera públicada esfera públicada esfera públicada esfera públicada esfera pública.Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1984. p. 169.

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protegem os cidadãos contra o Estado. Subjaz uma necessidade de retorno àdistinção entre público e privado, princípio com longa tradição no pensamentopolítico e social ocidental, desde os debates filosóficos da Grécia clássica. OFórum Social Mundial é um exemplo atual dessa separação, que desatrela asociedade civil, tanto do Estado como da racionalidade econômica capitalista.

Como a ágora grega, a esfera pública habermasiana nunca incorporou toda asociedade, na medida em que reflete as desigualdades do sistema em queestá inserida. O que a afasta do ideal liberal não é seu caráter parcial, mas ocrescente domínio que sobre ela exercem os interesses privados que oliberalismo, ele próprio, representa. A massificação, assim, apenas radicalizauma tendência que lhe é inerente, ao incorporar demandas de setores antes nãorepresentados. Com a indústria cultural, segundo Habermas, há uma formalizaçãoda discussão, tornando-se “o consenso na questão” gradativamente supérfluodevido ao “consenso no procedimento”; questões fundamentais são definidascomo problemas de etiqueta, enquanto os conflitos que resultam “em polêmicapública são desviados para o nível de atritos pessoais”.42 Isso certamentedegrada a proposta original de um lugar de conversação racional, voltado para aformação de uma opinião pública livre, constituindo-se, ao contrário, um espaçopúblico parcial, presente nas bordas da forma publicidade dominante. Mas acontradição fundamental está posta já desde o início.

Se a parcialidade da esfera pública é inerente à própria condição docapitalismo, num primeiro momento não há porque imaginar que a simplesinovação tecnológica vá representar sua ampliação. Essa lógica contraditória,inerente ao capitalismo e à esfera pública burguesa, se manifesta, por suavez, na estrutura dos meios de comunicação, replicando, ademais, acontraditoriedade intrínseca ao desenvolvimento tecnológico, nesse modo deprodução. Já nos anos 30 do século XX, Brecht apresentava a questão comtoda clareza, ao apontar que “o rádio seria o mais fabuloso aparato decomunicação imaginável da vida pública, um sistema de canalizaçãofantástico, ou seja, o seria se não somente transmitisse, mas também recebesse,portanto, não permitisse somente ouvir a radioescuta, senão também fazerfalar, e não isolar, mas pôr-se em comunicação com ele”. 43 Ou, em outro trecho:

mas é parte destas obrigações da autoridade supremainformar regularmente a nação, mediante o radio, acercade sua atividade e da legitimidade de sua atuação. A tarefada radiodifusão, como um todo, não se esgota em transmitirestas informações. Além disto, tem que organizar a maneirade pedir informações, converter os informes dos

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42 HABERMAS, Jürgen,op. cit., p. 194.

43 BRECHT, Berttold.Teorias de la radio.Eptic On LineEptic On LineEptic On LineEptic On LineEptic On Line-Revista de EconomíaPolítica de las Tecno-logías de la Informacióny Comunicación, Aracaju,v. 5, n. 2, maio-ago.2003. Disponível em:<http: / /www.eptic.com.br>. Acesso em:22 mar. 2003.

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governantes em respostas às perguntas dos governados.A radiodifusão tem que fazer possível o intercâmbio. Sóela pode organizar grandemente as conversas entre os ramosdo comércio e os consumidores sobre a normalização dosartigos de consumo, os debates sobre aumento do preçodo pão, as disputas das cidades. Se consideram istoutópico, lhes rogo reflexão sobre porque é utópico.44

Ou seja, para que a TV digital, a internet, a televisão aberta, o rádio, o cinemaou o jornal possam cumprir um papel de espaço público inclusivo têm queinverter sua lógica atual, que não é determinada tecnologicamente, masconstruída socialmente. Conceber outra televisão, ou uma internet que remonteàs utopias projetadas nos seus inícios, envolve deixar de encarar os meioscomo ativos materiais e imateriais e vê-los como parte bastante significativado que pode vir a ser um espaço público democrático. Não são as indústriasculturais simples mediadoras complementares de um debate travadoexternamente, mas o palco em que a realidade social é, ao mesmo tempo,construída e representada. São eles os pauteiros da sociedade, o que obrigaos diferentes agentes a adaptar-se a seus ditames para poder participar daarena política. São, ainda, o único caminho para a maior parte dos cidadãosorientar-se e informar-se sobre o mundo.

Com o desenvolvimento das tecnologias midiáticas viabilizadoras dainterconexão mundial de certos segmentos sociais, retoma-se a idéia deconstituição de uma esfera pública global, próxima da concepção original deHabermas, mas mais diretamente vinculada a Marx e à discussão sobre aatual reestruturação capitalista. A idéia de uma contradição inerente à esferapública no capitalismo é central nesta concepção, o que permite explicitar, aum tempo, a sua evolução no sentido do refinamento dos instrumentos dedominação e as possibilidades liberadoras que lhe são próprias. O espaçopúblico, enquanto dinâmica incorporadora, à disposição de todos e voltadapara a participação multicultural, segue como uma meta a ser alcançada. Istoporque a lógica subjacente ao desenvolvimento da internet é a mesma daquelarelativa à implantação da televisão segmentada, por oposição à TV de massa:a da exclusão pelos preços, do ponto de vista da economia, que se traduz, nocampo da política, na privatização da esfera pública.

O papel do Estado

Assim, a esfera pública viabilizada pela tecnologia contemporânea, de formasemelhante ao que ocorria com a esfera pública burguesa clássica do séculoXIX, segue restrita a setores cultos e relativamente ricos, permanecendo,

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44 BRECHT, Berttold,op. cit.

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para a imensa maioria da população mundial, totalmente válido o paradigmada cultura de massas. Não obstante, são inegáveis as possibilidades de efetivosavanços democráticos que o novo meio oferece, decorrentes da interatividadee do trabalho em rede,45 o que passa por uma reorientação do modo de pensara comunicação, projetada como negócio nos discursos pós-modernos, os quaisnão só desresponsabilizam a mídia, como chegam a celebrar seus conteúdos,elegendo a produção de sentido como fator único a ser contabilizado no jogocomunicacional, sob “a égide do princípio do mercado, que se afigura maishegemônico que nunca no seio do pilar da regulação, dado que produz umexcesso de sentido que invade o princípio do Estado e o princípio dacomunidade, tendendo a dominá-los de forma muito mais profunda do queanteriormente”.46 Fica clara, assim, a inviabilidade de se construir uma esferapública popular e dialógica longe do processo de discussão acerca das macro-mudanças econômicas e sociais, em que se forjam as lutas políticas de nossotempo, bem como a impossibilidade de fazê-lo sem uma ação do Estado,invertendo-se o processo original, em que este era o ente que deveriajustamente ser controlado e submetido às leis daquele fórum democrático.

A esfera pública poderia ser aquele lócus, para além de seu protótipo doséculo XVIII, capaz de incorporar todos os cidadãos, não só os proprietários.Isto implicaria a superação do conceito burguês original de esfera pública, oque já estava posto no momento da sua mudança estrutural, estudada porHabermas, na passagem do capitalismo concorrencial ao monopolista, quandosurge a Indústria Cultural e a cultura de massas, que acabariam por esterilizaro seu potencial crítico e transformador, no sentido progressista. A situaçãoatual pode ser identificada, portanto, em um aspecto fundamental, comaquele momento de passagem da esfera pública burguesa clássica para osistema de manipulação das consciências, que prevalecerá, segundo oautor, no seu trabalho dos anos 60, durante o século XX. A reestruturaçãoatual repõe em grande medida o caráter crítico, mas restrito, da esferapública original, de modo que se renova a luta pela eliminação dasfronteiras que excluem a maioria da população mundial. A luta agora épelo acesso aos novos meios interativos, o que exige não apenas adisponibilização da infra-estrutura, mas toda uma política de incorporaçãodas massas, incluindo a socialização do capital cultural, sem o qual ademocratização e o ideal de autonomia dos sujeitos não poderiam se realizar.

Por isso, não é o Estado o único antagonista na luta dos movimentos sociaispor espaço público verdadeiramente democrático que, no limite, propõemagora, não apenas sua autonomia em relação ao Estado, como se observa,por exemplo, na organização do Fórum Social Mundial, mas também o

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45 Sobre o tema, verHERCOVICI, Alain;BOLAÑO César;CASTAÑEDA, Marcos;V A S C O N C E L O SDaniel. EconomiaEconomiaEconomiaEconomiaEconomiaPPPPPolítica da internetolítica da internetolítica da internetolítica da internetolítica da internet.Aracaju: Editora UFS,2007.

46 SANTOS, Boaventurade Sousa. A crítica daA crítica daA crítica daA crítica daA crítica darazão indolenterazão indolenterazão indolenterazão indolenterazão indolente: contrao desperdício da expe-riência. Porto: Afronta-mento, 2000. p. 143.

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controle do próprio mercado, dominado hoje essencialmente, por interessesoligopolistas. O Estado mesmo, nessas condições, deve ainda ser entendidocomo lócus da luta de classes e, nesse sentido, espaço também de açãovisando à transformação social.

O controle do mercado exige a regulamentação estatal. Isto não significa queo Estado seja um agente neutro, cuja origem de classe e condição deinstrumento de dominação são conhecidos. Eli Diniz, por exemplo, estudandoa relação entre Estado e empresários no período inicial da industrializaçãobrasileira, observa que o alargamento da esfera de ação estatal e a consolidaçãodo setor privado da economia não foram percebidos como objetivoscontraditórios, senão que solidários, na construção da sociedade industrial. Nissoconvergiam os defensores do sistema autoritário e as lideranças empresariais.47

Mas esse mesmo Estado, que é interventor ou absenteísta, conforme os interessesdos capitais, pode, a partir da pressão social, promover medidas tendentes aviabilizar a construção de um espaço público democrático, como ocorreu noBrasil, ainda no processo de industrialização, após o fim da ditadura Vargas.

Considerações conclusivas

A idéia de uma sociedade civil mundial é, por sua vez, questionável, pois setrata basicamente de uma ficção, sem qualquer relação com os (fracos)mecanismos institucionais que compõem a espinha dorsal do Império,incluindo apenas, e de modo informal, parcelas irrisórias de cidadãos dealguns países, enquanto que a imensa maioria da população mundialpermanece presa aos mecanismos cada vez mais inócuos dos Estadosnacionais, submetidos muitas vezes a governos que ainda combatem qualquerarremedo de sociedade civil no âmbito dos países que controlam. A esferapública global é, portanto, um fenômeno ainda mais excludente do que suasmanifestações no plano nacional. Mas os novos movimentos sociais, apoiadosmuitas vezes em organizações não-governamentais (ONG) e fórunsinternacionais, são demonstração de um nível de articulação de setores dacidadania no nível mundial, que ganha expressão e muitas vezes lugar namídia, os quais se puderem superar o risco de voltar-se apenas para a micro-política, representam uma possibilidade concreta de democratização da esferapública global. Em todo caso, prevalecem hoje os espaços públicos que nãoconseguem ser aglutinadores, nesse sentido, no grau que seria exigido.

Sendo assim, não é a digitalização que resolverá o problema da construçãode uma esfera pública democrática e popular. A “participação de agentesoriundos de localidades subalternas”, por exemplo, está posta, mas sobrepõem-

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47 DINIZ, Eli. Empre-Empre-Empre-Empre-Empre-sário, Estado e ca-sário, Estado e ca-sário, Estado e ca-sário, Estado e ca-sário, Estado e ca-pitalismo no Brasilpitalismo no Brasilpitalismo no Brasilpitalismo no Brasilpitalismo no Brasil:1930/1945. Rio deJaneiro: Paz e Terra,1978. p. 290-291.

Paradigma digital: capitalismo, cultura e esfera pública

se as diferenças “entre nações dominantes e dominadas”,48 ou ricos e pobres,pois o problema da exclusão não se circunscreve em fenômenos específicos,como a globalização, mas é inerente ao capitalismo. Assim, para que amídia fuja da mera produção de mercadorias e se aproxime do ideal daágora grega universalizada, é preciso um amplo movimento, que construanovas formas de organização das entidades produtoras, programadoras edistribuidoras de fluxos comunicacionais.

ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : This article condenses some of the theoretical framework developed

by the authors for analysis of digital TV, where is possible to find, moreover, a moreextensive history of the development of this technology in Brazil and the world,from the perspective of political economy of communication. This text makes theoption to present the state of the art of debate on the Internet, convergence and itsimpact on the economics of telecommunications and television, and advance thediscussion about the democratization of communications, on the considerations about

culture and public sphere.

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convergence,technology,regulation,communication,political economy.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 26/05/2009Aprovado: 18/07/2009

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48 BRITTOS, Valério.Recepção e TV a caboRecepção e TV a caboRecepção e TV a caboRecepção e TV a caboRecepção e TV a cabo:a força da cultura local.2. ed. São Leopoldo,2001. p. 198.

Valério Cruz BrittosCésar Ricardo Siqueira Bolaño

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106106106106106Valério Cruz Brittos

César Ricardo Siqueira Bolaño

O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

107107107107107(*) Suzy dos Santos é Professora do Programa de Pós-Graduação e da Escola deComunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

The owner of the world:The owner of the world:The owner of the world:The owner of the world:The owner of the world:The State like television owner in Brazil

Suzy dos Santos*

O dono do mundo:O Estado como proprietário de televisão no Brasil

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:estado, comunicação,televisão.

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Este artigo pretende analisar a atuação do Estado brasileiro comoproprietário de meios de comunicação, nos ambientes da produção e da distribuiçãode conteúdo televisivo. Em um momento em que o governo brasileiro começaexecutar um plano de uma TV estatal fortalecida, o debate sobre as condições deindependência nas emissoras estatais existentes pode jogar alguma luz acerca desteprocesso. É possível dividir esta atuação em duas funções. Uma primeira em que oEstado atua como produtor, gerando programação para canais específicos e, umasegunda, em que atua apenas como distribuidor, retransmitindo programação dasredes já existentes em localidades de difícil acesso.

H á alguns anos teve ampla visibilidade uma longa batalha entre a TV pública britânica, a BBC, e o primeiro-ministro Tony Blair. Segundo reportagem exibida no programa de rádio Today, o relatóriogovernamental sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque,publicado em setembro de 2002, trazia dados propositalmente exagerados.Do outro lado, o Governo acusou a BBC de ser parcial e não investigarcorretamente a informação.

O caso acabou envolvendo o suicídio da fonte da BBC, após a divulgação deseu nome pelo Governo, e um inquérito público no qual o relatório do juiz,Lord Brian Hutton, absolveu o Governo pela responsabilidade no suicídio e

108108108108108Suzy dos Santos

condenou a BBC por ter divulgado uma informação com base em única fonte.O conflito entre Governo e BBC abalou a imagem das duas instituições ecausou as demissões de altos funcionários da companhia pública deradiodifusão e da assessoria de imprensa do Primeiro-Ministro. Desde adivulgação, em fevereiro de 2003 pelo Channel 4, das comprovações de plágiono dossiê do serviço de inteligência britânico até a divulgação do ‘relatórioHutton’, em 28 de janeiro de 2004, a polêmica tem servido de pano de fundopara nova discussão sobre a condução e a manutenção da independênciadas empresas públicas de radiodifusão.

Em um momento em que o governo brasileiro começa executar um plano deuma TV estatal fortalecida, o debate sobre as condições de independêncianas emissoras estatais existentes pode jogar alguma luz acerca deste processo.Não é nosso objetivo discutir aqui a Empresa Brasil de Comunicação, nemseus condicionantes, o que pretendemos é nos focar na complexa efragmentada estrutura existente até então. Na história da televisão brasileiranem há episódio onde uma emissora educativa tenha questionado com tantaintensidade o Estado nem vivência, em qualquer época, de debate tão amplosobre a própria televisão. Murilo César Ramos aponta a ausência devisibilidade no cenário televisivo sobre as questões relativas ao próprio negóciocomo uma barreira à prática de cidadania no país. Em depoimento à ComissãoEspecial do Senado, “Destinada a Analisar a Programação de Rádio e TV, noPaís”1, Ramos afirmava que:

Hoje ainda, tal qual no século XIX, nosso liberalismoestabelece um limite claro para seu avanço democrático:o limite da escravidão. Lá, o povo era privado da sualiberdade no sentido mais absoluto; aqui, a privação, aindaque relativa, pode ser quase tão cruel, pois um homemprivado da informação continua a ser, de algum modo,escravo, pois escravo é todo aquele que não pode seapresentar diante do outro como verdadeiro cidadão. Ecidadania não há sem acesso à informação. Inclusive, eprincipalmente, informação sobre os interesses e ofuncionamento dos meios de comunicação. Pois eles,constituidores principais da esfera pública contemporânea,têm o dever de estar, juntamente com as organizações estatais– e eu friso – entre as mais públicas, as mais transparentes,de todas as instituições sociais (Simon, 1998, p. 53).

1 Criada pelo Requeri-mento nº 470, de 1995,a Comissão elaborou umvasto relatório contendoproposições para osetor.

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109 109 109 109 109O dono do mundo: O Estado como proprietário de televisão no Brasil

O exemplo mais próximo de programação televisiva como a requerida peloautor é o Observatório da Imprensa exibido pela Rede Pública de Televisão,que integra as emissoras públicas, estatais e privadas sem caráter comercial.O próprio programa, porém, traduziu recentemente a expressiva dependênciada televisão pública às índoles políticas locais e regionais.

Em fevereiro de 2001, o apresentador do programa, Alberto Dines, canceloua edição do programa que entrevistaria João Carlos Teixeira Gomes, autor deum livro-denúncia contra o senador, falecido em julho de 2007, Antônio CarlosMagalhães2. O jornalista alegou, dentre outros motivos, que a exibição doprograma poderia ser usada para prejudicar o então presidente da TVE-RedeBrasil, Fernando Barbosa Lima. Nas palavras de Dines:

a TVE tem dono, é do governo federal, embora o projetoem curso seja convertê-la em rede pública. O Executivopaga e manda [...] E o governo federal vive uma crisepolítica protagonizada justamente pelo senador ACM(teoricamente aliado e, portanto, “sócio” da TVE). Acresceque dos nove comentaristas políticos convidados paraparticipar do programa, apenas um aceitou, Tales Faria,da IstoÉ em Brasília, ele mesmo uma vítima dasperseguições de ACM. Os outros oito recusaram sob osmais variados pretextos, o que evidentemente eliminariaqualquer possibilidade de isenção com uma saraivadade críticas ao senador durante uma hora de programa.[...] Acresce ainda que o programa coincidiria com oinício da gestão do novo presidente da TVE, o jornalistaFernando Barbosa Lima, uma das grandes figuras dotelejornalismo brasileiro, um dos poucos – talvez o único– capazes de tirar a televisão educativa da crise em quese encontra. Mais: a TVE da Bahia (um feudo do senadorACM) ao longo daquela terça-feira deu sucessivos indíciosde que não retransmitiria o ‘Observatório’, criando um“imbróglio” político que respingaria no presidente recém-empossado (Dines, 2001, [Em linha]).

Ampliando o recurso figurado de Dines, é possível alegar que, além de ‘sócio’da TVE, o senador Antonio Carlos Magalhães era na época ‘proprietário’também da afiliada regional da emissora na Bahia. A TV Educativa integra oIRDEB – Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia, vinculado à Secretaria

2 Intitulado Memóriadas Trevas: uma devas-sa na vida de AntônioCarlos Magalhães, olivro foi lançado emjaneiro de 2001, pelaGeração Editorial.

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de Cultura e Turismo do Estado, e sua programação foi fortemente influenciadapelo Senador nos longos períodos em que seus aliados estiveram nos cargoscentrais do governo estadual. No mesmo 2001 em que ocorreu a suspensãoda entrevista no Observatório da Imprensa, a TV educativa baiana deixou deretransmitir outros dois programas que continham acusações contra AntônioCarlos Magalhães: o programa Opinião Brasil, em 24 de janeiro, com umaentrevista do autor de Memória das Trevas; e, o programa Vitrine, em junho,quando transmitia uma entrevista ao vivo com Andrei Meireles, o jornalistada revista Istoé co-autor da reportagem que continha a declaração do Senadorsobre sua participação em uma violação do painel de votos do Senado.

Nos dois episódios, a justificativa dada pela TV Educativa da Bahia foi a deque problemas técnicos tiraram o sinal do ar. Como não há, no país, a necessáriaautocrítica do setor nem políticas públicas que incluam o controle do conteúdotransmitido pelas estações educativas, os episódios de atrelagem da TV Educativaa uma elite política regional foi pouco questionado. De maneira adversa à idéiade TV pública independente, ainda são escassas no país as estações públicasque não estão diretamente condicionadas aos poderes públicos.

Tanto o rádio quanto, posteriormente, a televisão, tiveram papel fundamentalnão apenas na criação de uma indústria totalmente nova, a Indústria Cultural,como também na divulgação da convicção de que era indissolúvel o casamentoentre eficiência tecnológica e os valores morais de justiça, igualdade e bempúblico (Mosco, 1996, p. 34). No entanto, este casamento, por ser ‘arranjado’,não reflete a felicidade ‘até que a morte os separe’:

Whenever access to the communications and informationresources required for full citizenship depends uponpurchasing power (as expressed directly through customerpayments or indirectly through the unequal distribution ofadvertising subsidies to production), substantial inequalitiesare generated that undermine the nominal universality ofcitizenship (Murdock; Golding, 1997b, p. 1043).

Os serviços de telecomunicações, no que se refere ao provimento de conteúdo(radiodifusão) e ao tráfego de informações (telefonia/transmissão de dados),cresceram e foram regulados sob lógicas e instâncias normativas distintas(Garnham, 1990; 1996; Richeri, 1995). As diferentes naturezas dos serviçosfizeram com que a telefonia fosse regulada prioritariamente em relação àdistribuição/transporte de informações e a radiodifusão em relação ao conteúdo.

3 A referência daprimeira publicação dotexto é: MURDOCK,G.; GOLDING, P.(1989). Informationpoverty and politicalinequality: citizenshipin the Age of PrivatizedC o m m u n i c a t i o n s .Journal ofJournal ofJournal ofJournal ofJournal ofCommunicationCommunicationCommunicationCommunicationCommunication. n.39, v. 3. p. 180-195.Utilizamos aqui a versãoapresentada no segundovolume da coletâneaThe Political Economyof Media, editada, em1997, pelos mesmosautores. p. 100-115.

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Os serviços de telefonia e transmissão de dados se consagraram historicamentecomo monopólio estatal, exceto nos EUA, e sua estrutura regulatória foidesenvolvida em relação à estrutura física, com base em três princípiosgenéricos: acesso universal (common carriage); interconexão; e, controle depreços (tarifas não discriminatórias).

Encarado como questão estratégica nas políticas de desenvolvimento do séculoXX, o controle destes serviços era regido especialmente por um enfoquegeopolítico e de segurança do Estado. O conteúdo das transmissões eraconsiderado uma transação privada e jamais foi controlado, salvo em períodosde guerra ou convulsão social.

Na radiodifusão, tanto a distribuição quanto o conteúdo eram fortementecontrolados pelos Estados fosse nos modelos público, estatal ou comercial.Esta regulação incluía critérios culturais e econômicos, além dos políticos,estando baseada em princípios diversos das telecomunicações e mais próximosà lógica aplicada anteriormente à imprensa.

Como sustenta Othon Jambeiro:

Histórica e universalmente, os sistemas regulatóriosdesenvolvidos para governar a indústria da TV têmderivado diretamente dos instrumentos legais e aparatosburocráticos que os estados-nações criaram para tratar coma Imprensa. Na medida em que novas tecnologias deramorigem a novos meios de comunicação de massa - o cinema,depois o rádio, em seguida a TV - aqueles instrumentos eaparatos foram consequentemente adaptados, muitas vezespara permitir que se pudesse continuar a policiar econtrolar a mídia. Os sistemas regulatórios evoluíram emseguida para evitar danos morais, regular a relaçãotrabalhista entre empregados e proprietários dos meios,prevenir excessiva concentração de poder, licenciarfreqüências de rádio e TV, e - particularmente nas democraciasliberais da Europa ocidental e nos Estados Unidos -garantir formas de competição econômica suficiente parafrustrar o estabelecimento de monopólios (1997, p. 148).

Apesar das distinções no mercado e na natureza da regulação, estes serviçosusualmente estão incluídos dentro de um setor único, genericamente chamadode comunicações, no qual o Estado assume as funções de proprietário, promotorou regulador. Ainda segundo Jambeiro,

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Ele é Estado Proprietário, no que se refere, por exemplo,à bibliotecas, centros de documentação, ao espectroeletromagnético e às emissoras de rádio e TV que exploradiretamente. É também Estado Promotor, porque traça asestratégias públicas para o desenvolvimento do setor, fazinversões de infra-estrutura, e concede incentivos esubvenções. E, finalmente, é Estado Regulador, na sua funçãode fixar regras claras de instalação e operação, que eliminemas incertezas e desequilíbrios (Jambeiro, 2000, p. 23).

Embora seja pouco discutida a atuação estatal no cenário brasileiro deradiodifusão, no caso da televisão, a participação da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios como proprietários, tal qual definido porJambeiro (2000), é parcela considerável da distribuição de programaçãotelevisiva. É possível dividir esta atuação em duas funções. Uma primeira em queo Estado atua como produtor, gerando programação para canais específicose, uma segunda, em que atua apenas como distribuidor, retransmitindoprogramação das redes já existentes em localidades de difícil acesso.

“Síndrome de Estocolmo” das TVs Estatais: osconflitos no Estado Produtor

Não raro ouve-se de dirigentes de TVs estatais queixas sobre a atuação dosgovernos frente às instituições de radiodifusão. Tão recorrente quanto a queixaé a exigüidade das situações onde o jornalismo das estatais cumpre seu papelde watchdog alertando os telespectadores quanto aos abusos dos podereslocais, regionais ou nacionais. Esta corriqueira relação de amor e ódio temancestralidade na Rádio Nacional de Getúlio Vargas, nos anos 30, e berçonos governos militares, do período posterior a 1964. A tentativa de estabeleceruma rede estatal nacional de televisão educativa encontrou no próprio Estadoseu maior complicador. A infraestrutura de telecomunicações possibilitoutecnicamente a constituição destas redes mas, como dependiam dos aparatosestatais, esses canais estiveram sempre submetidos às injunções políticas eeconômicas dos poderes onde estavam localizados.

Apesar de ser ator preferencial na expedição de outorgas para a prestação deserviços de radiodifusão, a participação do Estado como produtor terminoupor ser pouco expressiva e fragmentada. Como mencionado anteriormente, amaioria das geradoras federais e estaduais se diferencia da idéia de TV Públicacomo instituições independentes dos governos e do mercado tanto na forma

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de controle quanto no financiamento. Juridicamente impedidas de veicularpublicidade estas emissoras dependem exclusivamente do aparato estatal paraa sua sobrevivência.

A principal exceção ao controle direto do Estado é a Fundação Padre Anchieta- Centro Paulista de Rádio e Televisão Educativa, gestora da TV Cultura-SP.A TV Cultura é o único caso da Rede Pública de Televisão no país em que aestrutura administrativa é desvinculada dos poderes executivos nacional,estadual ou municipal. Não tendo seus membros indicados pelo poder público,o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta é composto por 46conselheiros assim distribuídos: um membro emérito, o fundador dainstituição; 20 membros natos: representantes de instituições educativase culturais públicas e privadas cujos mandatos são coincidentes ao períodoem que os titulares permanecem nos cargos; três membros vitalícios,inicialmente indicados pela fundadora, Renata Crespi da Silva Prado, e,após seu falecimento, eleitos pelos próprios conselheiros vitalícios; 21membros eletivos, indicados pelo próprio conselho, sendo obrigatória arenovação anual de um terço dos membros. O mandato é de três anos reelegívelpor mais três; um representante dos funcionários da Fundação, eleito emvotação direta e secreta (Fundação Padre Anchieta, [Em linha]).

Criada em 1967, a Fundação Padre Anchieta já nasceu com administraçãoindependente do governo estadual inspirada nos moldes da BBC. Acontradição na implantação do modelo de TV pública está exatamente noperíodo desta criação. Uma TV pública formada no auge do autoritarismomilitar não poderia ser totalmente independente do Estado. Assim, adependência direta das verbas públicas fez com que a TV Cultura estivessesujeita aos ‘humores’ dos Governos em questão, tal qual nas emissoras estatais.

Por ser administrada por um conselho que inclui diversas representações dasociedade, a TV Cultura não pode ser considerada no mesmo rol das fundaçõesprivadas que vêm ganhando espaço, nos últimos anos, nem nas instituiçõesestatais de radiodifusão. Por outro lado, por não traduzir um modelo de televisãocujo financiamento esteja vinculado a normas que proporcionem a suaindependência em relação ao Estado, a TV Cultura também não se inserenas definições de radiodifusão pública. Ela configura uma espécie singularde fronteira entre estas classificações.

Dentre as televisões tradicionalmente definidas como estatais, dois exemplosque também se aproximam da idéia de gestão pública são a TVE-RS - FundaçãoCultural Piratini, e a Rede Minas de Televisão - Fundação TV Minas Cultural

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e Educativa. Ambas estão vinculadas às Secretarias de Estado da Cultura econdicionadas a indicação de membros dos Conselhos Curadores pelosgovernadores dos estados onde se inscrevem. Contudo, os estatutos destasfundações trazem dispositivos que buscam assegurar a independênciaideológica. Um primeiro dispositivo que as distingue das demais empresasestatais de radiodifusão é a presença de representantes de esferas distintas daestatal, como instituições de ensino e entidades de classe, na composição dosconselhos gestores destas fundações, tal qual ocorre na Fundação Padre Anchieta.

Outro dispositivo é relativo à coibição do uso político-partidário das emissoras.O estatuto da Fundação Piratini, definido pela Lei Nº 10.535, de 08 de agostode 1995, estabelece a promoção da liberdade de expressão e a proibição dacensura (Art. 3º §§ 3º e 4º). O Artigo sexto, parágrafo único, garante que osserviços da Fundação “funcionarão de modo a salvaguardar sua independênciaperante o Governo Estadual e demais Poderes Públicos, e assegurar apossibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião”(TVE,2007 online). Um pouco menos elaborado, mas igualmente incisivo, o Estatutoda Fundação TV Minas, aprovado pelo Decreto 53.502, de 30 de março de 1994,proíbe à Fundação “utilizar, sob qualquer forma, a programação de televisão culturalou educativa com fins político-partidários ou divulgar idéias que incentivempreconceitos de raça, classe ou religião” (Rede Minas, 2007 online.

A transmissão de conteúdo distinto do comercial também não está garantidanas TVs estatais brasileiras. De tempos em tempos, ouve-se falar dacomercialização de espaços publicitários em algumas emissoras ou deprogramas sensacionalistas em outras. Também a proximidade entre Estado emercado de televisão comercial é tradição no Brasil. Mas, no Pará, a rarasituação de cessão da estrutura estatal de radiodifusão para um canal comercialchama atenção.

A Funtelpa – Fundação de Telecomunicações do Pará, vinculada à SecretariaEspecial de Promoção Social do Estado, alugou, por pelo menos 25 anos, suarede de retransmissoras no estado para a TV Liberal, retransmissora da RedeGlobo. A Folha de São Paulo e a Istoé4 mostraram funções distintas no acordo.Enquanto a coluna de Elvira Lobato, publicada no jornal diário, afirmou queo acordo consistia em uma permuta pela qual o governo recebia 30 minutosmensais de espaço publicitário na grade da TV Liberal (LOBATO, 2000), arevista Istoé dizia que a retransmissora da Rede Globo recebeu R$ 200 milpara ceder sua programação às retransmissoras estatais (ISTOÉ, 1997).Embora com uma diferença de três anos entre si, as duas publicações tratamdo mesmo contrato. A permuta, revelada por Elvira Lobato, pode ser

4 A Folha de São Paulo éjornal diário e a ISTOÉsemanário, ambos comexpressiva circulação noterritório nacional.

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confirmada no Balanço de Promoção Social da Secretaria da Fazenda do Pará,de 1998, onde se afirma que

A Funtelpa é responsável também pela implantação efuncionamento do Sistema Estadual de Repetidoras eRetransmissoras de Sinais de Televisão – SIERT em todoo Estado, podendo para tal realiza-lo diretamente ou pordelegação, assim como, por força de convênios passou aexecutar a despesa com pagamento de publicidade epublicações do governo estadual.

Através de repetidoras de televisão, a Funtelpa exerce agerência direta de manutenção de 76 (setenta e seis)retransmissoras de televisão, espalhadas por váriosmunicípios do Estado, possuindo também sob suaresponsabilidade a operacionalização do sistema digitalde televisão, que proporciona a transmissão via satéliteda imagem da quase totalidade de nossos 143 (cento equarenta e três) municípios através dos sinais da TVLiberal (Secretaria da Fazenda, 1998 [em linha]).

O convênio chegou a ser objeto de uma ação popular, em 1997. SegundoElvira Lobato, o governo estadual justificou a parceria com a TV Liberal, emdetrimento da TV Cultura do estado também vinculada à Funtelpa, como umato político de integração social afirmando que “um dos objetivos do Estadoé integrar a população através dos meios de comunicação de massa, como atelevisão”5. Não se tem, também, notícia de qualquer observação da Anatelou do Ministério sobre o caso.

Além das políticas públicas confusas, a situação de ausência de controle doscanais estatais deve-se também à sua pequena expressão na totalidade dosistema televisivo. As geradoras e retransmissoras vinculadas às administraçõesFederal e Estaduais não ultrapassam 6,8% do total de outorgas do país. No âmbitofederal são seis geradoras de televisão aberta: três em Brasília-DF - TV Câmara,TV Senado e TV Nacional; uma em São Luis-MA, a TVE Maranhão com seisretransmissoras próprias; uma no Rio de Janeiro, a TVE – Rede Brasil; e, umaem Natal, a TV Cultura com duas retransmissoras próprias. Além destes, oGoverno Federal também é operador de oito retransmissoras em estadosdiversos e dos canais, por assinatura, TV Justiça e NBR. As TVs operadaspor governos estaduais estão distribuídas conforme a figura a seguir.

5 Trecho da defesa daFuntelpa citado porElvira Lobato (LOBATO,2000).

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Ilustração 1: Distribuição nacional das TVs deGovernos Estaduais6

Os canais educativos brasileiros tiveram sempre uma média de audiênciapequena, tecnologias ultrapassadas e financiamento insuficiente. Maisrecentemente, esses canais passaram a trabalhar com patrocínio e mesmocom publicidade, entrando dentro da lógica dos canais particulares. Alegislação em vigor proíbe essa forma de financiamento (Art. 13º, Dec.-Leinº236, de 28 de fevereiro de 1967) mas um dispositivo facilitador foi o Art.19 da Lei 9.637, de maio de 1998, que liberou a publicidade institucionalsob a forma de patrocínio (apoio cultural). Há canais que extrapolam estelimite mas como sem a publicidade estariam condenados à extinção, a Justiçanão dá prosseguimento a processos intentados por canais particulares ou pormultas de órgãos de controle.

Embora seja possível observar, no cerne do ambiente estatal, vários episódiosrecentes em que tem transparecido o interesse em buscar alternativas parafortalecer uma televisão pública nacional, as discussões recentes sobretelevisão pública estão excessivamente voltadas ao financiamento dessas TVs.

6 Fonte: Ministério dasComunicações, AgênciaNacional das Telecomu-nicações, 2007.

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A formação de uma rede pública complementar às estatais e privadas somentepode ser pensada como uma política pública mais global. “deve-se levarsempre em consideração a importância das injunções políticas que influenciamfortemente a estrutura econômica dos meios de comunicação de massa noBrasil e que sempre atuaram no sentido de manutenção das posiçõesdominantes” (Bolaño, 1999, [Em linha]).

Qual é a música, maestro? As parcas notas doEstado Distribuidor

O bem sucedido projeto dos governos militares de fazer a televisão chegar atodos os pontos do país transformou o Estado em importante distribuidor destessinais. O serviço de retransmissão de TV é o primordial facilitador desteobjetivo, especialmente nas localidades onde o interesse comercial em explorarradiodifusão de sons e imagens é inexistente. Regulamentada pela primeiravez em 1978, pelo Dec. 81.600 de 25 de abril, a retransmissão de televisãonão se insere no mesmo processo de licitações previsto para a radiodifusão.

As permissões são concedidas diretamente por portarias do Ministério dasComunicações e têm caráter precário, com prazo indeterminado para aextinção. O Ministério pode, a qualquer momento, cancelar as permissões oumantê-las ad infinitum sem ser necessário que elas passem por qualquerprocesso de avaliação do serviço como requisito para a renovação das outorgas.

Este serviço teve alterações significativas em 19887. O Dec. 96.291 e, logoapós, a Portaria 93, de 1989, estabeleceram uma nova categoria, asretransmissoras mistas - educativas e em fronteiras de desenvolvimento dopaís - que poderiam inserir programação local, geradas por elas próprias, ematé 15% do total. Esta alteração agregou um atrativo político ao serviço deretransmissão educativa. Como era previsível, em pouco tempo começaram aaparecer fundações e associações controladas por vereadores e deputadosem várias partes do país.

Em 1998, estas chamadas retransmissoras mistas foram extintas pelo Dec.2.593, de 15 de maio. Estas permissionárias tinham o prazo de dois anospara adaptarem-se às novas regras, porém, o governo voltou atrás antes doprazo extinguir. Como conta o editorial da revista Tela Viva,

Os permissionários ganharam uma sobrevida, nadaisonômica, com a publicação do Decreto nº 3.451 (09/05/2000). Tanto as retransmissoras educativas quanto as

7 Nesse ínterim, normascomplementares foramsendo expedidas atravésdos seguintes decretos:nº 84.064, de 08 deoutubro de 1979; nº84.854, de 12 de julhode 1980; 87.074, de 31de março de 1982.

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microgeradoras poderão funcionar nas mesmas condiçõesatuais até que uma geradora se instale na mesma praçaou poderão solicitar a transferência do canal para o PlanoBásico de TV, isto é, poderão transformar-se em geradoras.E aí mora a grande distorção. Lembro que ambas nãoprecisaram enfrentar a tramitação no Congresso (eatualmente os processos licitatórios) obrigatória para umaconcessão comercial, pois as permissões foram dadas peloMinistério das Comunicações. A maioria das RTVseducativas está instalada em regiões de alta densidadepopulacional, onde já existem emissoras comerciais.Como a legislação aplicável aos serviços deradiodifusão educativa não prevê o lançamento de editaispara a concessão dos canais, os atuais permissionáriosganharão sem concorrência a freqüência que ocupam noespectro (FALGETANO, 2000).

A participação das prefeituras municipais neste serviço é representativa.Segundo os dados oficiais, dos 5.561 municípios brasileiros, 1.676 têmretransmissoras outorgadas às prefeituras. Ao todo são 3.341 outorgas deretransmissoras nas mãos de prefeituras.

Ilustração 2: Distribuição das outorgas deretransmissoras das prefeituras municipais8

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AC AL AM AP BA CE ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RS SC SE SP TORR

8 Fontes: Ministério dasComunicações; AgênciaNacional de Telecomu-nicações: 2006.

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Dentre as 3.341 permissões de retransmissão concedidas à prefeituras apenas389 são de caráter educativo e 168 encontram-se na área onde são permitidasas estações retransmissoras mistas10. Mas não é possível afirmar que apenas6,18% do total de retransmissoras das prefeituras geram programação própria.Embora efetivamente a maioria das RTVs seja usada apenas para fazer chegaro sinal das grandes redes às pequenas cidades do país, há uma parcela,impossível de precisar, que atua na ilegalidade.

Amparadas pelo parco conhecimento público de suas limitações e pelasdificuldades operacionais da Anatel para fiscalizar todo este rol de estações,algumas prefeituras fazem das retransmissoras seus porta-vozes sem seremincomodadas pelo poder federal. Como declarou, em entrevista ao jornalCorreio Braziliense, um dos membros titulares da Comissão de Ciência eTecnologia, Comunicação e Informática – CCTCI da Câmara dos Deputados,deputado Walter Pinheiro (PT/BA), “a chance de uma emissora dessas serpunida por causa do conteúdo de sua programação é próxima a zero” (COSTA;BRENER, 1997).

Na série de reportagens, reproduzidas na versão em rede do Observatório daImprensa, Sylvio Costa e Jayme Brener detalham algumas situações nas quaiso poder federal beneficia prefeituras dos partidos aliados, ou as prefeiturasfazem doações de terrenos a retransmissoras educativas ou mistas controladaspor aliados dos prefeitos, ou, ainda, as prefeituras desligam os equipamentosde transmissão quando as geradoras estão exibindo programação que prejudicaos interesses locais. Uma delas retrata um exemplo de como as elites políticasregionais fazem uso das RTVs em períodos eleitorais:

Nas eleições de 1994, a governadora Roseana Sarney(PFL) e o senador Epitacio Cafeteira (PPB) disputavam osegundo turno quando o pai de Roseana, o ex-presidentee atual senador José Sarney (PMDB-AP), foi protagonistade uma curiosa operação montada para ajudar a filha. Pornão ser candidato no Maranhão, Sarney não podiaparticipar do horário político gratuito, o único espaçoreservado pela legislação para a propaganda eleitoral.Gravou, então, um pronunciamento - de caráterinequivocamente eleitoral - veiculado em todo o estadopelas repetidoras em poder das prefeituras.

Terno claro e com a mesma expressão grave com que falavaà nação em cadeia nacional ao tempo em que erapresidente, o senador usa o pronunciamento para explicar

9 As retransmissoraseducativas estão distri-buídas entre onzeestados: São Paulo e Riode Janeiro, oito permis-sões; Rio Grande doSul, cinco; Mato Grossodo Sul, quatro; MinasGerais e Paraná, três;Goiás e Piauí, duas;Alagoas, Mato Grosso eParaíba, uma prefeiturapermissionária de re-transmissora educativaem cada.

10 Estas retransmis-soras são permitidas naregião da AmazôniaLegal que engloba:Acre, Amazonas, Ama-pá, Maranhão, MatoGrosso, Pará, Roraima,Rondônia e Tocantins.

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aos eleitores que eles deveriam optar entre “doisquadradinhos”. O primeiro, o de Cafeteira, seria “oquadradinho da velha politicagem e do ódio”.

O segundo, o de Roseana, o do “programa da concórdia”.“Roseana”, continuou Sarney, “tem um programa degoverno definido. Vai contar com a minha ajuda, vai contarcom a ajuda de Fernando Henrique, vai fazer um governode união pela paz”. E conclui: “Peço ao Maranhão queme ajude a continuar ajudando o Maranhão”.

A própria fita de vídeo repassada às prefeituras, cuja cópiafoi obtida pelo Correio Braziliense, denuncia airregularidade ao alertar que a fala do ex-presidente, cujaduração foi de 2 minutos e 45 segundos, deveria serexibida “em horário de telejornal, nunca na propagandaeleitoral do TER” (COSTA; BRENER, 1997).

Para além do uso eleitoreiro, há também a dificuldade em saber quais são ecomo são escolhidos os canais que as prefeituras retransmitem. Se a pergunta“o que as prefeituras municipais exibem em suas retransmissoras?” fossefeita no game show musical de Silvio Santos11, que dá título a este tópico, ojogador estaria em sérios apuros para continuar no programa. Os esforços emdemonstrar transparência nas ações estatais parecem condicionados pelobordão “uma nota, maestro Zezinho” e, neste caso, o dublador Pablointerpretaria uma espécie de canção afônica.

Embora exista a exigência de que as operadoras do serviço de retransmissãoentreguem ao poder concedente a indicação do canal a ser retransmitido,com autorização da geradora, estes dados jamais foram tornados públicos.Sendo responsáveis pela cobertura de 30,14% do território nacional e por34,13% das retransmissoras de TV no país, a ausência de identificação clarados canais retransmitidos impossibilita, por exemplo, determinar os índicesexatos de abrangência das redes nacionais.

O destaque fica por conta das redes religiosas onde são freqüentes asreferências às parcerias entre prefeituras e igrejas. Fazendo uma busca em sitesde prefeituras e jornais de pequenas cidades, é comum encontrar referênciassobre visitas de comissões da Rede Vida, ligada à Igreja Católica, ou da RIT –Rede Internacional de Televisão, de propriedade do líder da Igreja Internacionalda Graça de Deus, às prefeituras para estabelecer acordos de retransmissão oufinanciamentos para a instalação de retransmissoras vinculadas a estas igrejas.

11 Um dos programasmais antigos e de maioraudiência exibidos pelocanal SBT o Qual é amúsica? constitui-se deum jogo de advinhaçãomusical apresentadopelo empresário SilvioSantos .

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No estado de São Paulo, por exemplo, as redes católicas têm forte ligaçãocom as prefeituras municipais. Em Vargem Grande do Sul, não há geradoras,apenas três permissões de retransmissão. Das três permissões da cidade,registradas em nome da prefeitura, a primeira a ser inaugurada foi do canalcatólico, em junho de 2003 (TV CANÇÃO, 2003). Em São José do Rio Pardoa situação é diferente, há três outorgas ligadas a canais religiosos12 - RedeVida, Rede Mulher e TV Canção Nova – que concorrem com cinco canaiscomerciais e um não identificado que é retransmitido pela Prefeitura. Apesarde não retransmitir a rede católica, a obtenção da outorga é creditada à atuaçãodo vereador Fábio Augusto Porto Junqueira (PSDB) (GAZETA, 2003) quetambém indicou à prefeitura o pedido de verba para a instalação doequipamento transmissor (CÂMARA, 2002).

O esforço necessário para precisar qual o real alcance dos canais comerciais,educativos ou religiosos fatalmente encontra na ausência de transparênciadas outorgas seu maior obstáculo. Praticamente todas as redes nacionais,exceto a Rede Globo, indicam prefeituras como afiliadas. A adesão de umaprefeitura à afiliação de um canal específico, além de traduzir uma fatia maiorde audiência para este canal, significa também minimizar os custos dageradora na implantação de retransmissoras próprias.

Ligeiras Conclusões

A recente transição para um modelo democrático de Estado teve comocaracterística fundamental a manutenção das elites políticas já estabelecidasem todo o país. Esta relação de continuidade política fez com que as políticaspúblicas e privadas de comunicação de massa jamais fossem efetivamentedesnudadas do denso véu que as cobriu ao longo de seu desenvolvimento.

Houve, sim, algumas tentativas, como, por exemplo, a divulgação de algumaslistas de acionistas ou a adoção de processo licitatório para a concessão dosserviços principais. Porém, a ausência de revisão das outorgas já concedidase a persistência das práticas clientelistas no âmbito estatal fazem com que asiniciativas de desnudamento sejam tímidas. Uma analogia com as vesteshumanas diria que, quase vinte anos após a volta da democracia, a televisãobrasileira mal conseguiu exibir suas canelas em público.

Outro aspecto que merece ser destacado, diz respeito ao fato de que a retiradado Estado das operações de serviços de comunicações não ocorreu na televisãoda mesma forma sistemática que ocorreu nas telecomunicações em meadosdos anos 90. Embora o processo de privatização do sistema de telefonia tenha

12 Embora a RedeRecord seja vinculada àIgreja Universal doReino de Deus e tenhaprogramação religiosana sua grade, nesteestudo ela é consideradaum canal comercial, nãoreligioso.

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produzido uma profunda rearticulação nas comunicações nacionais, a televisãoaberta ainda depende fundamentalmente das Prefeituras Municipais paraatingir as regiões menos interessantes ao mercado em termos econômicos.

Por um lado, Estado saiu da operacionalização da telefonia e serviços conexos,mantendo-se apenas como regulador e, também, as geradoras de televisãopor ele operadas, tanto na esfera federal quanto estadual, não chegam a 10%do total. A retransmissão dos canais televisivos pelas prefeituras, por outrolado, atinge mais de 30% dos municípios brasileiros. Conforme foi apontado,estas outorgas têm possibilidade de geração de conteúdo e o controle sobreelas é praticamente inexistente como também é inexistente a definição doscritérios que pautam a escolha dos canais a ser retransmitidos.

Além da atuação como retransmissor, nos poucos canais estatais existentes évisível a persistência do Estado como produtor de conteúdo televisivo emoposição à idéia de transformação destes canais em canais públicos, comgestão desvinculada do poder político, tanto nos domínios federais quantoestaduais. Embora historicamente tenham pouco alcance também em termosde audiência, estes canais, por sua natureza educativa e não comercial,poderiam representar um diferencial qualitativo na programação televisiva,como ocorre com a TV Cultura de São Paulo.

ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : This article intends to analyze the acting of the Brazilian State likemedia owner, in the environments of the production and of the distribution oftelevision content. In a moment in which the Brazilian government begins to executea plan of a strengthened state-owned TV, the discussion on the independence conditions inthe existent state-owned broadcasting stations can play some light about this process. It ispossible to divide this acting in two functions: 1. the State acts like producer, producingplanning for specific channels and 2. the State acts only like distributor, re-

transmitting planning of the already existent nets in towns of difficult access.

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KKKKKey Wey Wey Wey Wey Words: ords: ords: ords: ords: state,communication,television.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 23/01/2008Aprovado: 20/03/2008

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(*) Alexandre Barbalho é Professor do PPG em Políticas Públicas da UECE . E-mail:[email protected] Ana Paula Freitas e Fabrício de Mattos são mestrandosdo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade da UECE. E-mail:[email protected], [email protected]

PPPPPolicies of Communication in the Amazon region:olicies of Communication in the Amazon region:olicies of Communication in the Amazon region:olicies of Communication in the Amazon region:olicies of Communication in the Amazon region:between the State and the market

Alexandre Barbalho

Ana Paula Freitas

Fabrício de Mattos*

Políticas de Comunicação naAmazônia:

entre o Estado e o mercado

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

políticas decomunicação;cultura; democracia;espaços públicos;amazônia.

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: O presente artigo discute a relação entre políticas de comunicação,

democracia e espaço público na Amazônia, a partir do estudo de caso do "convênio"entre uma grande empresa de telecomunicações do Estado do Pará, a TV Liberal, ea Fundação de Telecomunicações do Pará, FUNTELPA. Ao analisar este caso, colocam-se sob nossos olhos as relações de poder que permeiam a comunicação e a cultura,assim como os desafios para a construção da democracia na Amazôniacontemporânea.

I ntrodução

O presente artigo sugere uma análise de um “convênio”1 firmado entre oEstado e uma grande empresa privada de telecomunicações, tendo como pontofocal as relações de desenvolvimento e integração regional, visandoproblematizar as relações de poder inerentes aos campos da comunicação eda cultura, e aprofundando a intersecção entre eles. Percebemos, assim, oscampos da comunicação e da cultura como os campos protagonistas dasrelações de poder na contemporaneidade, por serem os campos formadoresdos imaginários sociais em nossa sociedade.

1 Não desconhecemos arelação polêmica que apalavra “convênio” traza este caso, pois muitosdos atores envolvidosneste debate afirmamque não se trata de umconvênio, e sim de umcontrato. O relatório demaio de 2007 daComissão de InquéritoAdministrativo queanalisou o caso, afirmaque “No instrumentopropriamente dito, o quese observa é que, foi

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Pensando sob a perspectiva de uma construção permanente da democracia2,é necessário desenvolver uma crítica a esse tipo de política de comunicação,que restringe a participação democrática no campo midiático, e aspossíveis disputas de interpretação. Este posicionamento resulta na análisede políticas de caráter exclusivista, pautando a circularidade dos significadosnas lógicas dos mercados econômico e político, e objetivando a manutençãodo poder de uma elite local.

Uma vez que a sociedade contemporânea é ambientada e estruturada pelocampo comunicacional, sustentamos que as políticas de comunicação devematuar a favor da construção de espaços públicos3 os mais ampliados possíveis,já que as disputas políticas atualmente acontecem muito mais no planosimbólico e, portanto, cultural.

Ao ler os termos do “convênio”, demonstrados sucintamente na apresentaçãoque segue, é fácil perceber a lógica que norteou a política de comunicaçãodo Estado do Pará entre os anos 1997 a 2006. Essa lógica está baseada numarelação de clientelismo e favorecimento de uma parte da elite amazônica,composta de empresários de comunicação e governantes, num processohegemônico imbricado e mais complexo do que prevê o senso comum. Nãose trata apenas de debater ou quantificar os prejuízos causados aos cofrespúblicos, mas de observar questões mais complexas, como o própriodesenvolvimento do processo democrático e como este tipo de política interferena criação de espaços públicos, na circulação de significados simbólicos e,consequentemente, na estruturação das dinâmicas culturais do Estado do Pará.

Apresentando o caso

O caso apresentado aqui se inicia há mais de trinta anos, em 1977, quando oGoverno do Estado do Pará firma pela primeira vez um contrato com a empresaTV Liberal Ltda., afiliada da Rede Globo de Televisão no Pará. Este primeirocontrato consistia num pagamento mensal que a Fundação deTelecomunicações do Pará (FUNTELPA), recebia da TV Liberal, pelautilização de seus retransmissores em algumas localidades do interior do estado,em que a empresa privada veiculava parcialmente sua programação, pois

comprometia-se a veicular a programação educativa daFuntelpa, pela manhã, e a disponibilizar horário para adivulgação de assuntos de interesse do Governo do Estado.(PINHEIRO, 2007)

firmado um contrato,com a denominação deconvênio, o que nãoencontra respaldo legal”(CARNEIRO, et al,2007, p. 7). Por estemotivo, a palavra serásempre usada entreaspas.

2 Sobre o conceito dedemocracia verBOBBIO (2000).

3 Sobre a ampliação dosespaços públicos, assimcomo a concepção dedemocracia como umaconstrução permanente,descontínua e desigual,ver a discussão deA L V A R E Z ;DAGNINO; ESCOBAR(2000).

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Além disso, a TV Liberal pagava também uma porcentagem de 1% de suaarrecadação publicitária veiculada nas cidades da região em que utilizasseos retransmissores da Funtelpa. Pode-se questionar, desde este primeirocontrato, os vínculos entre as políticas de comunicação dos governos e a empresa,mas queremos nos ater a uma mudança mais relevante, que aconteceu em 1997.

Ao final de 19974, o contrato anterior foi reformulado, recebendo o nome de“convênio”. A cláusula primeira do documento publicado em 27 de outubrode 1997 no Diário Oficial do Estado do Pará, refere-se ao objeto e ao objetivodo “convênio”:

O presente convênio tem por objeto a recepção pelaFUNTELPA da programação local/regional, produzida,pela GERADORA5 e transmitida para todo Estado (...)através do serviço LIBSAT, visando a maior integração dacomunidade paraense quanto a seus problemas e suasaspirações, inclusive com o acompanhamento, viainserções propostas, de assuntos concernentes aosobjetivos e ao desempenho da Administração Estadual,de problemas gerais do Pará e de suas soluções possíveis,de reivindicações dos variados segmentos sociais e,finalmente, de numerosos temas de utilidade pública econveniência para esta Unidade Federativa e seusjurisdicionados. (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DOPARÁ, 27 de outubro de 1997, Caderno 1, p. 4, grifos nossos)

Na segunda Cláusula do documento, referente às obrigações das partes, otexto prevê que a TV Liberal deveria, em contrapartida, ceder inserções depropaganda institucional em sua programação diária ao Governo do Estadodo Pará. Além disso, neste trecho do texto, percebe-se as premissas que dãosustentação à implementação do ‘convênio’: a lógica de integração do estadopermeada por uma idéia de desenvolvimento econômico e cultural.

IV - Em contrapartida pela utilização de suasretransmissoras de TV´s (...) do interior do estado, a TVLIBERAL assegura à FUNTELPA a veiculação em todasas localidades aonde chegue sua programação (...), deduas inserções diárias de 90 (noventa) segundos cada,sendo uma no primeiro intervalo comercial regional doJornal Nacional, de segunda à sábado, uma aos domingos,no primeiro intervalo comercial regional do Fantástico,

4O “convênio” foifirmado durante o pri-meiro mandato do Par-tido da Social Democra-cia Brasileira (PSDB),no governo de AlmirGabriel. No períodoentre 1998 e 2006, queabrange o segundomandato de AlmirGabriel e o mandato deSimão Jatene, tambémdo PSDB, foram publi-cados 14 aditivos ao“convênio”. O últimoaditivo, ao final do go-verno Jatene, prorrogouo convênio por mais 12meses, abrangendo oprimeiro ano do man-dato do novo governo doEstado do Pará, as-sumido por Ana JúliaCarepa, membro doPartido dos Trabalha-dores (PT) no início de2007.

5O termo “GERADORA”se refere à Tv Liberal,enquanto que os termos“RECEPTORA eRETRANSMISSORA”referem-se à Funtelpa.

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além de uma inserção de segunda a sexta feira, no primeirointervalo comercial regional do Globo Ciência e aosdomingos, uma inserção no primeiro intervalo comercialregional do Globo Rural; (...)

§3º - A TV LIBERAL LTDA. assegura à FUNTELPA, aveiculação de mais 03 (três) inserções diárias de 15(quinze)segundos cada, contendo chamadas relativas àsveiculações da Funtelpa previstas no Convênio;

V – A TV LIBERAL, por este instrumento, também asseguraà FUNTELPA (...) a divulgação em sua programação local/regional de, no mínimo, 15 (quinze) minutos semanais detemas que promovam a valorização das atividadeseconômicas, artísticas, culturais e científicas do Estado doPará, com o objetivo de integrá-lo, preservando e estimulandoo desenvolvimento da economia e da cultura paraense.

VI – A TV LIBERAL, igualmente, assegura àFUNTELPA, mensalmente, 25 (vinte e cinco) minutosadicionais de espaço publicitário, distribuídos eminserções nos intervalos comerciais da programação, nohorário de 19:00 às 22:30 horas, (...) Estas inserçõestambém são pertinentes a Mensagens Institucionais doGoverno do Estado, sobre as atividades da administraçãoe a divulgação de matérias de interesse do Pará e serãoinseridas igualmente na área de cobertura da TV LiberalCanal 7 de Belém;

VII – A Geradora se compromete a divulgar, nos intervaloscomerciais de sua programação, no mínimo, 06 (seis)mensagens institucionais do Governo do Estado, com aduração de 30 (trinta) segundos cada, sendo 02 (duas)no horário matutino, 02 (duas) no vespertino e 02 (duas)no noturno, alusivas à utilização do serviço LIBSAT, emConvênio com a FUNTELPA, como veículo para informara comunidade sobre atividades e matérias de interesse doPará, colimando, via moderno dispositivo de comunicação,a integração de todos os segmentos da sociedade, no vastoterritório paraense, aos esforços dirigidos aodesenvolvimento do Estado.

VIII – A produção de todo o material a ser veiculado, comexceção do previsto no item V, que compete à Geradora, é

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de responsabilidade exclusiva da FUNTELPA, semqualquer ônus para a TV LIBERAL, devendo, ser entreguea esta, em Belém, com qualidade técnica satisfatória ecompatível com o sistema e formato utilizado pelaGeradora, dentro dos prazos e das normas praticadas pelaTV LIBERAL. (idem, ibidem, grifos nossos)

Segundo o Relatório da Comissão de Inquérito Administrativo (2007),analisando os termos do “convênio”, também fazem parte das obrigações daTV LIBERAL:

Fornecimento ao sistema integrado estadual deretransmissão de televisão no Pará, através de suas estaçõesno interior, de sinais de radiodifusão de sons e imagensem áudio e vídeo, para divulgação pela Funtelpa de todaa Programação Local/Regional da Geradora, incluindocobertura de eventos, jornalismo, notícias do Estado, daRegião e dos Municípios, utilizando seus equipamentos eprocessos exclusivos (LIBSAT). Instalação e prestação deassistência técnica as suas expensas, aos equipamentosde recepção do serviço LIBSAT, de sua propriedade, nasretransmissoras da Funtelpa. (CARNEIRO; LUNA;NETO, 4 de maio de 2007, p. 3)

O “convênio” descreve ainda as obrigações da FUNTELPA, que seriam:

Em contrapartida pelos serviços técnicos dedisponibilização de sua estação terrena, (Up Link) dosegmento espacial do satélite Brasil Sat B1, fornecimento,instalação e manutenção dos equipamentos de recepçãoe especialmente, pelas inserções de que tratam ascláusulas IV VI e VII deste convênio, a FUNTELPApagará a TV Liberal, a partir de 1 de outubro de 1997, ovalor mensal de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais)atualizado anualmente pelo IGP (Índice Geral dePreços)6.(...)

Produção de todo o material a ser veiculado, com exceçãodo previsto no item V, que compete à TV LIBERAL.(DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ, 27 deoutubro de 1997, Caderno 1, p. 4)

6 Segundo o relatório daComissão de InquéritoAdministrativo (2007),a fatura de pagamentoque data de janeiro de2007, correspondia àR$ 461.097,47 (qua-trocentos e sessenta eum mil, noventa e setereais e quarenta e setecentavos).

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Até janeiro de 2007, somando-se o pagamento mensal efetuado pelaFUNTELPA a TV LIBERAL aos gastos relativos à manutenção das estaçõesretransmissoras de TV – que são de responsabilidade da Funtelpa – chega-sea mais de quarenta milhões de reais em gastos do Estado com este “convênio”:

(...) o valor total pago a TV Liberal durante o prazo devigência do convênio, (...) sem correção, foi o montantede R$35.050,806,12 (trinta e cinco milhões, cinqüentamil, oitocentos e seis reais e doze centavos).

Além do valor pago diretamente a TV Liberal, a Funtelpaarcava, e ainda arca, com todas as despesas relativas àsRetransmissoras de TV do interior que estão nas mãos daTV Liberal, isso significa gastos com água, luz, pessoal,diárias para as equipes de manutenção da capital visandoconserto dessas retransmissoras, Anatel etc.

Nos foi informado, pela diretoria, que o valor estimadodos gastos indiretos com o convênio giram em torno deR$5.000.000,00 (cinco milhões de reais). (CARNEIROet al, 2007, p. 4-5)

Dessa forma, a programação da FUNTELPA alcançava apenas a regiãometropolitana da capital paraense, Belém, enquanto que a programaçãoveiculada em 78 municípios (dos 143 que compõe o estado) foi e será geradapela TV Liberal até pelo menos junho de 2008, segundo as informaçõesdisponibilizadas pelo Governo do Estado do Pará7.

As Políticas de comunicação sob a ótica da integração

Para compreender a lógica de uma política de comunicação como esta, énecessário pensar sobre os vários processos complementares que conformama realidade da região amazônica. Propomos iniciar este debate analisandocomo a ideologia da “integração” atua para respaldar os processos decolonialismo interno, implementados recentemente no território amazônico.A idéia de “integração” pautou e ainda pauta a construção do imagináriocoletivo sobre a região, percebida como uma “fronteira em movimento”8.

A partir da inauguração, em 1959, da rodovia Belém-Brasília e, posteriormente,no período dos governos militares (1964-1985), a região Amazônica foi alvode políticas públicas que a consideravam como área estratégica para odesenvolvimento econômico e a manutenção da soberania nacional. Segundo

7 Em matérias jornalís-ticas recentes, veicula-das pela agencia denoticias do estado, aAgência Pará, o governoafirma que até junho de2008 serão retomadasas retransmissoras dointerior do Pará.

8 Sobre o conceito defronteira em movimentover VELHO (1979).

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Fábio Horácio-Castro (2006), entre as várias estratégias de integração daAmazônia, estava a implantação de redes de integração espacial:

Sobretudo através da construção de estradas, mas tambémpor meio da implementação de um sistema de transmissãotelevisivas e telefônicas. Em cinco anos, foram construídascerca de 12 mil km de estradas e, em três anos, foramimplantados 5.110 km de um sistema de comunicaçãopor microondas, franqueados à rede Globo de Televisão,privilegiada pelo regime militar e que assim, empreendeuum projeto de padronização da linguagem e dos valoresculturais através de sua programação. (CASTRO, 2006, p.5)

É neste período que é situado o primeiro “convênio” feito entre o Governo doEstado do Pará e a TV LIBERAL, em que a empresa pagava ao Estado pelo“aluguel” de seus retransmissores. Em 1997, porém, ainda utilizando dostermos de uma “integração do estado” o Governo do Pará inverte os papéisdo “convênio”, tornando-se ele próprio o locatário dos serviços dessa empresaprivada, que continuava usando os retransmissores estatais.

Nossa hipótese consiste em pensar que o Governo do Estado do Pará nãoapenas inverte a lógica da integração, mas reconfigura o processo decolonialismo interno no estado. Faz isso partindo de uma lógica neoliberal,portanto diferente dos desenvolvimentistas e militares, permitindo que oprotagonista que dinamiza essa nova integração, nos âmbitos da cultura e dacomunicação, seja uma empresa privada, ou seja, delegando ao mercado estafunção, e, no entanto, mantendo uma relação de tutela e clientelismo com a empresa.Com isso queremos inferir que sempre existe uma relação outra, para além dasimples gestão administrativa que o termo “política de comunicação” implica.Queremos por em relevância a política, num sentido distinto: o de relaçõesde poder inerentes e imbricadas às políticas governamentais9.

É sabido que as retransmissoras da Rede Globo de Televisão produzem etransmitem pouca produção local, destinando a maior parte de suaprogramação aos programas da emissora nacional. Além disso, a TV Liberaltem a maior parte de sua produção voltada à região metropolitana de Belém,onde está seu centro de produção jornalística e publicitária.

Completando este quadro, pode-se afirmar também que muitos programasveiculados pela TV Liberal fazem circular significados que reiteram certaidentidade amazônica, conhecida como “paraensismo”, mote da campanha

9 Trata-se da distinçãoque não existe naslínguas latinas, comoexiste no inglês, entrepolitics e policy. Ver aesse respeito ORTIZ(2008); BARBALHO(2008).

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cultural dos governos do PSDB no período em que vigorou o “convênio”.Essa campanha cultural era veiculada pela propaganda institucional, quetinham várias inserções diárias (garantidas nos termos do “convênio”) naprogramação da Tv Liberal, além de outros veículos utilizados.

A relação de proximidade entre a principal rede de televisão do estado doPará e o grupo político que compunha o governo do estado ainda proporcionavamais um privilégio: a larga vantagem que este possuía em relação aos outrosgrupos políticos, porque, além de possuir a máquina administrativa doEstado, tinha também uma contínua campanha publicitária durante quase10 anos. Enfim, todos estes fatores acabam tornando mais contraditória eproblemática esta suposta “integração”.10

A partir do debate acima, já podemos elaborar uma questão: numa sociedadeem que os significados simbólicos circulam, principalmente, através dos meiosde comunicação de massa e das indústrias culturais11, até que ponto aconstrução da democracia e do espaço público é afetada por uma políticaque delega o campo comunicacional, principal campo estratégico deconstrução de imaginários sociais, ao mercado, sob a ideologia de “integraçãoe desenvolvimento”? É este debate que pretendemos seguir.

Democracia, espaço público e comunicação:intersecções

Partindo das informações presentes no texto do “convênio”, que afirmamque apenas a TV Liberal dispunha da tecnologia necessária para a transmissãovia satélite de sua programação, é bastante razoável concluir que, duranteesse período, em muitos municípios e localidades do estado do Pará, as pessoasque não tinham disponibilidade de comprar uma antena parabólica recebiamapenas o sinal da empresa, como informação e entretenimento audiovisual.Sendo assim, também é razoável pensar num certo ‘monopólio de significados’,difundidos pela retransmissora.

Num trabalho recente sobre a importância de legislar sobre as indústriasculturais e as empresas de comunicação, Néstor García Canclini (2001) afirmaque os meios de comunicação são os principais formadores dos imagináriossociais na contemporaneidade, assim como são predominantes na formaçãodas esferas públicas e da cidadania. Ou seja, para além de uma visão estadistaou protecionista de cultura, é necessário articular as demandas sociais comos aparatos comunicacionais presentes no entorno social:

10 Sobre a relação entreintegração nacional,mídia e identidadecultural nacional ver oconceito de ‘ModernaTradição Brasileira’ORTIZ (1989). Paraum aprofundamento nadialética da integraçãoda Amazônia ao ter-ritório nacional e asirrupções identitáriasdesta região ver oconceito de ‘ModernaTradição Amazônica’CASTRO (2006).

11 Sobre o conceito deindústrias culturais verBARBALHO (2008).

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Si el sentido de la cultura se forma también en lacirculacion y recepción de los productos simbólicos (...).No se trata de que exclusivamente el Estado se ocupe detodo esto, ni de volver a oponerlo a las empresas privadas,sino de averiguar cómo coordinarlos para que todosparticipemos de modo más democrático en la selecciónde lo que va a circular o no, de quiénes y con qué recursosse relacionarán com la cultura, quiénes decidirán lo queentra o no en la agenda pública. La privatización crecientede la producción y difusión de bienes simbólicos estáensanchando la grieta entre los consumos de elites y demasas. En tanto la tecnologia facilita la circulacióntransnacional, se agrava la brecha entre los informados ylos entretidos al disminuir la responsabilidad del Estadopor el destino público y la accesibilidad de los productosculturales, sobre todo de las innovaciones tecnológicas yartísticas (CANCLINI, 2001, p 8)

Assim, apesar da construção permanente da democracia ser um processodescontínuo e desigual, uma política de comunicação eficiente, que realmentevisasse “a maior integração da comunidade paraense quanto a seus problemase suas aspirações”, deveria ser pautada na possibilidade de ampliação e noaprofundamento de espaços públicos alternativos, e não na sua restrição emonopolização a partir da circularidade de um único discurso midiático. Umposicionamento de viés mais democrático tenderia a pensar a mídia como umespaço que deve ser disputado, partindo de pressupostos de politização dacultura, que reverberariam do e no tecido social. Como situa Martín Hopenhayn:

El campo decisivo de lucha en la articulacion entre culturay política se da cada vez más en la industria cultural, yque dicha articulación no se decide tanto en ‘el modo deproducción’ como en las ‘condiciones de circulación’.En otras palabras, no es tanto la producción de sentidosino en su circulación donde se juegan proyetos de vida,autoafirmación, de identidades, estéticas y valores. Enel campo de la circulación hoy dia se desarolla umalucha tenaz, molecular y reticular por apropriarse deespacios comunicativos a fin de plantear demandas,derechos, visiones de mundo y sensibilidades. En lacirculación, mucho más que en la producción, lacultura deviene política (HOPENHAYN, 2001, p. 72apud BARBALHO, 2008, p. 109)

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Portanto, o espaço público/midiático (que é um dos espaços públicos possíveis)que se desenvolve com esse tipo de política, é um espaço restrito e decerta maneira direcionado, onde as leis dos mercados econômico e políticopassam a ser os reguladores sociais. Essa relação corresponde, em largamedida, a um exemplo paraense do que Evelina Dagnino (1994) conceituacomo autoritarismo social:

O autoritarismo social engendra formas de sociabilidadenuma cultura autoritária de exclusão que subjaz aoconjunto das práticas sociais e reproduz a desigualdadenas relações sociais em todos os seus níveis. Nesse sentido,sua eliminação constitui um desafio fundamental para aefetiva democratização da sociedade. A consideraçãodessa dimensão implica desde logo uma redefiniçãodaquilo que é normalmente visto como o terreno da políticae das relações de poder a serem transformadas. E,fundamentalmente, significa uma ampliação eaprofundamento da concepção de democracia, de modo aincluir o conjunto das práticas sociais e culturais, umaconcepção de democracia que transcede o nívelinstitucional formal e se debruça sobre o conjunto dasrelações sociais permeadas pelo autoritarismo social enão apenas pela exclusão política no sentido estrito.(AGNINO, 1994, p.104-105)

Partindo dessas considerações, podemos pensar neste “convênio” como umamostra de como reverbera no tecido social latinoamericano esse autoritarismosocial, constituído desde a colonização e baseado na experiência da dominação eda violência. Acrescentando a essas relações sociais, no caso da Amazônia, umavivência de isolamento e exclusão, também consituinte das bases das relaçõesde poder em sua sociedade. Observa-se que, recorrentemente, tanto nas politicaspúblicas quanto na lógica do mercado, a região é tratada simplesmente comoobjeto de lucro e interesses privados, mesmo que seja por uma reutilização dasvelhas argumentações inseridas do binômio “desenvolvimento e integração”: umaregião sem cidades, sem homens e sem mulheres.

ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : This article discusses the connections between communication policies,

democracy and public sphere in the Amazon, taking the case of the "agreement"between a telecommunication corporation of the State of Pará, the TV LIBERAL,and the Fundação de Telecomunicações do Pará, FUNTELPA. Along the analysis ofthe case, it stands out the relations of power that permeate both communicationand culture, and also the challenges for the construction of democracy in the

contemporary Amazon.

KKKKKey Wey Wey Wey Wey Words:ords:ords:ords:ords:

communicationpolicies; culture;democracy; publicsphere; amazon.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 06/03/2009Aprovado: 10/05/2009

Alexandre BarbalhoAna Paula Freitas

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Alexandre BarbalhoAna Paula Freitas

Fabrício de Mattos

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(*) Anita Simis é Professora do PPG em Sociologia da UNESP - Araraquara. E-mail:[email protected].

The contribution of the screen quota to theThe contribution of the screen quota to theThe contribution of the screen quota to theThe contribution of the screen quota to theThe contribution of the screen quota to thebrazilian cinemabrazilian cinemabrazilian cinemabrazilian cinemabrazilian cinema

Anita Simis*

A contribuição da cota de tela nocinema brasileiro

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

cinema brasileiro;cota de tela;obrigatoriedade deexibição.

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Procurando contribuir para alargar o campo dos estudos sobre a política

cultural voltada para a produção audiovisual, este trabalho analisa um dosinstrumentos mais utilizados para alavancar a produção cinematográfica no Brasil,a chamada cota de tela.

N

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as sociedades contemporâneas, a produção de bens culturais vem assumindo um papel determinante em diversos âmbitos, desde o econômico até o educativo. Inserido neste contexto, o destaque é oproduto audiovisual, principalmente como meio de entretenimento, mastambém como indústria que emprega considerável número de pessoas. Noentanto, no caso do cinema, o Brasil ainda não tem uma produção estávele permanente que seja auto-sustentável. Neste sentido, o presente trabalhobusca analisar um dos instrumentos um dos instrumentos mais antigos emais utilizados para proteger e assim fomentar a produção audiovisualnacional: a obrigatoriedade de exibição. Essa imposição, já apontada nopassado como reserva de mercado, uma expressão imprecisa já que nãoreserva a totalidade do mercado para a exibição do filme nacional, comoocorreu, por exemplo, com a informática no início de sua introdução, hoje éhabitualmente divulgada como cota de tela.

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Foi por meio de publicações como Selecta, Paratodos e Cinearte que, jádurante os anos 20, os cineastas, antes dispersos pelo País, iniciaram oscontatos entre si, fornecendo informações, estimulando o diálogo e delineandoassim, pela primeira vez, como disse Paulo Emílio S. Gomes (1980, p. 54),uma “tomada de consciência cinematográfica nacional”, “um marco a partirdo qual já se pode falar de um movimento de cinema brasileiro”. Referimo-nos à campanha liderada por Ademar Gonzaga e Pedro Lima, cujasreivindicações incluíam, além da isenção de taxas alfandegárias para o filmevirgem, a organização de programas com um filme nacional e um estrangeiro(estes obtidos em troca dos nossos), posteriormente, alterada para a exibiçãocompulsória de um filme brasileiro por mês. Esta última, passou a ser exigidaefetivamente durante o governo de Getúlio Vargas. Vejamos como isso ocorreu.

Em 1932, cerca de três meses antes de eclodir o confronto entre paulistas e ogoverno provisório de Getúlio, foi baixado o Decreto 21.240. O decreto éilustrativo de todas as intenções da política oficial e contém também os germesde grande parte das medidas introduzidas ao longo dos anos posteriores, istoé, da forma como o Estado interveio nas atividades cinematográficas, sejamelas de produção, reprodução, comercialização, venda, locação, permuta,exibição, importação ou ainda de exportação de obras cinematográficas.Examinando-se o conjunto de seus artigos, depreendemos tratar-se deuma medida de caráter sistêmico que constituiu a base de um padrãoideológico e político da relação Estado/Sociedade e que perdurou por anos,pois só entrou em crise no final dos anos 80. Seus artigos sintetizamconveniências de vários setores, tratando desde o cinema educativo até ocinema comercial, da censura até a estruturação de órgãos estatais, cujosentido interventor era trazer os conflitos expressos para uma soluçãodisciplinadora, sem mediações e centralizadora.1

Assim, abrangendo um leque amplo de medidas, o Decreto, em seu art. 12,instituiu a obrigatoriedade de exibição para os filmes educativos, um paracada programa exibido nas salas de cinema, afora ter estabelecido uma taxaalfandegária que facilitava a importação do filme virgem.2 No entanto,reivindicada desde os anos 20, essa legislação só foi efetivamente testada,pela primeira vez, a partir de 1934, agora ampliando-se a exigência para aexibição de um filme de curta metragem (e não apenas um filme educativo)em cada programa. Concebida como uma forma de coibir os abusos domercado traduzidos pela má vontade dos exibidores e a ganância dascompanhias cinematográficas estrangeiras que procuravam impedir a entradade novos concorrentes, tornava-se a oportunidade de provar que o cinemanacional venceria pela qualidade e pela exigência das platéias.

1 Em outros trabalhos,procuro mostrar comoeste decreto estava rela-cionado a um projetopara o desenvolvimentode uma indústria cine-matográfica - estável epermanente –, e expli-cito porque esta via nãofoi trilhada pelos ci-neastas (Cf. SIMIS,1997, 2008).

2 Entre outras medidas,o Decreto também di-minuiu as taxas alfan-degárias sobre o filmeimpresso, mas com umaredução 30% menorque a do filme virgem ecentralizou a censura.

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Pelos dados numéricos obtidos em fontes oficiais, no período compreendidoentre 1935 e 1939 houve um crescimento ascendente da produção de filmesnacionais (de 486 para 789), enquanto que seu principal concorrente, o filmeamericano, perdeu posições, chegando em 1939 a indicar uma cifra menorque a de 1937 (de 1349 passou para 1496). Ora, tendo em vista que até1939 não havia nenhuma outra medida legislativa de incentivo à produçãocinematográfica, a não ser a diferença de um para dez na taxaçãoalfandegária imposta aos filmes virgens em relação aos filmes impressos, aobrigatoriedade de exibição para os filmes foi em grande medida responsávelpela salvação da produção cinematográfica nacional.

De fato, com a obrigatoriedade de exibição para os filmes ressurge um climade euforia, pois para atender à exigência era necessário apresentar oito filmespor semana, com três cópias cada um. Constituiu-se, então, uma distribuidora,a Distribuidora de Filmes Brasileiros, D.F.B, para evitar que a fiscalizaçãoficasse prejudicada e para que não houvesse concorrência entre asdistribuidoras, rebaixando os preços. Quatro meses depois que a medidaentrou em vigor, foram lançados no mercado cerca de 100 complementos com330 cópias produzidas por 19 empresas. Dois anos depois, o número deempresas existentes havia triplicado, as cópias dos 600 filmes produzidosmultiplicaram-se por três. Certamente o entusiasmo motivou iniciantes aentrarem na atividade, mas o grosso da produção se concentrou em algumasempresas, significativamente, tão cariocas quanto a sede do governo federal.Mas, toda esta efervescência também resultou em algo nem sempresuficientemente assinalado: o crescimento da produção do curta-metragemfavoreceu a produção de filmes de longa metragem ainda que em númerosinferiores aos de anos anteriores (chegando ao máximo de 13 em 1940) poistambém é preciso lembrar que trata-se de um período em que o cinema faladotrouxe novas barreiras para o desenvolvimento do nosso cinema.

No entanto, estes resultados positivos e todo este empenho não foramsuficientes para consolidar uma indústria cinematográfica nacional quepudesse competir com o produto estrangeiro. Entre as diversas dificuldadesencontradas, muitas delas semelhantes às atuais, encontramos a campanhaveiculada na imprensa contra a obrigatoriedade de exibição. Além disso,apenas um terço das salas então existentes cumpriam o Decreto, prejudicandoa arrecadação com que contavam os produtores que passaram então areivindicar que houvessem multas aos infratores, punição que compreendiaa identificação das autoridades competentes para impô-las e arrecadá-las.Era o princípio da formação da burocracia e da instituição de diversas medidaslegislativas que procuraram combater às fraudes, já que os exibidores

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articularam novas formas de escapar do controle, seja agregando o mesmocomplemento a várias casas de diversões, seja dificultando a fiscalização aoexibir o filme ao final da sessão.

Com o golpe de 1937, e o início do Estado Novo, os cineastas se depararamcom novas mudanças. Foi com o Departamento de Informação e Propaganda–DIP- que pela primeira vez se estipulou a obrigatoriedade de exibiçãopara os filmes de longa metragem. Mais que uma conquista, tal medida(Decreto-lei 1949/39) foi instituída quando os curtas independentesganharam um novo competidor no espaço destinado à exibiçãocompulsória: os filmes oficiais3, cuja exibição passou a ser exigida peloDIP, e por isso mesmo rigorosamente cumprida, ao menos nas grandes cidadescomo São Paulo e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo instituíram-se ainda ospercentuais de locação e distribuição dos filmes de curta e longa metragem(nem sempre cumpridos) e igualou-se o prazo de permanência da exibiçãodos filmes nacionais e estrangeiros. De acordo com os dados, aobrigatoriedade de exibição da longa metragem pode ter influído no saltoocorrido em 1940, de sete para 13 filmes, mas em seguida, há uma perdaconsiderável4. Por outro lado, considerando-se o volume total da produção(filmes de curta, média e longa metragem de ficção ou não ficção) podemosnotar que ela se manteve no mesmo ritmo dos anos anteriores. Certamenteesta produção se refere mais aos filmes de curta metragem levando emconta que algumas empresas privadas trabalharam inclusive para atender àsencomendas oficiais, chegando até a diminuir a produção de longa-metragens.Em 1940, por exemplo, a Cinédia produz apenas Pureza.

Com o fim da ditadura Vargas, a partir de 1946 nota-se o crescimento daprodução de filmes de longa metragem. Com certeza, este crescimento se deupor conta da extensão da obrigatoriedade de exibição do longa-metragem deum para três filmes ao ano - que, ocorreu em dezembro de 1945 -, determinadapelo Departamento Nacional de Informações, sucessor do DIP. A medidafavorecia uma empresa criada apenas alguns anos antes, a Atlântida, masque já havia produzido sucessos como Moleque Tião (1943), É ProibidoSonhar (1943), Tristezas Não Pagam Dívidas (1944) ou Não Adianta Chorar(1945) e contava com uma produção de três a quatro filmes ao ano.

Do que foi exposto, é preciso ter em conta que, se as influênciaspatrimonialistas e as concessões pleiteadas, de um lado, atenderam às pressõesdas principais empresas cariocas, de outro legitimaram e fortaleceram ummodelo de intervenção estatal. Mas, a introdução da obrigatoriedade deexibição para o longa metragem, quando foi de fato cumprida, se abriu um

3 Os filmes oficiaiscompreendiam filmesdo INCE, do Ministérioda Educação, e do SIA,do Ministério da Agri-cultura, além dos filmesdo DIP, realizados apartir de 1938, antesmesmo da criação ofi-cial do DIP.

4 Entre as empresasque produziram filmesde longa metragemneste período, duas sedestacam: a Brasil VitaFilmes, que havia pro-duzido apenas trêsfilmes de longa metra-gem antes da obrigato-riedade: Onde a TerraAcaba (1933), Favelados Meus Amores(1935) e Cidade-Mulher(1936). Depois, nãoconseguiu manter seusestúdios trabalhandocom continuidade, pro-duzindo apenas Argila(1940), InconfidênciaMineira, que se arrastoude 1936 a 1948, Ruasem Sol (1954) e RicoRi À Toa (1957). Nooutro extremo, estava aCinédia, bem apare-lhada e com estúdios, foiresponsável pela pro-dução de quatro longas-metragens de um totalde sete em 1936, umdos seis em 1937, cincodos oito em 1938 e trêsdos sete em 1939, eainda co-produziu lon-gas com outras produ-toras.

Anita Simis

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espaço para o produto nacional, tal qual a cota de tela para o curta, nãoconseguiu romper com o sistema de lote, que continuou impedindo que filmesnacionais de sucesso se mantivessem em cartaz e ainda acarretou em distorções,como a transformação do filme nacional -com grandes expectativas debilheteria- em cabeça-de-lote5. O mesmo ocorreu com os percentuais fixos delocação, já que o produtor não raro negociava com o exibidor um percentualmenor para obter a exibição de seu filme.

Mas, ainda que a exigência para a exibição de filmes não tenha proporcionadoum ambiente tão propício para o desenvolvimento de uma indústriacinematográfica estável e permanente, uma seqüência de outros decretosreafirmaram a obrigatoriedade de exibição e deram algum alento para acontinuidade. Assim, em 1945, como vimos aumentou-se de um para três onúmero de filmes de longa-metragem exigidos para serem exibidos nas salasde cinema, aumento que, por sua vez, gerou um número maior de filmesproduzidos e empurrou em 1950 a obrigatoriedade de 3 filmes de longametragem por ano para 6. Com isso se em 1945 tínhamos oito, os dois dígitosvão sendo paulatinamente num crescendo até atingirem 31 filmes em 1952.Tal crescimento também estava estreitamente ligado ao avanço da Atlântida,bem como ao surgimento da Vera Cruz e suas primas Maristela eMultifilmes, embora estas últimas tenham vivenciado uma criseprematuramente. Se é certo que esse declínio provocou reflexão e pesquisasobre a economia do cinema, como o relatório da Comissão Municipal deCinema (1955)6, concluindo que o principal fator de crise era o preço dosingressos cobrados naquele momento, as medidas tomadas amenizaram asituação, mas não chegaram a recuperar as empresas.

Na verdade, as propostas do setor produtor para romper com a crise visavamapenas resolver os problemas mais imediatos decorrentes das ambigüidadese falhas da legislação e foi assim que se formulou um novo critério para aproteção à produção nacional: a reserva de mercado proporcional.

A ampliação da reserva de mercado para a exibição de longas com amodificação do critério que regulava a reserva de mercado, a famosa “lei8X1” de 1951, foi fruto das pressões das empresas mais ativas Cinédia eAtlântida, e, posteriormente a Vera Cruz, Maristela, e Multifilmes. Essaconquista foi ainda completada com a exigência de um representante doSindicato Nacional da Indústria Cinematográfica para colaborar na fiscalizaçãoe explica, por outro lado, a mudança em 1952, de um filme de longa metragempara cada oito estrangeiros para um filme de longa metragem para cada oitoprogramas programas programas programas programas de filmes estrangeiros. Com isso, se o cinema tem um programa

5 O sistema de loteimpedia o exibidor deescolher os filmes delonga metragem isola-damente, obrigando-o aadquirir um lote deles ea renda do lote, antes doDecreto 4.064/42, eradividida por igual entretodos os filmes, preju-dicando muitas vezes oproduto nacional quebatia recordes debilheteria.

6 Referimo-nos aotrabalho chamado “Si-tuação Econômica eFinanceira do CinemaNacional”, redigido porJacques Deheizelin,

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semanal, seis filmes deveriam ser nacionais, se tem dois, 12, se tem três, 18e assim por diante. É interessante notar que não houve diferençasubstancial em termos do número de dias de exibição compulsória dosfilmes nacionais entre 1950 e 1963. Apenas o critério é alterado: aobrigatoriedade de exibição de seis filmes ao ano, de 1950, que se traduzem 42 dias de exibição, passa, em 1951, a ser estipulada pelaproporcionalidade, e também corresponde no mínimo a 42 dias de exibição,e finalmente, em 1959, é fixado o critério, ainda hoje utilizado, do númerofixo de dias de exibição por ano, que, até 1963, foi de 42 dias.

Podemos dizer que o critério da proporcionalidade não chegou a aumentar acota de tela e ainda gerou críticas ainda mais incisivas, críticas queargumentavam ser uma proteção que antecede a uma produção de filmessignificativa e de qualidade.Atualm.140 Na verdade a proporcionalidadee as várias portarias a ela relacionadas refletem as várias pressões contrae a favor da obrigatoriedade de exibição e as formas de fiscalizá-la esignifica mais um paliativo, uma moeda de troca (Getúlio Vargas atendiauma das reivindicações mais solicitadas e assim conseguia amenizar ascríticas e a oposição em relação ao projeto que encomendara a AlbertoCavalcanti: o projeto do Instituto Nacional de Cinema) que um dispositivopartícipe de uma política sistêmica.

Se avançarmos nossa análise sobre as medidas de imposição da exibição defilmes que foram tomadas ao longo do tempo, baseando-nos na cronologia dalegislação, podemos resumir assim a temática:

1. em 1961, foi estipulada a cota de filmes nacionais para a televisão:um para cada dois estrangeiros (Decreto 50450), que em 1962 foiprorrogado pelo Decreto 446 e, finalmente, alterada para um filmenacional por semana na televisão que não exceder 50% do preçomédio de filmes para a TV (Decreto 697);

2. /62, art. 1.a partir de 1963, a obrigatoriedade de exibição nassalas de cinema foi paulatinamente aumentando o número de dias.Em 1963, 56 dias por ano, em 1969, 63, em 1970, 84 e depois 98,em 1973, 84, em 1975, 112, em 1978, 133 e depois 1407;

3. em 1971, entravam os filmes de curta metragem com a exigênciade 28 dias por ano, depois, em 1973, 35 dias por ano (esta só vaiser revogada pela Res. Concine n. 4, de 22/10/19768);

4. a partir do governo Collor, verifica-se uma queda: em 1992 aobrigatoriedade cai de 140 dias/ano para 42 dias/ano, em 1994,para 28;

7 Outras quatro reso-luções reiteram os 140dias para o período de1980 a 1983. Parecehaver um lapso nalegislação sobre operíodo de 1984 a 1987.Em 1988, a Res. 171 jánão especifica a pro-gramação, nem o ano efixa em 140 dias a quotapara salas que fun-cionam os 7 dias dasemana.

8 A partir da ResoluçãoConcine n. 4, sobre acota de tela do curta,consultar outro trabalhoonde apresento umaretrospectiva das prin-cipais resoluções eobservações sobre todoprocesso da chamadaLei do Curta ( SIMIS,2008b).

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5. e a partir de então ela irá oscilar para cima e para baixo e emfunção do número de salas: em 1996, 35 dias (para uma sala) porano9, em 1997, sobe para 49 dias, em 2000 baixa para 28, em2002, sobe para 2 filmes de longa metragem por 35 dias (para umasala) por ano, em 2003, estipula-se filmes de longa metragem por63 dias por ano10, em 2004, novamente 2 filmes de longa metragempor 35 dias (para uma sala) por ano e em 2006, volta-se para 2filmes de longa metragem por 28 dias (para uma sala) por ano, omesmo que foi estipulado em 200711.

Esse resumo sugere algumas observações interessantes:

1. que o filme na televisão já era uma realidade que avançava e,portanto, notada pelos cineastas brasileiros como uma nova janelapara se desenvolver. Talvez não seja exagero afirmar que, mesmosem prever financiamento, a legislação para esta modalidade tenhaincentivado a produção da primeira série de filmes para a TV daAmérica Latina: Vigilante Rodoviário, realizada por Alfredo Paláciosno início dos anos 60 e seguida de Cidade Aberta e Águias de Ouro.No entanto, a produção não parece ter avançado depois disso;

2. que durante o período do regime militar a obrigatoriedade parafilmes nacionais alcançou o seu ponto máximo: 140 dias por anonas salas que mudassem sua programação de uma a três vezes porsemana e funcionassem sete dias por semana. Neste período outrasformas de intervenção se articularam, principalmente osfinanciamentos realizados primeiro com o Instituto Nacional deCinema e depois com a Embrafilme. Assim, embora os reflexos dessasmedidas no cinema nacional sejam difíceis de avaliar, analisando oritmo da produção neste período, podemos afirmar que aobrigatoriedade de exibição é fruto e ao mesmo tempo agente (atéporque em diversos momentos forçaram o seu aumento). Assim, apartir de 1968, a cota de tela certamente contribuiu para incentivaruma produção de mais de meia centena de filmes e sem dúvidachegou aos 140 dias, em 1978, portanto ainda sob o regime militar,após termos produzido, neste mesmo ano, a primeira centena;

3. a partir do governo Collor, embora já respirando o ar dademocracia, foi a prevalência da ideologia neoliberal que refletiuna política cinematográfica e temos um novo ciclo. Com odesaparecimento de diversos mecanismos e instituições na área

9 O Decreto fixa onúmero de dias por anoem que deverão ser exi-bidos filmes nacionaisnos cinemas de acordocom o número de salasdas empresas cinema-tográficas.

10 Para o ano de 2004ficou fixado em sessentae três dias por sala,espaço, ou local deexibição geminados ounão, localizados em ummesmo complexo epertencentes à mesmaempresa, segundoconsta de seu registrona Agência Nacional doCinema .

11 Esclarecemos que asdatas aqui se referem àdata da legislação, ouseja, o que foi estipuladoem 2007, é o que efeti-vamente passou a vigo-rar em 2008.

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cultural e cinematográfica, a obrigatoriedade recuou para um númerode dias muito inferior e mesmo assim, por meio de recursosimpetrados, inúmeras salas deixaram de cumprir a obrigatoriedadede exibição. Posteriormente, ela sobe um pouco: 49 dias em 1997.Em 2000 há uma alteração na legislação em decorrência dasprofundas transformações do setor exibidor, isto é, os complexosexibidores formados por salas, espaços ou locais de exibiçãocomercial geminados ou não, existentes sob o mesmo teto epertencentes à mesma empresa: entre 1997 e 2003, foram abertas546 salas Multiplex no Brasil.

Em 2006, as cotas representaram cerca de 14% do mercado para filmesnacionais. A partir de então, os filmes brasileiros passaram a ter menos espaçonos cinemas menores e ganharam nos complexos com mais salas. Assim, em2007, por exemplo, cinemas de apenas uma sala, que em 2006 eram obrigadosa exibir pelo menos 35 dias de filme nacional por ano, em 2007 foram obrigadosa passar filmes brasileiros por só 28 dias. Os de duas salas, por exemplo,antes obrigados a projetar produções nacionais por 84 dias (somadas ambasas salas, o que correspondia a 42 dias em cada), agora passaram queexibi-las por 70 dias ao todo (35 em cada). A redução valeu também paraos cinemas com três (de 147, para 126) e quatro salas (de 224, para196). Nos cinemas entre cinco e oito salas, as cotas permaneceram asmesmas (280, 378, 441 e 448, no total, em cada caso). FSP Filme nacionalperde dias de exibição em cinema pequeno 30/12/06

Conclusão

Chamada de reserva de mercado, obrigatoriedade de exibição ou cota de tela(ou ainda cota de projeção), este expediente foi usado no Brasil durante anos,sob diversos governos e regimes, com diferentes modalidades e ainda o é, emborasob diferentes modalidades. Foi também utilizado em diversos países e por issomesmo curiosamente constituiu-se na única exceção entre os dispositivosconstantes no GATT, desde sua criação em 1948 (Cf. SIMIS, 1999).

Uma avaliação genérica sobre a reserva de mercado, certamente concluiriaque ela contribuiu para a sobrevivência da produção nacional na medida emque garantiu a exibição dos seus filmes, especialmente nos períodos ditatoriais,mas tornou a legislação cada vez mais complexa, aumentando a intervençãodo Estado e, por isso mesmo muitas vezes fortalecendo posições e atoresautoritários. Paulo Emílio Sales Gomes (1981, p.287) tinha razão quandoafirmava que o produtor “se interessa por uma legislação de amparo ao cinema

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nacional mas não passa por sua cabeça que o objetivo final possa ser o decolocar os filmes brasileiros em pé de igualdade com os estrangeiros.” Assim,comparando-se o período da política implementada por Getúlio Vargas (Decreto21.240/32), ainda em seu primeiro período democrático, com diversos outrosperíodos, percebe-se que se com Vargas o cinema estava inserido num projetomais geral, nos outros governos as medidas visavam apenas resolver osproblemas mais imediatos decorrentes das ambigüidades e falhas da legislação,ou seja, não havia uma projeto para o desenvolvimento da indústriacinematográfica e a cota de tela era apenas um dispositivo emergencial.

Neste sentido, mesmo as medidas que hoje tem proposto novas cotas emnovas mídias, especialmente a televisão aberta ou por assinatura, por maissedutoras que possam parecer, sem estarem inseridas em um projeto integrador,que seja o resultado de um diagnóstico da atual situação do audiovisual, comprioridades e metas claramente definidas, dificilmente irão contribuir para odesenvolvimento de produtoras de audiovisual fortes e estáveis.12 É possívelinclusive identificar desde já que se as formas de como reservar parte dotempo de exibição de filmes nos cinemas foram mudando ao longo dos anos eincorporaram sempre novas fórmulas para exigir que fossem cumpridas, outrosatores irão compor o cenário, deslocando a grande disputa entre cineastas e otradicional exibidor das salas de cinema para os produtores de conteúdoaudiovisual e os programadores de mídias. Mesmo assim, fica a questão: éuma disputa que irá fortalecer nossa produção audiovisual, diversificadoconteúdos e empregando um contingente expressivo de trabalhadores?

ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : Trying to contribute to enlarge the field of studies about the cultural

politics turned to the audiovisual production, this work analyses one of the mostused instruments to increase the cinematographic production in Brazil, the so called

screen quota.

Referências

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KKKKKey Wey Wey Wey Wey Words:ords:ords:ords:ords:

brazilian cinema;screen quota;exhibition obligation.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 10/11/2008Aprovado: 05/12/2008

12 Ver sobre o Projeto deLei 29/2007, do depu-tado Jorge Bittar, queimpõe cotas de progra-mação nacional aoscanais de TV paga eobriga as operadoras aoferecer mais canais deconteúdo nacional.

A contribuição da cota de tela no cinema brasileiro

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SIMIS, Anita. Estado e cinema no BrasilEstado e cinema no BrasilEstado e cinema no BrasilEstado e cinema no BrasilEstado e cinema no Brasil. 2ª edição, São Paulo, Annablume,2008a.

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SIMIS, Anita. . . . . Cinema e cineastas em tempo de Getúlio Vargas. In: Revistade Sociologia e PSociologia e PSociologia e PSociologia e PSociologia e Políticaolíticaolíticaolíticaolítica, Curitiba: Departamento de Ciências Sociais daUFPR, nº 9, 1997, p.75 a 80.

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Anita Simis

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(*) Luis A. Albornoz é Profesor da Universidad Carlos III de Madrid. E-mail:[email protected].

An open debate: The classification systems ofAn open debate: The classification systems ofAn open debate: The classification systems ofAn open debate: The classification systems ofAn open debate: The classification systems ofaudio-visual in Spainaudio-visual in Spainaudio-visual in Spainaudio-visual in Spainaudio-visual in Spain

Luis A. Albornoz*

Un debate abierto:La clasificación de contenidos audiovisuales en España**

Palabras-chave:Palabras-chave:Palabras-chave:Palabras-chave:Palabras-chave:

Audiovisual, sistemasde clasificación, auto-regulación, políticaspúblicas.

Resumen: Resumen: Resumen: Resumen: Resumen: El presente artículo propone, considerando la realidad española, un

recorrido por los sistemas nacionales de clasificación de contenidos audiovisualesque en la actualidad afectan al consumo de un gran número de productos culturales,como películas cinematográficas, programas de televisión o videojuegos. A modode conclusión, esboza una serie de reflexiones acerca de los retos y las perspectivasque hoy en día plantean los sistemas de clasificación de contenidos audiovisualestanto para los organismos estatales y los agentes de las industrias culturales comopara distintas organizaciones de la sociedad civil involucradas.

I

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(**(**(**(**(**)Este trabajo seha realizado en elámbito y con la ayudadel proyecto Cultura,sociedad y televisiónen España (1956-2006), Ministerio deEducación y Ciencia.Dirección General deInvestigación 2006/03962/001. Unaprimera versión deeste artículo fuepresentada al 1er.Congreso Nacional de

ntroducción

Uno de los debates actuales en el campo de las ciencias sociales tiene comoeje los potenciales efectos nocivos de algunos contenidos audiovisuales,especialmente aquellos dirigidos a niños y adolescentes, considerados comolos colectivos más vulnerables de la población1. Ante este panorama emergecon fuerza la demanda de indicadores claros y objetivos que ayuden a conocerqué tipos de productos audiovisuales son los más adecuados para los diferentesgrupos de edades. Las distintas sociedades han establecido diferentes

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mecanismos de defensa que tienen por finalidad ofrecer una guía a losresponsables de los menores (padres y/o tutores) sobre las características delos productos audiovisuales en circulación. El más común de éstos, en elmarco de las democracias capitalistas, es la clasificación de contenidos porfranjas etarias basada en criterios de índole psicopedagógica referidos aldesarrollo evolutivo de los niños2.

En los últimos años, en un contexto caracterizado por un crecimiento de laoferta audiovisual y la multiplicación de canales/soportes de acceso a ésta, sehan ensayado nuevos sistemas de clasificación, como los denominados“pictogramas de temática”, que complementan la clasificación por franjas deedades, o diversos dispositivos de identificación de usuarios para poder utilizardispositivos electrónicos.

Ahora bien, la arista política del debate pasa por determinar quién o quiénestienen el deber y la responsabilidad social de establecer las relaciones entredeterminados productos audiovisuales y determinadas franjas de edades: ¿sonlos poderes públicos?, ¿deben ser las propias empresas productoras ydistribuidoras?, ¿es posible que recaiga en grupos sociales significativos ocolectivos profesionales? Así cada sociedad se ha dotado de diferentesmecanismos donde la regulación y la auto-regulación del sector se manifiestancomo los principales. Si en el primer caso el Estado dicta las reglas de juego,controla su cumplimiento y sanciona a los infractores, en el segundo, son losprincipales agentes privado-comerciales los encargados de establecer suspropios criterios y de auto-cumplirlos voluntariamente.

En el caso español, el sistema audiovisual cuenta con sus propios sistemasde clasificación de contenidos audiovisuales -los cuales implican distintostipos de relaciones entre Estado, sector privado y sociedad civil- que atañenbásicamente a tres tipos de productos: películas cinematográficas, programasde televisión (y spots publicitarios) y videojuegos / juegos de PC.

Las películas cinematográficas: control estatal

Mientras que en Estados Unidos la clasificación de largometrajes y cortoscinematográficos corre por cuenta de la propia industria a través de la patronalMotion Picture Association of America (MPAA), que aglutina a los principalesestudios (Paramount, Disney, Sony Pictures, 20th Century Fox, Universal yWarner Bros.), en los países que integran la Unión Europea la calificación delas obras audiovisuales corre por cuenta de organismos estatales3.

U L E P I C C - E s p a ñ a“Pensamiento crítico,comunicación y cul-tura”, Universidad deSevilla, 17 denoviembre de 2006.

1 Al respecto ver lostrabajos que desde1998 vienen editandolas investigadorasCecilia von Felitzeny Ulla Carlsson en elCentro Internacionalde Intercambio deInformación sobreNiños, Jóvenes yMedios deComunicación (con elapoyo de laU N E S C O ) :www.nordicom.gu.se/clearinghouse.php?portal=publ.

2 “La mayoría de losinvestigadores sigueun modelo dedesarrollo piagetiano,el cual distinguedistintas etapas paralas edades 3-7, 7-11y 11-16 las que secorresponden con lacapacidad de realizartareas mentales”(Shor, 2006 : 33).

3 Si bien la mayoríade los Estados poseenociones similaressobre conceptos comopornografía oincitación a laviolencia, loscriterios decalificación de lasobras audiovisualesno se encuentranarmonizados, lo cualpuede generari m p o r t a n t e sobstáculos a la

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Un debate abierto: La clasificación de contenidos audiovisuales en España 149149149149149

En España cualquier película antes de su exhibición pública (incluyendolas promociones) debe ser calificada obligatoriamente. Una Comisión deCalificación de Películas Cinematográficas que pertenece al Instituto de laCinematografía y de las Artes Audiovisuales (ICAA), organismo dependientedel Ministerio de Cultura, asume esta tarea. La calificación de las obrascinematográficas, regida según el Real Decreto 81/1997, tiene validez entodo el territorio español. Para que una obra sea calificada debe presentarseal ICAAA una solicitud junto con una copia de la película (en el caso de aquellaspelículas no habladas en alguna de las lenguas oficiales -castellano, catalán,eusquera o gallego- debe incluirse la traducción de los diálogos). Existe unacomisión encargada con carácter exclusivo, la Comisión de Calificación dePelículas Cinematográficas, que aplica el sistema siguiente Sistema declasificación por edades a las películas cinematográficas u obras audiovisuales:

Especialmente recomendada para la infancia.

Para todos los públicos.

No recomendada para menores de 7 años de edad.

No recomendada para menores de 13 años de edad.

No recomendada para menores de 18 años de edad.

Película X (No aptas para menores de edad debido a su carácterpornográfico y/o al empleo de imágenes violentas. Estás obras sólopueden exhibirse en salas X).

La actuación de la Comisión de Calificación ha recibido críticas diversas degrupos conservadores debido, principalmente, al mecanismo pocotransparente de elección de los responsables de calificar la produccióncinematográfica (la cual es presidida por el responsable del ICAA y susvocales, entre siete y diez, son nombrados por el Ministerio de Cultura) y a lasospecha de que a la hora de calificar muchas películas pesan más los criterioseconómicos que favorecen a productores, distribuidores y exhibidores que laprotección de la defensa de los niños y jóvenes.

Actualmente (finales de octubre de 2006), se está estudiando la promulgaciónde una nueva normativa -reemplazaría la actual Ley 15/2001, de 9 de 15/2001, de 9 de 15/2001, de 9 de 15/2001, de 9 de 15/2001, de 9 dejulio, de fomento y promoción de la cinematografía y el sectorjulio, de fomento y promoción de la cinematografía y el sectorjulio, de fomento y promoción de la cinematografía y el sectorjulio, de fomento y promoción de la cinematografía y el sectorjulio, de fomento y promoción de la cinematografía y el sectoraudiovisualaudiovisualaudiovisualaudiovisualaudiovisual- que, entre otros elementos, apuntaría a reestructurar lacalificación de películas por edades, a través de una comisión encargada dedicho menester conformada por representantes de asociaciones de padres,educadores, psicólogos, del mundo audiovisual, y los ministerios de

circulación dealgunas las películas.Así en lasconclusiones dels e m i n a r i o“Seguimiento de laComunicación sobreel futuro de lai n d u s t r i acinematográfica ya u d i o v i s u a l ”(Ministerio deEducación, Cultura yDeporte de Españacon apoyo de laComisión Europea),celebrado en mayo de2002 en Sevilla, serecomendó: “sedebería estudiar laadopción de sistemasanálogos decalificación para elcine, el DVD y latelevisión, querespetando susd i f e r e n c i a sculturales otorguenuna seguridad a lacirculación de obrasy películas”. Ver en laWeb: www.media-cat.com/media/docs/68218096.doc.

Educación, Cultura, Asuntos Sociales, Justicia, así como la Oficina deDefensor del Menor y los consejos audiovisuales. Dicha plural comisión tendríaa su cargo la calificación de “todas las obras audiovisuales que vayan a seremitidas o exhibidas en salas, televisión, Internet, videojuegos, etcétera”4.

Los programas de televisión: la apuesta por laautorregulación

Como señala el informe “Programación infantil en televisión: orientaciones ycontenidos prioritarios” (2005), elaborado por el Instituto Oficial de Radio yTelevisión (IORTV) de Radiotelevisión Española (RTVE) y la DirecciónGeneral de las Familias y la Infancia, del Ministerio de Trabajo y AsuntosSociales, los contenidos televisivos dedicados a niños y adolescentes son unapermanente preocupación de expertos, profesionales, investigadores yAdministraciones relacionadas con la televisión, la infancia y la educación.

A diferencia de lo que ocurre en la industria cinematográfica, la regulaciónde los contenidos televisivos en España está, parcialmente5, en manos de lospropios licenciatarios. En primer término, debemos señalar que desde1994 rige en territorio español un horario de protección al menor -contempladoen la Directiva europea de Televisión sin Fronteras6- que abarca una franjahoraria que se extiende desde las 6:00 horas de la mañana hasta las22:00 horas de la noche. Sin embargo, la existencia de tal franja nogarantiza la pretendida protección ya que “cerca de 800.000 niños yniñas ven televisión después de las 22:00 horas, fuera del horario protegido,y unos 200.000, más allá de las 00:00 horas”7.

En medio de una amplia polémica por la calidad de los programas emitidospor los operadores hertzianos de ámbito nacional, el pasado 9 de diciembre de2004 el actual Gobierno español, en manos del Partido Socialista Obrero Español(PSOE), firmó un acuerdo con las principales compañías de televisión(Televisión Española, Gestevisión Telecinco, Antena 3 de Televisión ySogecable) el “Acuerdo para el fomento de la autorregulación sobre contenidostelevisivos e infancia”8. A éste se sumaron durante 2006 las nuevas televisioneshertzianas nacionales (Gestora de Inversiones Audiovisuales La Sexta, La Sexta);Veo TV; y Net TV) y las televisiones públicas de ámbito regional, agrupadas en laFederación de Organismos de Radio y Televisión Autonómicos (FORTA)9.

Como consecuencia de la firma de este acuerdo, en marzo de 2005 entró envigor el “Código de Autorregulación sobre contenidos Televisivos e Infancia”10

que, en resumidos términos, establece:

4 Ver Borja Hermoso:“El Gobiernopretende financiar elcine españolgravando elamericano”, ElMundo, Madrid, 7 deoctubre de 2006.

5 La Secretaría deEstado deTelecomunicacionesy para la Sociedad dela Información,dependiente delMinisterio deIndustria, Turismo yComercio, tiene lacompetencia decontrolar elcontenido de lase m i s i o n e stelevisivas. Durante2004 la Secretaríaabrió 147expedientes porinfracción de lalegislación vigenteen cuestionesrelacionadas con loscontenidos, de loscuales 34 setransformaron enmultas por un total de3,4 millones deeuros, durante 2005abrió 107expedientes queacabaron con 25multas por un total de3,7 millones deeuros. Losexpedientes tuvieronsus orígenes en laemisión excesiva depublicidad, losc a m b i o sinjustificados en loscontenidos de lasparrillas, la emisión

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Una tipología de programación compuesta por cinco categorías deprogramas, elaborada teniendo en consideración las calificacionespor edades otorgadas por el ICAA a las películas cinematográficas (enespecial las no recomendadas para los menores de 13 años de edad):

Especialmente recomendadas para la infancia.

Para todos los públicos.

No recomendados para menores de 7 años de edad (NR 7).

No recomendados para menores de 13 años de edad (NR 13).

No recomendados para menores de 18 años de edad (NR 18).

Una diferencia entre “público infantil” (menores de 13 años deedad) y “público juvenil”, y establece una “franjas de protecciónreforzadas” para el primero en las cuales no pueden emitirseprogramas calificados como no recomendados para menores de 13años de edad. Estas franjas horarias abarcan los siguientes días yhorarios: lunes a viernes, de 8:00 a 9:00 horas y de 17:00 a 22:00horas; y sábados, domingos y festivos nacionales, de 9:00 a 12:00 horas.

Normas de señalización de las emisiones televisivas.

Mediante la suscripción al código, las televisiones se comprometieron a“respetar unos principios de protección de los menores en la programaciónque se emite durante el horario señalado evitando la emisión de determinadoscontenidos y fomentando el control de de los padres para facilitar una seleccióncrítica de los programas. Adicionalmente, las cadenas se comprometen a ponerespecial cuidado en la aparición de los menores en los programas deentretenimiento, los informativos y la publicidad”.

Desde el preámbulo del Código de Autorregulación se subraya que el mismoes sólo una suerte de común denominador de mínimos iluminado pornormativas en uso: “La adopción de este código no impide que cada operadormantenga su propia línea editorial o normas deontológicas internas, o que,incluso desarrolle los principios del código estableciendo mayores exigencias.Se fijan unas guías o principios inspirados, fundamentalmente, en normasque ya se encuentran en vigor, pero de manera dispersa, en multitud deregulaciones diversas: sobre la protección de la infancia y la juventud, sobrela protección de la salud y del derecho al honor, sobre publicidad, etc.”.

A fin de evaluar el cumplimiento del Código se han puesto en funcionamientodos órganos: un Comité de Autorregulación compuesto por operadores,

de publicidadencubierta operjudicial amenores, y el excesode interrupcionesdurante la emisión deprogramas.

6 Directiva 89/552/CEE del Consejo, de3 de octubre, delConsejo de laComunidad Europea,sobre la coordinaciónde determinadasd i s p o s i c i o n e sl e g a l e s ,reglamentarias yadministrativas delos Estados miembrosrelativas al ejerciciode actividades der a d i o d i f u s i ó nt e l e v i s i v a ;modificada por laDirectiva 97/36/CE.La transposiciónespañola se realiza através de la Ley 25/1994, modificada porla Ley 22/1999.

7 “Infancia yc o n t e n i d o sa u d i o v i s u a l e s .Orientaciones parauna buena relaciónde los menores con latelevisión y losv i d e o j u e g o s ”(Madrid, 2006),tríptico publicado porel Instituto de RTVEy el Ministerio deTrabajo y AsuntosSociales, dirigido alos padres y/o tutoresde menores de edad.Disponible en la Web:www.rtve.es/oficial/

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productores de contenidos y periodistas, cuya misión es emitir dictámenesrelativos a las dudas o quejas que puedan plantearse; y una Comisión Mixtade Seguimiento integrada por ocho miembros representantes de los canalesde televisión, productoras, periodistas y asociaciones de padres, detelespectadores y de protección de la infancia y la juventud. Esta últimaComisión ha puesto, en marcha, entre otras iniciativas, el sitio webTVInfancia.es (www.tvinfancia.es) donde los telespectadores pueden encauzarsus reclamaciones. A falta de un organismo regulador independiente enmateria audiovisual11 que vele por el cumplimiento del Código, laresponsabilidad cae en los televidentes.

El pasado mes de junio de 2006 la Comisión Mixta de Seguimiento dio aconocer su primer informe -de carácter obligatorio, anual y público- en relaciónal cumplimiento del Código. En el mismo se indica que el Comité deAutorregulación recibió un total de 124 quejas por la difusión de contenidospotencialmente perjudiciales para menores; se trató, principalmente deimágenes violentas, amenazas, empleo de lenguaje inapropiado ydiscriminación por razones de sexo.

GRÁFICO 1: RECLAMACIONES SOBRE TV POR TEMASGRÁFICO 1: RECLAMACIONES SOBRE TV POR TEMASGRÁFICO 1: RECLAMACIONES SOBRE TV POR TEMASGRÁFICO 1: RECLAMACIONES SOBRE TV POR TEMASGRÁFICO 1: RECLAMACIONES SOBRE TV POR TEMAS

Del total de 124 quejas recibidas, la gran mayoría de éstas (el 87,9 por ciento)fue dirigida contra las emisoras privado-comerciales Tele 5 y Antena 3. Sin

Fuente: Comisión Mixta de Seguimiento del Código de Autorregulación de Contenidos Televisivos eInfancia, Madrid, junio de 2006. Todos los porcentajes se han redondeado al entero más próximo.

40%

23%

20%

17%

Comportamientos

sociales

Violencia

Sexo

Temática conflictiva

i o r t v /tripticoinfancia.pdf(consultado el20.X.2006).

8 Ver en la Web:www.tvinfancia.es/Tex t o s / A c u e r d o /Acuerdo.htm.

9 La auto-regulaciónde contenidos no esnueva en el panoramaespañol; ésta registrasu primerantecedente en el año1993 cuando losoperadores detelevisión firmaron unprimer acuerdodestinado asalvaguardar lainfancia y la juventudde contenidosp o t e n c i a l m e n t enocivos.

10 Ver en la Web:www.tvinfancia.es/T e x t o s /CodigoAutorregulacion/Codigo.htm.

11 Cuya creación hasido sugerida tantopor el Consejo deE u r o p a(Recomendación 23del año 2000) comopor el Consejo para lareforma de los mediosde comunicación detitularidad del Estadoen su Informe (febrerode 2005).

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embargo el Comité sólo estimó doce (seis a cada una de las emisorasnombradas), es decir un 10,6 por ciento… a todas luces un porcentaje muy bajo.

Tanto los representantes de agrupaciones de espectadores, como la Asociaciónde Usuarios de la Comunicación (AUC) o la Agrupación de Telespectadoresy Radioyentes (ATR), como los defensores del Pueblo o del Menor de laComunidad de Madrid coincidieron en calificar de “decepcionante” elresultado de la aplicación del Código de autorregulación.

Así, por ejemplo, el tercer informe presentado por la ATR12 establece que aexcepción de La 2, de Televisión Española (TVE), el resto de las señales nohan modificado su programación con la finalidad de cumplir con el Código.Asimismo, en relación al sitio TVInfancia.es el informe concluye que “unapágina web que podría haberse convertido en una eficaz plataforma para eldiálogo social (…) ha resultado ser un instrumento poco actualizado, pocovisitado y, de momento, ineficaz como cauce para canalizar las reclamacionessobre niveles de cumplimiento del Código. No existen de momento datos enla web de las quejas planteadas y las resoluciones emitidas por el Comité”.

Los videojuegos: la escala europea

Otro frente polémico que ha impulsado la necesidad de contar con un sistemade clasificación es el abierto por los videojuegos, gran puerta de acceso a laproducción multimedia para la nueva generación. Consiente de las numerosascríticas que despertaron entre padres y educadores el contenido violento devarios de los videojuegos más vendidos, el primer impulso de clasificación decontenidos provino del sector privado. En abril de 2001 la Asociación deEspañola de Distribuidores y Editores de Software de Entretenimiento(AEDESE) impulsó un Código de Autorregulación, con el apoyo de lasAdministraciones Públicas de Consumo y Protección del menor.

Sin embargo, como consecuencia de la integración económico-jurídica de lospaíses miembros de la Unión Europea, las distintas reglamentacionessectoriales de carácter nacional están siendo modificadas y “armonizadas”a nivel continental. Así, con la participación de gobiernos, empresascreadoras y distribuidoras, se ha impulsado la creación de una catalogacióna nivel europeo: el código PEGI13. Se trata del primer sistema a escalaeuropea, gestionado por miembros de la industria junto al InstitutoHolandés de Clasificación de Material Audiovisual (NICAM), en estableceruna clasificación por edades para los videojuegos y los juegos de

12 ATR-Villanueva:“III Informe ATR-V i l l a n u e v a .Seguimiento delCódigo deA u t o r r e g u l a c i ó n(firmado el 9 dediciembre de 2004).Horario de protecciónreforzada de lainfancia”, Madrid, 15de junio de 2006.Este informe dacuenta del trabajo decampo realizado apartir del visionadode la programaciónemitida por seistelevisiones deámbito nacional(TVE 1, La 2, Antena3, Cuatro, Tele 5 y LaSexta) y una deámbito autonómico(TeleMadrid) de lunesa viernes entre el 6 yel 31 de marzo de2006 entre las 17:00y las 20:00 horas.Disponible en la Web:w w w. a t r. o r g . e s /d o w n l o a d s /III_INFORME_ATR.pdf.

13 PEGI son las siglascorrespondientes aPan European GameI n f o r m a t i o n( I n f o r m a c i ó nPaneuropea sobreJuegos). Ver en laWeb: www.pegi.info/pegi/index.do.

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ordenador14 cuya finalidad es proporcionar a padres, compradores yconsumidores online “una mayor confianza al saber que el contenido deljuego es apropiado para un grupo específico de edad”15.

El sistema PEGI, vigente en 27 países europeos (IEAB, 2006), entre los quese cuenta España, es más complejo que los vigentes en el territorio españolpara las películas cinematográficas y los programas de televisión. Se trata deuna doble catalogación: por franjas etarias y por tipos de contenidos a travésde “pictogramas de temática” (cinco categorías teniendo en consideración elcontenido didáctico, agresivo o violento del videojuego):

a) Clasificaciones por edades: es señalada mediante un pictogramaque contiene un número y el signo +, indicando que el videojuegosólo es apto para personas mayores de una determinada edad. Lospictogramas son los siguientes:

b) Clasificación por tipos de contenidos: diferentes pictogramasadvierten que el videojuego contiene una o varias de las siguientestemáticas:

Lenguaje soezLenguaje soezLenguaje soezLenguaje soezLenguaje soez. El juego contiene palabras malsonantes.

DiscriminaciónDiscriminaciónDiscriminaciónDiscriminaciónDiscriminación. El juego contiene escenas o argumentosque pueden favorecer la discriminación, entre sexos, entrerazas o entre religiones.

DrogasDrogasDrogasDrogasDrogas. Por ejemplo, el juego contiene escenas en las quese habla de drogas, se usan drogas o se hace apología delas drogas.

MiedoMiedoMiedoMiedoMiedo. El juego contiene escenas de miedo que puedenasustar al menor.

14 Las clasificacionesdel PEGI se aplicantambién a losproductos vendidos através de la redInternet, jugados odescargados en unentorno de juegoonline, o que esténincluidos en losdiscos de revistas.

15 Asimismo, lasclasificaciones delPEGI “tienen lafinalidad deestablecer unarecomendación sobreel contenido delproducto y sobre suidoneidad de visiónpero no valoran sujugabilidad oaccesibilidad”.

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Los pictogramas temáticos vienen a complementar la clasificación por franjasetarias, ya que éstos (puede tener uno o más de uno por cada videojuego)siempre están en función de la edad; es decir que un videojuego para 16+clasificado como violento será más violento que uno con la misma clasificaciónpara 12+. Asimismo algunos videojuegos exitosos con varias secuelas -estrategia empleada por numerosas empresas de la industria del sector- puedencontener índices de edades o pictogramas de temática diferente a los anteriores.

En España, cuarto mercado europeo de videojuegos y consolas que en 2005facturó unos mil millones de euros16, se han adherido al sistema PEGI, en2003, los principales fabricantes y distribuidores (agente de primordialimportancia en países importadores) de videojuegos: Planeta Interactive,Proein, Electronic Arts, Sony, FX Interactive, Ubisoft, Atari, Virgin Play,Vivendi, Microsoft, Activision, Nokia y Take Two Interactive.

Ahora bien, el hecho que una reciente encuesta realizada en Españademuestre que un 33 por ciento de los menores juega con videojuegosclasificados para mayores de 18 años de edad y que un 15 por cientodesconoce la clasificación de los juegos que utiliza (IORTV/MTAS, 2006)o que se constate que “los puntos de ventas de videojuegos no disponende medidas para controlar el acceso de los menores a contenidos no adecuadospara su edad” (AI, 2007), nos hace reflexionar acerca de la efectividad finaldel empleo del Código PEGI.

Ante esta situación el capítulo español de Amnistía Internacional (AI) vieneexponiendo reiteradamente su preocupación por la desprotección de la infanciay denuncia que el Gobierno delega la protección de los menores en lasempresas privadas de videojuegos. Según AI la clasificación del Código PEGIcon frecuencia es poco rigurosa y confusa, ya que la información suministradapor los iconos no es suficiente para conocer el contenido del producto. Enpalabras de Estaban Beltrán, director de AI España: “Basar la protecciónde los menores frente a contenidos que banalizan las violaciones de los

SexoSexoSexoSexoSexo. El juego contiene escenas de sexo, conversacionessobre sexo o apología del sexo.

VVVVViolenciaiolenciaiolenciaiolenciaiolencia. El juego contiene escenas violentas.

16 Sin embargosolamente un dos porciento de losprogramas compradosfueron desarrolladosen España (Carlos G.Abajo: “Losvideojuegos seacercan a los adultosy a las chicas”,C i n c o D í a s . c o m ,Madrid, 06.VI.2006).

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derechos humanos exclusivamente en un código de libre adhesión por partede las empresas de software de entretenimiento es una dejación deresponsabilidad por parte del Estado. Las empresas que lucran,legítimamente, en el mercado del videojuego no pueden ni deben ser a la vezgarantes de los derechos de los niños y niñas” (AI, 2007).

A nivel europeo, el actual Comisario responsable de Justicia, Libertad ySeguridad de la UE, Franco Frattini, expresaba a finales de 2006, que si bienla influencia en los menores de imágenes violentas varía en función de unamultiplicidad de factores (el bien estar del niño, el nivel educativo y dedesarrollo mental, el nivel económico de la familia, la presencia activa delos padres o tutores, etc.), éste es un problema de Salud Pública. Espreciso, en palabras de Frattini, complementar la información suministradaa los consumidores por el Código PEGI con la educación acerca de los mediosde comunicación (media literacy) y las soluciones técnicas que impidan elacceso indiscriminado a cualquier tipo de contenidos.

Las nuevas redes digitales: el caso de la telefonía 3-G

Las nuevas redes digitales (como la red Internet o las redes de telefonía celular)junto a los terminales móviles (consolas, ipod, agendas electrónicas) soncanales y soportes para la difusión y visionado de productos audiovisuales detodo tipo. Si tomamos en consideración a la telefonía móvil, por ejemplo,encontramos que la tercera generación de aparatos receptores (3G) no sólopermite la navegación a través de Internet sino que admite la descarga deprogramas, el intercambio de correo electrónico o la mensajería instantánea.

Ante las posibilidades brindadas por las redes y soportes digitales,tradicionales y nuevos proveedores de contenidos se posicionan. Así, laindustria erótico-pornográfica ha encontrado un novedoso y lucrativo canalde distribución. El informe “Mobile to Adult–Personal Services, ThirdEdition” (septiembre de 2006), de la consultora Juniper Research, estimaque durante el presente año las ventas mundiales de contenidos distribuidosa través de las redes y dispositivos móviles alcanzarán los 1.400 millones dedólares y que en 2011 superarán los 3.300 millones de dólares (una mediaanual de crecimiento del 19 por ciento).

Frente a este inquietante escenario las propias firmas industriales y los gobiernosde una minoría de países han comenzado a crear e implementar medidastendentes a impedir que algunos contenidos estén al alcance de cualquier usuario.

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Así, por ejemplo, del lado corporativo podemos señalar la iniciativa delIndependent Mobile Classification Body (IMCB / www.imcb.org.uk),asociación conformada por los operadores de telefonía móvil británicos (Orange,O2, T-Mobile, Virgin Mobile, Vodafone y 3). Ésta, a principios de 2004, desarrollóun código de prácticas17 que incluye la categoría “Adulto”, la cual incluyepornografía dura (hardcore) y blanda (softcore), apuestas online, violencia,juegos, salas de chat y algunos servicios premium de mensajes cortos.

Por el lado de las actuaciones de los poderes públicos, podemos referirnos ala acción del gobierno de Israel, país que cuenta con 6,3 millones deusuarios de telefonía móvil, lo cual representa una penetración de latelefonía celular del 95 por ciento. Desde finales de 2004, el Ministerio deComunicaciones de este país obliga a los operadores que prestan serviciosen su territorio a que éstos exijan a sus clientes la introducción de un códigopara poder acceder a servicios para adultos.

La situación en España, país que cuenta con más líneas de teléfonos móvilesque habitantes18, no parece ser diferente. Proveedores de contenidos, comopor ejemplo Olemovil.com (www.olemovil.com), ofertan en sitios web y mediosimpresos, vídeos (“Video strippers y más…”), juegos (“Susana Reche, sexypoker), videollamadas (“se lo montan con la música en cada llamada”) ogemitonos (el teléfono suena con los gemidos de un/a chico/a o pareja) decarácter erótico o pornográfico. Las opciones para los vídeos sexualmenteexplícitos van desde el visionado único (streaming) a la descarga en el terminal.

Un estudio realizado por la asociación Protégeles entre dos mil niños y niñasmadrileños de 7 a 11 años de edad reveló que un 9 por ciento de los menoresque dispone de teléfono móvil recibió imágenes pornográficas en su terminal.Asimismo el estudio expone: “Es cada día más frecuente la recepción demensajes de publicidad de todo tipo a través del teléfono móvil. Sonespecialmente preocupantes aquellos que incitan a los menores a participaren concursos y juegos de azar tipo ‘casino’. Respecto a esta cuestión, el72 por ciento de los menores afirma haber recibido SMS invitándole aparticipar en sorteos o juegos de azar” 19.

Ante las inquietudes que despierta la posibilidad que los menores de edadaccedan a contenidos nocivos o ilegales a través de la telefonía móvil, losprincipales operadores han entrado en negociaciones con empresas que creandispositivos capaces de filtrar contenidos indeseados al permitir la recepciónsólo de mensajes que provengan de emisores que se encuentran en la lista decontactos del usuario, establecer restricciones horarias para el uso del terminaly filtrar imágenes según su categoría20.

17 “UK Code ofPractice for the Self-Regulation of NewForms of Content onMobiles”, 19 deenero de 2004.Disponible en la Web:w w w . t -mobilepressoffice.co.uk/company/content-code.pdf.

18 El informe“Estadísticas delsector-IV trimestrede 2006” dado aconocer por laComisión delMercado de lasTelecomunicacionesinformó la existenciade 46,2 millones 46,2 millones 46,2 millones 46,2 millones 46,2 millonesde líneas dede líneas dede líneas dede líneas dede líneas detelefonía móviltelefonía móviltelefonía móviltelefonía móviltelefonía móvilpara unapara unapara unapara unapara unapoblación cercanapoblación cercanapoblación cercanapoblación cercanapoblación cercanaa los 44 millonesa los 44 millonesa los 44 millonesa los 44 millonesa los 44 millonesde habitantesde habitantesde habitantesde habitantesde habitantes(tasa de(tasa de(tasa de(tasa de(tasa dep e n e t r a c i ó n :p e n e t r a c i ó n :p e n e t r a c i ó n :p e n e t r a c i ó n :p e n e t r a c i ó n :103,4 por ciento).103,4 por ciento).103,4 por ciento).103,4 por ciento).103,4 por ciento).

19 “Seguridad infantily costumbres de losmenores en el empleode la telefoníamóvil”, Madrid,2004. Disponible enla Web:www.protegeles.com/telefonia.doc.

20 En este sentido lafirma de seguridadinformática Optenetanuncia que “dichossistemas están yadesarrollados y seestán generalizandoen países como

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Reflexiones Finales

A continuación ofrecemos una serie de reflexiones acerca de los vigentessistemas de clasificación de productos audiovisuales en España:

- Falta de coordinación entre los sistemas de calificación

Al principio fue el cine, luego la radio, décadas después la televisión… hoyson las nuevas redes y soportes digitales que permiten la distribución,intercambio y visionado de contenidos audiovisuales y multimedia. Frentea este escenario novedoso y altamente complejo (mayor número de agentes,de productos audiovisuales disponibles y de canales y dispositivos derecepción) distintos sectores sociales plantean la necesidad de contarcon un marco integral de regulación tendente a resguardar los sectoresmás vulnerables de la ciudadanía.

El caso español muestra claramente la existencia de diferentes sistemas decalificación de la producción audiovisual que no se encuentran del todocoordinados entre sí. Sin embargo, sí existe conciencia por parte de losresponsables políticos de la importancia de actuar coordinadamente frentea un problema común: el propio preámbulo del “Código de autorregulaciónsobre contenidos televisivos e infancia” se señala que “es deseable que los(diferentes) sistemas de clasificación de contenidos por edades sean máshomogéneos y coherentes entre sí”.

Una política pública que contemple la integridad del complejo audiovisualdebería estar orientada a dotar a los diferentes sistemas de clasificación decontenidos operativos de una coherencia interna. En este sentido debemosseñalar la existencia de un proyecto interuniversitario e interdisciplinario,liderado por la psicóloga Victoria Tur (Universidad de Alicante) yfinanciado por el Ministerio de Educación y Ciencia y por Fondos Europeosde Desarrollo Regional (FEDER), cuyo objetivo es crear un código similaral existente para los videojuegos destinado a los programas televisivos,indicando si éstos albergan imágenes violentas, conductas sexualesinapropiadas o lenguaje soez, entre otros parámetros.

Por otra parte, el estudio de la reglamentación que afecta a los productosaudiovisuales muestra la coexistencia de distintos niveles o ámbitos deactuación: el local / regional (la existencia de, por ejemplo, operadores detelevisión autonómicos o de consejos del audiovisual regionales), elnacional y el supranacional (Unión Europea). Esta dispersión de laautoridad que en las últimas décadas afecta al Estado Español tiene directa

Francia o GranBretaña donde lossistemas que seofrecen a los padresincluyen laposibilidad no sólo deimpedir la descargade fotografíaspornográficas sinotambién laposibilidad derestringir la salida yentrada de SMS oMMS en función delas horas o los díasrechazar los SMSindeseables o impedirla realización decompras y votacionesen concurso”(Natalia Gómez delPozuelo: “Fomentarel uso correcto delmóvil es cosa detodos”, Madrid,2 8 . V I I . 2 0 0 6 .Disponible en la Web:www.optenet.com/es/detalles.asp?c=1&idn=3;consultado el20.X.2006).

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relación, a nivel externo, con la incorporación a la UE y, a nivel interno, conprocesos de descentralización que han reforzado los poderes de lacomunidades autonómicas (ver cuadro 1).

Cuadro 1: Sistemas de calificación de productos audiovisualesCuadro 1: Sistemas de calificación de productos audiovisualesCuadro 1: Sistemas de calificación de productos audiovisualesCuadro 1: Sistemas de calificación de productos audiovisualesCuadro 1: Sistemas de calificación de productos audiovisualesen Españaen Españaen Españaen Españaen España

Regulación estatal:Comisión de

Calificación dePelículas

Cinematográficas(ICAA, Ministerio de

Cultura)

Nivel: nacional

Cumplimientoobligatorio, imposición

de sanciones

- Real Decreto 81/1997: Calificación depelículas por franjas

etarias: Especialmenterecomendadas para lainfancia (ERI), Todos

los públicos, NR 7, NR13, NR 18, Película X

Crítica: opacidad delmecanismo

Auto-regulación: acuerdoentre el Gobierno

nacional y los principaleslicenciatarios públicos y

privados de ámbitonacional y regional

(RTVE, FORTA, UTECA)

Nivel: supranacional (UE)/ nacional / regional.

Adhesión voluntaria

- Directiva 89/552/CEE-Televisión Sin Fronteras:horario de protección al

menor (6:00 a 22:00 horas).

- Código deautorregulación sobre

contenidos televisivos einfancia (vigencia: desdeIII.2005): Calificación deprogramas franjas etarias:

Especialmenterecomendadas para la

infancia, Todos lospúblicos, NR 7, NR 13,

NR 18.Horario deprotección reforzada (pordías y franjas horarias)

Crítica: poca efectividaddel mecanismo

Auto-regulación:principales editores ydesarrollo de juegos dejuegos, miembros de laISFE, fabricantes de

videoconsolas(Playstation 2, Xbox y

Nintendo)

Nivel: supranacional(UE)

Adhesión voluntaria

- Código PEGI: Doblesistema de calificaciónpor franjas etarias (3+,

7+, 12+, 16+ y 18+) epictogramas de temática

(Lenguaje soez,Discriminación, Drogas,Miedo, Sexo, Violencia)

Crítica: mecanismo pocoriguroso y confuso; faltade una oferta educativa

amplia

Largometrajes yLargometrajes yLargometrajes yLargometrajes yLargometrajes ycortometrajescortometrajescortometrajescortometrajescortometrajes

cinematográficoscinematográficoscinematográficoscinematográficoscinematográficos

Programas deProgramas deProgramas deProgramas deProgramas dete levis iónte levis iónte levis iónte levis iónte levis ión

Videojuegos y juegosVideojuegos y juegosVideojuegos y juegosVideojuegos y juegosVideojuegos y juegospara PCpara PCpara PCpara PCpara PC

Fuente: elaboración propia.

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- Límites de la auto-regulación

En los últimos lustros la preeminencia de la corriente neoliberal ha dadolugar a procesos de desregulación e internacionalización de los distintossectores económicos. La preconizada minimización de la actuación del Estado,frente a un mayor protagonismo de los agentes económicos consagró a laauto-regulación como el mecanismo de control por excelencia ante aquelloscomportamientos socialmente no deseados.

En el caso del paisaje audiovisual español, la experiencia de la auto-regulaciónse ha dado en el terreno televisivo, signado por un carácter marcadamentecomercial. Y de la mano de auto-regulación se ha remarcado constantementeque la responsabilidad última por lo que ven los niños es de los padres y/otutores. Ejemplo de esto último es el “Decálogo de buenas prácticas” editadopor el Instituto de RTVE junto al Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales(IORTV/MTAS, 2006) en el cual se aconseja a padres y madres “acompañara los hijos frente a las pantalla” o “hablar con los hijos sobre el programa detelevisión que han visto y los videojuegos que les gustan”.

El código que suscribieron en 1993 las cadenas públicas y privadas con elMinisterio de Educación y los correspondientes departamentos autonómicosno dio los frutos esperados. Tampoco iniciativas individuales de los operadoresprivados, como el catálogo de 21 puntos elaborado por los gestores de Tele 5,en octubre de 2004, para evitar la emisión de contenidos que puedan vulnerarlos derechos de los menores.

Hoy, pasado más de un año de funcionamiento del Código de Autorregulación,se alzan muchas voces críticas que plantean la insuficiencia de la auto-regulación a la hora de defender el interés general (la libertad deexpresión, el pluralismo, la diversidad cultural o la protección de losconsumidores). Y entienden que la misión de controlar la emisión decontenidos televisivos debe recaer en una autoridad que no responda aintereses políticos, económicos o religiosos particulares. Victoria Camps (2006),actual vicepresidenta del Consejo Audiovisual de Cataluña, sostiene que “unaauto-regulación corporativa, realizada únicamente por los mismos queproducen, escogen o realizan la programación, será inevitablemente interesaday parcial. No sólo eso, sino que las dificultades que conlleva interpretar hastaqué punto un programa televisivo está yendo más allá de lo aceptable hacenmás sensato y prudente confiar la evaluación de los contenidos a agentesexternos y con una pluralidad de puntos de vista”.

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La figura de un Consejo Nacional del Audiovisual surge como la respuestamás contundente a las dudas que plantean las insuficiencias de la auto-regulación. Hace más de cinco años que el Consejo de Europa(Recomendación 23/2000) y el Comité de Ministros (20/XII/2000) instarona los gobiernos de los países miembros de la UE a “instaurar, si no lo hanhecho ya, autoridades independientes de regulación del sector de laradiodifusión”; esto se traduce en organismos reguladores que no dependandel gobierno de turno ni de los operadores.

En relación con el mercado de los videojuegos, las voces críticas dediferentes instituciones y asociaciones (Defensor del Menor de laComunidad de Madrid, Asociación de Usuarios de la Comunicación oAmnistía Internacional España) revelan las insuficiencias del vigentesistema de auto-regulación de escala continental, al tiempo que reclamanla intervención tanto de los ministerios de Cultura y de Sanidad y Consumoa nivel nacional como de las Comunidades Autónomas.

- Los desafíos de las redes digitales

Las nuevas redes digitales plantean desafíos de gran escala: la red Internet,por ejemplo, que ofrece una amplia oferta audiovisual a la cual se accede,por ejemplo, desde ordenadores portátiles o teléfonos móviles 3 G, no conocefronteras geográficas. Los proveedores de contenidos y servicios se hanmultiplicado y la convergencia tecnológica permite el acceso a éstos através de redes de radiodifusión o de telecomunicaciones. Ante ladificultad de controlar y sancionar a un amplísimo universo productor ydifusor de contenidos y servicios, las miradas se dirigen a los operadores delas redes. En este sentido no sólo se habla de sistemas de calificación sinotambién del empleo de filtros y mecanismos de verificación de edades paradeterminados contenidos/servicios.

Teniendo en consideración que el uso de teléfonos móviles entre niños yjóvenes ha crecido espectacularmente en el continente europeo (según unaencuesta Eurobarómetro, realizada en mayo de 2006, un 70 por ciento de losjóvenes de entre 12 y 13 años de edad, y un 23 por ciento de los niños entre8 y 9 años de edad posee un teléfono móvil), la Comisión Europea realizóuna consulta pública, entre el 25 de julio y el 16 de octubre de 2006, paraver cómo se les puede proteger ante posibles peligros. Según Viviane Reding,Comisaria para la Sociedad de la Información y los Medios de Comunicación:“(…) la protección de los menores en cuanto a comunicación móvil esresponsabilidad de todas las partes interesadas: la industria, las asociaciones

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para la seguridad infantil y los organismos públicos. Cuanto más eficientesea la autorregulación, menos necesaria será la intervención estatal”.

La gran mayoría de los países miembros de la UE aún no cuenta con marcosregulatorios y/o auto-regulatorios específicos tendentes a brindar seguridada de los menores de edad en su uso de teléfonos móviles. Sin embargo eltema está siendo debatido en varios países y hay iniciativas en marcha,como los códigos de conducta para servicios SMS o Premium, que nos revelanun cuadro heterogéneo.

ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : The present article proposes, considering the Spanish reality, a trip for

the national systems of classification of audio-visual contents that at present they affectto the consumption of a big number of cultural products, like cinematographic movies,television programs or video games. As conclusion, it outlines a series of reflectionsabout the challenges and the perspectives that nowadays raise the classificationsystems of audio-visual contents both for the state organisms and the agents of the

cultural industries and for different involved organizations of the civil society.

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(*) Luciana Lobo Miranda é Professora do PPG em Psicologia da UFC e coordenadora doProjeto de extensão TVEZ: Educação para o uso crítico da mídia. E-mail: [email protected]

Language and subjectivity in the relationshipsLanguage and subjectivity in the relationshipsLanguage and subjectivity in the relationshipsLanguage and subjectivity in the relationshipsLanguage and subjectivity in the relationshipsbetween school practices and televisionbetween school practices and televisionbetween school practices and televisionbetween school practices and televisionbetween school practices and television

Luciana Lobo Miranda*

Linguagem e modos desubjetivação na relação práticas

escolares e televisão

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

discurso, modo desubjetivação, escola,televisão.

RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO: Em tempos de cultura midiática, onde os objetos culturais, as relações

sociais e a subjetividade encontram-se necessariamente atravessadas pela tecnologiaaudiovisual, é comum o debate a respeito do declínio da palavra escrita. A sociedadecontemporânea seria marcada pelo colapso dos textos e pela hegemonia das imagens.Por outro lado, a disponibilidade da imagem na educação é vendida como um dosgrandes trunfos, por exemplo, da educação à distância. Entre a resistência à imagemcomo produtora de conhecimento e o discurso da disponibilidade pela tecnologiada imagem, a escola parece oscilar. O presente trabalho pretende articular adiscussão conceitual acerca da linguagem da televisão com base em autores como,Pierre Bourdieu e Rosa Bueno Fischer dentre outros, e a experiência na coordenaçãode curso de extensão universitária "Diálogos Escolares Contemporâneos" realizadocom professores da rede pública municipal de Fortaleza, Maranguape e Maracanau.A partir do conceito de discurso de Michel Foucault, o presente trabalho discute atelevisão como um campo de subjetivação presente no cotidiano escolar, onde sedestaca o fato de tanto a escola quanto a mídia se destinarem a "modos de educar"distintos e muitas vezes conflitantes entre si. Por outro lado, em ambas, a despeitoda veiculação de um ideal de cidadania e criticidade, suas práticas cotidianas apontampara uma propensão à passividade seja do espectador, do aluno ou do próprioprofessor (com relação à gestão e às políticas públicas educacionais).

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cultura midíatica contemporânea, sob forte influxo da tecnologia audiovisual, com sua onipresença na nossa vida cultural e psíquica, parece-nos pautar o debate sobre o declínio da palavra escrita. Asociedade contemporânea seria marcada pelo colapso dos textos e pela

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hegemonia das imagens. Por outro lado, a disponibilidade da imagem naeducação é vendida como um dos grandes trunfos, por exemplo, da educaçãoà distância. Entre a resistência à imagem como produtora de conhecimento eo discurso da disponibilidade pela tecnologia da imagem, a escola pareceoscilar. Na tentativa de compreender a relação entre escola, televisão e osmodos de subjetivação na contemporaneidade, faremos, no primeiro momento,uma discussão a respeito da TV como um dispositivo audiovisual engendradona confluência de um “modo de ver” já existente. Em seguida abordaremosa TV enquanto aparato discursivo e dispositivo pedagógico, para, por fim,pensar as possibilidades da educação formal (escolar) neste contexto. Paratal nos valeremos da experiência como pesquisadora e coordenadora de projetode extensão na área de mídia-educação.

A Construção de uma TV Nossa de Cada Dia

Embora as primeiras experiências da televisão ocorreram nos anos 1936 e1941 na Grã-Bretanha e nos EUA, respectivamente, ela somente começa ase firmar como fenômeno de massa no pós-guerra, a despeito da opinião daimprensa desses países, bem como de analistas de mercado afirmandoque tal veículo não suscitaria o interesse das camadas populares (BRIGGSe BURKE, 2004). Com os custos de sua fabricação barateada, e aincorporação do modelo de programas de rádio, entre 1947 e 1952, a televisãosaltou a produção de aparelhos de 178 mil para 15 milhões, atraindo cadavez os mais setores populares.

No Brasil, no dia 03 de abril de 1950, a TV tem sua pré-estréia e em 18 desetembro é inaugurada oficialmente pela TV Difusora em São Paulo, seguindoo modelo norte-americano de exploração comercial. A difusão inicial restritacomeça a se modificar com a importação de 220 aparelhos por Francisco deAssis Chateaubriand Bandeira de Mello, o “Chatô” (GUARESCHI e BIZ,2005). Nos anos seguintes surgem várias canais de televisão, tais como TVPaulista (1952), a TV Record e TV Rio(1955), TV Excelsior (1960, cassadadurante a ditadura militar). A TV Globo Rio inaugurada em 1965 já nascegrande devido ao forte investimento de capital humano e financeiro estrangeiro.Aos poucos vai se constituindo como uma corporação, engendrando o “padrãoGlobo de qualidade” que nos dias atuais chega a deter mais da metade daaudiência nacional e 53% do mercado publicitário, (GUARESCHI e BIZ, 2005).

No contexto brasileiro, mesmo sendo uma concessão pública, ela encontra-se concentrada nas mãos de alguns grupos político-econômicos. Estaconcentração se configura na forma horizontal (poucos grupos controlam a

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televisão aberta e paga); vertical (canais de TV aberta comercializam seusprogramas para outros paises); propriedade cruzada (ampliação do monopólioatravés da posse de outros meios como por exemplo jornais e revistas, provedorde internet); e monopólio em cruz (em nível regional há a reprodução depropriedade cruzada bem como a instalação de repetidoras dos seus sinais)(LIMA in GUARESCHI E BIZ, 2005)1.

No entanto, seus avanços corporativos nunca foram ausentes de crítica emrelação aos efeitos à subjetividade. Em meados dos anos 1950, a televisãopassa a gerar grande expectativa tanto com relação ao possível prejuízo àinteligência das pessoas, quanto às possibilidades educacionais decorrentesde seu uso para esse fim. No livro “Uma história Social da Mídia” Burke eBriggs (2002), trazem à luz a polêmica:

Havia pouco consenso sobre o significado da televisão:era o ‘olho universal’, mas o arquiteto Frank Lloyd Wrightchamou-a de ‘chicletes’ para os olhos. A crítica era maiornos Estados Unidos, onde a ênfase nas redes de televisãoe rádio centrava-se em entretenimento estereotipado,levando Newton Minow, presidente da FCC em 1961 (...),a dizer que a televisão em rede era uma vasta ‘terra inútil’.Em Londres, Milton Schulman, que fazia vigorosas críticasde certos programas em jornais, chamou a televisãobritânica de ‘a menos pior do mundo’, mas tambémobservou, como Lloyd Wright, que, ‘para muito as pessoas,o ato de ficar fixado na tela’ tinha se tornado ‘mais umhabito do que um ato discriminatório consciente’. ParaSchulman, a televisão era ‘o olho voraz’. Para outros, erao ‘olho do mal’, mal occhio, destruindo não somente osindivíduos que a assistiam, mas todo o contexto social.(BURKE e BRIGGS, 2002, p.244, grifos dos autores)

Quanto sua função educativa os autores afirmam:

Educar, não entreter, esse permanecia o objetivo prioritáriopara alguns dos primeiros defensores da televisão contraas acusações de que ela exercia uma influênciainevitavelmente corruptora da sociedade e da cultura,e de que levava os espectadores a gastar mais tempocom ela do que com outras atividades. (BURKE eBRIGGS, 2002, p.252).

1 Segundo Guareschi eBiz (2005) “Seis dasprincipais redes priva-das nacionais (Globo,SBT, Record, Ban-deirantes, Rede TV!,CNT) estão vinculadas,entre canais próprios eafiliadas, que repre-sentam 263 das 332emissoras brasileirasde TV” (p.84), duas de-las exorbitando o núme-ro de emissoras pró-prias permitidas pela lei.

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Entre o entretenimento e a educação, a grande aceitação deste novo dispositivoaudiovisual deve-se em parte pelo fato das massas já terem um “olhar educado”para o modelo broadcasting de difusão da imagem eletrônica. Da pinturarenascentista, passando pela fotografia e pelo cinema, a televisão nasce naconfluência de um “modo de ver” que já havia sido “inaugurado” (BUCCIin BUCCI e KEHL, 2004; BRIGGS e BURKE, 2004). Mesmo antes de existirefetivamente a TV já tinha o seu lugar imaginário. Desta maneira Bucci (ib.)defende que “aquilo que o telespectador vê na tela emerge não apenas datela em si, mas também de algo que ele, telespectador, já estava demandandoantes” (p.29). Vejamos então o texto visionário escrito pelo poeta Olavo Bilacem 1904 que narra a invenção do cronófono, pelos físicos franceses Gaumone Decaux, uma combinação de fonógrafo e cinematógrafo:

Diante do aparelho, uma pessoa pronuncia um discursoe, daí a pouco, não somente repete todas as suas frases,como reproduz, sobre a tela branca, a figura do orador, asua fisionomia, os seus gestos, a expressão da sua face, amobilidade dos seus olhos e dos lábios. Talvez o jornal dofuturo seja uma aplicação dessa descoberta... A atividadehumana aumenta, numa progressão pasmosa. Já os homensde hoje são forçados a pensar e executar, em um minuto, oque os avós pensavam e executavam em uma hora. A vidamoderna é feita de relâmpagos no cérebro, e de rufos defebre no sangue. O livro está morrendo, justamente porquepouca gente pode consagrar o dia todo, ou ainda uma horatoda, à leitura de cem páginas sobre o mesmo assunto.Talvez o jornal do futuro – para atender à pressa, àansiedade, à exigência furiosa de informações completas,instantâneas e multiplicadas – seja o jornal falado, eilustrado com projeções animatográficas, dando, a um sótempo, a impressão auditiva e visual dos acontecimentos,dos desastres, das catástrofes, das festas, de todas as cenasalegres ou tristes, sérias ou fúteis, desta interminável ecomplicada comédia, que vivemos a representar no imensotablado do planeta. (BILAC apud BUCCI, 2004, p.27 e 28)

Mesmo corroborando com a idéia de que a televisão não inaugura propriamenteum novo processo, intensificando fluxos de um “modo de ver” que foi seconstituindo ao longo dos anos, certamente seu modelo broadcasting foi sefazendo cada vez mais presente em nosso cotidiano. No Brasil seu alcancecobre quase todo o território nacional, haja vista a presença deste meio em

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93% dos lares brasileiros (nove entre dez), só perdendo para o fogão (masganhando da geladeira) em número total de aparelhos (PNAD, 2006), tendocrianças e jovens como público preferencial que chega a passar em médiamais de quatro horas por dia diante da tela2. Faz-se então necessária umaanálise da televisão, na sua relação com os modos de subjetivação nacontemporaneidade e a escola como espaço de mediação desta relação.

Televisão: Discurso, Dispositivo pedagógico e modode subjetivação

A televisão tem se afirmado cada vez mais como um discurso. Para Foucault(1986, 1998) o discurso não se confunde com a fala, oratória, frases eenunciações. Ele também não se opõe à prática. O discurso é ele mesmo umaprática, ou melhor, constrói-se no interior dessas mesmas práticas. Assimpor exemplo, quando a publicidade diz “você é o que você aparenta”, elanão está apenas dizendo, mas efetivamente ela engendra e produz práticas/marcas em nosso corpo. Assim, o discurso pode ser entendido como umconjunto de enunciados de um determinado campo do saber, os quais seconstituem sempre como prática.

Fala-se então em discurso pedagógico, discurso feminista, discurso científico,pois todos são constituídos de uma série de enunciados, que existempropriamente como prática discursiva, como acontecimento histórico,institucional e social (as práticas discursivas são inseparáveis de uma sériede regras, normas, modos de exercício do poder, formas de comunicação,lutas políticas). Foucault afirma que o discurso é prática justamente porqueos discursos não só nos constituem, nos subjetivam, nos dizem o que dizer,como também são alterados, em funções de práticas sociais muito concretas,que envolvem relações de poder3.

A nossa hipótese consiste em pensar que a intensa circulação de discursospresentes na televisão, tanto de ordem exterior (discurso jurídico, político,psicológico, científico, higiênico-assistencialista dentre outros), quanto aquelesengendrados em seu fazer diário (discurso jornalístico, publicitário,teledramatúrgico, etc) acaba por configurá-la como um campo discursivo degrande alcance, responsável por modos de ver, pensar e sentir o mundo,constituindo como modo de subjetivação privilegiado na contemporaneidade4.

No entanto para Foucault (1998) não há discurso sem exclusão, seja externa,seja interna. A exclusão externa compreende ao longo da história a interdição(a palavra proibida, pois não se pode falar qualquer coisa em qualquer lugar);

2 Segundo o InstitutoIpsos, 57% das criançasbrasileiras ficam maisde 3 horas assistindo TV,enquanto os dados doIbope afirmam que, emsetembro de 2004,crianças e jovens entre4 e 17 anos, ficaram emmédia quatro horas e 25minutos, por dia. Fonte:Castro in Folha de SãoPaulo, 17 de outubro de2004.

3 As relações de poderem Foucault (1995)compreendem a pos-sibilidade de reação, deliberdade. Só há relaçãode poder mediantesujeitos ativos. Foucaultas define como “ummodo de ação sobre aação que age direta ouindiretamente sobre osoutros, mas que agesobre sua própria ação.Uma ação sobre a ação,sobre ações eventuais,ou atuais, futuras epresentes” (p.243).

4 Para Foucault (1995)não existe sujeito apriori. Ele é constituídonum “campo de relaçãoque pode ser estabe-lecer como sujeito aalguém pelo controle edependência e preso àsua própria identidadepor uma consciência ouautoconhecimento .Ambos sugerem umaforma de poder quesubjuga e torna sujeitoa” (p.235).

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a separação (segregação da loucura) e a oposição “verdadeiro” ou “falso”(vontade de verdade). Para Foucault é este último que tem se tornado maisforte em nossa sociedade apregoada pela ciência: “as grandes mutaçõescientíficas podem talvez ser lidas, às vezes, como conseqüências de umadescoberta, mas podem também ser lidas como a aparição de novas formasna vontade de verdade” (p.16)

Há também a exclusão interna, que hierarquiza os discursos, uns ligados aodia a dia, ao comentário e outros a certa permanência, a exemplo dos textosreligiosos, jurídicos, literários e científicos:

Em suma, pode-se supor que há, muito regularmente nassociedades, uma espécie de desnivelamento entre osdiscursos: os discursos que “se dizem” no correr dos diase das trocas, e que passam como ato mesmo que ospronunciou; e os discursos que estão na origem de certonúmero de atos novos de fala que retomam, os transformamou falam deles, ou seja, os discursos que, indefinidamente,para além de sua formulação, são ditos, permanecem ditose estão por dizer. (FOUCAULT, 1998, p.22).

Para pensar os mecanismos de exclusão presentes no discurso da TVarticularemos o conceito de exclusão presente no conceito de discurso emFoucault, com o conceito de campo jornalístico formulado pelo sociólogoPierre Bourdieu em seu livro “sobre a Televisão” (1997). Conformeafirmamos, a mídia, e especificamente a TV, parece fazer a “ligação” entreestes mais variados discursos. Em um programa de variedades, uma revistaeletrônica, a exemplo do Fantástico da TV Globo, numa mesma reportagem,o discurso do senso comum (comentário) pode ser conduzido ao discursocientífico, que por sua vez pode deslocar-se ao jurídico, para finalmenteretornar ao senso comum, numa extensa cadeia discursiva em que nadapode ser, no entanto, devidamente aprofundado.

É também recorrente o uso de especialistas para corroborar matériasjornalísticas, dando-lhes um tratamento científico. Segundo Bourdieu (1997)grosso modo, na cobertura jornalística feita pela televisão, há sempre algumaspessoas que estão para se explicar (“por que vocês fazem isso, por que causamtranstornos aos usuários? etc”, (p.49) e outras que estão para explicar “paraproferir um metadiscurso” (p.49). Assim podemos pensar que os especialistasestão para referendar uma “vontade de verdade”.

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Da mesma forma que enfatizamos que a TV se instaura num processo jáexistente, ela serve também para potencializá-lo, elevá-lo ao quadrado, pois,voltando a Bourdieu (1997), a TV é essencialmente conservadora. Ela evitapolêmicas em nome da audiência. “Está perfeitamente ajustada às estruturasmentais do público” (p.64).

Nossos apresentadores de jornais televisivos, nossosanimadores de debates, nossos comentaristas esportivostornaram-se pequenos diretores da consciência que sefazem, sem ter que forçar muito, os porta-vozes de umamoral tipicamente pequeno-burguesa, que dizem “o quese deve pensar” sobre o que chamam de “os problemasda sociedade”, as agressões nos subúrbios ou a violênciana escola... (p.65)

Outro mecanismo de exclusão presente no discurso televisivo deve-se ao fatodela ocultar mostrando. Informações omnibus – para todo mundo, notícias devariedades, fatos que não devem chocar, e quem ao preencher um tempoprecioso na TV, deixam de mostrar acontecimentos: “Ora, o tempo é algoextremamente raro na televisão. E se minutos tão preciosos são empregadospara dizer coisas fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantena medida em que ocultam coisas preciosas” (BOURDIEU, 1997, p.23)

Em consonância com o pensamento foucaultiano Fischer (2002, 2006), pensaa mídia enquanto um dispositivo pedagógico. Fundamentada no conceito dedispositivo sexualidade, em que o sujeito é chamado a falar sobre si mesmo ese reconhecer a partir de sua sexualidade, o dispositivo pedagógico é descritocomo:

...um aparato discursivo (já que nele se produzem saberes,discursos) e ao mesmo tempo não discursivo (uma vezque está em jogo nesse aparato uma complexa trama depráticas, de produzir, veicular e consumir TV, rádio,revistas, jornais, numa determinada sociedade e num certocenário social e político), a partir do qual haveria umaincitação ao discurso sobre “si mesmo”, à revelaçãopermanente de si; tais práticas vêm acompanhadas de umaprodução e veiculação de saberes sobre os próprios sujeitose seus modos confessados e aprendidos de ser e estar nacultura em que vivem. Certamente, há de se considerarainda o simultâneo reforço de controles e igualmente de

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resistências, em acordo com determinadas estratégias depoder e saber, e que estão vivos, insistentemente presentesnesses processos de publicização da vida privada e depedagogização midiática (p.3)

O espectador é constantemente interpelado a produzir opinião sobre os maisdiversos assuntos, seja de como cuidar da casa, como educar seu cachorro,seus filhos, como satisfazer o seu (sua) parceiro(a), etc, num constanteborramento de fronteiras do que outrora se chamou de público e privado.Desta forma a televisão acabou por ser fazer pedagógica, isto é, ela se encontracada vez mais destinada à “educação” das pessoas, atuando como um modode subjetivação privilegiado na contemporaneidade.

Televisão e escola: encontro possível?

Na história moderna, a escola tem ocupado um lugar central na transmissãodo legado cultural e na formação do sujeito. A partir do século XVII, nocontexto europeu, a escola transformou-se em um lugar não apenas detransmissão do conhecimento, mas de disciplinarização dos corpos, com suarotina, sua separação idade/ série, onde, através da vigilância hierárquica eda sanção normalizadora, e da combinação entre ambas - o exame, o indivíduoé pensado e cooptado em sua força produtiva, em seu corpo, para fortalecimentodo Estado Nação (Foucault 1977).

No entanto, atualmente, este lugar parece não ser mais o mesmo. O Estadomínimo, principal elemento do receituário neoliberal, em seus mais diversosdispositivos, tais como, a excessiva velocidade dos fluxos e relações sociais,a exacerbação de uma cultura individualista e de intolerância ao outro, aentrada das chamadas “novas tecnologias da informação” no campoeducacional e o questionamento de suas próprias práticas cotidianas, mostrauma realidade em que a disciplina é incapaz de dar conta, reconfigurandoassim o espaço escolar.

Por outro lado a educação parece transbordar para todos os lados. A ampliaçãoda rede informal de educação através do crescimento do terceiro setor e dosmeios de comunicação de massa, dentre outros, trouxe à tona uma querelaentre dois entes. De um lado a escola, locus tradicional de transmissão desaber voltado ao passado, guiado pela lógica da razão, da durabilidade, dosujeito cidadão, do telos. De outro, a mídia, cujo conteúdo, na maioria dasvezes, é voltado para a atualidade, para a promoção do impacto e do emocional,para a velocidade, para o sujeito consumidor, para o privilégio do agora e do

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efêmero (VIVARTA, 2004). Diante deste “quadro”, como estabelecer umdiálogo entre o discurso televisivo e o educacional?

Em outro texto afirmamos:

A escola como lugar legitimado de produção e circulaçãode saber, não pode se eximir do debate acerca da relaçãosubjetividade e mídia na contemporaneidade. Arraigadasem modelos tradicionais, ou mesmo esvaziadas depensamento crítico acerca de seu fazer pedagógico, as escolas,mesmo não desconsiderando as implicações midíaticas nocotidiano escolar (vistas muitas vezes de forma maniqueísta,como responsáveis pela má formação de valores ecostumes na infância e na juventude), tendem a rechaçá-las. Preocupados com inúmeras avaliações, relatórios,projetos, além, é lógico, com o próprio salário, comoprofessores podem se propor a investigar com os jovens comoeles significam aquilo que vêem, escutam ou lêem? Comotrazer estas reflexões para o próprio cotidiano educacional?São temas que precisam ser problematizados por todosaqueles que fazem a escola. (MIRANDA, 2007, p. 199)

Em atividades desenvolvidas no âmbito da pesquisa e da extensão temosprocurado trabalhar este campo de possibilidade da escola, como lugar dediscussão e apropriação da mídia em seu cotidiano. Neste trabalho seráprivilegiado o trabalho de extensão do projeto TVEZ5.

No intuito de pensar a inserção da televisão no cotidiano escolar e apossibilidade da problematização de seu discurso, abordaremos o trabalhorealizado no TVEZ em parceria com a ONG de Fortaleza ENCINE6, quevisou à implementação de um Projeto de Comunicação Educativa (PCE) emtrês escolas da rede pública nos municípios de Fortaleza, Maracanaú eMaranguape, com apoio das três secretarias municipais de educação. Acolaboração dos integrantes do TVEZ consistiu tanto na fase diagnóstica, noplanejamento, quanto na facilitação dos cursos. O PCE consiste numametodologia de ensino-aprendizagem por meio da arte e da comunicação,com foco no processo dialógico educador-educando e que lança mão de umaestrutura tecnológica de produção autônoma de mídias educativas, tais comovídeos, spots, blogs, fanzines e jornal escolar, viabilizada com a implantaçãode um Laboratório de Comunicação Educativa (LACE) equipado comcomputador, internet, impressora, câmeras fotográfica e de vídeo e mesa de

5 O TVEZ é um projetode extensão interdepar-tamental, com a parti-cipação de estudantesde comunicação e depsicologia da UFC, cujoobjetivo é promover aeducação para o usocrítico das mídias,através de ações inte-gradas em escolas darede pública de Forta-leza..... A ação compre-ende tanto a discussãoquanto a apropriaçãodas mídias no cotidianoescolar. O TVEZ contacom uma bolsa deextensão da UFC. Oprojeto é coordenadopela Profa. Dra. InêsSilva. V. Sampaio e pormim. Já no âmbito dapesquisa, além deorientar na graduação eno mestrado monogra-fias e dissertaçõesligadas ao tema “Subje-tividade, mídia e edu-cação”, atualmenteencontra-se no segundoano de Iniciação Cientí-fica a pesquisa “’Entulhoimagético’ ou tesouroeducacional? Uma Aná-lise da relação subjeti-vidade e mídia no coti-diano escolar” comapoio da FUNCAP e daUFC. Neste, com basena análise de publica-ções de livros brasileirosentre 1998 e 2008,voltados para profis-sionais de educação,que versem sobre apossibilidade do uso datelevisão/ vídeo nocotidiano educacional,objetivamos compre-ender a mídia, comênfase na televisão,como território privile-giado de produção desubjetividade na con-

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desenho. A idéia é promover a auto-gestão do LACE, com participação efetivade representantes do corpo discente. Para além de uma capacitação técnica,o PCE compreende um espaço para a escola pensar o seu próprio cotidiano.

Assim, após a fase diagnóstica das escolas iniciou-se o trabalho de formaçãode docentes e discentes. A formação docente “Diálogos EscolaresContemporâneos” (DEC) teve carga horária de 60 horas e o curso de ArteComunicadores Sociais (ARCOS), voltado para os discentes do ensinofundamental segundo ciclo, teve carga horária de 120 horas.

Em uma aula do DEC, a fim de problematizar a televisão enquanto discurso,simulamos um julgamento, cujo réu era a televisão brasileira. Os professores,divididos em duas equipes, com base no material que compreendia:legislação, manual de classificação educativa, Estatuto da Criança e doAdolescente, dentre outros, deveriam preparar um corpo argumentativocom relação à defesa ou à acusação da televisão brasileira. Após uma horade preparo e com os “advogados” devidamente constituídos, iniciou-se o“julgamento”. Juiz e o corpo jurado ficaram a cargo da equipe da ENCINEe do TVEZ. Com falas que argumentavam ora a favor ora contra a qualidadeda TV brasileira, professores refletiram sobre a inserção da TV como modode subjetivação presente em seu cotidiano bem como sua relação com aescola7. O julgamento foi devidamente gravado.

No encontro seguinte, sem qualquer explicação prévia, passamos um vídeoeditado com cenas do julgamento. Propositalmente, dois materiais forampreparados, um que continha cenas de programas de TV considerados deboa qualidade e educativos, mesclados aos melhores momentos da defesa,com os piores momentos da acusação. O segundo mesclava imagensusualmente consideradas “apelativas” com os piores momentos da defesa eos melhores momentos da acusação. Ao final, permanecia a fala do juradoque melhor referendasse a intencionalidade de cada vídeo.

No término da exibição do primeiro vídeo, propusemos um debate. No inicio,muitos se mostravam surpresos pelo vídeo e comentavam a sua qualidadetécnica, além do fato de se verem. No entanto, após alguns comentários iniciais,um docente comentou, meio sem jeito – afinal como tecer crítica a algo feitopor especialistas? - que sentira falta de algumas falas; outros concordaramenfatizando o caráter “tendencioso” do vídeo, pois sentiam falta de algumasfalas que haviam sido cortadas. Dissemos então que tínhamos uma segundasurpresa e o outro vídeo foi apresentado...

temporaneidade e aescola como espaço demediação desta relação.

6 A ONG ENCINEdesenvolve ao longo dosúltimos 10 anos experi-ências na área de au-diovisual com jovensoriundos das classespopulares. A ENCINEé também responsávelpelo programa Mega-fone, feito por jovens,veiculado as tardes dedomingo na TVC. Atu-almente é Ponto de Cul-tura pelo Ministério daCultura e conta com oapoio da SecretariaEspecial de DireitosHumanos do GovernoFederal.

7 A título de exemplo,eis um dos argumentosda defesa: “mas aí vema questão. O que estascrianças têm em casa?Onde estão os livros?Será que a escola temlivros? A casa temlivros? Que contexto éesse que a gente querpara essa criança, se elasair do único recursoque ela tem. A gente temque considerar que [aTV] é um recursopedagógico sim, umrecurso educativo” Aacusação lê o artigo 221da Constituição Federal“’A produção e a pro-gramação das emis-soras de rádio e televi-são atenderão aos se-guintes princípios:Preferência a finalida-des educativas, artísti-cas, culturais e infor-mativas; promoção dacultura nacional eregional e estímulo àprodução independenteque objetive sua divul-

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Após a exibição do segundo material, indagamos aos docentes o porquê determos feito dois vídeos, com base no mesmo julgamento em que todos seencontravam presentes. Discutimos assim a não neutralidade do discurso televisivo,especificamente do telejornalismo. Com base numa vivência coletiva e portantoheterogênea, abordamos os discursos presentes na televisão, em que algumasvozes são privilegiadas em detrimento de outras. Por fim foi discutida a possibilidadede inserção a respeito da televisão no cotidiano das escolas em questão.

Televisão e escola: disciplina e resistência

As práticas discursivas cotidianas presentes tanto no discurso televisivo quantono discurso educacional tendem a classificar, capturar, ou mesmo excluir modosde subjetivação que escapam aos seus modelos instituídos. Malgrado oempenho explícito isolado daqueles que fazem o seu cotidiano, as práticaspedagógicas, por exemplo, normalmente são reguladoras da negação do outroenquanto co-criador de conhecimento.

No entanto, estes dois loci de modos de subjetivação, escola e mídia, tambémse encontram marcados pelas inúmeras vozes, pela polifonia de diversoslugares enunciativos que fazem parte dos sujeitos que os constituem e osproduzem. Na produção subjetiva contemporânea engendrada seja nocotidiano escolar, seja na mídia, transbordam inúmeros discursos, numcampo de luta onde também resistências são possíveis. A escola tambémé um lugar de transformação e de resistência. Vemos diariamente em seucotidiano, professores, alunos e funcionários que tentam não se acomodar,que buscam estratégias para tornar a escola o ambiente positivo deaprendizagem, apesar de todas as condições adversas.

O trabalho apresentado compreende uma possibilidade onde se possa pensara diversidade das situações concretas vividas tanto na relação com a televisão,quanto com a própria escola. A inserção da televisão ou de qualquer outrodispositivo midiático deve ser pensado na interação de três perspectivas, asaber: pedagógica, estética e política. Pedagógica, pois implica a articulaçãodo uso e produção da mídia como instrumentos de ensino-aprendizagem.Estética, pois deve compreender a abertura para a criação, para o campo dosensível, explorando outras linguagens não usuais na mídia comercial. Política,pois a discussão do uso da mídia no cotidiano escolar levaria, em últimainstância, a uma reflexão tanto sobre a comunicação cotidiana (sua produçãoe seus meios de propagação), quanto sobre a própria escola. Desta forma,qualquer experiência de mídia no campo educacional deve auxiliar naprodução de novos modos de educar no cotidiano escolar.

gação; Regionalizaçãoda produção cultural,artística e jornalística,conforme percentuaisestabelecidos por lei...’Na realidade o que nóstemos são filmes deviolência sendo apre-sentados no horário emque crianças estãoacordadas”.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 22/10/2009Aprovado: 15/12/2009

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ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : The media age, when cultural objects, social relations and subjectivity

are intertwined with audiovisual technology, it is common to hear about the declineof written word. Contemporary society is marked by the collapse of texts and theomnipresence of images. On the other hand images are easily available and,therefore, could be of great help in long distance education. The school systemseems to balance between the resistance to image as a possible producer ofknowledge and its availability. The present work intends to articulate the conceptualdiscussion about television language based in authors like Pierre Bourdieu andRosa Bueno Fischer among others and the experience in coordinating the extensionuniversity course "Contemporary School Dialogs", carried through with teachers ofthe municipal public system of Fortaleza, Maranguape and Maracanau. Startingwith Michel Foucault's concept of discourse, we intend to discuss television as asubjectivity field present in the school routine, emphasizing that both the schooland the media are ways of teaching, though very different and sometimes conflictingones. In both of them, in spite of the broadcasting of an ideal of citizenship andcriticism, their everyday practices point more to passive approach, be it on the part of

the spectator, the student or the teacher himself (concerning public educational practices).

Referências

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KKKKKey Wey Wey Wey Wey Words:ords:ords:ords:ords:

discourse,subjectivity, school,television.

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O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

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O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

(*) Roberta Manuela Barros de Andrade é Professora Adjunto da Universidade Estadual doCeará (UECE). Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail:[email protected]. Erotilde Honório Silva é Professora Titular da Universidade deFortaleza (UNIFOR). Doutora em Sociologia pela Universidade Federaldo Ceará (UFC). E-mail: [email protected].

When the television produces its proper politics ofWhen the television produces its proper politics ofWhen the television produces its proper politics ofWhen the television produces its proper politics ofWhen the television produces its proper politics ofcommunication: An analysis of the Socialcommunication: An analysis of the Socialcommunication: An analysis of the Socialcommunication: An analysis of the Socialcommunication: An analysis of the Social

Merchandizing in the Brazilian soap operaMerchandizing in the Brazilian soap operaMerchandizing in the Brazilian soap operaMerchandizing in the Brazilian soap operaMerchandizing in the Brazilian soap opera

Roberta Manuela Barros de Andrade

Erotilde Honório Silva*

Quando a televisão produz suaspróprias políticas de

comunicação:uma análise do Merchandising Social nas Telenovelas

Brasileiras

Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:

políticas decomunicação.televisão.merchandizingsocial.

RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO: As políticas públicas de comunicação têm, ao longo do tempo, tentado

traçar uma série de marcos regulatórios, que em tese, procura afinar o sistemamidiático aos direitos e às demandas da sociedade civil. Mas, enquanto o poderpúblico procura fornecer diretrizes ao sistema de comunicação, a mídia vaiconstruindo, à revelia dos órgãos públicos, suas próprias políticas de comunicação.Em meio ao debate aberto na sociedade civil sobre educação, participação e inclusãosocial, a televisão brasileira promove políticas que orientam a sua programação a fimde alçá-la à categoria de empresa cidadã. Uma das mais importantes alavancasdas emissoras para atingir tal meta tem sido a introdução em sua ficção seriada doMerchandising Social (MS). Este trabalho tem, pois, a pretensão de analisar o MSapresentado na telenovela Laços de Família (2000-2001), produzida pela Rede Globode Televisão, a partir da perspectiva de sua audiência. Tal enfoque se baseia no fato deque as políticas de comunicação só podem ser responsavelmente avaliadas a partirde objetos concretos por meio dos quais essas políticas adquirem visibilidade social.

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olíticas de Comunicação em tempos de TVBrasileira: a criação do Merchandising Social

Ao nos referirmos às políticas públicas de comunicação, o termo tenta darconta de um amplo conjunto de ações que vão desde a concessão, permissãoou autorização de canais de radiodifusão ou de televisões abertas aos projetos

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de lei que debatem os marcos regulatórios tanto das televisões pagas quanto os dociberespaço. O que une todas essas ações é a noção de que se trata de medidasa serem tomadas pelo poder público com a finalidade, em tese, de sintonizaro sistema de comunicação com os direitos e demandas da sociedade civil. Pordetrás dessas orientações normativas, está presente um debate generalizadosobre democracia, participação, inclusão social e educação no Brasil.

Mas, enquanto o poder público tenta mapear o sistema de comunicaçãobrasileiro, dando-lhe determinadas diretrizes, a mídia vai construindo suaspróprias políticas de comunicação, algumas vezes, na contramão dasexpectativas do que essas instituições desejam divulgar. Assim, constroemoutros significados para as concepções de democracia, participação, inclusãosocial e educação que não estão presentes nem nos discursos oficiais nemnas mesas redondas e fóruns que tentam conjugar a visão da academia sobreo assunto e as demandas da sociedade civil organizada1.

A televisão brasileira, atenta ao debate existente na sociedade civil e nosórgãos públicos sobre participação, inclusão social e educação, traça políticaspróprias que orientam a sua grade de programação, priorizando programasde maior audiência, neles incluindo os discursos ditos “educativos”,alardeando o que denomina de forma genérica de “seu papel social”. Umadas mais importantes alavancas das emissoras para atingir tal meta tem sido aintrodução em sua ficção seriada do Merchandising Social (MS). Nesta prática,a Rede Globo de Televisão se destaca não só pelo seu pioneirismo na área,mas também, pela quantidade, não desprezível, do MS em suas telenovelas2.O MS é, em linhas gerais, uma estratégia de comunicação, surgida em meadosdos anos noventa do século passado, usada pelas emissoras para darcredibilidade social a seus produtos de entretenimento, numa clara tentativade alavancar audiências, incorporando o discurso moderno daresponsabilidade social, em moda, no Brasil.

Obviamente que ações que têm como princípio a construção de uma imagempública positiva da Rede Globo não surgem somente a partir do MS. A RedeGlobo tem, ao longo dos últimos trinta e cinco anos, trabalhado a sua imagempor meio de programas sociais desenvolvidos pela empresa ou em parceriacomo Criança Esperança, Ação Global, Globo Serviço, Globo e Universidade,Brasil 500 e Amigos da Escola. A veiculação de campanhas de utilidadepública é tradição na emissora. Só em 2003, dados apontam que foram320 mil inserções em todo o país, entre campanhas próprias e de terceiros(Herkenhoff, 2000). Mas foi graças à inovação do MS, inserido em suanarrativa ficcional de maior sucesso- as telenovelas-, que tal imagem se

1. Martin-Barbero(2000) em reflexão so-bre as políticas públi-cas colombianas paraos meios de comuni-cação afirma que existeuma esquizofrenia entreo que pensa o poderpúblico sobre o papel damídia na sociedadecolombiana e o realimpacto da televisão nastransformações sociaisneste país. Para Martin-Barbero, lá os meios nãosão percebidos pelopoder público comocriadores de culturaapenas como transmis-sores ou difusores depráticas sociais, o quepode ser detectado cla-ramente pelas políticaspúblicas para a comuni-cação na Colômbia.

2. Segundo Schiavo(2004), entre 1991 e2004, estima-se que8779 ações de MS foramproduzidas na ficçãoseriada brasileiraproduzida pela RedeGlobo de Televisão,versando sobre os maisdiferentes temas comodireitos humanos, cida-dania, sexualidade,saúde reprodutiva,equidade de gênero,direito das crianças edos adolescentes,prevenção e abuso dedrogas, desemprego,respeito aos idosos edesenvolvimento socialsustentável.

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sedimenta com maior força em sua audiência, garantindo à Rede Globo otítulo, nas rodas oficiais, de empresa com responsabilidade social.

O termo responsabilidade social é definido por Herkenhoff (2000) como oreconhecimento e assunção pelos cidadãos, individualmente e em conjunto,dos seus deveres para com a comunidade em que vivem e a sociedade emgeral. Este conceito se fundamenta no princípio de que as açõesindividuais têm impacto na vida da coletividade. Portanto, aresponsabilidade social concretiza-se por meio da adoção de atitudes,comportamentos e práticas positivas que contribuem para o bem comum.Neste sentido é imprescindível para as empresas de comunicaçãodivulgarem para a sua audiência os variados elementos dos quais lançammão ao desenvolverem sua cota de responsabilidade social. A Rede Globoincorporou esse conceito, usando o MS como instrumento para a construçãode sua imagem como uma empresa-cidadã. Não é à toa, assim, que a emissoraincorporou essa estratégia de comunicação em sua teledramaturgia.

O MS está presente, hoje, em todos os horários de veiculação das novelasglobais, apesar de ser mais intensificada no horário das 20h. A repercussãosocial em termos de audiência é, frequentemente, garantida pelo MS, alémdo que, o MS auxilia as telenovelas da emissora a saírem das páginas dasrevistas de fofocas e passarem a agendar as discussões sociais que perpassama grande imprensa, uma vez que está relacionado a doenças incuráveis oucom percentual mínimo de cura, a traumas (ciúme excessivo, violênciadoméstica) ou a doenças psíquicas, de repercussão importante na família ena sociedade. Nessa perspectiva, o que nos perguntamos então é: apesar dasóbvias intenções desta emissora em alavancar audiência, como essa políticade comunicação tem contribuído para um debate mais profundo sobreeducação, participação e inclusão social, células-chave para a discussãosobre as políticas de comunicação? A fim de construirmos pistas para estareflexão esse trabalho se propõe a realizar uma análise do MerchandisingSocial apresentado na telenovela Laços de Família, produzida pela RedeGlobo de Televisão, entre maio de 2000 e fevereiro de 2001, no horáriodas 20h. Tal enfoque se baseia no fato de que as políticas de comunicaçãosó podem ser responsavelmente avaliadas a partir de objetos concretos pormeio dos quais essas políticas adquirem visibilidade social.

Nesta pesquisa, selecionamos como objeto de estudo a telenovela Laços deFamília porque o MS ali inserido foi uma das discussões de maior impacto namídia impressa e televisiva já realizada em torno de uma temática social. Aleucemia, dantes assunto restrito às revistas médicas especializadas, torna-se

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capa das maiores revistas jornalísticas do País e tema constante nas páginasdos jornais impressos e nas chamadas dos telejornais durante o período deveiculação da novela. O argumento centrou-se nas informações sobre a doençaao mesmo tempo em que promoveu uma campanha de doação de medulabaseada na experiência da personagem Camila, jovem que se descobreportadora da doença na trama. Atrelada à novela, ocorreu o que chamamosde “efeito Camila” que se materializou no aumento do interesse pela doaçãode sangue e órgãos, em especial da medula óssea em função do dramaabordado na novela em questão3.

Entrementes, o que nos chama a atenção é o fato de que, o interesse peladoação de sangue e órgãos, apesar do um aumento significativo durante aemissão da novela, após seis meses de sua veiculação, retornou aos níveisanteriores nos principais órgãos responsáveis pela coleta dessas informações4.Tal dado nos ajuda a desmistificar a noção, apregoada pelos departamentosde marketing da emissora, de que o MS tem repercussões no social em termosde mudanças diretas e lineares no comportamento social do brasileiro no quediz respeito a ações sociais efetivas. O que nos leva a pensar que talvez, oimpacto de tal política de comunicação esteja muito mais na pauta temporáriado debate público. Não se trata de um projeto contínuo, assumido pelaspolíticas de governo, o seu efeito termina ao acabar a novela, e, naturalmente,não leva a um efetivo processo de mudança social.

Nesse sentido é que para compreendermos algumas dimensões da repercussãosocial deste MS, foi realizadas entrevistas estruturadas com ex-portadores deleucemia, entre 25 e 30 anos de idade, de nível universitário, que foramaudiência ativa da citada novela em seu período de veiculação. Tomamoscomo ponto central dessa discussão a forma como mulheres espectadorasfidelizadas às novelas globais e particularmente da telenovela em questão,ex-portadores de leucemia, de classe social, nível de escolarização e faixaetária semelhantes à da personagem vítima da doença na trama5 refletemsobre o MS, dando-lhe significados em seu cotidiano. Cremos que um tal viésde análise é profícuo na medida em que tal pesquisa de recepção nos ajudaa entender como efetivamente as políticas de comunicação projetadas pelospróprios meios repercutem no social, a partir de um recorte específico.

Merchandising Social, Telenovela e Sociedade

A Novela Laços de Família apresentou como ponto central de seu enredo aleucemia - tipo de câncer que compromete os glóbulos brancos (leucócitos)do organismo, afetando sua função e velocidade de crescimento. Os

3. No Instituto Nacionaldo Câncer (Inca) queregistra potenciaisdoadores de medula, asinscrições mensaispassaram, durante operíodo de veiculação danovela, de dez paracento e quarenta e novee no Registro Nacionaldos Doadores de Me-dula Óssea (Redome)subiram de vinte paranovecentas inscriçõesmensais durante aabordagem da temáticapor esta ficção seriada.No Disque Saúde, o nú-mero de consultas sobrea leucemia passou de871 para 2427 nomesmo período.

4. O Hemocentro deRibeirão Preto (SP)verificou também umaumento de cadastrosde doadores no primeirosemestre de 2002 (pe-ríodo final da novela)- onúmero de cadastroschegou a uma média de30 por semana. Mas, nosegundo semestre domesmo ano, esse nú-mero caiu para a médiade dois semanais. EmSanta Catarina, a Uni-dade de Transplante deMedula Óssea do Hos-pital Celso Ramos regis-trou de 20 a 30 pedidospor dia (de cadastro).No Rio Grande do Sul,os telefonemas para aSecretaria de Saúdepedindo informaçãosobre a doença aumen-taram de 1 para 10 cha-madas por dia, no augeda novela. No InstitutoEstadual de Hemato-logia (HemoRio), so-mente em janeiro (noauge da novela), chega-

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sofrimentos em vários níveis diferentes ocasionados pela aquisição da doençapor uma personagem da trama foi o mote da narrativa, que, em momentosdiferentes da narrativa incorporou a essa temática a lógica de argumentaçãodo que se convencionou chamar de Merchandising Social.

Merchandising Social é, em linhas gerais, a inserção intencional, sistemática,estruturada e com propósitos educativos bem definidos de questões sociaisna produção teleficcional brasileira. No entanto, ressaltamos que tal estratégiade comunicação, que tem como função básica alavancar a audiência de umadada ficção seriada, ao mesmo tempo em que procura construir uma imagemda emissora de empresa cidadã, não pode ser confundida com a apresentaçãodo contexto social contemporâneo, usual nas telenovelas brasileiras comopano de fundo das tramas, sempre carregadas de forte teor emocional. Aabordagem de questões sociais em uma telenovela é um elemento constantenos enredos teleficcionais brasileiros desde os anos setenta do século passado,garantindo, em parte, o sentido de verossimilhança das tramas. No entanto,não deve ser confundida com o merchandising social, que é inserido nanarrativa centrado em um discurso claramente pedagógico, distante dos apelosemocionais que a temática destila em outros momentos da estória, e muitopróximo de uma retórica baseada nos princípios da racionalidade moderna.

Esse discurso, muitas vezes, se choca com a linguagem folhetinesca,construindo uma inserção que aparece, quase sempre, descolada da trama.As informações veiculadas por personagens relacionados à temática postaem discussão lembram, não raro, o discurso jornalístico pelo seu apelo a umalinguagem objetiva, clara e direta, típica da práxis incorporada pelosprofissionais do campo. Amparadas por esse discurso, as personagens, quasesempre, são “suspensas” dos conflitos emocionais da narrativa pararepassarem informações que os autores julgam pertinentes para esclarecer aquestão posta em debate, chegando, em determinados momentos, a se criarum verdadeiro monólogo entre a personagem-pedagoga e o telespectador-aluno.

O MS é, assim, um discurso “socialmente engajado” que não faz partenecessariamente da função melodramática da trama. Esse discurso, de cunhoessencialmente educativo, só aparece na teledramaturgia brasileira de formaclara a partir dos anos noventa do século passado, numa óbvia tentativa de elevara audiência das telenovelas que havia sofrido uma substancial perda de pontosno ibope (cerca de 20%) nesta década (Borelli e Priolli, 2000). Entrementes, seo MS nem sempre repercute, pela sua existência na trama, em um aumentosubstancial de audiência em uma novela específica (uma vez que se tornaramcorriqueiros em todas as telenovelas da emissora), em termos de reflexão

ram 154 pessoas que-rendo se cadastrar comodoadoras quando onúmero em dezembrodo mesmo ano nãochegou a dez por mês.Informações retiradasdo site oficial daFederação das AABB/Cidadania acessado em15 de fevereiro de 2009.(www.fenabb.org.br).

5. O árduo e extensotrabalho de campo reali-zado por Ana GiovanaLima Leandro forneceuo material que permitiufazer as análises que seseguem.

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acadêmica, é um excelente ponto de partida, uma vez que nos permite avaliarcomo essa política de comunicação da emissora tem repercutido no social.

Como afirma Motter (2003), pesquisas apontam determinadas repercussõessociais, no uso de MS nem sempre expressas pelos índices de audiência, masverificáveis principalmente pelas mudanças de atitude reveladas emdepoimentos como os de famílias que se reconciliam com os filhos(homossexualidade masculina- A próxima vitima (1995)- Silvio de Abreu) eno aumento da procura por tratamento ou serviços de apoio (alcoolismo- Poramor (1997)- Manoel Carlos). Em geral, os MS são projetados pordepartamentos específicos da emissora, em sintonia com as OrganizaçõesNão Governamentais, que tem como objetivo central inserir tal proposta nastelenovelas da emissora, de acordo com o perfil das personagens que aparecemna sinopse da novela. No entanto, existem autores como Manoel Carlos eGlória Perez que, em geral, criam seus próprios merchandisings sociais.Nesse caso, os profissionais especializados na área de marketing socialtrabalham em harmonia com estes autores que já levantaram em suaspróprias sinopses a oportunidade de abordar esta ou aquela temática natrama. O MS perpassa, hoje, todos os horários de veiculação das novelasglobais, apesar de ser mais intensificada no horário das 20h.

Na novela em questão- Laços de Família- existiram dois casos de leucemia: oda personagem principal da trama –Camila– que conseguiu se recuperargraças à uma doação de medula de um irmão que viera ao mundo justamentecom o propósito de lhe salvar a vida e o de Marcela– personagem secundáriada trama que não sobreviveu à doença. A ideia central de Laços de Família éo sacrifício, em vários níveis diferentes, de uma mãe por uma filha. Em primeirainstância, a mãe de Camila, Helena, se sacrifica pela filha, renunciando a umhomem que também se torna objeto de amor de Camila, em segunda instância,Helena, se sacrifica mais uma vez, engravidando do pai de Camila, do qualestava separada há anos, para com a doação do futuro irmão, salvar por meiode um transplante de medula, a vida da filha.

Na trama, Camila era uma jovem de 21 anos, universitária, recém-casada,que ao voltar, já grávida da lua de mel, descobre, ao sofrer um abortoespontâneo, ser portadora de leucemia mielóide aguda6. A novela revela emminúcias o início do tratamento de quimioterapia, seguido da queda decabelo e da resolução melodramática da personagem de raspar, por fim, acabeça. Segundo Lima e Camacho (2001), no capítulo em que Camilateve sua cabeça raspada devido à doença, exibido no dia 11 de dezembro

6.A leucemia mielóide éum dos quatro tiposconhecidos de leucemiae se caracteriza pelocrescimento descon-trolado e exagerado dascélulas indiferenciadaschamadas de blastos.Estas células nãoapresentam as funçõesnormais dos glóbulosbrancos. Além disso,existe um bloqueio nafabricação das célulasnormais, criando umadeficiência de glóbulosvermelhos, plaquetas eglóbulos brancos. Otratamento para estadisfunção é muitodoloroso, baseado naquimioterapia, provocadesmaios, fraqueza equeda de cabelo. Otransplante da medulaóssea é a alternativapara a sua cura

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de 2000, 79% dos televisores estavam sintonizados na novela, chegandoa atingir um pico de audiência de 61 pontos. As imagens da personagemraspando a cabeça foram, inclusive, posteriormente, usadas para umacampanha real de doação de órgãos. A repercussão do MS desta novela foitamanha que em 2001, a Rede Globo de Televisão é agraciada com o BitCAwards for Excellence, um dos prêmios de responsabilidade social maisconceituados internacionalmente. O destaque do evento é que, pela primeiravez, uma empresa não européia foi a ganhadora do prêmio.

No grupo social selecionado para esta pesquisa, jovens ex-portadoras deleucemia pertencentes à classe média brasileira, tivemos a pretensão de analisaro entendimento de como se forma a crença na intervenção das telenovelasnos parâmetros de acesso ao tratamento da doença e na diminuição dopreconceito relativo à leucemia na sociedade como um todo. Para tal, foiaplicada entrevistas estruturadas, composta de 33 perguntas. A grandequantidade de perguntas dizia respeito ao fato de necessitarmos de uma sériede informações sobre a descoberta, desenvolvimento e cura da doença. Asentrevistas foram realizadas via internet, por e-mail, exceto com uma dasentrevistadas que residia em Fortaleza. Das restantes, quatro residem em SãoPaulo e uma no Rio Grande do Sul.

Merchandising Social, efeitos sociais e educaçãocidadã

Todas as entrevistadas perceberam o MS como uma propaganda inserida nointerior das novelas que retratava uma questão social. Elas acreditavam queo MS é “algo inserido dentro da novela que tenta mover a sociedade para olado social”, afirmou J.S. Para elas, o MS é muito importante, seu papel positivona sociedade ocorre porque, segundo elas, traz uma reflexão sobre o temaabordado, esclarecendo e instruindo as pessoas, e faz parte da cultura dobrasileiro assistir a novelas, “daí muita gente pega essas informações”.

Hoje, não temos dúvida de que a informação tem um papel fundamental naprodução do conhecimento, e ambos são cruciais tanto para o desenvolvimentoeconômico quanto para os processos de democratização no âmbito da culturae da política. Nesse sentido, a informação é essencial tanto para a formaçãodo discurso político como na própria ação política. Na era digital, na qual asinformações proliferam em todos os lugares, o que os educadores maislamentam é o fato de que, mesmo disponível, a informação não é acessadapela grande maioria da população brasileira.

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O uso da internet para fins de socialização7 em detrimento de busca deinformações é confirmado nas pesquisas dos estudiosos da área. Desta forma,o diferencial do MS em relação a outras estratégias de comunicação é queinformações sobre as mais diferentes temáticas, e em diversos níveis, sãoabsorvidas em paralelo aos desdobramentos da trama. Se a procura deinformações não é a motivação central dos fãs das telenovelas, asinformações oriundas do MS são seu resíduo necessário. Vivemos, assim,nas palavras de Barbero (2000), em um ambiente educacional difuso edescentrado no qual o MS se destaca como uma estratégia de comunicaçãoque se faz valer à revelia da escola e do livro.

Entrementes, todas as entrevistadas consideraram que o interesse das pessoassobre a doença e seu possível engajamento “só dura o tempo da novela”. “OMS tem pouca durabilidade, as pessoas lembram-se do assunto na hora, masdificilmente alguém ajuda, pois, cada um tem suas atividades e não vai pararpara ajudar”, afirmou M.R. Elas acreditavam que o efeito é insuficiente anão ser que se tenha uma campanha mais contínua, mais bem elaborada afim de que a temática fique “marcada” na vida das pessoas.

Os depoimentos acima nos fazem refletir sobre o fato de que as audiênciaspercebem os meios de comunicação, e principalmente as telenovelas, comoagentes solitários de mudança do social, e não questionam o papel da família,da escola ou da igreja nesse processo, instituições sociais tradicionalmentedetentores dos saberes. Para elas, cabe aos meios de comunicação demassa educar ao povo brasileiro, como se a mídia fosse uma instituiçãosocial autônoma e soberana em relação à sociedade maior. Aqui, a culturanão parece ter nada a ver com os processos educativos. Trata-se de formularsoluções mágicas para os problemas da educação, que dependem de umacampanha contínua e mais bem elaborada da mídia, que deve acontecer àrevelia do livro, da escola e da família.

Todas acreditavam que o MS tem um papel positivo na sociedade. “A noveladesmistificou muita coisa sobre a doença, em especial no que se refere aopreconceito”. M.R contou que conheceu um “menino pela internet quequando soube que ela foi portadora de leucemia não quis conhecê-la pormedo de pegar a doença”. J.S ressaltou que “quando a novela comentaum problema como esse é como se tivesse acabado de surgir, como senunca tivesse existido, o que é um absurdo”. Todas citaram o fato de queé necessário conscientizar as pessoas em relação às doações voluntárias.No entanto, apenas 33% das entrevistadas acreditam que o MS ajuda emrelação ao aumento da doação de órgãos e medula.

7 .Blogs, orkuts e twiterssão espaços virtuais quepromovem a interaçãosocial,mas, não neces-sariamente a troca deinformações ou deconhecimentos.

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Nessa perspectiva, observa-se que o processo de informação e, ouesclarecimento sobre uma determinada temática não resulta necessariamenteem uma ação social consequente. A diminuição do preconceito não implicaem uma reviravolta imediata no comportamento social dos indivíduos. O MSdemonstra ser, assim, uma política de comunicação conjuntural e imediatista,cujos frutos ainda são bastante nebulosos. É inegável que o MS proporcionauma discussão pública sobre o assunto, mas que nem sempre acontece deforma pertinente. As jovens portadoras de leucemia, em vários níveis,afirmaram ter descoberto, depois da emissão da novela, que algumas de suasinformações eram equivocadas. “Naquela época, como eu ainda não tinha adoença, sabia muito pouco sobre ela. Então a novela foi uma fonte deinformação, mas equivocou-se algumas vezes”, afirmou J.S. Nenhuma dasentrevistadas modificou sua percepção sobre a doença depois da novela.

Das depoentes, 67% afirmaram que o seu dia-a-dia como portadoras não eraigual ao de Camila porque ela “era muito mimada e sendo ela de classesocial alta, as coisas eram mostradas da forma mais fácil”,diz C.H. Todas asentrevistadas iniciaram seu tratamento em hospitais públicos, apenas umadeu continuidade a ele, em hospital particular. A totalidade das entrevistadasafirma que o autor havia retratado o sofrimento de Camila em condiçõesprivilegiadas, uma vez que “para Camila, tudo era perfeito, todos podiamlargar o trabalho para ficar com ela o tempo todo no hospital”, o que era umarepresentação distinta da realidade das classes populares no Brasil que “dãoatenção (os familiares e amigos) mas não 24 horas porque afinal todos têmsuas vidas para cuidar”. Todas acreditaram ainda que o atendimento dado àCamila (de primeira qualidade) não se repetia para o povo brasileiro quesofre com a precariedade dos hospitais e que o fato da mãe, já separada,voltar ao antigo relacionamento e engravidar para salvar a filha “é coisa denovela mesmo”. Assim, para elas, a novela revelava apenas o tratamento queera dado a quem tinha dinheiro para realizá-lo. Entretanto, 33% dasentrevistadas não viam uma sintonia entre a realidade e a ficção porqueafirmavam que a novela só mostrava o viés de quem possuía acesso aoshospitais e tratamentos adequados. Neste caso, a carência dos desassistidos,o sofrimento social inerente a tal situação de precariedade pública, pareciaser bem maior do que o físico.

Aquelas que tiveram leucemia durante a novela afirmaram que as pessoasficaram mais curiosas para saber se era assim que acontecia, se elas sofriamtudo aquilo que a Camila passava. Das entrevistadas, 67% afirmaram que osofrimento mostrado na novela é real, enquanto que 33% afirmaram que “foium absurdo a forma como colocaram a leucemia na novela”. “Eu não passei

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pela metade do sofrimento de Camila”, afirmou C.F. O problema, segundoelas, é que existem vários tipos de leucemia, uns mais agressivos, outros,nem tanto. Como a novela retratou o caso de uma leucemia aguda incutiu nasociedade a ideia de que todas as pessoas que tem leucemia estãopredestinadas à morte, ou que sofrem muito, o que não é regra geral. Dasdepoentes, 83% afirmaram que quando se descobriram portadorasautomaticamente lembravam da novela, ficando desesperadas, pois,recordavam do sofrimento da personagem e se perguntavam quem seria odoador delas e se ficariam carecas, magras e feias, o que não aconteceu comelas. Nenhuma delas precisou de doador e apenas uma teve que raspar a cabeça.

Os depoimentos acima nos fazem refletir sobre a relação entre MS e a estruturafolhetinesca. O fato do MS está embutido em uma narrativa de teormelodramático acaba por desfigurar o discurso pedagógico incrustado no MS,fazendo com que muitas informações acabem desaparecendo da temática oumesmo se afastem da realidade devido ao teor de exagero que a telenovelanecessita ter para fidelizar sua audiência. A telenovela mostra não só aspectosde uma realidade pertinente a uma classe social privilegiada, mas, tambémrecorta do real apenas os aspectos da doença que podem contribuir para aexacerbação da estrutura dramática, típica do gênero.

Aqui, vemos como as experiências imediatas dos indivíduos moldam suasvisões de mundo. As jovens entrevistas gostariam de ter nos MS “maisinformação e menos dramatização”, no entanto, paradoxalmente, é esta mesmaintensa carga emotiva que proporciona o engajamento emocional dasaudiências e, por conseguinte, sua fidelidade ao gênero em questão, garantindoa eficácia do MS como política de comunicação.

Assim, quanto à contribuição da novela ao aumento ou à diminuição dopreconceito relativo à doença, 83% das entrevistadas disseram que a noveladiminuiu o preconceito porque sensibilizou, conscientizando ostelespectadores sobre o drama vivido na ficção. No entanto, 67% pensavamque os recursos televisivos (o som, os closes) criavam uma atmosfera maispesada em relação à doença o que levaram-nas a concluir que “a noveladeveria ter dramatizado menos e explicado mais”, enquanto 33% defenderama ideia de que o acento nos recursos audiovisuais e melodramáticos se fazianecessário para “chamar a atenção das pessoas” sobre a doença. Nenhumadas entrevistadas acreditou que a novela tenha chocado, ainda que algumascenas tenham sido marcantes como a da personagem Camila cortando oscabelos, no entanto, apenas 33% lembraram de que outra personagemportadora de leucemia na novela havia morrido devido à doença.

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O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

Quanto ao incentivo à participação dos telespectadores na doação de órgãos,metade das entrevistadas acreditou que sim, que o MS esclarece e incentivaà participação, enquanto a outra metade pensou que o MS ajudou o tema a setornar conhecido, mas, não dá conta da necessidade das pessoas ajudaremefetivamente com doações. Ao final, 87 % das entrevistadas consideraram oMS realizado em Laços de Família positivo e importante e na medida dopossível bem explorado, mas que poder-se-ia ter diminuído o glamour e ailusão que a “novela passa sobre a doença”, o autor deveria, assim, terabordado “coisas mais reais”, “mais dentro de nossa realidade”. Enquantoisso, 17% acreditaram que o tema com abordagem mais real deveria ser objetojornalístico porque “se for para ser tratado em uma novela deve ser com umaperspectiva mais positiva, mais leve e com menos enfoque”.

Todas acreditam que a Rede Globo faz MS em suas telenovelas para “criaruma imagem de boazinha”, “fingir ter participação social”, “aumentar aaudiência”, e por último “esclarecer sobre o assunto”. Em relação ao MS,todas acreditavam que “ele serve para esclarecer a população, mas, ao mesmotempo, cria mitos que não deveriam existir”, diz J.S. No mais, acreditam quea Rede Globo faz MS para atrair a audiência (porque a população se envolvecom o sofrimento das personagens), mas há também um “lado cultural daemissora, uma vontade de ajudar mostrando mesmo os problemas de nosso país”.

Nessa perspectiva, o MS parece ser uma estratégia de comunicação inseridana ficção seriada que tem se mostrado eficaz tanto no aumento da audiênciabem como na produção de uma imagem positiva da Rede Globo de Televisãocomo uma empresa de responsabilidade social. A sua repercussão social éinegável como demonstra os dados fornecidos por esse trabalho. Noentanto, a pesquisa de campo realizada com uma audiência seleta deLaços de Família revelou alguns aspectos interessantes da questão quedevem ser ressaltados. Durante a pesquisa de campo, podemos verificarque o MS é compreendido pelas entrevistadas como uma ferramenta deesclarecimento e discussão social importante para a sociedade brasileira, noentanto, a grande maioria concebe o MS como um instrumento mercadológicousado pela Globo a fim de atrair audiências, ainda que se destaque o seupapel de educador social, em especial no que diz respeito à diminuição dopreconceito em relação a algumas temáticas sociais.

Essa visão das audiências sobre o impacto do MS sobre a sociedade brasileira,em especial, no que diz respeito a seu papel como educador social, colocaem xeque a linha de pesquisa em comunicação (corrente nos anos 70 einício dos anos 80 do século XX) denominada de “Educação para os Meios”,

189189189189189Quando a televisão produz suas próprias políticas de comunicação: uma análisedo Merchandising Social nas Telenovelas Brasileiras

de caráter denuncista, que vinculada aos idearios da Teoria Crítica8, concebiaos meios de comunicação, em sua totalidade, como reprodutoresideológicos do status quo (Lopes, 1996). Aqui, tentava-se construir umapedagogia para os meios, que ajudasse, por meio de cursos ministradospor um bom número de instituições sociais, as audiências a terem umaleitura crítica destes, ao mesmo tempo em que propunham a criação de meiosde informação alternativos aos da ordem dominante.

Tratava-se, apesar das boas intenções dos teóricos a ela vinculados, de umprocesso educativo mais voltado para a doutrinação do que para o fazer críticoque propunham. Entrementes, os resultados dessa pesquisa com asaudiências (assim como muitas outras ao longo dos anos noventa)demonstram que as audiências tem uma visão muito própria dos meios decomunicação, tendo uma boa concepção de suas contradições internas.Ao mesmo tempo, demonstra o poder do MS em estabelecer um diálogocom a sociedade, preenchendo as audiências com informações que dificilmenteteriam acesso ou interesse em acessar se não se tratasse de um discursoengajado no interior de uma trama global.

Destacamos, aqui, indícios de repercussão crítica do MS em uma audiênciaseleta. O grupo estudado ressalta o fato de que o MS de Laços de Família,pelo menos, retratou a leucemia a partir da perspectiva de uma classe socialprivilegiada. O MS, como qualquer outro tipo de estratégia de comunicação,apesar de pretender mostrar um discurso “universal” sobre dado tema, recai,para as audiências, na parcialidade da qual o discurso jornalístico pretendehá séculos se eximir. No entanto, apesar de associar as repercussões da doençaa um universo de classe média alta, desconsiderando as condições materiaisde existência das classes sociais menos favorecidas, as entrevistadas, de formageral, acreditam que as informações passadas sobre a doença em si sãopertinentes. Referiram ainda que o MS recaiu em alguns equívocos, emespecial, quando associou a leucemia (que se revela em quatro níveisdiferentes) a apenas uma de suas manifestações.

Todas as entrevistadas revelaram a compreensão de um MS cujo efeito socialé temporário. Está claro para essas audiências que o “efeito Camila” só “durao tempo da novela”. Os dados fornecidos por instituições na área de saúdecomprovam um grande declínio do interesse mostrado pela população peladoença após o término da novela. Para as entrevistadas, há uma distinçãoclara entre “estar esclarecido” e “participar socialmente”. Todas as jovensentrevistadas acreditam muito mais na eficácia do MS como ferramenta deinformação/esclarecimento do que como estímulo à participação social comoo engajamento das audiências em torno das causas discutidas. Entrementes,

8. Termo que se refere àprodução intelectualglobal da Escola deFrankfurt.

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não se pode negar que o primeiro passo para a participação social passa pelaprática informacional. O MS, com o poder de agendamento que possui, traz àesfera pública temas que só circulavam na sociedade ou em espaçosacadêmicos ou em campos especializados. Nenhum jornal ou programa deentrevista traz uma discussão tão interessada por parte das audiências deassuntos que em outras esferas midiáticas seriam objeto de curiosidade de poucos.

Nesse sentido, a inserção do MS nos enredos das telenovelas brasileiras tempautado as telenovelas brasileiras fora de seus próprios termos. É inegávelque o MS ocasiona uma agenda midiática9. A telenovela, via MS, passa,temporariamente, a pautar o menu cotidiano de assuntos da mídia. Asdiscussões sobre as temáticas sociais abordadas de forma pedagógica nastelenovelas saem do âmbito das revistas de fofoca e penetram na imprensa“séria”, servindo de pauta para a elaboração de matérias jornalísticas tantoimpressas como audiovisuais. A partir daí, cria-se, então, uma agenda midiáticaque produzirá, durante a veiculação da novela, uma agenda social, cujoprincipal mérito é a capacidade de gerar conversas cotidianas. Mas, se estasconversas podem vir a ser o alicerce de processos educativos e participatóriosmaiores, somente pesquisas mais apuradas, ampliadas para segmentos sociaisdiversos, podem nos ajudar a esclarecer melhor a questão.

ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT: : : : : The public politics of communication have, throughout the time,

attemped to trace a regulatory landmark series, that in thesis, it looks to sharpenthe media system to the rights and the demands of the civil society. But, while thepublic power search to supply lines of direction to the communication system, themedia goes constructing, to the default of the public agencies, its proper politics ofcommunication. In way to the debate opened in the civil society on education,participation and social inclusion, the Brazilian television promotes politics that guideits programming in order to put it into the category of company citizen. One ofthe most important handspikes of the senders to reach such goal has been theintroduction in its soap operas the Social Merchandizing (SM). This work has,therefore, the pretension to analyze the SM presented in the soap opera "Laçosde Família" (2000-2001), produced for the Net Globe of Television, from theperspective of its hearing. Such approach if bases on the fact of that thecommunication politics only can responsibly be evaluated from concrete objects by

means of which these politics acquire social visibility.

Referências

BARROS FILHO, Clóvis; BORTOLOZZI, Pedro Lozano. Ética nacomunicação: da informação ao receptor. São Paulo: Editora Moderna, 2001

BORELLI, S.H.S; PRIOLLI, G (ccords). A Deusa ferida. São Paulo: Summus,2000.

9. A agenda midiáticapode ser definida comoo elenco temático se-lecionado, durante certoperíodo de tempo, pelosmeios de difusão comoimportante para adiscussão social. Aagenda midiáticapressupõe uma pautarecíproca entre asempresas de comunica-ção ( Wolf, 1985, BarrosFilhos e Bortolozzi,2001, De Fleur e Ball-Rokeach, 1993).

KKKKKey Wey Wey Wey Wey Words:ords:ords:ords:ords:

communicationpolitics, television,Socialmerchandising.

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: O5/10/2009Aprovado: 15/12/2009

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DE FLEUR, Melvin L. e BALL-ROKEACH, S. Teoria da comunicação demassa. Rio de Janeiro: Zahar, 1993

HERKENHOFF, João Batista. A cidadania. Manaus: Valer, 2000.

LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Pesquisa de recepção e educação paraos meios. IN: Comunicação & Educação, São Paulo, (6),mai/ago, 1996.

MARTIN-BABERO, Jesus. Desafios culturais da Comunicação à cultura IN:Comunicação & Educação, São Paulo, (18), maio/agos, 2000.

MOTTER, Maria Lourdes. Telenovela e Educação: um processo interativo.Comunicação e Educação, n.17, p.54-60, jan/abr.2000.

SCHIAVO, Marcio Luiz. Merchandising Social: as telenovelas e a construçãoda cidadania apresentado em 2002 no XXV Congresso Brasileiro de Ciênciasda Comunicação disponível em http://www.intercom.org.br/papers/xxv.ci/np14/NP14SHIAVO.pdf.

WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Porto: Editorial Presença, 1985.

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Erotilde Honório Silva

O público e o privado - Nº 14 - Julho/Dezembro - 2009

193193193193193(*) Luzia Aparecida Ferreira-Lia é Doutora em Ciências da Comunicação pela Escolade Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Especialista em Política eGestão Cultural. E-mail: [email protected]

Luzia Aparecida Ferreira-Lia*

O livro Textos nômades: política, cultura e mídias é o resultado das reflexõesefetuadas por Barbalho entre os anos de 2000 e 2006. Textos cuidadosamenteescolhidos: Por um Conceito de Política Cultura, Política e Economia daCultura, Do Real ao Surreal, Estado Autoritário Brasileiro e Cultura Nacional,Estado, Mídia e Identidade, Políticas de Cultura, Políticas de identidade,Cidadania, Minorias e Mídia: Ou Algumas Questões que as Minorias Propõemao Liberalismo, O Jogo das Diferenças e Idéias sobre uma Política Culturalpara o Século XXI, demonstram que o pensamento do autor caminhou sim; edas veredas deste seu nomadismo temos como frutos novas idéias com asquais não só nos alimentamos mas que também temos a possibilidade deembasar saberes que sustentarão outros pensares para a política, cultura emídia. São textos policulturamidiaticamente pensados. Embora já tenhamsido publicados separadamente, foi a junção dos mesmos que acabou criandoo que esta tão bem apontado no prefácio de Durval Muniz a de AlbuquerqueJúnior intitulado de "As Energias da Embriaguez". Entendo assim que apósa leitura do livro o que nos fica é a lucidez, melhor dizendo; temos acerteza de que nos apossamos das chaves que o autor transfere para abrirmosas enormes portas que dão acesso aos meandros da cultura. Isto porque,escondida em pequenos cômodos, muitas vezes a cultura se encontrainacessível até mesmo aos pesquisadores da temática.

O livro dividido em nove capítulos perfaz um total de 130 páginas. Trata-sede texto límpido e envolvente que, a cada momento de sua leitura, nos fazpensar: que seria isto exatamente o que eu gostaria de falar. Do primeiro ao

BARBALHO, Alexandre. Textos Nômades: política, cultura emídia. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2008

Resenha

ArtigoArtigoArtigoArtigoArtigoRecebido: 04/11/2009Aprovado: 01/12/2009

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oitavo o autor efetuou subdivisões nos textos, isto além de facilitar a leituratornou suas reflexões didáticas. No capítulo nono, propositadamente, ele abre umespaço para nossa própria reflexão sobre a temática, ao deixar algumas idéiaspara ser pensada sobre qual a política cultural seria a ideal para o século XXI.

O tema recorrente política, cultura e mídia é apresentado de formadecodificada pelo estudioso Barbalho, que cumpre assim a função da práticauniversitária de tornar os saberes acessíveis a um maior número de pessoas.

O autor parte das primeiras tentativas de esboçar conceitos de política culturalno pós-guerra, demonstrando que a temática é um debate contemporâneo,onde existem desconstruções-construções ladeadas, ora pela política, ora pelaindústria cultural, confundindo muitas vezes o público, o privado e a cultura.

A política e economia da cultura é tratada no capítulo mais denso do livro noqual o autor elabora um diálogo a partir de suas leituras de Jameson, Debord,Baudrillard, somadas a dos teóricos da Escola de Frankfurt, Adorno eHorkeheimer; R?diger, Morin, Roncagliolo; da Escola Francesa, maisespecificamente de Bolaños, de Zallo e de Alan Hercovici. Neste capítulo,ao tratar da temática cultural e de suas implicações de modo coerente eaprofundado, principalmente no que diz respeito a questões fundamentaispara que se tenha o entendimento requerido pelos estudiosos da área.

Isto permite percebe que Barbalho possui o domínio da questão cultural devidoa facilidade com a qual transita entre os vários teóricos. É também nele quegenerosamente o autor permite ao leitor apossar-se da temática cultural, aobeber na fonte de seus conhecimentos.

No restante do livro o autor, após um preâmbulo onde trata especificamentedo Partido Comunista Brasileiro, insere o leitor no cenário da política e culturabrasileira. Isto torna possível o entendimento das contradições deste períodoconturbado no qual Getúlio Vargas é presidente. Prosseguindo em suas reflexõesvai tecendo um discurso bastante lógico e de fácil entendimento sem, contudo,deixar o seu pensar mais ampliado em questões, por exemplo, sobre a identidade,tema abordado com extrema clareza pelos diálogos que no suscitam.

Assim, Textos Nômades: política, cultura e mídia da Coleção Banco doNordeste do Brasil é um livro que deve estar presente em todas as bibliotecasdas escolas brasileiras, por se útil aos estudantes desde o primeiro ano dosegundo grau até últimos anos dos cursos de pós-graduação dasuniversidades. Isto se deve ao cuidado do autor em escrever, de maneira

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simples, assuntos tão complexos e, desta forma, acaba entregando ao leitorum texto palatável, que se constitui em um instrumento facilitador ao permitiracesso a informações primordiais para amplas camadas sociais, promovendoseu desenvolvimentos intelectual.

Alexandre de Almeida Barbalho é formado pela Universidade Estadual doCeará onde cursou licenciatura em História no início da década de 1990.Posteriormente, em 1993, nesta mesma Universidade, fez bachareladoem Ciências Sociais e seu mestrado em Sociologia, concluídos em 1997.Seu doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas foi realizadona Universidade Federal da Bahia e concluído em 2004. Atualmente, alémde ser ocupar a função de professor em Comunicação, também é professoradjunto do curso de História e dos Programas de Pós-Graduações emPolíticas Públicas e Sociedade na Universidade Federal do Ceará, ondetambém realiza doutorado em Sociologia.

Suas experiências são nas áreas de Comunicação e Estudos Culturais, comênfase em Políticas de Comunicação e Cultura, trabalhando com os seguintestemas: política cultural, cultura, estado, mídia, minorias, contracultura e culturabrasileira. É autor de vários livros: Relações entre Estado e cultura no Brasil,editado pela Universidade de Ijuí em 1998; Cultura e imprensa alternativa(UECE, 2000); Lívio Xavier. Cultura e política (A Casa, 2003), Amodernização da cultura (UFC, 2005). É organizador de Brasil, brasis:Identidades, cultura e mídia (Fund. Demócrito Rocha, 2008) e co-organizador de: Letras ao sol. Antologia comentada da literatura cearense(com Oswald Barroso - Fund. Demócrito Rocha, 1998), Comunicação ecultura das minorias (com Raquel Paiva - Paulus, 2005) e Políticas Culturaisno Brasil (com Albino Rubim - UFBA, 2007).

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CARROLL, Lewis. Alice´s Adventures inWonderland [online]. Texinfo ed. 2.1.Dortmund, Germany: WindSpiel, Nov.1994. [cited 10 February 1995].Available from : http:/ /www.germany.eu.net/books/carroll /alice.html. ISBN 0681006447.

1.6. Tese acadêmica:

DINIZ, Arthur J. A. Direito internacionalpúblico e o estado moderno. Belo Horizonte:Faculdade de Direito da UFMG, 1975.(Tese de Doutorado).

Outros Elementos do TOutros Elementos do TOutros Elementos do TOutros Elementos do TOutros Elementos do Teeeeextoxtoxtoxtoxto

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Referências BibliográficasReferências BibliográficasReferências BibliográficasReferências BibliográficasReferências Bibliográficas

1.Recomenda-se o sistema autor-ano paracitações bibliográficas. As referências,listadas em folha separada ao final do texto,devem ser em ordem alfabética, por autor.Deverão conter nome do(s) autor(es), título,local (cidade) da publicação, editora e data,conforme os exemplos abaixo listados:

1.1. Livro:

FURTADO, Celso. A formação econômica doBrasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1984.

1.2.Coletânia:

CAROSO, Carlos (org.). Cultura, tecnologiasem saúde e medicina: perspectivaantropológica. Salvador: EDUFBA, 2008.

1.3. Artigo em coletânea:

POCHMANN, M. Desempregados do Brasil.In: ANTUNES, Ricardo. (org.). Riqueza emiséria do trabalho no Brasil. São Paulo:Boitempo, 2006.

1.4. Artigo em periódico:

DUARTE, Luiz F. D. Pessoa e dor noOcidente. Horizontes Antropológicos, Ano4, n. 9, outubro de 1998.

1.5 Artigo em formato eletrônico: