Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é...

46

Transcript of Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é...

Page 1: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é
Page 2: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 3: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

A verdade é facilmente inteligível, e no entanto, nin-guém a entende e ninguém aceita.

Cada palavra do homem comum tem um objectivo, a cada acção, um actor.

Lao Tse

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 4: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

aro leitor,

Tenho procuradomáscara e agasalhopara celebrar um anode Cânones e Canõese topei, na busca erebusca, a máscarapeliqueira, o poncho,os lentes e a barba dechivo de um meusenhor tio antepassa-

do. O levantisco, galhofo, casanova, contrabandista,provocador, conspirador, plagiário e falsificador deRamon Maria Valle, Marquês de Bradomim, por outronome de partida "o manco do Salnês".

Ele, neste nosso peregrinar Soloviano é um dos mestres.Com essa cousa irresistível dos canalhas experimenta-dos quando envelhecem dissimulando a trampa ereverdecem remendando a dignidade em qualqueraventura inesperada. Mestre obscuro e senhoria daprosa semelha acaído como ninguém para este tempode entroido chocalheiro.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 5: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Um dos livros mais estridentes, futuristas e cubistas dosempre enganador Ramón Maria del Valle Inclán é oensaio esclarecido com que inicia a edição da sua"Opera Omnia": La lámpara maravillosa. Texto magní-fico que serve à vez como prólogo e manifesto comple-xo, cifrado e mui galego, da sua escrita madura. Oanúncio e pregão do "late style" que dizem os estudio-sos modernos, do Canto de Simeão que dizia CarvalhoCalero desde a própria maturidade e a leitura da Bíblia.

"Opera Omnia" é um título solene e clássico. De por sisugere a onívoracidade leitora de Valle e nos trasladaimediatamente a esses livros fabulosos de pensamentoe medicina principalmente (face e invês de uma mesmainterrogação) escritos entre os séculos XVI e XVIII.Esses volumes de papel verdadeiro, com gravados sim-bólicos, impressão profunda e elegante tipografia, sóli-dos como o conhecimento que encerram.

A "Opera Omnia" é mais que dizer a "Obra completa". Écomo dizer o "projecto", a "forma total", "o único", o sig-nificante/significado em si próprio que escolhe o autor,para prologar o "novo estilo": o estilo maduro. Estilocomplexíssimo, moderno, ecléctico, antigo, harmónico,clássico e romântico, altamente simbólico, fortemente

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

I. Ética individual e estética colectivade um criador total

Page 6: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

místico e profundamente humano. Renascentista. Queé dizer a um tempo resgate do mais antigo e constru-ção do mais moderno. Uma retórica teórica de "dolcestill nuovo" feita na Galiza.

Pois, esta da lâmpada é uma luz apenas atingível desdeGaliza: desde a sua história, narrativa, cultura e orali-dade. Que é no que alicerça o simbolismo e ritmo donovo estilo de Valle. Uma proposta estética singular e àvez tremendamente coletiva, originada num equívocoantigo e dirigida ao espaço cultural impossível daLiteratura espanhola de 1916.

Mas, meu Ernesto!, dirá o descocupado leitor se temchegado até cá: Se é bem sabido que Ramon Maria,chefe de partida e foragido sem leis nem pátria, passa-do muitas vezes a Castela, simboliza o caminho contrá-rio de entender a língua e a cultura de Galiza? Homem,o que estás a dizer?

Talvez, leitor, talvez. Bem sei que ele é aparentementecontrário dos caminhos que tomou a literatura galegaimediatamente anterior e posterior dele. Que foi maldiscípulo avantajado dos mestres precursores e piormestre desencaminhador dos novos que leram ingenua-mente, como tu me lês a mim, as suas obras. Tolerado eadmirado por todos na sua genialidade agás combatidopolo único competidor possível seu: o infelizmente ima-turo e perenemente seqüestrado: Manoel António.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 7: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

A aposta de Valle (como mais tarde a de Torrente eoutr@s notáveis escritor@s de actualidade que aindateimam) mais o relega, segundo passam os anos, aolimbo dos fidalgos galegos de outrora. Os que sumiramGaliza sob as armas e as letras de Castela, incapazes defazer Galiza, incompreensíveis e incompreendidos naEspanha. O tempo, grande mudador, vai esfarangul-hando as referências, os gracejos contextuais, que ape-nas continuam a cobrar sentido desde Galiza (e a sualíngua). Permanece apenas um eco de música estranhae algum sentido oculto que se percebe intuitivamente.

Por isso custa encaixar Valle na geração do 98 hispana,na Espanha eterna e os seus mitos. Francamente, eu aler a crítica moderna (cada vez mais ousada na suaimaginação) imagino Valle dizendo: Permitam-me queme destape o crânio privilegiado ante a sua prosápia epetulância e envie "con buzcorona" reverência.

Mas, entrudo e tudo, cá estamos ante um problemacapital na compreensão da literatura e a cultura deGaliza. Há alguma cousa nos estudos literários que difi-culta a análise de muitas viradas de ritmo, de muitas"singularidades", de muitas analogias a respeito deexperimentos literários da França e a Alemanha, de sal-tos e reencontros afortunados, de diálogos e até das raí-zes mesmas da soberania estética que tanto procuramos.Muitos elementos que são mal compreendidos naGaliza e que arrastam os escritores galegos passados aCastela.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 8: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Valle, os esperpentos, a sua escrita "singular" de que seprocuram precedentes no México e na América moder-nista, na 1ª crise gloriosa e agônica da França decimo-nônica, quanto no expressionismo alemão parecemsentir-se mais cómodos na linha de escrita dupla daerudição galega em latim-castelhano-galego da Galiza(as prosas medievais históricas, o ciclo artúrico, oromanceiro e contística, Vasco da Ponte, FranciscoSanches, Gondomar, Gándara, Vicetto, Murguia,Rosalia...) quanto na portuguesa em português (FernãoLopes, Mendes Pinto, o padre Vieira, Anchieta,Almeida Garret, Anthero de Quental, Camilo Castelo-Branco, Machado de Assis...). Vicetto, a Rosalia emprosa (El Caballero de las Botas azules), Camilo Castelo-Branco (A queda de um anjo) e o Eça (a biografia deAnthero ou A Relíquia) semelham os modelos mais cla-ros e lostregantes da prosa de Valle.

Da minha perspectiva e curta estatura em "La Lampara"achamo-nos não tanto ante uma quebra com a escritaanterior dele como ante a reestruturação e análise damesma. Uma revisão desde a experiência humana e nacontemplação da Galiza, submetida agora a uma estru-tura formal atingida: a compreensão do próprio estilo ea proposta para o ajeitar em um plano grandioso queabrange o total da obra.

Tudo no plano original e no primeiro desenvolvimentoda "Opera Omnia" é importante. A estética, proposita-

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 9: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

damente um modelo d'Annunziano, esconde um jogode significados mais profundo. Subtil, sublime e à vezcanalha, como é a épica antiga. Onde os homens fazemparlamentos de altas razões e melodiosas línguas,criam mundos e reinos como deuses, fabricam belosobjectos com a mesma facilidade que assassinam ami-gos, rompem pactos, matam filhos ou se cegam dascousas dos outros até a tragédia.

Ao lermos Valle, livro a livro, em edições modernasencontramos uma fascinante escrita, uma luz profundae um humorismo desbordante, crítico, céptico, toleran-te, intransigente e erudito. Sólida razão e alta palavra,dissimulados em humor e cavalgando a toda sela dafantasia e a saudade.

Ética e estética, que o irá achegando do contestatarismoelegante do dandy à denuncia política, antimilitarista eantipoder, à par das bases. Périplo que enceta em "LosCuernos de D. Friolera" e "Tirano Banderas" e que seaponta sublime em "Luces de Bohemia" e atinge o seucume no fragmentar "El Ruedo Ibérico".

Não se percebe, porém, o sentido total, salvo na leiturae compreensão da obra como ele a dispõe. A solidezestrutural de um conjunto onde todos os elementosfazem justa parte. Isto é difícil no livro a livro e nas edi-ções a dispor. Mas, chega apenas com colocar as ediçõesprimeiras numa prateleira para ler na estética de letraantiga das lombadas um complexo efeito estético.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 10: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Uma vez isto percebido, já podemos debruçar-nos naevocação, do estilo anterior de Valle "o moço". A imita-ção de Chateaubriand, o que canta para a memória afim da Bretanha e da França antiga. Valle, sempresedutor, testemunha e imagina a tradição e a memóriadum paço galego povoado tanto por sombras antepas-sadas quanto pola mais notável erudição aventureira.Gozar em como se pintava naquela auto-biografia céle-bre:

Este que veis aquí, de rostro español y quevedesco, denegra guedeja y luenga barba, soy yo: Don Ramón Maríadel Valle-Inclán. […]Aquel mismo día la fragata diofondo en aguas de Veracruz y desembarqué en aquellaplaya abrasada, donde desembarcaron antes que puebloalguno de la vieja Europa los aventureros españoles. Laciudad que fundaron, y a la que dieron abolengo de valen-tía, espejábase en el mar quieto y de plomo, como simirase fascinada la ruta que trajeron los hombres blancos.Confieso que en tal momento sentí levantarse en mi almade hidalgo y de cristiano el rumor augusto de la historia.Uno de mis antepasados, Gonzalo de Sandoval, había fun-dado en aquellas tierras el Reino de la Nueva Galicia. Yo,siguiendo los impulsos de una vida errante, iba a perder-me como él en la vastedad del viejo Imperio Azteca,imperio de historia desconocida, sepultada para siemprecon las momias de sus reyes, entre restos ciclópeos quehablan de civilizaciones, de cultos, de razas que fueron ysólo tienen par en ese misterioso cuanto remoto Oriente.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 11: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Después abrid Santillana un paréntesis aquí, y poned en él de mí cuanto más os diere gana.

(Em Alma española, Madrid, 27 de diciembre de 1903,Año I, número 8, página 7)

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 12: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Aqueles negros Montenegros, altivos, violentos e rai-vosos como lobos, encerrados em pequenos espaçosque lhes não chegam e os viram destrutivos como sen-hores de forca e cutelo. Camponeses sábios como gre-gos, velhas que encriptam os fundos mais profundosda memória colectiva, meigalhos, sabedoria humanainteira. Altas senhoras de cortesia antiga, bispos sábiosem almas e amores, purpurados dados aos latins e aconspirações, aventureiros fidalgos e homens demundo que rememoram entanto aguardam a morteentre remorsos, passados lascivos e melancolia em jar-dins românticos. A Galiza dourada do Renacimento eprimeiro Barroco que atingiu o século XX.

Solpor das rias e os rios, da terra e as leis antigas, dossenhores devanceiros e das casas vinculeiras de linha-gens não menores em 900 anos. Um mundo a derramar-se, pinga a pinga, como a palavra que o sustem, desdehá muitas gerações. Brasões de heráldica remotíssimacomo águias e graais. A velha Galiza que é uma civili-zação em si mesma e da que Valle acredita ser um dosderradeiros.

O conjunto da "Opera Omnia", perde-se com o evoluirdo próprio Valle e com as exigências humanas e domés-

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

II. De mitos familiares e da memóriacolectiva.

Page 13: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

ticas a que o viver sujeita. Mas o projecto original égrandioso. Esses jogos estruturais, aquelas referênciaseruditas, a alegoria continuada, a humanidade desbor-dada e o sentimento, o humor, os narradores: compará-vel apenas ao do autor do Quixote. A obra vai-se refor-mulando como um conjunto, em constante adaptação.Uma Galiza intemporal que existe nas "Divinas pala-bras" à vez real e figurada, congela-se na obra comomemória.

Até finais da década de vinte os livros da "Opera" con-seguem manter esse aspecto de encadernação como empergaminho antigo, com a tipografia manual e clássicana lombada, ainda que passam por diferentes ordena-ções na procura de uma melhora estrutural do signifi-cado conjunto. Os próprios textos são constantementetrabalhados e refeitos na procura da perfeita fórmulaassociativa do ritmo à idéia. Essa música antiga emoderna, essa saudade remota que tudo invade corro-siva como esperpento.

Apanha deste jeito um sentido infinito cada elemento.As ilustrações, a tipografia escolhida é pertinente, asilustrações são chaves do cifrado. A portada comumtem um alto simbolismo não apenas um efeito arcaizan-te: a frondosa árvore cheia de fruitos, de maçãs(?) ou dasabedoria como tentação(?). Já, na primeira dentro destevolume I temos Valle sentado a ler num livro antigo(que põe "La Lampara maravilhosa") como num jogo deespelhos de Borges ou Michael Ende.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 14: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Agasalhado, num poncho pratense, ao fundo o escudoantepassado (que é o de Bradomim noutro dos livros),armas mouriscas como troféus, o quinqué das leituras,a pena antiga, o escritório lavrado, os livros selectos eantigos nas prateleiras, sentado num sólido cadeirão,diante de uma mesa e mobília de aspecto atemporal.

Os estudiosos lêem este livro de muitos jeitos, algunsatrapalham-se na forma e percebem apenas as palavras,procurando significados e conteúdos gnôsticos e místi-cos, e tratam de descifrar a infinita erudição de Valle,outros procuram significados profundos e ocultos, e osmais tratam de analisar a obra desde simbolismosmodernistas carregados de espiritismos, ocultismos erevelações. Podemos dizer que, apesar da muita edóticados últimos anos, a perplexidade da crítica é unânime.

Para mim, porém, é mais doado de ler se a entendemoscomo formulação teórica da tentativa estética, humanae soberva de um galego, filho do seu tempo, de alta fan-tasia, verbo incendiário, humor corrosivo, leitor inson-dável e possuidor de uma memória metafórica muiantiga.

Ainda que os contratos para a edição da Opera Omniajá são de 1913, a obra sai a lume em 1916. Valle fai 50anos nesse ano, e ainda que já era um escritor reconhe-cido e figura notável (publicara tanto os textos elegantesdo Jardin Úmbrio e Cofre de Sândalo, o ciclo das Sonatas, e

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 15: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

as Comedias bárbaras, e alguma das peças teatrais maissimbólicas) perdera prestígio e passo na altura. Mas,com esta obra a trajetória enceta uma virada inespera-da de que sairá uma das melhores prosas europeiascom conteúdos do XX.

Valle refugiara-se daquela na Galiza e vivia retirado nocampo qual Ovídio fora de Roma, em Cambados, naPóvoa do Caraminhal, com visitas freqüentes aSantiago entre 1912 e 1923. Nesta passagem pola ori-gem está essa "revelação" filosófica tão funda e moder-na. Na contemplação de paisagens e falas (que se desta-ca no início e em toda parte do livro).

Eis como o projeto, semelha originado da consciência dofim do galego, do fim da língua, da Galiza mesma e dojeito galego de enxergar o mundo, coincidente com o seupróprio fim como escritor e humano que se anuncia.Uma revelação da identidade que se transforma, cons-ciente ou inconscientemente, em revisão do seu projectomais antigo, desesperado e grandioso: invadir o castelha-no, forçá-lo na sua estruturação para convertê-lo emespanhol. Uma maneira complexa de preservar de algumjeito a identidade e de ressuscitar à vida literária.

[…]Y en latin galaico cantan como en Geórgicas, las faenasdel campo com mitos y dioses, presididas por las fases dela Luna, regidora de siembras, de ferias y de recolecciones.Tres romances son en las Españas: Catalán de navegntes,Galaico de labradores, Castellano de sojuzgadores. Los tres

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 16: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

pregonan lo que fueron, ninguno anuncia el porvenir.Toda mudanza sustancial en los idiomas es una mudanzaen las conciencias, y el alma colectiva de los pueblos, unacreación del vebo mas que de la raza. Las palabras impo-nen normas al pensamiento, lo encadenan, lo guian y lemuestran caminos imprevistos, al modo de la rima. Losidiomas nos hacen, y nosotros los desacemos.[...] tristedestino el de aquellas razas enterradas en el castillo hermé-tico de sus viejas lenguas, como las momias de las remotasdinastías egípcias, en la hueca sonoridad de las Pirámides.Tristes vosotros, hijos de la Loba Latina en la ribera detantos mares, si vuestras liras no quebrantan todas las cade-nas com que os aprisiona la tradición del Habla. ¡Y mástriste el destino de vuestros nietos, si en lo porvenir noengendran dialectos suyos, ciclos e una nueva concienciaen la lengua de los Conquistadores! Al final de la EdadMedia, bajo el arco triunfal del Renacimiento, estaba lasombra de Platon meditando ante el mar azul poblado desirenas. ¿que sombra espera bajo los arcos del Sol al fin deNuestra Edad?

V. En la ética futura se guardan las normas de la futuraestética. Tres lámparas alumbran el camino: Temperamento,Sentimiento, Conocimiento

Aliás, "La lámpara maravilosa" é uma análise mui pro-funda do próprio estilo e da peregrinação estética e gnós-tica de um autor até conseguir fixar as vozes que o aba-lam num estilo maduro. Uma peregrinação estética deintrospecção e recuperação do jeito galego de narrar: ale-

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 17: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

goria, memória, cepticismo, sabedoria, ritmo, e gostopola palavra evocadora. Paul Valery escreveu durantequase 50 anos os Cadernos num exercício de estilo inin-terrompido do que abrolhou o "império escondido" dasua mente. A luita por uma escrita, por um estilo, poruma voz é uma carreira complexa, lenta e dolorosa. "Lalámpara" contém como nenhum outro texto, tirando oFinnegans Wake, uma poderosa evocação da construc-ção do estilo sendo em si próprio práctica, exemplo egrimório, da escrita.

Texto de muito fôlego. Precedido por um prólogo eestruturado em partes que termina com uma sentênciaou norma. Inicia um moço que fala tentado por ambas asglórias aventureiras e literárias. Que escuita vozes atávi-cas que o rebordam e perseguem até que aos trinta perdeum braço. Sume em si mesmo e na maior derrota criauma Estética. Narra a formação literária numa lingua-gem de alegoria mística e penitente, até encontrar umaprimiera voz.

A sua primeira parte intitula-se: "El Anillo de Giges". Cáencerra-se a primeira das revelações. Na alvorada da suavocação encontra-se desesperado para expressar o quesabe o segredo esotérico das cousas que encerram aspalavras. Na constante rebusca em tensão nervosa, éticae estética, através da contemplação leitora e humana con-segue espertar, e o que esperta é a visão da infância:

En esta rebusca, al cabo logre despertar en mi desconocidas

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 18: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

voces y entender su vario murmullo, que unas veces meparecía profético y otras familiar, cual se de pronto elrelámpago alumbrase mi memoria, una memoria de milaños.[…]Otro dia conseguí concretar la forma de mi Daemonium.Ya lo habia entrevisto cuando niño, bajo los nogales de uncampo de romaerías: Es un aldeano menudo alegre y viejo,que parece modelado con la precisión realista de un bronceromano, de un pequeño Dionisyos.[…] Cuando logré concretar esta figura, tantas veces entre-vista bajo el pabellón de mi cuna, creí llegado el momento.Todas las larvas de mi reino interior eran advertidas, lassentia removerse como otros tantos arcanos, y habia apren-dido a oir las voces más lejanas.

Manuel Murgia, mestre e modernista primeiro, mefisto-félico e perversor genial de almas estéticas para a causade Galiza, já apresentara em prólogo fulcral o novo ValleInclán em Femeninas 1895 (uma série de 6 relatos emmarcos detalhadíssimos com um ponto cortês e erótico)como galego de ilustre família: "um dos nossos":

[...] hijo de su tiempo, pero así mismo hijo de Galicia, sonen el manifiestas las condiciones especiales de los escrito-res del país. El sentimiento le domina, conoce la armoniade la prosa que aquí se acostumbra y no es fácil fuera:prosa encadenada, blanda, cadenciosa, llena de luz; prosapor esencia descriptiva y 'a la cual solo falta la rima. Y noes solo esto, sino que conforme con el espíritu soñador del

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 19: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

celta, despunta los asuntos, no los lleva á sus últimos lími-tes; levanta el velo, no lo descorre del todo, dejando elfinal -como quien teme abrir heridas demasiado profundasen los corazones doloridos- en una penumbra que permiteal lector prolongar su emoción y gozar algo más de los queel autor indica y deja en lo vago, y el que lee tiene dentrodel alma […] (Manuel Murguia, Prólogo, Ramón delValle-Inclán: Historias perversas, Barcelona: Mauci, 1907)

O texto de Murguia tem algo de ironia, algo de segredode família compartido (quem sabe das vidas secretasdaqueles altos poetas) algo de profético, a constataçãode uma maldição e um destino pressentido.

E tanto. Giges era servo do Rei da Lídia. Um dia, nolugar onde pastoreava o gado do seu senhor, sentiu umterramoto que abriu um poço abissal. A curiosidadelevou-no dentro e achou lá cousas remotas e estranhas:um enorme cavalo de bronze, que era um sartego onderepousava um gigante que tinha na mão um anel deouro a que se não podia resistir.

O pastor apanhou o enorme anel que minguou ao seudedo. E voltou à superfície. O anel tinha a capacidadede fazer invisível (discreto como humor galego) o porta-dor. Isto serviu o possuidor do anel para ir ao paço doRei, aquele tirano, matá-lo e seduzir a rainha, para sub-verter a ordem e criar uma nova. Este mito aparece porprimeira vez em "A República" de Plato (que muito gos-tava de metáforas cavernosas).

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 20: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

A parte II é nada mais e nada menos que "El milagromusical". Um pensamento que começa ao disparatefalando de monstros clássicos como de banda desenhadada Dark Horse, mas em Bizantino, apenas para dizer muisério:

en ningun dia del mundo pudo el hombre deducir de sumente una sola forma que antes no estuviese en susojos"[…]lo que no está en nosotros larvado o inconsciente, jamásnos lo darán palabras ajenas. Aquello que me hace distintode todos los hombres, que antes de mi no estuvo en nadie, yque después de mi ya no será en humana forma, fatalmenteha de permanecer hermético. Yo lo sé, y sin embargo, aspiroa exprimirlo dando a las palabras sobre el valor que todos leconceden, y sin contradecirlo, un valor emotivo engendradopor mi[…]El poeta há de confiar a la evocación musical de las pala-bras todo el secreto de esas ilusiones que están más allá delsentido humano apto para encarnar en el número y en lapauta de las verdades demostradas. Las palabras son humil-des como la vida.

Onde se associa, seguindo a Sarmiento talvez, poesia emúsica. Ou a capacidade das línguas para emitir da har-

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

III. A música da língua e a longa filo-sofia do amor cortês.

Page 21: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

monia herdada o pensamento. Pois "Cada léngua contie-ne el pasado de su gente".

IV. El idioma de un pueblo es la lámpara de su Karma.Toda palabra encierra un oculto poder cabalístico: es gri-morio y tentáculo.

Luita Valle neste trecho contra a prosa castiza, nega acastelhana e promove a volta a umas origens míticas deum Espanhol de conquistadores e navegantes quesemelha suspeitosamente galego nas raízes.

"Exégesis trina" é o Valle herético, hermético e maisfunambulista. Erudito polas glórias do mito, mestre daalegoria cristiã e pagã, da teologia e da tragédia grega.As visões e estéticas do mundo que se reúnem no con-hecimento como revelação num "fim d'amor". O camin-ho do amor que é o da vida ou da cavalaria. A primieraparte de Le Romam de la Rose (où l'art d'aimer est touteenclose), o belo texto de Ovídio (Ars Amandi) lido a tra-vês dos olhos de Andreas Capellanus (De Amore), aliteratura amorosa medieval nossa, a sabedoria cortêsdo amor que é longa como a arte, transpiram cá comoecos de alguma notável paixão humana.

O centro do livro, dos textos, normalmente é a parteque os autores galegos (talvez por mera experiênciaante uma humidade ambiente que nos legou apenas ocentro dos livros mais antigos) reservam à significaçãoprofunda. Talvez é de amor, de experiência humana,

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 22: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

apenas de que fala Valle ao despiste estético.

Tres son los transitos por donde pasa el alma antes de seriniciada en el mistério de la eterna belleza: Primer tránsi-to, amor doloroso: Segundo tránsito, amor gozoso: Tercertránsito, amor com renunciamiento y quietud.I El amor es un círculo estético y Teologal, y el arte unadisciplina para transmigrar en la esencia de las cosas ypor sus caminos buscar a Dios

A rosa é a do amor cortês de Guillaume de Lorris, ale-goria eterna de Amor dividida em tríada que revela ospassos aqueles do amor cortês: "fenhedor, precador,entendedor" para voltar -havendo sorte- a carnalidadesatírica do "drudo". Mas Valle reelabora o ciclo comdetalhe perverso e engado do sábio Arentino.

A rosa erótica é da perpetuación carnal que nos revelao passado, o presente e o futuro a um tempo, nado dochoque dos contrários: Contemplação e conhecimento emúsica pânida. Rosa erótica, Rosa de sangue"plena deamor y plena de posibilidades", porta do conhecimento:

Panteísmo y Quietismo son aquellas dos columnas simbó-licas que estaban a uno y otro lado de la magna puerta, enel templo cabalístico de Salomón: Estas dos columnasrepresentan en la doctrina oculta de los magos caldeos, losmisterios del antagonismo, y la lucha entre el hombre y lamujer, porque según la interpretación hermética, la mujer

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 23: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

debe resistir al hombre y el hombre debe fascinarla parasometerla. […]¡Y las dos columnas simbólicas se unieron bajo la curvadel arco! ¡y entre los dos iba un camino de estrellas!Desde aquel dia de amor, quien buscó una orientacióncierta para llegar a conocer intuitivamente, fue por estecamino siguiendo las pisadas y la sombra blanca deCristo redentor. No hay otra verdad que las celestialespalabras con que se cierra el libro cabalístico de La tablade Esmeralda: Te doy el amor en el cual está contenido elsumo conocimiento.-Sólo el corazón que ama milagrosa-mente todas las cosas, solo la mano que bendice, puedeenlazar el momento que pasó con el que se anuncia, ydetener el vuelo de las horas.

A rosa clássica, da conciliação e harmonização de con-trários, enlace das formas contrárias. Anuncio de res-surgimento nado da dor de entranhas desgarradas dePrometeo,o rebelde contra os deuses. Lavra de remotocanteiro ogival e místico.

Todo el renacimiento Italiano aparece imbuído de esteconcepto metafísico, que el mundo antiguo habia tenidosu mas hermética alegoria en los mitos de sirenas y cen-tauros. Pero Leonardo da Vinci, mas sagaz, busca el idealestético en la expresión ambígua: El nacer y el declinar dela sonrisa, es el sutil cometario que exprimen sus pincelessobre la boca de la Gioconda.[…]La rosa clásica, maravillosa armonia de antagonismos, nos

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 24: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

llega de los azules y estrelados campos donde amam losdioses. La trae en el pico el cuervo de Prometeo. Todoenlace es amor, y el clasicismo fue en el orden de labelleza el anuncio de La Ley de Gracia.

A rosa enigmática, a do matiz e a subtileza dos senti-dos, é a terceira. Esta apenas aponta, anuncia o saber,que é a palavra, entre vida e morte:

El matiz, modo el mas sutil de amar la belleza, es intui-ción quietista que intenta el conocimiento de todas lascosas por aquella condición que no muda en ellas, ybusca necesariamente al hombre en el secreto de su con-ciencia, como él se busca a si mismo, y en la responsabi-lidad que le hace eterno para el enjuiciamiento de Dios.Conocer las cosas en su eternidad, es conocerlas en unsentido divino. El arte arcaico las buscó en la eternidad delas formas, el clássico en la eternidad el amor que todo loenlaza, el místico en la eternidad de conciencia. Pero esta sierpe de orgulo que hace sus anillos de nuestrashoras, es lo más difícil de conocer y definir. Apenas sabe-mos balbucear el secreto sentimental que nos hace distin-tos, porque quando creemos vivir para nosostros, vivimospara la especie. Nos guia su instinto lo mismo en el dolorque en el deleite. Conocemos con un conocimiento quebusca la razón de utilidad, y esclavos del impulso obscurodel eterno semen, no podemos descifrar el sentido esotéri-co del mundo. Para llegar a tan sutil y transcendente esta-do hay que amar todas las vidas como ellas se aman, yconocerlas fuera de los sentidos, como ellas se conocen,

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 25: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

en un supremo alejamiento de cuanto a nuestros finesdice utilidad.[…] Pero nunca sabremos de nosotros mismos, sinorecordando y mirando atrás.

As três rosas confluem num discurso complexo, profunda-mente filosófico, simbólico e erudito. Plutarco, o últimodos délficos e primeiro dos modernos não testemunhariamelhor a passagem. Um mundo cai aos filósofos moder-nos. Schopenhauer e Nietzche testemunham como Valle odesconcerto e a alvorada. Uma filosofia inteira e fascinantedo mundo novo e quase um texto elegíaco de uma religiãoantiga. Eclético mas mui profundo.

O texto recolhe trechos e metáforas que nos levam a mui-tos sítios (nos que temos entrado a ler em qualquer tempoe vida) de profunda inspiração comum: a novela artúrica eas formulações modernas dela: Chateaubriand, J. Keats,Lord Dunsany, Pondal, Tolkien, Lousada Diéguez,Cunqueiro, Ende, Ferrin J.K. Rowling...

Jorra cá uma ladainha antiga, uma voz ancestral e profun-da como memória: a procura, a queste graalica, as vozes eos caminhantes, o caminho: Mais Alá!, Mais alá! sempre (cáa paródia sublime Manoel Antoniana). Detidos apenas porum oceano (à espera da invenção -isto era emCaminhantes- do transatlântico). Um conjunto filosófico-mítico em que se resumem as crenças e lendas do galego,nessa filosofia contemplativa e rebelde que entronca quemsabe onde e se testemunha desde Prisciliano talvez:

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 26: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

[..] Pero durante la noche, em el gran silencio del mundo,los hombres se sintieron sobrecogidos por el enigma desu Destino. Un enigma rudo como aquel primer senderoque abrian peregrinando sobre la tierra, para llegar a losReinos del Sol. Desde entonces el pensamiento del maña-na se hermanó en cada una de sus jornadas con el pensa-miento de la muerte y fue creciendo con ellas. Aquel pri-mer sendero abierto en los bosques abria otro sendero deluz en la conciencia de los hombres. Y aún cantaba latribu nómada: ¡Más Allá!¡Más allá! Ninguno llevaba elcuento de las jornadas. Debia hacer mucho tiempo queperegrinaban, porque el enigma de la muerte empezaba acubrir sus almas,[…]

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 27: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

El quietismo estético. Das linhas apontadas (paisagem,língua, Daemonium em forma de avó (mestura de filó-sofo céptico e petrúcio rural, experiência e sentimento)é nesta parte que se explicita o desafio de Valle. O con-traste que se estabelece entre dous quietismos fascinan-tes e alucinatórios: Toledo e Compostela.

TOLEDO ES VNA VIEJA ciudad alucinante. Yo he sen-tido bajo sus arcos que se desmoronan el paso de lamuerte la densidad de los siglos, el fluir continuo de lashoras como arena de reloj..[…]

Toledo es a modo de un sepulcro que guarda en su fondohuesos heroicos recubiertos con el sórdido jirón de lamortaja, y cuando todas sus piedras se hayan convertidoen polvo nos parecerá más bello, bello como un recuer-do.[…]El encanto del tiempo pasado está en la quietud con quese representa en el recuerdo. Así las viejas y deleznablesciudades castellanas, son siempre más bellas recordadasque contempladas, ciudades como aquellas desaparecidashace mil años, las que nunca hemos visto, y las mismasciudades malditas castigadas y abrasadas por el fuego delseñor.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

IV. Voz individual e cartaz de desafiodo moucho

Page 28: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Nesta parte nada é casual. Cá se esconde uma luitamui antiga. As duas cidades, simbólicas da idéia deEspanha, enfrentam-se desde há mais de Mil anos(num tempo também Braga concorria) pola preeminên-cia simbólica e o primado religioso. Uma luita que nosretrotrae a antes do mesmo Gelmírez.

Mas há mais, desde a última década do XIX, Toledo e"el Greco" estão a ser empregados, junto com Madrid,Granada, a Meseta e o Guadarrama, polo pensamentoespañol nacionalista liberal da ILE, do 98, da Escuelacastellana e da geração do 14. Giner, Unamuno, Azorín,Menéndez Pidal e Ortega. São com a paisagem deCastela e a exaltação de uma continuidade lingüísticafantasiosa desde o Romancero popular, os símbolosmísticos e cifra histórica da Espanha monolítica.

Deste magma nacionalista, desta invenção místico-míti-ca, na que participará também o esoterismo nacionalistade Rosso de Luna (El Jardin de las Hespérides) e o pensa-mento político (António Maura) nascerá a literatura, amúsica, a pintura e o pensamento espanhol da Idade dePrata. Pensamento e idéia de Espanha "moderna", forte-mente alicerçado no nacionalismo político e culturaldecimonónico. Com estas bases pretenderá-se uma revi-são completa e estruturada da Espanha como Nação eda sua história mixtificada. O que, com a inestimávelachega do franquismo, ainda predomina.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 29: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Entre 1900-1915, Toledo e El Greco são símbolos e pen-samento motor da música, a pintura e a literatura daEspanha nova e ibérica. Unamuno, Azorin, D'Ors eOrtega, árbitros e modelos da mocidade, impelem acabalo das suas poderosas metáforas esta mitologia, àsque a ILE, Menéndez Pidal e os seus discípulos dãoarquitetura teórica moderna e germânia pseudocientífi-ca. Conjunto a que nenhum moço com aspirações inte-lectuais se resiste. Até o ponto que, como mais tardeconfessaram Otero e Castelao, conheceram-se emToledo, a tentar cada um pola sua banda, entender-sena contemplação de um óleo do Greco.

Este processo coincide com o momento em que Vallecomeça a perceber a perda de peso dele na cena literá-ria, o arcaizante do seu look e da máscara sua. Ele per-cebe rápido que a virada no pensamento espanhol caraum modelo de exaltação castelhana, não é cousa passa-geira. E ele não casa neste ambiente. E sai da cena.Torna à Galiza rural para tentar converter-se num agri-cultor.

A Valle como ao lorenês Maurice Barrès (figura esqueci-da mais capital na passagem de século) empeçam a pas-sar-lhe factura os anos e o desgaste da sua máscaraarcaizante; é evidente. Entanto as figuras de Ortega e deXenius em Catalunha emergem como cometa.

Como o autor do Culte du moi (1888-1891), Valle preten-de também esse papel heróico, individualista, orgulho-

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 30: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

so, saudoso e polemista "Prince de la Jeunesse", provo-cador e revulsivo construtor de uma estética individualde culto, desde a trincheira dos cafês e no ambienteliterário. A sua obra anterior é como a de Barrès, fundaraigame conservadora, também musical, elástica, indi-vidualista, autocompracente e tremendamente sensual.

Como Barres será também julgado polos seus contem-porâneos que já encetam a enxergar o superrealismo eas conseqüências da grande guerra a que o verboincendiário de Barres (deputado e intelectual) arrastara.A virada de Valle em atitude política e estilo ainda osalva. Porém, como não ler em Mais Alá! (1922) ecos dojulgamento chefiado por Breton contra ele em 1921?

Mas Valle há saber eludir essa queda, reformulando-secomo máscara e escritor. Ou apenas numa volta regene-rativa que lhe chega para remendar a máscara peliquei-ra ancestral.

Mas, no que respeita o resto do ambiente culturalespanhol são anos agitados. O "salto nacionalista" é muiforte a partir de 1905 e continuado até 1915 e logoexplode a partir de 1923. A RAE chefiada por AntonioMaura interfere para declarar o castelhano a única lín-gua oficial da Espanha (conseguirá com o apoio inesti-mável de Pidal e Primo de Rivera que o castelhano sejachamado oficialmente "espanhol" em 1925). Da parte daCatalunya e da Galiza há uma reacção que termina noparlamento em 1915-1916. Neste contexto é que o cha-

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 31: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

mado de Vilar Ponte e Ribalta dá como efeito inespera-do a criação da Irmandade dos amigos da fala.

Quatro vezes cantou o moucho galego contra asdemais aves solares da Espanha na idade antiga. A pri-meira entre 1600-1620, antes da grande catástrofe a quea política pancastelhanista dos Validos, contrária à tra-dicional da Galiza, arrasou Espanha. A segunda entre1800 e 1846, contra o centralismo primeiro. A terceiraentre 1850-1871, contra o nacionalismo espanhol isabe-lino. E a quarta em 1916-36, antes da obsessão naciona-lista castelhana. Todas as quatro repressentam a Galizahumanista, liberal, setembrina e republicana, o erasmis-mo, o afrancesamento, o republicanismo, o librecambis-mo. A anti-Espanha, ou a Espanha que não é, em essên-cia.

E Galiza, fénix, ressurgiu tantas vezes das suas propriascinzas. E ressurgirá entanto seja em si mesma uma cul-tura. Por isso ressurge Valle e escolhe Compostela,como modelo simbólico: "Rosa mística de piedra". Umdesafio, como não se ouvia desde os tempos do Mouchode Lemos: Toledo é morte, velhice , alucinação, securase pó, Compostela é vida, auga, eternidade, frescura,solidez.

DE TODAS LAS RANCIAS CIVDADES ESPAÑOLAS,la que parece inmovilizada en um sueño de granito, inmu-table y eterno, es Santiago de Compostela. La ciudad delas conchas acendra su aroma piadoso como las rosas que

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 32: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

en las estancias cerradas exhalan al marchitarse su másdelicada fragancia. Rosa mística de piedra, flor románicay tosca, como en el tiempo de las peregrinaciones conser-va una gracia ingenua de viejo latin rimado. […]En esta ciudad petrificada huye la idea del Tiempo. Noparece antigua, sino eterna. Tiene la soledad, la tristeza yla fuerza de una montaña. Sus piedras no exhalan esaimpresión de polvo, de vejez y de muerte que exhalan lasruinas de Toledo.[..]Compostela inmovilizada en el éxtasis de los peregri-nos, junta todas sus piedras en una sola evocación, y lacadena de siglos tuvo siempre en sus ecos la misma reso-nancia. Allí las horas son una misma hora eternamenterepetida bajo el cielo lluvioso.

A fim desta parte dialoga a respeito do prólogo estéti-co. Uma espécie de Leixa-prém de idéias estéticas quetermina numa declaração fundamental sobre a perspec-tiva. Mirar tudo com os olhos de outrem e de todos,amar as cousas com todas as codicias possíveis:

Peregrino del Mundo si miras con todos los ojos amaráscon todos los corazones, y tu intuición será teologal.

E deste jeito, como o Galaaz de Cabanillas entrava naGaliza, chegamos, desocupado leitor, à mensagem ful-cral da "Lampara" lida através dos meus olhos. A recu-peração da infância e a anulação do apreendido, doorgulho intelectual tanto como das sobervas humanas, apercepção do mal nosso e dos erros infinitos. Uma sabe-

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 33: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

doria antiga e clássica. Evocada através do neno queaprendia latim com um clérigo aldeão e escuitava oscontos de uma velha cega:

Sus cuentos nunca sucedian en el mundo de nuestros sen-tidos. Tenian un paisaje translúcido. Eran relatos campe-sinos que convertía en mitos el alma milenaria de aquellaaldeana ciega, parecian grimorios imbuidos de podercabalístico, tan religioso era el respeto que ponía en elsigno de algunas palabras. Las figuras, el ondular de losropajes, el rumor de las pisadas, el temblor de las almas,las vidas y las muertes, todo estaba lleno de taumaturgiay de misterio. Emanaba una sensación de silencio deaquellos relatos forjados de augurios, de castigos, demediaciones providenciales, y el paisaje que los ojos dela narradora ya no podian ver, tenian la quietud de lasimágenes aprisionadas en los espejos mágicos.[…]El alma de la ciega era como un caracol marino lleno deresonancias, oía las voces de cien generaciones, estaballena del rumor de los maizales, y los cuentos que contabaparecian nacidos a lo largo de las veredas bajo el influjode la luna

La piedra del Sabio. A intuição da morte, dispara aconsciência, os remorsos da vida apenas marcada polossentidos e as necessidades. Nesta altura do caminho onarrador contempla a própria vida e obra e de ambas seespanta. Desenvolve-se desde Zenon de Elea e a procu-ra estética uma curiosa percepção do tempo como relati-vo.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 34: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Del error con que los ojos conocen nace la falsa ideologíade la línea recta y todo el engaño cronológico del mundo.El Tiempo es como una metamorfosis del rayo del sol, uninstante que vuela, mínima intuición de la esfera espacialy luminosa, como es la línea recta un punto que vuela,mínima intuición de la esfera geométrica y tangible.Siempre engañados, siempre ilusionados, nuestros ojosquebrantan los círculos solares para deducir la recta delrayo. Y paralelamente la conciencia quebranta el círculode las vidas para deducir la recta del Tiempo: considera-mos las horas y las vidas como yuxtaposición de instantes,como eslabones de una cadena, cuando son círculos con-centricos al modo que los engendra la piedra en la laguna.

Navega Valle entre evocações, sentimentalidades, pai-sagens e contemplações de belíssimas páginas: a vidaenteira,a dor, a análise e a ressurreição. Termina o livroem fervenza poderosa de palavras:

El arco del circulo basta para deducir el centro, y deduci-do el centro el círculo está cerrado: Tal es el fundamentode la Astrología como la enseñaba el viejo AlbertusTheutorius. Y es gran verdad que los ayeres guardan elsecreto de los mañanas. Si volvemos los ojos a lo quepasó, sabremos lo venidero, pero no será sin evocar todanuestra vida y desandar los caminos llorando sobre ellos,porque sólo en este dolor y en este arrepentimiento se des-pierta la conciencia y alumbra la luz del más alla…[...] Peredrino del Mundo, edifica tu ciudad espiritual

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 35: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

sobre la Piedra del Sábio. Hermano, pálido adolescentelleno de inquietud y de dudas, haz alto en el camino,aprende a ser centro y alma solitaria sobre el monte.[…]Peregrino sin destino, hermano, ama todas las cosas en laluz del dia, y convertirás la negra carne del mundo en elaureo símbolo de la piedra del sábio.

Para além das palavras e das crenças estéticas e da eru-dição burlona de Valle, considero que temos cá umconjunto que é uma análise soberba do jeito em que osgalegos escrevem, uma enorme cantidade das suasmetáforas e referentes e de parte da sua cosmogoniatradicional.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 36: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Seja o que for realmente, "La lámpara" é uma declara-ção de soberania estética de Valle. Desde Galiza, massem o galego. A tradição do discurso literário, dascrenças também políticas das elites da Galiza antiga:em Espanha, mas contra a Espanha literária, religiosa epolítica que querem fazer as elites espanholas.

Um caminho que a experiência tem demonstrado ondeleva: a destruição da Galiza cultural e da sua originali-dade. Mas a "Lámpara" tem para mim uma chave mais,é um farol que permite fixar-nos num salto possívelpara o futuro com a tradição.

Até agora estamos repetindo ciclos já velhos, de jeitoindividual, geração e geração nos últimos dous séculos.Não podemos romper com a tradição para inovar, poisseica não temos tradição contra e desde a que inovar(realmente não a vemos). Os mais políticos têm preten-dido criar uma tradição (uma língua) e um projetonacional para mais adiante agir contra e desde ele. Masnão há tempo nem forças.

A integração no sistema espanhol castelhano é evidentee histórica, mas é à vez incómoda neste projeto naciona-lizador (que prescinde dela e nega-no-la como partecentral da tradição). O agachar de forma continuada a

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

V. Notas para um aproveitamento dolume

Page 37: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

pertença cultural a Espanha é um dos maiores proble-mas à hora de compreender parte do discurso literáriogalego histórico e moderno. Pois, a literatura galegaexiste a várias vozes (nalgum caso como Rosalia quedialoga a través dum jogo complexo aBBa que lhe dáum sentido de conjunto).

O desocupado leitor agora mesmo estará a sofrer e apensar em me dizer: Não!, Ernesto, aí já não! Para ondevas que te despenhas! Ainda e sendo entrudo, Não!

Mas, caro leitor, isto é deste jeito. Mas, não só. A nossacultura faz parte de duas tradições: numa quer inte-grar-se, mas com uma independência impossível. Naoutra, para a que não olha continuadamente, faz partetroncal. Pois, as "formas" que escrevem em paralelo aosistema literário do castelhano dialogam com as "for-mas" da parte central da tradição literária portuguesatambém agachada.

E com o português dialogam tanto através das manifes-tações próprias da erudição galega como das da litera-tura popular. No XIX, nas asas do romantismo naciona-lista e folclórico o que se produz é uma fusão lógica (eexplosiva) das duas ponlas da cultura galega que seretroalimentam e criam um espaço de rotura inexisten-te, um novo caminho na soberania, mas que permane-cem por causas políticas e históricas (e retrotraem emaudácia desde 1875) nesse ir onde não e nesse não ironde sim.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 38: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

O Rexurdimento é o primeiro passo consciente de umarealidade antiga e de um coletivo vivo que ainda está.Defesa, como efeito da pressão do nacionalismo espan-hol. Uma de tantas reagrupações ao longo dos últimosséculos.

Cada vez estou mais certo que a soberania estética daGaliza, que é o que cá propõe Valle para ele (ocultandoque é a forma do colectivo), é mui antiga, sejam os tex-tos escritos em latim, castelhano, mistura ou galegodialectal. E o que está a acontecer agora é que aindaque aparentemente estejamos a ganhar soberania e usodo galego culto, estamos perdendo.

Pois, a soberania não é uma cousa que se inicie no XIX.Quando no Rexurdimento começam a cantar os gran-des mestres fazem com uma voz madura e independen-te, carregada de liberalismo, latines humanistas, comdestacada francofilia e muito mais próxima (reinterpre-tada) do pensamento filosófico e literário de Portugalde fins do XIX (clássico e minhoto dos Camilos,Anthero e Eça) do que se quer acreditar.

Compreender isto permite entender e ampliar o conjun-to, estabelecer os diálogos, fixar as cronologias, as conti-nuidades, as metáforas, permite também entender opercurso cultural e político de Galiza com lógica. À vezque, precisamente, achega o argumento mais sólidopara uma possível virada de rumo. Sair da contraco-

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 39: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

rrente (Espanha) que nos encerra a prol de águas maistranqüilas, onde a corrente tira ao nosso favor(Lusofonia) para mares nunca dantes navegados.

E se há alguém em que essas tradições e linhas se reú-nem é em Valle-Inclan. E desde ele também se entendemelhor e como continuidade o polifacetismo elegante,subtil, popularista, lírico, prosaico e erudito de umFerrin, de um Josê Afonso ou de um Caetano Veloso.

Deste conjunto complexo é de onde vai surdir, in cres-cendo o estilo poderoso e arrebatado de prosa enlou-quecida e humor do Valle maduro: o esperpento comovisão realista do mundo. A tentativa de reinventar ocastelhano ao jeito galego.

Desde esta "Lámpara" filtra-se ao acaso, mas mui enve-nenador de ouvidos castelhanos, o saber inteiro deValle, alta erudição e anedota significante a travês dapalavra. Nada tem desperdício, como num cocho. Nemas tripas, nem os ossos, nem o ritmo, nem a metáfora.

Toda a obra merece a pena. Leitura estética, simbólica,profunda. Mágoa não haver no seu tempo mais espe-rança na sua própria língua, na única em que se podeatingir e compreender a empresa e tentativa de capitãofaçanhoso de nobre linhagem galega.

Mas, a idéia é boa. É total. Útil, pois nisso estamosainda, criando uma língua nova. Eu entendo pois, como

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 40: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Murguia, que -contra ele e os seus- Valle é um dos nos-sos. Que "La lámpara Maravilhosa" é à vez uma brinca-deira festiva, e declaração desesperada e orgulhosa emforma de garrafa ao mar. Mensagem parabólica eespermática cara a matriz do futuro de um mundo queainda -nisso foi mal profeta- não se perdeu de tudo.

Isso enxergo, apenas na tona. Pois, como adoito, a ver-dade mais oculta está na superfície. Ainda que Vallechegue até ler no "Guia espiritual" (1675 ) daqueleMiguel de Molinos, condenado por hereje e teórico doQuietismo (uma falsa mística), ainda que fale deTaboas esmeraldas, de arcanos e monstros bizantinos,de velhas cegas como Homero, de pecados e paixõesapetecíveis, de Feijó, G.W. Leibniz é de certo de Erasmo(cuja "Moria" é um texto de poderosa atração para ohumanismo galego), ainda que se arraste e chore eperegrine galhofo para nos suplicar perdão e compai-xão faz tudo apenas para citar mal Paulo, despistar ecimentar, nesse pacto com ele próprio apenas, mas tam-bém com a memória coletiva. Ironias educativas, magis-tério conversador que nos lega sem querer à vez que senos quer impor como mestre de sabedoria.

É a nossa obriga, porém pensar por conta própria,escolmar a mensagem, estar atentos e atender comquem estamos a falar: com o mesmíssimo Long JohnSilver, também cavaleiro de fortuna, mestre canalha efalto de parte:

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 41: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

La ciencia de las escuelas es vana, crasa y difusa comotodo aquello que puede ser cifrado en voces y puesto enescrituras. El más sutil enlace de palabras es como uncamino de orugas que se desenvuelven ateridas bajo unrayo de sol. Hermano peregrinante, que llevas una estre-lla en la frente, cuando llegues a la puerta dorada arrodí-llate y medita sobre las palabras de san Pablo:Si quis inter vos videtur sapiens esse,Stultus fiat, ut sit sapiens.

Ronca-lhe a ironia, na pena dum erudito plagiador efalsificador como poucos: "Se algum quer ser sábio, sejaignorante para ser sábio".

E diria eu: o que queira ser sábio seja por si próprio,pois será néscio se imita o caminho de outros sábios.

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 42: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

VI. Apêndice

Page 43: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

[De Mais Alá!]

Um dos melhores lectores de Valle foi Manoel António,quem enxergou imediatamente o perxudicial da viradade Valle e o seu perigo como "mestre" o bandeirim deenganche em que entrará para Madrid muita da moci-dade literária daquela: de Xavier Bóveda a Dieste, pas-sando por Rei Soto, Fernández Armesto ou EugenioMontes.

"POLLITOS BIEN"

Comenzaremos invocando a Valle-Inclán. Maestre: Chamamos-lle maestre por ser vostede o"maestre" d'a Xuventude imbécil de Galicia. Noso non;que, endeben, sabemos comparar a sua modernidadeco-a cobardía d'o debre que tan só pode vivir facendoclaudicantes concesións o forte.

Non tería o seu nome acolleita n-istas liñas si quixera-mos tan só chamar-lle aquilo. Pero ten que ser ó falard'ise fato de cabezas focas, nenos "foulard e de rubí",engayolados pol-o innegable prestixo d'a prosa e d'aridícula mintira d'unha epopeya aventureira que voste-de, unha e outra, falsificou.

Sabemos que con intremeios himnarios ó Gran Pontíficed'a Valdeireza en traxe de festa (Este Gran D. Ramon…)entran a estrago pol-a fala meseteira, con gran despres-tixo d'ela, por certo. Tamén sabemos que adoecen de

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 44: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

imbecilidade, inxénita ou contaxada, e que a vostedelle debemos o tel-os levado para "alá". Isto derradeiro écousa que nunca ben lle agradeceremos.

Agora, o que quixeramos consiguir d'a sua incensadapersoalidade sería que intensificase a campaña castelai-zante porque nos arripía o pensamento de que eles secoidasen chamados por istas nosas vervas de moceda-de e chegase algún a desertar de la "lengua deCervantes" para vir a valdeirar n-a nosa Fala as produ-cións d'o seu serrín encefálico. Isto estaría moi mal. Malpro castelán, idioma oficial d'a cursilería, que, pol-omesmo ten dereito a aquelas cousas, e mal pro galego,dino de moito mellor sorte.

E a vós, probiños mamaleites literarios, desexamosvoscordialmente que calquer día vos pubriguen un verson-a derradeira folla d'unha d'isas indixentes revistasmadrileñas, doada palestra d'os vosos esforzos, que é omaisimo desideratum voso.

Madrí precísa-vos para persoaxes d'a sua opereta.

Mais Alá! Manoel António & ÁlvaroCebreiro, 1922

De Cânones e Canões - Ernesto Vázquez Souza - no Portal Galego da Língua (http://www.agal-gz.org)

Page 45: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Capa Original de “La Lampara Maravillosa”

Page 46: Para António Gil Hernández, que é sábio e gris pere- filePara António Gil Hernández, que é sábio e gris pere-grino num mundo de mouro espanto. ... Pois, esta da lâmpada é

Esta máscara e luz Valheinclanescafoi composta como presente

para os leitores do PGLno entrudochocalheirode MMVII.Escreveu

Ernesto Vázquez,Eugénio Outeiro

ornavit.