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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia - ITGT Curso de Pós Graduação Latu Sensu com vistas a Especialização na Abordagem Gestáltica Parceria da Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC-GO PERDA E CONQUISTA DA PRÓPRIA AUTORIA EXISTENCIAL: ESTUDO DE CASO NA GESTALT-TERAPIA LOSS AND ACHIEVEMENT OF THE EXISTENTIAL AUTHORSHIP: CASE STUDY IN GESTALT-THERAPY Geísa Marques de Sousa Oliveira Drª Marisete Malaguth Mendonça Goiânia - GO Maio/2020

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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia - ITGT

Curso de Pós Graduação Latu Sensu com vistas a Especialização na Abordagem Gestáltica

Parceria da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO

PERDA E CONQUISTA DA PRÓPRIA AUTORIA EXISTENCIAL:

ESTUDO DE CASO NA GESTALT-TERAPIA

LOSS AND ACHIEVEMENT OF THE EXISTENTIAL AUTHORSHIP:

CASE STUDY IN GESTALT-THERAPY

Geísa Marques de Sousa Oliveira

Drª Marisete Malaguth Mendonça

Goiânia - GO

Maio/2020

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INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA EM GESTALT-TERAPIA DE

GOIÂNIA - ITGT

PERDA E CONQUISTA DA PRÓPRIA AUTORIA EXISTENCIAL: ESTUDO DE

CASO NA GESTALT-TERAPIA

“Seja como você é. De maneira que possa ver quem

és. Quem és e como és. Deixa por um momento o

que deves fazer e descubra o que realmente fazes.

Arrisque um pouco, se puderes. Sinta seus próprios

sentimentos. Diga suas próprias palavras. Pense

seus próprios pensamentos. Seja seu próprio ser.

Descubra. Deixe que o plano pra você surja de

dentro de você” (Perls, 1975, p. 28).

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SUMÁRIO

1 - RESUMO ..........................................................................................................................4

1.1 Abstract.........................................................................................................................4

2 - INTRODUÇÃO ................................................................................................................5

2.1 - Necessidades Emergentes ...........................................................................................6

2.2 - Aqui-e-Agora e Figura e Fundo ...................................................................................7

2.3 - Formações, Fechamento e Clareza da Gestalt ..............................................................9

2.4 - Contato ..................................................................................................................... 10

2.5 - Auto Regulação e Auto Suporte ................................................................................ 12

2.6 - Awareness ................................................................................................................ 13

2.7 - Prática Dialógica ....................................................................................................... 13

3 - OBJETIVOS ................................................................................................................... 18

3.1 - Geral ......................................................................................................................... 18

3.2 - Específicos................................................................................................................ 18

4 - MÉTODO ....................................................................................................................... 18

4.1 - Participantes ............................................................................................................. 18

4.1.1 - Critérios de inclusão ........................................................................................... 19

4.1.2 - Critérios de exclusão .......................................................................................... 19

4.3 - Materiais ................................................................................................................... 19

4.4 - Instrumentos ............................................................................................................. 20

4.5 - Procedimentos .......................................................................................................... 20

5 - RESULTADOS ............................................................................................................... 21

6 - CONCLUSÃO ................................................................................................................ 35

7 - REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 37

ANEXO ............................................................................................................................... 40

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1 - RESUMO

Apresenta-se neste trabalho um estudo de caso de psicoterapia individual. Trata-se da

experiência de perda, pelo sujeito, de autoria da própria existência. Essa questão foi tratada sob

o entendimento teórico e metodológico da Gestalt-terapia, sob o esteio da relação dialógica

terapeuta-cliente. O fundamento teórico se concentrou em dez conceitos básicos da Abordagem

Gestáltica, que se acreditou poder trazer tanto o entendimento quanto nortear a tarefa

terapêutica no intuito de recuperar a posse de autoria do cliente na condução da própria vida.

Os conceitos selecionados foram: necessidades emergentes, aqui-e-agora, figura e fundo,

formação, fechamento e clareza da gestalt, contato, autorregulação, autossuporte e awaraness.

Palavras-chave: Autoria; Relação Dialógica; Terapeuta-Cliente; Conceitos Fundamentais da

Gestalt-terapia.

1.1 Abstract

This work presents a case study of individual psychotherapy. It is the experience of loss

by the subject of being the author of his own existence. This issue was treated under the

theoretical and methodological understanding of Gestalt therapy, underpinned by the therapist-

client dialogic relationship. The theoretical basis was concentrated on ten basic concepts of the

Gestalt Approach, which were believed to bring both understanding and guiding the therapeutic

task in order to recover the client's ownership of conducting their own lives. The selected

concepts were: emerging needs, here-and-now, figure and background, formation, closure and

clarity of gestalt, contact, self-regulation, self-support and awaraness.

Keywords: Authorship; Dialogical Relationship; Therapist-Client; Fundamental Concepts of

Gestalt-therapy.

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2 - INTRODUÇÃO

Falando em psicoterapia, de modo geral, percebe-se que o objetivo é auxiliar a pessoa a

reencontrar o próprio sentido sobre as questões trazidas ao setting terapêutico. Com a Gestalt-

terapia não é diferente. A abordagem psicoterapêutica fundada por Frederick e Laura Perls e

colaboradores no ano de 1951, possui uma vasta bagagem e aqui será vista sob dois ângulos,

teórico e metodológico, relacionados um com o outro. Será abordada a questão central

percebida no processo terapêutico que é a perda pelo cliente de sua autonomia e,

consequentemente da autoria do próprio cotidiano e, portanto, da autoria da própria existência.

Segundo Almeida (2010), o cliente nos oferta sintomas, emoções, vivências, crenças,

como se observa em qualquer abordagem terapêutica. Como tais dimensões da existência

podem ser delineadas e manejadas pelo psicoterapeuta da abordagem gestáltica, mantendo a

pureza do que é trazido, conservando o fenômeno “tal e qual se mostra” e oferecendo ao cliente

a possibilidade da posse de autoria? Essa é a questão que norteia a reflexão e a prática da relação

terapêutica em vista de ajudar a busca da autoria pelo cliente. Essa foi a queixa reproduzida

sistematicamente nas sessões e, por isso, o esforço desse trabalho foi manter o olhar na relação

dialógica terapeuta-cliente, e no processo de evitação do próprio cliente a fim de construir junto

a ele um caminho que pudesse propiciar a posse de autoria pela sua pessoa.

No intento de criar um caminho, optou-se partir da relação dialógica e andar pelos

conceitos básicos da Gestalt-terapia como, necessidades emergentes, aqui e agora, figura e

fundo, formação e fechamento de gestalt, clareza da própria gestalt, contato, autorregulação,

autossuporte e awareness, que lançavam luz sobre os pontos cegos e evitações da pessoa em

atendimento.

Todos esses conceitos foram sendo identificados progressivamente nos atendimentos, em

uma prática dialógica inicial, como já referida acima. Contudo, os passos a serem dados não

seguiram a ordem didática descrita nessa Introdução. Foram utilizados na prática de forma

flexível, seguindo as exigências das necessidades emergentes do processo terapêutico dual. Do

ponto de vista da Teoria de Campo, a Gestalt supõe que ambos, terapeuta e cliente, se encontrem

em um campo único e unificado de forças, por isso se fala nesse contexto como um processo

dual.

Autoria aqui, diz respeito à possibilidade do cliente de assumir suas responsabilidades

sobre si e sobre a relação com o outro, sobre tomar posse de si, sobre criar e recriar, sobre

escolher, sobre se tornar autor de sua existência e de suas decisões sobre as solicitações do

momento temporal em que vive. Diante de tal conceito de autoria inicia-se o caminhar pela

visão de relação da Gestalt-terapia.

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Gestalt é uma palavra de origem alemã que sugere uma ideia de totalidade, partes que se

unem em um todo convergente e significativo. Partindo de um olhar Gestáltico, baseado na

Gestalteoria, o terapeuta deve concentrar-se na totalidade da pessoa e o processo terapêutico

deve pautar-se por essa visão de inteireza. O propósito geral da Gestalt terapia é tornar o cliente

“consciente do que está fazendo, como está fazendo, como pode transformar-se e ao mesmo

tempo, aprender a aceitar-se e valorizar-se” (Yontef, 1998, p.16).

Concordando com Ribeiro (1985), fazer gestalt é um consumar de essências na relação a

dois. É um colocar-se todo para se descobrir inteiro na relação. Tem a ver com a valorização da

relação entre pessoa e pessoa. Para que a relação terapêutica proporcione a autoria do cliente é

preciso andar pelo caminho certo, e este é traçado aqui, pela postura metodológica

compreensiva da Gestalt-terapia que possibilita a entrada nesse território emocional de forma

respeitosa e acolhedora.

É preciso que o terapeuta, esvazie-se até mesmo daquilo que sabe teoricamente, daquilo

já apreendido do seu cliente, a ponto de se abrir para acolher até a mensagem incompatível com

aquela trazida há meses nas sucessivas sessões. Essa atitude, de suspender durante a escuta,

presente aquilo que foi estabelecido pelo discurso do próprio cliente, é considerada pela

professora Marisete Malaguth como o verdadeiro epoché clinico, e sua prática exige a difícil

suspensão que, ela cunhou de “a priori clínico” (2020). Olhar com interesse para essa pessoa,

deixar-se impressionar por ela sem a prioris, procurar possíveis potenciais ainda não

desenvolvidos (Frazão, 1995).

Na visão da Gestalt-terapia o contato com o cliente, o estar presente com o cliente é

fundamental, visto que é uma relação que ocorre entre pessoas. Ser psicoterapeuta, não implica

na anulação de sentimentos, de vontades, da percepção do profissional, porém exige que o

mundo interior do terapeuta não ordene o mundo do cliente.

Apresentar-se-á, a seguir, os Conceitos Fundamentais da Gestalt-terapia:

2.1 - Necessidades Emergentes

A Gestalt-terapia, segundo Ribeiro (1994), percebe a pessoa como um organismo com

processos fisiológicos, psicológicos, sociológicos, espirituais e afirma que estes processos

ocorrem num contexto de um campo total. Estes processos não ocorrem isoladamente. As

pessoas dependem de uma interação organismo-ambiente para se nutrirem.

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Uma necessidade surge e desaparece na razão em que recebe atenção e é satisfeita, ou

seja, a Gestalt-terapia deve ser concebida como uma abordagem relacionada com a necessidade

do organismo em satisfazer, bem com sua necessidade de se completar totalmente.

Assim sendo, a figura é a necessidade emergente que, por ser a mais importante no

momento, surge antes de outras necessidades, as quais ficam num segundo plano – o fundo.

Neste estão todas as outras questões que precisam ser satisfeitas, mas que cederam lugar para a

necessidade dominante naquele momento. Só quando esta figura emerge e assim torna-se (re)

conhecida, ocorrerá a satisfação da necessidade, ou seja, a dissolução da figura, e assim, o

surgimento de outra. Vale ressaltar que a figura não está isolada do fundo, ela existe no fundo,

o qual, por sua vez, revela a figura e permite seu surgimento (Perls, 1981).

O significado emerge da relação entre figura e fundo em uma percepção única do

indivíduo. Essa percepção é transformadora na razão em que é uma percepção emocionada e

não simplesmente um contatar que a realidade pode ter múltiplas faces.

2.2 - Aqui-e-Agora e Figura e Fundo

De acordo com Almeida (2010) a tarefa do Gestalt-terapeuta demanda propiciar ao cliente

a compreensão da totalidade das circunstâncias em que está inserido, muito mais do que apenas

perseguir seus “porquês”. Em que pese à importância de nos explicarmos enquanto seres

históricos, a busca de um sentido somente se justifica se não prescindirmos das vivências em si

mesmas, denominadas experiências. Na psicoterapia de abordagem gestáltica, a experiência do

cliente é sagrada. Respeitá-la, acolhê-la, deter-se na sua contemplação é, ao mesmo tempo,

dever, compromisso e desafio.

Dessa forma, ao menos primariamente, a ação de experimentar diz respeito a algo que

esteja presente no tempo (objetivo ou subjetivo) e no espaço (interno ou externo), em contato

direto conosco. O Aqui e Agora, segundo os Polster e Polster (2001, p.30) assinalam esse

caráter imediato da experiência quando afirmam que “a primazia da experiência está ligada de

forma inextricável à primazia do presente”.

Pode-se dizer, então, que a experiência é uma ação aqui-e-agora, dotada de imediatez e

concretude. O veículo de sua vivência é o corpo. Por meio dele, o mundo entra no ser e o ser

participa do mundo, alterando-o e sendo alterado por ele.

Segundo Ribeiro (2006) aqui-e-agora não é apenas um conceito têmporo-espacial, ele é

também um conceito filosófico, enquanto assinala um modo de conceber a realidade e lidar

com ela. É um conceito holístico, envolve totalidade, enquanto é uma Gestalt cheia e plena.

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Gestalticamente a realidade é aqui-e-agora. Para que um ato se planifique, ele tem de ser

possível aqui-e-agora. O aqui-e-agora é a totalidade da experiência do indivíduo. Inclui tudo,

mas o mais importante é que ele registra, no frescor do momento, as emoções e a solução do

seu cotidiano.

Vale ressaltar a importância de o terapeuta esforçar-se para estar tão totalmente presente

quanto possível na situação de terapia. Isso significa estar, a cada momento, com qualquer coisa

que emirja. A abordagem requer que o terapeuta suspenda seus julgamentos quanto ao material

que o cliente deveria trazer e, até mesmo, quanto à direção que a terapia seguir.

Quanto à noção de Figura e Fundo, veio das experiências da Psicologia da Gestalt,

segundo a qual nossa percepção se organiza de tal forma que percebemos totalidades e,

dependendo das circunstâncias algo se destaca, torna-se mais proeminente, fica em primeiro

plano, a figura, enquanto o restante permanece em segundo plano, o fundo.

O próximo passo é olhar para o que chega ao aqui-e-agora do cliente, isso é o que o ele

traz como figura. Através da busca de significado das figuras que emergem no ciclo figura-

fundo é possível identificar o padrão existencial do cliente, ou seja, compreende-se a

organização de sua personalidade- a figura- que se dá sempre num contexto- o fundo.

No trabalho terapêutico, o que o cliente traz no aqui e agora é a figura. Segundo Yontef,

(1998) no funcionamento saudável, a figura muda de acordo com a necessidade. Assim o ser

humano funciona incessantemente sob a relação figura e fundo, sendo a figura, aquilo que o

organismo tem como necessidade prioritária e o fundo o contexto ou ambiente onde ele se

encontra.

Os elementos devem ser relacionados entre si e com o fundo, com a totalidade da

existência da pessoa, pois é no contexto de sua história presentes que estão as gestalten

inacabadas. Segundo Frazão (1995), a queixa é uma cristalização da figura, uma gestalt

inacabada que busca, repetindo-se, um fechamento. E é justamente o completar dessa gestalt

inacabada que o cliente procura.

Para Frazão (2013), não se pode falar numa Gestalt sem considerar figura e fundo. Com

isso vale ressaltar que figura e fundo nunca são fixas nem estáticas, elas se modificam, são

reversíveis e podem se alternar conforme as circunstâncias, tratando-se de um processo

contínuo de formação e destruição de Gestalten.

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2.3 - Formações, Fechamento e Clareza da Gestalt

Ribeiro (1994) afirma que a Formação de Gestalt ocorre na situação imediata em que a

pessoa se encontra, onde estão contidos elementos formados pela awareness do indivíduo, pelo

ambiente e pela consciência da relação entre os dois. Desse modo, quando uma vivência é

resolvida plenamente, passa a ser fundo na experiência da pessoa e permite que outra

experiência se transforme em figura. Quando isso ocorre, normalmente, a vida fica leve e o

individuo vive e funciona totalmente no presente.

Também Salomão (2003) pontua: “... quando nos referimos a uma Gestalt estamos nos

reportando a uma forma, uma percepção, uma situação, uma configuração, uma organização,

uma tarefa, uma necessidade, uma emoção ou um dado evento formatado” (p.249).

A partir de tais definições, podemos dizer que uma Gestalt é formada para acomodar

uma determinada situação (Zinker, 2001). Todo evento que se inicia cria uma Gestalt aberta,

que pressupõe a necessidade de um fechamento, de uma finalização (Polster e Polster, 2001).

Caso esta situação não seja concluída, ela persiste no campo psicológico e permanece

inacabada, impedindo, ou interferindo na formação de uma nova Gestalt. Isso explica como

um processo que se iniciou no passado se mantém presente no sistema atualmente (Salomão,

2003).

Entretanto, quando a Gestalt é fechada de maneira satisfatória, surge uma nova

situação, “a adaptação criativa exige a destruição da Gestalt antiga e a redefinição daquilo

que está sendo criado, com o surgimento de uma nova Gestalt, que reorganiza a antiga”

(Zinker, 2001, p. 63).

Ainda conforme Salomão (2003), a formação e reconfiguração de Gestalten é um

processo estético e dinâmico, que ocorre não só com o indivíduo, mas também com sistemas

multipessoais, como a família. Este conceito diz respeito à capacidade das pessoas de se

atualizarem às condições de seu meio, de seus relacionamentos e de seu momento de vida.

A autora pontua alguns princípios da Psicologia da Gestalt sobre o conceito de Causura ou

Fechamento, que ajudam a entender e necessidade de finalizar as situações inacabadas.

Salomão prossegue descrevendo esse princípio da Causura ou Fechamento, no qual

“os elementos de uma configuração ou de um processo tendem a se organizar de modo mais

fechado” (Salomão, 2003, p. 252). Isso significa que se não finalizamos uma tarefa,

tendemos a lembrar dela até que possamos completá-la. Por isso, para seguir caminhando, é

necessário resolver a situação inacabada ou interrompida, segundo afirma Malaguth no curso

“Significação dos Sintomas Psíquicos” (2018\2019).

Assim sendo, Zinker (2001) acrescenta que as gestalten completas são experiências

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totalmente maduras, fluidas, esteticamente agradáveis e possuem “boa forma”. Já as

Gestalten incompletas são problemas não resolvidos, que trazem sensações ruins e são

esteticamente desagradáveis.

Sob a ótica da Gestalt-terapia, a vida é um processo constante de solução de

problemas. Desta maneira, “todo ‘sintoma’, toda ‘doença’, todo ‘conflito’ é um esforço para

tornar a vida mais tolerável, mais possível de ser vivida...” (Zinker, 2001, p. 52).

De acordo com Ribeiro (1994), para que a formação e o fechamento das Gestalten

ocorram, a pessoa deve funcionar no aqui e agora. As experiências relativas ao passado e ao

futuro diminuem o montante de energia que a pessoa pode gastar no presente. Quando o

individuo insiste em investir energia no passado ou no futuro, bloqueia o processo de contato

direto com a realidade imediata. “Conhecer novas necessidades e satisfazê-las é o processo

terapêutico que a Gestalt se propõe” (Ribeiro 1994, p.21).

2.4 - Contato

Caminhando sob ótica Gestáltica, somos necessáriamente seres de relação e tal fato

coloca a noção de contato no cerne da própria natureza humana. Seres de relação, nascemos

para estar em contato. O Contato é o processo que permite que a relação aconteça em duplo

aspecto, aproximando e separando as pessoas umas das outras. Sem este movimento de

aproximação e afastamento, o encontro desapareceria no caos, perder-se-ia a própria

indentidade.

De acordo com Ribeiro (1994) o contato ocorre numa tríplece direção: comigo, com

o outro, com o mundo. Não apenas eu faço contato ou entro em contato, mas toda natureza

entra em contato comigo independentemente da minha permissão. O autor prossegue

afirmando que basta estar vivo para que todo universo se ofereça para um encontro com esta

realidade. O encontro ocorre sempre provocado pelas energias de ambos os lados. O contato

permite olhar para o outro, percebê-lo diferente de quem olha, como maior ou menor e isso

traz motivação para crescimento, para a procura de possibildades sozinho e com o

companheiro.

Ainda segundo Ribeiro (1994) pode-se perceber que conhecer o modo com que a

pessoa faz contato consigo é conhecer o modo como ela utiliza suas funções de contato para

conectar-se com o mundo. Nosso modo de fazer contato, de entrar em relação, é a

manifestação inconsciente de nossos medo, de nossas coragem, de nossos programas

internos. O ato terapêutico é, por exelência, um momento de contato. O olhar, o cheirar, o

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tocar, o ouvir, o saborear estão presentes no ato terapêutico como no cotidiano. Observar

como funcionam esas funções é observar como delimitamos o ato criador e espontâneo de

viver e estar vivo com os outros. O contato é a antecâmara da awareness e também aqui

podemos dizer que a awareness contém necessariamente contato, mas contato pode ocorrer

sem awaraness.

Ribeiro (2017), concorda que a Gestalt pode ser definida como uma terapia do contato

em ação, no sentido de que terapeuta e cliente estão atentos aos modos pelos quais o cliente

procura satisfazer suas necessidades, em dado campo. O processo terapêutico recapitula,

mostra o modo como o cliente faz contato no mundo. Este autor, afirma que o cliente introduz

o terapeuta nos seus meandros, nos seus deltas experienciais, e ali o terapeuta pode ver os

ciclos existenciais através dos quais essa pessoa o procura dar sentido a si próprio e à sua

vida. Fazer contato terapêutico é entrar respeitosamente na intimidade do outro e lá cuidar

de suas feridas.

“Às vezes, para crescer, o cliente precisa apenas de

um fecho de luz, e outras vezes, apenas, alargar um pouco a

fresta, através da qual ele, medrosa ou cuidadosamente, olha o

mundo la fora. É de lá que ele precisará ser resgatado através de

suas histórias, de suas teias, pois ele sabe que só conseguirá sair

e atravessar aqueles espaços quando a luz do outro, até ele, se

fizer chegar. A partir daí, haverá uma explosão luminosa que o

envolverá amorosamente trazendo o dia ensolarado à sua

exitência, e é sob esta nova luz que ele cliente, poderá,

novamente, voltar a crescer. (Ribeiro, 2017, p.25).

Ao falar de Contato vale ressaltar que o cliente tende a se regular conforme tem

suporte para ter contato com sua experiência. É importante verificar que o caminhar só

começa quando o cliente demonstra suporte para iniciar. O psicoterapeuta deve ter cuidado

para não correr na frente do cliente e o deixar com sua bagagem existencial, suas dores e sua

escuridão, pois se isso ocorre o mesmo não poderá experienciar esse caminho, por não se

sentir recebendo o suporte que seria a presença necessária. O psicoterapeuta também precisa

de auto-suporte, para ter a sabedoria de esperar, de caminhar junto, de olhar e às vezes

mergulhar na bagaem do outro, com profundo respeito, sabendo que é sagrado o que o cliente

decide mostrar.

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2.5 - Auto Regulação e Auto Suporte

Ribeiro(1994) define a Auto-Regulação expondo que auto-regular-se siginifica

respeitar a totalidade funcional do organimo, siginifica olhar-se e completar-se como um

todo organizado e eficiente, significa privilegiar as necessidades que gritam dentro de nós

para serem saciadas ou satisfeitas, significa olhar-se como uma pessoa inteira no mundo,

significa amar o corpo como a casa na qual habitamos, significa prestar atenção aos infinitos

pedidos de socorro que o corpo emite e pensar que o alimento pode ser encontrado, sempre

dentro da própria pessoa, sem perder seu aspecto relacional no mundo.

No livro O Organismo, de Kurt Goldstein, o autor tratou da auto–regulação como uma

das características fundamentais do funcionamento de qualquer organismo. Goldstein definia

a auto-regulação organísmica como uma forma de o organismo interagir com o mundo,

segundo a qual ele pode se atualizar, respeitando a sua natureza do melhor modo possível.

Segundo as palavras do próprio Goldstein (1995, p. 162): “Esta tendência a atualizar sua

natureza e a si mesmo é o impulso básico, o único impulso pela qual a vida do organismo é

determinada”. Para que a auto regulação aconteça, é fundamental que o ser vivo possa ter

respostas novas para as situações pelas quais ele passa na sua permanente interação com o

meio ambiente.

Recorrendo ainda à citação de Kurt Goldstein (1995, p. 50) : “O meio–ambiente de

um organismo não é absolutamente algo definido e estático, pelo contrário, está em

metamorfose contínua, comensurável com o desenvolvimento do organismo e sua atividade”.

Acredita-se que os indivíduos se auto regulam dando prioridade para a execução de ações que

visem à satisfação das suas necessidades emergentes, e quando uma necessidade é satisfeita,

esta deixaria de ser figural e outra necessidade emergeria.

Para Ribeiro (1994), devido a imagem positiva de ser humano trazida pela Gestalt-

terapia, parte-se do princípio de que o mesmo dispõe de todo o equipamento necessário para

poder enfrentar a vida. Para tanto só precisa se concientizar de suas forças. Deve ser o objetivo

da terapia possibilitar self-support ao paciente, ou seja, facilitar-lhe os meios com os quais

possa resolver tanto seus problemas atuais como também os futuros.

Dessa forma, concordando com Ribeiro (1994), é necessário que o objetivo da terapia

seja o de dar em suas mãos os meios com os quais possa resolver seus problemas presentes,

bem como todos que possam surgir amanhã ou no ano que vem. Essa ferramenta é o self-

support ou auto-suporte, e ele o alcança trabalhando consigo e seus problemas através da

utilização de todos os meios que neste momento estejam à disposição, e isso aqui e agora.

Para formentar o self-support, o terapeuta procura criar um clima no qual o cliente terá,

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relativamente sem medo, a possiblidade de encontrar um novo acesso a si mesmo.

Seria como, no caminho, trazer à vista o que se tem na mala e que pode ser usado

como potencialidades, a fim de buscar do cliente a percepção de si mesmo e da situação

presente para que ele encontre em si, e nos elementos do campo as ferramentas, forças e

ponteciais próprios para caminhar na sua trajetória existencial.

2.6 - Awareness

Finalizando os conceitos fundamentais, chega-se à Awareness. Uma palavra de

difícil tradução e, segundo Ribeiro (1994), de difícil compreensão pela complexidade e

diversidade de sentidos que encerra. Entende-se Awareness como consciência da própria

consciência ou como um processo pelo qual me torno consciente de minha

própria consciência, aqui e agora no mundo.

Trata-se de uma conciência de apreensão de totalidades, em que todo o ser se resume

em um único ato de cognição emocional. Essa consciência ocorre quando todas as percepções,

emoções e pensamentos da pessoa trabalham conjuntamente, para que ela possa ressignificar

o dado, inicialmente apenas captado pela consciência e, por essa ressiginficação, o indivíduo

se prepara para intervir ou não no mundo à sua frente.

Assim sendo, afirma Ribeiro que a Awareness é um momento de consciência

emocionada, a junção harmoniosa de mente e coração, formando um insight transformador.

Para Polster e Poster (2001) focalizar a própria Awareness mantém a pessoa

abosorvida na situação presente, ampliando o impacto da experiência da terapia, bem como

das experiências mais comuns da vida. A cada Awareness sucessiva a pessoa chega mais perto

de articular os temas da própria vida e mais perto também da expressão desses temas. O

indivíduo aprende como se tornar mais aware ou por diversos exercícios ou pela orientação

sencível do terapeuta que dirige a atenção do paciente para detalhes de seu próprio

comportamento que são relevantes, porém ignorados.

O caminho não finaliza na Awareness mas começa a ser ressignificado, pois o cliente

parte da possibilidade de ter consciência de si e do todo, podendo caminhar de forma autoral,

tendo sua autonomia para escolher o que levar na sua bagagem, que caminho percorrer e como

fazê-lo.

2.7 - Prática Dialógica

A filosofia de Martin Buber, embasa o processo da relação terapeuta-cliente em

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Gestalt-terapia (Yontef, 1999). Apesar de não estar explicitamente citado na obra de Perls, a

influência de Buber aparece em uma passagem do livro Gestalt-terapia. Os autores afirmam:

O maior valor da abordagem gestáltica está, talvez, na

compreensão de que o 'todo determina as partes', o que contrasta

com a suposição anterior de que o todo é meramente a soma total

de seus elementos. A situação terapêutica, por exemplo, é mais do

que somente uma ocorrência estatística de um médico mais um

paciente. É um 'encontro' de médico e paciente. O médico não será

um bom terapeuta se for rígido e insensível às necessidades

específicas de uma situação terapêutica que está sempre mudando

(Perls, Hefferline e Goodman, 1997, p. 36 – grifos no original).

A palavra encontro está destaque e de acordo com Vavassori (2017) na abertura do

prefácio da edição brasileira da obra Gestalt-terapia explicada, Therese A. Tellegen

transcreve uma citação de Perls, que diz: “Nós não existe, mas é composto de Eu e Tu; é

uma fronteira sempre móvel onde duas pessoas se encontram. E, quando há encontro, então

eu me transformo e você também se transforma”. Neste trecho, Perls utiliza o termo encontro

e faz referências às palavras-princípio (Eu-Tu) de Buber. É a partir da perspectiva do

encontro, do relacional, do ‘entre’, que Buber elaborou sua filosofia.

"Quando, seguindo nosso caminho, encontramos um

homem que, seguindo o seu caminho, vem ao nosso encontro,

temos conhecimento somente de nossa parte do caminho, e não da

sua, pois esta nós vivenciamos somente no encontro" (Buber, 2001,

p.102).

Relacionando ao processo terapêutico o encontro que Buber se refere é o pressuposto

da abordagem dialógica. Hycner & Jacobs (1997) acreditam que o fator curativo da

psicoterapia reside na relação terapêutica em si. Segundo Vavassori (2017) a abordagem

dialógica abrange não somente o ser isolado, mas a esfera do inter-humano, ambos os polos

da relação. É o processo terapêutico fundamentado no “entre”, no encontro do terapeuta e do

cliente como pessoas que já trazem consigo uma “bagagem” de vivências e experiências.

Hycner e Jacobs (1997) afirmam que “o dialógico é a exploração do entre; (...) o

contexto relacional total em que a singularidade de cada pessoa é valorizada (...)” (p. 29).

É no encontro, na esfera do “entre”, que a postura dialógica acontece. A abordagem dialógica

é o acolhimento da alteridade, da singularidade do indivíduo dentro do contexto relacional.

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Reconhecer e perceber a existência do outro, aceitá-lo e confirmá-lo em sua existência,

permite que o encontro aconteça de fato. Pode-se dizer que encontro, dialógico, “entre” e

singularidade são conceitos interdependentes e fundamentais para a compreensão da

filosofia de Buber.

Buber descreve encontro resgatando as chamadas palavras-princípio. A partir das

palavras-princípio, Eu-Tu e Eu-Isso, Buber define as duas atitudes distintas do homem face

ao mundo ou diante do ser, que instauram dois modos diferentes de existência. Eu-Tu é uma

atitude de “conexão”, enquanto Eu-Isso, de “separação”, sendo que essas duas formas de se

relacionar são essenciais.

De acordo com Yontef (1999), “a maioria das terapias existenciais considera

importante o encontro existencial interpessoal. A Gestalt-terapia não é exceção, e o Eu e Tu

– aqui-e-agora têm sido chamados de definição condensada da Gestalt-terapia” (p. 84). Na

dimensão Eu-Tu, as pessoas aceitam e valorizam a alteridade do outro, transcendendo sua

individualidade e entrando na esfera do “entre”, do inter-humano.

A experiência Eu-Tu é estar tão plenamente presente

quanto possível com o outro, com pouca finalidade ou objetivos

direcionados para si mesmo. É uma experiência de apreciar a

alteridade, a singularidade, a totalidade do outro, enquanto isso

também acontece, simultaneamente, com a outra pessoa. É uma

experiência mútua; é também uma experiência de valorizar

profundamente, estar em relação com a pessoa – é uma

experiência de encontro (Hycner & Jacobs, 1997, p.33).

Em contraposição à relação Eu-Tu, a relação Eu-Isso se dirige a um objetivo. De

acordo com Buber (2001), Eu-Isso é proferido pelo Eu como sujeito de experiência e

utilização de alguma coisa. O Eu-Isso usa a palavra para conhecer o mundo, para impor-se

diante dele, ordená-lo, estruturá-lo, vencê-lo, transformá-lo. Este mundo nada mais é que

objeto de uso e experiência.

O autor afirma que é preciso termos relações Eu-Isso, essas são necessárias e não

sobreviveríamos sem tal atitude diante do mundo. No entanto, faz uma ressalva:

O homem que se conformou com o mundo do Isso, como

algo a ser experimentado e a ser utilizado, faz malograr a

realização deste destino: em lugar de liberar o que está ligado a

este mundo, ele o reprime; em lugar de contemplá-lo, ele o

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observa, em lugar de acolhê-lo, serve-se dele (Buber, 2001,

p.77).

Segundo Vavassori (2017) as duas palavras-princípio estão interligadas entre si, na

sua atualidade e latência, que são sucessivas. A partir dessas duas atitudes e, principalmente,

articulando a noção de encontro, de entrega ao “entre” proposta por Buber, Hycner trouxe

para a Gestalt-terapia a postura dialógica. Na postura dialógica são necessárias quatro

condições para que haja a ocorrência de contato: presença, inclusão, confirmação e

comunicação.

De acordo com Juliano (1999),

a principal característica do terapeuta para executar bem

seu trabalho 'é a qualidade de sua presença': uma atitude

descontraída e atenta, inteira, disponível, energizada. Ficando

com o fenômeno tal qual ele se apresenta, tal qual ele é, mais do

que com aquilo que foi, poderia ou deveria ser (p. 29 – grifo no

original).

Considera-se a presença como a disponibilidade ao outro, estar aberto tanto quanto

possível para o fluxo do contato. Por sua vez, a inclusão é experienciar o mais próximo

possível o que o cliente experiencia, sem perder seu próprio centro. “A inclusão é o

movimento de ir-e-vir, de ser capaz de pular para o outro lado e, ainda assim, permanecer

centrado na própria existência” (Hycner e Jacobs, 1997, p.42).

A suposição da abordagem dialógica é que as interrupções no fluxo do contato

surgem, ao menos em parte, porque outras pessoas não foram capazes de entender, considerar

e valorizar a experiência singular do outro. Em consequência, esta pessoa não pode se sentir

confirmada e, portanto, capaz de apreciar e valorizar a própria experiência (Hycner, 1995).

A partir da postura de confirmação, o terapeuta comunica ao cliente que ele está

genuinamente e profundamente interessado em sua experiência (Hycner, 1995).

Confirmação significa voltar-se para o outro e afirmar sua existência com suas diferenças.

Outro elemento da postura dialógica é a comunicação genuína e sem reservas, que

está intimamente relacionada à qualidade da presença. A comunicação, seja ela verbal ou

não-verbal, estabelecendo-se de forma genuína e inteira, possibilita o dialógico, o encontro,

servindo de meio para que o cliente tenha “awareness” de si e de seu processo. Concordando

com Juliano (1999), “o diálogo começa de modo unilateral. Com uma atitude dialógica, o

terapeuta abre espaço para o cliente. [...]” (p. 68). E este ‘abrir espaço’ que Juliano se refere

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é possível através das quatro condições descritas acima.

Estando verdadeiramente presente, comunicando-se de forma genuína e sem

reservas, experimentando a inclusão e confirmando as vivências emocionais do outro, é

possível estabelecer uma relação Eu-Tu, entregar-se ao “entre” da relação e vivenciar um

encontro. Yontef (1999) aborda algumas intervenções do terapeuta a fim de garantir, facilitar

um verdadeiro encontro, evitando manipulações e aumentando o fluxo de “awareness” do

cliente. Considerando que a comunicação numa relação Eu-Tu deve ocorrer de forma direta,

honesta e aberta, uma possibilidade na Gestalt-terapia é solicitar ao cliente que transforme

suas perguntas em afirmações que comecem com ‘Eu’. Assim, a comunicação, o diálogo se

estabelece genuinamente, possibilitando um encontro. Além disso, o autor destaca que “a

contrapartida de falar diretamente para uma pessoa é o escutar ativo, em oposição a ouvir

passivamente. Escutar, como um ato de uma pessoa, e não a recepção passiva de um estímulo

é enfatizado no encontro da Gestalt-terapia” (Yontef, 1999, p. 93).

Hycner & Jacobs (1997) destacam que, certamente, muitos gestalt-terapeutas

incorporaram a postura dialógica em suas práticas. No entanto, poucos escrevem sobre isso:

Tenho suspeitas de que raramente se escreve a esse

respeito, porque ele é a ‘invisibilidade’ do fundo nos fenômenos

figura/fundo – sempre lá e essencial e, ainda assim, difícil de

discernir. Com frequência é muito mais sentido, do que

experienciado diretamente (Hycner & Jacobs, 1997, p. 24).

Ora, se a satisfação está relacionada com a atenção exclusiva (Perls, 1988),

certamente está intimamente relacionada com a presença, inclusão, confirmação e

comunicação genuína que caracterizam a postura dialógica. E, a simpatia, por sua vez, é

sinônimo de envolvimento no campo total “dar-se conta de ambos, do si-mesmo e do

paciente” (Perls, 1988, p.116), também se relaciona com a abordagem dialógica,

possibilitando a ocorrência do encontro.

A postura dialógica, portanto, é muito mais sentida por ambos os polos da relação

terapeuta-cliente, do que experienciada direta e objetivamente. Parece fundamental

caracterizá-la como uma postura presente em todo o processo terapêutico, e não apenas em

um primeiro momento, entendendo-a como um dos fundamentos, um dos alicerces da

relação e do processo terapêutico.

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3 - OBJETIVOS

3.1 - Geral

Este estudo busca caracterizar a relação terapeuta-cliente do ponto de vista da Gestalt-

terapia, buscando refletir e lançar algum entendimento acerca dos caminhos possíveis

oferecidos por essa abordagem, que considera a relação terapeuta-cliente como fator

fundamental no êxito da atuação clínica, enquanto oportunidade única de acesso ao mundo

subjetivo do cliente. (Algumas dificuldades surgirão, certamente, como fundo, na descrição do

seu exercício prático).

3.2 - Específicos

1) Compreender como a relação terapeuta-cliente pode influenciar na posse de autoria do

indivíduo.

2) Apresentar a relação terapeuta-cliente como um modelo de atendimento clínico da Gestalt-

terapia, junto a clientes em que a expressão da falta de autonomia chega como figura, isto é,

como principal queixa.

3) Descrever conceitos da teoria clínica da Gestalt que são fundamentais para um maior

entendimento do processo do cliente e das intervenções terapêuticas.

4 - MÉTODO

4.1 - Participantes

Trata-se de um cliente de psicoterapia clínica que foi buscar ajuda com queixas

relacionadas à dificuldade de autonomia, baixa autoestima, dificuldade de relacionamento, falta

de autorresponsabilidades, dificuldade de administração do cotidiano e da própria vida em

geral, dificuldade de expressar sentimentos e dificuldade de concentrar-se no presente.

O cliente assinou o termo de aceite para gravações de sessões e cumpre o requisito de

estar ainda estar em psicoterapia. Também consentiu por escrito sua participação neste estudo

por meio da assinatura dos Termos de Assentimento e Consentimento, respectivamente,

aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Gustavo (nome fictício) tem 28 anos, é casado com Luana (nome fictício) de 25 anos,

tem dois filhos: uma menina de dois anos de idade e um bebê de nove meses. Mora com a

esposa e filhos, está casado há cinco anos. Conta com a ajuda financeira dos pais. Trabalha

como gerente em uma empresa de distribuição de carnes, iniciou faculdade de Direito, mas não

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concluiu. Foi criado em religião evangélica e continua mantendo-a, onde canta, toca e ministra

na igreja e é responsável pelo “ensino da palavra” nos domingos. Gustavo se casou após três

anos de namoro em castidade, seguindo as doutrinas da igreja.

4.1.1 - Critérios de inclusão

Para a pessoa participar do estudo foram selecionados, pelo profissional, os seguintes

critérios:

Ser adulto, de ambos os sexos, com busca espontânea por psicoterapia, estar em

psicoterapia por mais de seis meses, ser frequente às sessões, estar engajada em continuar o

processo de psicoterapia, residir na cidade de Goiânia ou Aparecida de Goiânia, aceitar

participar do estudo, estar em condições plenas de suas funções mentais, consentir com o Termo

Livre e Esclarecido, aceitar as gravações e transcrições das sessões além de concordar com uso

do seu caso para estudo.

4.1.2 - Critérios de exclusão

O abandono de psicoterapia sem conclusão ou aviso prévio, sentir-se desconfortável

durante o processo de gravações, surgimento de demandas restritas e de extremo sigilo e

desconforto ao paciente e/ou desistência do processo, mesmo depois de assentir com os

critérios.

4.3 - Materiais

Para realização das sessões será utilizado o consultório particular da psicoterapeuta no

centro clínico Reestruturare. O consultório contém duas poltronas posicionadas de frente a um

sofá de dois lugares, uma mesinha de canto entre elas e uma mesa com três cadeiras. É um lugar

arejado, silencioso e confortável, formando um “setting” terapêutico propício, ou seja, um

espaço acolhedor e que possa atender todas as demandas de um processo terapêutico.

Foram, também, utilizados um notebook, pendrive, impressora, cartucho de tinta para

impressão, papel A4, lapiseira com grafite, marcador de texto, borracha, caneta, cópias do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o participante, gravador de voz do celular,

com o fim de fazer gravações e transcrição, assim como, lenços de papel e a ficha de frequência

para assinatura do cliente e do psicólogo.

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4.4 - Instrumentos

Segundo Almeida (2010) o gestalt-terapeuta conta com o auxílio, dentre outros, de dois

instrumentos básicos para o exercício clínico em gestalt-terapia: a abordagem dialógica e o

método fenomenológico. A postura dialógica se refere à natureza da relação terapeuta-cliente,

enfatizando a importância do vínculo estabelecido entre os dois parceiros no processo. Hycner

(1995), apoiado nos escritos de Hans Trüb, nos ensina que é o relacionamento estabelecido com

o terapeuta que permite ao cliente desvelar seus conflitos, medos e expectativas, enfim,

compartilhar seu mundo interno e restaurar as conexões que foram se perdendo ao longo da

vida. Desse modo, ele valida a constatação de que "como psicoterapeutas não podemos indicar

a verdade que temos, mas somente a verdade que buscamos entre nós, entre médico e paciente."

(Trub, 1952/1964, pp. 504-505, citado por Hycner, 1995, p. 71, grifos do autor).

Já o método fenomenológico nos instrumentaliza na exploração do mundo inter e

intrapsíquico do cliente. Este método é que nos prescreve focar e respeitar rigorosamente a

experiência do cliente. Ribeiro (1994, p. 15) sintetiza dizendo que "trabalhar

fenomenologicamente é tentar ficar com a realidade como é em si, é trabalhar a partir dela. É

ver o fenômeno como a realidade primeira e a partir dele e só dele caminhar para a

compreensão do que significa ir além do fenômeno." O conceito de fenômeno, enquanto aquilo

que se mostra e enquanto ponto de partida para o trabalho terapêutico resume a ideia de que é

preciso ter um foco, algo que se constitua como figura; e essa figura, para o terapeuta gestáltico,

é aquilo que está sendo vivido e experienciado aqui e agora pelo seu cliente. Só partindo desse

ponto fundamental é que podemos caminhar em direção à totalidade da pessoa.

4.5 - Procedimentos

O participante, que já está em processo de psicoterapia há mais de seis, foi selecionado

pelo interesse que sua queixa, a ausência de autonomia, despertou na psicoterapeuta, tanto

quanto pelo empenho dessa pessoa em prosseguir no processo terapêutico a despeito das

pressões externas que sofria para desistir desse propósito.

O projeto desse Estudo de Caso foi submetido ao Comitê de Ética da Pontifícia

Universidade Católica de Goiás e, após a aprovação deste, a autora entrou em contato com o

cliente para que ele autorizasse a utilização das gravações e transcrições das sessões para o

estudo, além da utilização dos registros já obtidos via prontuário.

Os objetivos do estudo foram esclarecidos ao cliente como também foi ressaltada a

questão da confidencialidade e proteção da sua imagem e identidade. O participante foi

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informado que pode desistir de participar desse estudo a qualquer momento sem nenhum

prejuízo. Agendada a sessão foi explicado novamente, o objetivo do estudo, esclarecidas as

dúvidas a respeito e foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O participante foi solicitado a assinar o Termo autorizando a utilização dos dados

obtidos no estudo. Os atendimentos em sido realizados pessoalmente pela psicoterapeuta. Esta

está realizando sessões não estruturadas com o participante que estão sendo gravadas em áudio.

Após a realização de todas as sessões, tem sido feita a transcrição de cada uma, para posterior

análise do texto. A transcrição tem sido feita na íntegra pela pesquisadora, a fim de garantir a

autenticidade do discurso do cliente, garantindo assim, uma releitura mais fiel do material

estudado.

Os resultados encontrados serão tornados públicos ao término do trabalho e poderão ser

utilizados em trabalhos acadêmicos e atividades científicas.

5 - RESULTADOS

Esse trabalho foi baseado no caso clínico de um cliente atendido em clínica particular

de Aparecida de Goiânia, por um ano e cinco meses, totalizando 53 sessões, iniciadas em

dezembro de 2018 e que continuam em andamento até o momento desde estudo. Para melhor

compreensão do caso clínico, serão utilizados, neste estudo, trechos literais de sessões

expositivas que demonstrem o estado do cliente, seguindo a ordem cronológica da terapia, bem

como a metodologia terapêutica utilizada para intervenção. Toda a escrita teórica e

metodológica sobre as falas serão baseadas na fundamentação teórica utilizado na introdução,

assim como serão referenciadas aos autores citados acima, no intuito de confirmar ou refutar a

influencia da relação terapeuta-cliente sobre a conquista de autoria sob a intervenção

metodológica da Gestalt terapia.

“Ter autoria é exercer a capacidade de ser autor da própria vida: tomando decisões e

por elas sendo responsável, pensando e agindo de acordo com seus princípios, julgando e

avaliando as situações subjetivas e relacionais baseado nas informações organísmicas que

recebe via seu sistema de contato consciente e pré-reflexivo. Enfim, ser autor da existência é

ter desenvolvido um complexo mecanismo de auto-suporte suficientemente forte a ponto de

apoiar as próprias decisões e as próprias experiências sem negar a sua parcela de

responsabilidade isto é, sem transferir a autoria a agentes exteriores alienando-as do sistema

ativo do Eu. Perder a autoria é perder ou minimizar todo esse processo na relação sujeito-

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mundo, de modo que o mundo assuma total predomínio, a tal ponto que o sujeito desapareça

ou tenda a desaparecer” (Profª. Marisete Malaguth, no artigo “Ajustamento Criativo e

Autossuporte”, a ser publicado).

As falas foram transcritas literalmente e em itálico para facilitar ao leitor, designando-

se “T” para a terapeuta, “G” para Gustavo e “L” para Luana (esposa de Gustavo).

A psicoterapeuta desde a primeira sessão procurou ouvir o cliente de forma atentiva,

respeitosa e interessada, buscando estar presente numa atitude dialógica para que ele pudesse

sentir-se à vontade naquele espaço e desenvolver uma relação de confiança profissional. A

posição dialógica afirma que a relação que se estabelece entre cliente e terapeuta é o aspecto

mais importante do processo psicoterapêutico e, aqui o foco será nessa relação no intuito de

demonstrar o quanto esta pode propiciar a conquista da própria autoria existencial.

Gustavo chegou para a terapia, em dezembro de 2018, com a queixa relacionada ao

casamento. Descreveu inicialmente o quanto se percebe diferente da esposa e que essa diferença

se acentuou diante da criação da filha. O cliente expressou que sua esperança está na

psicoterapia, tendo em vista que buscou por várias alternativas, como cursos para casais

oferecidos pela igreja evangélica, orações e diálogos para melhorar a relação do casal que, no

momento, encontrava-se fragilizada. A primeira e a segunda sessões foram com o casal, e

ambos concordaram sobre o fato de se encontrarem em uma fase de extremo conflito no

casamento, onde se percebiam muito diferentes na forma de pensar e agir; e essas diferenças os

deixavam em conflito.

Luana (nome fictício), como será chamada a esposa de Gustavo, declarou, por vezes

durante as duas primeiras sessões, a inutilidade de psicoterapia, levando em conta que ela

percebe seu esposo como alguém sensível em excesso, que tem necessidade de explicar demais

assuntos que deveriam ser mais objetivos para ela. Todavia Gustavo se queixa inicialmente de

não se sentir escutado pela esposa, a ponto de se irritar muito e perder o controle de suas ações.

Durante as primeiras sessões pode-se perceber aquilo que aparece como figura no

campo e a profissional usou do contato terapêutico para captar a figura elegida, no intuito de

recapitular e, assim, evidenciar o modo como o cliente faz contato com ele, com o outro e com

o mundo nessa tríplice direção citada por Ribeiro (1994). Vale demonstrar que o contato que

permite o olhar para o outro de forma atenta, vendo esse outro como diferenciado de si mesmo,

traz motivação para o crescimento para a procura de possibilidades. Isso pôde ser percebido, na

3ª sessão, onde, Gustavo decidiu continuar em terapia, mesmo a esposa tendo desistido.

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Gustavo relata ter percebido na última sessão que sua forma de se relacionar com o outro

pode ser diferente e melhor, tendo em vista que, ele preferiu olhar para novas possibilidades em

si primeiro e, então descobrir seu papel na relação.

G: Ela não vai continuar, mas eu não quero insistir sabe, eu percebi que se eu forçar não vai

adiantar, vamos ficar brigando e ela vai ficar vindo só porque eu quero. (...) na última sessão

eu percebi que tem coisas individuais que podem me ajudar na minha relação com minha

esposa. Eu senti isso sabe, que o que você falou de os dois estarem querendo a mesma coisa,

essa coisa de sentir, eu vi que preciso cuidar disso, do meu sentir. Vi que dá pra fazer o que

depende de mim. Eu tava olhando só o que temos de diferente, achei muito massa ver que é

igual à intenção, que queremos a mesma coisa, mas só o caminho que tá meio agressivo, ruim.

T: É muito sagrada para mim sua escolha de olhar para você. Como é perceber que você pode

cuidar do seu sentir? (suporte dado pelo do Terapeuta)

G: É tipo uma luz no fim do túnel, minha esperança é isso sabe, eu quero ver, eu achei muito

legal essa visão que você tem de fora, e você é mulher, eu quero ver sua visão. Porque você viu

umas coisas que eu não tinha visto.

A fala do cliente demonstra uma reconfiguração de Gestalten, sua tendência à

atualização para as condições do seu meio, do seu relacionamento e do momento de sua vida

aqui e agora, onde pode auto-regular-se respeitando sua individualidade e privilegiando

suas necessidades emergentes. Para essa auto-regulação foi necessário que o cliente tivesse

percebido respostas novas para as situações vivenciadas, respostas essas, que o mesmo

referenciou às intervenções da terapeuta confirmando a ideia de que a postura dialógica, é

vivida por ambos os polos da relação terapeuta-cliente, e não experienciada direta e

objetivamente apenas por um ou por outro, de forma que, a disponibilidade do cliente pôde

conectar-se à presença disponível e engajada da terapeuta, numa nova possiblidade de

awareness.

G: Eu tenho muita coisa pra falar hoje, eu queria falar um pouco sobre a minha dificuldade

de planejar as coisas, eu sou muito intenso, e eu gosto de viver aquela situação ao máximo,

igual, com o meu primeiro cartão de crédito (...) Eu estourei ele na primeira semana e tive

um grande problema por isso. Eu tenho a necessidade de visualisar tudo sabe, tipo um

esquema, mas não consigo fazer isso com tudo mas eu tenho uma necessidade de fazer, estou

aqui pra saber o que fazer. (Se emociona).

T: Que emoção vem aí, quando você fala sobre sua primeira chance? (contato com a figura

organísmica emergente)

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G: Eu não sei, eu, espera (Silêncio). (Segura o choro e respira fundo) Eu não sei... é que foi

muito difícil pra mim, sabe? Eu não sei explicar minha emoção, eu não consigo olhar, é...

sempre foi dificil eu chorar perto de alguém, então vamos tentar mudar de assunto por

favor...

T: Que bom que você consegue perceber isso que é muito dificil pra você, é uma sabedoria,

ver que é dificil se emocionar perto de outra pessoa.

Aqui pode-se perceber a emoção de Gustavo ao olhar para para suas fragilidades e a

intervenção da psicoterapeuta que o trouxe para o aqui e agora no intuito de que ele ficasse

totalmente presente na emoção, com o seu olhar focado no momento, nos sinais do próprio

organismo. Tal interveenção se deu pela visão da terapeuta para o que se tornou figura, para

a emoção que emergiu do fundo no contexto seguro da relação presente T|Cl. A busca do

significado das figuras que emergem no ciclo figura-fundo dirige com frequência, o processo

terapêutico, para a identificação do padrão existencial do cliente, trazendo à vista, a

dificuldade repetitiva de Gustavo de olhar e expressar suas emoções no contexto

interrelacional.

Nas sessões seguintes, Gustavo pôde perceber algumas questões sobre as exigências

dos pais sobre ele, para a conquista de um futuro financeiro promissor, exigências essas, que

vieram desde a infância e, que agora também percebia essas mesmas exigências aparecendo

na sua relação marital. Ele por vezes, se emocionou ao falar sobre o quanto se sentia exigido

pela esposa, pela família e por si mesmo, na sua necessidade de corresponder a estas

expectativas. Exemplo no trecho da 5ª Sessão em Janeiro de 2019:

G: Eu fico com vontade de chorar mas eu não consigo chorar... Eu não quero ser fraco.

T: Fraco? Fraco pra quem?

G: Ahh, cara... fraco pra mim, pra todo mundo.

T: Todo mundo?

G: É, a sociedade cobra que a gente seja forte, não chore, aguente firme, parece que desde

pequeno eu tinha que dar conta, mas eu não conseguia dar conta.

T: Realmente, a sociedade cobra mesmo, o choro é fraqueza pra sociedade, mas e aqui, é

fraqueza pra quem?(contato consigo em situação)

G: Ehh (risos)... Você fala umas coisas né, você já sabia né, a resposta... (Risos). A sociedade

não tá me cobrando agora, eu to me cobrando agora, eu não me permito chorar.

Continuando nessa sessão, Gustavo conseguiu perceber que a cobrança também vem

dele, e a emoção estava sendo vista como fraqueza por ele, demonstrando auto suporte para

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essa importante auto-percepção. Nesse momento foi essencial que a psicoterapeuta também

tivesse criado um contexto relacional dialógico, de modo a ela mesma ter o suporte de poder

fazer a inveestigação fenomenológica da experiência imediata do cliente, criando um clima

ou seja, o suporte terapêutico para que Gustavo pudesse, relativamente sem medo, encontrar

a possibilidade de novos acessos a si mesmo.

G: Ta, eu sei, eu realmente acho que é fraqueza chorar, e agora, o que eu faço com isso, eu

não quero chorar.

T: Exatamente isso, você só precisa assumir que é sua a decisão de não chorar, assim, você

já fez, você já esta fazendo algo com “isso”.

G: (Risos) Ah então é só isso!... porque eu não consigo olhar, sabe ?...e sentir, quando você

me pergunta do meu sentimento, ai, é ruim aqui dentro.Aí vem aquela coisa do “fazer”.

É importante demonstrar que, na relação dialógica, o psicoterapeuta consegue acessar

o mundo do cliente, tornando possível resgatar suas potencialidades mais profundas através

da aceitação e da confirmação de sua identidade, sem tirá-lo de onde o mesmo se sinta

confortável, mas, ao contrário, mostrar que está tudo bem ficar onde se está, mas agora

consciente desse lugar e, sair ou não, se tornará uma consequência de sua percepção e decisão,

elementos parciais da sua autoria, tendo em vista que a evitação sistemática de conflitos e do

sentir demosntra a perda de autoria existencial, pela deconexão do sujeito com as suas

informações organísmicas, desconexão muito enfatizada pela orientadora desse trabalho,

como processo alienante de si.

Gustavo, em muitas sessões, em especial a partir da 5ª, relatou se sentir responsável

em execesso pelo outro, deixando de fazer para si para fazer pelo outro. Na 8ª sessão

(fevereiro/2019) o cliente chegou contando sobre sua relação com a esposa percebendo o

quanto a aproximação o deixa desconfortável.

T: Experimenta fechar os olhos, tenta se ouvir, sentir, você me disse que é dificil a itimidade

emocional, tenta ver como é se aproximar de você!

G: (fecha os olhos)

T: Tenta olhar pra você, aí dentro... o que você vê.

G: (Respira fundo) Eu vejo um quarto escuro.

A psicoterapeuta pede para que Gustavo descreva esse lugar, no intuito de levá-lo a

mergulhar em sua experiência de forma concreta, de modo a aprofundar sua awareness dessa

nova percepção. Ele, então, descreve um quarto escuro, sem portas e sem janelas, com Deus

do lado dele.

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T: Como você se sente com ai dentro desse quarto escuro, e com Deus com você?

G: Eu sinto medo, (Abre os olhos) Eu não consigo olhar mais (...)

T: Você conseguiu olhar, que bom que conseguiu, esse quarto é seu e você poderá entrar

sempre que quiser e precisar. É dificil mesmo, causa medo, e você só entra onde você tem

suporte, e você entrou. (confirmação e aceitação incondicional da experiência do cliente,

elementos essenciais da postura dialógica em psicoterapia).

Após essa sessão Gustavo trouxe demandas da infância, relembrou sobre como se

sentia atropelado pelos pais nas próprias escolhas, percebeu a angústia que sentia ao ser

atropelado pelos pais, descobrindo quer não conseguia escolher por estar em busca de cumprir

as expectativas e necessidades dos pais. Percebeu que continua atropelando a si mesmo e,

assim, os outros apenas repetem o que ele faz consigo.

G: Eu lembro, meus pais faziam de tudo pra gente, e como você falou, eles queriam

suprir algo que era deles. Esse era o sonho deles e eu tava alí me matando pra seguir, me

atropelando. Faz muito sentido o que você disse, eu namorei, mas não pude namorar direito,

tinha muita interferência, e já casei, já tenho filho. Eu me atropelei, virou um costume, eu

deixei as pessoas falarem, decidirem, até o momento que isso ficou desconfortável, por isso

você falou que sentir é bom, mesmo que o sentimento não seja confortável. Cara, ainda bem,

mas tá tudo meio bagunçado aqui. Na igreja isso acontece, em todo lugar, com amigos, eu

faço de tudo pra dar certo.(ele quer dizer, para atender as expectativas alheias).

T: Você se atropela pra “dar certo”?

G: Isso, eu me atropelo, eu me atropelo aí vem o outro e vê, como você falou, e fala,

já tá atropelado mesmo. Eu dou o caminho pra pessoa passar por cima (profunda awareness

de como ele contribui com o prório boicote do seu ser autêntico).

Nessa fala fica claro o momento em que o cliente percebe como constrói sua ausência

de autoria, ligada ao atropelamento que faz de si, a anulação de si pelo outro. Falta-lhe um

passo para perceber o que ele busca com isso: a aprovação que espera do outro e que tem

parecido, até então, ser para ele, uma necessidade essencial. Esse processo de percepção até

qui, foi extremamente necessário para o caminhar do cliente. A forma com que a terapeuta

suspendeu seus julgamentos quanto ao material que o cliente deveria trazer, fez com que o

ambiente se tornasse seguro para que Gustavo pudesse assumir sua responsabilidade em abrir

caminho para ser atropelado, e isso em si, já se apresentas como a abertura e entrada no

caminho de conquista da sua autoria, pois ao assumir sua responsabilidade, já é ser autor da

própria existência.

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A partir da 9ª sessão o paciente prosseguiu falando sobre sua percepção de ser

atropelado, de se deixar pelo outro, de agradar os outros, de projetar seu desejo em função do

outro, da dependência emocional e aos poucos foi se sentindo acolhido em sua dor no setting

terapêutico. Pode-se perceber que o cliente chega sem autoria e passa a experienciar como o

processo de psicoterapia contribui para esse modo de ser no mundo.

Após a décima oitava sesão, Gustavo entra, surpreendentemente, na awareness ainda

mais profunda, percebendo o quanto seus sitomas expressam sua necessidade de ser autor de

sua existência. Segue, abaixo, o exemplo dessa sessão, onde ele chega descrevendo sua

necessidade de olhar para o que está mexendo com ele, e escolhe, por si mesmo, tomar a

iniciativa de se olhar mais profundamente, de ouvir a voz do seu próprio organismo:

G: Você pode apagar a luz?É que eu preciso, é que eu sinto que a luz acessa pode me distraír,

com algum objeto, como sempre faço, eu mudo de assunto né, então se você não se importar.

T: Claro, eu posso apagar, se isso vai significar para você um lugar sem distrações.

(Terapeuta se levanta e apaga a luz do consultório).

G: (Se senta de maneira mais confortável, tira os chinelos, coloca os pés no tapete, fecha os

olhos, e não diz nada por alguns segundos...) Obrigado, muito obrigado, (respira fundo).

T: (De olhos fechados) Onde você está nesse momento? (A Terapeuta vai onde está o cliente,

um dos preceitos da dialogia gestáltica).

G: Estou me sentindo dentro de um quarto de vidro, todas as paredes são de vidro, não é bem

um quarto, mas um caixote alto, eu ando, eu corro e eu empurro ele, é muito dolorido olhar

(chora)...

T: é dolorido olhar?

G: Sim, dói porque eu estou empurrando há tanto tempo (...).

T: Você me disse que tem muito tempo, e que está cansado, você pode me dizer quanto tempo?

G: Ah, eu não sei... Desde criança, eu cresci aqui, empurrando, e cada vez que eu cresço aqui

fica mais apertado, aí eu empurro mais, pra eu caber, mas eu não caibo mais... (chora)...

Na investigação fenomenológica a terapeuta pretende que o cliente fique awareness de

si, mantendo o cliente absorvido na situação presente, ampliando o impacto da experiência

metafórica que ele criou, entendendo que a cada awareness que o cliente chega, mais perto fica

de articular temas da própria vida e mais perto também da expressão desse tema. Nessa sessão

o cliente descreve essa caixa de vidro, demonstrando ver as pessoas lá fora, mas essas pessoas

não o vê, descreve ainda que, está sozinho dentro da caixa de vidro com uma caixa de

lembranças ao seu lado que o faz se sentir apertado.

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T: Como é, estar aí sozinho?

G: É ruim, mas é bom, porque eu vejo tudo, e eles não veem nada aqui. É ruim porque dói ficar

sozinho.

T: Você está sozinho, do lado de dentro vendo tudo lá fora, vendo sua família, tenta olhar pra

você agora, como você está? Em que posição está?

G: Estou sentado no chão, com as pernas encolhidas, com os joelhos dentro dos braços, com a

cabeça olhando pra fora, para os vidros...

T: Você tem vontade de fazer alguma coisa quando se olha?

G: Tenho, eu quero esperar, Deus vai me tirar daqui...

T: E o que você está fazendo agora?

G: Estou sentado esperando... (silêncio por alguns segundos) agora estou olhando pra cima...

T: olhando pra cima, e o que você vê?

G: Sim eu estou olhando pra cima, eu vejo que em cima está aberto, Deus pode me tirar daqui...

T: Você quer sair daí? (a terapeuta foca o conflito, pontuou a Orientadora).

G: Sim... (silêncio)

T: Você quer sair dai? (a terapeuta insiste na awareness)

A intervenção da terapeuta teve a intenção de que o cliente fizesse contato com a própria

experiência de conflito, confirmando a ideia de Ribeiro (2017) quando o mesmo diz que, para

crescer, o cliente, precisa apenas, alargar um pouco a fresta, da qual ele, medrosa ou

cuidadosamente, olha o mundo lá fora. E ele só conseguirá sair e atravessar aqueles espaços

quando a luz do outro, nesse caso a terapeuta, até ele se fizer chegar e a partir daí a luminosidade

o envolverá amorosamente. E essa luz surgiu quando a terapeuta percebeu e tocou o conflito

entre permanecer e mudar a posição existencial simbolizada na metáfora criada pelo cliente

(Malaguth, durante a Orientação).

G: Eu não sei... Eu...

T: Você quer sair?

G: Não, eu estou sentado, esperando Deus me tirar, mas eu estou ficando né, eu não estou

fazendo nada pra sair, eu quero ficar, aqui eu fico seguro, eu vejo todo mundo, Deus me vê...

Minha caixinha de coisas importantes está aqui... Não preciso de mais nada... Por isso eu não

saí...

T: Como é pra você perceber que você quer ficar? Que você está sentado e não está fazendo

nada para sair?

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G: Eu acho que... (silêncio) eu acho que... (silêncio)... Eu sempre quis ficar, mas agora parece

que... Não sei...

T: Alguma coisa mudou nesse lugar, onde as paredes são de vidro, tem uma abertura no teto,

um lugar apertado...

G: Sim, eu estou vendo uma porta, é uma porta, ela sempre esteve ali... É engraçado isso, eu

sempre me senti preso e agora... Agora eu estou escolhendo ficar...

O cliente vai ganhando coragem de se assumir conforme vai encontrando suporte

terapêutico para entrar em contato com a experiência, e aos poucos consegue aprofundar e fazer

relação com a sua realidade vivida. Este suporte se acontece quando a terapeuta demonstra estar

acolhendo a experiência desse cliente sem pressa, sem a prioris, aguardando o tempo que o

mesmo necessita para se examinar.

T: Como é perceber uma porta, perceber uma possibilidade de sair?

G: Nossa, é estranho, é como se eu sempre esperasse uma chance de sair, e vivia reclamando

que isso não acontecia, e eu empurrava as paredes, mas agora eu entendo, eu empurrava na

tentativa de me fazer caber... (ou seja, permanecendo no mesmo lugar, sem coragem porque

eu não queria sair de verdade)... Parece que você me mostrou a porta, parece que ela sempre

esteve ali, mas eu precisei de alguém entrar comigo pra eu ver, porque eu estava com medo...

(...) Eu fico emocionado (chora), é muito importante pra mim, saber que não sou obrigado a

sair e nem a ficar... (abre os olhos)

Assim pode-se se perceber que, sob a égide da Gestalt-terapia, a vida é um processo de

constante de soluções de conflitos, e dessa forma reforça-se a ideia de Zinker (2001) expressada

nessa introdução, levando em conta que todo ‘conflito’ é um esforço para tornar a vida mais

tolerável.

Foi visto durante a Orientação do caso que enquanto evitava o enfrentamento do seu

conflito, Gustavo foi perdendo a autoria e, assim, o sintoma “perda de autoria” revela uma

forma de evitar assumir suas forças e fraquezas, atribuindo-as à necessidade de atender ao outro.

Isso foi demonstrado na metáfora trazida pelo cliente, onde ele pode se perceber observador da

vida, das pessoas, da relação, em uma zona que foi confortável por algum tempo. Porém, chegou

o momento em que o desconforto se tornou intolerável pelas novas exigências da vida adulta,

fazendo aquele lugar seguro, ficar muito apertado e paralisante para a permanência de todo um

dia e, pela projeção no futuro, de toda uma vida. Assim, a necessidade do corpo era sair daquele

espaço ou de pelo menos ir e voltar, decisão que o cliente percebeu que deveria tomar, para

atender suas necessidades existenciais presentes, segundo mostrava a sua consciência.

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Em suma, a busca da psicoterapia se deu quando Gustavo passou a se perceber

atropelado, em especial após o casamento, e sentiu a necessidade de expressar sua vontade e

responsabilidade. Durante o processo terapêutico, passou a ter a exigência de escrever sua

história, ou seja, podendo escolher sair ou ficar, sempre que lhe fosse necessário, como foi dito

acima. Aos poucos, o processo de explorar a caixa de vidro foi lhe proporcionando a autoria,

assumindo o risco de escolher. Desde o início da psicoterapia, o cliente demonstrava extremo

desconforto em estar no lugar do atropelamento e, por isso, pôde continuar a psicoterapia

individualmente, ao perceber no setting terapêutico uma nova possibilidade de relação, onde

encontrou escuta e acolhimento. Essa atitude de aceitação sem julgamento foi lhe

proporcionando coragem para olhar para si, para se responsabilizar e tomar decisões.

Na 37ª Sessão, acontecida em novembro de 2019, pode-se perceber o quanto a

conquista de autoria passa a ser uma necessidade para Gustavo e aos poucos o mesmo passa a

sair de sua caixa de vidro para escrever sua história. No fragmento de sessão abaixo, a

Orientadora fez a leitura do significado dessa queixa do cliente, e isso ainda não foi focado pela

terapeuta, por ter-lhe escapado esse reconhecimento. A Orientadora mostrou que nesse

movimento de saída, Gustavo encontra a resistência da sua esposa, acostumada a seu antigo

modo de ser. Ele, então, relata muita dificuldade em prosseguir no seu caminho de libertação,

pois fica confuso entre o que é de da responsabilidade fazer e o que é submeter-se à vontade

alheia.

G: (...) Eu não tô sabendo atingir a minha esposa pra explicar algumas coisas muito básicas.

(...) E ela organizou o meu dia como se fosse eu. E não quer saber se eu tô mal (...). Aí eu

levanto, tomo banho, levo ela na feira, espero, deixo ela na casa da tia dela pra vir pra cá. E

já é 4 horas. Eu falei “Nossa não vai dar tempo de eu consultar”. E ela não se importa. Ela

não se importa... E eu não consigo mais não fazer como eu já tava fazendo.

T: Não fazer, como?

G: Não fazer. “Não, não vou levar não, não vai comprar os trem!”. Ela me pediu já tem mais

de um mês e tanto, que ela tinha pedido pra mim, que ela tinha conversado comigo sobre essas

coisas. Eu entendo isso, entendo essa questão. (...) Eu chego em casa, tem um monte de coisa

pra fazer, um monte de coisa pra pagar, um monte de coisa... Eu sei que isso é coisa de adulto,

de vida de casado, mas... Eu me sinto sufocado, sem energia. E eu não consigo explicar pra ela

que isso é o que é. (...) Cara, é muito difícil, e aí eu fico cansado, eu fico triste, a gente briga,

a gente discute, é difícil, é difícil.

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Aqui a terapeuta perdeu a oportunidade de examinar “o que é difícil”; provavelmente chegaria

ao conflito do Gustavo entre “Eu entendo isso, entendo essa questão... eu sei que isso é coisa

de adulto” e “eu me sinto sufocado, sem energia. E eu não consigo explicar pra ela que isso é o

que é...”.

Em Gestalt-terapia, a necessidade advém de um modo geral, das relações do sujeito com

o ambiente, suas escolhas no aqui e agora, sempre em situações contingenciais (Ribeiro, 2006).

A necessidade emerge de um fundo psíquico, representado pela história de vida da pessoa, e a

sua não satisfação quebra a autorregulação pela qual ela se sente inteira. Gustavo pode perceber

que ceder ás necessidades dos outros estava se tornando desconfortável e muito difícil e ao

longo da psicoterapia pode ir percebendo o quanto poderia se responsabilizar ou não. Ainda

nessa 37ª sessão Gustavo toma consciência de algumas coisas.

G: (suspiro) Toda vez que tem uma responsabilidade, é como se não houvesse argumentação.

Então tem que passar por cima de tudo pra fazer. É meio que meu jeito. Então se eu marquei

de tá aqui, eu tenho que vir. Não importa o que precise, o quanto custe, eu tenho que tá aqui.

T: Aham... E aí me parece então que você... Fica parecido com a sua esposa. Porque aí se tá

marcado, independente do que aconteça tem que fazer e se atropela como ela faz com você.

Como que é se perceber parecido com ela?

G: Sobre o que você falou, é muito ruim saber que eu pareço minha esposa. Eu sou muito

preconceituoso com ela às vezes. (risos) Você tá me reafirmando o começo de todas as sessões

né? De fazer, fazer, mudar a nossa energia muda o meio. Essa foi a primeira coisa que a gente

aprendeu aqui né. E cê tá repetindo, e parece que cê se esquece disso né. Não é que esquece,

não é isso. A resposta sempre foi isso, e não é claro pra mim que era essa a questão. Não tô

acostumado a ficar olhando pra mim. Tô acostumado a ficar olhando pro outro. Então eu fico

esquecendo que posso olhar pra mim, resolver comigo primeiro, e eu não me lembro disso, eu

me lembro de olhar pro outro. (...) Tem coisas que eu não quero parecer com a minha esposa.

Não é tudo também. Entendeu?

T: E é isso. Tem coisas que você parece, mas tem muitas coisas que você se diferencia. Mas

não gostar de se parecer talvez tenha a ver com o não gostar de se encontrar com isso. (...)

G: (...) São as coisas que eu mais critico nela, aí eu pego e faço (risos) entende?

T: E o que acontece aí dentro?

G: Eu não sei, é esquisito. É esquisito. A sensação que eu tenho é de tá fora do eixo assim,

perdido, longe do controle.

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A Orientadora observa que, como a terapeuta perdeu o essencial da comunicação do

cliente, nessa sessão, ela se mostra desconectada com o ele até o fim, a ponto de que Gustavo

se sente confuso com as observações da profissional, que o distanciam de si mesmo, nesse

momento relacional.

Esse equívoco no diálogo revela como uma boa relação pode ser restaurada, embora o

terapeuta por inexperiência ou por limitação humana natural perde o “contato’ com o sentido

da queixa expressa pelo seu cliente”. E mesmo assim, a relação perdura com um vínculo

positivo e eficiente, pois o todo é sempre mais determinante que apenas uma parte. E isso se

pode comprovar nas sessões seguintes.

A despeito do engano, alguma awareness foi conseguida pelo cliente nessa sessão. Ele

concluiu essa parte do procedimento psicoterápico com o insight olhar para si mesmo diante

do outro. Mas esse caminho de mudança não ocorre sem inquietação. Tudo o que abala o todo

é sentido como hostil, como perigo, como ameaça e precisa ser aniquilado pela evitação, (Perls,

2002, p. 109). Trata-se do mecanismo de defesa, de onde prospera a resistência, que vem

permeando, aqui e ali, o trabalho psicoterápico de Gustavo. Por uma série de pressupostos

humanista, a Gestalt-terapia é prudente com relação à resistência e não vai quebrá-la a qualquer

preço. À medida que Gustavo tem mais autoria – e autoria é unidade de sentido de seu programa

psicoterápico - consegue aprofundar o contato com seus sentimentos e emoções e a partir deste

ambiente surgem novos e constantes insigths.

Após essa sessão Gustavo passa a perceber a importância de conquistar sua autoria, percebe

que não pode ser atropelado, nem por si mesmo, com sua racionalidade e vontade de fazer, e

nem pelas pessoas. Afirma que não ser ‘atropelado’ se torna saúde para sua existência.

T: E o que será que tá acontecendo com seu corpo, que agora atropelar já não tá sendo mais

acessível?

G: Isso aí é segurança né. Isso é saúde. Isso aí eu entendo. Mas geralmente as pessoas também

não estão prestando muita atenção nisso não. E depois elas estão me chamando de louco

quando eu estresso (para não se deixar atropelar). Então parece que veio do nada. Mas não

veio do nada. Só que agora demora-se muito menos. Antes era aquele ‘banho maria’ toda vida,

entendeu? Mas agora não dá mais tempo de fazer essas coisas mais. (...) É porque a gente não

se vê, a gente acha que não existe, a gente quer mostrar que existe, que tá ali, que não quer ser

atropelado, e quer crescer no ambiente. Eu penso que é por aí.

(...)

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T: Então, vamos olhar... Porque você falou mais de uma vez sobre essa questão de idade assim,

que não tem mais tempo. O quê que tá acontecendo? Qual que é o significado do tempo pra

você?

G: Eu quero ter uma estabilidade melhor, pra fazer as coisas. É o recurso de novo, pra voltar

a ter tempo. Pra desempenhar as coisas. E, pra isso tem que ter uma maturidade, não só

financeira, talvez a última. Pra mim hoje eu vejo que tem que ter toda uma preparação

psicológica, familiar, pra depois vir recurso financeiro. Então, qualquer recurso financeiro

que vier a mais, com todo esse preparo, ele é bem focado, ele é bem absorvido, ele gera uma

vida melhor. (...) Então antigamente podia fluir rios de dinheiro na minha mão que eu só ia ter

mais problema por causa disso. (...) É como se eu quisesse planejar de novo o meu futuro,

entendeu? (...) ter preocupações mais adultas... (...)

T: E o que que tá acontecendo aí que as preocupações adultas estão chegando?

G: (risos) Sei não... Talvez eu não esteja me vendo tanto como criança também. Tão inocente,

tão largado, tão perdido, né? É um caminho que a gente vai encontrando pra gente.

Nessa sessão, Gustavo já se mostra iniciando a resolução do conflito entre assumir

responsabilidades familiares por si mesmo, por sua própria consciência e decisão, sem se sentir

dominado pelo outro como uma criança, pois se acha apropriando consciente e

progressivamente do seu estágio adulto.

O cliente inicia o processo de conquista de autoria ao se apropriar de si como adulto e

além de tudo passa a reconhecer essa conquista. Vale ressalta a importância da relação, do

suporte, pois desde inicio do processo Gustavo estava em busca de uma escuta, de uma relação

que lhe pudesse proporcionar suporte para encorajá-lo a enfrentar seus conflitos e isso

aconteceu na relação dialógica terapeuta-cliente, mesmo que não expressamente dito, tendo em

vista que a experiencia vivida além da palavra é a principal característica de um bom trabalho.

Para finalizar a demonstração das sessões vale expor o trecho da 44ª sessão onde

Gustavo demonstra sua percepção sobre si sobre os outros, sobre conferir quando está se

olhando verdade, sentindo e decidindo, sendo autor ou não:

G: Parecia uma fantasia na verdade. Tipo parecia que é uma coisa que é teórica. Tipo é o

caminho, mas só, entendeu? Bem parede. Parecia uma imagem na parede, bem fixo lá, mas

não dá pra entrar entendeu? E agora pareceu prático pra mim. Isso é muito bom, inclusive.

(...) É. Pra você... “olha pra mim de verdade”, mas aí eu digo “já estou olhando” e aí eu penso,

será que se eu parar de olhar a angústia vai embora? Entendeu? Aí não vai. Aí eu olho de

novo. Mas seu estou olhando e a angústia não vai. Então nem quando eu não olho e nem quando

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olho a angústia tá lá do mesmo jeito. Porque eu não tava olhando de fato ainda. Isso é muito

bom!

Gustavo continua e psicoterapia, até o momento deste trabalho, e a cada dia tem

percebido seu lugar de autoria em sua existência, assumindo o seu estado existencial de adulto

que tanto lhe assustava a ponto de permitir ao outro administrar e controlar a sua existência. O

ambiente terapêutico se tornou fundamental para que o cliente pudesse experimentar ser autor,

tendo em vista que foi essa a dor que lhe era inerente, ao recusar um modo de ser que seu

próprio organismo exigia, na temporalidade irrefreável da existência.

Cabe registrar aqui, a leitura que foi feita em interlocução com minha Orientadora:

“Gustavo viveu (onde se acha menos, mas continua envolvido) na difícil escolha entre a

coragem de ser ele mesmo ou permanecer ancorado no conhecido lugar anterior onde, como

uma criança, deve corresponder sempre às expectativas do outro por depender completamente

da sua aprovação, na ânsia de ser reconhecido, valorizado ou amado (ele ainda não chegou

claramente nessa awareness). Gustavo foi escolhendo permanecer no lugar conhecido, onde se

sentia protegido do risco que implica a coragem de ser ele mesmo, no caso, de ser adulto. Esse

medo certamente tem como fundo o ver-se como incompetente para assumir as tarefas dessa

faixa existencial. A ausência de risco, em geral percebido com o “já conhecido” pelo ser

humano, foi lhe deixando acomodado na condição existencial eleita, até que as exigências das

novas situações da vida começaram a transtornar violentamente a sua comodidade e a coagi-lo

para que ele saísse do lugar habitual que não mais cabia à extensão adulta do seu corpo

simbólico e vivido” (Malaguth, em A Significação dos Sintomas Psíquicos, 2017, 2018 e 2019,

Curso no ITGT.).

Em síntese, na metáfora criada por ele, pode-se ver claramente como esse lugar se

tornava progressivamente pequeno para conter suas necessidades emergentes com o transcorrer

do tempo vivido e as novas exigências que esse tempo faz a todo ser humano à medida que

avança sua faixa etária. As exigências da infância bem acomodadas naquele pequeno espaço,

já eram passadas e agora as novas exigências de um homem adulto clamavam por um espaço

maior de acolhimento e de liberdade de movimento e ação.

Aderida à relação dialógica, a psicoterapeuta desse trabalho, investe sua atenção no local

onde está o cliente, visceralmente interessada na experiência dele; essa postura significa não

apenas voltar-se para o outro e afirmar sua existência presente, mas acreditar firme e

resolutamente na possibilidade do seu vir a ser.

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6 - CONCLUSÃO

Conforme o descrito na introdução, Hycner e Jacobs (1997) expressam que pouco se

escreve sobre a postura dialógica tendo em vista a “invisibilidade” do fundo nos fenômenos

figura/fundo que sempre estão lá e, portanto, difícil de discernir. Com frequência é muito mais

sentido, que experienciado racionalmente.

Vemos então que a eficiência terapêutica está relacionada com a atenção exclusiva

descrita por Perls (1988), e isso significa que está intimamente relacionada com a presença

dialógica expressa na inclusão, confirmação e comunicação genuína. Dessa forma fica

confirmada a extrema importância da relação terapeuta-cliente para a conquista de autoria do

cliente sobre a sua própria existência. Vemos também que os conceitos fundamentais da

Gestalt, nos ajudam a ter um entendimento muito mais verdadeiro do funcionamento humano,

permitindo-nos nos aproximar do significado da realidade observada e poder responder com

mais eficácia ao fenômeno presente, entendendo-o como ancorado naqueles princípios

funcionais descobertos e descritos pela Gestalteoria e pela Teoria Clínica da Gestalt-terapia.

Nesse trabalho terapêutico, porém, o que mais nos foi confirmado e nos fez convencida

do poder de efetiva ajuda, foi a insistência da Orientadora de que cabe à terapeuta assumir a

função de ser a grande organizadora do diálogo, como prescreve a Dialógica, confirmando a

existência do outro, sem nenhuma certeza pressuposta, nem mesmo a certeza advinda da

experiência clínica com o próprio cliente - conceito prévio que foi cunhado por ela com a

expressão “apriori clinico”- . A pessoa deve ser apreendida, em última instância, como única

passível de mudança e sujeita à revelação de novo e inesperado perfil do seu ser em devir, no

mundo.

Para a concepção do homem, Buber contribuiu de forma enérgica e expressiva,

enfatizando a importância da relação no sentido de confirmar até a própria existência do

homem, pois este é um ser relacional que precisa ser confirmado pelo outro para o sentimento

de certeza de sua real identidade. Este reconhecimento do poder da confirmação dá, ao

terapeuta, um sábio grau de humildade fazendo-o render-se diante da existência como esta se

apresenta e se revela à sua frente.

A fundamental influência do “entre” na dialogia terapêutica da Gestalt, pode ser

expressa nesse fragmento buberiano, não só aceito, mas inteiramente experienciado pelo

verdadeiro Gestalt-terapeuta dialógico:

"Nós não existe, mas é composto de Eu e Tu; é uma fronteira sempre móvel onde duas

pessoas se encontram. E quando há encontro, então eu me transformo e você também se

transforma" (Buber, 2001, p. 9).

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Seguindo esse princípio, Yontef (1998) afirma que a função do trabalho terapêutico é

buscar restaurar o contato através da relação dialógica, nesse encontro de duas pessoas, no qual

uma se deixa impactar e responder à totalidade da outra, e onde o interesse de ambas é no que

acontece entre elas. Trata-se de uma psicoterapia que, pela forma de abordar o sujeito e

estabelecer a relação terapêutica e o curso da mesma, se insere nas psicoterapias de base

fenomenológico-existencial e é considerada uma terapia de contato. Ela está atenta ao revelar-

se contínuo do ser, não imprime significados ao outro e trabalha basicamente na esfera do

“entre”. Isso significa que é no “como” a relação se estabelece e se desenvolve que o trabalho

terapêutico vai se construindo. E é neste espaço do “entre” que o ser de cada um germina e se

transforma. E em algum momento surge o contato genuíno, o TU para o cliente, quando a

pessoa deste se mostrar, realmente, interessado em si e também no terapeuta, interessada num

outro genuinamente.

Um dos objetivos centrais desta abordagem é ampliar a consciência do cliente sobre sua

forma de se relacionar consigo mesmo, com os outros e com o mundo à sua volta e ajuda-lo a

encontrar um caminho de maior autonomia e independência, baseando-se no auto suporte (auto

aceitação, autovalorização, autoconfiança), contando com seus próprios recursos internos,

possibilitando a emergência de mais ajustamentos criativos.

A maturidade, para a Gestalt-terapia, sempre foi vista como a responsabilidade pela

própria vida e é exatamente neste sentido que ela trabalha, ajudando as pessoas a se tornarem

mais maduras emocionalmente a partir de uma maior conscientização a respeito de si mesmo.

Isso se dá através de uma terapia de contato, feita no aqui e agora, dentro de uma relação

dialógica que se estabelece entre o terapeuta e o cliente, visando à ampliação da

conscientização,

Porém, complementa e alerta a Orientadora desse trabalho que, “essa maturidade,

responsável por si” revelada na sessão com o profissional, ou seja, o cliente se mostrar capaz

de dar a resposta verdadeira exigida pelo contexto entre ele e seu terapeuta, só será uma

transformação real da consciência e não mera aquisição estratégica de comportamentos e atitude

pragmatista, se o cliente for capaz de levar para o espaço inter-humano e social, onde vive, a

mesma postura dialógica, comprometida e engajada na responsabilidade por si e pelo outro.

Isso significa que, ao ser verdadeiro nas relações interpessoais, ele mostrará não só o respeito

e consideração por si mesmo, desenvolvidos num bom processo terapêutico. A coragem de se

expor como verdade ante o TU é uma demonstração, ao mesmo tempo, de dignidade e irrestrito

respeito e consideração pelo Outro, ao se recusar a enganá-lo ou iludi-lo, com fins não

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confessados. A resposta sincera ao TU é, assim, uma manifestação de compromisso,

engajamento e de amor inter-humano, prescritos pelo cerne do pensamento dialógico”.

Atualmente, Gustavo continua em processo de psicoterapia, demonstra ter percepção

sobre sua responsabilidade de agir na vida prática, porém ainda está em processo de examinar

sobre como julgar e decidir até que ponto se responsabilizar e pelo que se responsabilizar.

Atualmente está tendo sessões com a esposa e esta, inclusive, tem aceitado fazer sessões

individuais. Luana, a esposa, tendo percebido a evolução de Gustavo, se interessou em

participar também de sessões com o marido. .Nesse particular, foi observado que, em relação

ao casamento, o casal tem trabalhado sobre a compreensão do comportamento do outro e o uso

de mais empatia.

Como Gustavo está dividindo suas sessões com a esposa, pode-se perceber evolução no

diálogo do casal, com espaço para escuta e maior empatia entre eles. Ademais, Gustavo tem

percebido suas possibilidades de escolhas, isto é, não se deixando ser atropelado. O cliente se

matriculou no curso de Psicologia e afirma ter encontrado muita afinidade com o curso,

considerando-o muito ligado às suas habilidades. Tem desenvolvido ainda atitudes

prospectivas, lançando os olhos para o futuro e estabelecendo, surpreendentemente, novas

metas para sua atual etapa.

Gustavo tem demonstrado, dessa forma, sinais de estar conquistando autonomia e

autoria na construção da sua existência, em aspectos relacionais, emocionais e práticos tendo,

com isso, a cada momento, se aproximado de sua experiência tanto organísmica como

interpessoal e socioambiental. Alguns exemplos dessa aquisição de autoria, identificados em

sessão foram: ter conseguido decidir por si mesmo sobre assuntos de corresponsabilidade

familiar, ao tomar a iniciativa de limpar o nome da esposa e o próprio; estar gastando apenas o

necessário e não de forma perdulária, como fazia; e tendo participado e decidido de forma bem

mais frequente, sobre assuntos a respeito dos filhos.

Sobre o fator de intimidade interpessoal, Gustavo ainda tem dificuldades em se abrir

emocionalmente para a esposa, mas agora, com uma percepção mais afinada sobre sua

resistência nesse aspecto.

7 - REFERÊNCIAS

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ANEXO