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    Actividade Conscincia e Personalidade

    Alexei N. Leontiev

    1978

    Fonte:The Marxists Internet Archive

    Traduo para o portugus: Maria Silvia Cintra Martins

    Prefcio

    A crise metodolgica que a psicologia mundial vem tentando resolver durante os ltimoscem anos destruiu o sistema unificado do conhecimento psicolgico. Os psiclogosdividiram-se em diversas escolas e direes, e seus representantes discutem entre si sobre oassunto de sua cincia. Considerando formas de resolver a crise, A. N. Leontev, membroativo da Academia de Cincias Pedaggicas da URSS, demonstra em seu livro asuperioridade da metodologia marxista na resoluo de problemas fundamentais dapsicologia contempornea.

    O livro dirigido a filsofos, psiclogos e professores, e a todos que estejam interessadosnas questes tericas da cincia que diz respeito origem, funo e estrutura do reflexopsicolgico da realidade.

    Introduo

    Este pequeno volume terico permaneceu por muito tempo em preparao, e mesmo agorano posso consider-lo terminado - uma boa parte dele consiste de anotaes semexplicaes. Por que decidi public-lo, apesar disto? Admitirei prontamente que no foi poramor teoria.

    As tentativas de investigar problemas metodolgicos da psicologia sempre evocam aconstante necessidade de pontos de referncia tericos sem os quais a investigao ficafadada a permanecer limitada.

    J faz quase cem anos que a psicologia mundial vem se desenvolvendo sob condies decrise em sua metodologia. Tendo se dividido, por essa poca, em cincia humanstica enatural, descritiva e explanatria, o sistema de conhecimento psicolgico apresenta sempre

    http://www.marxists.org/http://www.marxists.org/
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    novas brechas dentro das quais parece que o verdadeiro sujeito da psicologia desaparece. Osujeito , tambm, s vezes reduzido sob o pretexto da necessidade de desenvolver pesquisainterdisciplinar. s vezes, h at vozes que se ouvem abertamente e que convidamestudiosos de outras reas para a psicologia: "Venham e dem-nos regras." O paradoxoconsiste em que, apesar das dificuldades tericas, no mundo todo h agora um mpeto

    excepcional em direo ao desenvolvimento da pesquisa em psicologia sob a presso diretadas exigncias da prpria vida. Como resultado, tornou-se ainda mais aguda a contradioentre a quantidade de material factual que a psicologia acumulou escrupulosamente emlaboratrios excelentemente equipados, e a condio lamentvel de suas bases tericas emetodolgicas. A negligncia e o ceticismo com relao teoria geral da psique, e adifuso do factologismo e do cientificismo caractersticos da psicologia americanacontempornea (e no s dela) tornaram-se uma barreira que obstrui o caminho dainvestigao dos principais problemas psicolgicos.

    No difcil enxergar a conexo entre este desenvolvimento e a desiluso, resultante dasalegaes infundadas das principais tendncias ocidentais, americanas e europias, nosentido de que efetuariam uma revoluo terica h muito esperada na psicologia. Quandosurgiu o behaviorismo, falavam dele como de um fsforo que iria acender e fazer explodirum barril de dinamite; depois disso, pareceu que, no o behaviorismo, mas a psicologia daGestalt havia descoberto um princpio geral capaz de conduzir a cincia psicolgica parafora do beco sem sada para o qual havia sido levada pela anlise rudimentar, "atomstica";finalmente, muitos ficaram com a cabea virada com o freudismo, como se nosubconsciente ele tivesse encontrado um fulcro que possibilitaria levantar a psicologia edar-lhe realmente vida. Outras direes psicolgicas burguesas foram reconhecidamentemenos pretensiosas, mas o mesmo destino as esperava: todas se encontraram na mesmasopa ecltica geral que est agora sendo cozida pelos psiclogos - cada um de acordo comsua prpria receita - os quais tm a reputao de possurem "mente aberta".

    O desenvolvimento da cincia psicolgica sovitica, por outro lado, assumiu um caminhointeiramente diferente.

    Os cientistas soviticos contrapuseram ao pluralismo metodolgico uma metodologiamarxista-leninista que permitia a penetrao na natureza real da psique, na conscincia dohomem. Comeou uma busca persistente de solues para os principais problemas tericosda psicologia com base no Marxismo. Simultaneamente, continuou o trabalho sobre ainterpretao crtica baseada em realizaes positivas de psiclogos estrangeiros, e foraminiciadas investigaes especficas de uma ampla srie de problemas. Foram elaboradasnovas abordagens, assim como um novo aparato conceitual que permitiu trazer a psicologiasovitica para um nvel cientfico muito rapidamente, um nvel incomparavelmente superiorao daquela psicologia que recebera reconhecimento oficial na Rssia pr-revolucionria.Apareceram novos nomes na psicologia: Blonskii e Kornilova, depois Vigotski, Uznadze,Rubinstein, e outros.

    A questo principal foi que este se tornou o caminho de uma batalha contnua e decidida -uma batalha para o domnio criativo do Marxismo-Leninismo, uma batalha contra osconceitos que, sob uma ou outra aparncia, revelavam-se biologizantes, idealistas emecanicistas. medida que desenvolvamos uma resistncia a esses conceitos,

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    buscvamos, tambm, evitar o isolamento cientfico, assim como sermos identificadoscomo uma escola de psicologia que passava a existir lado a lado das outras escolas. Todoscompreendamos que a psicologia marxista no envolve, apenas, uma escola ou direodiferente, mas um novo estgio histrico que apresenta, em si, o incio de uma psicologiaautenticamente cientfica e consistentemente materialista. Tambm compreendamos algo

    mais: que no mundo moderno a psicologia preenche uma funo ideolgica e serveinteresses de classe; impossvel no reconhecer isso.

    As questes metodolgicas e ideolgicas permaneceram no centro da ateno da psicologiasovitica, particularmente no perodo inicial de seu desenvolvimento, que foi marcado pelapublicao de livros de importncia fundamental em suas idias, como "Pensamento eLinguagem", de L.S.Vigotski e "Fundamentos da psicologia Geral", de S.L.Rubinstein. necessrio, entretanto, reconhecer que, nos anos seguintes, a ateno para com problemasmetodolgicos diminuiu um pouco. Isto, naturalmente, no significa, de forma alguma, queas questes tericas se tornaram de menos importncia, ou que menos foi escrito a seurespeito. Tenho algo diferente em mente: a reconhecida negligncia na metodologia demuitas investigaes psicolgicas concretas, incluindo aquelas em psicologia aplicada.

    Este fenmeno pode ser explicado por uma srie de circunstncias. Uma delas foi quegradualmente surgiu uma quebra nas conexes internas entre a resoluo dos problemasfilosficos da psicologia e a metodologia real daquelas investigaes em andamento. Arespeito das questes filosficas da psicologia (e sobre a crtica filosfica das tendnciasestrangeiras, no-marxistas), no poucos livros volumosos foram escritos, porm asquestes pertinentes aos meios concretos de investigar problemas psicolgicos amplos malforam tocadas. Eles quase deixaram uma impresso de dicotomia: por um lado, h a esferadas problemticas filosficas, psicolgicas e, por outro, a esfera das questes psicolgicas emetodolgicas especficas que surgem no curso da investigao concreta. Naturalmente, indispensvel a resoluo de problemas estritamente filosficos em uma rea ou outra doconhecimento cientfico. Aqui, entretanto, estamos interessados noutra questo: com aresoluo, com base filosfica marxista, dos problemas especiais da metodologia dapsicologia enquanto cincia concreta. Isto requer a penetrao na "economia interna", porassim dizer, do pensamento terico.

    Explicarei minha idia usando um exemplo tirado de um dos problemas mais difceis quevm confrontando, h muito tempo, a investigao psicolgica, ou seja, o problema daconexo entre os processos psicolgicos e os processos fisiolgicos no crebro.Praticamente no necessrio, hoje, convencer os psiclogos de que a psique uma funodo crebro e de que os fenmenos e processos psquicos devem ser estudados juntamentecom os processos fisiolgicos. Porm, o que significa estud-los conjuntamente? Para ainvestigao psicolgica concreta, esta questo extremamente complexa. O fato quenenhuma correlao direta entre os processos cerebrais psquicos e fisiolgicos resolveu oproblema. As alternativas tericas que surgem com esse tipo de abordagem direta so bemconhecidas: ou uma hiptese de paralelismo, com o resultado fatal de levar a umacompreenso da psique como um epifenmeno; ou a defesa do determinismo fisiolgicoingnuo, com uma conseqente reduo da psicologia fisiologia; ou, finalmente, trata-sede uma hiptese dualista de interao psico-fisiolgica, a qual faz com que a psique no-material afete os processos materiais que ocorrem no crebro. Para o pensamento

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    metafsico, no h, simplesmente, qualquer outra soluo; apenas muda a terminologia quediz respeito a todas essas alternativas.

    Alm desse fato, o problema psico-fisiolgico tem um significado inteiramente concreto emuito real em seu mais alto grau para a psicologia, porque o psiclogo precisa,

    constantemente, ter em mente o trabalho dos mecanismos morfofisiolgicos. Ele no deve,por exemplo, fazer julgamentos sobre os processos de percepo sem considerar os dadosda morfologia e da fisiologia. A forma de percepo como realidade psicolgica , noentanto, algo completamente diferente dos processos cerebrais e de suas constelaes dasquais parece ser uma funo. Parece que temos, aqui, uma questo com vrias formas demovimento, e isto necessariamente apresenta um problema ulterior com relao quelastransies subjacentes que conectam estas formas de movimento. Embora este problemaparea ser acima de tudo um problema metodolgico, sua resoluo requer uma anlisepenetrante, como j disse, nos resultados acumulados pelas investigaes concretas nosnveis psicolgico e fisiolgico.

    Por outro lado, na esfera das problemticas psicolgicas especiais, tem-se focalizado aateno, cada vez mais, na resoluo cuidadosa de problemas isolados, no aumento doarsenal tcnico do laboratrio experimental, no refinamento do aparato estatstico, e no usodas linguagens formais. Sem isto, naturalmente, o progresso na psicologia seria, agora,simplesmente impossvel. Porm, evidente que algo ainda est faltando. crucial que asquestes especficas no tenham prioridade sobre as questes gerais, que os mtodos depesquisa no venham a obscurecer a metodologia.

    O fato que um psiclogo que trabalhe com pesquisa e esteja envolvido com o estudo dequestes especficas inevitavelmente continua a se confrontar com os problemasmetodolgicos fundamentais da cincia psicolgica. Estes aparecem diante dele, noentanto, sob uma forma obscura, de maneira que a soluo das questes especficas pareceno depender deles e requer, apenas, a proliferao e o refinamento dos dados empricos.Uma iluso de "desmitificao" da esfera dos resultados concretos de pesquisa, queaumenta, ainda mais, a impresso de uma ruptura nas conexes internas entre as basestericas marxistas fundamentais para a cincia psicolgica e sua acumulao de fatos.Como resultado, forma-se um vcuo peculiar no sistema de conceitos psicolgicos para oqual so atrados, espontaneamente, conceitos gerados por enfoques essencialmenteestranhos ao Marxismo.

    A negligncia terica e metodolgica aparece, tambm, s vezes, na tentativa de seresolverem certos problemas psicolgicos puramente aplicados. Muito freqentemente,aparece nas tentativas de se usarem mtodos que no tm base cientfica de forma no-crtica, para fins pragmticos. Ao se fazerem tentativas como essas, os pesquisadoresfreqentemente especulam sobre a necessidade de aproximar mais a psicologia dosproblemas reais que se manifestam pelo nvel contemporneo de desenvolvimento dasociedade e pela revoluo tcnico-cientfica. A expresso mais flagrante desse tipo detentativa a prtica do uso impensado de testes psicolgicos, geralmente importados dosEstados Unidos. Estou falando, aqui, sobre isso simplesmente porque o uso crescente detestes expe um dos "mecanismos" que geram direes metodolgicas vazias na psicologia.

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    Os testes, como sabemos, so questionrios breves, cujo propsito a revelao (e, svezes, mensurao) de uma ou outra propriedade ou processo preliminarmente determinadode forma cientfica. Quando, por exemplo, tornou-se conhecida a reao do tornassol aocido, ento apareceram os testes de "papel de tornassol" - uma mudana na cor serviacomo indicador simples da acidez ou da alcalinidade de um lquido que entrasse em contato

    com o papel; o estudo das propriedades especficas da mudana de cor levaram formaodas bem conhecidas tabelas Stilling, as quais, de acordo com as diferenas nos dadosapresentados, possibilitam, com suficiente preciso, fazer julgamentos a respeito dapresena ou ausncia de uma anomalia da cor, ou de seu carter. Testes desta natureza soamplamente utilizados nas mais variadas reas de conhecimento e podem ser tidos como"bem fundados", no sentido de que so baseados em conceitos coerentes dasinterdependncias que ligam os resultados dos testes com as propriedades que esto sendotestadas, as condies, ou os processos. Os testes no se emancipam da cincia e nosubstituem a pesquisa mais escrupulosa.

    Aqueles testes que servem para disfarar as dificuldades de adquirir conhecimentopsicolgico verdadeiramente cientfico tm uma natureza fundamentalmente diferente. Umexemplo tpico de tais testes so os testes de desenvolvimento mental. So baseados noseguinte procedimento: primeiro, negada a existncia de qualquer tipo de dom intelectual;em seguida, elaborada uma srie de questes-problema, das quais so selecionadasaquelas que tm a maior capacidade de diferenciao e, a partir delas, uma "bateria detestes" construda; finalmente, com base na anlise estatstica dos resultados de umgrande nmero de tentativas, o nmero de problemas adequadamente resolvidos que estoincludos nessa bateria correlacionado com idade, raa ou classe social das pessoas queestiverem sendo testadas. Uma porcentagem fixa de solues empiricamente determinada usada como unidade, e um desvio dessa unidade registrado como uma frao queexpressa o "quociente de inteligncia" de dado indivduo ou grupo.

    bvia a fragilidade na metodologia de tais testes. O nico critrio para os problemas dostestes a validade do item, isto , o grau de correlao entre os resultados dos problemasque esto sendo resolvidos e uma ou outra expresso indireta das propriedades psicolgicasque esto sendo testadas. Isto trouxe existncia uma disciplina psicolgica especial, aassim chamada testologia. No difcil ver que, por trs de tal transformao dametodologia numa disciplina independente, nada mais existe seno a substituio dainvestigao terica pelo pragmatismo flagrante.

    Estou querendo dizer aqui que devemos nos abster dos testes psicolgicos? No, nonecessariamente. Dei um exemplo de um teste de inteligncia h muito desacreditado a fimde enfatizar mais uma vez a necessidade de uma anlise terica sria at para decidir taisquestes, que, primeira vista, parecem ser estreitamente metdicas.

    Dei ateno quelas dificuldades que a psicologia cientfica vem experimentando, e nodisse nada a respeito de suas realizaes inquestionveis e muito substanciais. Porm, particularmente o reconhecimento dessas dificuldades que forma, por assim dizer, ocontedo crtico deste livro. Estes no so, no entanto, os nicos fundamentos nos quais sebaseiam as posies desenvolvidas aqui. Baseei minhas posies, em muitos casos, emresultados positivos de investigaes psicolgicas concretas, minhas prprias, assim como

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    aquelas de outros cientistas. Constantemente, tive em mente os resultados dessasinvestigaes, apesar de muito raramente, e como ilustraes passageiras, eles seremmencionados de forma direta; na maioria dos casos, so deixados bem fora dos limitesdeste trabalho. Isto se explica pela necessidade de se evitar longas digresses, com o intuitode revelar as concepes gerais do autor de forma mais grfica e bvia.

    Por esta razo, este livro no pretende ser uma reviso da literatura cientfica que cobre asquestes mencionadas. Muitos trabalhos importantes que o leitor conhece no so citadosaqui, embora haja aluso a eles. Uma vez que esta forma de trabalhar pode passar umaimpresso errada, devo enfatizar que, mesmo quando esses trabalhos de psicologia no somencionados, isto no se d, de forma alguma, porque, na minha opinio, no merecemmeno. O mesmo se d para as fontes filosfico-histricas: sem dificuldade, o leitordetectar julgamentos tericos que so defendidos implicitamente atravs da anlise dealgumas categorias no mencionadas da filosofia clssica pr-marxista. So todas perdas,que s poderiam ser reparadas dentro de um livro novo e ampliado, escrito de formacompletamente diferente. Infelizmente, no momento, no tenho oportunidade de fazer isso.

    Quase todo o livro terico pode ser lido de formas diferentes, s vezes de uma formacompletamente diferente daquela que se mostra para o autor. Por este motivo, queroaproveitar a oportunidade para dizer o que, de meu ponto de vista, mais importante naspginas deste livro. Penso que a coisa mais importante neste livro a tentativa decompreender psicologicamente as categorias que so mais importantes para a construo deum sistema psicolgico inquestionvel enquanto cincia concreta da origem, funo eestrutura do reflexo psicolgico da realidade que a vida do indivduo media. So elas: acategoria da atividade subjetiva, a categoria da conscincia do homem e a categoria dapersonalidade. A primeira delas no apenas primria, mas tambm a mais importante. Napsicologia sovitica, esta posio expressa consistentemente, porm demonstrada deformas essencialmente diferentes. O ponto central, que forma como se fosse um divisor deguas entre as vrias compreenses da defesa da categoria da atividade consiste noseguinte: a atividade subjetiva deveria ser considerada apenas como uma condio doreflexo psicolgico e sua expresso, ou deveria ser considerada como um processo quecontm em si aquelas contradies, dicotomias e transformaes internas e motivadoras asquais trazem luz a psique, que o momento indispensvel de seu prprio movimento deatividade, seu desenvolvimento? Se a primeira posio evocou uma investigao daatividade em sua forma bsica - na forma da prtica - alm dos limites da psicologia, j asegunda posio prope que a atividade, independentemente de sua forma, entra na cinciapsicolgica subjetiva, embora seja compreendida de forma completamente diferentedaquela com que compreendida quando entra no enfoque de outras cincias. Em outraspalavras, a anlise psicolgica da atividade consiste, do ponto de vista da segunda posio,no em separar dela seus elementos psicolgicos internos para estudo isolado posterior,mas em trazer para a psicologia aquelas unidades de anlise que comportam em si o reflexopsicolgico em sua inseparabilidade dos momentos que o causam e o mediam na atividadehumana. Esta posio que estou defendendo requer, no entanto, uma reconstruo de todo oaparato conceitual da psicologia, o que, neste livro, apenas anotado e, em grande parte, um assunto para o futuro. Ainda mais difcil na psicologia a categoria da conscincia. Oestudo completo da conscincia como uma forma superior, especificamente humana dapsique, que surge no processo da interao social e que pressupe o funcionamento da

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    linguagem, constitui o requisito mais importante para a psicologia do homem. Assim, oproblema da investigao psicolgica reside em no se limitar ao estudo de fenmenos eprocessos na superfcie da conscincia, mas em penetrar em sua estrutura interna. Para isso,a conscincia deve ser considerada, no como um campo contemplado pelo sujeito no qualsuas imagens e conceitos so projetados, mas como um movimento interno especfico

    gerado pelo movimento da atividade humana. A dificuldade aqui confrontada at mesmono isolamento da categoria da conscincia enquanto categoria psicolgica, ou seja, nacompreenso daquelas transies reais que interconectam as psiques dos indivduosespecficos e as formas de conscincia social. Entretanto, isto no pode ser feito sem umaanlise preliminar destes "formadores" da conscincia individual, cujo movimentocaracteriza sua estrutura interna. Um captulo especial deste livro dedicado ao relato deum experimento desse tipo de anlise, cuja base a anlise do movimento da atividade.No cabe a mim, naturalmente, julgar se esse experimento foi ou no bem sucedido. Queroapenas chamar a ateno do leitor para o fato de que o "segredo psicolgico daconscincia" continua sendo um segredo para qualquer mtodo, com exceo do mtodorevelado por Marx, que possibilita demonstrar a natureza das propriedades supra-sensitivasdos objetos sociais, dentre os quais est homem, enquanto objeto de conscincia. Aabordagem que desenvolvi, a qual sustenta que a personalidade um assunto de estudoestritamente psicolgico, provavelmente evocar grande reao. Penso assim porque meuponto de vista no est definitivamente em acordo com aqueles dos conceitos metafsicos,culturais e antropolgicos a respeito da personalidade (baseados na teoria de suadeterminao dual, da hereditariedade biolgica e do ambiente social) que agora inundam apsicologia mundial. Esta incompatibilidade torna-se particularmente evidente na reviso daquesto da natureza dos assim chamados mecanismos internos da personalidade e daquesto da conexo entre a personalidade do homem e suas caractersticas somticas.

    muito difundida a viso das necessidades e apetites do homem segundo a qual as prpriasnecessidades e apetites determinam a atividade da personalidade, suas tendncias; emcorrespondncia a ela, a principal tarefa da psicologia o estudo de quais necessidades sonaturais ao homem e quais experincias (apetites, vontades, sentimentos) elas evocam. Osegundo ponto de vista, distinto do primeiro, envolve a compreenso de como odesenvolvimento da atividade humana em si, de seus motivos e meios, transforma asnecessidades humanas e faz surgirem novas necessidades, de tal maneira que a hierarquiade necessidades muda, na medida em que a satisfao de algumas delas reduzida aoestatuto apenas de condies necessrias para a atividade do homem e para sua existnciaenquanto personalidade. Deve-se dizer que os defensores do primeiro ponto de vista -antropolgico, ou dizendo melhor, naturalstico - apresentam muitos argumentos, entre elesaqueles que podem ser chamados metaforicamente de argumentos "de dentro das vsceras".Certamente, encher o estmago com comida uma condio indispensvel para qualqueratividade subjetiva, mas o problema psicolgico composto de algo diferente: O queacontecer com aquela atividade? Como seu desenvolvimento vai se dar? E, juntamentecom isso, h o problema da transformao das prprias necessidades.

    Se isolei aqui esta questo, porque nesta questo se confrontam vises opostas naperspectiva do estudo da personalidade. Uma delas leva construo de uma psicologia dapersonalidade baseada na predominncia, no sentido amplo da palavra, das necessidades

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    (na linguagem dos behavioristas, "reforo"); a outra, estrutura de uma psicologia dapredominncia da atividade na qual o homem confirma sua personalidade humana.

    A segunda questo - a questo da personalidade do homem e das suas caractersticas fsicas- torna-se aguda quando relacionada com a defesa de que uma teoria psicolgica da

    personalidade no pode ser construda prioritariamente com base na diferena naconstituio do homem. Na teoria da personalidade, como possvel prescindir dasreferncias usuais constituio de Sheldon, aos fatores de Eising e, finalmente, aos tiposde Pavlov da atividade nervosa superior? Esta questo tambm surge a partir dos desviosmetodolgicos muitas vezes decorrentes da ambigidade do conceito de "personalidade".Esta ambigidade, no entanto, desaparece quando adotamos a posio marxista bemconhecida de que a personalidade uma qualidade particular que um indivduo naturalcomanda dentro de um sistema de relaes sociais. O problema, ento, mudainevitavelmente: as propriedades antropolgicas do indivduo aparecem, no comodeterminantes da personalidade, ou como parte de sua estrutura, mas como condies daformao da personalidade geneticamente atribudas e, alm disso, como aquilo quedetermina, no seus traos psicolgicos, mas apenas a forma e o meio de sua expresso. Porexemplo, a agressividade como um trao da personalidade ir, naturalmente, se manifestarnuma pessoa colrica de forma diferente daquela manifesta em uma pessoa fleumtica,porm, explicar a agressividade como uma propriedade do temperamento to absurdocientificamente, quanto procurar uma explicao das guerras no instinto para a pugnacidadenatural s pessoas. Assim sendo, o problema do temperamento, as propriedades do sistemanervoso etc. no so "banidos" da teoria da personalidade, mas aparecem de um mododiferente e no convencional, como uma questo de uso, por assim dizer, pelapersonalidade de traos e capacidades individuais inatas. E este um problema muitoimportante para a caracterologia concreta, a qual, como um nmero de outros problemas,no foi considerada neste livro.

    As lacunas que ocorreram neste prefcio (e poderiam ter sido mais numerosas) devem-se aofato de que o autor viu o seu problema no tanto como uma confirmao de uma ou outraposio psicolgica concreta, mas como a busca de um mtodo para extrai-las medida queresultam do estudo histrico-materialstico da natureza do homem, de sua atividade,conscincia e personalidade.

    Em concluso, devo dizer algumas palavras sobre a composio do livro. Os pensamentosnele contidos j foram expressos em publicaes anteriores do autor, sendo fornecida umalista delas nas notas dos captulos. Aqui so apresentadas de forma sistemtica pelaprimeira vez.

    Em sua composio, o livro dividido em trs partes. A primeira parte contm os Captulos1 e 2, que analisam o conceito de reflexo e a contribuio total do Marxismo para apsicologia cientfica. Estes captulos servem de introduo para a parte central do livro naqual so considerados os problemas da atividade, da conscincia e da personalidade. Aparte final do livro tem uma constituio completamente diferente: no parece ser umacontinuao dos captulos anteriores, porm um dos primeiros trabalhos do autor arespeito da psicologia da conscincia. Desde a publicao da primeira edio, que agoratornou-se rara, passaram-se mais de vinte anos, e muito do que est ali contido tornou-se

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    ultrapassado. No entanto, contm certos aspectos psicolgico-pedaggicos do problema daconscincia que no so absolutamente mencionados nas outras partes do livro, emboraesses aspectos continuem estando, mesmo agora, perto do corao do autor. Este fatoinspirou sua incluso no livro.

    Captulo IVAtividade e Conscincia

    I - A gnese da conscincia

    A atividade, externa e interna, do sujeito mediada e regulada por um reflexo psquico darealidade. O que o sujeito v no mundo objetivo so motivos e objetivos, e as condies desua atividade devem ser recebidas por ele de uma forma ou de outra, apresentadas,

    compreendidas, retidas e reproduzidas em sua memria; isto tambm se aplica aosprocessos de sua atividade e ao prprio sujeito - a sua condio, a suas caractersticas eidiossincrasias. Desta forma, a anlise da atividade nos conduz aos temas tradicionais dapsicologia. Agora, no entanto, a lgica da investigao invertida: o problema da aparnciados processos psquicos torna-se o problema de sua origem, de seu eliciamento atravsdaquelas conexes sociais nas quais o ser humano entra no mundo objetivo.

    A realidade psquica que nos revelada diretamente o mundo subjetivo da conscincia.Foi necessrio um sculo para nos livrarmos da identificao do psquico com o consciente.O que foi surpreendente foi a variedade de caminhos na filosofia, na psicologia e nafisiologia que levaram distino que foi feita entre o consciente e o psquico: basta

    mencionar Leibniz, Fechner, Freud, Sechenov e Pavlov.O passo decisivo foi a confirmao da idia de vrios nveis de reflexo psquico. Do pontode vista histrico, gentico, este fato indicava a admisso da existncia de uma psique pr-consciente dos animais e o aparecimento no homem de sua forma qualitativamente nova - aconscincia. Assim, surgiram novas questes: a respeito daquela indispensabilidadeobjetiva que surge com a conscincia emergente; a respeito do que lhe d surgimento; arespeito de sua estrutura interna.

    Captulo V

    Atividade e Personalidade

    I I I - A atividade como base da personalidade

    O principal problema consiste em desvendar quais so os verdadeiros "formadores" dapersonalidade, esta unidade superior do homem, mutvel como sua prpria vida, porm que

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    preserva em si uma estabilidade, sua auto-identidade. Ao final das contas,independentemente da experincia, o ser humano acumula os acontecimentos quemodificam sua situao de vida, e, finalmente, independentemente das modificaes fsicaspela qual passa enquanto personalidade, ele permanece o mesmo aos olhos de outraspessoas, assim como aos seus prprios olhos. Ele identificado, no somente por seu

    nome; at a lei o identifica, ao menos dentro dos limites da responsabilidade por seus atos.Assim, existe uma bvia contradio entre a mutabilidade aparente, fsica, psicofisiolgicado ser humano e sua estabilidade enquanto personalidade. Este fato trouxe tona oproblema do "eu" como um problema especial da psicologia da personalidade. Isto surgeporque os traos que so includos na caracterizao psicolgica da personalidadeexpressaram claramente o mutvel e "intermitente" no ser humano, isto , aquilo que secontrasta exatamente com a estabilidade e a continuidade de seu "eu". O que forma estaestabilidade e continuidade? O personalismo, em todas as suas variantes, responde estaquesto, ao postular a existncia de algum tipo de princpio especial, que formaria o ncleoda personalidade. Este, ento, encoberto pelas inmeras aquisies no decorrer da vida,que so capazes de mudar, porm no de afetar essencialmente este ncleo.

    Em outra abordagem da personalidade, a base a categoria da atividade humana objetiva, aanlise de sua estrutura integral, sua mediao e as formas de reflexo psquico que gera.

    Esse tipo de abordagem permite, desde o incio, uma resoluo preliminar da questo arespeito do que forma uma base estvel para a personalidade; exatamente o que entra e oque no entra na caracterizao do ser humano, especialmente enquanto personalidade,tambm depende disso. Essa deciso feita com base na suposio de que a base real para apersonalidade humana o agregado de suas relaes com o mundo, que so sociais pornatureza, porm relaes que so realizadas, e so realizadas atravs de sua atividade, ou,mais precisamente, pelo agregado de suas atividades multifacetadas.

    Temos, aqui, em mente especialmente as atividades do sujeito que so "unidades" originaisda anlise psicolgica da personalidade, e no aes, no operaes, no funespsicofisiolgicas ou blocos dessas funes; estas ltimas caracterizam a atividade, e no apersonalidade diretamente. primeira vista, esta posio parece contraditria em relao srepresentaes empricas da personalidade e, alm disso, parece empobrec-las. No entanto,apenas desvela o caminho para a compreenso da personalidade em sua real concretudepsicolgica.

    Acima de tudo, esta abordagem elimina a principal dificuldade: a determinao de queprocessos e traos do ser humano so aqueles que caracterizam sua personalidadepsicologicamente, e que so neutros nesse sentido. O fato que, tomados em si mesmos,dentro de uma abstrao do sistema de atividade, geralmente eles no revelam nada sobresuas relaes para com a personalidade. Por exemplo, as operaes de escrita ou ahabilidade em relao caligrafia dificilmente poderiam ser consideradas, dentro do bomsenso, como "personalidade". Mas ento nos lembramos do quadro do heri AkakiAkikievich Bashmachkin, do conto de Gogol, "O Capote". Ele estava trabalhando emalgum departamento como funcionrio para copiar papis oficiais, e via, nesta operao,todo o mundo, diverso e fascinante. Ao fim do trabalho, Akaki ia imediatamente para casa.

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    Assim que comia, pegava um tinteiro e comeava a copiar papis que tinha trazido paracasa, e, se houvesse notas para copiar, fazia cpias para si mesmo, por recreao, para suasatisfao pessoal. "Tendo escrito at satisfazer seu corao, Gogol nos relata, ia dormirsorrindo, antecipando o prximo dia: o que quer que seja que Deus enviasse para sercopiado amanh".

    Como poderia ser, o que acontecia para que a cpia de papis oficiais ocupasse um lugarcentral na sua personalidade, tornando-se o sentido de sua vida? No conhecemos ascircunstncias concretas, mas, de uma forma ou de outra, essas circunstncias levaram aisso: ocorreu um deslocamento de um dos principais motivos para o que so usualmenteoperaes completamente indiferentes, e elas se transformaram numa atividadeindependente em funo disso, e, desta forma, apareceram na caracterizao dapersonalidade.

    possvel, naturalmente, fazer um julgamento simples e diferente: que nestedesenvolvimento revelou-se algum tipo de "potencial caligrfico", com cuja naturezaBashmachkin se identificou. Porm, este julgamento combina, exatamente, com o espritodos chefes de Akaki Akikievich que constantemente viam nele o funcionrio mais diligentepara a escrita, "de modo que, mais tarde, eles se convenceram de que aparentemente eletinha nascido daquele jeito..."

    s vezes o caso um pouco diferente. O que, de fora, parece serem aes que tm seuprprio significado para o ser humano revela-se, pela anlise psicolgica, como algodiferente, especificamente que so apenas meios de atingir objetivos, sendo que o motivoreal parece residir num plano de vida completamente diferente. Neste caso, por trs daaparncia de uma atividade, esconde-se outra atividade. E especificamente essa atividadeque entra diretamente no aspecto psicolgico da personalidade, no importa qual seja oagregado de aes concretas que a realiza. como se este ltimo constitusse apenas umenvelope para a outra atividade que realiza esta ou aquela relao real do homem com omundo - um envelope que depende das condies que so s vezes acidentais. por essarazo, por exemplo, que o fato de que um dado homem trabalhe como tcnico por si spode ainda no dizer nada de sua personalidade; seus traos no so revelados dessa forma,mas atravs daquelas relaes nas quais ele inevitavelmente entra, talvez no processo deseu trabalho, talvez fora desse processo. Todas estas coisas so quase trusmos, e estoufalando disso s para enfatizar, mais uma vez, que, se comearmos de uma coleo detraos psicolgicos ou scio-psicolgicos do ser humano, de forma isolada, ser impossvelchegar a qualquer tipo de "estrutura da personalidade", uma vez que a base real dapersonalidade humana no reside em programas genticos depositados nele, nem nasprofundezas de sua disposio e de suas inclinaes naturais, nem mesmo nos hbitos,conhecimentos, sabedoria adquiridos por ele, incluindo a aprendizagem profissional - e,sim, naquele sistema de atividades que realizado atravs deste conhecimento e dessasabedoria.

    A concluso geral a partir do que se disse que a investigao da personalidade no devese limitar a uma explanao de pr-requisitos, mas deve proceder a partir de umdesenvolvimento da atividade, de seus tipos e formas concretos, e daquelas conexes quetravam entre si, na medida em que seu desenvolvimento modifica radicalmente o

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    significado dos prprios pr-requisitos. Assim, o sentido da investigao no se d a partirde hbitos, habilidades e conhecimentos adquiridos para a atividade caracterizada por eles,mas, sim, a partir do contedo e das conexes das atividades, em direo a quais e que tipode processos os realizam e torna-os possveis.

    Mesmo os primeiros passos na direo indicada conduzem possibilidade de isolar um fatomuito importante. o fato de que, no curso do desenvolvimento do sujeito, suas atividadesisoladas aparecem dentro de uma relao hierrquica. No nvel da personalidade, demaneira alguma formam um aglomerado simples, cujos raios tivessem incio e centro nosujeito. Uma representao das conexes entre as atividades enraizadas na individualidadee na totalidade de seu sujeito s confirmada no nvel do indivduo. Neste nvel (emanimais e em crianas), o escopo das atividades e suas intra-conexes so diretamentedeterminados pelas propriedades do sujeito - gerais e individuais, inatas e adquiridas. Porexemplo, uma mudana na seletividade e uma mudana na atividade dependem,diretamente, da composio, em andamento, das necessidades do organismo e de umamudana de seu dominante biolgico.

    As relaes hierrquicas da atividade que caracterizam a personalidade so outro assunto.Sua caracterstica seu "desprendimento" com respeito condio do organismo. Essashierarquias da atividade so geradas por seu prprio desenvolvimento, e so elas queformam o ncleo da personalidade.

    Em outras palavras, os "ns" que conectam as atividades isoladas so atados, no pela aode foras biolgicas ou espirituais do sujeito, que residem dentro dele, mas pelo sistema derelaes no qual o sujeito entra.

    A observao revela facilmente esses primeiros "ns" a partir de cuja formao se inicia oprimeirssimo estgio da formao da personalidade na criana. Dentro de uma formamuito bem expressa, este fenmeno foi observado com crianas pr-escolares. Oexperimentador que estava conduzindo os testes apresentou criana um problema: pegarum objeto que estava fora de seu alcance sem sair do lugar. Assim que a criana comeou aresolver o problema, o experimentador entrou numa sala contgua, da qual continuou suaobservao, usando o aparelho tico que usualmente utilizado para tais observaes. Apsuma srie de tentativas frustradas, a criana levantou, aproximou-se do objeto, pegou-o, e,silenciosamente, voltou para seu lugar. O experimentador veio imediatamente at a criana,elogiou-a pelo sucesso e ofereceu-lhe um pedao de chocolate como recompensa. Acriana, no entanto, recusou-o e, quando o experimentador comeou a question-la, apequena comeou a chorar em silncio.

    O que reside por trs desse fenmeno? No processo que observamos, possvel isolar trsmomentos: primeiro, a conversa da criana com o experimentador, que explica o problema;segundo, a soluo do problema; terceiro, a conversa com o experimentador depois que acriana pegou o objeto. Assim, as aes da criana foram uma resposta a dois motivosdiferentes, isto , realizaram dois tipos de atividade: um, em relao ao experimentador;outro, em relao ao objeto (recompensa). Como a observao indica, no momento em quea criana estava pegando o objeto, no experimentou a situao como conflito, como umasituao de "coliso". A conexo hierrquica entre as duas atividades s ficou evidente no

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    momento da renovao da conversa com o experimentador, por assim dizer, post factum: odoce pareceu amargo, amargo no sentido pessoal, subjetivo.

    O fenmeno descrito pertence a um estgio transicional muito precoce. A despeito de todaa simplicidade destas primeiras coordenaes das vrias relaes de vida de uma criana,

    so precisamente essas relaes que evidenciam o processo inicial da formao destaformao especfica que chamamos de personalidade.

    Coordenaes semelhantes no so nunca observadas num estgio anterior de crescimento,mas se revelam constantemente no desenvolvimento posterior em suas formasincomparavelmente mais complexas e "entrelaadas". Um fenmeno da personalidadecomo as dores de conscincia no se desenvolve analogicamente?

    O desenvolvimento e a multiplicao dos tipos de atividade de um indivduo noconduzem, simplesmente, a uma expanso de seu "catlogo". Simultaneamente, ocorre umcentramento delas em torno de vrias atividades principais s quais as outras so

    subordinadas. Este processo longo e complexo de desenvolvimento da personalidade temseus estgios e seus limites. No vamos separar este processo do desenvolvimento daconscincia e da auto-conscincia, mas a conscincia no constitui seu incio: apenas omedia e , por assim dizer, um resumo dele.

    Assim, como base da personalidade, h relaes que coordenam a atividade humana que gerada pelo processo de seu desenvolvimento. Mas como expressa psicologicamente estasubordinao, esta hierarquia de atividades? De acordo com a definio que aceitamos,chamamos de atividade um processo que eliciado e dirigido por um motivo - aquele noqual uma ou outra necessidade objetivada. Em outras palavras: por trs da relao entreatividades, h uma relao entre motivos. Assim, chegamos necessidade de nos voltarmospara a anlise dos motivos e para a considerao de seu desenvolvimento, de suatransformao, o potencial para dividir sua funo e aquele de seus deslocamentos queocorrem dentro do sistema de processos que formam a vida de um indivduo como umapersonalidade.

    IV - Motivos, emoes e personalidade

    Na psicologia contempornea, o termo "motivo" (motivao, fatores motivadores) podedizer respeito a fenmenos completamente diferentes. Impulsos instintivos, inclinaes e

    apetites biolgicos, assim como a experincia de emoes, de interesses e de desejos sotodos denominados "motivos"; dentro desta enumerao mista de motivos, podem serencontradas certas coisas, tais como objetivos ou ideais de vida, mas, tambm, coisas dotipo de um choque eltrico. No h necessidade de se investigar todos esses conceitos etermos confusos que caracterizam a condio atual do problema que envolve os motivos. Oproblema da anlise psicolgica da personalidade requer a considerao apenas dasquestes principais.

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    Fundamentalmente, trata-se de uma questo que diz respeito s relaes entre motivos enecessidades. Eu j disse que a necessidade real sempre uma necessidade de algumacoisa, que, no nvel psicolgico, as necessidades so mediadas pela reflexo psquica, e deduas maneiras. Por um lado, os objetos que respondem s necessidades do sujeito aparecemdiante dele dentro de suas caractersticas sensoriais objetivas. Por outro lado, as condies

    da necessidade, nos casos mais simples, assinalam-se e so sensorialmente refletidas pelosujeito como resultado das aes de estmulos de recepo interna. Aqui, a mudana maisimportante que caracteriza a transio para o nvel psicolgico consiste no comeo daconexo ativa das necessidades com os objetos que as satisfazem.

    Acontece que, na prpria condio de necessidade do sujeito, o objeto que capaz desatisfazer a necessidade no claramente delineado. At o momento de sua primeirasatisfao, a necessidade "no conhece" seu objeto; ele ainda precisa ser revelado. S comoresultado dessa revelao, que a necessidade adquire sua objetividade e o objetopercebido (representado, imaginado) vem a adquirir sua atividade provocativa e diretivacomo funo; isto , torna-se um motivo.

    Este jeito de entender os motivos parece at certo ponto limitado, e as necessidadesparecem estar sendo eliminadas da psicologia. Mas no o que acontece. No so asnecessidades que desaparecem da psicologia, mas somente suas abstraes - asnecessidades "nuas" do sujeito, no objetivamente satisfeitas. Essas abstraes vm tonacomo resultado do fato de se isolarem as necessidades da atividade objetiva do sujeito, como que elas adquirem, sozinhas, sua concretude psicolgica.

    Compreende-se que o sujeito, enquanto indivduo, nasce com uma poro de necessidades.Mas deixe-me repetir mais uma vez: as necessidades, enquanto fora interna, s podem serrealizadas na atividade. Em outras palavras, a necessidade aparece, em princpio, s comouma condio, um pr-requisito para a atividade, porm, assim que o sujeito comea a agir,ocorre imediatamente sua transformao, e a necessidade deixa de ser aquilo que eravirtualmente, "em si mesma". Quanto mais prossegue o desenvolvimento da atividade, maisesse pr-requisito convertido em seu resultado.

    A transformao das necessidades d-se de forma distinta mesmo no nvel de evoluo dosanimais: como resultado da ocorrncia de uma mudana e com a ampliao do crculo deobjetos que respondem s necessidades e dos mtodos de sua satisfao, as prpriasnecessidades se desenvolvem. Isto acontece porque as necessidades tm a capacidade deserem concretizadas dentro de uma variedade potencialmente bastante ampla de objetos, osquais se tornam estmulos de atividade para um animal, proporcionando atividade umadireo determinada. Por exemplo, quando aparecem no ambiente novos tipos de alimentoe velhos tipos so eliminados, a necessidade de alimento continua a ser satisfeita e,adicionalmente, passa a incorporar em si um novo contedo, ou seja, torna-se diferente.Dessa forma, o desenvolvimento das necessidades dos animais ocorre por meio dodesenvolvimento de suas atividades em relao a um crculo de objetos cada vez maior;compreende-se que a mudana no contedo objetivo concreto das necessidades conduz auma mudana nos mtodos de sua satisfao, tambm.

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    Certamente, esta afirmao geral requer muitas estipulaes e muitas explicaes,particularmente no que diz respeito s questes que envolvem as chamadas necessidadesfuncionais. Mas, no momento, no estamos falando disso. O ponto principal, aqui, oisolamento da ocorrncia da transformao das necessidades atravs dos objetos dentro doprocesso de seu consumo. E isto tem um significado primordial para a compreenso da

    natureza das necessidades humanas.De forma distinta do desenvolvimento das necessidades nos animais, o qual depende deuma ampliao do crculo dos objetos naturais que eles consomem, as necessidadeshumanas so geradas pelo desenvolvimento da produo. Afinal, a produo tambmdiretamente consumo, o qual cria a necessidade. Em outras palavras, o consumo mediadopela necessidade de um objeto, sua percepo ou sua apresentao mental. Nesta, em suaforma refletida, o objeto aparece como o motivo ideal, internamente gerado.

    No entanto, na psicologia, os motivos so muito freqentemente considerados de formaseparada do elemento principal, que a dualidade implcita na produo do consumidor, aqual os gera; isto leva explicao unilateral das aes humanas baseadas diretamente nasnecessidades humanas. Neste caso, muito freqentemente, a afirmao de Engels citadacomo fundamento, porm fora de seu contexto, que lida apenas com o papel do trabalho naformao do homem, incluindo, naturalmente, tambm suas necessidades. A compreensomarxista est longe de considerar as necessidades como o ponto inicial e principal. Eis oque Marx escreve com relao a isso: "Como uma necessidade, a necessidade em si omomento interno da atividade produtiva. Mas a atividade produtiva (nfase do autor) oponto inicial da realizao e, portanto, tambm seu momento dominante, o ato no qual todoo processo volta a ocorrer novamente. O indivduo produz um objeto e, atravs de seuconsumo, retorna-o de novo para si...."

    Desta maneira, estamos diante de dois esquemas bsicos que expressam a conexo entrenecessidade e atividade. O primeiro produz a idia de que o ponto inicial a necessidade e,por essa razo, o processo como um todo expresso dentro do ciclo:necessidade>atividade>necessidade. Nele, como nota L.Seve, realiza-se o "materialismodas necessidades", que corresponde representao pr-marxista em que a esfera doconsumo bsica. O outro esquema, que contradiz o primeiro, um esquema cclico:atividade>necessidade>atividade. Este esquema, que corresponde ao conceito marxista denecessidade, tambm fundamental para a psicologia, uma vez que "nenhuma concepobaseada na idia de um nico mvel, que em essncia precedesse a atividade em si, podeexercer um papel inicial capaz de servir como uma base adequada para a teoria cientfica dapersonalidade humana."

    A idia de que as necessidades humanas so produzidas tem, naturalmente, um sentidomaterialista-histrico. Alm disso, extremamente importante para a psicologia. Istoprecisa ser enfatizado, pois, s vezes, especialmente para a psicologia, a abordagem doproblema apenas considerada em explicaes que se originam das necessidades em si,mais precisamente nas experincias emocionais que as necessidades evocam, que parecemexplicar por que o homem estabelece objetivos para si mesmo e cria novos objetos.Certamente, isto contm alguma verdade, e seria possvel concordar com tudo, se no fossepor uma condio: ao final das contas, como determinantes da atividade concreta, as

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    necessidades s podem aparecer em seu contedo objetivo, e este contedo no diretamente incorporado nelas e, conseqentemente, no pode ser isolado delas.

    Uma outra dificuldade bsica surge como resultado de uma aceitao parcial da naturezascio-histrica das necessidades humanas, o que se manifesta no fato de que algumas

    necessidades so consideradas sociais em suas origens, enquanto outras so tidas comopuramente biolgicas e comuns aos seres humanos e aos animais. De fato, no necessrianenhuma proeza de raciocnio para nos darmos conta dos pontos em comum entre certasnecessidades humanas e animais. Afinal, o ser humano, assim como os animais, tem umestmago e sente fome - uma necessidade que ele precisa satisfazer para poder sobreviver.Mas o ser humano tem, tambm, outras necessidades, que no so determinadasbiologicamente e, sim, socialmente. So "funcionalmente automticas" ou "anastticas".Assim, a esfera das necessidades humanas parece estar dividida em duas partes. Isto surgecomo resultado inevitvel da considerao das "necessidades em si", isoladas das condiesobjetivas e dos meios de sua satisfao, e, conseqentemente, isoladas da atividade na qualocorre sua transformao. Porm, a transformao das necessidades no nvel humanotambm envolve (e sobretudo) as necessidades que parecem ser, no homem, homlogas snecessidades animais. "Fome, Marx observa, fome, porm a fome que saciada atravsde alimento cozido comido com garfo e faca diferente daquela fome na qual a carne crua comida com as mos, as unhas e os dentes."

    Naturalmente, o pensamento positivista no v neste fato nada mais que uma diferenasuperficial. Seja como for, um homem esfomeado parece ser um exemplo suficiente paramostrar a "profunda" semelhana entre a necessidade de alimento no homem e no animal.No entanto, isso no passa de um sofisma. Para um homem que passa fome, a comida narealidade deixa de existir na sua forma humana e, conseqentemente, a necessidade decomida passa a ser "desumanizada"; porm, se isto prova alguma coisa, ento apenas queo homem pode ser reduzido, pela fome, a uma condio animal, e no diz exatamente nadasobre a natureza de suas necessidades humanas.

    Embora as necessidades humanas cuja satisfao constitui uma condio necessria paramanter a existncia fsica difiram das necessidades humanas que no tm homlogos nosanimais, este desenvolvimento no se d de forma absoluta, e a transformao histricaenvolve toda a esfera de necessidades.

    Alm da transformao e enriquecimento do contedo objetivo das necessidades humanas,tambm ocorre mudana na forma de seu reflexo psquico. Como conseqncia, elas podemvir a adquirir um carter ideacional e, devido a isso, tornam-se psicologicamenteinvariantes: desta forma, a comida continua sendo comida para a pessoa faminta, assimcomo para quem no est nessa condio. Alm disso, o desenvolvimento da produomental gera certas necessidades que s podem existir na presena de um "plano deconscincia". Finalmente, forma-se um tipo especial de necessidades - necessidades que soobjetivo-funcionais, como a necessidade de trabalho, de criao artstica etc. O fatorprincipal que, no homem, as necessidades entram em novas relaes recprocas.

    Embora a satisfao de necessidades vitais continue sendo uma questo "de primeiraordem" para o homem e uma condio inegvel de sua vida, necessidades superiores,

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    especificamente humanas, no constituem, absolutamente, apenas formaes superficiaisassentadas sobre essas necessidades vitais. Por essa razo, pode acontecer que, se pusermosem um dos pratos da balana as necessidades vitais humanas fundamentais e, no outro, suasnecessidades superiores, ento suas necessidades superiores podem muito bem pesar maisque as necessidades vitais. Isto j bem conhecido e no precisa de evidncia.

    fato que o curso geral do desenvolvimento das necessidades humanas comea pela aohumana com vistas a satisfazer suas necessidades vitais elementares; porm, mais tarde istose modifica, e o ser humano passa a satisfazer suas necessidades vitais para poder agir. Esta a principal direo do desenvolvimento das necessidades humanas. Entretanto, estadireo no pode ser deduzida diretamente a partir do movimento das prpriasnecessidades, pois, por trs desse movimento se esconde o desenvolvimento de seucontedo objetivo, isto , os motivos concretos para a atividade humana.

    Assim sendo, a anlise psicolgica das necessidades torna-se, necessariamente, uma anlisedos motivos. Para isso, no entanto, necessrio superar o entendimento subjetivotradicional dos motivos que conduz a uma confuso de fenmenos absolutamente dspares ede nveis completamente diferentes da regulao da atividade. Encontramo-nos, aqui, comuma contradio genuna: no est claro, dizem, que o homem age porque assim o deseja?Mas as experincias subjetivas, as vontades, os desejos etc. no constituem motivos, umavez que, por si mesmos, no so capazes de gerar a atividade direta e, conseqentemente, oproblema psicolgico principal reside em compreender qual o objeto de dado desejo,vontade ou paixo.

    Naturalmente, h muito menos base, ainda, para chamar de motivos para a ao certosfatores como tendncias para produzir esteretipos de comportamento, a tendncia paraconcluir uma ao comeada etc. No processo de realizao da atividade, emergem,naturalmente, uma multido de "foras dinmicas". Essas foras, no entanto, podem serrelegadas categoria de motivos com um fundamento nada mais consistente do que, porexemplo, a inrcia do movimento do corpo humano cuja ao se revela de pronto, quando,por exemplo, um homem que est correndo muito rpido d de encontro com um obstculoque aparece inesperadamente.

    Um lugar especial na teoria dos motivos da atividade pertence s concepes francamentehedonistas, cuja essncia reside no fato de que toda a atividade do homem est, de algumaforma, subordinada ao princpio de maximizar as emoes positivas e minimizar asnegativas. A partir disso, a conquista da satisfao e da liberdade do sofrimentocompreendem os motivos subjacentes que mobilizam o ser humano. Especificamente, naconcepo hedonista, assim como no foco de uma lente, so coletadas todas asrepresentaes ideologicamente pervertidas a respeito do senso de existncia do serhumano e a respeito de sua personalidade. Como acontece com todas as grandes mentiras,essas concepes se baseiam numa verdade que elas falsificaram. Essa verdade consiste nofato de que o ser humano de fato luta para ser feliz. Mas o hedonismo psicolgico entraimediatamente em contradio com essa grande verdade, trocando-a pela moeda pequenado "reforo" e do "auto-reforo" dentro do esprito do behaviorismo skinneriano.

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    A atividade humana no , de forma alguma, gerada e no dirigida, como ocomportamento de ratos de laboratrio, com eletrodos implantados nos "centros desatisfao" no crebro. Quando os ratos so treinados para ligar a fora e estimular essescentros, eles permanecem eternamente nessa atividade. claro que possvel citarfenmenos semelhantes no ser humano tambm, como a necessidade de narcticos ou a

    hiperbolizao do sexo, por exemplo; no entanto, esses fenmenos no dizemabsolutamente nada a respeito da natureza real dos motivos, a respeito da confirmao davida humana. Ao contrrio, essas aes arrunam a vida.

    Compreendemos que a insustentabilidade das concepes hedonistas da motivao reside,no no fato de que exageram o papel das experincias emocionais na regulao daatividade, mas no fato de que reduzem e pervertem as relaes reais. As emoes no estosubordinadas atividade, mas parecem ser seu resultado e o "mecanismo" do seumovimento.

    Na sua poca, J ohn Stuat Mill escreveu: "Eu entendi que, para ser feliz, o ser humano devecolocar diante de si algum tipo de objetivo; ento, ao lutar por ele, ele vai sentir felicidadesem que se preocupe com isso." Essa a estratgia "astuta" da felicidade. Segundo ele, essa a lei psicolgica.

    As emoes preenchem as funes de sinais internos, internos no sentido de que noaparecem diretamente como um reflexo psquico da prpria atividade psquica. Acaracterstica especial das emoes reside no fato de que refletem relacionamentos entre osmotivos (necessidades) e o sucesso, ou a possibilidade de sucesso, de realizar a ao dosujeito que responde a esses motivos. No estamos falando, aqui, sobre o reflexo dessesrelacionamentos, mas sobre um reflexo seu que se d de forma direta e sensorial, sobre aexperincia. Assim, eles aparecem como resultado da atualizao de um motivo(necessidade), e antes de uma avaliao racional por parte do sujeito a respeito de suaatividade.

    No posso me deter, aqui, numa anlise das vrias hipteses que, de uma forma ou de outra,expressam a forma com que as emoes dependem de inter-relaes entre a "realidadeobjetiva e aquilo que deve ser". Vou apenas notar que o fato a ser considerado em primeirolugar que as emoes dizem respeito atividade, e no s aes ou operaes que arealizam. Por esta razo, o mesmo processo que realiza vrias atividades pode adquirirvrias coloraes emocionais, at mesmo contraditrias. Em outras palavras, o papel de"sano" positiva ou negativa desempenhado pelas emoes com relao aos afetosatribudos aos motivos. Mesmo a realizao bem sucedida de uma ao ou outra no levanecessariamente a emoes positivas; pode engendrar uma experincia fortemente negativa,sinalizando que, no que concerne ao motivo principal, o sucesso obtido psicologicamenteuma derrota para a personalidade. Isto tambm se revela verdadeiro no nvel de reaesadaptativas mais simples. O ato de espirrar em si, ou seja, independentemente de qualquertipo de relao que pudesse existir, evoca satisfao, assim dizem; no entanto, umasensao inteiramente diferente se d na experincia de um dos heris de Chekov, queespirrou no teatro: este fato lhe evocou uma emoo de horror e ele realizou uma srie deaes que resultaram em sua morte.

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    A variedade e a complexidade dos estados emocionais o resultado da quebra dasensitividade primria na qual os momentos cognitivos e sensitivos se unem. No devemos,naturalmente, pensar nessa ruptura como se os estados emocionais adquirissem umaexistncia independente do mundo objetivo. A partir de condies objetivas, eles "marcam"marcas emocionais com relao s coisas em si ou s pessoas, de modo a formar os assim

    chamados complexos afetivos etc. Aqui estamos falando de outra coisa, especificamente, arespeito da diferenciao que resulta na forma de contedo objetivo e de coloraoemocional. As condies da mediao complexa da atividade humana e a influncia deobjetos podem mudar (um encontro inesperado com um urso normalmente causa medo,mas se surgir um motivo especial, por exemplo na situao de caa, o encontro pode geraralegria). O ponto principal que os processos e estados emocionais tm seu prpriodesenvolvimento no homem, de forma especial. Isto deve ser especialmente enfatizado namedida em que as concepes clssicas das emoes humanas como "rudimentos", combase em Darwin, consideram sua transformao no homem com uma involuo, o que geraum ideal falso de educao, conduzindo exigncia de "subordinar os sentimentos razofria".

    Eles tm sua prpria histria e seu prprio desenvolvimento. Isto leva a uma mudana denveis e classes. So afetos que ocorrem sbita e involuntariamente (dizemos: "fiqueitomado pela raiva, mas fiquei contente"); em segundo lugar, as emoes so propriamenteesses estados - predominantemente ideacionais e situacionais - e os sentimentos objetivosligados a eles, isto , firmes e "cristalizados", de acordo com a expresso figurativa deStendahl, no objeto da experincia emocional; finalmente, so atitudes - fenmenossubjetivos muito importantes com sua funo de "personalidade". Sem aprofundar naanlise dessas vrias classes de estados emocionais, vou apenas observar que eles travamrelaes complexas entre si: o jovem Rostov sente medo antes da batalha (e isto umaemoo) de que ser vencido pelo pavor (afeto); uma me pode ficar realmente brava comseu filho arteiro sem, nem por um minuto, deixar de am-lo (sentimento).

    A variedade dos fenmenos emocionais e a complexidade de suas inter-relaes e fontesso muito bem compreendidas subjetivamente. No entanto, assim que a psicologia deixa oplano da fenomenologia, logo parece que s lhe permitido investigar os estados maisbvios. Foi dessa forma que o assunto foi tratado nas teorias perifricas (J ames disseexplicitamente que a sua teoria no dizia respeito s emoes superiores); tambm dessamaneira que o assunto tem continuado a ser tratado nas concepes psicofisiolgicascontemporneas.

    Uma outra forma de abordar a emoo envolve a investigao das relaes "inter-motivacionais" que, em conjunto, caracterizam a estrutura da personalidade e,simultaneamente, a esfera das experincias emocionais que refletem e mediam seufuncionamento.

    Geneticamente, o ponto de partida para a atividade humana reside na no-coincidnciaentre motivos e objetivos. Sua coincidncia um fenmeno secundrio: seja comoresultado da aquisio de um objetivo de fora de estimulao independente, seja comoresultado do reconhecimento de motivos e de sua converso em motivos-objetivos.Distintos dos objetivos, os motivos no so, de fato, reconhecidos pelo sujeito: quando

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    executamos uma ao ou outra, naquele momento usualmente no nos damos conta dosmotivos que evocam a ao. certo que no difcil para ns atribuir motivao a elas,mas a motivao nem sempre contm em si uma indicao de seu motivo verdadeiro.

    Os motivos, no entanto, no esto separados da conscincia. Mesmo quando os motivos

    no so reconhecidos, isto , quando o ser humano no se d conta do que o faz realizaruma ao ou outra, eles ainda encontram seu reflexo psquico, mas de uma forma especial -na forma da colorao emocional da ao. Esta colorao emocional (sua intensidade, suamarca e seu carter qualitativo) exerce uma funo especfica, que tambm requer adistino entre o conceito de emoo e o conceito de sentido pessoal. Sua no-coincidnciano se d, no entanto, por natureza; evidentemente, nos nveis inferiores, os objetos danecessidade so exata e diretamente "marcados" pela emoo. A no-conformidade saparece como resultado da quebra da funo dos motivos que ocorre no curso dodesenvolvimento da atividade humana.

    Essa quebra resultado do fato de que a atividade necessariamente se torna multi-motivacional, isto , responde, simultaneamente, a dois ou mais motivos. Afinal, as aeshumanas praticamente sempre realizam um certo conjunto de relaes: voltadas sociedadee voltadas prpria pessoa. Assim, a atividade do trabalho socialmente motivada, mastambm dirigida a motivos, como, digamos, a recompensa material. Embora coexistam, como se esses dois motivos ocupassem planos diferentes. Nas condies das relaessocialistas, o senso de trabalho engendrado para o trabalhador por motivos sociais; no queconcerne recompensa material, este motivo, naturalmente, tambm existe para ele, pormsomente como uma funo da atividade estimuladora, embora tambm a induza, tornando-a"dinmica", mas a recompensa material, enquanto motivo, passa a se privar de sua principalfuno, a funo da formao de sentido.

    Desta forma, certos motivos que induzem a atividade tambm lhe do sentido pessoal;vamos cham-los de motivos formadores de sentido. Outros que coexistem com eles eexercem o papel de fatores de estimulao (positiva ou negativa), s vezes fortementeemocionais e afetivos, no tm a funo da formao de sentido; chamaremos essesmotivos literalmente de motivos-estmulos. Caracteristicamente, quando uma atividade,importante em seu prprio sentido pessoal para o homem, encontra, no curso de suarealizao, um estmulo negativo que elicia, at mesmo, uma experincia emocional forte,ento seu sentido pessoal no se altera por causa disso; muito freqentemente, uma outracoisa acontece: especificamente, ocorre, de forma nica, um rpido descrdito da emooeliciada. Este fenmeno bem conhecido leva-nos a pensar, mais uma vez, no problema dasrelaes entre as experincias emocionais e o sentido pessoal.

    Uma separao com respeito funo da formao de sentido e estimulao simples entreos motivos de uma s atividade torna possvel entender as principais relaes quecaracterizam a esfera motivacional: as relaes de hierarquia dos motivos. Esta hierarquiano minimamente construda dentro de uma escala que estivesse de acordo com suaproximidade com relao s necessidades vitais (biolgicas), da forma com que Maslow,por exemplo, imagina: a necessidade de manter homeostase fisiolgica a base para ahierarquia; os motivos de auto-preservao so superiores; em seguida, confiana eprestgio; finalmente, no alto da hierarquia, os motivos de conhecimento e esttica. O

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    problema principal que surge aqui no reside em estabelecer at que ponto a escala dada(ou outra semelhante a ela) est certa, mas em que medida o princpio que rege essa escala adequado. O fato que nem o grau de proximidade com relao s necessidadesbiolgicas, nem o grau de capacidade de estimulao, nem a influncia de um motivo ououtro determina a relao hierrquica entre eles. Essas relaes so determinadas pelas

    conexes que a atividade do sujeito provoca, por suas mediaes e, por essa razo, sorelativas. Isso diz respeito, tambm, correlao principal - correlao entre os motivosformadores de sentido e os motivos-estmulos. Na estrutura de uma atividade, dado motivopode preencher a funo de formao de sentido; numa outra, a funo de estimulaosuplementar. Os motivos formadores de sentido, no entanto, sempre ocupam uma posiohierrquica superior, mesmo quando no governam a afecto-gnese direta. Parecendo serdominantes na vida da personalidade, para o prprio sujeito podem permanecer "nas asas",com respeito, tanto conscincia, quanto afetividade direta.

    O fato da existncia de motivos realmente inconscientes no expressa, em si, um incioespecial escondido nas profundezas da psique. Os motivos inconscientes tm a mesmadeterminao que todo reflexo psquico: uma existncia real, a atividade do homem dentrode um mundo objetivo. Inconsciente e consciente no se opem; so apenas formas e nveisdiferentes de reflexo psquico em estrita relao com o lugar que aquele que refletidoocupa na estrutura da atividade, no movimento de seu sistema. Se os objetivos e aes querespondem a eles so por necessidade reconhecidos, o assunto outro no que diz respeitoao reconhecimento de seus motivos, daquilo a que se deve a seleo e realizao dedeterminados objetivos. O contedo objetivo dos motivos sempre, claro, de uma forma oude outra, se apresenta e percebido. No que diz respeito a isso, o objeto que estimula aao e o objeto que age como implemento ou obstculo so, por assim dizer, equivalentes.Se o objeto reconhecido como motivo, j um assunto diferente. O paradoxo reside nofato de que os motivos so revelados conscincia s objetivamente, por meio da anliseda atividade e de sua dinmica. Subjetivamente, eles s aparecem em sua expressooblqua, na forma da experincia de vontades, de desejos, ou na luta por um objetivo.Quando um ou outro objetivo aparece na minha frente, ento eu no somente o reconheo,apresento sua condicionalidade objetiva para a minha pessoa, os meios de sua realizao eos resultados eventuais aos quais ele conduz, mas eu quero alcan-lo (ou, ao contrrio,pode me causar averso). Essas experincias diretas preenchem o papel de sinais internospor meio dos quais os processos so regulados no curso de sua realizao. Expressando-sesubjetivamente nesses sinais internos, o motivo no est diretamente contido neles. Isso criaa impresso de que surgem endogenamente e de que so as foras que mobilizam ocomportamento.

    O reconhecimento dos motivos um fenmeno secundrio que surge apenas no nvel dapersonalidade e continuamente produzido no curso de seu desenvolvimento. Para ascrianas muito pequenas, este problema simplesmente no existe. Mesmo no estgio detransio para a idade escolar, quando um desejo de ir para a escola aparece na criana, omotivo subjacente, o qual est por trs desse desejo, no claro para ela, embora no tenhadificuldade com motivaes que usualmente produzem algo de familiar para ela. S possvel explicar esse motivo subjacente estudando objetivamente (obliquamente), porexemplo, os jogos das crianas que brincam de "ir para a escola", de modo que, no jogo defaz-de-conta, fcil de se ver o sentido pessoal das aes do jogo e, correspondentemente,

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    seu motivo. Para reconhecer os motivos reais de sua atividade, o sujeito tambm precisaproceder de forma indireta, com esta diferena, entretanto, de que ao longo desse caminhoele ser orientado por sinais - experincias, "marcas" emocionais da vida.

    Um dia preenchido com uma multido de aes, aparentemente totalmente bem sucedidas,

    pode, apesar disso, estragar o humor de uma pessoa, deixando-a com uma espcie deresduo emocional desagradvel. Por trs das preocupaes do dia, esse resduo quase no percebido. Mas, ento, chega um minuto no qual a pessoa olha para trs e mentalmenteavalia o dia que passou; nesse momento, vem sua memria uma dada experincia, e seuhumor adquire a referncia objetiva: surge um sinal afetivo, que indica que particularmenteessa experincia a deixou com o resduo emocional. Pode acontecer, por exemplo, que sejasua reao negativa ao sucesso de algum que alcanou um objetivo comum simplesmenteporque parecia para ela que aquilo lhe pertencia; e, aqui, parece que no foi exatamenteassim, e que, realmente, o principal motivo para ela era alcanar o sucesso para si. Elaconfronta-se com um "problema de sentido pessoal" que no se resolve por si, porque agorase tornou um problema da correlao dos motivos que a caracterizam como umapersonalidade.

    necessrio um trabalho interno especfico para resolver um problema como esse e talvezpara erradicar o que se tornou exposto. Afinal, muito ruim, conforme Pirogov, se vocno percebe isso a tempo e no d fim a isso. Herzen tambm escreveu a esse respeito, etoda a vida de Tolstoi um grande exemplo de um trabalho interno desse tipo.

    O processo de penetrar na personalidade aparece, aqui, do ponto de vista do sujeito,fenomenicamente. Mas, mesmo neste caso, em sua aparncia fenomnica, fica claro queconsiste num esclarecimento das relaes hierrquicas dos motivos. Subjetivamente,parecem expressar uma "valncia" psicolgica que pertence aos prprios motivos. A anlisecientfica, no entanto, precisa ir alm, uma vez que a formao dessas relaesnecessariamente pressupe uma transformao dos prprios motivos, a qual ocorre nomovimento deste sistema inteiro de atividade do sujeito no qual sua personalidade formada.

    V - A formao da personalidade

    A situao do desenvolvimento do indivduo humano revela seus traos especiais mesmonos estgios mais precoces. Seu princpio reside no carter de mediao das conexes dacriana com o mundo circundante. No incio, as conexes biolgicas diretas, criana-me,so logo mediadas por objetos: a me alimenta a criana com uma tigela, veste-a comroupas e, para diverti-la, manipula brinquedos. Por outro lado, as conexes da criana comas coisas so mediadas pelas pessoas que a circundam: a me coloca a criana perto dascoisas que lhe so atraentes, providencia para que fiquem perto dela, ou, talvez, tira-as dela.Numa palavra, a atividade da criana aparece, cada vez mais, como a realizao de suas

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    conexes com os seres humanos atravs das coisas, e conexes com as coisas atravs dosseres humanos.

    O resultado deste desenvolvimento que as coisas aparecem para a criana no apenas emsuas propriedades fsicas, mas, tambm, por meio daquela qualidade especial que adquirem

    na atividade humana - em seu significado funcional (um copo algo com que se bebe, umbanco onde se senta, um relgio algo que as pessoas usam no pulso etc.) - e as pessoasparecem estar "encarregadas" das coisas das quais depende sua relao com as pessoas. Aatividade objetiva da criana adquire uma estrutura implementada e a comunicao se tornaoral, mediada pela linguagem.

    Nesta situao inicial do desenvolvimento da criana, h tambm o ncleo dessas relaes,cujo desdobramento ulterior constitui uma cadeia de experincias que leva a sua formaoenquanto personalidade. No princpio, as relaes com o mundo das coisas e com aspessoas ao redor fundem-se para a criana, porm, mais tarde, separam-se e formam linhasde desenvolvimento, variadas embora interconectadas, as quais se unem umas s outras.

    Na ontognese, estas transies se expressam em fases alternantes: a fase da predominnciado desenvolvimento da atividade objetiva (prtica e cognitiva) com fases dodesenvolvimento de inter-relaes com as pessoas e com a sociedade. O mesmo tipo detransio caracteriza o movimento dos motivos dentro de cada fase. Como resultado,aparecem aquelas conexes hierrquicas de motivos que formam os "ns" da personalidade.

    A amarrao desses ns representa um processo oculto que expresso de formas diferentesem estgios diferentes do desenvolvimento. Eu descrevi acima um dos fenmenos quecaracterizam o mecanismo deste processo no estgio em que se combinam a ao objetivade uma criana e sua relao com um adulto que est ausente em certo momento; emboramodifique o sentido do resultado obtido, mesmo assim permite que a ao em si continuesendo completamente uma ao "de campo". Como ocorrem as mudanas posteriores?Fatos obtidos na pesquisa com crianas pr-escolares de vrias idades indicam que essasmudanas esto sujeitas a regras definidas.

    Uma delas que, numa situao em que se d a motivao em vrias direes, h primeirouma subordinao da ao s exigncias do ser humano e, ento, uma subordinaoobjetiva de conexes inter-objetos. Uma outra regra que se descobriu no decorrer dosexperimentos parece um pouco paradoxal: parece que sob condies de atividadeduplamente motivada, o motivo material-objetivo pode preencher uma funo, tendoanteriormente subordinado um outro motivo, quando apresentado para uma criana naforma de apenas uma representao, mentalmente, e s mais tarde aparece no campo real depercepo.

    Embora estas regras expressem hereditariedade gentica, elas tambm tm um significadogeral. O fato que, ao fazer com que uma situao como a descrita se torne mais precisa, ofenmeno de deslocamento ("dcalage") aparece como aquele de cujo resultado soreveladas estas relaes mais simples e direcionadoras; sabe-se, por exemplo, que maisfcil atacar depois de uma ordem direta do comandante, do que quando se auto-dirigido.No que concerne forma na qual aparecem os motivos, em circunstncias complexas de

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    atividade voluntria fica muito claramente revelado que s um motivo ideal, isto , ummotivo que reside dentro dos vetores do campo interno, capaz de subordinar a si aesprovindas de motivos exteriores e dirigidas em direo oposta. Falando figurativamente, omecanismo psicolgico dos feitos da vida devem ser encontrados na imaginao humana.

    Do ponto de vista das mudanas das quais estamos falando, o processo de formao dapersonalidade pode ser representado como um desenvolvimento da vontade, e isto no acidental. A ao impulsiva, involuntria, uma ao impessoal, embora se possa falar daperda da vontade apenas com relao personalidade (afinal, no possvel se perder o queno se tem). Por essa razo, os autores que consideram a vontade como o trao maisimportante da personalidade do ponto de vista emprico esto certos.

    A vontade, entretanto, no parece ser, nem o comeo, nem mesmo o "piv" dapersonalidade: s uma de suas expresses. A base real da personalidade aquela estruturaespecial da atividade inteira do sujeito a qual ocorre em dado estgio do desenvolvimentode suas conexes humanas com o mundo.

    O ser humano vive como se fosse num crculo cada vez mais amplo de atividade para si. Nocomeo, um pequeno crculo de pessoas e objetos que diretamente o circundam: eledesenvolve interao com eles, uma percepo sensorial deles, uma aprendizagem do quepode ser conhecido sobre eles, um aprendizado de seu significado. Porm, mais para frente,diante de si comea a se abrir uma atividade que se encontra muito alm dos limites de suaatividade prtica e de seu contato direto: os limites ampliados daquilo que ele podeconhecer e que apresentado para ele pelo mundo. O "campo" real que agora determinasuas aes no aquele que est simplesmente presente, mas aquele que existe para ele,existe objetivamente ou, s vezes, apenas como uma iluso.

    O conhecimento do sujeito a respeito daquilo que existe sempre maior do que suaconverso em alguma coisa que determine sua atividade. Esse conhecimento exerce umpapel muito importante na formao dos motivos. Em certo nvel de desenvolvimento, osmotivos primeiro aparecem como apenas "conhecidos", como possveis, sem aindaestimular realmente qualquer tipo de ao. Para entender o processo da formao dapersonalidade, necessrio no deixar de considerar isto, embora, em si, a extenso deconhecimento no aparea como determinante da personalidade; por esse motivo, alis, ocultivo da personalidade no pode ser reduzido ao treino, acumulao de conhecimento.

    A formao da personalidade pressupe um desenvolvimento do processo da formao deobjetivos e, correspondentemente, o desenvolvimento das aes do sujeito. As aes,tornando-se cada vez mais ricas, superam aquele crculo de atividade que elas realizam, eentram em contradio com os motivos que as geram. Os fenmenos de tal superao somuito bem conhecidos e seguidamente descritos na literatura que trata da psicologia docrescimento, embora em termos diferentes; estes fenmenos formam as assim chamadascrises de desenvolvimento, as crises dos trs anos, dos sete anos, da adolescncia, e aquelascrises da maturidade, muito menos freqentemente estudadas. Como resultado, ocorre umdeslocamento dos motivos para objetivos, uma mudana em sua hierarquia, e a gerao denovos motivos, de novos tipos de atividade; os objetivos anteriores so psicologicamente

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    desacreditados e as aes que respondiam a eles, ou deixam completamente de existir, ouso convertidas em operaes impessoais.

    As foras internamente motivadoras deste processo residem na conexo dual original dosujeito com o mundo e em sua mediao dual, a atividade com objetos e o contato social.

    Seu desenvolvimento gera, no s uma dualidade de motivao de aes, mas, devido aisso, tambm sua subordinao, dependendo das relaes objetivas que se abrem para osujeito e nas quais ele entra. O desenvolvimento e a multiplicao dessas subordinaes,que so especiais em sua natureza e aparecem somente em condies de vida do homem emsociedade, ocupam um longo perodo que pode ser chamado de estgio espontneo dodesenvolvimento da personalidade, no dirigido pela auto-conscincia. Neste estgio, quecontinua quase at o comeo da adolescncia, o processo da formao da personalidade,entretanto, no est concludo; apenas uma preparao para a vinda da personalidadeauto-consciente.

    Na literatura a respeito de pedagogia e de psicologia, tanto o primeiro perodo pr-escolar,quanto o perodo pr-adolescente so indicados como pontos de mutao com relao aisso. A personalidade, de fato, nasce duas vezes; na primeira vez, quando aparecem numacriana, em formas claras, a poli-motivao e a subordinao de suas aes (vamos lembraro fenmeno dos "doces amargos" e outros semelhantes a esse), e, na segunda vez, quandosua personalidade consciente aparece. Neste ltimo caso, temos em mente algum tipo dereconstruo especial da conscincia. O problema surge com respeito compreenso danecessidade para essa reconstruo e de que consiste especificamente.

    Esta necessidade criada pela circunstncia de que, quanto mais amplas as conexes dosujeito com o mundo, mais elas so entrelaadas entre si. Suas aes, ao realizar uma desuas atividades, uma relao, objetivamente parecem realizar, ao mesmo tempo, um outrotipo de relao que tambm lhe prpria. Uma possvel no-conformidade ou contradiocomo essas no cria, no entanto, alternativas que sejam resolvidas, simplesmente, por uma"aritmtica de motivos". Uma situao psicolgica real, gerada pelo cruzamento de liamesdo sujeito com o mundo, nos quais so introduzidos, independentemente de sua vontade,cada uma de suas aes e cada um de seus atos de contato com outras pessoas, requer deleuma orientao no sistema destas conexes. Em outras palavras, o reflexo psquico ou aconscincia no pode, a essas alturas, tornar-se uma orientao apenas de algumas aes dosujeito; precisa, tambm, refletir ativamente a hierarquia de suas conexes, o processo dedesenvolvimento da subordinao e do cruzamento de subordinaes de seus motivos. Eisto requer um movimento interno especial da conscincia.

    Nos movimentos da conscincia individual, descritos anteriormente como um processo detransio mtua entre contedos diretamente sensoriais e significados que adquirem umsentido ou outro, dependendo dos motivos da atividade, desvela-se agora, tambm, ummovimento em uma dimenso. Se o movimento descrito anteriormente for apresentadofigurativamente como um movimento no plano horizontal, ento o novo movimento ocorrecomo que verticalmente. Consiste em correlacionar os motivos entre si. Alguns ocupam umlugar de tal forma que subordinam outros a si e comportam-se como se se elevassem;outros, ao contrrio, caem para a posio de subordinao ou, at, perdem completamente

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    sua funo de formao de sentido. A formao desse movimento expressa, em si, aformao de um sistema conectivo de sentidos pessoais, a formao da personalidade.

    Naturalmente, a formao da personalidade representa, em si, um processo contnuo queconsiste de uma srie de estgios que mudam seqencialmente, cujas caractersticas

    qualitativas dependem das condies e das circunstncias concretas. Por esta razo, aoobservar seu curso seqencial, notamos, apenas, deslocamentos separados. Mas, sefssemos olh-lo a certa distncia, ento a transio que marca o nascimento genuno dapersonalidade apareceria como um acontecimento que muda o curso de todo odesenvolvimento psquico subseqente.

    Existem muitos fenmenos que marcam essa passagem. Primeiramente, uma reconstruoda esfera de relaes com outras pessoas e com a sociedade. Se, nos estgios iniciais, asociedade descoberta atravs de contatos crescentes com aqueles que esto ao redor dapessoa e, por essa razo, predominantemente em suas formas personificadas, ento, nestemomento, esta situao se reverte: as pessoas ao redor comeam, cada vez mais, a agiratravs de relaes sociais objetivas. A transio a respeito da qual estamos falandotambm provoca mudanas que determinam o ponto principal no desenvolvimento dapersonalidade, no seu destino.

    A necessidade de o sujeito orientar-se no sistema em ampliao de suas conexes com omundo revela-se, agora, em seu novo significado: como aquele que d lugar para oprocesso de desdobramento da essncia social do sujeito. Em toda sua completude, estedesdobramento constitui uma perspectiva de processo histrico. Em conformidade com aformao da personalidade em um ou em outro estgio do desenvolvimento da sociedade edependendo do lugar que o sujeito ocupa no sistema das relaes sociais em andamento,esta perspectiva aparece como se apenas eventualmente contivesse em si o "ponto terminal"ideal.

    Uma das mudanas por atrs das quais se esconde a nova reconstruo da hierarquia demotivos mostra-se numa perda, para o adolescente, do valor intrnseco das relaes nocrculo ntimo de seus contatos. Assim, os pedidos vindos mesmo dos adultos maisprximos agora s preservam suas funes na formao do sentido se forem includosdentro de uma esfera social e motivacional mais ampla; em outras circunstncias, evocam"revolta psicolgica". No entanto, esta entrada do adolescente num crculo mais amplo decontatos no significa, absolutamente, que o ntimo e o pessoal sejam, agora, relegados aum segundo plano. Ao contrrio, justamente nesse perodo e justamente por essa razoque ocorre um desenvolvimento intenso da vida interna: lado a lado com uma amizadecasual, desenvolve-se a amizade real nutrida pela confiana mtua; o contedo das cartasmuda, elas perdem seu carter descritivo estereotipado e aparecem nelas relatos deexperincias; so feitas tentativas para ter dirios ntimos e aparece o primeiro amor.

    Mudanas ainda mais profundas marcam os nveis subseqentes de desenvolvimento at onvel em que o sistema de relaes sociais objetivas e sua expresso adquirem um sentidopessoal prprio. Naturalmente, os fenmenos que ocorrem neste nvel so ainda maiscomplexos e podem ser verdadeiramente trgicos, mas mesmo aqui a mesma coisa

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    acontece: quanto mais a sociedade se revela para a personalidade, tanto mais completo setorna seu mundo interno.

    O processo de desenvolvimento da personalidade sempre continua sendo profundamenteindividual, nico. Ele produz deslocamentos mais significativos ao longo da abscissa de

    crescimento e, s vezes, evoca degradao social da personalidade. O ponto principal quesegue de forma completamente individual e depende das condies histricas concretas, dofato de o indivduo pertencer a um ou a outro ambiente social. particularmente dramticosob as condies de uma sociedade de classes, com sua inevitvel alienao e parcializaoda personalidade, com suas alternativas entre trabalho braal e executivo. Compreende-seque as circunstncias concretas da vida deixam sua marca no processo de desenvolvimentoda personalidade mesmo dentro de uma sociedade socialista. Ao eliminar as condiesobjetivas que formam uma barreira para o retorno de sua verdadeira essncia para o serhumano, para um desenvolvimento suave e harmonioso de sua personalidade, faz com queisto venha a ser, pela primeira vez, um prospecto real, mas no reconstri automaticamenteuma personalidade. A mudana fundamental reside em outra coisa, no aparecimento de umnovo movimento: de uma luta da sociedade em favor da personalidade humana. Quandodizemos "em nome do homem, pelo homem", isto no significa, apenas, para seu uso, maspara sua personalidade, embora aqui se compreenda, naturalmente, que ao homem devemser assegurados bens materiais e alimento mental.

    Se voltarmos, mais uma vez, para os fenmenos que marcam a transio do perodo depreparao da personalidade para o perodo de seu desenvolvimento, ento precisaremos,ainda, indicar uma outra transformao transicional. Trata-se da transformao daexpresso de caractersticas de classe da personalidade e, falando mais amplamente, dascaractersticas que dependem da diferenciao social da sociedade. O fato de um sujeitopertencer a uma classe condiciona, logo de incio, o desenvolvimento de suas conexescom o mundo circundante, um segmento maior ou menor de sua atividade prtica, seuscontatos, seu conhecimento, e sua aquisio de normas de comportamento. So todasaquisies a partir das quais a personalidade constituda no estgio de sua formaoinicial. possvel e necessrio, de acordo com isso, que falemos do carter de classe dapersonalidade? Sim, se levarmos em considerao aquilo que a criana assimila doambiente; no, porque neste estgio ela apenas um objeto, se podemos falar assim, de suaclasse, de seu grupo social. Mais tarde, a situao se modifica e ela se torna o sujeito declasse e grupo. Ento, e s ento, sua personalidade comea a se formar como umapersonalidade de classe dentro de um sentido diferente e verdadeiro da palavra: no comeo,talvez inconscientemente, depois conscientemente, porm, mais cedo ou mais tarde, ele vaiassumir sua posio - mais ou menos ativa, decisiva ou vacilante. Por esta razo, sobcondies de confronto de classes, ele no apenas "se mostra", mas assume sua posio deum lado ou de outro da barricada. Uma outra coisa se torna evidente, especificamente, ofato de que, em cada virada na sua forma de vida, ele precisa livrar-se de algo, confirmaralgo em si, e ele deve fazer tudo isso, e no simplesmente "submeter-se ao efeito doambiente".

    Finalmente, ao longo dessa linha, ainda acontece uma outra mudana, a qual tambm alterao prprio "mecanismo" que forma a personalidade. Falei antes da atividade real do sujeito,a qual cada vez vai se ampliando mais. Porm, ela existe tambm dentro do tempo - na

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    forma de seu passado e na forma do futuro que v diante de si. claro que temos emmente, em primeiro lugar, o primeiro ponto: a experincia individual do sujeito, cuja funoparece ser, por assim dizer, sua personalidade. E este fato faz ressurgir, novamente, afrmula a respeito da personalidade como um produto resultante de propriedades inatas eda aquisio de experincia. Nos primeiros estgios do desenvolvimento, essa frmula pode

    ainda parecer confivel, espec