Psicologia Da Educa--o e a Crise Na Escola

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A PSICOLOGIA E A "CRISE" DA EDUCAÇÃO Maria Helena Novaes PUC-Rio Patamar da questão: A eterna crise da educação brasileira remete inevitavelmente para aquela do projeto de nação que se deseja, tanto no plano democrático, popular, ecológico, social e educativo como no cultural. Nesse sentido, Cristovam Buarque propõe uma revolução das prioridades e a união das forças construtivas da sociedade para resolver problemas agudos, como o da pobreza, do analfabetismo, da violência e do desemprego, que afetarão todos os cidadãos. Por outro lado, a desvinculação dos avanços alienantes de tecnologias, da globalização e da modernização com as necessidades e os valores humanos produz sérios equívocos éticos e morais, além de desvios nas relações e vínculos. No momento atual, caberia à escola investir no desenvolvimento das potencialidades humanas, nas relações interativas, nas modalidades de comunicação, das competências e habilidades específicas, como, por exemplo, aquelas capazes de articular criativamente tempo e espaço, a fim de preparar os alunos a enfrentar os desafios do mundo contemporâneo. O fato é que as necessidades socioeducativas emergentes exigem renovação e atualização constantes de profissionais como o psicólogo escolar na busca de alternativas viáveis e eficazes que sirvam de alavanca para o bem-estar social, a melhoria da qualidade de vida, além de uma cidadania consciente e participativa. A crise da educação deve ser assim analisada no seu verdadeiro sentido, pois dela poderão surgir soluções reais, uma vez que revela nitidamente contradições e desigualdades sociais advindas das diferenças dos diversos contextos socioculturais, além de novos fenômenos que vão surgindo, dada a complexidade do mundo moderno. Anísio Teixeira, ao defender a qualidade do ensino, sobretudo na escola pública, afirmava: "a educação não é privilégio; portanto, deve ser acessível a todos". Ao percorrer o trajeto histórico dessa área de aplicação da Psicologia, percebe-se nitidamente as mudanças e tendências ocorridas face aos movimentos sociais e institucionais, além das impregnâncias teóricas e científicas da época. M. H. Souza Patto, pioneira nesse campo, enfatiza a responsabilidade do psicólogo, visando buscar alternativas para o resgate da subjetividade no contexto social e histórico no qual está vivendo, atentando para a circulação dos discursos presentes na instituição escola - de forma a encontrar significados do que acontece no seu interior, oxigenando-a pela promoção da circulação discursiva, considerando as diversas malhas de significados. Percorrendo a temática das publicações dos congressos, seminários e jornadas nessa área, percebe-se que, em nível acadêmico e teórico, questões como a da formação, da qualificação da pesquisa e das experiências de campo são discutidas e analisadas dentro dos vários enfoques teóricos descritivos e de suas implicações. Avanços houve, sem dúvida, pois a atuação do psicólogo escolar está melhor contextualizada, embora haja ainda resistências do sistema em incorporá-la à instituição-escola. Mas o que falta então? Por que não ocorrem mudanças mais significativas na sua prática e contribuição transformador as, tanto em nível institucional e social como em nível profissional?

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a crise na Educação

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  • A PSICOLOGIA E A "CRISE" DA EDUCAO Maria Helena Novaes PUC-Rio Patamar da questo:

    A eterna crise da educao brasileira remete inevitavelmente para aquela do projeto de nao que se deseja, tanto no plano democrtico, popular, ecolgico, social e educativo como no cultural.

    Nesse sentido, Cristovam Buarque prope uma revoluo das prioridades e a unio das foras construtivas da sociedade para resolver problemas agudos, como o da pobreza, do analfabetismo, da violncia e do desemprego, que afetaro todos os cidados. Por outro lado, a desvinculao dos avanos alienantes de tecnologias, da globalizao e da modernizao com as necessidades e os valores humanos produz srios equvocos ticos e morais, alm de desvios nas relaes e vnculos.

    No momento atual, caberia escola investir no desenvolvimento das potencialidades humanas, nas relaes interativas, nas modalidades de comunicao, das competncias e habilidades especficas, como, por exemplo, aquelas capazes de articular criativamente tempo e espao, a fim de preparar os alunos a enfrentar os desafios do mundo contemporneo.

    O fato que as necessidades socioeducativas emergentes exigem renovao e atualizao constantes de profissionais como o psiclogo escolar na busca de alternativas viveis e eficazes que sirvam de alavanca para o bem-estar social, a melhoria da qualidade de vida, alm de uma cidadania consciente e participativa.

    A crise da educao deve ser assim analisada no seu verdadeiro sentido, pois dela podero surgir solues reais, uma vez que revela nitidamente contradies e desigualdades sociais advindas das diferenas dos diversos contextos socioculturais, alm de novos fenmenos que vo surgindo, dada a complexidade do mundo moderno.

    Ansio Teixeira, ao defender a qualidade do ensino, sobretudo na escola pblica, afirmava: "a educao no privilgio; portanto, deve ser acessvel a todos".

    Ao percorrer o trajeto histrico dessa rea de aplicao da Psicologia, percebe-se nitidamente as mudanas e tendncias ocorridas face aos movimentos sociais e institucionais, alm das impregnncias tericas e cientficas da poca.

    M. H. Souza Patto, pioneira nesse campo, enfatiza a responsabilidade do psiclogo, visando buscar alternativas para o resgate da subjetividade no contexto social e histrico no qual est vivendo, atentando para a circulao dos discursos presentes na instituio escola - de forma a encontrar significados do que acontece no seu interior, oxigenando-a pela promoo da circulao discursiva, considerando as diversas malhas de significados.

    Percorrendo a temtica das publicaes dos congressos, seminrios e jornadas nessa rea, percebe-se que, em nvel acadmico e terico, questes como a da formao, da qualificao da pesquisa e das experincias de campo so discutidas e analisadas dentro dos vrios enfoques tericos descritivos e de suas implicaes.

    Avanos houve, sem dvida, pois a atuao do psiclogo escolar est melhor contextualizada, embora haja ainda resistncias do sistema em incorpor-la instituio-escola. Mas o que falta ento? Por que no ocorrem mudanas mais significativas na sua prtica e contribuio transformador as, tanto em nvel institucional e social como em nvel profissional?

  • Acredito que o psiclogo, para atuar no campo educacional na realidade brasileira, alm de bem preparado e qualificado profissionalmente, apresente uma atitude crtica, reflexiva, que lhe permita conviver com essa "crise", compreensvel e permanente, uma vez que reflete conflitos e dificuldades de uma sociedade contraditria, injusta, mas que pretende, tambm, encontrar caminhos para resgatar sua identidade autntica, desde que se busquem solues compartilhadas por todos e para todos.

    Contrapontos I1ustrativos

    Ao consultar documentao nacional (artigos de jornais, revistas, livros e entrevistas) de dcadas atrs, chega-se a uma constatao evidente - A educao brasileira est sempre configurada num cenrio de "crise", no qual esto presentes conflitos e problemas de difcil soluo, sendo a escola percebida como inadequada s demandas sociais e do mercado de trabalho, montona, superada e vazia de significado; os professores despreparados, insatisfeitos e desmotivados e os alunos desinteressados e prejudicados.

    A meu ver, o cerne da questo est no abismo existente entre o que se almeja e idealiza no processo educacional e aquilo que realmente oferecido pelo sistema social e vivenciado pelos protagonistas envolvidos.

    Alm disso, nele so depositadas expectativas da melhoria social, da construo de uma real cidadania, sem se dar igual mrito aos demais recursos comunitrios, como outras instituies sociais e culturais, a fim de tecer uma slida e necessria rede de articulao. Assim sendo, ou a educao configurada na definio dos valores como parte integrada ao prprio tecido sociocultural e, em conseqncia, interligada a ele ou ser sempre alienada e distante da realidade, havendo muita "fala" e pouco "agir". Experincias de educao que deram certo e conseguiram resultados promissores, ao conseguir vencer barreiras do meio ambiente e das comunidades, trabalharam com as possibilidades existentes, os recursos disponveis, adaptando suas atividades aos diversos contextos socioculturais que iam, assim, regulando suas aes.

    A ttulo de ilustrao, aqui esto alguns depoimentos dos anos 1980/1981. O artigo do professor Zeferino Vaz, fundador da Universidade Estadual de Campinas e ex-reitor

    da Universidade de Braslia, intitu1ava-se "At quando continuar a crise da educao?", no qual ressalta o abandono do ensino primrio, o aviltamento do professor, a falta de recursos materiais para as escolas, a m qualidade do ensino primrio e, ainda, a pseudo-democratizao da Universidade que no cumpre o seu papel junto sociedade, nem contribui para uma melhoria da qualidade de vida, nem para o bem-estar fsico, social, espiritual do homem e da comunidade, forjando milhes de jovens despreparados e sem perspectivas de emprego (JB, 28/12/80).

    O depoimento do jornalista Francisco Correa de S Benevides (J. C., em 7/1/81) intitulava-se "A Falncia da Educao", apontando a pouca eficcia dos planos educacionais, a manuteno do "status quo" inoperante, o pr-escolar abandonado, a generalizada alienao dos cursos superiores, a utopia do ensino profissionalizante e do ensino superior.

    O artigo de Eduardo Portella (JB, 28/12/80) acadmico e ex-ministro da Educao, destacava srias dificuldades do processo educacional, que no podem ser absorvidas traumaticamente, porque se inscrevem no quadro global das mudanas histricas exigi das pela prpria sociedade brasileira; no so casuais, mas efeitos e reflexos de uma velha ordem que perdeu o seu sentido e

  • no foi substituda. O ensino do 1 e 2 graus continua desantendido, as universidades passaram a receber uma massa disforme excedente e parasitria, atribuindo a desarticulao das aes falta de cooperao, s deturpadas ideologias do corporativismo, o que exige a urgncia de um esforo conjunto, pois em Educao ns somos o prximo Milnio.

    O professor Luciano Zajalsznajder, da Escola Brasileira de Administrao de F.G.V, em artigo publicado no JB, 28/12/80, associa a crise da educao quela de qualidade do ensino, uma vez que est ligada a currculos inadequados, falta de recursos humanos e materiais, fraca preparao de alunos e professores, distanciamento dos objetivos educacionais e das metas poltico-sociais.

    J o depoimento do professor Teobaldo Miranda, feito por ocasio do seu discurso como paraninfo dos dip10mados da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, Santa rsula e publicado na revista Serviam, em janeiro de 1943, afirmava que "A pedagogia moderna est em crise devido ao carter exclusivamente tcnico e cientfico da educao esvaziada de valores, pois uma viso estreita do homem, da vida e do universo nos leva a pensar sobre a melanclica concluso do fracasso das doutrinas educacionais, desligadas das razes externas e divinas do ser humano e de uma viso integral.

    Dando um salto no tempo, o psiclogo e emrito professor Samuel Pfromm Netto, num artigo publicado na revista Problemas Brasileiros de jan. fev./1993, destaca: Vivemos a mais dramtica das crises educacionais de toda a sua histria, pois estamos caminhando para trs. Atribui esse fato a uma expanso no planejada nos nveis de ensino, s condies precrias de trabalho e de remunerao dos professores e apatia das instituies face s vertiginosas mudanas ocorridas na mdia da informao e do ensino informal.

    Conclui que os novos figurinos pedaggicos resultam numa ignorncia generalizada, estando o corpo docente confuso e desnorteado, com um atraso enorme em relao sociedade informatizada ps-moderna.

    O professor e jurista Cndido Mendes, fundador e reitor da Universidade Cndido Mendes (JB, 19/10/ 91), em um artigo denominado a "Cultura Selvagem", preconizava a necessidade de uma poltica cultural, enraizada na conquista de seu espao social, restaurando a prtica da memria coletiva, articulando as conquistas da tecnologia com os anseios da humanidade. Para ele, s essa nova civilizao do imaginrio poder desemperrar uma mquina social que no acompanhou o exerccio cvico de vida coletiva, num mundo sem intervalos nas suas rotinas de produo e de recuperao, ressurgindo novos labirintos, como contrapontos apresentados.

    N esse sentido, a interao constante entre o aprender e o ensino, o conhecimento e a experincia, como preconiza Jacques Delors da Unesco, nos quatro pilares do ser, do fazer, do conviver e do conhecer, e pressupe modificar o contexto sociocultural.

    A dade educador-educando dinmica: no se sabe se o aluno que mais aprende com aquele ou o professor com ele. Os tipos de dilogo, das relaes que se estabelecem, o clima institucional, os nveis de expectativas, s situaes educativas, os valores e a filosofia adotada pela escola esto sempre presentes nos novos espaos e tempos conquistados. A escola pode produzir o fracasso escolar juntamente com a sociedade, bem como a marginalidade cultural.

    O encontro da psicologia com a educao deve partir da compreenso crtica desses espaos sociohistricos, nos quais se d a prtica social na escola.

    Conflitos, dificuldades e crises existiro sempre e devem ser considerados desafios para promover o homem numa relao dinmica e criativa no seu contexto, entendendo o educador que

  • cabe a ele tambm o papel de agente de transformao social.

    Contextualizao dos atuais significados

    Partir do pressuposto que toda crise representa sinal de oportunidade e de decisivo momento para uma superao tem dimenses quantitativas, qualitativas e fundamentais, pois est ligada definio de situaes que implicam em tempo x espao, eu x outros, contexto social x global, processo contnuo x descontnuo. Toda crise leva necessidade de mudana e de transformao; contudo, preciso saber para onde e em qual direo.

    Se a modernidade pode ser considerada pela ordem do simblico, enquanto categoria viva de diversidade da realidade cultural, comandada por um pensamento diferencial, com um modo de ser do pensamento moderno, ela nos confronta com a questo das representaes psquicas, como a da totalidade das possveis produes do psiquismo que nos remete polissemia da palavra e multiplicidade das significaes em campo intersubjetivo e mltiplo, descobridora da infinita combinatria dos sentidos no campo simblico.

    Assim, estabelece o movimento, a fugacidade e a transitoridade como categorias de fundamento, descobrindo o valor da anlise crtica e do desconstrutivismo, concebido como a desmontagem de significados na prtica discursiva, que tem srios desdobramentos na prtica educativa.

    O sujeito, como inveno do pensamento moderno, toma o homem objeto de seu prprio entendimento na forma de uma interrogao permanente, podendo se configurar a subjetividade como o conjunto de caractersticas diferenciais e efeito da articulao dos significantes. O sujeito associado ao inconsciente sempre interrogativo, associado que est dvida produtiva e a uma tica sempre problemtica.

    Nesse contexto surgiro muitas questes novas para a educao e sobre o papel das geraes nas transformaes socioculturais.

    Ao professor cabe evitar subestimar seus alunos, sendo oportuno lembrar que explicaes simples e honestas so sempre as mais eficazes, mesmo aquelas dos mais complicados e difceis fenmenos cientficos.

    O pensador francs Pierre Lvy, que se tomou uma das principais vozes do pensamento contemporneo sobre as tecnologias modernas da comunicao, professor da universidade de Paris VIII, no seu recente livro "A Conexo Planetria" - preconiza uma sociedade integrada pelos sistemas de informao. Destaca a importncia do mundo virtual, afirmando na entrevista publicada no JB em 1/4/2001, que uma tendncia possvel, a potencialidade inerente a todas as coisas que acaba permitindo sua transformao. "Pensar, hoje, significa pensar em rede, o que significa uma capacidade promissora de solucionar problemas mundiais. Assim, o virtual tudo aquilo que existe sem estar precisamente localizado no espao ou no tempo." Para ele, as tecnologias da comunicao so um caminho para romper as barreiras criadas entre os povos, a globalizao, um processo poltico inevitvel para a humanidade. Vivemos a possibilidade de uma ventura de conscincia, interligando as conscincias individuais quela coletiva.

    No Brasil, a Universidade precisa tomar cincia do seu papel transformador, modernizador, de suas estruturas, estreitar seu relacionamento com a sociedade, abrir-se criticamente para o novo sculo, como afirma a presidenta da Fundao Universitria Jos Bonifcio, Anna Maria de Castro, lembrando que no se pode esquecer as sbias palavras do professor emrito e antroplogo Darcy

  • Ribeiro: "o que pode ser moderno no Brasil o povo comer todos os dias e todo mundo ter um emprego, toda criana ter uma escola, que possa progredir na vida".

    Como pode-se verificar, h no campo das cincias humanas, no qual est inserida a educao, um universo de representaes que se traduz por comportamento, discursos e testemunhos, estando sempre presentes as significaes, os valores, as invenes, os pontos de vista, os porqus, os qus e os de qus, os quais descartam uma simplificao interpretativa feita somente atravs do recorte dos fatos.

    A noo de compreenso vai desembocar na da implicao, sendo essa uma noo que remete a uma totalidade em curso histrico-temporal, que facilita a inteligibilidade dos fenmenos.

    Ao investigar as prticas sociais no campo de educao, deve-se considerar que as transformaes possveis ocorrem atravs do jogo das interaes entre os parceiros envolvidos e qualquer interveno deve considerar a articulao do psquico (singular) com o social (coletivo), donde decorre a autonomia relativa das diferentes leituras e nveis de inteligibilidade. J. Ardoino prope uma anlise multirreferencial das situaes sociais, diferenciando-a daquela multicultural, que mais lgica e metodolgica, enquanto a primeira mais metodolgica.

    O movimento do ir-e-vir, na situao da dialetizao, deve considerar o aspecto temporal da escola, sobretudo aquela do no-dito, muitas vezes mais expressiva do que a do dito.

    Freud j afirmava que "governo, educao e psicanlise so tarefas impossveis das quais no se pode, contudo, fazer economia".

    Numa abordagem que suponha a complexidade como ponto fundamental, o trabalho das prticas institucionais consiste menos em tentar homogeneizar os componentes das situaes do plano de uma reduo inaceitvel, do que tentar articul-las e conjug-las.

    H que considerar, ainda, os trs tipos de multireferencialidade: a da compreenso, a da inter-pretao e a da explicao, essa ltima mais interdisciplinar e, portanto, mais heterognea.

    Como dizia R.Thom: o indescritvel e o informatizvel esto s nossas portas e preciso aceitar tal desafio.

    A flexibilidade adaptativa do comportamento necessria e vai exprimir-se atravs do desenvolvimento de estratgias heursticas, inventivas e variveis que substituem os comportamentos programados, a priori e rgidos.

    Enfrentar, pois, o no-simbolismo virtual, o indiferente cotidiano, a impulsividade do consumo, a apatia da massa, a simples adeso ao sistema, ao esvaziamento subjetivo, s contradies e presses constantes e o encastelamento no vazio do existir so tarefas do homem contemporneo.

    A ressurgncia do imaginrio, como propem Durand, Castoriadis, Barbier e Bachelard, se deve ao risco de uma razo fechada e de uma simplificao interpretativa.

    O educador que no tiver o dom de criar, de inventar e de reinventar no ter resultados positivos, no conseguindo absorver a precipitao e a transformao dos eventos. Ter uma "cabea bem feita", como prope E. Morin, seria a meta do processo educacional, a fim de enfrentar a dade ordem-desordem, interao e reorganizao, pois implica numa aptido para organizar o conhecimento na aprendizagem do viver e do saber ministrar as incertezas numa ressurreio da cultura, numa educao cidad e numa postura interpolidisciplinar e transdisciplinar.

    O Contemporneo e Tenses da Ps-modernidade ---------------------- Segundo a lcida contribuio do professor da Faculdade de Economia da

    Universidade de Coimbra, Boaventura de Souza Santos, a forma como a poltica dos direitos

  • humanos entendida fator-chave para compreender a "crise educacional, social e cultural", uma vez que os transformaram numa espcie de esperanto e numa linguagem progressista e emancipatria, sem levar em conta as tenses dialticas que informam a modernidade ocidental. Uma primeira tenso ocorre entre regulao social e emancipao social simultneas, alimentando-se, mutuamente, mas que provocam, por assim dizer, verdadeiras armadilhas. Uma segunda tenso dialtica ocorre entre o Estado e a Sociedade Civil, deslocando-se para o Estado a principal garantia dos direitos humanos, por assumir seu carter maximalista; a terceira ocorre entre o Estado-nao e a globalizao que levaria a tendncia do reconhecimento mundial de poltica de direitos humanos, sem considerar os pressupostos culturais especficos, esquecendo-se de que uma poltica progres-sista dos direitos humanos pode ter um mbito global, mas com legitimidade local. Para esse autor, no existe uma entidade nica, denominada globalizao, mas sim globalizaes, consideradas um processo pelo qual determinada condio ou entidade local estende sua influncia a todo globo e, ao faz-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condio social ou entidade rival. Com outras palavras, no existe condio global para a qual no consigamos encontrar uma raiz local, uma imerso cultural especfica. Assim, toda globalizao pressupe localizao.

    Existem quatro modos de produo da globalizao que do origem a.quatro formas: de globalizao: a do localismo globalizado (telecomunicaes dos E.U.A.), o globalismo localizado (desflorestamento, txicos e o cosmopolitismo), implicando em organizaes (redes internacionais de movimentos OGN) e, por fim, a do patrimnio comum da humanidade (zonas de proteo ambiental, explorao do espao).

    A tese do autor que, enquanto forem concebidos como direitos universais, os direitos humanos tendero a operar como localismo globalizado - uma forma de globalizao de cima para baixo. Para evitar tal ocorrncia, devem ser reconceitualizados como multiculturais.

    Na sua aplicao, sabemos que no so universais, pois j foram consensualmente identificados quatro regimes internacionais de aplicao: o europeu, o interamericano, o africano e o asitico. A questo da universalidade uma questo particular especfica da cultura ocidental. Alm disso, todas as culturas so concepes de dignidade humana, mas nem todas a concebem em termos de direitos humanos e muitos so incompletos e problemticos nessa definio.

    Considerando os "topoi os lugares comunitrios/ retricos mais abrangentes de determinada cultura, h sempre universos de sentidos diferentes; da a importncia de um dilogo intercultural e de uma hermenutica diatpica, essa baseada na idia de que os topos de uma dada cultura e outros noutra, por mais fortes e incompletos que sejam, so to incompletos quanto a prpria cultura a que pertencem; h o risco de serem estabelecidas dicotomias rgidas entre indivduo e sociedade, tomando-se, assim, vulnervel ao individualismo pessoal, narcisismo, alienao e anomia. Ela oferece possibilidade para debates que ocorrem nas diversas culturas nas diferentes regies culturais do sistema mundial, pois as diferentes culturas, envolvidas no dilogo, partilham um passado de sucessivas trocas desiguais.

    Tais consideraes so adequadas na medida em que se pretende aprofundar mais as razes da crise da educao e remet-la para as tenses da modernidade e para a simultaneidade temporria de duas ou mais contemporaneidades diferentes, pois os parceiros sentem-se apenas contemporneos da tradio histrica de sua cultura.

    A questo que aparece ento a seguinte: Que possibilidades existem para um dilogo intercultutral, se uma das culturas em presena foi moldada por macias e prolongadas violaes

  • dos direitos humanos perpretadas em nome de uma outra cultura? Aps sculos de trocas culturais desiguais, ser possvel tratar todas as culturas de forma igual? H sempre dois princpios presentes na discusso: igualdade e diferena, que no se sobrepem

    necessariamente e, por esse motivo, nem todas as igualdades so idnticas e nem todas as diferenas so desiguais. Sobrecarregar a poltica dos direitos humanos com novos direitos ou com concepes mais exigentes dos mesmos manifestao tardia da reduo do potencial emancipatrio da modernidade.

    pocas e tempos so os mesmos na sua trajetria, assim como os homens, o que se diferencia so as maneiras pelas quais o homem resolve seus problemas, enfatiza suas dimenses, planeja sua rota de vida, seus hbitos, leis, costumes que refletem tentativas de se organizar, dentro das realidades, sendo na prpria capacidade que se define e reabilita nos prprios tempos, compreendendo que o limite de sua condio que cria a possibilidade de superar-se, levando-o a raiz de sua contemporaneidade.

    No paradigma educacional do sculo XXI, so apontadas competncias importantes a serem desenvolvidas centradas no sensitivo, na emoo, na intuio, na cri atividade, no risco, na capacidade de buscar relacionar e integrar fatos e informaes, e num arqutipo inteligencial em construo e desconstruo permanentes.

    Papel do Psiclogo: indagaes e alternativas pertinentes de atuao Indagaes pertinentes sobre qual o papel do psiclogo diante dessa crise educacional, de seus

    impasses na modernidade - em que consiste sua contribuio eficaz e atuao profissional slida? Estudos e pesquisas apontam para um quadro pouco promissor: formao acadmica

    inadequada, dicotomia entre teoria e prtica, estratgias que no levam em conta a devida contextualizao sociocultural, contradies entre as escolhas tericas e as modalidades de interveno. O profissional da psicologia, atuando nas escolas, no tem um embasamento terico coerente e consistente, no explicita coerentemente uma identidade profissional prpria, capaz de reunir competncias e habilidades de atuao.

    Verificou-se que grande nmero de psiclogos indicam a juno de orientaes tericas, muitas vezes, incompatveis, e no seguem nenhuma delas especificamente. Muitos profissionais transportam, para sua atuao, modalidades profissionais do modelo clnico, desconhecendo os processos psicolgicos que constrem o cotidiano e as vivncias escolares. Contribuies de psicologia do desenvolvimento, da aprendizagem e dos processos interativos exercem, por exemplo, pouca influncia na prtica do psiclogo inserido no contexto educativo.

    Citando Wallon (1053) "para que a psicologia, com suas teorias e prticas, se insira, de forma legtima e tica, nos acontecimentos de nosso tempo, deve tomar conscincia clara de seus meios, limites do setor que lhe cabe entre as cincias biolgicas e as cincias do homem, evitando uma separao de especializao fechada, devendo estudar e fazer valer as necessidades e possibilidades do homem e de cada sujeito, em particular". Teorias Psicogenticas e Scio-histricas so mais utilizadas para superar obstculos das prticas educativas e promover a conscientizao de papis, funes e responsabilidades daqueles que participam do processo educativo, a fim de elucidar me-lhor a compreenso dos denominados problemas de escolarizao, conforme S. Francesca de Almeida da Universidade de Braslia.

    Ao ser, por exemplo, convocado ou se autorizar a intervir nas queixas escolares, o psiclogo dever avaliar tanto as condies sociopedaggicas de produo de queixa quanto as condies

  • individuais e subjetivas do sujeito-aluno, que traz em si o sintoma individual e do insucesso escolar, de modo a poder alterar os fenmenos que o viabilizem.

    Nesse campo, impe-se enfrentar a crise da educao para: - Repensar a formao desse profissional quanto a contedos, conjunto harmnico de

    conhecimentos, integrados interdisciplinarmente e relacionados realidade sociocultural. - Desenvolver habilidades e procedimentos especficos que articulem tal profissional com o

    compromisso social, padres ticos e valores, levando em conta o seu papel de agente social e cultural das mudanas.

    - Favorecer opo terica nas reas do ensino-aprendizagem, do desenvolvimento das poten-cialidades, da interao psicossocial. - Definio de papis, como especialista, assessor, consultor, avaliador e modificador de comportamento. - Fazer conexes vitais entre atributos cognitivos, motivacionais e sociais. - Integrar conhecimentos interdisciplinares, atravs de temticas transversais.

    - Utilizar estratgias de observao e de pesquisa, compreenso, interpretao, anlise e organizao de dados.

    - Propiciar atividades educacionais em sua escola que favoream o desenvolvimento do aluno face s suas inmeras possibilidades, desde educao infantil universidade.

    Desde a experincia do primeiro servio de Psicologia Escolar de Escola Guatemala do INEP, criado em 1958, importante por se tratar de uma escola experimental do MEC e ter um trabalho de equipe interdisciplinar de qualidade, alm de oferecimento de estgio supervisionado para universitrios e vrias pesquisas at a atual Associao Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional- ABRAPEE Desenvolvem-se aes e eventos em vrios estados do pas, e publicado experincias e trabalhos importantes na rea. H interesse dos conselhos Federal e Regional de Psi-cologia que mantm comisses especficas nessa rea e promovem fruns de debates entre profissionais e especialistas. Na Associao Brasileira de Psicologia Aplicada, percebe-se que h mobilizao de profissionais e pesquisa em curso na troca de experincias. Mas falta, talvez, uma mais arrojada atuao, visando transformar a realidade educacional.

    Ao psiclogo que se interessa pela educao e escola no basta estar bem preparado e qualificado profissionalmente, mas sim ter uma atitude firmemente crtica, reflexiva que lhe permita conviver com a eterna "crise" do processo educativo, resultante da crise social, poltica e cultural e permanente no pas - compreensvel na medida em que ret1ete cont1itos e dificuldades mais estruturais de sociedade, muitas vezes contraditrias, injusta e desigual, mas que pretende encontrar caminhos para resgatar sua identidade autntica. Na realidade o trabalho do psiclogo na escola o de buscar a dimenso psicolgica no interior das prticas educativas, dimenso essa que dada pela subjetividade. Por outro lado, visa tambm promover o desenvolvimento e as potencialidades do sujeito em interao com o outro e com o social, articulando as questes oriundas dos sujeitos e das instituies, entrelaando a cultura ao coletivo. Deve criar um espao de interlocuo e de escuta, voltado para a produo e circulao de diferentes discursos existentes sobre os fatos e os fenmenos educativos, compreendendo o sentido da relao do vnculo, inerentes a toda atividade escolar. Re-situar e re-significar sua identidade profissional, segundo sua postura tica e seus valores poltico-sociais imprescindvel.

    Devidamente preparado e qualificado, estar mais apto a evitar a confuso entre fatos e meras

  • suposies, numa avaliao superficial, sujeito a interpretaes subjetivas, precipitadas e, sobretudo, distribuindo solues mgicas e imediatistas.

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