Psicologia Do Crime

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Partindo do estudo do conceito de ato criminoso, com seus elementos objetivos (tipicidade e antijuridicidade) e sub- jetivo (a culpabilidade), o Autor, em linguagem clara e fluente, discute as classificações criminológicas - funda- mentos, critérios e teorias a que estão filiadas - para, em seguida, apresentar o roteiro do exame criminológico, des- crevendo as delinqüência~ ocasional, sintomática, neuró- tica, psicótica e essencj,Jt, o trato com o criminoso, seu diagnóstico e seu tr~ínento penitenciário. Com didática e claréza exemplar, usando gráficos, esque- mas e exemplos, é Autor consegue transmitir noções ex- tremamente complexas e especializadas de forma a que até mesmo o leigo possa compreender a matéria. Oportu- na reedição desta obra, quando as discussões acerca da criminalidade e da exacerbação das penas deixam"de la- do o aspecto principal da questão, como acentua o Prof. João Carvalhal Ribas: "o estudo de tal calamidade nas suas raizes e suas manif.e~Jaçô'es, no ideal de combater o cri- me em moldes etiológicos, para a felicidade, a saúde e mesmo a própria sobrevivência da pobre humanidade nos horizontes ainda obscuros do amanhã". PSICOLOGIA '--~ME ~ -- MA1.HÊ-IROS :::EDITORES fNTrrr-1 9788574200611 157151 1111111111111111111111111111111 L0000111347 'I -- ---- --- .-.

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Partindo do estudo do conceito de ato criminoso, com seuselementos objetivos (tipicidade e antijuridicidade) e sub-jetivo (a culpabilidade), o Autor, em linguagem clara efluente, discute as classificações criminológicas - funda-mentos, critérios e teorias a que estão filiadas - para, emseguida, apresentar o roteiro do exame criminológico, des-crevendo as delinqüência~ ocasional, sintomática, neuró-tica, psicótica e essencj,Jt, o trato com o criminoso, seudiagnóstico e seu tr~ínento penitenciário.

Com didática e claréza exemplar, usando gráficos, esque-mas e exemplos, é Autor consegue transmitir noções ex-tremamente complexas e especializadas de forma a queaté mesmo o leigo possa compreender a matéria. Oportu-na reedição desta obra, quando as discussões acerca dacriminalidade e da exacerbação das penas deixam"de la-do o aspecto principal da questão, como acentua o Prof.João Carvalhal Ribas: "o estudo de tal calamidade nas suasraizes e suas manif.e~Jaçô'es, no ideal de combater o cri-me em moldes etiológicos, para a felicidade, a saúde emesmo a própria sobrevivência da pobre humanidade noshorizontes ainda obscuros do amanhã".

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ODON RAMOS MARANHÃO foi Professor

Titular da Faculdade de Direito da Uni-versidade de São Paulo e Professor de

Criminologia no curso de pós-graduaçãoda mesma Faculdade.

Foi, também, Professor Titular damesma cadeira na Faculdade de Direitoda Universidade Mackenzie (1968/1970) e nas Faculdades MetropolitanasUnidas-FMU (1972/1985), onde foicoordenador do curso de pós-graduaçãolato-sensu da Faculdade de Direito

(1990/1992).

Foi Presidente da Academia de Me-dicina de São Paulo (1984/1985) emembro efetivo do Conselho Peniten-ciário do Estado (1981/1994), além deVice-Presidente da Academia Paulista

de Psicologia (1994/1995).

Reuniu as qualidades de excelenteProfessoràsde acatado especialista,sem-pre atualizado com as mais recentes ino-vações na matéria e sólido conhecimen-to teórico e prático da Medicina Legal.

Publicou, também por esta Editora,Curso Básico de Medicina Legal (8.1edi-ção, 6>1tiragem, 2002).

PSICOLOGIA DO CRIME

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@ OOON RAMOS MARANHÃO

2a edição, Ia tiragem, 1993; 2a tiragem, 1995;3a tiragem, 1998.

ISBN 85-7420-061-1

Direitos reservados desta edição porMALHElROS EDITORES LTDA.

Rua Paes de AraÚjo, 29, co/!iunto 171CEP 04531-940 - São Paulo - SP

Tel.: (Oxxll) 3078-7205Fax: (Oxxll) 3168-5495

URL:www.malheiroseditores.com.br

e-mail:[email protected]~i~~~;~:::Cat0~ '1~Goiâs"

BIBLlOTECl\. CENTRAL

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CapaNadia Basso

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

03-2003

343.95M311p 157151

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L00001113472 mod ed.

PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

Esta obra expõe e debate, em estilo fluente e claro, todos oscomplexíssimosproblemas do mundo do crime, em ângulos ab-solutamenteatuais, repartindo a vasta matéria emcapítulose itensmuito bemsistematizadose didáticos.RevelaumAutor que, afeitoao trato dos temas notoriamente controvertidos, e ainda obscu-ros, da conduta anti-social, chegou a assimilá-Iase a criticá-Iostão bem a ponto de conseguir transmiti-Ias em moldes acessíveisa toda sorte de interessados, inclusiveao públiconão especializa-do, sem deixar de constituir um texto certamente, de elevadoní-vel científico. .

Como preliminar, o Autor debate o conceitode ato crimino-so, com dois elementosobjetivos - a sua tipicidade e sua antiju-ridicidade- aliados a outro subjetivo- a sua culpabilidade.Emgráficos elucidativosesquematiza e critica os fatores que condu-zem à delinqüência.Depois, em obediênciaà imposiçãodidática,discute as clássificaçõescriminológicas,os fundamentos, critériose teorias a que estão filiadas, detendo-se, muito acertadamente,nas classificaçõesetiológicae "natural" dos delinqüentes,empres-tando particular ênfase à classificaçãoetiológicade Hilário Vei-ga de Carvalho.

Em seguida, na aplicação dos dados da atual criminologiaa serviçoda justiça social, o Autor apresenta o roteiro do examecriminológico, salientando, particularmente, a eficiênciado psi-codiagnósticode Rorschachna caracterizaçãodo delinqüente,comas suas modificaçõesno objetivo de facilitar e abreviar o empre-go da prova projetiva. Como corolário, o Autor, em sucessivoscapítulos, discrimina e descrevea delinqüênciaocasional, sinto-

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mática, neurótica, psicótica, caracterológica,psicopáticae essen-cial, orientando, na rotina do trato com o criminoso, o seu diag-nóstico e, como corolário, o seu tratamento penitenciário.

O texto se apresenta enriquecidocomgráficosque melhor es-clarecem os temas expostos. Todos os conceitos em debate sur-gemapoiados em abundante e excelentebibliografia, demonstran-do a profundidade, o rigor e a atualização do Autor no convíviocom matéria, sabidamente questionada, com opiniõesveementese antagônicas.

Acima de tudo, como ponto de máximo registro, salta à vis-ta a oportunidade com que tal estudo ora é lançado ao públicobrasileiro, quando atinge proporções exorbitantes a violênciaemtodas as suas faces tenebrosas, e se impõe, com urgência, o estu-do de tal calamidadenas suas raízese suasmanifestações,no idealde combater o crimeem moldes mais etiológicos,para a felicida-de, a saúde e mesmoa própria sobrevivênciada pobre humanida-de nos horizontes ainda obscuros de amanhã.

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SUMÁRIO

Prefácio da lI! edição -Prof. João Carvalhal Ribas ................ 3

Nota Explicativa ... 9

Capitulo l-Classificações criminológicas 11

ProL Df. JOÃO CARVALHAL RIBAS Capitulo 2 - A Classificação "etiológica" 23

Capitulo 3 - A dinâmica do ato e a classificação natural doscriminosos 28

Capitulo 4 - Delinqüência ocasional 39

Capitulo 5 - Delinqüência sintomática 49

Capitulo 6 - Delinqüência neurótica 63

Capitulo 7 - Delinqüência psicopática: o "anti-social" 78

Capitulo 8 - Delinqüência "essencial" ou "dissocial" 99

Capitula; 9 - O neurótico, o psicopata e o "delinqüênte" 124

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u. C. G.tlBLlOTECA

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HOMENAGEM

Aos Colegas psiquiatras epsicólogos que se dedi-cam à árdua tarefa de procurar entender e ajudar osinfratores da nossa Lei Penal.

À Academia Paulista de Psicologia, que muito mehonra, por me abrigar entre seus Membros Titulares.

o AUTOR

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NOTA EXPLICATlVA

Esta segunda edição da Psicologia do Crime difere da pri-meira. As modificações do Código Penal e a vigência da Lei deExecuçãoPenal recomendaram a desvinculaçãodo livro ao textolegal. Também conteúdos ligadosà CriminologiaClínica e à Psi-copatologia Forense foram reduzidos ao indispensável.Dois tra-balhos que se apresentavamcomo "Apêndice" foram removidos:"A Prova de Harrower-Steiner" (SociedadeRorschach, sessãode27.9.63)e "O M.M.P.I. e suasaplicaçõesem Criminologia" (Prê-mio "Oscar Freire", 1970).Por outro lado, foram feitosdoisacrés-cimos: ilustração casuísticaem todos os capítulos que a compor-tam e uma análisedos principais diagnósticosdiferenciaisem psi-cologia criminal.

Na expectativade melhor servir aos leitores, aqui está o no-vo texto da Psicologiado Crime.

o AUTOR

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Capítulo 1

CLASSIFICAÇÕES CRlMINOLÓGICAS

Os esforços para se obter uma conveniente sistemática desti-nada ao estudo dos criminosos não tem sido uma tarefa coroadade êxito. Pelo contrário, a extraordinária multiplicidadede classi-ficação e tipologias atesta a indisfarçável insatisfação dos autorese pesquisadoresneste específicocampo de estudos. Até o presente,não dispomosde uma sistemáticaque tenha seimposto à aceitaçãogeral, ao uso rotineiro e ao abrigo de críticas de várias ordens. Assessenta e sete, catalogadas por Veiga de Carvalho,I-*são apenaspequena amostra das que surgiramnas últimas décadas. Represen-tam, por certo, um esforçopara venceras dificuldadesque seopõemà difícil tarefa de classificar.

Se cada ação criminosa, como qualquer ato humano, resultada combinaçãoparticular e singularde fatores individuaise sociais,todo agrupamento de comportamentos anti-sociais será, até certoponto, artificial. Para formar grupos é precisoabstrair as diferen-ças e realçar as semelhanças,o que vai comprometer o caráter na-tural da operação.

De outra parte é necessárioponderar que as atuações crimi-nosas - essencialmentedíspares ent~esi - só têm em comumasua ilegalidade,dentro do grupo social e no período histórico con-siderados. Além disso, a comparação de grupos de agentes crimi-nosos e de pessoas obedientes à Lei não identificou nem definiuum fator causal da criminalidade.2

Por essesmotivos o classificadorvê-se diante de tarefa com-plexae poucogratificante,masde grandealcancepráticoe científico,

.. As notas se encontram no final de cada capítulo. lU. C. G.tlBLlOTEGA

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pois facilitará a metodização do tratamento a ser ministrado aodelinqüente(interessecriminiátrico),auxiliarána previsãoda rein-cidência(prognósticocriminológico)e orientará nas medidaspre-ventivas da criminalidade (profilaxia criminal).

Alguns autores estabelecem diferença entre as expressões"classificação" e "tipologia". Reservam o nome de "sistemade classificação" para designar um modo de agrupar pessoasem classesque se definem ou se caracterizampor uma ou muitasvariáveis, comportando - no conjunto - todas as combina-ções possíveisou efetivas desses fatores considerados. A expres-são "tipologia", de outra parte, refere-sea um elencode gruposde tipos que se excluemmutuamente e se definem por diversoscritérios, sendo que as variáveis estudadas agrupam-se de modoempírico.

Esta distinçãoparece menos importante do que o método es-colhido e adotado pelo pesquisador.

Partindo da observação para construir uma doutrina, estaráseguindoum processoempíricoe se, ao contrário, partir da dou-trina à elaboração tipológica seguirá método teórico.

Quando, porém, se analisa apreciávelnúmero de tipologias,chega-seà interessante e inesperada conclusão de que essesdoismétodos não são aplicados de modo puro, havendo sempreumaespécie de compromisso híbrido.

Contudo há sempre necessidadeda tipologia, qualquer queseja, atender a uma sériede requisitospara poder ser aceita comotendo base científicae significadoútil na prática criminológica.

A) Deve ensejar pesquisas etiológicas

Tendo-seem vista que o delinqüenteprecisa ser tratado paraalcançar um nívelde recuperação compatívelcom a livre agênciasocial é de primeira intuição a premência do estabelecimentoda"causa" ou "causas" a serem removidas.

Não se argumenteque até o presente essas "causas" não fo-ram estabelecidas de modo irrefutável e indefectível.Não se pro-cure, por inexeqüível,a causa primeira ou "causa das causas",pois dessemodo abandona-se o campo prático científicoe voa-se

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CLASSIFICAÇÕES CRIMINOLÓGICAS 13

para as mais teóricas especulações.O que se deseja aqui é saberquais os fatores delitógenos que mais atuaram ou contribuíramna gêneseda ação anti-socialde um dado criminosopara se ado-tarem medidas capazes de neutralizar seus efeitos maléficos. Aspesquisas etiológicasseguemcursos próprios em cada grupo de-linqüencialconsiderado, mas têm de ser científicose não envere-dar por caminhostortuosos de divagações,que se apresentam sobbelas formas, desprovidasdo mais comezinhoconteúdo. As tipo-logiascriminológicasterão de se assentar em baseetiológicae pro-criar pesquisas de igual natureza.

B) Deve ser tão ampla quanto possível

Desdeque as combinaçõespossíveisentre os diferentes fato-res de delinqüência são infindáveis, se a tipologia for muito res-trita não atenderá às eventualidadespráticas. Em outros termos:quando alguémfor se servirde uma tipologiarestrita, acabará nãodispondo de grupo onde possa incluir apreciávelnúmero de casosreais.

Contudo, não é possível,também, adotar um detalhismoexa-gerado a ponto de cada passo particular chegar a constituir umitem da classificação.É preciso, portanto, proceder - ainda quesem preocupaçõesexageradamenteperfeccionistas- a uma aná-lise das similitudese discrepânciaspara se formar grupos razoa-velmente homogêneos. Estes, contudo, devem cobrir um campotão vasto quanto possível.

C) Deve estabelecer tipos que se excluammutuamente

Isto pode parecer um truísmo. Porém, não o é. Se cada gru-po particular não for bem caracterizado, quando a tipologia forser usada por terceiros, certamente ocorrerão erros de classifica-ção e até conclusõesabsurdas poderão ser estabelecidas.É indis-pensável que seja feita análise das variáveis em estudo e conve-niente descrição de cada grupo, definido por elementosclaros ecompreensíveis.A similitude intragrupal deve contrastar com asdiferenças entre as diversas categorias ou grupos.

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D) Deve considerar as caracterlsticas da personalidade do agenteCritério Autor

Também poderia parecer de primeira intuição. Pessoas apa-rentemente iguaisou semelhantes,diante de estímuloexterno pa-recido, podem reagir de modo completamente discrepante. Nagênesedelinqüencial,como em qualquer comportamento, o meioatua duplamente: ao tempo do fato e no período formativo dapersonalidade. A experiênciaatual se relacionará a antigas e es-tas certamente serão díspares. Daí a resposta diversificada, ori-ginando comportamentos distintos em cada pessoa. Se a estru-tura global da personalidade não for levada em conta na orga-nização da tipologia, então o caráter "genético" ou "causal"da mesma estará seriamente comprometido. Por essemotivo osfatores que prejudicam ou comprometem a formação da perso-nalidade terão de ser levados em conta no critério adotado pelatipologia.

1. Manifestações exteriores2. Causal3. Misto4. Psicanalítico

A) AbrahamsenB) ExnerC) Di TuIlioD) Alexander& Staub

Com base em Veiga de Carvalho

E) Deve ensejar conclusões terapêuticase prognósticas

Ao se estudar um caso particular para concluir a que tipo de-linqüencial pertence, procura-se fazer um diagnóstico. A partirdo conhecimentode quais os "fatores criminógenos" atuantes nagênesedesseparticular comportamento anti-social, chega-seà ta-refa de propor medidas corretivas. Isto é, propõem-se medidasde caráter terapêutica, quer sejam de natureza médica, peniten-ciária, pedagógica, psicológica, social, etc. Tais medidas podemguardar conexão mais ou menos direta com cada grupo criminalconsiderado; isto é, a partir de um dado diagnóstico, decorremcertas providências terapêuticas.

Por outro lado, essasmedidasvisam a recuperação do agen-te e a prevenção da reincidência.Também ensejam ensinamentospara a prof1laxiade novoscasos.Logoos estudosde naturezaprog-nóstica devem se relacionar aos grupos delinqüenciaisdescritos,integrantes da tipologia ou classificação proposta.

Por certo, o critério adotado pelo pesquisador assume pri-mordial importância, posto que constitui a linha mestra do pen-samentosistematizador.É evidente,também, que a natureza dessecritério enseja agrupamentos de classificaçõescomo ocorre noexemplo seguinte:

Vejamosas característicasdessasclassificaçõesem separado:

A) Abrahamsen3estabelecedois grupos: criminosos agudosou momentâneose crônicos ou habituais. É curioso observar queantes dessaconclusão final, lembra existiremduas motivaçõesbá-sicas na atuação anti-social: agressão à coletividade(delinqüentemanifesto) e expressãode conflito interior (delin~üênciasintomá-tica). Percebe-se, assim, que embora essa classificaçãoseja basi-camente formal, não conseguefugir aos conceitoscausais, a pon-to de seu autor afirmar: "uma classificação de criminosos só éválida em bases etiológicas".

B) Exner,4 citado entre os autores que adotam critério cau-sal, oferece, na realidade, uma sistemáticapluridimensional. Os"tipos" que enumeraaparecemantes sob a consignaçãode "clas-sificações". São os seguintes:

I - Tipos caracterológicos:a) de estado "ativo"b) de estado "passivo"c) ocasional ativod) ocasional passivo

II - Tipos sociológico-criminais:a) especialistas;mistos; de transiçãob) anti-sociais e associaisc) precoces e tardios

111 - Tipos psicológico-criminais:a) por cobiçab) por avidez sexualc) por vingança

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16 PSICOLOGIA DO CRIME

d) por paixãoe) por política

IV - Tipos legaisO próprio autor acrescenta o seguintecomentário: "As seis

classificaçõestipológicasaqui fornecidas,com os seussubgrupos,partem de pontos de vista diferentese se situam em planos distin-tos." É, igualmente, de se ponderar que um mesmo caso práticose enquadra simultaneamenteem vários itens dessaclassificação.

C) Di Tulli05adota critério misto. É a seguinte a sua siste-mática:

I - Delinqüentes ocasionais:a) puro (pseudodelinqüente)b) comumc) extraviadod) por estados emotivos e passionais

II - Delinqüentes constitucionais:a) constitucional comumb) com orientação hipoevolutivac) com orientação neuropsicopática:

cI. epileptiformec2. histeriformec3. neurasteniforme \

d) com orientação psicopática:dI. deficitáriod2. subobsessivod3. paranóided4. esquizóided5. ciclóided6. instável

e) com orientação mista

III - Delinqüentes enfermos mentais:a) alienação criminalb) loucosdelinqüentes(anormaispsíquicos,neuropa-

tas, psicopatas, enfermos mentais)

D) Alexander & Staub6estabelecemque "o grau de partici-pação do ego na criminalidade de uma dada pessoa pode servir

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CLASSIFICAÇÕES CRIMINOLÓGICAS 17

de base para uma classificação criminológica" .A escala seguintepode ser esquematicamenteorganizada, tomando por base o graucrescente de participação do ego no ato criminoso:

1. criminalidade fantástica sonhos, sintomas neuróti-cos, fantasias

2. descuidosou enganos re-sultando em crime atoscompulsivos transição para o ato crimi-

noso manifesto

3. atos impulsivos,acompa-nhados de conflito in-terior criminalidade neurótica

4. crime resultante de esta-do emocional ou situa-ções especiais agentes normais

5. criminalidadesemconfli-to interno delinqüente normal

"Excluem-seda classificaçãoacimaosdemaiscasosresultantesde doença orgânica ou estados tóxicos, em que a participação doego é limitada ou está ausente."

Esta sistemática é apresentada como fundamento ou toma-da de posição dos autores, pois em outro capítulo do seu livrofirmam outra classificação.

"Reconhecemos a existênciade (I) crimespraticados por'in-divíduos que são afetados por certo número de tendências crimi-nais (delinqüênciacrônica); são pessoas cujo aparelho psíquicoé construído de forma a impulsioná-Iasà criminalidade.E (11)cri-mes cometidos por pessoasnão criminosas (delinqüênciaaciden-tal)" .

I - Criminalidadecrônica:a) comportamentocriminosode pessoascomseuego

danificadopor processostóxicosou organodestru-tivos

b) comportamentocriminosocondicionadoporneurose

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18 PSICOLOGIA DO CRIME

c) comportamento criminosode não neuróticos, cujosuperego é criminoso

d) criminosos genuínos

II - Criminalidadeacidental:a) criminalidade resultante de atos falhosb) crimes situacionais

Outra forma de agrupar as classificaçõesé fazê-Iode acordocom a natureza das teorias em que se baseiam.

Por exemplo:

Teorias

Comportamentais

Tipologias

Hewitt e Jenkins (e)Roebuck (O

Gibbons (g)Clinard e Quinney (h)

Andersen (i)Mucchielli (j)

Datas

19441965

19651967

19631965

Sociológicas

Psicogenéticas

Com base em Hood e Sparks

E) Hewitt& Jenkins7estudame classificamos comportamen-tos criminais, analisando "sintomas".

I -Comportamento agressivoanti-social:Nestegrupo encontraram as seguintesparticula-ridades:a) tendências agressivas 650/0b) crueldade 620/0c) sentimento inadequado de culpa 55%d) comportamento perturbador . 51%e) promoção de motim 35%f) desafio aberto à autoridade 24%

II -Delinqüência "socializada":As principais manifestações deste grupo são asseguintes:a) roubo em grupo 74%b) integração de gang 70%

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CLASSIFICAÇÕESCRIMINOLÓGlCAS 19

c) freqüência a companhias indesejáveis.. 56%

d) fuga do convívio familiar 55%e) roubo 530/0

f) ausência habitual da escola 51%g) entradas tardias noturnas 42%

1// -Comportamento usuperinibido":Integrado por portadores dos seguintes sinais:a) inquietude 60%b) timidez e apatia 59%c) submissão 570/0d) temperamento solitário 51%e) sensibilidade 40%

F) Roebuck8também adota critério comportamental e esta-belece grupos de aparência simplista:

I - Tipos com motivo único:a) uso ou tráfico de estupefacientesb) roubo qualificadoc) jogo de azard) assaltoe) atentado aos costumesf) fraudeg) roubo de automóveish) falsificação e contrafacção

/I -Tipos com motivo duplo:a) roubo simples e assaltob) embriaguez e agressão

111-Tipos com motivo triplo:a) embriaguez, agressão e roubo

IV - Tipos com motivos múltiplos

V - Sem motivos

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20 PSICOLOGIA DO CRIME

Seu estudo se baseou em 400 observações, que forneceramestes resultados:

CasosGrupos

I grupo11grupo

111grupoIV grupoV grupo

Totais

150104043071032

400

%

37.626.010.717.708.0

100.0

G) Gibbons9se baseia "num certo número de afirmações ehipótesesimportantesda teoria sociológicacontemporânea" e enu-mera quinze grupos:

1. ladrão profissional2. criminoso perigoso profissional3. semiprofissionalde atentados à propriedade4. autor de delito contra a propriedade (1? delito)5. ladrão de automóveis (roubo de carros)6. falsificador ingênuo de cheques7. empregado desonesto8. delinqüente profissional "marginal"9. autor de desvio de fundos

10. autor de delito contra pessoa (1? delito)11. psicopata autor de agressão12. culpado de delito sexual violento13. autor de estupro14. autor de estupro "no sentido da Lei"15. toxicômano (heroína)

__H) Clinard & QuinneylOtambém com orientação sociológi-ca estabelecemoito grupos, utilizando-sede interessante critério.A sua tipologia adota três níveis (alto, médio, baixo) para cadavariável estudada e considera quatro características:

a) carreiracriminaldo delinqüente; .

b) medida em que o seu comportamento é recomendado pelogrupo~

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CLASSIFICAÇÕES CRIMINOLÓGICAS 21

c) relação entre o comportamento criminoso e os comporta-mentos legais;

d) a relação da sociedade.

São estes os oito grupos:1. violência pessoal2. atentado ocasional à propriedade3. crime no exercíciodo trabalho4. crime político5. atentado à ordem pública6. crime convencional7. crime organizado8. crime profissional

I) Andersen11faz uma classificaçãobaseada no estudo dapersonalidade do agente criminal e propõe estesgrupos:1. Personalidades não delinqüentes2. Personalidades delinqüentes temporais3. Personalidades pseudodelinqüentes4. Personalidades delinqüentes

J) Mucchielli12distingueas seguintesclassesde delinqüentes:I - Falsos delinqüentes:

a) doentes mentaisb) epiléticosc) orgânicosd) débeise) pervertidos sexuais

11 - Delinqüentes verdadeiros.

Notas e referências

1. Veiga de Carvalho, H. Os Criminosos e suas Classes, 2~ ed., São Paulo, Coletâ-nea Acácio Nogueira, 1964, pp. 38-59.

2. Hood, R. e Sparks, R., La Delinquance, Ed. Hachette, 1970, pp. 111-113.3. Abrahamsen, D., The Psychology o/Crime, Nova York, S. Wiley & Sons, 1960,

"The Classification of Criminais", capo VII, pp. 117-122.4. Exner, F., Biologia Criminal en sus Rasgos Fundamentales, Barcelona, Ed. Bosch,

1957, pp. 340-356.5. Di Tullio, B., Tratado de Antropologia Criminal, Buenos Aires, Inst. Panam.

de Cultura, 1950, pp. 389-606.

U. S. G.

L'BLIOTECA

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22 PSICOLOGIA DO CRIME

6. AIexander, F. & Staub, H., The Criminal, the Judge & the Pub/ie - A Psyeho-10giealAnalysys (trad. do alemão), Nova York, Ed. MaeMilIan, 1931, pp. 84-98 e 145-152.

7. Hewitt, L. & Jenkins R.L., Fundamental Patterns of Maladjustment - The Dyna-mies of their Origin, Springfield, State Printer, 1944, apud Hood, R. e Sparks, R., ob.,loe. cito

8. Roebuck, J., Criminal Typology, Springfield, C . Thomas, 1965, apud Hood,R. e Sparks, ob., loc. cito

9. Gibbons, D., Changing the Lawbreaker, Nova Jersey, Prentice Hall, 1965, apudHood, R. e Sparks, R., ob., loco eit.

10. Clinard, M.B. & Quinney, E.T., Criminal Behaviour Systems: a Typology, No-va York, Pinehart & e Winston, 1967, apud Hood, R. e Sparks, R., ob., loc. cito

11. Pinatel, J., "Les concepts de personalité crimminelle et de personalité anorma-le dans l'oeuvre de Charles Andersen", Rev. Se. Crim., 1963, p. 583.

. 12. Mucchielli, R., Comment ils Deviennent De/inquants, Paris, Ed. Sociales, 1965.

Capítulo 2

A CLASSIFICAÇÃO "ETIOLÓGICA"

o capítuloanteriorprocuroumostrar a existênciade um elencoapreciávelde classificaçõese demonstrar que cada autor parte deuma determinada "teoria do crime". Essa atitude tem sido criti-cada, pois de acordo com a posição aprioristicamente adotada,cada pesquisador chegará a uma conclusão, até certo ponto, in-dividualista. Para alguns isso parece altamente artificial.

A classificação "etiológica", elaborada e aprimorada peloeminente Prof. Veigade Carvalho" apresentou-secomo um pro-testo a essa atitude preconcebida. Pretendeu mesmo adotar umaatitude "natural" diante do fenômenocriminale considerá-Io,decerta forma, comparável ao comportamento socialmenteajusta-do.

o ponto de partida da "classificação etiológica" é o seguin-te: quando se dá a produção de um ato criminoso, o agente res-ponde a estímulos que procedem de seu meio interno (biologia)ou do ambiente circundante (mesológicos).

O processo de integração psíquica atenderá, em última aná-lise, a um dinamismo do tipo descrito por Abrahamsen.2 Isto é,as solicitaçõesexternas ou internas terão de venceros meios con-tensores (resistência)para chegar a levar alguém à prática crimi-nosa. Estabelece, mesmo, que a vontade do agente é o elementocentral no processo decisório. (

Dessa forma, a classificação fundamenta-se em um precisoelemento: saber se as forças que vencerama contenção do agentecriminal procederam do seu meio interno ou do ambiente exter-no. Aliás, argumenta seu autor: "se existemdois grupos de fato-res criminógenos- e apenas dois - ter-se-áaí, nessa dupla ori-

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24 PSICOLOGIA DO CRIME

gem, a base mais científica e, portanto, mais verdadeira e maissingela da classificaçãode criminosos".3

Trata-se de um verdadeiro "corte transversal" na interpre-tação do ato criminoso. Em outros termos a classificaçãoetioló-gica se atém a uma interpretação que pode ser considerada "está-tica". Na realidade procura descreverum "dinamismo" restritoa um "desequilíbrio de forças" verificado num dado momento.Assim, a resistência oferecida aos fatores solicitantes é vencida(e tudo faz crer que momentaneamente)por forças mais potentese provenientesseja do meio interno (biológicas)seja do ambientesocial (mesológicas).

É claro que esserompimento do equilíbrio pode se atribuira uma excessivaforça solicitante, como a uma fraqueza dos meioscontensores dos impulsos. Cada eventualidadehá de ser analisa-da em particular. O binômio "fator interno" versus "fator ex..terno" não é matéria pacífica, mas deixaremosde lado essainter-minável controvérsia.

MEIO

EXTERNO

MEIOINTERNO

RI R2

j0~......--

_ __ s~c _.:~I

MEIOIINTERNOII

MEIO

EE EE

EXTERNO

R

(Adaptado de Sertain et ai., Psychology:understandinghuman behaviour)SNC = Sistemanervosocentral. - EE = estímulo externo. _EI = estímulointerno. - RI e R2 = receptores. - R = resposta.

A "cl~ssificaçãoetiológica", inicialmente,mostra que os fa-tores causaispodem ser de um só tipo: biológicoou mesológico.

Os primeiros "provêm do próprio indivíduo, em obediênciaà sua especialcondiçãode ser" e os segundos"do ambiente, cós-mico ou social".

"

A CLASSIFICAÇÃO "ETIOLÓGICA" 25

Conseqüentemente,foram estabelecidosinicialmente,três gru-pos: dois puros e um intermediário. Daí surgiram:

a) mesocriminosob) mesobiocriminosoc) biocriminosoPosteriormenteapareceua conveniênciade seestabelecergraus

intermediários e assim apareceu a classificaçãocompleta, assimenumerada:

I?) mesocriminoso puro2?) mesocriminoso preponderante3?) mesobiocriminoso4?) biocriminoso preponderante5?) biocriminoso puroO mesocriminosopuro é aqueleque atua anti-socialmentepor

força de injunções do próprio meio exterior. Tudo se passa comose ele fosse mero "agente passivo", quase uma "vítima de cir-cunstânciasexteriores".O autor da classificaçãocitacomoexemplotípico o do silvícolaque, no meio civilizado,pratica ato conside-rado criminoso, tido por aceitável no seu meio de origem.4

O biocriminosopuro é o agente criminal que atua em virtu-de de incitaçõesendógenas,comoocorre com os perturbadosmen-tais. Aqui é dado como exemplocaracterístico o epilético, em es-tado de crise de furor, a fazer disparos de arma de fogo.5

Estes casos extremos, porém, não apresentam elementos decompletacaracterizaçãode açõescriminosas;ao primeirofalta ani-mus delinquendie ao segundoa "capacidade de imputação" .De-vem, por essesmotivos, ser consideradoscomo "pseudocrimino-sos". Às outras três classespertencem,então, os "criminosos ver-dadeiros" .

O mesocriminosopreponderante é aquele de cuja ação deli-tuosa participaram mais evidentementeos fatores ambientais, emdetrimento dos sociais, contudo, também, partícipes.

A prática delituosa do mesobiocriminoso responde, de mo-do equânime, ou quase, a determinantes tanto ambientais quan-to biológicos.

O biocriminosopreponderante é aquele que, portador de al-guma anomalia biológica insuficiente para levá-Ioao crime, tor-na-se vulnerávela uma solicitaçãoexterior e a ela responde facil-mente.

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26 PSICOLOGIA DO CRIME

o enquadramentode um casoconcretoem determinadogrupodestaclassificaçãoimplicaráum estudoanalítico-sintético,queseráanalisado mais adiante. Contud9, como é evidente, uma compa-ração "quantitativa", ainda que em base empírica e não mensu-rável, entre os dois grupos de fatores, se faz imprescindível.

É possível uma representação diagramática das idéias bási-cas desta classificação. Ei-Ia:

1 234 5Representação esquemática da quantidade respectiva dos fatorescriminógenos (meso e biológico) nas 5 classes de criminosos. Embranco, o fator mesológico e, em negro, o fator biológico. Legenda:1 - mesocriminoso(puro); 2 - mesocriminoso preponderante;3 - mesobiocriminoso; 4 - biocriminoso preponderante; 5 _

biocriminoso (puro).

A tarefa classificatória(que gera conseqüênciasna execuçãoda pena) não pode ser realizada de modo aleatório ou arbitrário.O Prof. Veigade Carvalho propõe um método analítico-sintético.A observação do infrator deve ser minuciosa e abrangente. Al-guns textos de Criminologia clínica apresentam "roteiros". 6

Em consonânciacom os demaisMestresda Criminologia,re-conhecea importância capital do estudo da personalidade do de-linqüente e se expressaem termos que vale a pena seremtranscri-tos:

"Assim, necessáriose faz determinar a personalidade do de-linqüente. Para tal fim, Oswaldo Loudet traçou magistralmenteas seguintes normas: 1) O estudo científico do delinqüente me-diante o método experimental (antropológico-clínico) deveobjetivar-seem uma história de clínicacriminológica;2) A histó-ria de clínica criminológicaé uma investigaçã,ocronológica dos

A CLASSIFICAÇÃO "ETIOLÓGlCA" 27

/

fatores endógenose exógenosque levam um indivíduo ao delito,considerado este último como um fenômeno biológico-social;3)As fases da dita história devem ser, em suas grandes linhas, asde uma história de clínica médica, no sentido de integrar uma"anamnese" antropológica e social;um "estado atual" - a per-sonalidadefisiopsíquicado delinqüentee a sua sintomatologiaanti-jurídica: o delito; e a "evolução" ulterior do indivíduo,sob a açãodo tratamento penitenciário; 4) O levantamento da dita história,em suas primeiras fases, devemefetuá-Io peritos médicos legistase ser prévio ao julgamento criminal; depois da sentença, a histó-ria devecompletar-seem estabelecimentosde reforma, para a me-lhor individualizaçãodo tratamento; 5) Todos os estabelecimen-tos penais devemadotar o mesmo modelo de história criminoló-gica para o efeito de organizar uma estatística científicae unifor-me da criminalidade".7

Finalmente convém anotar que, por simplificaçãoou desco-nhecimento, não faltou quem optasse pela inclusãoapressada damaioria dos casos entre os "mesobiocriminosos". Muitos casosprecisaram de "revisão", para que se fizesseadequada avaliação.

Notas e referências

1. Veiga de Carvalho, Os Criminosos e suas Classes, 2~ ed., São Paulo, 1964, eManual de Introdução ao Estudo da Criminologia, 2~ ed., São Paulo, 1964, capo VI.

2. Abrahamsen, D., The Psychology 01 Crime, Nova York, Science Ed., 1960,p.37.

3. Veiga de Carvalho, H., Criminologia, São Paulo, Bushatsky, 1973, p. 142.4. Idem, ibidem, p. 164.5. Idem, ibidem, p. 164.6. Cf. capo IX - Compêndio de Criminologia.7. Ob. cit., p. ISO.

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A DINÂMICA DO ATO 29

C= T+SR

Capítulo 3

A DINÂMICA DO Aro E A CLASSIFICAÇÃONATURAL DOS CRIMINOSOS

"As tendênciascriminosasde uma pessoa e suas resistênciasa elas podem resultar numa ação criminosa (anti-social) ou emato socialmenteaceitável, na dependência de qual dessas forçasvenha a predominar." Apesar da simplicidade,essa formulaçãoé extremamenteclara e judiciosa, pois colocaem evidênciao fatodas disposições(tendências) se aliarem a solicitaçõesmomentâ-neas (situação)para levar alguéma um ato, que poderá ser conti-do pelos meios repressores (resistência).

Esse processo dinâmico se faz sempre presente, sem depen-der primária ou obrigatoriamente da natureza jurídica da ação.Tanto assim,que determinadascondutas, situadasna faixa do so-cialmenteaceitávele fora da punibilidadejurídica, provocam sen-timentos de culpa em seus autores. Isso indica terem sido venci-das lacunarmente suas resistências,o que posteriormente recebeureprovação da censura individual, apesar de não ocorrer o mes-mo no plano social.

A fórmulaproposta oferecea vantagemde lembrar queo pro-cessoevolutivode estruturação do caráter é o que - pela introje-ção de valores - promove a formação da crítica e desenvolveosmeios capazes de conter os impulsos ou as respostas às solicita-ções (situação) de variadas origens.

Haverá sempre uma integração de fatores causais, por meiode um processode natureza intrapsíquica, do que resulta a mani-festação final: o ato.

Poderíamos, com propriedade, nos expressar de outra for-ma: o ato exigeo concurso de duas ordens de condições: de umlado as solicitadoras (desencadeantes)e de outro a personalidadedo agente (predispondo e resistindo).

FATORESDO A TO CRIMINOSO5

~IC BFM ~ CRIMEFGS

FIC = fatoresindividuaiscorporais FGS = fatores gerais sociaisFM = fatores mentais

"A ação humana, para ser criminosa, há de responder obje-tivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurí-dica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovaçãosocial.

Considera-se, então, o delito como a ação típica, antijurídiJca e culpável".1Assimconceituada,caracterizar-se-iapor dois ele-mentos objetivos: sua tipicidade e sua antijuridicidade, aliados aoutro de natureza subjetiva: a culpabilidade.Este, contudo, pres-supõe seja o autor imputável, pois "não poderá ser objeto de re-provação quem não tenha capacidadepara tanto".2 Assim,atual-mente, aceita-se que "a culpabilidade não é requisito do crime,funcionando como condição da pena".3 Se o delito se caracteri-za, então, por sua tipicidade e sua antijuridicidade, pode-se -desde logo - adiantar que a sua motivação, em última análise,é absolutamente superponívelà do ato considerado socialmenteajustado. Aliás, é de se lembrar que determinado ato pode ser ob-jeto de criminalizaçãoou descriminalização,segundoa conveniên-cia e o interessesociais, que são mutáveisno tempo e no espaço.Assim, um paralelo pode ser estabelecido entre a motivação dodelito (ato criminoso)e a do ato socialmenteaceito (ato ajustado).

Abrahamsen4descreveo que denominou "fórmula do com-portamento criminoso". "Ao explicara origem de um ato crimi-noso precisamosconsiderar três fatores: tendênciascriminais(T),a situaçãoglobal (S)e as resistênciasmentaise emocionaisda pes-soa à solicitação(R)." "O ato criminosoé a soma das tendênciascriminaisde um indivíduo com sua situação global, divididapeloacervo de suas resistências."

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30 PSICOLOGIA DO CRIME A DINÂMICA DO ATO 31

Se substituirmos nos esquemasanteriores o termo crimeporato, estaremos diante de conceitos superponíveis.Aliás, até aquiestamos vendo que os processos dinâmicos geradores do ato cri-minoso e do ato socialmenteajustado não diferem. Sempreocor-rerá uma somaçãode tendênciase solicitaçõesque enfrentaráumacontenção: os fatores individuais e sociaisassociam-separa pas-sar por uma integração psíquica, que levará ou não à prática doato; a personalidadeglobal num dado momento será levadaa exe-cutar certa ação, ou freará os impulsos.

As características do produto final - o ato - é que dirãose chega a configurar crime.

Assim,diante de uma inimputabilidadenão se cogitaráde pu-nição do agente, mas de tratamento de uma situação anormal.Ocorrendo imputabilidade há de se cogitar da antijuridicidade,só estabelecíveldiante de uma norma jurídica vigente. Por issotoda tentativa de compreensão dinâmica do ato criminoso há dese socorrer dos mesmoselementospresentesna gênesedo ato so-cialmente ajustado.

DINÂMICA DO ATO

GP = personalidadedo agenteFS = fator solicitante

INIMPUT Á VEL AJUSTADO CRIMINOSO

o substrato biopsíquico, constituído pelas disposiçõese ap-tidões recebidashereditariamente,é trabalhado pelasexperiênciasadquiridas e progressivamenteincorporadas, de modo que cadapessoaadquire,pelaintegraçãodetodos esseselementos,uma con-figuração própria e unitária.13Esta "síntese de todos os elemen-tos que concorrem para a conformação mental de uma pessoa,de modo a comunicar-lhefisionomiaprópria" chamamos perso-nalidade.14São incontáveis os fatores que participam ~essepro-cesso evolutivo desde os primórdios da vida até o momento emque observamoso produto final: uma dada estrutura de persona-lidade.

A natureza dos fatores constitucionais e evolutivos é certa-mente polimorfa: alguns são biológicos,outros psicológicose ou-tros ainda sociais. Contudo, numa primeira fase, estão partici-pando da estruturação de uma personalidade e por esse motivodevem ser consideradosprimários.

Usando-se essa terminologia estaremos pondo em evidênciaa importância formativa dessesfatores, mais do que nos ocupan-do de suas características de ordem estática.

Dessa forma podemos nos reportar a uma constituição bio-psíquica e a umprocessopsico-evolutivo para chegaràquela con-figuração individuale unitária a que se fez menção inicialmente.

De outra parte, num dado momento ocorre uma solicitaçãoque leva alguém a agir. Este fator (ou fatores) agora atua sobreuma estrutura já pronta e acabada. Pode e deveser considerado,por isso, secundário. Também este poderá pertencer a variadascategorias, da mesma forma que os fatores "primários". A ca-racterística básica, que nos interessa neste momento, é a de serdesencadeador de uma ação.

Dispostas as coisasdesta forma, é possíveldeixar-sede ladoduas controvérsias intermináveis: de uma parte a complexidadeda motivação humana em termos de "fatores causais" 6-7e, deoutra parte, as "teorias criminogenéticas". 8-9-10-11

Não se trata de uma posição simplista, mas basicamente"compreensível", pois permite a explicaçãodo ato (econseqüen-temente do comportamento) em condiçõesnormais ou patológi-cas, de ajuste social ou de atividade criminosa.

É evidente que essa compreensão requer adequado conheci-mento da estrutura global da personalidade do agente ao tempodo fato considerado12bem como de sua "circunstância".

Portanto interessamaqui as condiçõesparticulares extrínse-cas e intrínsecas, dentro das quais o agente chegou a praticar de-terminada ação.

Em síntese,qualquerato implicauma personalidade,comsuasdisposiçõese seusmeioscontensoresa par de fator ou fatores pre-cipitantes ou desencadeantes.

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32 PSICOLOGIA DO CRIME A DINÂMICA DO ATO 33

É óbvio que ao tempo do ato (ou mesmo antes) essesfatoresprimários e secundáriospassam por uma integração intrapsíqui-ca. Não importa, em termos dinâmicos, a categoria (biológica,psicológicaou social)a que pertençam, nem se procedemdo meiointerno ou do ambiente exterior: é mais importante saber se in-terferiram na formação da personalidade do agente ou no desen-cadeamento da ação.

{~

Como parece ter ficado claro, os chamados "fatores causaisdo crime" (ou outra denominação equivalente que se possa em-pregar), na realidade, interferem duas vezes: na estruturação dapersonalidade (1~tempo) e no desencadeamentodo ato (2~tem-po). Esseresultado final- o ato - só é possívelapós um proces-so de integração intrapsíquica. É aí que as disposições(tendên-cias) se associam à solicitação (fatores situacionais) e enfrentamos mecanismos contensores (resistência).

Assim, a pessoa poderá chegar ou não à ação. Tudo vai de-penderde um equilíbrioou desequilíbriode forças (confiraa "fór-mula de Abrahamsen").

A par do ato ajustado, aqui, nos interessaa ação criminosa.Uma pessoabem formada e bem constituída poderá ter rom-

pido lacunarmente o seu equilíbrio e praticar um crime, por rea-ção. Conquanto seja uma conduta judicialmenteprevista (típica),difere do teor geral do comportamento desta pessoa (psicologica-mente é atípico): trata-se de crime eventual (o agente é uma per-sonalidade normal).

Chega a ser sintoma da perturbação: trata-se de delinqüên-cia sintomática.

Pode ocorrer defeito da personalidade, por má constituiçãoou por má formação, e o ato criminoso chega a ser expressãodecaráter. É o quesedá comas "personalidadespsicopáticas"e "per-sonalidades delinqüentes".

Como não é difícil de perceber, os "fatores causais" podemserenfocadosde várias formas. Para uma simplificaçãocompreen-siva, vejamos o quadro seguinte:

FATORES PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS

I F. PRIM. I

I F. SECo I ~GCompreendidoo complexo"constituição- formação- so=-

licitação - ato", nãoseráimpossível,numsegundotempo,apre-ciar as características de cada fator ou grupo de fatores.

Em síntese,os fatores constitucionaise psico-evolutivos(pri-mários) estruturam uma personalidade, enquanto outros (secun-dários) desencadeiama ação.

FATORES PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS DO CRIME

I F. PRIM. I

I F. SEC I

F. PRIM. = Fatores primáriosF. SECo = Fatores secundários

- Esses mesmos conceitos podem ser enfocados de outra ma-neira. Em Criminologia distingue-sea dinâmica do ato agudo daresponsável pelo comportamento delinqüencialcrônico.ls

(a) Ato agudo (ato grave) - O agente tem personalidade bemformada: integrou os valoresbásicosde sua cultura; aceitouajus-

Modo

GeralIndividual

Tempo

PrimárioSecundário

Natureza

ConstitucionalPsico-evolutivoSocial

I CRIME I

P = PersonalidadeFS = Fatorsolicitante

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34 PSICOLOGIA DO CRIME A DINÂMICA DO ATO 35

De tudo isto resulta uma diferenciação simples e clara entreato delitivo (agudo) e comportamento criminoso (crônico).

Christiano de Souza16reuniu elementos para estabelecer os"fundamentos da classificação natural dos delinqüentes".

Esta classificaçãoprocura se abster de uma posição precon-cebida ou "artificial". O ponto de partida está na comparaçãodo ato criminosocom o ato ajustado. Considerando que o con-ceito de crimeé variávelno tempo e no espaço, admite que a mo-tivação independeda natureza jurídica do ato. Lembre-se,de pas-sagem, o que ocorreu com menores francesesdurante a SegundaGuerra: treinados a burlar a vigilânciadas forças invasoras e sa-quear víveresalém do cerco militar, foram tidos por verdadeirosheróis até o armistício e, a partir daí, converteram-seem objetode repressão policial. Se é verdade que a situação social se modi-ficou e, com ela, os valores, não é menos certo que o ato ante-riormente louvávelconverteu-seem prática delituosa. É de se con-siderar que a "motivação" afetada pelas circunstânciasde guer-ra, agora deveriaatender aos ditames de uma sociedadepacífica.Muitos, porém, não se adaptaram às novas circunstâncias, quemodificaram a natureza jurídica de um mesmo ato.

Ora, conforme se esclareceuna dinâmica do ato criminoso,o processogerador da ação é idêntico nas atuações ajustadas, cri-minosase até mesmoinimputáveis.Esse dinamismo, pois, é a ba-se da "classificaçãonatural", que, aliás, é assimdenominadaexa-tamente por atentar para esse processo psicodinâmico.

"Para que um crime seja possível, é necessário o concursode duas ordens de condições:de um lado o ambiente no momen-to do crimee de outro a personalidadedo criminoso" (p. 29). Ora,se levarmos em conta o princípio da causalidade,17teremosqueaceitar um infinito encadeamento de "causas", desde as "ime-diatas" até as mais "remotas". A última, na realidade mais pró-xima, funcionaria como um denotador de um processo pregres-samente iniciado.

"A maioria das condições (mesológicasou constitucionais)apontadas como criminógenassão, na verdade, fatores que con-tribuem para modelar a personalidadedos sujeitos que, um dia,poderão tornar-se delinqüentes.São causas maisou menos remo-tas da criminalidade." 18

Assim,teremosde consideraros "fatores primários", quepar-ticipam do processo formativo ou psico-evolutivo, como sendo"causas remotas", enquanto os precipitantes de uma dada açãodevem ser tidos como "secundários".

tar-se à sociedade, à família e ao trabalho; é tido e havido comoobediente à lei. Um ato delituoso não combina com o feitio desua personalidade, cujos traços básicos se conservam para alémda ação criminosa. Somenteum rompimento lacunar de seuequi-líbrio interior explicao crime. Essa ação se apresenta como sen-dojuridicamentetípicaepsicologicamenteatípica.Manifestamenteos fatores circunstanciaisvenceram lacunarmente as resistênciase dominaram o funcionamento global da personalidade do agen-te. A "circunstância" se apresenta como "situação específica"e geradora do ato criminoso. Usualmenteesseato é percebidoco-mo uma violência,desencadeiasentimentode culpa e pode até si-nalizar arrependimento.

As reações súbitas de ira, as ações explosivas' 'em curto cir-cuito", algumas violênciassexuais, podem indicar agente anor-mal ou limítrofee, assim,essescasosmerecemestudo especial(po-de tratar-se de "delito sintomático", inserido no campo da psi-copatologia forense).

(b) Comportamento delinqüencialcrônico("processo de ma-turação criminal") - Aqui as coisassão bem diferentes: o agen-te não integrou ou até rejeitou os valorescomuns da sua cultura;passou a aceitar com naturalidade a prática delituosa; tem com-prometimento da crítica e do senso ético; a recidiva é usual; o ar-rependimento é questionável;os delitos são cuidadosamentepre-parados individualou coletivamente(conforme o caso). A perso-nalidade domina a circunstânciae o crime se converteem "estilode vida". As condiçõespara delinqüir são procuradas ou prepa-radas.

Ato delitivo Circunstância Dinâmica

Agudo Específica CircunstânciaGrave "sui generis" predomina e venceEventual resistências pessoais

Praticado por Inespecífica Personalidade

maturação cri- procurada ou domina a circuns-minal preparada tância - resistência

fraca ou nula

Page 21: Psicologia Do Crime

36 PSICOLOGIA DO CRIME

Dessa forma, fica fácil estabelecer uma sistemática, válida nãosó para o ato criminoso, como para o ato ajustado:

a) 1~ hipótese - os fatores secundários predominam, de modoexagerado, sobre os primários e os dominam no processo gera-dor da ação;

b) 2~hipótese - as condiçõesprecipitantessãode pequenamonta eas causasremotas, quasepor sisós, levama pessoaao ato.

Poderíamos, então, cogitar de ações de "motivação primá-ria" e de "motivação secundária" e, assim, chegarmosaos dife-rentes grupos da classificação "natural".

As consideraçõesanteriores permitem que se estabeleçamosseguintes grupos naturais:

1~)delito ocasional- Trata-seda personalidadebemconsti-tuída e bem formada, socialmenteajustada que, mediante solici-tação particularmente forte, rompe lacunarmente o seuequilíbrioe chega à prática anti-social. É evidenteque os fatores primáriostiveram pouca ou nenhuma participação na dinâmica do ato.

2~) delito secundário ou sintomático - Atribuível ~estadomórbido, convertendo-senum verdadeirosintomada doençae como mesmo valor que os demais, guarda nexo causal com a pertur-bação referida, seja esta permanente ou transitória.

3~) delitoprimário ou essencial- Agora estamos diante deuma "manifestação fundamental do delito pessoal" (p. 30). Po-demos dizer que se trata de agente portador de "defeito do caráter" .

CLASSIFICAÇÃO NATURAL DOS CRIMINOSOS

Tipo

Ocasional

Caracter{sticas

a) personalidade normalb) poderoso fator desencadeantec) ato conseqüente do rompimento transitório dos

meios contensores dos impulsos

a) personalidade com perturbação transitória oupermanente

b) mínimo ou nulo fator desencadeantec) ato vinculado à sintomatologia da doença

a) personalidade com defeito constitucional ou for-mativo do caráter

b) mínimo ou eventual fator desencadeantec) ato ligado à natureza do caráter do agente

*Estes casos são da alçada da PsicopatologiaForense

Sintomático.

Caracterológico

I

A DINÂMICA DO ATO 37

Como sepercebe,as característicasda personalidadedo agen-te, ao tempo do crime e sua participação na dinâmica do ato éo que define a que grupo natural ele pertence.

No primeiro caso trata-se de personalidade normal; no se-gundo, de uma personalidade mórbida e no terceiro, de um por-tador de defeito.

Trata-se de um tríptico bastante abrangente, de fácil com-preensão e imediata aplicabilidade.

Contudo,parececonvenienteuma especificaçãodo quesedeveaqui entender por personalidade "normal", "mórbida" ou "de-feituosa" .

Considera-se"normal" o indivíduo que, apesar de seuspro-blemas, traumas e conflitos, apresenta-se como "ajustado" atéo tempo da prática anti-social considerada. É claro que no pro-cesso formativo passou por incontáveisexperiências,tanto cons-trutivas como conflitantes, mas que não o impediram de se adap-tar às normas sociaisvigentes.Não setrata de uma abstração, nemse pretende entrar na controvérsia do que seria o "normal", fa-lar em "pessoa socialmenteajustada" , mas esta expressãocriariaconfusões com as atenuações ou períodos intercríticos de certasanomalias.Na realidadeo "normal" aqui é o indivíduo"comum" ,que permanece obediente à lei até uma infração de certo modoimprevista e inesperada.

A personalidadeserá considerada "mórbida" , q1,landoapre-sentar perturbações das funçõespsíquicas, de qualquer natureza.Inicialmente não interessa a causa ou o curso evolutivo da per-turbação, mas a sua vigênciaao tempo do fato criminoso. Estesúltimos dados (causa e curso) poderão servir para uma nova sis-temática dentro destegrupo. Mesmonas perturbaçõescíclicas,nosperíodos intercríticos, poderemos encontrar nexo entre o fato ea anomalia, o que será suficientepara o enquadramentp do casono grupo da delinqüência sintomática.

Finalmente, falamos em "defeito", quando, apesar da pre-servação das funções psíquicas superiores, está comprometida acapacidadede jugamento. Esta levao agentea uma atitude "anti-social" ou "parassocial", pelo que se torna um candidato à rein-cidência na prática criminal, na dependênciadireta da estrutura-ção do referido "defeito".

Page 22: Psicologia Do Crime

38 PSICOLOGIA DO CRIME

Notas e referências

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p.77.

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atribui a Mannhein, H., in Comparative Criminology, 1965.6. Sargent, S.S., Basic Teachings ofGreat Psychologists, Nova York, Barnes & Noble,

1947, capo VIII.

7. Klineberg, O., Psicologia Social, Rio de Janeiro, Ed. F. Cultura, 1957,2 vols.8. Hesnard, A., Psicologia do Crime, 2~ ed. (trad. esp.), ISBN, 1974, capo I.9. Di Tullio, B., Tratado de Antropologia Criminal, 1~ed. (trad. esp.), Buenos Ai-

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11. Di Tullio, B., Principios de Criminologfa Clfnica y Psiquiatrfa Forense (trad.esp.), Madri, Aguilar, 1963, capo lI, pp. 21-60.

12. Mayrink da Costa, A., Exame Criminol6gico, Rio de Janeiro, Ed. Jurídica eUniversitária,1972. _

13. Vallejo Nagera, A., Tratado de Psiquiatrfa, Buenos Aires, Ed. SaIvat, 1944 (ci-tando os conceitos de Honimann), p. 218.

14. Porot, A. et alii, Manuel Alphabétique de Psychiatrie, PUF, 1965, p. 423.15. Pinatel, J., "Criminologie Clinique", in Dérobert, L., Médicine Légale, Paris,

Flammarion, 1976, parte X, capo 43.16. Christiano de Souza, C., "Fundamentos da Classificação Natural dos Delin-

qüentes", Revista Psicol. Normal e Patol., 8 (1-4): 21-38, 1962.

17. Gregory, L, Fundamentais of Psychiatry, Ed. Saunders, 1968,capo4~, pp. 46-80.Na realidade existem outros "princlpios", como o "teleológico".

18. Christiano de Souza, C., ob., loc. cits.

I

Capítulo 4

DELINQÜÊNCIA OCASIONAL

Poderia parecer que a "delinqüência ocasional" não ofere-ceria maioresproblemas conceituais. Contudo, isso não é verda-de, pois cada autor que emprega essa terminologia o faz com di-verso conteúdo.

Bastante esclarecedordessa matéria é este parágrafo de Pi-natel:1"A interrogação que domina a matéria é saber se a oca-sião faz o ladrão ou revela o ladrão. Garofalo era partidário des-ta última opinião. Depoisdele, Carrara pensou que os delinqüen-tes ocasionaiseram sempreligeiramentepredispostosà delinqüên-cia. Ottolenghi, pelo contrário, estimava que o delinqüente oca-sional não é revelado pela ocasião, mas produzido por ela. Se-gundo ele, em circunstânciasexcepcionais,todo homem pode serlevado ao delito. Para Vervaeck, igualmente, há de se admitir aexistência de uma delinqüência ocasional como a expressão deacontecimentos episódicos, ligados a circunstânciasexcepcionaise a fatores psicossociais. Falco acertou, também, que os verda-deiros delinqüentes ocasionais são aqueles em que só a ocasiãodetermina o ato delitivo. Enrico Ferri colocou-seem posição in-termediária: os delinqüentesocasionaissão aquelesque, semapre-sentar uma tendência inata para o delito, cometeminfrações soba influênciadas tentaçõescausadaspor fatorespessoaisou do am-biente exterior."

Dessasváriasposições,a classificaçãonaturaltem optado pelaque parece mais clara: trata-se de delito praticado por agente atéentão socialmenteajustado, obedienteà Leie quesó chegouà açãoanti-social respondendo a uma forte solicitação externa.

Di Tulli02escreve: "São indivíduos que, em geral, perten-cem ao termo médio e que, no referente à sua conduta social, po-

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dem usualmente entrar no grupo dos chamados normais, indife-rentes e conformistas".

Também Hurwitz3reforça: "Este grupo não apresenta tra-ços anti-sociais ou associaispronunciados e não tem traços típi-cos comuns de nenhuma classe, como se observa em certos gru-pos de delinqüenteshabituaise profissionais,senãoquecompreen-de indivíduos médios de todas as classes".

O elemento mais típico deste grupo é o fato do agente apre-sentar uma personalidade "normal" e "socialmente ajustada an-tes do crime".

Logo, a história vital não registrará antecedentespsicopato-lógicos ou disgênicos;o curso evolutivo estará isento de desviosou distúrbios; o examemental estará dentro da chamada norma-lidade;as provaspsicológicasindicarãoharmonia, controlede im-pulsos e adaptabilidade; a observação social indicará ajuste aomeio, no passado e no presente.

Trata-se aqui de um grupo bastante homogêneo e o trabalhooriginal não cogitou de subgrupos4. Isto se deve à importânciaatribuída ao fator secundário, no caso de porte avantajado. Estasuperioridade da força solicitantesobre os mecanismosde equilí-brio pessoal presente, caracteristicamenteseria elemento seguroa garantir homogeneidade intragrupal.

É de se perguntar, contudo, seuma subclassificaçãoteria uti-lidade prática.

Algumas subdivisõespoderiam ser lembradas. Por exemplo,Jimenez de Asúa5usa a denominação de "criminalidade aciden-tal" abrangendo duas formas: "delitos por equívoco" e "delitosde situação". E anota: "Delito por equívoco: com este título de-signam os psicanalistaso que é denominado pelos juristas "deli-tos culposos". As condutas deste tipo se produzem quando o egoestá com a atenção fixa em coisa distinta da ocupação real queo indivíduo empreende, e no caso, qualquer tendência criminalinconscientechega a desbordá-Io". E mais adiante: "Delitos desituação: com cuja nova nomenclatura designam os psicanalistaso que os cultoresdo Direito Penal chamam delitos "ocasionais".Todo mundo compreendee desculpa estas ações, executadas emcertas circunstânciasem que o choque afetivo provoca no sujeitouma reação criminal".

Contudo, nos parecemuito maisclara a exposiçãode Di Tul-lio,6quando escreve:"Cremos que pode considerar-sedelinqüen-te ocasional aquele que chegouao delito por causas distintas pre-ferentemente exógenas, que agem como estímulos criminógenosde particular intensidade,pelosquais, em certo momento, sua ha-bitual capacidade de adaptação à vida social e, particularmente,às exigênciasdas normas morais codificadas, chegaa debilitar-seou a faltar."

Subdivide-seem três classes:

a) ocasional puro - que chega a delitos de levíssimagravi-dade por causas e circunstâncias completamente acidentais;

b) por situações ambientais desfavoráveis, hábitos prejudi-ciais, más companhias, sugestões imorais;

c) por estados emocionais e passionais.Este esquema parece claro e prático.No demaisestegrupo parecenão oferecerdificuldades.Apesar

disto, às vezes, aparecem.Pinatel diz que "representama grandemaioriados delinqüen-

tes" e "entre os adultos há de setenta a oitenta por cento de su-jeitos que, por não reincidirempodemserconsideradoscomo "oca-sionais" .

É preciso não confundir delinqüência "primária" (sentidojurídico) com "delinqüência ocasional" (sentido psicológico).Aprimariedade penal não implica delito eventual, pois este requer- nos conceitos da "classificação natural" - que o infratorapresente uma "personalidade normal". Há certos tipos de de-lito que por sua simplesnatureza já atestam defeito de persona-lidade: da capacidade crítica, do senso ético, da inadaptação so-cial. Assim, o seqüestrador, o estelionatário, o estuprador (porexemplo) não podem ser tidos por "delinqüentes eventuais" ou"ocasionais" .

A inclusãode alguémnestegrupo de infratores requer de mo-do claro e inequívoco fique constatada uma ruptura lacunarnofuncionamento de seus meios contensores de impulsos, que su-cumbiram frente a desproporcional solicitação fortuita. Essa si-tuação, de regra, não se repetirá (embora possa haver exceções,que requerem cuidadosa análise).

Uma pessoa normal apresenta:

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1. harmonia psicológica

2. ajuste comportamental (ao longo do tempo)3. adoção dos valores sócio-culturais (do seu meio)Ao mesmo tempo não apresenta:1. Sintomas de desvios ou perturbações psíquicas - Quan-

do há sofrimento "neurótico", este é insuficiente para produzirdesajuste social grave ou levar à prática delitiva, excetoo que sedescreve no capítulo "Delinqüência neurótica".

2. Desobediênciaà lei, com infrações evidentes- Se come-ter alguma "falha", será insignificante, tolerada pela sociedade,não dando lugar a um "Processo-crime".

3. Revolta imotivada aos usos e valores - É claro que sem-pre ocorrem fatos que são objeto de contestação, mas dentro doslimites socialmenteaceitos. Os "reformadores" não rejeitam osvalores de sua cultura ab initio, mas somente depois de cuidado-sa análise. Não são revoltados: desejamtroca dessesvalores poroutros, que consideram "melhores".

.

diciário do Estado. O laudo de fls. do apenso de incidente de sanidade mental,de lavra dos Drs. J. R. B. e P. F., estabelecem:

a) "Trata-se de paciente portador de epilepsia, em que alternam-se as cri-ses convulsivas, perfeitamente caracterizadas no pass!ido e atualmente no de-correr de sua internação;

b) "Trata-se de delito que não foi praticado em período de fase crepuscu-lar, mas sim sob a impulsão epilética, manifestando o internado nítida lembran-ça do ato delituoso (fls.);

c) "... pelas considerações que acabamos de tecer, nos levam a consideraro internado em questão como inimputável frente ao delito praticado" (fls.).

4. Com tal conclusão não concordou a Defesa, que solicitou Parecer, delavra dos Drs. O.R.L., D.R. e W.C. Incluso no Processo do Tribunal do Júri,integra a fls. do mesmo. Em síntese, estabelece:

a) não se caracteriza, pelos dados registrados no Processo e no laudo ori-ginal, impulsão epilética no ato delituoso (fls.);

b) não se pode concluir por inimputabilidade do indiciado (fls.);c) trata-se de "epilepsia - crises do tipo grande mal: etiologia por eluci-

dar" (fls.);

d) diante da morfologia delituosa e das características do autor e do modocomo recompõe os fatos, preferem considerá-Io "imputável" (fls.).

5. Tendo a Defesa interposto Recurso, a matéria subiu à consideração da2~ Câmara Criminal e esta, por votação unânime, resolveu "converter o julga-mento em diligência a fim de que seja feita outra perícia pelo Instituto de Bioti-pologia Criminal". Daí o presente exame.

6. Natural de XX, procede de família sadia, em que não se registram casosde neuropsicopatias ou delinqüência. Ignoram-se casos de convulsões entre as-cendentes e colaterais. Infância sadia, sem particularidades. Freqüentou escolasprimárias e secundárias, tendo alcançado a terceira série do "curso básico".

Quando contava 13 a 14 anos de idade apresentou crises convulsivas du-rante o sono e, por isso, chegou a ser levado ao Departamento de Assistênciaa Psicopatas e a ser tratado tanto ali como com médicos particulares. Uma vezmedicado, passou perfeitamente bem, sem crises convulsivas ou equivalentes.Na realidade, afirma não mais tê-Ias tido até o presente. Nega doenças infantisou infanto-juvenis de grave repercussão no desenvolvimento somato-psíquico.Refere passado pessoal sem outros dados de interesse psiquiátrico. Trabalhouem vários lugares, especialmente bancos, com razoável ajuste, alegando que deum saiu por causa de sua insuficiente produtividade, mas em outro adaptou-senormalmente. Nega disposição toxicófila e diz que somente de modo fortuitoe eventual usa bebidas alcoólicas. Seu ambiente familiar lhe parece sadio, combom ajuste e entendimento entre os familiares. Refere uma única vez em quese envolveu em luta corporal, sem maior importância e razoavelmente bem mo-tivada. Não se colhem outros dados de interesse.

7. Fornece relato coerente a respeito dos eventos motivadores do presenteProcesso e este se mostra de acordo com o relato do inquérito policial. É capazde repetir os pormenores todos, os nomes das pessoas e a seqüência dos aconte-

Transcrevemos,a seguir, um laudo em que se firmou o diag-nóstico de "delito eventual". A hipótese de alteração patológicarestou totalmente afastada. Foi feita observaçãodemorada, mul-tiprofissionale integrada.A sua inclusãoaqui pareceesclarecedora.

LAUDO MÉDICO

l. Por determinação da Vara Auxiliardo Tribunal do Júri, o indiciadoJ. G. F., brasileiro, solteiro, leucodermo, com 21 anos de idade, é submetidoa examede sanidadementalno Instituto de BiotipologiaCriminal. Motivoues-sa determinação o acórdão da 2~ Câmara Criminal proferido no RecursoCriminal.

Histórico e Antecedentes

2. Foi denunciado perante a Justiça Pública porque nas proximidades daesquina da rua X e Av. Y, após desinteligência com companheiros e ingestão debebida alcoólica, usando arma de fogo fez disparos, do que resultou a morte deA. B. S. e ferimentos em C. C. E. e R. P. Foi indiciado no art. 121do Código Penal.

3. Havendo informe de que o acusado estivesse por duas vezes no ServiçoMédico do Departamento de Assistência aos Psicopatas, acometido, anterior-mente, de crises convulsivas, foi determinado o exame prévio no Manicômio Ju-

u. C. G.r'bl In,TP'"..

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12. Apresenta-se a exame calmo, consciente, orientado globalmente, ten-do perfeita noção de sua pessoa, seu estado e sua situação processual. Interessa-do e bem posto, presta informes com facilidade, coerência e desce a pormeno-res, com certa dose de viscosidade. Inteligência normal. Associação ideativa rá-pida, lógica, coerente. Não se apuram perturbações do curso ou da estruturado pensamento. Inexistem dados sugestivos de deterioração. Tem certo grau deagressividade, com a vontade consciente controlada. Refere crises do tipo con-vulsivo em tempos passados e nega que as tenha no presente. Observam-se pe-quenas lacunas de memória referentes a fatos muito anteriores e não são obser-vadas em relação a fatos recentes. É capaz de descrever com pormenores e coe-rência os fatos ocorridos no dia do evento delituoso. Não perdeu a consciênciae conserva precisa memória das pessoas, de suas atitudes e repete com precisãocomo executou todos os atos de interesse para o presente exame. Traços de per-sonalidade algo primária. Emotividade exaltada, porém sem respostas impulsi-vas. Nega fenômenos do tipo do dromomânico, do dipsomânico, e do furor epi-lético. Capacidade crítica e senso ético preservados, sofrendo as influências docolorido global da personalidade. Não se colhem dados de linhagem psicótica.

13. Submeteu-se a variados exames eletroencefalográficos no Instituto deBiotipologia Criminal, todos com resultado negativo.

I?) EEG n. X: Traçado em condições técnicas não muito satisfatórias pelapouca cooperação do paciente. Exame realizado em vigília. Atividade elétricacerebral mostrando ritmo de base alfa subdominante, irregular, freqüência 12-14c/pseg., amplitude 10-15microvolts, simétrico bilateralmente. A hiperpnéia nãorevelou sinais elétricos do tipo patológico. Conclusão: ritmo de base alfa sub-dominante, irregular e simétrico. EEG normal. Dr. T.P.M.

2?) EEG n. X-A: Traçado em condições técnicas satisfatórias. Exame rea-lizado em sono induzido por 2 1/2 cápsulas de Nembutal. Atividade elétrica ce-

rebral revelandoritmo de base com as característicasde forma, freqüência-a-pindles, voltageme simetria dos traçados de sono. Durante todo o período deexame não se registraram sinaiselétricosdo tipo patológico. Conclusão: EEGnormal no sono induzido. Dr. T.P.M.

14.Estevesempreemregimede observaçãono Serviçode Psiquiatria Pa-vilhonar. Constam de seu boletim anotações do tipo das seguintes:

a) "Até o momento não foi observada crise convulsiva alguma" (Dr.J.F.N.).

b) "Explica com os mínimos detalhes o seu crime, dizendo ter atirado por-que queria invadir sua casa" (Dr. J.F .N).

c) "Sua narrativa tem bastante verossimilhança" (Dr. A.F.G.G.B.).15. Submeteu-se a detalhado exame na secção de psicologia.

Foram aplicados os testes INV de Pierre Weill, PMK de Mire y Lopes,Pirâmides de Max pfister e o Psicodiagnóstico de Rorschach.

I) Inteligência: Trata-se de pessoa de inteligência definidamente superior.No INV obteve um escore bruto de 51 pontos, atingindo assim o percentil 95em relação à população geral, colocando-se no grupo superior da população pe-nitenciária. Há um equilíbrio nos fatores concreto-práticos e teórico-abstratos,não manifestando pendor para um trabalho minucioso. O pensamento é rígido,inflexível, estereotipado e por isso a adaptação intelectual é pouco rápida. Osinteresses são limitados, percebendo-se a falta de cultura, de escolaridade e deexperiência no plano intelectual. A visão e aceitação da realidade são normais,percebendo-se uma suficiente integração no pensamento coletivo. Tem capaci-dade imaginativa, mas as fantasias são muito pueris e por isso pouco construti-vas. É evidente a sua preocupação com o próprio esquema corporal (traços hi-pocondríacos?) em detrimento do interesse social pelos outros.

11)Miocinético (PMK): Traços normais do ponto de vista qualitativo. Semalterações rítmicas, revelando bom desenvolvimento psicomotor e intelectual.Reações atuais e constitucionais indicativas de: baixo tônus psicomotor; forteexcitabilidade e impulsividade; agressividade normal; intratensão; pessoa racio-nalmente tensa, mas não emotiva; ansiedade.

111)Max PjlSter:Trata-se de pessoa com forte controle sobre si mesma.O controle é tanto de tipo racional como de tipo repressivo. A conseqüênciaé uma expressão afetivo-emocional muito pobre, revelando apatia neste plano.É pouco emotivo, procurando não deixar-se levar pelos sentimentos. No com-portamento atual predomina a formalização da conduta, ou seja, guia-se porsistemas e esquemas anteriormente apreendidos, o que leva a uma maciça redu-ção da espontaneidade e autenticidade de manifestação afetiva. Tende ao pessi-mismo, denotando-se forte angústia e ansiedade de tipo flutuante. Não conse-gue elaborar suficientemente os estímulos recebidos que assim nele se sedimen-tam, sendo uma fonte contínua de inquietação, de ansiedade, de ruminação. Nacamada periférica mostra-se fortemente introversivo com preocupação consigomesmo. É ambicioso mas sua energia vital não corresponde aos objetivos quese põem nem às suas reais capacidades. Embora a agressividade esteja sob fortecontrole, mal suporta a frustração de seus desejos e necessidades. Está atual-mente muito interessado no auto-aperfeiçoamento. Revela certa estrutura de per-

cimentos. Não foge à responsabilidade e atribui à ação do álcool e à provocaçãopor ele sofrida as ações que praticou. Também não oculta o tratamento a quese submeteu, bem como onde e como foi medicado. Revolta-se com as conclu-sões do laudo elaborado no Manicômio Judiciário e alega ter sempre passadobem, tanto no período em que lá esteve para exames, bem como o de observa-ção na Penitenciária.

Descrição

8. Paciente leucodermo, de boa composição física, do tipo constitucionalatlético, sem particularidades dignas de nota.

9. O exame clínico geral apura boa constituição óssea, musculatura eutró-fica e eutônica, ausência de adenopatias ou lesões cutâneas.

10. O exame semiológico sistemático não evidência sintomas ou sinais pró-prios de processo organopatológico em atividade ou evolução.

11. Equilíbrio e marcha íntegros. Motricidade e sensibilidade dentro doslimites considerados normais. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll Robert-sono

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sonalidade e o teste deixa entrever que J. teria maiores possibilidades do querevela. Revela certa instabilidade e presença de traços neuróticos.

IV) Rorschach: J. revela uma personalidade coartada com grande dificul-dade de expressão afetiva e emocional. Está presente um controle formal e ra-cional normal ao lado de forte repressão. Quando se externa no plano emocio-nal é de maneira muito prudente e cautelosa, sendo muito inseguro. Por isso,procura constantemente maternalizar as pessoas, pondo-as ao seu lado e ten-tando satisfazer as exigências e expectativas que os outros têm ou poderiam terem relação a ele. É patente sua imaturidade e sua dependência afetiva ao am-biente. Não chega realmente a um trabalho individual e pessoal, temendo sem-pre desagradar. Tem medo dos outros e o relacionamento com os outros causa-lhe muita ansiedade que tenta controlar intelectualmente. No fundo de sua per-sonalidade é predominantemente introversivo. A preocupação narcisista consi-go mesmo não permite um bom relacionamento. Consegue uma certa adapta-ção mas em detrimento da própria individualidade. É mais rico e diferenciadoque demonstra, fugindo porém, para o mundo de suas fantasias, tão logo en-contre algum obstáculo no contato com a realidade. Parece ter algum problemacom a figura paterna e talvez com a identificação com o próprio sexo, pois émuito passivo, atitude usada para esconder talvez sua agressividade que nos tes-tes não se manifesta. O tempo de reação e de adaptação é longo, pois sempreprecisa de algum tempo para estruturar sua defesa.

V) Conclusão: Trata-se de uma personalidade imatura, com dificuldadede adaptação, egocêntrica, inseguro e muito ansioso. Há indícios claros de ten-dências neuróticas. Os testes aplicados não evidenciaram disritmia ou qualqueroutro indício que justificariam a suspeita de uma lesão cerebral (Theodorus vonKolck).

16. Além de todos esses exames, o interessado foi mantido longo períodoem observação no Serviço de Psiquiatria Pavilhonar. Jamais se observou criseconvulsiva, equivalente motor ou similar. A medicação anticonvulsiva, de iní-cio instituída para observação e possível tratamento, foi suspensa e mesmo as-sim não se observou a presença de crise.

Essa situação foi sempre a mesma desde o início até o fim da longa obser-vação.

e) não se registram doenças orgânicas de interesse psiquiátrico, psicopato-lógico ou criminológico;

O observa-se que houve conservação da consciência e preservação da me-mória em relação aos fatos criminais.

18. Tendo havido diagnósticos anteriores, houve necessidade de prolon-gar a observação, pois como se percebe não se colheram dados no mesmo senti-do. Somente a reiteração de exames, as observações por vários especialistas doInstituto de Biotipologia Criminal (Drs. O.R.M., J.F.N., A.F.G.G.B., T.K.)permitiram que se chegasse à convicção da realidade do registrado neste laudo.

19. O delito foi praticado após uso fortuito de etílicos, provocação e agres-são das vitimas e por agente que conservou a consciência e a memória dos even-tos. O conjunto sugere conduta reativa. Seria de origem epilética? O epiléticoé portador de impulsividade e explosividade de difícil contensão. Há no passa-do do interessado referência a crises tratadas e difícil vinculação à prática deli-tuosa. E isso porque as observações que lhe sucederam não registram distúrbiosdo caráter de linhagem epilética. Seria o delito um ato impulsivo isolado? A im-pulsão epilética geralmente é repetitiva e até periódica. Como estabelecer suavigência no ato delituoso, sem características caracterológicas correspondentes?

20. Se não se trata de impulsão epilética, a que se deveria a ação do indiví-duo? Os traços psicológicos apurados explicam: imaturo, inseguro, provocadoe sob ação do álcool foi levado a uma conduta reativa psicogênica. Não é preci-so estar vinculada à epilepsia.

21. Por que afasta a participação do fundo epilético? Procuramos afastá-10pela simples razão de que não pudemos firmá-Io. Temos reservas em afirmaro diagnóstico de perturbação do círculo epilético pelas seguintes razões:

a) não se comprovou crise epilética ou equivalente em longa observaçãoe regime de internato e sem medicação;

b) os traçados eletroencefalográficos sempre se mostraram negativos, nãochegando sequer a sugerir lesão cerebral ou "zona convulsígena";

c) os traços caracterológicos típicos do epilético não estão presentes, salvodiscreta viscosidade;

d) os sintomas clínicos próprios do quadro epilético não estão presentese vários especialistas observaram o periciando.

22. Em conclusão clfnica, não dispomos de dados cientificamente suficientespara firmar o diagnóstico de epilético e por outro lado, apuramos imaturidade,insegurança e disposição a condutas reativas.

23. Tendo conservado a consciência e preservado a memória, não sendoepilético e não apresentando perturbação psicótica, não nos parece que as capa-cidades de entendimento e de determinação se comprometessem e assim, devea nosso ver, ser tido por plenamente imputável.

24. Em conclusão criminol6gica estabelecemos que o examinando é umdelinqüente eventual e plenamente imputável.

25. As considerações clínicas baseiam-se nos ensinamentos de Mayer-Gross,Vallejo Fagora, Penfield, Mickleit, Gibbs e Gibbs, e outros, enquanto as con-clusões criminológicas fundamentam-se na classificação de Christiano de Souza

Discussão e conclusão

17. Os exames psiquiátrico e psicológico, os achados eletroencefalográfi-cos e clínicos podem ser assim resumidos:

a) não se observou crise convulsiva num período muito superior a seis me-ses;

b) não se apuraram sintomas ou sinal próprio de perturbação de naturezapsicótica;

c) nos achados eletroencefalográficos repetidos foram sempre negativos;d) observam-se traços neuróticos de imaturidade, insegurança e discreta

impulsividade controlada;

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48 PSICOLOGIA DO CRIME

e na análise fundamental da responsabilidade do epilético de Ruiz Maya. Deixa-mos de analisar e transcrever os textos dos autores, para brevidade e simplifica-ção do presente laudo.

26. Diante dos dados apontados é de perguntar a que se devem as crisesque o levaram ao D.A.P. Convém ponderar que nessa época não foi feito EEG.Essas crises podiam ser simuladas ou de outra origem não epilética. Nem todaconvulsão é epilética.

27. Em conclusão: os dados colhidos em demorada observação e registra-dos neste laudo não nos autorizam a considerar o examinando um epilético epermitem inclui-Io entre os neuróticos imaturos e inseguros, sujeitos a condutasreativas. Trata-se de delinqüente eventual, plenamente imputável penalmente.

Essa nossa conclusão, salvo melhor juizo.Df. O.R.M. - RelatorDr. A.C.N. - Diretor

Notas e referências

1. Pinatel, J. (Bozat, P. & Pinatel, J.), Tratado de Derecho Penal y Criminologfa(trad. esp.), Ed. Venez., Univ. Central Venez., 1974, 3? vol., p. 411.

2. Di TuIlio, B., Principios de Criminologfa Clfnicay Psiquiatrfa Forense (trad. esp.),Madri, Aguilar, 1963, p. 173.

3. Hurwitz, S., Criminologfa (trad. esp.), Barcelona, Ed. Ariel, 1956, p. 415.4. Christiano de Souza, C., "Fundamentos da classificação natural dos delinqüen-

tes, Revista Psicol. Normal e Patol., 8 (1-4):21-38, 1962.

5. Jimenez de Asúa, L., Psicoanálisis Criminal, 5~ ed., Ed. Losada, 1947, p. 89.6. Di TuIlio, B., Princ(pios... cit., p. 174.7. Pinatel, J., Tratado... cit., p. 440.

Capítulo5

DELINQÜÊNCIA SINTOMÁTICA

1/

o segundogrande grupo da "classificação natural" é repre-sentado pela "delinqüência sintomática".

Aparentemente o conceito é extremamentesimples:todas asvezesem que o agente criminal for portador de alguma anomaliada personalidade, a prática criminosa estará vinculadaa essaper-turbação e, por isso, trata-se de "delito sintomático".

Mas, não é bem assim, pois é necessárioque essa personali-dade anormal tenha praticado o crime em virtude dessa anoma-lia, o que nem sempre ocorre. Em outros termos, é preciso quea prática criminal consideradafaça parte do conjunto mórbidoou tenha sido resultante do psicodinamismopatológico. Deverá,assim, integrar o elencode sintomasda perturbação, convertendo-se em expressãodessamesma anomalia. Esse "nexo causal" é in-teiramente necessárioe indispensávelpara que o crimepossa sertido por "sintomático".

Muitas vezes,apesar do agente ser portador de determinadaanomalia, falta o liame entre sua prática delituosa e seu quadropsicopatológico. Neste caso, o delito, praticado por pessoa nãonormal, tem efetivamenteoutra causa. Parecesermais fácila com-preensão desteponto, depois da análise de várias formas caracte-risticamente sintomáticas.

Para simplificaro estudoe tornar o métodoseguramenteapli-cávelna práticacriminológica,éútil estabelecer-sesubgrupos.Ten-do em vista que a "classificação natural" está baseada na partici-pação e feitio da personalidade na dinâmica do ato, a subclassifi-cação das formas sintomáticas pode se socorrer do esquema pro-posto por Porot e Kammerer: 1

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a) perturbações do desenvolvimentoe da continuidade, re-presentadas pelas oligojrenias;

b) perturbações da senso-percepção,ideação e juízo crítico,representadas pelas psicoses e pelas demências;

c) perturbações da harmonia intrapsíquica, provocando so-frimentos conscientesde causa inconsciente, representadas pelasneuroses(as anomaliasdo caráter devemser consideradasà parte).

dio, podem serhomicida, agredir autoridade, praticar ato de bes-tialidade, usar tóxicos ou praticar atentados ao pudor e violên-cias sexuais. Nas formas mais graves, mostram-se irritáveis, po-dem praticar atos monstruosos, até parricídio ou tornarem-se in-cendiários.4

É evidenteque essesgraus avançados comprometem a capa-cidade de imputação.

Delinqüência frenastênica Delinqüência psicótica

Trata-se da prática criminosa do infranormal pelo que tam-bém poderia ser chamada oligofrênica.Aqui é necessárioque sefaça um diagnósticopluridimensionaldo agente (critérioescolar,clínico, psicométrico, social) e se tenha presente que atualmenteconsideram a oligofrenia como uma insuficiênciaglobal, em ter-mos de infranormalidade.

Efetivamente não se trata de moléstia única e comporta vá-rios enfoques.2

O que interessa ao jurista não é a causa (disgenesias,defei-tos do desenvolvimento,distúrbios inatos do metabolismo, here-ditariedade dominante, recessivaou sex linked, etc.), mas apenaso produto final: um cidadão que está abaixo da média dos seuspares e, por isso, tem dificuldades adaptativas.3

É necessário,também, que se afaste a participação efetivadeoutro fator criminógenoprecipitante,comoo tóxico,por exemplo.O nexo causal deveser firmado entre oligofrenia e ato delituoso.

Um simplesachado de quocientede inteligênciamedíocreoumesmodefinidamenteinfranormal não é suficientepara conside-rar o delito como "frenastênico".

De outra parte é preciso considerar que o infranormal é su-gestionávele, por vezes, se torna agente criminal, por indução eesta se vincula ao seu particular estado pessoal.

Em outros termos, é preciso diferenciarclaramente entre de-linqüênciadébil (nexodireto) e delinqüênciapraticada por débil,por outro motivo (sem nexo causal).

Nas formas leves, os agentes se inclinam ao roubo, atenta-dos ao pudor, homossexualidadee falsasdenúncias. No grau mé-

Trata-seda delinqüênciapraticada por "perturbado mental".Esta pessoa está com comprometimento das funções psíquicas e,por isso, no passado foi chamada de "alienada".

Entendemospor "delinqüênciapsicótica" a práticacriminosaque se efetiva em função de uma perturbação mental qualquer.O indispensávelé que ao tempo da ação o agente fosse portadorde comprometimento das funções psíquicas superiores.

É evidenteque o agente se beneficiará do art. 26 do CódigoPenal e, por muitos, não se configura crime, no sentido restritodo termo. O quenos interessa,porém, do ponto de vistaclínico-cri-minológico é o nexo entre anomalia psíquica e ato criminoso.

O mais importante, do ponto de vista criminológicoé a par-ticular condição do agente ao tempo do fato que lhe é atribuídocomo crime. É evidenteque a causalidadeda perturbação seja emtermos preponderantes ou desencadeantes5-6interfere no cursoevolutivo da perturbação considerada.

Levando-seem conta queo agentecriminalé examinadomuitoposteriormenteao tempo do fato (mesmoquando se trata de "in-cidente de sanidade mental" nos termos do art. 149do CPP), oexame sempre terá um caráter retrospectivo, o que constitui difi-culdade a ser enfrentada pelo perito.

Mesmo com limitações várias, deverá o examinador procu-rar esclarecerqual das formas evolutivasé a do caso em observa-ção.

a) Episódio - Este se caracteriza por sua reversibilidadee não repetividade. Dito de outra forma, um período mórbidoúnico, se intercala entre dois sadios e não há recidiva. Esquema-ticamente:

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52PSICOLOGIA DO CRIME

DELINQoeNCIA SINTOMÁTICA 53

Período sadio Período sadiob2. O fato criminoso já é do período mórbido. Nesse caso

o agente deverá, desde logo, ser remetido ao Manicômio.O problema a ser considerado é a transição de uma fase para

outra, que nem sempre é tão bem delimitada, como pode pare-cer. Certas doenças apresentam um período prodrômico de ex-tensão variável, a ser apreciado em cada caso particular. Aqui,a análisedos sintomas,eventuaistratamentos e a "morfologia cri-minal" deverão ser apreciados cuidadosamente pelo perito. Estenão infreqüentementeestará diantede situaçãocontrovertidae so-mente sua habilidade o orientará na solução do caso particular.

c) Surto - A evoluçãopor "surtos" se faz de modo intermi-tente;fases sadiase mórbidassesucedem.É quaseimpossívelsaber-se qual será a duração de um intervalo (chamado "lúcido inter-valo"), mas o esperável é a repetição da fase doentia.

Fase mórbida

Para fins penitenciáriossó interessaa eventualidadede práti-ca criminosa ocorrida durante o período mórbido, quando, en-tão, o agente é inimputável.

Tendo ocorrido volta à normalidade, o agente isento de ou-tros desviosou anomalias não é dotado de potencial criminógenoe, por apresentar impossibilidadede reincidência, deve ser tidopor não perigoso e retomar ao livre convívio social.

Em nossa casuísticase incluium cidadão que apresentou epi-sódio delirante no curso de uma anemia perniciosa, quando ten-tou assassinara esposa.Uma veztratado, jamais apresentouanor-malidades e foi tido por inimputável ao tempo dos fatos e sempericulosidadeao tempo da perícia. Tratava-se de típico episódiopsicopatológico.

b) Processo- O "processo psicopatológico" se caracterizaexatamente pelo contrário do episódio: uma vez instalado, mos-tra-se irreversível.Assim, o agente criminal apresenta duas fasesno seu curso vital: sadio e mórbido.

Período mórbido

Nestes casos pode ocorrer inimputabilidade na fase mórbidae semi-imputabilidadena fase sadia. A recuperaçãototal nemsem-pre é compatívelcom a imputabilidade plena, por ser necessáriotratamento preventivo de nova fase mórbida.

Pode-se, aqui, incluir os distúrbios ciclofrênicose as mani-festações psicóticas recidivantes.7A expressão "surto" tambémtem aplicação nas formas delinqüenciaisde outra natureza: tóxi-ca e disrítmica.

Nem sempre é fácil estabelecerdiferença entre "episódio" e"surto" , pelo menos na manifestação inicial em que ocorra difi-culdade quanto ao diagnóstico básico. A história da doença, asmanifestações, os eventuaisatendimentos médicose hospitalaresanteriores podem oferecer subsídios diagnósticosvaliosos.

d) Defeito - Chama-se "defeito" ao reliquatde manifesta-ção psicopatológica pregressa. Esta seqüela pode ser de variadograu. Aprecia-se em casos especiaise em criminologia interessamais provavelmentea reincidentes.A situação é clara: houveper-turbação anterior, tratada ou não, e agora a recuperação foi ape-nas parcial. Interessa, também, no caso de se opinar sobre saídade Manicômio Judiciário ou concessão de liberdade vigiada.

Período sadio

Aqui as coisas se complicam um pouco, pois existemváriaspossibilidades:

bJ. Crime no período sadio e perturbação ao tempo do exa-me ou da execuçãoda pena. É o que se chama "doença mentalsuperveniente" na linguagem do Código (art. 682 do CPP).

Não se poderá pretender "punir" o agente, que deverá, an-tes, ser tratado. Uma vez apurada a anormalidade não se aplica-rá pena, mas medida de segurança para internação em Manicô-mio Judiciário. Sea anormalidade ocorrer já durante a execuçãoda pena, o cursodestadeverásersuspensopara seassistirao doente(substitui-sea pena por medida de segurança).

Fase sadia fase sadia fase sadiafase mórbida fase mórbida

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54PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜ~NCIA SINTOMÁTICA ss

seqüel~

torze ferimentos, do que lhe resultou morte a curto prazo. Foi por isso o agenteconsiderado incurso no artigo 121 do Código Penal.

3. Tendo no inquérito surgido alegações de que o indiciado é portador dequadro epilético, sendo portador de várias crises já anteriormente observadas,foi determinado o presente exame para se avaliar a capacidade de imputaçãodo mesmo.

4. Nascido e criado em XXX, sempre viveu com a família na qual não seregistram casos de neuropsicopatias ou de delinqüência. Nada refere de especialà sua primeira infância. Freqüentou escolas primárias até o segundo grau. Des-de os sete anos tem se dedicado a trabalhos variados promovendo a automanu-tenção. Há cerca de quatro anos vem exercendo o ofício de pedreiro. Nega passa-gem por Juizado de Menores, tendo, entretanto, sido uma vez preso por ter ad-quirido de outrem um objeto roubado. Refere também uso de álcool de uma ma-neira mais ou menos intempestiva até algum tempo atrás, não sabendo fornecerdados precisos. Descreve, entretanto, crises epileptiformes vigentes desde a épo-ca em que contava 16 anos de idade. Nada informa sobre tratamento anterior.

l fase sadia

fase mórbida

Se ocorreu crimeem fase anterior, o exame na época própriaterá apurado qual a situação do observando ao tempo do interes-se jurídico-penal. Mas ao se avaliar a seqüela, é preciso que sefaça uma avaliação de seu grau. Não só pode permanecer a con-dição de inimputabilidade, como a responsabilidadepode ser res-trita ou até plena: tudo depende do caso particular.

Como se percebe,o enquadramento num dado tipo de evolu-ção é elemento de apreciávelimportância nos interessescrimino-lógicos.

Conforme já se anotou, um delito deve ser considerado sin-tomático na medidaem que é expressãodapr6priapatologiamen-tal, de que o agente é portador. Dessaforma, o delito sintomáti-co deve ser analisado em termos de psicopatologia, e _ conse-qüentemente - seu estudo situa-se no campo da psicopatologiaou psiquiatria forense.

Descrição

.

5. Paciente leucodermo, de boa compleição física, sem particularidades aanotar. Clinicamente assintomático, não externa sinais de processo organopa-tológico em atividade ou evolução.

6. Equilíbrio e marcha conservados. Motricidade e sensibilidade sem alte-rações patológicas. Reflexos superficiais e profundos sem anomalias. Ausênciados sinais de Romberg e Argyll-Robertson.

7. Examinado por vários psiquiatras do Instituto de Biotipologia Criminalverificou-se ser pessoa consciente, orientada auto e aIopsiquicamente, com boanoção de sua pessoa, estado e situação processual. Temperamento viscoso, pro-lixo, fala seguidamente mudando constantemente de assunto. Apresenta lacunasmecânicas, paramnésia e descreve crisesde perda de consciência com queda, abalostôpico-crônicos, exaustão, sono e perda de memória posterior. Refere que essascrises de tipo Grande Mal apareceram desde a sua adolescência e vêm se repetin-do sucessivamente. A versão do delito, bastante minuciosa, concorda com os da-dos fornecidos no processo. É lábil de humor, irritável e explosivo. Apresentatambém equivalências de crises tanto de caráter psicológico como de caráter mo-tor. Os demais dados referentes à esfera psíquica ficam prejudicados pelo colori-do geral da personalidade bem característica do tipo epilético.

8. Foi submetido a exame eletroencefalográfico. O traçado enseja o seguinterelatório: traçado em condições técnicas satisfatórias. Exame realizado em vigí-lia. Atividade elétrica cerebral mostrando ritmo de base alfa dominante, irregu-lar, com freqüência de 9 ciclos por segundo, amplitude média de 25 microvoltsnas áreas do hemisfério esquerdo. Nas áreas da direita ritmo irregular mais de-sorganizado com freqüência e voltagem variáveis. Durante todo o período deexame de repouso, espontaneamente e também com a hiperpnéia, registraram-se disritmias por ondas lentificadas e ondas "sharp", permanentes nas proje-ções F4, C4, P4, 02, F8, T4, T6, predominando em F8, T4, T6. Conclusão: Rit-mo de base aIfa dominante e assimétrico em detrimento das áreas do hemisfériodireito. EEG revelando sinais de sofrimento neuronal nas áreas do hemisfério

Como ilustração,incluímosaqui doislaudos de sanidademen-tal (Incidente de Sanidade): um caso de epilepsia e um de esqui-zofrenia paranóide.

LA UDO 1EXAME DE SANIDADE MENTAL

1. Por determinaçãodo Juízo da 2~ Vara da Comarca de XXX, G.M.S.,branco, brasileiro,solteiro,pedreiro, com22 anos de idade, compareceao Ins-tituto de BiotipologiaCriminal para ser submetido a exame psiquiátrico.

Histórico e antecedentes

2. Consta da denúncia contra ele oferecida pelo Ministério Público que,em XXX, desferiu golpes de punhal em seu cunhado H.G. produzindo-lhe ca-

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56 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQüêNCIA SINTOMÁTICA57

direito (F4, C4, P4, 02, F8, T4, T6) com sinais lesionais convulsígenos mais evi-dentes na região temporal ântero-médio-posterior (F8, T4, T6). EEO anormal.

9. Foi submetido a exame psicológico. Foram aplicadas as provas de Pier-re Weill, de Harrower e Pfister. O relatório dos psicólogos está assim redigido:

Inteligência - Seus resultados intelectuais são muito bons. Na populaçãogeral, classifica-se no percentil 70, zona média superior. Comparado com a po-pulação da Casa atinge o percentil 85, zona superior. Trata-se como vemos depessoa intelectualmente bem dotada, apesar de sua aparência primitiva.

Personalidade - É um indivíduo que tem dificuldade para manter seu com-portamento ajustado às exigências do meio, apesar do esforço feito nesse senti-do. Tem tendência a perder com relativa facilidade o autocontrole e a reagirde forma impulsiva, explosiva. Reage a um grupo muito grande de estímulose tem dificuldade para integrá-Ios às suas reações. Apresenta sinais de egocen-trismo, de primitivismo, procura sempre satisfazer suas tendências básicas, suasnecessidades primárias, sem se importar com os meios para atingi-Ios. É rústi-co, teimoso e obstinado na defesa de suas idéias, que apesar de limitadas sãoenraizadas. Apesar dessas características é sugestionável. Tende a agir em fun-ção de tais sugestões, embora procure negá-Ias. Seus mecanismos de controlesão frágeis e fundamentados nos atos repressivos e na negação da realidade. Con-clusão: É um indivíduo com bom potencial intelectual, atento, porém lento notrabalho. Personalidade impulsiva com fracos mecanismos de controle, teimo-so e obstinado. É egocêntrico e primitivo de aparência.

2~) O indiciado, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desen-volvimento mental incompleto ou retardado, não possuía, ao tempo da ação,a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-sede acordo com esse entendimento?

3~) Qual a espécie nosológica?

4~) É curável?14. Resposta aos quesitos da Promotoria e Defesa:Ao l~: Era portador de epilepsia, parcialmente capaz de entender o cará-

ter criminoso do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento.Ao 2~: Possuía apenas parcial capacidade em virtude da doença de que

é portador, epilepsia conforme se dá conta no presente laudo.Ao 3~: Epilepsia.

Ao 4~: O tratamento é indispensável; a supressão da causa não é segura.

Dr. O.R.M. - RelatorDr. A.C.N. - Diretor

LA UDO 2

10. O exame clínico e o exame eletrencefalográfico confirmam o diagnós-tico de epilepsia. Trata-se de pessoa portadora de crises convulsivas em virtudede lesão cerebral, apurada no exame especializado. Também os testes psicológi-cos mostram impulsividade, agressividade e pobreza dos meios contensores.

11. Em face do exposto, concluímos que o paciente é realmente portadorde epilepsia tipo Orande Mal conseqüente ao processo lesional focal. O seu deli-to pela sua própria morfologia deve ser considerado de caráter sintomático. Emoutros termos o delito é uma franca expressão da perturbação psíquica de queo paciente é portador. Deve ser tido por semi-imputável penalmente, carente detratamento especializado, devendo ser internado para esse fim.

12. Em conclusão - trata-se de epilético, com prática delituosa sintomá-tica, carente de tratamento especializado.

Indiciado: O.O.S.

Natureza: Sanidade Mental

1. O.O.S., preto, brasileiro, solteiro, cantor, com 33 anos de idade, submete-se a exames no Instituto de Biotipologia Criminal, conforme determinação doDr. Juiz de Direito da 13~ Vara Criminal.

Discussão e conclusão

Quesitos e respostas

Histórico e antecedentes

2. Consta da denúncia contra ele oferecida pelo Ministério Público que,O.O.S., por motivos injustificáveis, agrediu seu genitor. Foi, por isso, conside-rado sob as sanções do artigo 129 do Código Penal.

3. Na fase de inquérito apurou-se que o indiciado foi tratado por psiquia-tra, o que deu origem a dúvidas quanto a sua integridade psíquica. Dai a deter-minação do presente exame.

4. Das cópias do Processo que nos foram fornecidas constam os seguintesdados de interesse:

a) foi submetido a leucotomia;

b) internado no Sanatório X;c) referência a comportamento agressivo anterior.

5. A genitora do interessado forneceu um relato de sua vida passada e jun-tou os seguintes documentos em fotocópia:

a) EEO - resultado normal - Dr.A.F.J.;

13. Quesitos da Promotoria e Defesa:

1~) O indiciado, por doença mental ou desenvolvimento mental incomple-to ou retardado, era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o ca-ráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento?

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58 PSICOLOGIA DO CRIME

b) atestado - Dra. N.H. - "não foi prescrito leucotomia transorbitária";

c) EEG - Dr. P.V.A. - EEG anormal- "presença de foco de modera-do grau de desorganização difusa da atividade elétrica cerebral".

6. Natural de São Paulo. Diz ser filho único. Cursou até o 3~ ano primá-rio deixando a escola quando contava aproximadamente 14 anos. Passou a tra-balhar numa oficina mecânica especializando-se em serviços de funilaria e mo-tores a explosão. Posteriormente trabalhou em oficinas de rádio e televisão. Dizque o ambiente em sua casa sempre foi harmônico. Seu pai era mecânico de au-tomóveis e o informante era seu assistente. Trabalhou quando contava 15 anosaproximadamente numa firma editora como encarregado de serviços postais,durante oito anos aproximadamente. Diz que optou pelo emprego nesta firmamotivado pelo salário que era compensador quando comparado com o seu salá-rio de mecânico. Neste período refere que apresentava dores gástricas freqüen-tes e periódicas, mas os facultativos não descobriram sua doença. Até que des-cobriram, após uma radiografia, úlcera duodenal. Submeteu-se a intervençãocirúrgica, através do I.N.P .S. e afastou-se do serviço definitivamente, alegandoque ganhou a "caixa" devido a operação do estômago. Passou então a traba-lhar em rádio e televisão como distração, "sem cobiça". Diz que antes da inter-venção cirúrgica no estômago, esteve internado em Sanatório Psiquiátrico devi-do às suas múltiplas queixas gástricas. Diz que foi internado devido à sua maniade doença. Refere que em sua primeira internação submeteu-se a eletrochoquee posteriormente a insulinoterapia. Após gastroctomia vivia amasiado com umacompanheira que conhecia há nove anos aproximadamente. Diz que não gosta-va da companheira porque a mesma era infiel e fazia "macumba contra si".Apesar da infidelidade da companheira, alega que não a maltratava, somentediscutia com a mesma, pedindo-lhe que não procedesse desta maneira e que nãoandasse com más companhias. Diz que sua amásia procurou o Prof. P.L., ale-gando ao mesmo que não "vivia bem" com o informante. Refere que após essefato convidou o informante a fazer uma consulta no Hospital X, em que o in-formante atendeu e lá chegando foi internado, quando foi anestesiado e subme-tido a intervenção cirúrgica na cabeça (Leucotomia transorbitária). Após a altahospitalar, refere que passou a ter queixas múltiplas e queria saber o responsá-vel pela autorização de sua intervenção cirúrgica. Refere que a amásia fugiu,seu pai e mãe não tinham autorizado a intervenção. Deste modo abriu processocontra o Hospital, para que se apurassem as responsabilidades e que indenizas-sem o informante dos danos físicos e financeiros que acarretara a intervenção.Refere que nestes últimos anos não tinha mais sucesso como cantor, razão pelaqual freqüentemente brigava com os pais, sempre em virtude da intervenção.Em uma das discussões agrediu o pai e mãe, razão pela qual encontra-se nesteEstabelecimento.

Antecedentes Pessoais: ignora condições de gestação, parto e nascimento.Desconhece as condições do desenvolvimento neuro-psicomotor. Nega antece-dentes de comicialidade. Viroses da infância, aparentemente sem repercussãonervosa. Refere que sempre foi calado, não tinha amizades, porém, gostava demúsicas e principalmente de cantar. Fez uso de Pervitin esporádico. Tabagistamoderado. Etilista ocasional. Primeira experiência sexual aos 16 anos de idade.Nega outros antecedentes.

DELlNQÜ~NCIA SINTOMÁTICA59

Antecedentes Familiares: Pais vivos e sadios. Desconhece doenças men-tais na família, comiciais e etilistas. Nega outros antecedentes.

III

Descrição

7. Pessoa melanoderma, de boa compleição física, sem particularidadesa anotar. Clinicamente não externa indícios de processo organo-patológico emevolução.

8. Exame Psíquico: Apresenta-se à entrevista quando solicitado, de indu-mentária carcerária e "barba crescida" . Mostra-se desconfiado e extremamentecauteloso. "Desde que fui operado sem minha vontade, passei a ter alteraçõespsíquicas", "cefaléia", pneumoencefalos anormais, desorganização difusa daatividade elétrica cerebral, perda das forças nas pernas e impotência sexual. "Apósa.cirurgia, era barítono, não podia mais cantar na televisão..." "São esses osmotivos que evoco contra o Hospital X, para que se apurem as responsabilida-des e que me indenizem" (sic). Atento, estabelece bom diálogo, memória ínte-gra. Globalmente orientado. Não se constata ao exame direto distúrbios da es-fera sensoperceptiva. "Eu antes da cirurgia era o melhor cantor do Brasil, co-mo barítono não encontrava páreo, nem o Gregório Barrios." "Não era conhe-cido pelo povo, porque as gravadoras não soltavam meus discos para não ultra-passar o Gregório Barrios." "Após a cirurgia, vi-me prejudicado na minha vi-da artística, a voz alterou-se, a memória enfraqueceu, de tal maneira que o meurepertório diminuiu" (sic). Mostra-se discretamente deprimido. Pensamento semalterações no seu aspecto formal. Persiste delírio crônico de fundo persecutórioe de grandeza. Conclusão diagnóstica: Esquizofrenia paranóide.

9. Submetido a exame por psicotestes. O relatório é o seguinte:

Inteligência: Trata-se de pessoa com rendimento mental dentro dos limi-tes da normalidade. Tendo no INV um escore bruto de 34 pontos, atinge o per-

. centil 40 na escala elaborada sobre a população geral, colocando-se no grupomédio da população penitenciária.

Personalidade: No plano da personalidade revela um controle insuficien-te, o que leva a uma externalização explosiva dos afetos. Normalmente a ex-pressão afetivo-emocional é pobre, devido à forte atitude de defesa que consisteem evitar as situações que poderiam envolvê-lo afetiva e emocionalmente. Pro-cura ao máximo, aproveitar os elementos racionais para o autodomínio, massó consegue um equilíbrio precário. É instável externamente e irriquieto inte-riormente, apresentando forte ansiedade. No plano emocional revela um desa-justamento que se exterioriza mais sob a forma de apatia e pobreza emocional.Consegue levar a vida, devido a certa rigidez, mas se sente inseguro, débil e éinfluenciável, suscetível à ofensa e crítica. Revela traços como: cautela, suspeitae desconfiança. É fortemente coartativo e introvertido, com rebaixamento dotônus vital. A agressividade está atualmente sob controle, embora os desenhosrevelem sentimento de culpa pelo uso indevido da mão. É deprimido, revelandoconflitos sexuais não resolvidos. Há constante temor de castração (Prof. T. V.K., psicologista).

10. Submeteu-se também a exame eletrencefalográfico. O traçado se acom-panha do seguinte relatório: traçado em condições técnicas satisfatórias. Exame

\

I

I1

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60 PSICOLOGIA DO CRIME DELlNQÜ~NCIA SINTOMÁTICA61

Quesitos e repostas

plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-sede acordo com esse entendimento?

17. Respostas aos quesitos do Ministério Público:

Ao 1~: Inimputável por perturbação mental.

Ao 2~: Inimputável por perturbação mental.

Ao 3~: Inimputável por perturbação mental.

18. Quesitos da Defesa:

1~) O examinando, por motivo de doença mental ou desenvolvimento men-tal incompleto ou retardado, era ao tempo da ação descrita na inicial dos autos,da 13~Vara Criminal, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso dofato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento?

2~) Em caso de resposta afirmativa, qual a espécie nosológica?

3~) Em caso de resposta negativa ao quesito 1, o examinando possuía, aotempo da ação referida, plena capacidade de entender o caráter criminoso dofato, ou determinar-se de acordo com esse entendimento?

4~) Em caso de resposta negativa ao quesito n. 3, advém essa incapacida-de perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado?

5~) Em caso de resposta afirmativa ao quesito 4, qual a espécie nosoló-gica?

6~) Quais os elementos de exames fornecidos aos Drs. Peritos?

7~) Quais os sintomas apresentados pelo examinando durante a observa-ção alínea?

8~) Podem os Drs. Peritos acrescentar outros esclarecimentos úteis à boacompreensão da espécie?

9~) Segundo as Os., o examinando foi submetido em 1964 a uma leucoto-mia frontal transorbitária bilateral. Pergunta-se aos Drs. Peritos: poderia essaintervenção alterar o procedimento do examinando devido a trauma sofrido?

19. Respostas aos quesitos da Defesa:

Ao 1~: Inimputável por doença mental.Ao 2~: Esquizofrenia paranóide.

Ao 3~: Prejudicado.

Ao 4~: Prejudicado.

Ao 5~: Vide resposta ao quesito 2~.

Ao 6~: Vide laudo supra.

Ao 7~: Vide descrição e exames complementares.

Ao 8~: Vide laudo supra.Ao 9~: Vide itens 12 e 13 do laudo.

realizado em vigília.Atividade elétrica cerebral mostrando ritmo de base alfadominante irregular, freqüência 9-12cps., amplitude média de 15microvolts,simétricobilateralmente.A hiperpnéiaprovocouondas lentasde elevadopoten-cial, irregulares, ritmadas, difusas de curta duração. Conclusão:ritmo de basealfa dominante, irregular e simétrico. A hiperpnéia revelou leve instabilidadedos centros cerebrais profundos (diencefálicos).EEG anormal.

Discussão e conclusão

11. Os exames apuram quadro delirante do ciclo esquizofrênico, configu-rando esquizofrenia paranóide. Trata-se de processo crônico, de evolução lentae que facilita ou provocou atuações socialmente inaceitáveis.

A atuação agressiva obedece a essa gênese e não pode ser considerada co-mo ação responsável. Em outros termos o agente é inimputáel por perturbaçãomental.

12. A leucotomia transorbitária foi usada para reduzir o potencial agressi-vo e melhorar a socialização de pessoa perturbada. O I Congresso Latino-Americano de Saúde Mental, reunido em São Paulo, mostrou a precariedadedos resultados que podem ser assim obtidos. E o paciente em questão entra naregra geral, pois continuou agressivo mesmo após a leucotomia.

13. A alteração do EEG pode ser conseqüente à intervenção cirúrgica ounão. Esse vínculo só pode ser estabelecido por eletrencefalografista e as especia-listas que examinaram o paciente podem esclarecer convenientemente este as-pecto, que deixamos de analisar.

14. As disposições pleitistas, reivindicatórias e persecutórias do pacientesão crônicas, de difícil remoção e fazem parte do quadro de esquizofrenia para-nóide, de que é portador.

15. Em conclusão: esquizofrênico paranóide, leucotomizado, que conser-va apreciável potencial agressivo, inimputável penalmente e carente de interna-ção.

16. Quesitos do Ministério Público:

1~) Se o paciente é portador de doença mental, e, em caso positivo, quala sua classificação nosológica?

2~) Se o paciente, ao tempo da ação, por doença mental ou desenvolvi-mento mental incompleto ou retardado, era inteiramente incapaz de entendero caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendi-mento?

3~) Se o paciente, ao tempo da ação, em virtude de perturbação da saúdemental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía

Dr. O.R.M. - Primeiro RelatorDr. C.T.L.A. - Segundo Relator

Dr. A.C.N. - Diretor

Page 34: Psicologia Do Crime

62PSICOLOGIA DO CRIME

Notas e referências

1. Porot, A., Kammerer, Th., "Personalité", in Manuel Alphabétique de Psychia-trie, Paris, PUF, 1965, pp. 423-424.

2. Krynski, S., Deficiência Mental, São Paulo. Ed. Liv. Ateneu, 1969; aliás há ex-tensa literatura sobre essa matéria.

3. Langelüddeke, A., Psiquiatrfa Forense (trad. esp.), Espasa, 1972, pp. 416-421.4. Ruiz Maya, M., Psiquiatrfa Penal y Civil, 1931, pp. 350-368.

5. Figueras, A.; Zimman, L., Tratado Elemental de Psiquiatria, capo lU, BuenosAires, Ed. López, 1952.

6. Oregory, 1., Fundamentais of Psychiatry, 2~ ed., Philadelphia, Saunders, 1968,caps. 4 a 18, pp. 66-191.

7. Huber, O., Esquizofrenfa y Ciclotimfa, Madri, Ed. Morata, 1972.

Capítulo 6

DELINQÜÊNCIA NEURÓTICA

A psicanálise, interessada,em resolver problemas da clínicapsiquiátrica,não pode se furtar ao estudo do fenômenodelinqüen-cial.Assim,surgiramosprimeirostrabalhosprocurandointerpretaro comportamentocriminosoe atribuindo-oa quadro neurótico.I-2Entretanto, com certa freqüência, os delinqüentesnão apresenta-vam sentimentos de culpa ou indícios de sofrimento neurótico.Apreciávelcontingentede reclusosera portador de comportamentoanti-social juridicamente previsto e punível, desacompanhado desintomas ou sinais de psicose ou neurose. Eram, por isso, consi-derados portadores de "personalidade psicopática" , entidade clí-nica de base heredo-constitucional.3 Embora a psicanálise nãodesprezassea hereditariedade,4estavapreocupadaespecificamentecom a motivação psicológicadas ações humanas. Talvezseja porisso que alguns autores procuraram interpretar o comportamen-to cronicamenteanti-socialcomo tendo base psicogenéticae cria-ram o conceito de "neurose de caráter". 5

Essa diversificaçãode conceitoscriou mais confusão do queesclarecimento.Tanto assim, que alguns se referem à delinqüên-cia como fenômeno ou sintoma de neurose ("delinqüência neu-rótica"),6-7outros a atribuem a desviosdo caráter ("neurose decaráter")8 e terceiros negam a participação da neurose na gênesedo comportamento crimina1.9-1O

Por todos essesmotivos, torna-se imperiosauma tomada deposição: afinal o que se deveentender por "deiinqüência neuróti-ca"?

Entendemos que "neurose de caráter" e "personalidade de-linqüente" ("essencial ou primária") são expressõesque se refe-

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64 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜ~NCIA NEURÓTICA 65

rem à mesma coisa:ll integração defeituosa de valores, resultan-do em comportamentocronicamenteanti-social(trata-semaispre-cisamentede personalidadesdissociais).Aproxima-semaisdos psi-copatas verdadeiros do que dos socialmente ajustados.

Os neuróticos, porém, são aquelesportadores de fortes pro-cessosinibitórios, sujeitos, portanto, mais a conflitosinternos doque a exteriores.Dessaforma, a posiçãoclássicaparecemaisacei-tável: delinqüêncianeutórica nada mais é do que a prática crimi-nosa, cujo agenteé portador de uma neurose.Assim,a delinqüên-cia neurótica se converte em sintoma do próprio distúrbio, peloquepode- e deve- ser enquadrada no grupo da delinqüênciasintomática.

"As neurosescaracterizam-sepositivamentepor uma síndro-me clínica definida e negativamentepela ausência de claras alte-rações orgânicas,demênciaou alteraçõesprimitivasdo caráter outranstornos substanciaise permanentesda experiênciaexternaafe-tiva."12

"São afecçõesmuito difundidas, que, apesar de intimamen-te ligadas à vida psíquica do paciente, não lhe alteram a persona-lidade como as psicosese conseqüentementese acompanham daconsciênciapenosa e freqüentemente excessivado estado mórbi-do. Revelam-seclinicamentepor váriossintomas precisos,que-por se associaremde diferentesformas - apresentaminfinitasva-riações. Têm alguns elementos comuns:

a) uma perturbação afetiva, mais ou menos consciente, quese expressapor uma hiperemotividadeparasita (angústiae emoções derivadas);

b) um comportamento de inadaptação à realidade e ao meiosocial,por impossibilidadede desviaro interessede si mes-mo e usar a atividade para objetivos da vida prática;

c) uma sensaçãode insuficiênciaafetiva e sexual(emsentidoamplo),por incapacidadede sobrepujaros conflitosda vidamoral íntima;

d) uma insatisfação vital, que se traduz por:1. desordens neurovegetativas, na neurose de angústia;2. fuga dos objetos simbolicamenterelacionadosaos con-

flitos, nas neurosesjóbicas;3. atos mágicosde solução do conflito, nas neurosesob-

sessivas;

4. conversão da tensão emocional em expressõescorpó-reas, nas neuroses histéricas".13-14

Essas perturbações atingem nível suficientepara serem per-cebidas subjetivamente,mas não para provocar importantes alte-rações do comportamento exterior. O conflito, permanecendonomundo interno, não chegaa ser apreciávelfator delitógeno.15De-vido à atuação dos processosinibitórios, há mesmoquem cheguea estabelecer relação inversa entre neurose e delinqüência.16

Dispostas as coisas desta forma, poderia parecer certa a po-sição dos que excluema neurose de entre os fatores motivadoresdo crime. Em outros termos, seriade se concluirpela inexistênciada delinqüêncianeurótica. Tal, porém, não é o caso. São várias,as instânciasem que a deliqüênciase relaciona à neurose e emter-mos causais,embora apreciávelnúmero de neurosenão leveà prá-tica delituosa. Esquematicamente podemos concluir:

a) neuroseconflitiva, com permanênciaem nívelintrapsíqui-co, não levando a ato anti-social; e

b) neurose conflitiva, com tendência à passagemao ato (dotipo acting-out).Nestahipótese, teremos,novamente,duaspossibilidades:

b1. acting-out do "tipo de conduta psicopática". Trata-se,aqui, de "neurose pré-edipiana", que dá origemao "de-linqüente essencial".17-18-19É preferível incluir esta en-tidade entre os distúrbios do caráter;

b2. acting-out- especificamenteligadoa determinadocom-plexoou conflito - "neurose edipiana" - predominan-temente inconsciente, em que a conduta criminal podeser interpretada como ação simbólica.20

Assimdelimitada, a delinqüêncianeurótica se coloca em po-siçãoclara e sua participaçãona criminogênesesetorna compreen-sível. De fato, como já se anotou, é uma delinqüência sintomá-tica.

Os sintomasdas neurosessão tentativas de soluçãopara con-flitos internos.21Apreciável número de neuróticos é representa-do por pessoasválidase socialmenteúteis.Essessintomas'- quan-do considerados isoladamente (cada um per se) - fazem partedo processoadaptativo normal.22-23-24Tanto é assimque a ansie-dade, a angústia, a insônia, a queda de produtividade, a insatis-

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66 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQO~NCIA NEURÓTICA 67

seqüentemente - geramumconflitosecundário,alimentama in-capacidade de resolver a situação atual e a regressão, criando-seum círculo vicioso.

Podemos simplificar o esquema da seguinte forma:

fação sexual, a desadaptação, a reação psicossomática,a depres-são, etc. - se apreciadascomofenômenoisolado(fato)e não comoestado - integram a experiênciahumana universal.Quando, po-rém, se associam e formam um quadro clínico persistente, já es-tamos diante de situação em que o sofrimento desborda os limi-tes do equilíbrioemocional.Em outros termos, quando condicio-nam estado emocionalduradouro ou permanente, então falamosem quadro neutótico, neurose ou estado neurótico.

É verdade que a ne.urosepode ser considerada como simplesfalha no controle de dada situação, em que a pessoa deixa de sercapaz de obter gratificaçãosocialmenteaceitável,para as suas ne-cessidades subjetivas.2s

Essa falha pode desencadearum processo, cujas conseqüên-cias e manifestações são polimorfas. A evolução desseprocessopode ser compreendida a partir do modelo proposto por Alexan-der.26

8-0S

8-&--8FPR= fatores precipitantes e regressivos.SC = sentimento de culpa.MAP = medidas autopunitivas.

As medidas autopunitivas, porém, são variadas, podendoocorrer: a) estruturaçãoou cronificaçãoda neurose;b) doençapsi-cossomática; c) toxicofilia neurótica; e d) delinqüência neuróti-ca.

a) Cronificaçãoda neurose: O círculo vicioso, atrás descri-to, vai alimentandocronicamenteos fenômenosneuróticos.A per-sonalidade vai progressivamenteempobrecendo e o quadro clíni-co - visivelmentemórbido - se estrutura. Trata-se de medidac1aramenie autopunitiva, de causalidade inconsciente.27-28

1. FP = Fator precipitante.2. FS = Falha na solução dos problemas atuais.3. R = Regressão.4. CP = Revivênciado conflito primário pela regressão.5. MAP = Medidas autopunitivas.6. CS = Conflito secundário, com empobrecimento do Eu (ego).

O fator precipitante é representado por uma situação atual,geradorade conflito,do que resultasentimentode culpa. Essecon-flito torna a pessoaincapazde manipular adequadamentesuas di-ficuldades e lhe comunica uma sensação de impotência para en-frentar as questões presentes, produzindo uma falha na soluçãodoproblema atual. O fenômeno se torna agudo e sua intensidadesó pode ser compreendidacom base nas suas experiênciasantigas(com seusgenitores).Na realidade ocorre uma revivênciado con-flito edipiano, pois há uma regressãoàs fasesprecocesdo proces-so psicoevolutivo.Dessamaneira, o conflitoprimário ressurgeemforma de fantasias, de sorte que as sensaçõesculposas se avolu-mamoDaí surgiremmedidas autopunitivas variadas, que - con-

SC = sentimentode culpa.NC = neurose crônica.DPS = doença psicossomática.TN = toxicofilia neurótica.DN = delinqüêncianeurótica.

b) Doençapsicossomática:Asdoenças"psicossomáticas"têmsempreuma raizem conflitosdo tipo neurótico.Respondema umacausalidadeinconscientede sentimentoculposo.A escolhado "ór-gão choque" ou nívelde respostafísicaa reaçõespsicológicaspodevariar, mas há certa unificação na causalidade emocional dessesdistúrbios. São bem conhecidasas alteraçõesmórbidasde origem

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68 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQoeNCIA NEURÓTICA69

psicogenéticanos aparelhos digestivo,respiratório, circulatório eurogenital. 29-30

c) Toxicofilia neurótica:As disposições toxicófilas são, ge-ralmente, de base psicopática (próprias de personalidade psico-pática), mas podemtambém ocorrerem nívelneurótico,como me-dida autopunitiva. É o que se observacom a alcoolizaçãode baseneurótica, em que ocorre um "suicídio simbólico crônico" .31É,evidentemente,medida autopunitiva. Outras substâncias tóxicaslhe podem ser equiparadas.32

d) Delinqüêncianeurótica:É a prática de ato anti-socialpre-visto em Lei, com a finalidade inconscientede punição. O agentepratica o crime e tem consciência (parcial ou total) de que serápunido por isso. Essa punição, entretanto, servepara aplacar sen-timento de culpa de outra origem (o conflito primário já referi-do).33-34

Estes esquemasse mostram válidos para a "neurose edipia-na", em que se verificam duas situações:a) conflito interno, sempassagemao ato e, por isso, seminteressecriminológico,e b) atua-ção especificamenteligada a complexoou conflito inconsciente,com caráter simbólico. Fica excluída a "neurose pré-edipiana",que condiciona"caráter delinqüente", personalidade"delinqüenteessencial" ou "delinqüente primário" ("neurose de caráter"). Osprocessos psicodinâmicosdeste último caso são diferentes e de-vem ser considerados ao lado das característicasdas "Personali-dades Psicopáticas", de quem estes (delinqüentes)mais se apro-ximam.

Conforme acabamos de lembrar, o portador de "neurose decaráter" (para quem preferimos a denominação de "delinqüenteessencial"ou "personalidadedelinqüente")se aproximadas "Per-sonalidades Psicopáticas". Embora alguns confundam essas en-tidades - preferindo os organicistas a expressão "Personalida-des Psicopáticas" e os psicogeneticistasa expressão "Delinqüen-te Essencial" - na verdade são diferentese devemser analisadasno estudo do "delito caracterológico". De outra parte, o "delin-qüenteessencial"("neurose de caráter") tem sidoconfundidocomo portador de neurose simples. Em outros termos, as neurosespré-edipiana e edipiana têm sido confundidas. Isso se devea umasérie de semelhanças. Podemos resumi-Ias assim:

PARTICULARIDADESCOMUNSAO NEURÓTICO EAO DELINQÜENTE.

a) ambos apresentam conflitos, mais freqüentemente inconscientes;

b) ambos assumem atitudes emocionais irracionais;

c) as ações de ambos têm significado simbólico;

d) apresentam, no desenvolvimento psicossexual, fixações precoces;..

e) são extremamente narcisicos;

f) apesar da necessidade básica de confiar, são muito desconfiados;

g) todos apresentam sentimento de culpa;

h) carecem de um ou mais eventos para desencadear a sintomatologia, massão de natureza psicológica interna.

. Com base em Abrahamsen.3s.. Na realidade a neurose simples tem origem em conflito edipiano e o caráter

delinqüente (delinqüência essencial ou neurose de caráter) é anterior, ou seja,resulta de conflito da fase pré-edipiana.

Essas semelhançasdevemser responsáveis- pelo menos emboa parte - pela confusão que às vezes se apresentou aos estu-diosos. Há, pois, conveniênciaem seestabeleceras diferenças,cer-tamente esclarecedoras.Tendo emvista que a "neurose" , em sen-tido clínico, corresponde ao conflito edipiano e que a "neurosepré-edipiana" causa a "personalidade delinqüente", remetemoso seu estudo para o capítulo 9 (cf., especialmente,p. 130).

A freqüência com que a delinqüência neurótica aparece nasestatísticasvaria muito de autor a autor. É possívelque a diversi-ficação de conceitos aqui analisada interfira nessesdados. Veja-mos alguns exemplos:

a) Glueck, S. & Gluek, E.36neurose: delinqüentes 24,6010

não delinqüentes 35,8010

b) Strõp37 20,0010c) Guze et al.38 12,0010d) Guze39 19,7010e) Oltman & Friedman40 3,0010

,,~_.. - - ---

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70PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜ~NCIA NEURÓTICA 71

Em 300 perícias de nossa lavra, no Instituto de BiotipologiaCriminal, foram estes os resultados obtidos:

Diagnósticos

a) Esquizofrenias ........................................b) Distúrbios do caráter ...............................c) Personalidades psicopáticas .......................d) Debilidade mental ...................................e) Epilepsias ..............................................f) Alcoolismo ............................................g) Lesões cerebrais ......................................h) Neuroses ...............................................e) Outros ..................................................

0/0

18,016,315,613,07,66,03,32,0

18,2

5. Foi examinado pelo ProL P. L. que atestou tratar-se de "síndrome es-quizofrênica", tratada por insulina e eletroconvulsoterapia. Submetido ao psi-codiagnóstico de Rorschach (Dr~ M. Y. F. R. M.) apurou-se: "intelectualidadenos limites do normal, francamente negativo e com grande coartação e com li-geiros traços neuróticos".

6. Internado atualmente na Casa de Detenção, de lá procede para os exa-mes do presente laudo.

Estado atual

LA UDO 1EXAME DE SANIDADE MENTAL

7. Ao comparecer a exame, mostra-se calmo, consciente, orientado glo-balmente, tendo adequada noção de sua pessoa, estado e situação processual.Estabelece aceitável contacto com o meio exterior, informando com facilidadee interesse. Mantém durante toda a entrevista um aspecto tristonho, mostrando-selevemente deprimido. Conversa lógica e coerentemente, não externando pertur-bações do curso e da estrutura do pensamento, não se apuram perturbações dasenso-percepção. Faz adequada avaliação de seu feito, que reconhece inadequa-do e em relação ao que procura mostrar-se arrependido. Não se colhem outrosdados de interesse.

8. Os exames clínico e neurológico mostram-se dentro dos limites da nor-malidade. Equilíbrio íntegro. Marcha sem alteração. Motricidade e sensibilida-de conservadas sob todas as formas. Reflexos pupilares e osteotendinosos pre-sentes e normais. Ausência dos sinais de Romberg, Argyll-Robertson e Babinsky.

9. O exame psicológico efetuado pelo Dr. O. permite o seguinte relatório:"Examinando - Trata-se de um rapaz de 21 anos, nascido em XX, solteiro,estudante do curso ginasial. Está preso na Casa de Detenção de XX por haverfurtado um automóvel em companhia de amigos e, com o mesmo, haver come-tido um acidente de trânsito. Exame Direto - Apresenta-se bem posto e cuida-do. Indivíduo lúcido e cooperativo, realizou de bom grado todas as tarefas quelhe foram solicitadas; não externou idéias ilógicas ou absurdas. Está ansiadoe bastante intimidado com a situação em que se encontra. Exames com ProvasPsicol6gicas - Foi submetido às seguintes provas: 1) Prova das Matrizes Pro-gressivas de Raven; 2) Psicodiagnóstico de Rorschach; 3) Estudo de valores deAllport e Vernon. Resultados: No Raven o paciente resolveu 43 das 60 matrizesque constituem a prova, o que o coloca no 50~ percentil. Este resultado é con-fIrmado pela prova de Rorschach. Indivíduo basicamente introversivo, apresenta,no momento, completa repressão das respostas cinestésicas, com inibição dascapacidades criadoras e sintetizadoras do espírito, as quais funcionam em planoinfantil. Vida emocional desorganizada, com boa dose de ansiedade, inclusiveem planos mais profundos da personalidade. Afetividade do tipo egocêntrico.índice de estereotipia um tanto elevado para a sua idade. Apresenta bom con-tacto com a realidade. Do ponto de vista de seus valores conscientes (sistemade Spranger) são predominantes os valores "político", "teórico" e "econômi-co", sendo quase nulo o valor "religioso". Conclusões: O examinando é pessoade nível intelectual mediano. As provas indicam a inexistência de psicose ou delesão cortical. Mostram indivíduo com dificuldades no ajustamento emocional,

Essa freqüência de 20/0é baixa, mas o critério restritivo foio adotado. Sob o título de "distúrbios do caráter" incluímos aspersonalidadesdelinqüentes,por considerarentidadeautônoma.41

1. Por determinaçãodo MM. Juiz de Direitoda 1~VaraCriminal, o indi-ciado M. V. a., branco, brasileiro, solteiro, com 21 anos de idade, estudante,comparece a exame psiquiátrico no Instituto de BiotipologiaCriminal.

Histórico e antecedentes

2. Consta da denúncia contra ele oferecida perante o Ministério Público,que, em companhia de terceiros, apoderou-se de um automóvel e ao dirigi-Iocom imprudência deu causa a uma colisão de veículos.

Foi assim considerado incurso nas sanções do artigo 155 do Código Pe-nal.

3. Tendo estado anteriormente em tratamento especializado (métodos deSakel e Cerletti-Bini), sob a orientação clínica do ProL P.W.L. foi posta emdúvida a sua completa recuperação, pelo que se determinou o presente exame.

4. Nascido e criado em XXX, é o primeiro e varão único de uma série detrês filhos havidos por seus pais, que são vivos e sadios. Nega doenças infantisde interesse neuropsiquiátrico. Desde os 7 anos de idade freqüenta escolas, cur-sando presentemente o curso ginasial. Nunca exerceu funções profissionais re-muneradas fora de sua casa, dedicando-se fundamente a seus estudos. Nega ca-sos de neuropsicopatias e delinqüência entre ascendentes e colaterais.

u. C. G.___0"'

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72 PSICOLOGIA DO CRIME

falando a favor de um diagnóstico de traços neuróticos da personalidade, e, nomomento, de traços depressivos, provavelmente de natureza reativa (C.C.S.)."

Discussão e conclusão

10. Frente aos exames realizados, o periciando não apresenta nível psicó-tico, nem é portador de psicopatia ou frenastenia. Trata-se de pessoa com tra-ços neuróticos na personalidade.

11. Embora apresente esses traços, não são eles de molde a comprometeras capacidades de entendimento e determinação do indiciado, que, a nosso ver,deve ser tido por plenamente imputável.

12. Se exames anteriores falaram a favor de esquizofrenia, devemos agora(diante da evolução e exames atuais) aceitar que se tratasse de episódio do círcu-lo esquizofrênico e não de esquizofrenia processual. Aliás, a alta concedida jáo foi diante de uma' 'remissão clínica aparente". Dessa forma, os exames e tra-tamentos anteriores não invalidam as conclusões aqui apresentadas.

13. Em conclusão, podemos estabelecer que se trata de pessoa portadorade traços neur6ticos em sua personalidade, mas plenamente imputável.

LA UDO 2EXAME DE SANIDADE MENTAL

1. Por determinação do MM. Juiz de Direito da 5~ Vara Criminal, oindiciado M.M.M., brasileiro, leucodermo,com 41 anos de idade, comercian-te, comparece ao Instituto de BiotipologiaCriminal para exame de sanidademental.

Histórico e antecedentes

2. Consta da denúncia contra ele oferecida perante o Ministério Públicoque M.M.M. fez várias operações comerciais e de crédito, as quais vieram con-figurar infração do artigo 186 da Lei das Falências. Nessas condições o Juízoda 3~ Vara Cível remeteu Processo à Vara Criminal acima referida.

3. Considerando ter estado internado por algum tempo para tratamentoespecializado, requereu o interessado fosse submetido ao presente exame. Essepedido mereceu acolhida por parte da autoridade judiciária, que determinou aelaboração desta perícia.

4. Natural de XX, é o caçula dentre os três fihos havidos por seus pais,já falecidos. Nega doenças infanto-juvenis de grave repercussão no desenvolvi-mento somato-psíquico. Freqüentou irregularmente escolas várias, dos sete aosdezenove anos de idade, tendo atingido o primeiro grau do curso secundário.Esteve cursando o preparatório para curso teológico católico. Aos 13 anos co-

11 \

DELINQÜ~NCIA NEURÓTICA 73

meçou a trabalhar, mudando com freqüência de natureza e sede de trabalho.Casou-se, enviuvou e contraiu novas núpcias, três anos depois. Nega passadopessoal e familiar de natureza delinqüencial. Nega doenças pessoais de vida adultaque possam apresentar interesse neuro-psiquiátrico.

Descrição

5. Paciente leucodermo, de compleição franzina, pertencente ao tipo cons-titucionalleptossômico, sem particularidades dignas de nota. Não externa sin-tomas ou sinais próprios de processo organo-patológico em atividade.

6. Equilíbrio e marcha sem alterações patológicas. Motricidade e sensibili-dade conservadas sob todas as formas. Reflexos pupilares e ósteo-tendinosospresentes e normais. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll-Robertson.

7. Ao comparecer a exame, mostra-se emocionado, em franca labilidadede humor. Está consciente, orientado globalmente e tem conservadas as noçõesde pessoa, estado e situação processual. Mostra-se interessado no exame e pres-ta informes prontos e de bom grado. O curso e estrutura do pensamento estãoíntegros. Não se apura perturbação da esfera senso-perceptiva. Inteligência dentrodos limites da normalidade, na faixa média. Descreve com precisão crises de an-gústia e de ansiedade. Tem crises de choro e de insônia. Diz ter sido tratadode síndrome depressiva psicogênica reativa (sic). Capacidade crítica e senso éti-co de acordo com o colorido geral da personalidade, que é carente de valoresafetivo-volitivos. Não se colhem outros dados de interesse.

8. As provas de Raven e Hertzer foram feitas. Apura-se nível mental nafaixa média. Projeta-se com normalidade no desenho livre.

Discussão e conclusão

9. O exame atual não apura debilidade mental, nem sintomas de nível psi-cótico ou de seqüela de surto pregresso. Os sintomas são de nível neurótico, comtraços depressivos prevalentes. No presente não há comprometimento das capa-cidades de entendimento e de autodeterminação.

10. A neurose depressiva leva, geralmente, a uma hipobulia transitória,que remite posteriormente. É de se acreditar que nessas condições prejudiquea volição no sentido de diminuir a iniciativa geral e conseqüentemente crimi-nal. Em havendo prática delituosa é possível que as capacidades de entendi-mento e de autodeterminação estivessem conservadas. Contudo, tratando-sede agente assistido medicamente ao tempo dos eventos objeto de denúncia,e logo após estes, poderiam os médicos que o assistiram opinar com maiorconhecimento de causa. O exame direto atual sugere agente plenamente impu-tável, a nosso ver. Não podemos assegurar quais as condições ao tempo queinteressa à Justiça.

11. Em conclusão: Trata-se de agente portador de neurose depressiva, ple-namente imputável, no presente.

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74PSICOLOGIA DO CRIME

LA UDO 3

EXAME DE SANIDADE MENTAL

1. Por determinação do MM. Juiz de Direito da Vara Auxiliar do Júri,devido a falta de vagas no Manicômio Judiciário do Estado, comparece ao Ins-tituto de Biotipologia Criminal o cidadão W.M.S. ou W.J.S., natural de XXX,branco, solteiro, radiotécnico e com 21 anos de idade, para se submeter a examede sanidade mental.

Histórico

2. A denúncia contra ele oferecida pelo Ministério Público, baseada nocompetente inquérito, estabelece que o mesmo, "objetivando vingar-se da ex-noiva I.D.A., que o repudiara, colocou, com o fim de eliminá-Ia, na residênciada tia desta, à rua XXX, no quadro do relógio da luz, a bomba descrita e foto-grafada a fls. e segs., embrulhada de modo a aparentar um pacote de presente,que veio a detonar na manhã do dia 4 quando I. principiava a abri-Io, causan-do, nesta e na menor G.Z., as lesões descritas nos laudos de fls. ...". Assimestá considerado como incurso nas sanções do artigo 121 § 2~ ns. I, 11e IV com-binado com os artigos 12, 53 e 51 § 1~, todos do Código Penal Brasileiro.

3. Detido e recolhido à Casa de Detenção de XX, apresentou-se agitado.Examinado pelo médico da Casa, este constatou e atestou "apresentar os mes-mos sintomas de perturbação mental, com caráter de agressividade, tendo sidomedicado" .

4. Constam dos depoimentos, tomados no Processo, declarações que me-recem destaque, como as seguintes:

a) "Há mais de dois anos W. tentou contra a própria existência, tentandoingerir ácido sulfúrico" (pags. ... - 1~ testemunha);

b) "W. lhe respondeu que o embrulho poderia cair"... "você não devesaber e ninguém mais; só depois da experiência é que eu próprio vousaber o resultado" (pag. ...);

c) "em determinada ocasião quase pôs fogo na oficina, fato esse ocorridoquando W. fazia experiência com uma 'bomba'" (pags. ...);

d) "se você não vier falar comigo amanhã eu acabo com sua vida". Issodirigido a I. (pag. ...);

e) "ficou sabendo que W. teria agredido o próprio pai, sendo por isso in-ternado em um Manicômio" (pag. ...).

Além disso constam:

f) Certificado de arquivamento de processo contra o mesmo cidadão por"lesões corporais do10sas", em outubro de 1953 (pag. ...);

g) descrição pela Polícia Técnica de dois explosivos semelhantes aos usa-dos em construção, sendo um em XXX (no Correio local) e outro odo presente processo (pags. ...).

iê...;

DELINQÜ~NCIA NEURÓTICA 75

5. Em face desses elementos todos foi determinado o exame mental do in-diciado, nos termos do item primeiro do presente laudo.

Antecedentes

\

6. Nascido em XXX, é o primeiro dos quatro irmãos (três homens e umamulher). Veio para XX juntamente com sua família ao tempo em que contavadois anos de idade. Nega doenças graves na infância. Aos 7 anos iniciou seusestudos, tendo cursado seguidamente o primário, o primeiro ciclo secundárioe Química Industrial (este interrompido). Além disso diplomou-se em radio-técnico por correspondência. Aos 14 anos já trabalhava em radiotécnica, tendosido auxiliar dos serviços. Nega doenças de natureza neuropsicopática e delin-qüência entre ascedentes e colaterais.

Descrição

7. Trata-se de pessoa de cor branca, tipo constitucional tendente ao atléti-co, sem sinais particulares de interesse.

8. O exame clínico não oferece dados de interesse, exceto sinais de vitrio-lagem na face anterior do tórax, ao nível da fúrcula esternal e propagadas atéas regiões claviculares.

O exame neurológico evidencia: equilíbrio e marcha sem alterações pato-lógicas; motricidade e sensibilidade íntegras sob todas as formas; reflexos pupi-lares e osteotendinosos presentes e normais; ausência dos sinais de Romberg,Argyll-Robertson e Babinsky.

9. Apresenta-se para exame (nas várias sessões a que se submeteu) calmo,consciente e orientado. Informa com facilidade, com indiferença afetiva. Aten-ção conservada. Memória sem distúrbios evidentes. Associação ideativa lógica.Faz uma apreciação dos fatos que lhe são imputados e nega sua autoria. Afirmaque tem capacidade cultural e prática para construir aparelhos semelhantes aosdescritos nas peças do Processo e até melhores, mais aperfeiçoados. Justificaas lesões que apresenta como conseqüentes à explosão de vidro com reativos eesta teria sido por ele provocada para se defender de pessoas que pretendiamprendê-Io sem justa causa. Após reiterados inquéritos e exames não se apura-ram distúrbios senso-perceptivos. Não se evidenciam alucinações nem delírios.O examinando mostra-se, por vezes, ansioso e angustiado. Não se apuram ou-tros dados de interesse.

10. Foi submetido aos psicotestes de Raven e Rorschach no Instituto deBiotipologia Criminal. Pelo Dr. C.C.S. foram fornecidas as seguintes conclu-sões: "Ambas as provas mostram indivíduo de nível intelectual satisfatório. NoRaven, coloca-se no percentil 75, que corresponde a um quociente intelectualde cerca de 120. Tem boa capacidade de pensar em termos abstratos e genéri-cos. O Rorschach mostra a existência de fortes inibições, que não lhe permitemusar integralmente as suas capacidades intelectivas. Seu equilíbrio emocional é

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76 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜeNCIA NEURÓTICA 77

precário, com certa dose de ansiedade. Há, no Rorschach, sinais de sensualida-de. Não há, nas provas, qualquer indicação de psicose ou de lesão cortical, massim de neurose."

13. Porot, A., Manuel Aphabétique de Psychiatrie, 3~ ed., Paris, PUF, 1965, p.385.

Discussão e conclusão

14. Martin, B., Ansiedade e Distúrbios Neuróticos, 1~ ed. (trad. port.), Rio de Ja-neiro, Livros Tec. e Científicos, 1974, capo 2, pp. 6-16.

15. Leauté, J., Criminologie et Science Pénitentiaire, 1~ ed., Paris, PUF, 1972, p.500.

11. Os exames realizados permitem estabelecer que o referido cidadão éportador de quadro neurótico. Não se evidenciaram sinais de psicose, de retar-do mental ou de psicopatia. Trata-se, contudo, de exames realizados com o in-divíduo fora do serviço, onde vem apenas para se submeter a exames. Não sedispõe de informes seguros sobre sua conduta durante as vinte e quatro horasdo dia.

12. O quadro que apresentou na Casa de Detenção pode ter sido episódiocarcerário, que remitiu após medicação.

13. Até o presente não se dispõe de elementos consistentes para se estabe-lecer nexo entre os fatos delituosos que lhe são atribuídos e doença mental, vis-to não existir - no presente - quadro psicopatológico do tipo psicose.

14. Frente ao exposto é de se considerar o referido cidadão como plena-mente imputável pelos feitos que lhe estão sendo atribuídos.

15. Em conclusão: Trata-se de cidadão sem perturbação mental do tipopsicose (somente é neurótico) que tem conservada sua plena capacidade de en-tender o caráter criminoso dos feitos constantes da denúncia e de se determinarde acordo com esse entendimento.

16. Tappan, P.W., Crime, Justice & Correction, Nova York, McGraw-Hill, 1960,p. 131.

17. Aichhorn, A., Wayward Youth, Nova York, MeridianBooks, 1955, todo o texto.18. Jenkins, R.L., "The psychopathic or antisocial personality", J. Nerv. & Men-

tal Dis., 131:318-334, 1960.19. Ramos Maranhão, O., "Personalidade psicopática e personalidade delinqüente

essencial", Ciência Penal II (3):47-68, 1975.20. Di Tullio, B., Principios... cit., p. 83.21. Gregory, L, Fundamentais o/ Psychiatry, 2~ ed., Philadelphia, Saunders, 1968,

capo XV, pp. 347-393.22. Horney, K., The Neurotic Personality o/Our Time, Nova York, Ed. Norton,

1937, capo I, pp. 13-29.23. Horney, K., La Neurosis y el Desarro//o Humano, Buenos Aires, Ed. Psique,

1955.

24. Jung, C.G., The Integration o/the Personality, 6~ ed., Londres, Ed. Routledge& Kejan, 1950, p. 301.

25. Alexander, F. & French, T.M., Psychoanalytic Therapy, Nova York, Ed. Ro-nald Press, 1941, capo I, pp. 2-12.

26. Alexander, F., Fundamentais... cit., capo IX, 4~, pp. 209-212.27. Horney, K., The Neurotic... cit., capo 13, pp. 230-258.28. Alexander, K., Fundamentais... cit., pp. 208-213.29. Carballo, J.R., Patologfa Psicosomática, Madri, Ed. Paz Montalvo, 1949.30. Alexander, F. & French, T.M., Studies in Psychosomatic Medicine, Nova York,

Ed. Ronald Press, 1948.31. Slater, E. & Roth, M. (Mayer-Gross), C/inical Psychiatry, 3~ ed., Londres, Tindall

& CasseI, 1969, p. 393.32. Menninger, K.A., EI Hombre Contra Sf Mismo (trad. esp.), Buenos Aires, Ed.

'Losada, 1952, p. 159.33. Jimenez de Asúa, L., ob. cit., p. 127.34. Freud, S., ob. cit., p. 125.35. Abrahamsen, D., The Psychology o/Crime, Nova York, Science Ed., 1960,capo

VI, pp. 105-116.36. Leauté, J., Criminologie... cit., p. 500.37. Hurwitz, S., Criminologfa... cit., p. 176.38. Guze, S.B., Tuason, V.B., Gatfield, P.D., Stuart, M.A. & Picken, B., "Psychia-

tric illness and crime with particular reference to acoholism" , J. Nervous & Mental Dis. ,134:512-521, 1962.

39. Guze, S.B., "A study ofrecidivism ba~ed upon a follow-up of 217 consecutivecriminaIs", J. Nervous & Mental Dis., 138:575-580, 1964.

40. Oltman, J .E. & Friedman, S., "A psychiatric study of one hundred criminais",J. Nervous & Mental Dis., 39:16-41, 1941.

41. Ramos Maranhão, Personalidade psicopática... cito

Notas e referências

1. Freud, S., "EI delincuente por sentimiento de culpabilidad", in Obras Comple-tas (trad. esp.), Ed. Bibl. Nueva, 1948, vol. 11, seco XIII: capo 8:3, pp. 1.001-1.002.

2. Spandudis, T., Delinqüência e Psicanálise, São Paulo, Ed. IBCD, 1954, pp. 7-20.3. Slater, E., & Roth, M., Clinical Psychiatry, 3~ ed., Londres, Tindall & CasseI,

1969, pp. 60-68.

4. Freud, S., Obras..., cit., vol. I, seco 9, pp. 205-212.

5. Alexander, F., Fundamentais o/ Psychoanalisys, Londres, Ed. George Allen &Unwin, 1949, pp. 234-240.

6. Jimenez de Asúa, L., Psicoanálisis Criminal, Buenos Aires, Ed. Lesada, 1947,5~ vol., pp. 43-57.

7. Di Tullio, B., Principios de Criminologfa Clfnicay Psiquiatrfa Forense (trad. esp.),Madri, Aguilar, 1966, pp. 80-83.

8. Alexander, F., Fundamentais... cit., pp. 234-240, e também Psiquiatrfa Dinámi-ca, Buenos Aires, Ed. Paidos, 1958, capo V, pp. 130-132.

9. Schmideberg, M., The Neurotic O//ense: Does it exist?, Montreal, Prec. III WorldCongress of Psychiatry, 1961, pp. 328-330.

10. Banay, R.S., Neurotic De/inquents?, Montreal, Proc. 111World Congress ofPsychiatry, 1961, pp. 354-355.

11. Alexander, F., Fundamentais... cit., pp. 234.

12. Hurwitz, S., Criminologfa (trad. esp.), Barcelona, Ed. Ariel, 1956,p. 176.Trata-sede conceito baseado em Stürup.

Page 42: Psicologia Do Crime

DELINQÜ~NCIA PSICOP ÁTICA 79

Capítulo 7

Há pessoas que, tendo vivido em ambientes deficitários, in-corporam maus valores ou, reagindo a um abandono, tornam-seadversas à estrutura social. Estas têm capacidade de aproveitar(no sentido de incorporar) a experiênciavivida e, se saem carac-teres mal formados, tudo se deve a uma inconvenienteestruturacultural. São mal formados porque não tiveram oportunidade deser bem formados.\ .

Outros, porém, mostram-se Incapazes de aprender pela ex-periência, integrar grupos e efetivar um plano de vida. Tudo fazcrer que já nascemcom um defeito impedientedo aproveitamen-to da experiênciavivida. Não são mal formados: são mal consti-tuídos.

Com esses dados é possíveldesenvolver-seum convenientecritério para uma subclassificação.Ela pode ser assim expressa:a) delinqüênciacaracterológicapor má constituição;b) delinqüên-cia caracterológica por má formação.

No primeiro caso, trata-se de pessoa portadora de defeito docaráter e constitui a chamada personalidadepsicopática. No se-gundo há um desvio do caráter,que forma a "personalidade de-linqüente". Os primeiros são também chamados "anti-sociais"e os segundos "para-sociais" ou "dissociais". Temos propostoas denominações de: a) delinqüênciapsicopática para os delitospraticados por personalidadespsicopáticas, e b) delinqüênciaes-sencial para os crimes praticados por caracteres mal formados,pois aqui se trata de "personalidade delinqüente".

"São psicopáticasas personalidadesanormais, cuja anorma-lidade consiste especificamenteem anomalias do temperamentoe do caráter, que determinam uma conduta anormal e configu-ram uma minusvalia social"'. Esta foi a conceituação expostapor Kochem 1888,com o título de "Inferioridades psicopáticas".Porém, o conceitomais difundido, embora semprecriticado, temsido o de Schneider,2enunciado em 1923- "As personalidadespsicopáticas são personalidades anormais, cujo caráter anormallhes faz sofrer ou faz sofrer a sociedade." E acrescenta: "Os psi-copatas são personalidades anormais que em função do caráteranormal de sua personalidade, mais ou menosmarcadas segundoas situações, as coloca, em todas as circunstâncias, em conflitosexternos e internos".

A conceituação de psicopatia foi progressivamentese com-prometendo, sofrendo críticase alcançando um sentidoquasepe-

DELINQÜÊNCIA PSICOPÃTICA:O "ANTI-SOCIAL"

Num terceiro grupo, a "classificação natural" inclui a cha-mada "delinqüência primária" e com essenome faz referência aportador de um comportamento cronicamente anti-social.

Efetivamenteos multi-reincidentes,especialmenteespecíficos,apresentam distúrbios do caráter, o que constitui o marco maiscaracterístico deste grupo.

A denominação de "delinqüentes primários" adotada pelaclassificaçãoé perfeitamentejustificável.Trata-se, é claro, de "pri-mário" em sentidopsicológico,o que não se confunde como sen-tido jurídico, mas seria prudente evitá-Io.

Os distúrbios e os defeitos do caráter apresentam tendênciaà estruturação e, ;)svezes, são irreversíveis.

É preferívela denominação de delinqüênciacaracterológica,para indicar as formas criminais atribuíveis a uma participaçãodireta e decididamentepredominante do feitio da personalidadesobre os fatores precipitantes. Devemosincluir aqui tanto os de-feitos de base constitucional, quanto os desviosde formação dapersonalidade.

O que servirácomocaracterísticacomumao grupo e elementosuficientepara enquadrar aqui um caso concreto é o fato do com-portamento agressivoà sociedade ser um traço marcante da per-sonalidade do agente.

Isto não significaque somenteos reincidentesestarão enqua-drados nestegrupo, já que há possibilidadede um ajuste precáriodisfarçar o quadro clínico, como muitas vezesa agressão à socie-dade, por váriosmotivos,pode manter-seao nívelda impunidade.

Page 43: Psicologia Do Crime

80 PSICOLOGIA DO CRIME

v

jorativo, a ponto de levar Leo Kranner3a fazer um comentáriojocoso: "Um psicopata é alguém de quem você não gosta."--.,

! O Manual Estatlsticode Diagnósticode DoençasMentais da, AssociaçãoAmericanade Psiquiatriapassoua denominaressequa-

dro clínicode ReaçãoAnti-social e a descrevê-lo da seguintefor-ma: "Este termo se refere a indivíduoscronicamenteanti-sociais,e que estão em dificudades, não tirando proveito nem da expe-riênciae nem das punições sofridas e não mantendo lealdadereala qualquer pessoa, grupo ou código. São freqüentemente empe-dernidose hedonistas, mostrando acentuada imaturidadeemocio-nal, com falta de senso de responsabilidade, falta de tirocínio ehabilidade de racionalizar sua conduta de modo que ela pareçajustificável e razoável".4

( .., Desde1968a AssociaçãoPsiquiátricaBrasileiravemadotando) uma tradução adaptada do Manual Diagnóstico e Estatlstico, ondeigualmenteseencontrao conceitodepersonalidadeanti-social-

(

"301.7" - "Este termo é reservado para indivíduos basicamente insocializá-veis, e cujo padrão de comportamento os coloca repetidamente em conflito coma sociedade. São incapazes de lealdade significativa para com os indivíduos, gru-pos ou valores sociais. São manifestamente egoístas, rudes, irresponsáveis, im-pulsivos e incapazes de sentir culpa ou aprender com a experiência e o castigo.

I " "A tolerância à frustração é baixa. Tendem a culpar os ou-

)

tros ou a oferecer racionalizaçõesplausíveispelo seu comporta-mento. Uma simpleshistória de repetidas ofensas legais ou so-ciais não é suficientepara justificar este diagnóstico. As relaçõesdelinqüenciaisde grupo na infância (ou adolescência)e desajus-tamento social semdesordenspsiquiátricas manifestas devemsereliminadas antes de fazer este diagnóstico".s

Os mais recentesconceitosnos são fornecidos pela 3~ediçãorevista do Manual Diagnósticoe Estatlstico (D.S.M. lU R) e po-dem ser assim resumidos:

A) São caracterfsticasde personalidadeos padrões duradou-ros de percepção, relação e pensamento acerca de si e do ambien-te, alcançando ampla faixa de contextos pessoais e sociais.

B) Quando essascaracterísticasse mostram inflexíveise ina-daptadas, causando comprometimento funcional e/ou sofrimen-to subjetivo, passam a constituir um Distúrbio depersonalidade.

81DELlNQoeNCIA PSICOPÁTICA

São reconhecíveis precocemente (infância ou adolescência), per-sistem por quase toda a vida adulta e somente depois da idadeJIlédiacomeçam a se atenuar. /

I C) O Distúrbio anti-socialcaracteriza-sepor comportamen-/to irresponsável,iniciadoprecocemente(antesdos 15anos), acom-panhado de mentira, roubo, vadiagem, vandalismo, brigas pro-vocadas, crueldade física, atividades ilícitas (tóxicos).

A sistemática adotada é a seguinte: 6-7-8

Grupo I - bizarro ou excêntrico:

a) Distúrbio esquizotípico

b) Distúrbio esquizóide

c) Distúrbio paranóide

Grupo 11- dramático, emocional ou errático:a) Distúrbio histriônico

b) Distúrbio narcisista

c) Distúrbio anti-social

d) Distúrbio borderline

Grupo 111 - ansioso ou receoso:

a) Distúrbio evitativob) Distúrbio dependente

c) Distúrbio obsessivo-compulsivo

d) Distúrbio passivo-agressivo

7~ Observa-seconcordância com os conceitos da Classificação/Internacional de Doenças (CID 9 - OMS):9

I

"301 Transtornos da personalidade

)"Padrões de comportamento desajustados e profundamente arraigados que

são reconhecidos geralmente desde a adolescência ou antes e que persistem du-rante maior parte da vida adulta, apesar de se tornarem menos óbvios na idademadura ou na velhice. A personalidade é anormal tanto em relação ao equilí-brio dos seus componentes, em suas qualidades e expressão, quanto em relaçãoao seu aspecto total. Em virtude desse desvio ou psicopatia o paciente sofre ouos outros têm de sofrer e ocorre um efeito adverso sobre o indivíduo ou sobrea sociedade. Inclui o que algumas vezes é chamado de personalidade psicopáti-ca, mas caso esta tenha sido determinada primariamente por mau funcionamentodo cérebro, não deveria ser classificado aqui mas como uma das síndromes ce-rebrais orgânicas não-psicóticas (310). Quando o paciente apresenta uma ano-malia da personalidade diretamente relacionada à sua neurose ou psicose, por

,~empl0, personalidade esquizóide e esquizofrênica, ou personalidade anancás-

Page 44: Psicologia Do Crime

r

82 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQoeNCIA PSICOP ÁTICA 83

tica e neurose obsessivo-compulsiva, deve ser diagnosticada também a neurose( ou psicose pertinente em evidência.

Neurose de caráter

A amostra é integrada por 183monozigóticose 295 dizigóti-cosoOs resultados de concordânéia quanto a um comportamentocriminal foram os seguintes:

'J u301.7 Transtorno da personalidade com predomfnio de manifestações so-

lioPáticas ou associais"Transtorno da personalidade caracterizado pelo desprezo pelas obriga-

~

-es sociais, falta de sentimentos pelos outros, violência impetuosa ou indife-ença insensível. Há uma grande disparidade entre o comportamento e as nor-as sociais vigentes. O comportamento não se modifica facilmente pela expe-

iência, inclusive pelo castigo. As pessoas com esta personalidade são afetiva-ente frias e podem ser anormalmente agressivas e irresponsáveis. Sua tolerân-

cia à frustração é baixa, culpam a outros ou apresentam racionalizações plausí-veis para o comportamento que as coloca em conflito com a sociedade.

l

perSOnalidade amoral Personalidade associalPersonalidade anti-social

,,Exclui: distúrbio de conduta sem transtorno de personalidade especifico (312.-)personalidade explosiva (301.3)"

dizigóticos discordantes .. ........dizigóticos concordantes .. ...monozigóticos discordantes ......................................monozigóticosconcordantes .....................

80,307019,7%25,2%74,8%

Observa-sealta discordânciaentre dizigóticos(80,3%) e ele-vada concordânciaentre gêmeosmonozigóticos(74,8070).Essesre-sultados apóiam a atribuição dessetipo de personalidade à causabiológico-constitucional.

Isso, porém, não afetou o interesseem se obter uma explica-ção psicodinâmicados processosdesencadeadoresdo comporta-mento psicopata. Assim, McCord e McCord12concluíram que osaspectos essenciaissão dois: a) incapacidade de amar (IA), e b)ausência de sentimento de culpa (ASC).

A psicopatia - no sentidorestritode "personalidadepsico-pática" - sempre foi atribuída a fatores heredo-constitucionais.Já em 1850,MoreI falava em "herança degenerativa" e em 1888Koch dava-lhea denominação de "inferioridades psicopáticas".Até hoje não se afastou a causalidade biológico-constitucional.O estudo comparativo de gêmeos adquiriu importância primor-dial nas investigaçõesda hereditariedade. No que se refere à psi-copatia os dados mais significativosforam obtidos no estudo dacriminalidade gemelar, como assinalam Slater e Roth.1O

Uma revisão incompleta da literatura especializada11podenos levar a 478 pares de gêmeos estudados:

Pafs

~IA = incapacidadede amarASC = ausênciade sentimento de culpaAAS = açãoanti-social

A explicação oferecida por Craft parece mais completa e maisclara. Os processos primários seriam, segundo esse autor, dois:a) falta de sentimento (amor ou afeição pelas outras pessoas), eb) tendência à ação impulsiva.

Destes resultariam quatro processos secundários: 1. agressi-vidade; 2. ausência de culpa; 3. incapacidade de aprender pela ex-periência; 4. falta de motivação adequada.Autor

1 - Lange2 - Legras3 - Rosanoff4 - Stumpfl5 - Kranz6 - Newman

Freeman eHolzinger

Amostra total

40 pares9 pares

97 pares75 pares

125pares

AlemanhaHolandaEstados UnidosAlemanhaAlemanha

888

(0~B

Estados Unidos

TOTAL132 pares478 pares FS = falta de sentimento

TI = tendência impulsiva

l

Page 45: Psicologia Do Crime

84PSICOLOGIA DO CRIME DELINQüêNCIA PSICOP ÁTICA 85

ASC = ausência de sentimento de culpaAGR = agressividade

IAE = incapacidade de aprender pela experiênciaFMA = falta de motivação adequadaAAS = ação anti-social

o próprio Schneidernão deixou de estabel~er uma tipolo-gia, tendo descrito uma sistemática integrada por dez itens:

1. hipertímicos2. depressivos3. inquietos4. fanáticos5. carentes de valor6. instáveis7. explosivos8. apáticos9. abúlicos

10. astênicos

Esse polimorfismo sempre dificultou o diagnóstico precisode psicopatia.

Graye Hutchison, com base nos resultados que obtiverampor meio de inquérito do qual participaram 667psiquiatras, enu-meraram as seguintescaracterísticas como próprias da psicopa-tia:

Os autores, visando um diagnósticoclínico, desdelogo, des-crevem uma tipologia psicopática. MoreI os classificouem qua-tro grupos:

I - temperamento nervoso congênito11- indivíduoscom estigmasfísicos,intelectuaisou morais111- indivíduos de existência intelectual limitadaIV - simples de espíritoForam denominados degenerados.

Kochusou a denominaçãode inferiorespsicopáticose os dis-tribuiu em três grupos:

A) simples disposição psicopática.

B) tarados com defeitos constitucionais:débeis, indiferentese energéticos

C) degeneraçãopsicopática congênita em forma de estadosgraves de debilidade intelectual e moral

I - estados psicopáticos originários:a) nervosismob) excitação constitucionalc) depressão constitucionald) loucura obsessivae) aberrações sexuais

1) não aprende pela experiência;2) falta-lhe senso de responsabilidade;3) é incapaz de estabelecer relações significativas;4) falta-lhe controle sobre os impulsos;5) falta-lhe senso moral;6) é crônica ou periodicamente anti-social;7) a punição não lhe altera o comportamento;8) é emocionalmente imaturo;9) é incapaz de sentir culpa;

10) é egocêntrico.Uma das maisclarase precisasdescriçõesdo psicopatase deve

a McCorde McCord,quando escrevem:"O.psicopataé anti-social.Sua conduta freqüentemente o leva a conflitos com a sociedade.Ele é impelido por impulsos primitivos e por ardentes desejos deexcitação. Na sua busca autocentrada de prazeres, ignora as res-trições de sua cultura. O psicopata é altamente impulsivo. É umhomem para quem o momento que passa é um segmentode tem-po separado dos demais. Suas ações não são planejadas e ele éguiado pelos seus impulsos. O psicopata é agressivo.Ele apren-deu poucos meios socializadosde lutar contra frustrações. Tempequeno ou nenhum sentimento de culpa. Pode cometer os mais

Kraepelin já as designa como estados e personalidades psi-copáticas, distribuindo-as assim:

11- personalidades psicopáticas:a) delinqüente natob) inconstantesc) mentirosos e farsantesd) pseudoquerelantes

Page 46: Psicologia Do Crime

86 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜ~NCIA PSICOPÁTICA 87

apavorantesatose aindarememorá-Iossemqualquerremorso.Temuma capacidade pervertida para o amor. Suas relações emocio-nais, quando existem,são estéreis,passageirase intentam apenassatisfazer seuspróprios desejos. Estes dois últimos traços: ausên-cia de amor e de sentimento de culpa marcam visivelmenteo psi-copata, como diferente dos demais homens."

As classificaçõestipológicasvão sendoprogressivamentesubs-tituídas pela descriçãode uma síndromepsicopática. Merecemes-pecial destaque os roteiros diagnósticosde McCord & McCord12e de Cleckley: 13

1 - Roteiro de McCord & McCord:1) o psicopata é associal;2) o psicopata é movido por desejos incontrolados;3) o psicopata é altamente impulsivo;4) o psicopata é agressivo;5) o psicopata sente escassos sentimentos de culpa;6) o psicopata tem uma desviada capacidade de amar;7) para o psicopata cada momento é uma fração de

tempo desvinculado dos demais;8) As ações do psicopata carecem de planejamento.

2 - Roteiro de Cleckley:1) encanto superficial e boa inteligência2) ausência de delírios ou outros sinais de pensamento

ilógico3) ausência de manifestações psiconeuróticas4) inconstância5) infidelidade e insinceridade6) falta de remorso ou vergonha7) conduta anti-social inadequadamente motivada8) falta de ponderação e fracasso em aprender pela

experiência9) egocentrismo patológico e incapacidade. de amar

10) pobreza geral das reações afetivas11) falta específica de esclarecimento interior (insight)12) irresponsabilidade nas relações interpessoais13) tendência à conduta fantástica com ou sem uso de

álcool14) raramente suicidas15) vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada16) incapacidade de seguir um plano de vida

Roteiro de Cleckley (anotações) "'- - - -

1) Encanto superficial e boa inteligência:No contato inicialapresentam-secomo pessoasespecialmen-

te amáveis,causandoimpressãoextremamentefavorável.Aparen-tam serpessoasbem ajustadas e felizes,parecendodotadas de bomsenso e livres de obstáculos emocionais. Os testes psicométricosapuram inteligênciasuperior e até extraordinária. Discorremcomfacilidade e brilhantismo sobre planos, conceitos e críticas a ter-ceiros.

2) Ausência de delírios ou sinais de pensamento ilógico:Não apresentam sinaisde psicosede qualquer tipo. Seu pen-

samento é lógico e convincente. São capazes de criticar verbal-mente seuserros passados e emitir juízos aparentemente válidos.Nada faz supor que possam praticar atos irrefletidos ou anti-sociais.

3) Ausência de manifestações neuróticas:Expressam serenidade e bem estar físico. Não se observam

indícios de angústia ou ansiedade, fenômenos histéricos ou atosobsessivo-compulsivos.Comunicam impressão de absoluta tran-qüilidade.

4) Desmerecemconfiança:Não dispõemde sensode responsabilidade.A demonstração

de suas falsidadese mentirasnão afeta o seucomportamento. Umtrato qualquer pode ser descumprido com facilidade e sem cons-trangimento.

5) Infidelidade e insinceridade:Podem fazer as mais sériaspromessas em falsidade (até per-

júrio). Nessascondiçõesconseguemfitar fixamentenos olhos dequem está sendo traído, semnenhuma expressãode estaremmen-tindo. Invocaminsinceramentea sua "palavra de honra", o "acor-do de cavalheiros" etc., sem a menor intenção de cumprir o pro-metido.

6) Falta de remorso ou vergonha:Usualmente negam, de modo enfático, qualquer responsabi-

lidade. Suas colocaçõese explicaçõesrevestem-sede insincerida-de. Não se apura arrependimento ou sentimento de culpa.

Page 47: Psicologia Do Crime

88 PSICOLOGIA DO CRIME

7) Conduta anti-social inadequadamente motivada:

Mesmo sob o risco de serem imediatamente descobertos,cometem os mais atrozes crimes, sem motivação razoável. Po-dem, porém, rememorá-Ioscom detalhes e sem nenhuma reaçãoemocional. Na dinâmica de seusdelitos, a circunstânciatem par-ticipação mínima ou até nenhuma: tudo depende de sua vonta-de.

8) Pobreza dejulgamento e incapacidadede aprender pela ex-periência:

A experiêncianão é significativamenteincorporada pelo psi-copata (anti-social).O castigoe mesmoo aprisionamentonão mo-dificam seu comportamento. Cada experiênciaé vivida e sentidacomo fato isolado. O presente é vivenciadosem vínculos com opassado ou o futuro. A capacidadecrítica e o senso ético se com-prometem gravemente.

9) Egocentrismo patológico e incapacidade para amar:A auto-estima é prevalente e exagerada. Tratam as pessoas

que dizem amar como se fossem simplesobjetos, ao seu dispor.O que chamam "amor" não passa de meiopara alcançar seusob-jetivos, à custa de outrem.

10) Pobreza geral nas reações afetivas:

Suas "reações emocionais" são "representações" para pro-duzir um determinado efeito programado: não passam de artifí-cios. A capacidade de "sentir" - se é que existe- é essencial-mente diferente daquilo que se conhece com esse nome. Podemsorrir em qualquer adversidade.

11) Falta específicade esclarecimentointerior (insight):A responsabilidadepelos atos e pelos erros é sempreatribuí-

da a outrem: jamais a si mesmo. A capacidade de perceber fa-lhas, enganos, erros está total e definitivamenteexcluída.Talvezseja a causa da falta de aprendizado pela experiência.

12) Irresponsabilidade nas relações interpessoais:Não se pode esperar do psicopata (anti-social) nenhuma re-

tribuição à simpatia, cordialidade ou afeto. Um longo tempode atenções, afeto ou mesmo de atos de amor, pode ser destruí-do por uma simples negativa de atendê-Io num capricho mo-mentâneo.

I

DELINQoeNCIA PSICOPÁTICA 89

13)Tendênciaà conduta fantástica, com ou semalcoolização:As respostas à alcoolizaçãoparecem mais gravesno psicopa-

ta do que nas pessoascomuns, ou mesmoneuróticas. O marcanteé o comportamento bizarro, chocante, extravagante do psicopataalcoolizado. Cleckleyanota que o álcool não libera impulso ante-riormente inexistentena personalidade. Por outro lado não vê re-lação entre os efeitos do álcool e o comportamento psicopático.Aqui seobservadesejode chocar, ser incoveniente,agrediro meio.

14) Raramente se suicidam:Os psicopatas não são perturbados pelos outros, eles são os

perturbadores. Colocando a culpa de tudo nos outros, tendo umaexaltada auto-estima, não há por que cometer suicídio. É precisobuscar explicaçãoem alguma intercorrência para os casos rarosde suicídiospsicopáticos.

15) Vida sexual impessoal, pobremente integrada:De regra, a sexualidadedo psicopata não é normal. Pode se

entregar aos mais diversos desvios. Em todas as situações faltaparticipação pessoal, entrega afetiva, "vida a dois". A parceira(ou parceiro) é sempre um "objeto": só ao psicopata cabe des-frutar do relacionamento sexual. Alguns Autores chamam a isso"relação objetal".

16) Incapacidade de seguir um plano de vida;É claro que as circunstânciasda vida nos obrigam, com certa

freqüência,a mudar nossosplanos. Entretanto, sempretemos pro-pósitos definidose as modificaçõesdo plano de vida são produtodo aprendizado pela experiência. Não é assim com o psicopata:planeja sempre e não executa nunca. Simplesmenteé incapaz deseguir (com flexibilidadee uso da inteligência)um razoável planode vida. Viveao léu, cada instante desvinculadodos antecedentese dos conseqüentes.

A evoluçãodos conceitose os conhecimentosde natureza etio-lógica permitem o reconhecimento esquemáticode três períodosdiversos, ainda que haja alguma superposição cronológica:

1) período tipo lógico - em que sobressaem as idéias deKretschmer e Schneider;

2) período da "síndrome" - em que os esquemasdiagnósti-cos de McCord & McCord e de Cleckleyadquirem importânciaprática inquestionável;

Page 48: Psicologia Do Crime

90 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜ~NCIA PSICOPÁTICA 91

3) período "das dimensões" - emque são feitasavaliaçõesvárias: por meio de psicotestes (M.M.P.I., P.M.K., Rorschach,etc.), estudos de condutividade elétrica da pele (reflexopsicogal-vânicoe outros), traçado eletrencefalográfico.Os trabalhos de Ha-re,14Reid,15Monroe16e Knott17entre outros, devem ser consi-derados de capital importância.

Para fins práticos, a associaçãodos critérios referidos, pro-vaspsicológicase um traçado eletroencefalográfico(contandocoma presença de "ondas lentas") é suficiente. Deve-sereiterar aquia observaçãode que o diagnósticodepersonalidadeanti-socialseinclui entre os de natureza psiquiátrica, já que se trata de formaespecialde distúrbio dapersonalidade, como consta da C.I.D. edo D.M.S. (estudomais extensoé objeto do texto PersonalidadesAnti-sociais, em revisão).

.

passou na experiência" ocasionando a esta firma sérios prejuízos por não com-preender o funcionamento de máquina da qual fora incumbido de tratar, sendoassim despedido por danos causados à firma. Empregou-se posteriormente emuma fundição também como servente, permanecendo na firma quinze dias, sen-do despedido por "não passar na experiência". Empregou-se posteriormente emXX como servente de pedreiro, permanecendo dez dias como empregado, sen-do despedido agora por "excesso de empregados". Voltou logo após a estes in-sucessos em serviços de firmas a trabalhar em serviços de lavoura nas proximi-dades de XX, onde permaneceu dois anos. Durante este período em que traba-lhava na lavoura casou-se sendo pai de seis filhos. Foi para XX, onde empregou-senuma fazenda, agora trabalhando na lavoura de cana-de-açúcar pelo períodode um ano. Dirigiu-se posteriormente para XX onde prestou exames, ingressan-do na Polícia. Durante quatro anos trabalhou em delegacias, em afazeres diver-sos. Veio novamente para São Paulo, estabelecendo-se em XX, empregando-senovamente em trabalho braçal na lavoura, onde permaneceu até a época em quefoi detido pela Polícia. Como não se "ajustava nos empregos", "não tinha sor-te nos empregos" pensou "em matar para roubar", por acreditar que assim se-ria melhor. Sabia de um bar em XX que era propriedade de um casal de velhose tinha conhecimento que lá existia dinheiro. :E;laborouo seguinte plano: "entrona casa", "mato os velhos" e "pego o dinheiro" e "alguma coisa de valor quepor lá estiver". E assim J .F.S. procedeu. Refere friamente que matou os velhosa facadas, no tórax, abdômen e garganta.

3. Antecedentes pessoais: Ignora as condições de gestação, nascimento e par-to. Nada sabe informar sobre as condições de desenvolvimento neuropsicomo-tor. Nega antecedentes de comicialidade. Doenças cíc1icas da infância sem re-percussão nervosa. Refere que sempre teve dificuldade em "aprender as coisas"e que essa dificuldade principalmente se manifestou na escola primária. Semprefoi calado, introvertido, não gosta de amizades porém aprecia bailes, festas e fu-tebol. É tabagista moderado. Refere que fazia uso de bebidas alcoólicas, espo-radicamente. Primeiras relações sexuais quando contava 18 anos de idade.

Antecedentes familiares: Nada digno de nota.

Anexamos dois laudos de nossa lavra, em que o diagnósticode personalidade psicopática restou demonstrado.

LA UDO 1EXAME DE SANIDADE MENTAL

1. J.F.A.S. filho de J.F. da S. e M.L.S., de cor parda, brasileiro, nascidoem abril de XX, casado, lavrador, é apresentado ao Instituto de BiotipologiaCriminalpara se submeter a exame psiquiátricopor determinaçãodo Juizo daComarca de XX.

Histórico e antecedentes Descrição

2. Consta da denúncia contra ele oferecida que, em abril de XX penetrouna casa de B.M.S. e A.O.S. com intenção de furtá-Ios, tendo porém desferidovários golpes de punhal em ambos, produzindo-lhes a morte. Foi por isso consi-derado incurso nas penas do artigo 121 do Código Penal. Tendo surgido dúvi-das a respeito da imputabilidade do agente, foi determinado o presente exame.

Natural de XX, diz ser o terceiro filho de uma prole de seis. Refere queseus pais eram lavradores, mas que apesar da "miséria do lar", relacionava-semuito bem com os familiares. Desde os 7 anos de idade informa que realizavapequenos serviços na roça. Cursou somente o I? ano escolar, referindo que dei-xou a escola porque não gostava de estudar e que tinha dificuldade na alfabeti-zação. Permaneceu no interior até a idade de 18anos, quando então "arruman-do dinheiro com o pai" (sic) veio a São Paulo à procura de novas oportunida-des de emprego. Em São Paulo, estabelceu-se na casa de um amigo, empregando-se na XX como servente, permanecendo vinte dias no emprego. Refere que "não

4. Paciente de cor parda, de boa compleição física, sem dados particularesa anotar. Clinicamente assintomático, não externa sintomas ou sinais própriosde processo organo-patológico em atividade ou evolução.

5. Equilíbrio e marcha sem anormalidades. Motricidade e sensibilidade con-servadas sob todas as formas. Reflexos superficiais e profundos presentes e nor-mais. Reflexos osteo-tendinosos normais. Ausência dos sinais de Romberg eArgyll-Robertson.

6. Entrevistado por psiquiatras do Instituto de Biotipologia Criminal, foipossível firmar-se as conclusões que aqui se registram:

Solicitado à entrevista, atende o chamado, permanecendo rígido em suacadeira, atento às perguntas que lhe são formuladas. Responde a todas as per-guntas secamente. Mostra-se calmo, orientado no tempo e no espaço. Não seconstatando ao exame direto distúrbios da esfera senso-perceptiva. Inteligência

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92 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQoeNCIA PSICOPÁTICA 93

normal. Escassas manifestações afetivas. Personalidade egocêntrica, primitivae impulsiva. Juízo conservado. Fluxo ideativo normal. Sensos ético-morais com-pletamente abolidos. Assim não se apura perturbação do tipo da debilidade mentalou do nível psicótico.

7. Submetido a exame eletrencefalográfico.

O traçado 1 666 dá ensejo ao relatório que vem assim redigido:

Traçado em condições técnicas satisfatórias. Exame realizado em vigília.Atividade elétrica cerebral mostrando ritmo de base alfa dominante, regular,freqüência 9 ciclos por segundo, amplitude média de 15 microvolts, bilateral si-métrico. A hiperpnéia não provoca sinais elétricos do tipo patológico. Conclu-são: Ritmo de base alfa dominante, regular e simétrico. EEG normal.

8. Foi submetido aos psicotestes de Koch, Pfister e Pierre Weill. O relató-rio da Psicologia está assim redigido:

Inteligência: Trata-se de pessoa com bom nível mental. Obteve no INU umescore bruto de 38 pontos, atinge o percentil 60 na escala elaborada sobre a po-pulação geral colocando-se no grupo médio-superior da população penitenciá-ria. Tem dotes visuais e boa capacidade de observação. Gosta de mostrar a pró-pria capacidade.

Personalidade: O examinando apresenta as seguintes características pessoais:Dificuldade de utilização dos elementos racionais e intelectuais para o autocon-trole, em lugar disso usa da repressão, mas assim mesmo o controle não é sufi-ciente, revelando o examinando certa impulsividade. O potencial agressivo é nor-mal mas falta-lhe a estabilidade. Tem-se a impressão de que o equilíbrio atualnão está inteiramente consolidado. Tem vontade de adaptação e desejo de reali-zação. O nível de aspiração é bastante alto. Revelou energia e alto tônus vital.Tem necessidade de ação e é capaz de zelo e iniciativa. Tem vontade de se reali-zar logo. Tendência a misticismo e gosto em compreender as coisas; não conse-gue, porém, aplicar esta compreensão a si mesmo. Aumento da necessidade aqui-sitiva com sinais de orabilidade. Projeta-se facilmente nos outros. Quando pro-jeta sua agressividade, poderá sentir-se injustiçado e "perseguido". Necessida-de de experiência e de contato com a realidade, mas, ao mesmo tempo, reveladificuldade de armazenar as experiências e vivências anteriores, fato que nãoestá de acordo com a capacidade intelectual. A falta de aproveitar-se das expe-riências anteriores leva à impossibilidade de fazer uma seleção natural e auto-mática dos estímulos exteriores que sobrecarregam o mecanismo de elaboraçãointerna dos estímulos, o que lhe causa forte ansiedade e inquietação interior.É extrovertido e gosta do contato com a realidade e as pessoas. Dificuldade desuportar a frustração dos seus desejos e necessidades, que embora poucos, sãoimperativos. Impaciência e pressa. Influenciabilidade e dependência no julga-mento do ambiente. Certa estereotipia. Tende à repressão quando sob tensãoemocional. Conclusão: Pessoa com nível mental nos limites superiores da nor-malidade. Personalidade não totalmente realizada com dificuldade de integra-ção da vida intelectiva e consciente e da vida afetiva emocional. Ativo e enérgi-co com desejo de melhor adaptação e realização. Algo egocêntrico. Extroverti-do. Certa impulsividade e instabilidade. Aumento da necessidade aquisitiva eansiedade.

Discussão e conclusão

9. Os exames realizados não apuram debilidade mental, nem quadro de ní-vel psicótico. Os defeitos apurados são basicamente caracterológicos. A perso-nalidade é do tipo psicopático, sem integração dos valores afetivo-volitivos bemcomo dos valores ético-críticos e sociais. A frieza com que pratica os seus atos,a falta de capacidade de julgamento, a apreciação inadequada dos feitos, o dis-túrbio do comportamento são característicos da personalidade anômala, desar-mônica do tipo psicopático. Por isso considerâmo-lo personalidade psicopáticado tipo anestésico.

10. Em face da perturbação apurada, trata-se de agente semi-imputável pe-nalmente, pois que, conservando a capacidade de entender a natureza delituosade seus feitos, não tem contudo a capacidade de se determinar de acordo comesse entendimento.

Quesitos e respostas

11. Quesitos do Ministério Público e da Curadoria:

I?) Era o agente à época dos fatos, por doença ou desenvolvimento mentalincompleto ou retardado, inteiramente incapaz de entender o caráter criminosodo fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento?

2?) O agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvol-vimento mental incompleto ou retardado, possuía, ao tempo da ação, plena ca-pacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordocom esse entendimento?

12. Resposta aos quesitos do Ministério Público e da Curadoria:

Ao I?: Inteiramente não. Apenas semi-imputável conforme atrás se analisa.

Ao 2?: Não possuía a plena capacidade por se tratar de personalidade psi-copática.

13. Quesitos da Defesa:

I?) Tendo em vista o comportamento psíquico do examinando, notada-mente a ausência de arrependimento e remorso, indaga-se se o mesmo era por-tador, ao tempo da ação, de doença mental ou desenvolvimento mental incom-pleto ou retardado?

2?) Em caso positivo, era o examinando inteiramente incapaz de entendero caráter criminoso do fato? Ou, pelo menos, de determinar-se de acordo comesse entendimento?

3?) Na hipótese negativa para os quesitos acima, indaga-se do Dr. Perito,se o examinando, tendo em vista também o seu comportamento após os fatos(retomando ao local, ainda com a intenção de roubar), era portador de pertur-bação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado?

4?) E assim sendo, possuía o examinando, ao tempo da ação, a plena ca-pacidade de entender o caráter criminoso do. fato ou determinar-se de acordocom esse entendimento? ~ . .

1u 0"0 G". \.,.\. .tlBLl01 ECA

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94 PSICOLOGIA DO CRIME

14. Resposta aos quesitos da Defesa:

Ao I?: Não. Trata-se de Personalidade Psicopática.

Ao 2?: Inteiramente não. Trata-se de agente semi-imputável conforme sedá conta neste laudo.

Ao 3?: Trata-se de Personalidade Psicopática.

Ao 4?: Apenas parcialmente conforme já se deu conta neste laudo.

Dr. O.R.M. - RelatorDr. A.C.N. - Diretor

LA UDO 2

Indiciado: H.F.N.

1. Nós, abaixo assinados, Drs. O.R.N.M. e A.C.N., peritos médicos, psi-quiatras do Instituto de Biotipologia Criminal do Estado, designados para pro-ceder o exame psiquiátrico do indiciado que adiante se qualifica, tendo colhidodados suficientes no referido exame, fornecemos nosso laudo.

2. H.F.N.,leucodermo, brasileiro, solteiro, comerciante, registrado na Pe-nitenciária do Estado sob n. XXX, comparece para exames especializados noInstituto de Biotipologia Criminal, por determinação de Acórdão Judiciário.

3. Foi denunciado pelo Ministério Público por ter cometido delito de la-trocínio em parceria com A.H.S. O delito foi capitulado no artigo 157 § 3~ doCP.

Histórico e antecedentes

4. Nascido em XX, é o primeiro dos três (3) filhos havidos por seus pais,que são vivos e sadios. Nega neuropsicopatias e delinqüência entre ascendentese colaterais. Freqüentou cursos primários, secundários e universitário, de modoirregular e instável. Já no tempo de seu curso ginasial, realizou uma fuga decasa, indo "viver no mato". Interrompeu seus estudos por "atentados contraa moral". Não registra passado mórbido pessoal de interesse neuropsiquiátrico.Não exerceu atividades laborativas até se estabelecer comercialmente, sob pro-teção paterna. Alega ter tentado suicidar-se sob efeito de soníferos, após frus-tração amorosa. Esteve internado na "Granja Julieta", onde submeteu-se a tra-tamento, que descreve com as características de "impregnação". Suas amiza-des, de caráter frouxo, não perduram e se estabelecem prevalentemente com ra-pazes desajustados. Refere ter passado sua infância em ambiente emocionalmenteinstável e ter sempre se orientado pelo prazer, no curso vital.

5. Inquirido sobre os fatos objeto do processo, forneceu relatos vários,não integralmente superponíveis, mas coincidentes em suas linhas básicas e con-cordes com o registro do inquérito policial.

DELINQÜeNCIA PSICOP ÁTICA 95

6. Segundo o Boletim de Informação da Divisão Penal da Penitenciáriado Estado, "consta de uma certidão de Cartório do 2~ Distribuidor e Contadordo Fórum Criminal a distribuição de três (3) inquéritos policiais, sendo um à9~ Vara Criminal (furto), um à 24~ Vara Criminal (furto), e um à 2~ Vara Cri-minal". Está ali também registrada a evasão da Casa de Detenção de XX, tendosido recapturado no Rio de Janeiro.

7. Foi matriculado na Penitenciária do Estado, foi designado para a ofici-na de Alfaiataria e removido, em seguida, para o Vime e Tábua. Registra faltasdisciplinares em fevereiro e abril, tendo sofrido trinta (30) e quarenta (40) diasde privação, respectivamente.

Descrição

:1

I

I

8. Paciente leucodermo, de boa compleição física, do tipo atlético, semparticularidades dignas de nota. Não apresenta sintomas ou sinais sugestivos deprocesso organo-patológico em atividade.

9. Equilíbrio e marcha íntegros. Motricidade e sensibilidade preservadassob todas as formas. Reflexos pupilares e osteo-tendinosos presentes e normais.Ausência dos sinais de Romberg e Argyll-Robertson.

10. Desde sua internação, submeteu-se a várias entrevistas com quase to-dos os especialistas do Instituto de Biotipologia Criminal. Apresenta-se calmo,consciente, orientado no tempo e no espaço, tendo perfeita noção de sua pes-soa, seu estado e sua situação processual. Estabelece bom contato com o mun-do exterior e elabora bem as respostas às perguntas que lhe são formuladas. Aten-to e interessado, não tem dificuldade em prestar esses informes. Sua atitude,porém, é de reserva e desconfiança, raramente atingindo características de ple-na espontaneidade. O curso e a estrutura do pensamento mostram-se conserva-das. Assim, não apresenta idéias delirantes ou pensamento ilógico. Da mesmaforma a senso-percepção está preservada: não se apuram alucinações. As con-sonâncias afetivas são variáveis no tempo, mostrando-se, às vezes, sintônico,às vezes desinteressado, e até algo irritado. Sua inteligência se apresenta comcaracterísticas de supernormalidade: é vivo, reage bem e elabora prontamenteo que vai dizer. Solicitado a fazer apreciação crítica de seus fatos, acredita se-rem atos errôneos, porém, bem motivados. Não mostra indícios de modificaçãopessoa., após os eventos, de certo modo naturais, para ele. Apresenta traços de-fensivos bem estruturados. Com esses fundamentos, a sua crítica é lógica e suadeterminação pobre, inconsistente. O quadro geral é próprio dos indivíduos por-tadores de defeitos prevalentes do caráter.

11. Subemeteu-se à observação psicológica por meio de testes. Foram eles:Inventário de Kuder; Weshsler; Raven; P.M.K.; Koch; Machover; Rorschach;Pfister; I.E.S.; T.A.T. e Questionário de Stein. Foi possível, nessa base, estabe-lecer a seu respeito:

a) nível mental mediano, com certo equilíbrio entre os fatores concreto-práticos e abstrato-teóricos;

b) raciocínio impreciso, estereotipado e pouco cultivado;

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96 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQüeNCIA PSICOP ÁTICA 97

c) interesses limitados;

d) sentimentos de insuficiência, incapacidade e inferioridade;e) traços de instabilidade e labilidade;

f) escassa valorização do controle;

g) egocentrismo e narcisismo.

12. Submeteu-se a exame eletroencefalográfico - EEG n. XX. Os relató-rios fornecidos pelo Dr. P.V.A. são os seguintes:

a) "Eletroencefalograma de repouso e hiperpnéia normal".

b) "EEG de repouso, normal, idêntico ao anterior. O traçado do sono nãofoi conseguido apesar de administração de 0,1 de Nembutal."

13. Está incluso a fIs. do processo um atestado do Dr. M.R. assim redigi-

Quesitos e respostas

do:

20. Quesitos do Ministério Público: (v. fIs.)

21. Respostas dos quesitos apresentados pelo Ministério Público:

Ao 1~: Debilidade mental, não.

Ao 2~: Prejudicado.

Ao 3~: Capaz de entender, mas não de se determinar, nos termos destelaudo.

Ao 4~: Desvio caracterológico.

22. Quesitos do Assistente do Ministério Público (v. fIs.)

23. Respostas aos quesitos do Assistente do Ministério Público:

Ao 1~: Os documentos de fIs. ... não são especializados.

Ao 2~: Trata-se apenas de um "diagnóstico provisório" (vide item 17 dolaudo).

Ao 3~: Vide itens 10 e 11 do laudo.

Ao 4~: Não apuramos indícios de simulação.

"Atesto, a pedido do Sr. O.F., que seu filho H.F.N. esteve internado nes-te Hospital no período que vai de 6 de novembro a 8 de dezembro do mesmoano, tendo sido feito o diagnóstico provisório de personalidade psicopática" (pa-pel com timbre da "Clínica de Repouso").

14. Os vários exames efetuados excluem debilidade mental e quadro psi-cótico. Os distúrbios apurados são prevalentemente caracterológicos.

15. As mesmas provas mostram que o periciando é capaz de entender eajuizar as situações exteriores. De outra parte, a sua capacidade de se determi-nar mostra-se comprometida, seja pela sua inadaptabilidade, seja por contra-riar o seu julgamento.

16. Em face do exposto, o examinando pode ser considerado:

a) portador de distúrbios prevalentes do caráter;

b) tem sua capacidade de avaliação crítica parcial;

c) tem comprometida a sua autodeterminação;d) penalmente semi-imputável.

17. O diagnóstico de "Personalidade Psicopática" implica em causalida-de biogênico-constitucional. Sua perfeita apuração é difícil, especialmente quandose considera um implícito prognóstico de irreversibilidade do processo patológi-co.

Dr. O.R.M. - Relator

Dr. A.C.N. - Chefe da Secção de PsiquiatriaDr. R.N.W.P. - Diretor

Discussão e conclusão

Notas e referências

A catalogação provisória dos distúrbios de conduta entre as psicopatiasé compatível com os dados que a observação a curto prazo oferece.

18. No diagnóstico fornecido no presente laudo não há implicação causalobrigatória, mas a apuração de um estado de fato. Esses dados são suficientespara se avaliar a capacidade de imputação do observando.

19. Em conclusão trata-se de agente portador de desvio caracterológico,semi-imputável (personalidade psicopática).

1. Koch, apud Siccó, A., Personalidades Psicopdticas, Buenos Aires, Ed. EI Ate-neo, 1948, p. 51. Também Herrera Luque, F., Las Personalidades Psicopdticas, Madri,Ed. Cento Med., 1969.

2. Schneider, K., Les Personalités Psichopatiques (trad. fr.), Paris, PUF, 1955.3. Kranner, L., apud Jenkins, R.L., "The psychopathic or antisocial personality",

J. Nervous & Mental Dis., 131:139-1960.

4. Freedman, A.M. & Kaplan, H.I., Comprehensive Textbook 01 Psychiatry, 1~ed., 3~ tir., Baltimore, Ed. Williams & Wilkins, 1969, capo 26, p. 951.

5. Cf. Rev. Bras. Psiq.. 6 (3):75-113, 1972.6. DSM III R, Manual de Diagn6stico e Estatfstica de Distúrbios Mentais (trad.

port.), E. Manole, 1989.7. Talbot, J., Hales, R. & Yudofsky, S., Tratado de Psiquiatria (trad. port.), Ed.

Artes Med., 1992, capo 20.8. Kaplan, H.I. & Sadock, B.J., Comprehensive Textbook 01 Psychiatry, 5~ ed.,

Baltimore, Ed. Williams & Wilkins, 1989, voI. li, capo 28.2, pp. 1400-1405.9. cm 9, Classificação Internacional de Doenças (rev. 1975, OMS - trad. port.),

São Paulo, Ed. USP, 1978.10. Slater, E. & Roth, M. (Mayer-Gross), Clinical Psychiatry, 3~ed., Londres, Tindall

& CasseI, 1969.11. Rosenthal, D., Genetic Theory and Abnormal Behaviour, McGraw-Hill, 1970,

capo VIII.

Page 52: Psicologia Do Crime

98 PSICOLOGIA DO CRIME

12. McCord, W. & McCord, J., El Psicopata (trad. esp.), Buenos Aires, Ed. Hor-mé, 1966, p. 37.

13. Cleckley, H., The Mask 01 Sanity, 2~ ed., St. Louis, Ed. Mosby, 1950, pp.355-392.

14. Hare, R.D., Psychopathy: Theory &Research (trad. port.), Rio de Janeiro, Ed.Liv. Tec. Cient., 1973.

15. Reid, W.H., The Psychopath, Londres, Ed. Brunner-Mazel, 1978.16. Monroe, R.R., "Episodic behavioural disorders: an unclassified syndrome",

in Arieti, S., American Handbook 01Psychiatry, 2~ ed., Basic Books, 1974,voI. 11I,capo 11.17. Knott, J.R., "Electroencephalograms in psychopathic personality and in mur-

derers", in Applications 01Electroencephalography in Psychiatry, Ed. Duke Uni. Press,1965.

Capítulo 8

DELINQÜÊNCIA "ESSENCIAL"OU "DISSOCIAL"

As expressões"Neurosede caráter", "Caráter delinqüencial","Personalidade delinqüente", "Delinqüente essencial" e "Per-sonalidade dissocial" referem-sea um mesmo tipo de personali-dade. Nestecaso, o comportamento delitivoé uma das exteriori-zações da "neurose pré-edipiana".

Em 1952,aparece no DSM (Diagnosticand Statistical Ma-nual) o conceito de ReaçãoDissocial:"Este termo se aplica a in-divíduos que manifestam desconsideração para com os códigossociaisusuais e freqüentemente entram em conflito com eles, co-mo resultado de terem passado toda a sua vida em ambientesmo-rais anormais. Podem ser capazesde forte lealdade. Essesindiví-duos tipicamente não apresentam desviosseriamente significati-vos da personalidade, a não ser aqueles relacionados à aderênciaaos valores ou códigos de seus próprios grupos predatórios, de-linqüenciaisou outros grupos sociais. O termo incluios diagnós-ticos de "personalidade pseudo-social".

Assim,a "dissocialidade"aparecenuma classificaçãode "dis-túrbios da personalidade". Posteriormente as "classificações"abandonaram essaterminologia.Efetivamente,essetipo de "des-vio" comportamental oferece apenas interessecriminológico.

A abordagem da problemática dessaspersonalidadesem ter-mos psicanalíticos se iniciou com o trabalho pioneiro de Ai-chom.1 Contribuições importantes são atribuídas a Alexander2ea Klein.3Em nosso meio, interessanteexposiçãoda matéria deve-se a Spanoudis.4

Para esteúltimo autor, "as característicasdo delinqüentepl'imário traduzidas em linguagem analítica" são:

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100 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜeNCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 101

1. falta de identificações2. impossibilidade de relações objetivas3. persistência do processo primário4. desenvolvimentofraco e defeituoso do superego5. oscilação permanente da auto-estima.

Ele estabelece, em última análise, que o delinqüente essen-cial conservou um exagerado narcisismo pelo que não desenvol-veu identificações construtivas. Disso resulta uma problemáticaou quasenula integração de valoresda sua cultura. Esseprocessogera uma dificuldade nos relacionamentos interpessoais, do queresulta uma crônica insatisfação emocional. Como conseqüênciahá uma defeituosa formação do superego e uma necessidadedeagredir o meio, através de ações anti-sociais.

A psicogênesedesse tipo de caráter (delinqüencial)pode sercompreendida a partir do seguinte esquema:

~f~

siderar o centro do universo, voltando a si mesma toda afetivida-de, faz com que o delinqüente também ame só a si mesmo, pri-mordial e exageradamente.

Seé verdade que o adulto se estima o suficientepara se valo-rizar, não é menos certo que tem noção de estar inscrito num uni-verso amplo, onde os interessesdiretos dos demais também têmimportância. Isso é o que não ocorre com o delinqüente essen-cial.

3. Dificuldadenas identificaçõesconstrutivas. É a resultantemais imediata e direta do narcisismo do delinqüente. Amando asi mesmo acima de tudo o mais, não se identifica com ninguém,excetoo que lhe seja absolutamente igual. Por issoo delinqüenteprimário é capaz de formar gangs, onde a lealdade se baseia naúnica identificação que lhe é possível desenvolver.

4. Insatisfaçãoemocional.É o sentimentocentral do proces-so dinâmico, que estamos tentando descrever.Devido à falta deidentificações,estaspersonalidadesestãosemprenecessitandofazeralgo para obter tranqüilização interna e, assim, buscam em práti-cas inopinadas e intempestivasuma satisfação que os valoresma-teriais efetivamente não oferecem.

5. Defeituosa integraçãodo superego. Não se apropriandodos valores de sua cultura, o delinqüente essencialsó compreen-de os valores que lhe causam satisfação imediata e se associa aoutros, com igual formação (ou deformação).

Esse superegomal estruturado é ao mesmotempo muito exi-gente e de extrema complacência. Daí ficar fácil a compreensãotanto dos aparentesperíodos de acalmia, como de reincidênciaes-pecífica na prática criminal.

O produto final de todo esse dinamismo é representado porum defeitoformativo da personalidadee uma cronicidadeem açõesanti-sociais.

A insatisfação emocionale a defeituosa integração do supe-rego podem ser considerados processos secundários, enquanto apersistênciado princípio do prazer, a exacerbaçãodo narcisismoprimário e a dificuldade nas identificações são processosprimá-rios. ' "-~--:-:--,

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PPP =ENl =mc =

IE =mSE =AAS=

Persistência do princípio do prazerExacerbação do narcisismo primárioDificuldade nas identificações construtivasInsatisfação emocionalDefeituosa integração do superegoAção anti-social

1. Persistência do princípio do prazer. Não chegando aoadequado conhecimentoda realidade exterior e conservando ca-racterísticas de profunda imaturidade emocional, o delinqüenteguia-se exclusivamentepelo "princípio do prazer". O "sentidode realidade" ou o "princípio do dever" que orienta a pess.oaadulta ajustaqa 'está ausente na 'dinâmica dessa personalidademalformada.

2. Exacerbaçãodo narcisismoprimário. É normal nos pri-mórdios qa formação da personalidade e leva a criança a se con-

.--.-.---

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102 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜeNCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 103

8", .~8

B)Parasitismo- a sociedadeconta também com os descon-tentes, quepodemsetornar revoltados.Essa revoltapode sercons-trutiva: assimsurgemos reformadores,que contribuempara a me-lhoria social. Há, porém, uma outra revolta: a destrutiva e estaé prejudicial ao indivíduo e à sociedade. A ociosidade dissocialpode levar a esse tipo de revolta, pois essas pessoas, nada cons-truindo, nada têm a desfrutar. Elas não se integram na sociedadecultural e histórica, permanecendo na simples sociedade (toutcourt). De tudo isso resulta uma inutilidade social e - o que épior - uma inutilidade pessoal. Passam a viver - ou sobreviver- às custas da sociedade, configurando um parasitismo crônico,habitual.

C) Rejeição à sociedade - é claro que, nessas condições, osvalores da sociedadegeral passam a ser rejeitados. Não se tratade simples contestação (por vezes útil), mas de rejeição, isto é,recusa sistemática,persistente, renitente. Dessa forma surge umaoposição à sociedade geral e os dissociais só se identificam comseus iguais, para vir a formar o grupo (ou gang). Os valores indi-viduais (que se somam aos do "seu grupo") passam a ser predo-minantes. A postura diante da sociedade é marcadamente auto-crática.

D) Falta de horizonte temporal - as condições menciona-das levamessaspessoas a viversomente o momento presente. Namedida em que elas rejeitaram os valores sociais, perderam a vi-são do futuro. Não têm expectativas profissionais, econômicas,retributivas, etc. É evidente que tudo isso está vinculado a umaprofunda insatisfação emocional inconsciente.

E) Ressentimentodissocial- a pessoatem consciênciade serum "paras social" .As diferençascom a sociedadegeral (culturale histórica) são claramentepercebidas,mas coloridaspor um sen-timento de prejuízo. Sentem-secom direito de desfrutar do quesão incapazes de construir. O sentimento de "justiça social" vaisendo substituído pelo de "justiça própria" (individual). Dessaforma só serelaciona, emtermos afetivos,comquemadote o mes-mo código de valores: o seu igual. Daí surgirem os "valores dogrupo" .

F) Negação do "Eu social" - já no relacionamento com afigura materna, nos primórdios do processo formativo, ao ladodo "Eu individual" ("Eu íntimo") vai se formando um sentido

PPP =ENl =mc =

IE=mSE =AAS =

Persistência do princípio do prazerExacerbação do narcisismo primárioDificuldades nas identificações construtivasInsatisfação emocionalDefeituosa integração do superegoAção anti-social

Muitos A.A. não aceitam essas concepções,pois partem do"narcisismo primário", que contestam. Bowlby,5por exemplo,considera como fator primário a privação emocionalpor aban-dono nos dois primeiros anos de vida. A criança, assimcarencia-da, teria comprometidos seus desenvolvimentosfísico e emocio-nal, podendo voltar-se contra a sociedade.6-7

Uma das mais clarasexposiçõessobre a formação do caráterdissocial se deve a Mucchielli.8 Suas idéias, resultantes de estu-dos e pesquisas, podem ser resumidas nos esquemas seguintes:

I - Algunsfenômenosseapresentamcomo seqüenciaise comaparente nexo causal. Vejâmo-Ios:

A) Ociosidadedissocial - a sociedade abriga em seu meiovárias pessoas ociosas, mas estão distribuídas em classesdistin-tas. Assim,ninguémcontesta o direito do doente ou inválidoper-manecer inativo. Igualmente o aposentado conquistou, pelo tra-balho, o direito ao descanso. O rico que administra os seusbensgera empregose exercefunção social. Mas a ociosidadedo disso-cial é "primária", "essencial", não construtiva. Trata-se do óciopelo ócio. A recusa ao trabalho, o desinteressepelo estudo, a in-capacidad~para atividades construtivas marcam de modo parti-cular a ociosidade dissocial.

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104 PSICOLOGIA DO CRIME

de relação com os outros ("Eu social"). Isso não ocorre com odissocial.A carênciaemocionalprecoceimpedea formaçãode uma"consciência social". Daí a rejeição da sociedade geral, dos seusvalores, de seus usos, de seus códigos. O dissocial volta-se inte-gralmente para o "seu grupo".

OciosidadeParasitismo

Ressentimentodissocial

"Eu íntimo" versus"Eu social"

Comportamento delitivo

11- Mucchielli(ob. cit.) não aceita a teoria de Bowlby,citando vários trabalhos. Assim, Lewis,9em relatório à OMS,afirma que a separação materno-infantil é realmente criminóge-na, mas dá origem a vários comportamentos anormais, sendoo comportamento criminal apenas uma das manifestações:Naess10considera a amostra de estudos de Bowlbycomo sendointegrada por "psicopatas e não sociopatas" (isto é, comporta-mento criminoso não relacionado a trauma emocional). Este A.apresentou interessantes resultados de pesquisa. Estudou cincogrupos de adolescentescom comportamento do tipo delitivo: 1~)"delinqüentes selecionados"; 2~) não delinqüentes, irmãos dosprimeiros;3~)delinqüentesnão fraternos; 4~)semelhantesao gru-po de Bowlby, e 5~) perturbados mentais. Os dados finais sãoos seguintes:

Igualmente os dados de Gardner, Hawkes e Burchinall1constestam Bowlby, pois encontraram carência afetiva entre 120/0de sociopatas, 14% de portadores de outros distúrbios e 16% deexaminandos sem qualquer distúrbio.

I

DELINQÜ~NCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 105

Diante de todos esses dados, aliados a estudos próprios, Muc-chielli oferece outra explicação psicodinâmica.

Essa teoria causal e dinâmica pode ser resumida no seguintediagrama (adiante apresentamos uma breve exposição da mesma):

Síndrome da mãe inconstanteDesagregação familiar

!

2

3

4

5

A "síndrome da mãe inconstante" e a "desagregação fami-liar" são consideradosprocessosprimários, dos quais se derivamos outros, que - no conjunto - causam o comportamento "dis-social" .

l(a) Síndrome da mãe inconsrante- Mucchiellianota queMadoff12concluiu terem as mães dos delinqüentesentendido suamissão como sendo um sacrifíciode si e de seuprazer, para favo- .recer seus filhos, dos quais esperamlealdadeabsoluta, amor e de-voção. Rosenthal,13porém, observou que elas são fracas, acredi-

Separação materno-infantil Grupo Grupo Grupo Grupo Grupoantes dos 5 anos de idade 1 2 3 4 5Por seis meses ou mais 100/0 20% 27% 240/0 25%Por três meses ou menos 15% 24% 31% 26% 30%

Inadaptação familiarInadaptação escolar

Fuga - Vida na rua

Adaptação ao "real imediato"Falta de adaptação social

Formação de grupos. "dissociais"Delinqüência "dissocial"

Page 56: Psicologia Do Crime

106 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜÊNCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 107

tam-se obrigadasa exercerum controledas frustraçõesdos filhos,ao mesmo tempo têm sentimento de culpa por não amá-Iossufi-cientemente, tornam-se superindulgentes,adotando uma permis-sividadeexcessiva.Essa atitude bifronte gera um tratamento ins-tável à criança, que não desenvolvetolerância à frustração, nãocontrola os impulsose não forma uma "consciência social". Istoé o que se denomina "síndrome da mãe inconstante".

l(b) Desagregação familiar - Podemos, com Porot14 con-ceituar "lares desagregados" como sendo aqueles que não repre-sentam para a criança o papel que deveriam representar.

Podem ser classificadosem: a) inexistentes, b) instáveis, c)destruídos.

a) Inexistentes: Para se falar em desagregação é necessário- como condição prévia - que tenha havido uma constituiçãoou organizaçãoprecedente.Existemlaresque jamais existiramco-mo resultado de coesão. Mais importantes que os laçosde sangueou de direito, existemos de afeto, sobre os quais se constitui ese mantém o edifíciofamiliar. Quando este falta, podemos usarqualquer outro termo para denominar a sociedade que existedefato ou de direito, menos "família".

b) Instáveis:Talvezsejam os mais freqüentes e de maior im-portância criminógena. São lares constituídos, mas que se man-têm em equilíbrioinstável.Segundoo autor citado, podem se dis-tribuir segundoo grau de gravidade para a formação da persona-lidade dos filhos, em: 1)instáveispor desacordos agudos; 2) ins-táveis por desinteligênciaslatentes; 3) instáveis por evasões, fu-gas e compensações;4) instáveispor tentativas de reencontroatra-vés dos filhos.

Os desacordos agudos podem ferir de modo permanente aestrutura dos filhos. Entretanto, um choque afetivo violento, po-rém transitório e com características de lealdade, é bem menosprejudicialdo que os latentes, que produzemnas criançasum sen-timento de instabilidade e insegurança. Quando as crisesagudaschegam a um final resolutivo e harmonioso, são superadas comrelativa facilidade e não deixam, comumente, maiores seqüelas.As crises latentes, porém, dão aparência de uma coesão inexis-tente e, no tempo, transformam a união em simplescoexistênciamal tolerada, do que a criança se apercebee se influencia em ter-mos de contínua instabilidade emocional.

Procurando resolver uma situação, por vezesinsustentável,alguns procuram fuga no trabalho, nas obras sociais, na religiãomal integrada, e até na enfermidade quase sempre simulada. Acriança pode não chegar a compreender o que se passa ao seu re-dor, mas sentirá a anormalidade da situação e sofrerá incontestá-veis influências deletérias.

c) Destruídos:Na realidade só a morte é irreparável. Contu-do, a ausênciaprolongada pode ter função absolutamente igual.Da mesmaforma atuam o abandono e o divórcio. A criança cria-da por um só dos genitores, por terceiros, em abrigos e similares,tem sempreuma sensaçãode carência afetiva, poucas vezescom-pensada emocionalmente.15

O lar sóatendeas necessidadesda criançasecumpresuas fun-ções básicas. Assim, a mãe é primariamente a "fonte de afeto" ,devendo compreender e aceitar seu filho. Este aceitará frear seusimpulsos e sua agressividade,na medida em que desejeconservaro amor materno. A "fonte de afeto" não pode ser ausente ou in-diferente, da mesma forma que não pode ser amoral, inafetiva,associal, abusiva, odiosa. Secundariamenteexerce"autoridade"e, por vezes,precisasuprira ausênciapaterna. Eventualmentepodeser substituída por outra pessoa, que ofereça à criança adequadacarga de sentimento, adote atitudes convenientese comuniqueum"sentimentomaterno". Opai representaa "autoridade" e o "con-tato com a realidade". No curso evolutivo da criança, a impor-tância materna vai decrescendo e a do pai vai progressivamenteaumentando, até a fase adulta. Para exercerfunção equilibrada,o pai não pode ser ausente, omisso, submissoà esposa, mas tam-bém não pode ser incompreensível,arbitrário ou despótico. A ir-mandade representa a competição. Assim, as disputas fraternas,as reações ciumentas, as rixas infantis são compreensíveise atésalutares. Tudo isso prepara a criança para as competiçõesnatu-rais da vida. Só não pode haver aqui aprovação à injustiça inter-na no grupo familiar. Fora disso, até as intervençõesdos adultospodem ser indesejáveis.O "lugar" (habitação) representa a "so-lidariedade" . A busca da "casa" é uma reação usual frente às frus-trações da vida. Saber-secompreendido e aceito é o maior desejode todos e issoé vivenciadointensamentepelascrianças.Para ondepode ir alguém que se sinta rejeitado? O lar que descumpresuasfunções facilita (ou impele)a fuga e a vida na rua, com suas con-seqüências.

Page 57: Psicologia Do Crime

108 PSICOLOGIA DO CRIME

..

Porot, Buscailet Vincenty,l(íestudando 654 crianças, quan-to à sua condiçãofamiliar,encontraramaparêncianormalsomenteem um terço da amostra. Posteriormenteobtiveram resultadossi-milares na análise de 5.000casos. Observando ainda 444criançasde conduta delinqüencialorganizaram o seguinte quadro de fre-qüência das perturbações da célula familiar:

a) A dupla conjugal1. ausência prática dos genitores (pais desconhecidos,

divorciados, falecidos) 1702. genitores de comportamento nefasto (sem domicílio

fixo, amancebados, disputas familiares graves, semocupar-se dos filhos) 32

b) O pai1. ausência do pai (desconhecido, falecido, demente) 1952. pai que contraiu outras núpcias 573. pai nefastopor seuexemplo(amancebado,de má con-

duta notória, delinqüente reincidente penal, etilistacrônico) 59

4. pai nefasto do ponto de vista afetivo (demasiadoau-toritário, muito débil, sem ocupar-se dos filhos). 67

c) A mãe1. mãe ausente (falecida, demente) 1262. mãe que contraiu outras núpcias 593. mãe nefasta por seu exemplo (amancebada, delin-

qüente ou reincidente penal, conduta notoriamenteleviana, prostituta, etilista) 60

4. mãe nefasta do ponto de vista afetivo (muito autori-tária, muito débil, não se ocupando dos filhos)... 58

A dupla conjugal 202O pai 378A mãe 303

São 883 anomalias para 444 jovens.Como se percebea matéria é de grande importância e as in-

fluênciasmaléficasdo lar desagregadosão incomensuráveis.Temparticular interessena formação (ou deformação?) da personali-

J

109DELlNQÜ~NCIA "ESSENCIAL" OU "DlSSOCIAL"

dade, e por isso, tem sido objeto de estudo no campo da psicogê-nese criminal.I7-18-19-20

Essa observação faz parte da experiênciados que se dedicamao estudo das personalidadesdelinqüentes.Aqui vão dados de al-guns autores e resultados de nossa própria observação.

DESAGREGAÇÃO FAMILIARENTRE DELlNQÜENTES21

Autor \ 0/0

Tappan40-50

Abbott 34

Slawson 45

Hodgkiss67

Estrutura da Delinqüente Não Autor

jamflia delinqüente

Disciplinafamiliardefeituosa 79.5 11.5 Tappan22

Incompatibilidadedos pais 63.2 34.8 Glueck23

DESAGREGAÇÃOFAMILIAR COMPARADA24

Causa Delinq. Não delinq.0/0 0/0

Delinqüênciapaterna 66.2 32.0

Delinqüênciamaterna 44.8 15.0

Alcoolismopaterno 62.8 39.0

Alcoolismomaterno 23.0 7.0

Nível moraldeficiente 90.4 54.0

Page 58: Psicologia Do Crime

110 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQoeNCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 111

HeuyerPinatel

88%58%

a criança e seuspais (o lar, em geral) resultando em castigos, porvezesde natureza física. Se é verdade inconteste que muitos paissão abusivose até violentos (carecendode medidas policiaise ju-diciárias), não é menos certo que, em certos casos, houve provo-cação renitente por parte do menor (chegam, mesmo, ao desafiomanifesto). Assim, nos estudos retrospectivos há necessidadedeconfronto de informações, para evitar interpretações unilaterais,injustas e não científicas.

A escolageralmenterepresentao primeirocontatocomo mun-do "extra-lar". A pedagogia moderna enfatiza a importância so-cializadora do papel da escolano processo de formação da perso-nalidade. Deixando de lado os freqüentadores de berçários e si-milares, consideremosas condiçõesda criança no chamado "cur-so primário". A competição, a disciplina, a distribuição do tem-po e as horas do lazer são apresentadas à criança de modo práti-co e ela terá de achar o seu "espaço" entre os demais. Se ela che-ga à escolajá tendo em si o germe da indisciplina e a disposiçãoà ociosidade, dificilmentese adaptará à nova realidade social. Odesinteressee a ociosidadelevarãoao absenteísmo("cabulação")e ao abandono da escola. Ao sereminterrogados em vida adulta,fornecem relato insincero: deixaram a escolapara ajudar, com otrabalho, a economiadoméstica. É fácil comprovar, pois o relatode suas atividades profissionais (empregos, sedes, permanênciasno emprego, ganho, etc.) denunciará a insinceridade dos infor-mes anteriores.

Os que tiveram "mãe inconstante" e procedemde "lares de-sagregados" apresentam essas desadaptações por motivos psico-lógicos (psicodinâmicos)e não de ordem social, freqüentementeinvocados como "justificativa pessoal consciente".

DESAGREGAÇÃO FAMILIAR ENTREDELINQÜENTES25

Resultados de 250 Observações

Estudamos 250 casos, tendo obtido os seguintesresultados:26

DESAGREGAÇÃOFAMILIAR

Esses dados acompanham os encontrados em outros meiose mostram o alto grau com que a desagregaçãofamiliar participado processo criminogenético.

3) Fuga - Vidana rua - Os processospsíquicosantes des-critos explicamas fugas.e a necessidadede viver na rua. Pode-seconsiderar, também, o falso conceitode liberdade,que requer no-madismo e ociosidade sem disciplina. É claro que essas criançasvão desenvolverhostilidade ao meio social, inveja dos que des-frutam de conforto e agressividadepara assegurarsatisfaçãoime-diata de seus desejos e impulsos. A formação de grupos "paras-sociais" é fruto de uma "identificação psicológica" com os quesão "o seu semelhante", igualmente carentes de valores sócio-morais. E assimsurgem os "bandos" (ou outro nome que os ca-

2(a) Inadaptação familiar e (b) Inadaptação escolar - A au-sênciada "consciênciasocial" manifesta-seprecocemente.O aban-dono afetivo, como já anotado, resulta logo em rebeldia e rejei-ção da disciplinae dos valores familiares. Isso causa atritos entre

Lares Menores americanos Menores recidivistasEstudados franceses

Delinq. Não delinq. Ensisheim Relegues

Sem desagregação 39.6 65.8 44.0 39.1Desaf!ref!ados 60.4 34.2 66.0 60.9

Amostra Desagr.

50 Delinqüentes primários 11

50 Reincidentes em menosde 2 anos 22

50 Liberdade condicionalrevogada 31

100 Reclusos com defeitode personalidade 47

Total - 250 casos estudados 111

% de famflias desaf!ref!adas ...... 44.5

Page 59: Psicologia Do Crime

112 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜ~NCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 113

racterize).Por um processosemelhante,vai-seformandouma "es-cala de valores" diferente da sociedadeem que estão inseridos esurge o "Código" do grupo particular. A falta absoluta de pro-fissionalização leva, de início, a atividades pseudolaborativas e,depois, à delinqüência. A passagem a esta é simples questão decircunstância ou necessidade.

Síndrome da mãeinconstante

~Rejeição dosvalores sócio-morais

Comportamentodelinqüencial"dissocial"

4 e 5) Adaptação ao "real imediato", Falta de adaptação so-cial, Formação de grupos "dissociais" e Delinqüência "dissocial"- Surgem como conseqüênciasdiretas e inevitáveis. Os "disso-ciais" conservamcapacidadeadaptativa, mas voltada à realidadeimediata.A necessidadede resolverprontamenteos problemascon-seqüentes à vida na rua os leva a viver o "dia-a-dia", sem preo-cupaçõesteleolÓgicas.Na realidadenão dispõemde um "horizontetemporal", contestando o passado, levando o presente, sem pla-nos para o futuro. Aceitar os valoresda sociedadegeral, seusmé-todos e seus objetivos se constitui em algo impensável.

A "identificação grupal" Gáreferida) leva à ação coletiva eao delitoem grupo. Parece mesmoque o "eu" e o "nós", em cer-to sentido e em certa extensão, se confundem. O comportamentosocialmentelesivose cronifica e se converteem "estilo de vida".

Desagregação familiar~

Sentimento de rejeição

Estudos retrospectivos

As "equipes interdisciplinares" que estudam a personalida-de dos infratores seguemum esquema bipartido: de um lado rea-lizam provas e examesdiretos, de outro colhem dados do cursovital do observando. Esses "dados retrospectivos" são muito se-melhantes ou quase iguais quando se trata de "dissociais". Es-quematicamente podemos anotar:

1. Procedência de "lar desagregado" (nos termos já referi-dos)

2. Interrupção da escolaridade (desinteresse - inatividade-absenteísmo - abandono da escola)

3. Falta de profissionalização(indisciplina- fantasias de al-tíssima e irreal retribuição - instabilidade - opção pela ociosi-dade)

4. Integração precoce de grupos "parassociais" (recreativos-'- predatórios - delinqüenciais)

5. Distúrbioscomportamentaisestruturados(intemações"cor-retivas" - atos anti-sociaisna menoridade - passagense deten-ções em Delegaciase/ou na FEBEM - inadaptação persistentee estruturada)

Aqui vão resultados de algumas pesquisas (do Autor):

Causa Efeito

Síndrome da mãe Falta de capacidade adaptativainconstante Não desenvolve:

1. tolerância à frustração2. controle sobre os impulsos3. "consciência social"

Lar desagregado Sentimento de rejeiçãoFalta de segurança por:

1. falta de amor2. falta de aceitação3. falta de estabilidade

Page 60: Psicologia Do Crime

114 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQO~NCIA "ESSENCIAL" OU "DlSSOCIAL" l1S

1. Operários2. Lavoura3. Comércio4. Militares5. Artesanato6. Funcionários públicos,7. Contadores8. Veterinários9. Professores

10. Sem profissão

34.510.725.325.32.74.80.60.60.6

16.6

ProfISsões (150 casos)

.

Para ilustrar esteestudo, anexamosalgumas observaçõesin-tegrantes de laudos de nossa lavra (com eventual participação deterceiros).

LA UDO 1

EXAME DE SANIDADE MENTAL

1. Por determinação do MM. Juiz de Direito da Nona (9~) Vara Criminal,o indiciado P.L.O.,leucodermo, brasileiro, com 26 anos de idade, solteiro, sa-pateiro, submete-se a exame psiquiátrico no Instituto de Biotipologia Criminal.

Escolaridade (150 casos)

AnalfabetoPrimária incompletaPrimária completaSecundária incompletaSecundária completaSuperior

0/0

16.041.325.38.78.00.7

Histórico e antecedentes

2. Não constam do prontuário referente a P.L.O ou P.J.V., ou P.L.V.cópias das denúncias ou das sentenças condenatórias que possibilitem uma vi-são dos feitos atribuídos ao examinando em tela. Consta uma nota, segundoa qual o periciando responde a nove (9) processos-crime (segundo informes daCasa de Detenção), perante diversas Varas desta Capital. Os delitos parecemser de natureza patrimonial e o agente reincidente específico.

3. Nascido e criado na Capital, é filho de pais amasiados, sendo o únicohavido dessa união. Tem o pai vivo e não sabe informar a respeito de sua geni-tora. Nega a existência de neuropsicopatias e delinqüência entre ascendentes ecolaterais. Registra alcoolismo paterno e ambiente familiar desagregado. Aosseis (6) meses de idade foi "surrado" pelo pai, tendo tido convulsão. (7) Fre-qüentou irregularmente escolas primárias, com péssimo aproveitamento. Aoscatorze (14) anos já provia sua manutenção, mas seu trabalho foi sempre irre-gular. Aos dezoito (18) anos já estava às voltas com a policia. Desajustado noambiente religioso-familiar e tendo se iniciado nas práticas anti-sociais, tornou-se um recidivista.

INSTABILIDADEPROFISSIONAL 070(250 casos)

Gruposno no

grupo geral

1. Delinqüentesprimários (50) 86.0 17.22. Reincidentesem 2 anos (50) 100.0 20.03. Condicionalrevogada (50) 98.0 19.64. Defeito de personalidade (100) 73.0 29.2

INícIO PRECOCE DA %AUTOMANUTENÇÃO(250 casos)

Gruposno no

grupo geral

1. Delinqüentesprimários (50) 76.0 15.22. Reincidentesem 2 anos (50) 100.0 20.03. Condicional revogada (50) 98.0 19.64. Defeito de personalidade (100) 71.0 28.4

INTERRUPÇÃO DO APRENDIZADO %(250casos)

Gruposno no

grupo geral

1. Infratores primários (50) 90.0 18.02. Reincidentesem 2 anos (50) 98.0 19.63. Condicional revogada (50) 98.0 19.64. Reclusoscom defeitos

de personalidade(100) 77.0 30.8

Page 61: Psicologia Do Crime

116 PSICOLOGIA DO CRIME

Descrição

4. Paciente de boa compleição física, sem particularidades. Clinicamenteassintomático, não externa indícios de processo organo-patológico em atividade.

5. Ao comparecer às várias entrevistas a que se submeteu, apurou-se estarlúcido, consciente, orientado. Estabelece bom contacto com o exterior e prestaprontamente informes lógicos, coerentes. O curso e a estrutura do pensamentomostram-se conservados. A senso-percepção está íntegra, não havendo indíciosde perturbação. A capacidade crítica e o senso ético estão insuficientemente in-tegrados na formação da personalidade, que é primária e carente de valoresafetivo-volitivos. O controle pelos meios inibitórios é fraco, insuficiente. O pa-ciente mostra-se ansioso e angustiado, com nítidos sinais neuróticos. Entretan-to, os traços defensivos são mais nítidos e a perturbação de caráter é prevalente.

6. Neurologicamente assintomático. Equilíbrio, marcha, motricidade e sen-sibilidade conservadas. Reflexos pupilares e osteotendinosos presentes e normais.

7. Submetido a exame por meio de psicotestes apurou-se:

a) inteligência mediana;

b) imaturidade afetivo-emocional;

c) insegurança e angústia;

d) sensível e dado a exageros de sintomas.

8. O paciente alega ter estado no Manicômio Judiciário do Estado. A Se-cretaria daquele Serviço, em ofício ao Instituto de Biotipologia Criminal, infor-mou não constar esse nome em seus assentamentos.

Discussão

9. Os exames excluem debilidade mental e quadro psicótico de qualquernatureza. Apuram perturbações prevalentes do caráter, por má formação da per-sonalidade.

10. Esses dados permitem estabelecer que o agente entende o caráter cri-minoso de um feito e pode determinar-se de acordo com esse entendimento.

11. Em síntese, trata-se de um agente normal e imputável.

Conclusão

12. Em conclusão os exames apuraram a inexistência de perturbações psí-quicas e de retardo mental, devendo o agente ser tido por "normal", plenamen-te imputável penalmente.

I

DELINQÜ~NCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 117

LA UDO 2

EXAME DE SANIDADE MENTAL

1. Por determinaçãodo MM. Juiz de Direito da Nona Vara Criminal, oindiciadoR.T.E., leucodermo,brasileiro,com 21 anos de idade, tecelão, soltei-ro, compareceua observação psiquiátrica no Instituto de Biotipologia Crimi-nal.

Histórico e antecedentes

2. Está indiciado no artigo 155do Código Penal perante a referida Varaprocessante, por ter roubado um casacode pelese vendido o mesmo a um ter-ceiro. Nas cópiasdo processo~ referência a três (3) outros judiciários em curJso.

3. Nascido e criado em XXX, é filho de pais separados. Ignora casos deneuropsicopatias entre familiares, mas faz referências a vários casos de etilismoentre seus ascendentes e colaterais. Nega a existência de casos de delinqüênciafamiliar. Freqüentou escolas primárias e secundárias, tendo alcançado o tercei-ro grau ginasial. Trabalha desde seus quinze (15) anos de idade, provendo suasubsistência. Não registra passado mórbido pessoal de interesse psiquiátrico. Re-gistra fuga de casa atribuída a maus tratos. Diz estar envolvido em quatro (4)judiciários.

4. Foi matriculado sob n. XXX na Penitenciária do Estado, procedendode XX, onde estava preso. De acordo com o seu Boletim, duas são referentesa seis (6) judiciários. Sua inclusão na população reclusa data de XXX. Atual-mente trabalha na faxina geral interna.

Descrição

5. Paciente leucodermo, de boa compleição física, sem particularidadesdignas de nota. Clinicamente assintomático, não registra sinais ou sintomas deprocesso organo-patológico em evolução.

6. Neurologicamente íntegro. Motricidade e sensibilidade conservadas sobtodas as formas. Equilíbrio e marcha normais. Reflexos pupilares e osteotendi-nosos presentes e normais. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll-Robertson.

7. Submetido a provas psicológicas pôde-se apurar:

a) inteligência supramediana;b) labilidade emocional e irritabilidade presentes;

c) sinais de dependência e imaturidade afetiva;

d) meios de controle pobremente integrados.

Page 62: Psicologia Do Crime

118 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜeNCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 119

8. O exame psiquiátrico evidenciou tratar-se de pessoa lúcida, orientadaauto e alopsiquicamente. Não externa perturbações do curso e da estrutura dopensamento, bem como da senso-percepção. Defeitos caracterológicos. Deficienteintegração dos valores afetivo-volitivos. Crítica dentro dos limites lógicos e ob-jetivos.

sileiro, solteiro, com 23 anos de idade, para se submeter a exame de sanidademental.

Histórico e antecedentes

9. O paciente não externa qualquer indício de desenvolvimento mental in-completo ou retardado, bem como não é portador de quadro psicopatológicode nível psicótico. Apresenta distúrbios do caráter por má formação da perso-nalidade, que é carente de valores afetivo-volitivos.

10. As capacidades de entendimento e de autodeterminação mostram-sepreservadas e tudo indica ter sido sempre essa a sua condição mental.

11. Em face do exposto, o examinando não apresenta nenhuma perturba-ção comprometedora de sua capacidade de imputação. Em outros termos, é pes-soa sã, plenamente imputável penalmente.

2. Trata-se de pessoa já matriculada na Penitenciária do Estado, onde re-cebeu o número XXX e que cumpre pena por delitos contra o patrimônio. Cons-tam de seu boletim seis anotações, a saber:

a) IO~Vara Criminal - Artigo 155 § 4~ - pena: I ano de reclusão.b) 8~ Vara Criminal - Artigo 155 § 4~.

c) 6~ Vara Criminal - Artigo 155 § 4~ - pena: I ano de reclusão.

d) 5~ Vara Criminal - Artigo 155 § 4~ - pena: 3 anos de reclusão e 2anos de medida de segurança.

e) 9~Vara Criminal - Artigo 155 § 4~ - pena: 6 mesesde reclusão e Iano de medida de segurança a ser cumprida em Casa de Custódia e Tratamento.

O 5~ Vara Criminal -"Artigo 155 § 4~ - pena: 2 anos de reclusão.

Discussão e conclusão

LA UDO 3

3. Já esteve internado no Manicômio Judiciário do Estado, onde foramelaborados dois laudos:

a) por determinação do MM. Juiz de Direito da 5~ Vara Criminal, em queserviram os peritos Drs. E.B.C. e A.T.L.;

b) por determinação do MM. Juiz de Direito da 8~ Vara Criminal, em queserviram os peritos Drs. H.L. e W.S.C.

4. Nascido em XX, foi criado na Capital desde seu 2~ ano de vida. É oterceiro dos quatro filhos havidos por seus pais. Aos 4 anos perdeu sua genitorae seu pai não contraiu novas núpcias. Foi criado em abandono, vivendo comoum "menino de rua". Nega passado mórbido somático de interesse. Informater um irmão internado no Hospital XXX, desde quando este contava 18 anosde idade. Freqüentou irregularmente o curso primário, que não chegou a con-cluir. Antes de seus 15 anos já trabalhava numa tinturaria e logo depois passoupara uma serralheria. Diz que seu aprendizado profissional foi fraco, pois nãochegou "a ser bom artífice". Antes de completar 18 anos teve uma briga comseu irmão e resolveu sair definitivamente da casa paterna, tendo - a partir daí_ se dedicado à prática de furtos em companhia de dois amigos. Em períodoque não precisa, foi dado ao hábito etílico que já abandonou (sic). Nega delin-qüência entre ascendentes e colaterais; refere um só caso de moléstia mental en-tre familiares, conforme já se conta acima.

Quesitos e respostas

12. Quesitos do Ministério Público:

I ~) Por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, erao réu ao tempo da ação inteiramente incapaz de entender o caráter criminosodo fato?

2~) Em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimentomental incompleto ou retardado, não possuía o réu a plena capacidade mentalde entender o caráter criminoso do fato?

13. Respostas aos quesitos do Ministério Público:

Ao I~: Não: tudo indica que era plenamente imputável, nos termos destelaudo.

Ao 2~: Não era mentalmente perturbado, sendo plenamente imputável,nos termos deste laudo.

Dr. O.R.M. - RelatorDr. A.C.N. - Diretor do Instituto-substituto

LAUDO DE SANIDADE MENTAL Descrição

II

I

I. Por determinaçãodo MM. Juiz de Direito da I~Vara Criminal, com-pareceao InstitutodeBiotipologiaCriminalo sentenciadoV. C. A., branco, bra-

5. V.C. é pessoa branca, do tipo constitucional mesolíneo, que aparentaa idade aIegada e não apresenta sinais particulares dignos de nota.

Page 63: Psicologia Do Crime

120 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜÊNCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL" 121

6. Os dados clínicos estão dentro dos limites e da normalidade. Equilíbrioe marcha sem alterações. Motricidade e sensibilidade íntegras sob todas as for-mas. Reflexos pupilares e osteotendinosos normais. Ausência dos sinais de Rom-berg, Argyll-Robertson e Babinsky.

7. Ao comparecer para exame, mostra-se calmo, consciente e orientado glo-balmente, tem noção adequada de sua situação e seu estado. Não se apuram dis-túrbios formais nem estruturais do pensamento. Senso-percepção aparentemen-te íntegra. Não é, portanto, alucinado, nem delirante. Capacidade crítica e sensoético inadequadamente integrados na formação da personalidade. Distúrbios daconduta, datando de alguns anos (vide histórico) bem como da volição e possi-velmente dos instintos. Infância em situação de abandono e mesmo rejeição afe-tiva. Alcoolismo pregresso, datando de antes de seus 18 anos de idade. Aprecia-ção crítica de sua vida pregressa e delinqüencial inteiramente inadequada, che-gando mesmo a achá-Ia aceitável e apreciável, "se não houvesse polícia".

do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento?

b) Ao tempo do fato, por perturbação da saúde mental ou por desenvolvi-mento mental incompleto, não possuía a plena capacidade de entender o carátercriminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento?

13. Respostas aos quesitos:

a) Não, conforme se dá conta no laudo supra.

b) Sim: não era capaz de se determinar adequadamente, embora pudesseter conhecimento da natureza delituosa do fato.

Dr. O.R.M. - RelatorDr. J.C.S.T. - Diretor do Instituto

Discussão e conclusãoLA UDO 4

EXAME DE SANIDADE MENTAL

8. A formação do caráter do examinando processou-se em condições des-favoráveis, de modo a não terem sido adequadamente integradas em sua perso-nalidade a capacidade crítica e o senso ético.

Há psicopatia entre familiares. Sua conduta delinqüencial é reiterada e bemaceita por sua crítica interior. Até aqui os dados falam a favor do diagnósticode personalidade delinqüente verdadeira. Caso os distúrbios volitivos, afetivose os instintivos mostrarem-se estruturados e irreversíveis, então estaremos em fa-ce de uma personalidade psicopática. Não tendo até o presente elementos segu-ros para aceitar a irreversibilidade dos distúrbios mas somente sua estruturaçãopatente, optamos pelo primeiro diagnóstico.

9. Tudo indica que o paciente tivesse capacidade de entender o caráter cri-minoso de seus feitos. Quanto à determinação conseqüente, parece estar com-prometida pelas deficiências ético-críticas de que sua personalidade se ressente.Deve, por isso - a nosso ver -, ser tido por semi-imputável pelos eventos quelhe estão sendo atribuídos.

10. Caso seus distúrbios não sejam - como parecem - irreversíveis, o tra-tamento adequado em Casa de Custódia poderá capacitá-Io futuramente ao re-torno à liberdade.

11. Em conclusão podemos estabelecer.a) personalidade delinqüente verdadeira;

b) semi-imputável;

c) que deve ser tratada em Casa de Custódia.

1.Por determinaçãodo MM. Juizde Direitoda VaraAuxiliardo Júri com-parece ao Instituto de BiotipolOgiaCriminal o indiciado J.P.S.F., melanoder-mo, brasileiro, solteiro, com 24 anos de idade e operário, para se submeter aexame de sanidade mental.

Histórico e antecendentes

Quesitos e respostas

2. Denunciado perante o Tribunal do Júri como incurso nas sanções doArtigo 121 por tentativa de homicídio juntamente com outros indiciados, é rein-cidente específico e genérico, condenado por homicídio em 1954 e que já cum-priu pena detentiva por infração do Artigo 171 do Código Penal.

3. É o último dos quatro filhos havidos por seus genitores. Aos 4 anosde idade perdeu a mãe, e seu pai casou-se novamente. Como não se entendessecom a madrasta, fugiu de casa aos 7 anos de idade. Dos 7 aos 10 anos freqüen-tou irregularmente escola primária, não tendo concluído o curso. A partir deseus 14 anos tem trabalhado de modo irregular e incerto, mudando sempre denatureza e sede do serviço. Dos 16 aos 18 anos esteve internado em Abrigo deMenores, pois sua vida irregular data de seus 14, tendo-se envolvido desde cedocom a Polícia. Não refere passado mórbido de interesse neuro-psiquiátrico e ne-ga delinqüência e neuropsicopatias entre ascendentes e colaterais.

4. Da sua "Folha de Antecedentes", integrante do processo, constam vá-rios judiciários, sendo referentes a infrações dos Artigos 129, 171, 155, 129 e121 do Código Penal, tem cumprido penas já registradas e considerado reinci-dente específico e genérico.

5. Tendo sido matriculado na Penitenciária do Estado sob n. XXX foi exa.minado pelo Instituto de Biotipologia Criminal. O exame psiquiátrico registra:"É dramático, místico com certa exaltação afetiva e do próprio ego: "Na ca-

12. Quesitos da Curadoria:

a) Era ao tempo da ação, por doença mental ou desenvolvimento mentalincompleto ou retardado, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso

Page 64: Psicologia Do Crime

122 PSICOLOGIA DO CRIME DELINQÜ~NCIA "ESSENCIAL" OU "DlSSOCIAL" 123

9. Frente ao exposto, o periciado não apresenta debilidademental, nemsintomasprópriosde quadro psicótico.Trata-se depersonalidademal formada,comdistúrbiospreva/entesdo caráter.Não tem, dessaforma, prejudicadassuascapacidadesde entendimentoe de autodeterminação, devendo - a nosso ver- ser tido por plenamenteimputável.

3. Klein, M., Contribuciones ai Psicoanálisis, Buenos Aires, Ed. Paidos, 1947.4. Spanoudis, L., Delinqüência e Psicanálise, São Paulo, Ed. IBDC, 1954.5. Bowlby, J., "Crianças carenciadas", in Rev. Psicol. Normal e Patol. 4:677-894,

1960, (trad. cl outros).6. Redl, F. & Wineman, D., Ninos que odian (trad. esp. de Children who hate),

Buenos Aires, Ed. Hormé, 1959.7. Edelston, H., The Earliest Stages of De/inquency, Londres, Ed. Livingstone, 1952.8. Mucchielli, R., Comment ils deviennent Délinquants, Paris, Ed. ESF, 1974.9. Lewis, H., in OMS, "The detection of the predelinquent juvenile" - citado por

Mucchielli, R., ob. cit. Cita, do mesmo autor: The Mersham Experiment, 1974.10. Naes, S., "Mother separation and delinquency", British J. Criminpl. 11

(4):361-374, 1962.11. Oardner, D. B., Hawkes, O. R. e Burchinal, L. O., "Noncontinuous mothe-

ring in infancy and development in later childhood", Rev. Child Development 32(2):225-234, 1961, citado por Mucchielli, R., ob. cito

12. Madoff, J. M., "The attitudes of mothers of juvenile delinquents toward childrearing", J. ofConsult. Psych., XXIII (2):151-171, 1962, citado por Mucchielli, R., ob.cito

13. Rosenthal, M. J., "The syndrome of the inconsistent mother", Am. J. Ortho-Psych., XXXI (4): 637-644, 1962, citado por Mucchielli, R., ob. cito

14. Porot, M., L'enfant et les Relations Familiales, Paris, PUF, 1955, capo V.15. Bowlby, J. elo aI., Crianças Carenciadas (Deprived Children), São Paulo, Ed.

Inst. Psicol. -PUC, 1960.16. Porot, M. Buscail et Vincenty, Y., "La situation familiale des enfants délin-

quants de Ia region d'AIger", Reeducation 3:17-22,1949; AIg. Med. 453 e 456,1949.17. Aichorn, ob. cit.18. Redl, F. Wineman, D., ob. cito19. Friedlander, K., Psicoanálisis de Ia Delincuencia Juvenil, 2~ed., Buenos Aires,

Ed. Paidos, 1956.20. Chazal, J., L 'énfance Dé/inquante, Paris, PUF, 1958 (Col. "Que sais-je7", n.

563).21. Tappan, P. W., Crime, Justice and Correction, Nova York, McOraw-Hill, 1960,

p. 191 (organizado com esses dados).22. Tappan, P. W., Juvenile Delinquency, Nova York, McOraw-Hill, 1949, p. 137.23. Olueck & Olueck, E. Physique and Delinquency, Nova York, Harper & Bro-

thers Publ., 1956, p. 189.24. Leauté, J., Criminologie et Science Penitentiaire, Paris, PUF, 1972, pp. 541-542.25. Bouzat, P. et Pinatel, J., Tratado de Derecho Penal y de Criminologfa, 2~ ed.,

Caracas, Ed. Venezuelana - Ed. Fac. Dir., 1974 p. 369.26. Ramos Maranhão, O., "índices psico-evolutivos de periculosidade: considera-

ções a propósito de 250 casos" - apresentado no V Congresso Brasileiro de Direito Pe-nal e Ciênciasafins, São Paulo, 1975. .

deia senti o sinal de minha recuperação e hoje os meus propósitos são de coope-rar com a criminologia, salvar meus companheiros, etc.". "Não foram apura-dos distúrbios psicóticos manifestos." "Há na sua personalidade algumas ca-racterísticas paranóides."

6. Da "Folha de Informação" fornecida pela Diretoria Penal da Peniten-ciária consta encontrar-se no segundo estágio de cumprimento de pena, tendoregistrado falta disciplinar, esteve cumprindo castigo (perdoado em parte frenteà melhoria de conduta).

Estado atual

7. Ao ser chamado para exame, apresenta-se em atitudes adequadas,mostrando-se calmo, consciente e orientado globalmente, tendo noção conve-niente de sua pessoa, estado e situação processual. Informa com facilidade, cer-to interesse e por vezes torna-se loquaz e prolixo. Não se apuram distúrbios for-mais ou estruturais do pensamento. Senso-percepção aparentemente íntegra. La-bilidade emotiva durante a entrevista, sugerindo ser dirigida de acordo com in-teresse em jogo, frente a cada questão proposta pelo examinador. Capacidadecrítica e senso ético defeituosamente integrados na formação da personalidade.Exaltação constante do próprio ego, enaltecendo-se em todas instâncias, procu-rando mesmo impressionar favoravelmente o observador. Chegou, mesmo, ater crise de choro ao dar a versão do delito a que se refere sua condenação ante-rior (caso criminal em que sua amásia faleceu em virtude de queimaduras conse-qüentes de fogo nas vestes). Nível cultural baixo. Capacidade intelectual apa-rentemente dentro da normalidade.

8. Não apresenta queixas, sintomas ou sinais de perturbações somáticas.O exame neurológico evidencia estarem íntegros o equilíbrio, marcha, a motri-cidade e a sensibilidade sob várias formas, bem como ausentes os sinais de Rom-berg, Argyll-Robertson e Babinsky, havendo presença e normalidade dos refle-xos pupilares e osteo-tendinosos.

Discussão e conclusão

Notas e referências

1. Aichorn, A. Wayworth Youth, Nova York, Meridian Books, 1955.2. Alexander, F. & Healy, M., Las Rafces dei Crimen (trad. esp.), Argentina. Ed.

Ass. Psiq., 1946.

Page 65: Psicologia Do Crime

Capítulo 9

o NEURÓTICO, O PSICOPATA E ODELINQÜENTE

Os conceitosde reaçãoanti-sociale reaçãodissocialaparece-ram na primeira edição do D. S. M. (Diagnosticand StatisticalManual of Mental Diosorders,AmericanPsychiatricAssociation,1952)como se anotou nos capítulos anteriores (conf. caps. 7 e 8).Em 1967apareceu a segunda edição(D. S. M. 11),traduzida parao português em 1972(cf. Revista Brasileirade Psiquiatria6 (3):75-113; 1972). Não mais contém os mencionados conceitos,substituindo-os por "personalidade anti-social" (301.7)e supri-mindo o "dissocial".

O novo conceito - "personalidade anti-social" - está as-sim redigido: "Este termo é reservado para os indivíduos basica-mente insocializáveise cujo padrão de comportamento os colocarepetidamenteem conflitocom a sociedade.São incapazesde leal-dade significativacom os indivíduos, grupos ou valores sociais.São manifestamenteegoístas, rudes, irresponsáveis,impulsivoseincapazesde sentir culpa ou aprender com a experiênciae o casti-go. A tolerância à frustração é baixa. Tendem a culpar os outrosou a oferecer racionalizaçõesplausíveispelo seu comportamen-to. Uma simpleshistóriade repetidasofensaslegaisou sociaisnãoé suficientepara justificar estediagnóstico.As reaçõesdelinqüen-ciais de grupo, na infância ou adolescência,e desajustamento so-cial sem desordenspsiquiátricasmanifestas devemser eliminadasantes de se fazer este diagnóstico".

Esse diagnóstico fazia parte da Divisão V - "Desordens dapersonalidade e outras desordens mentais não psicóticas".

O D. S. M. lU (3~ed.) apareceu em 1980e três anos depoisjá estava na 1O~reimpressão.1Em 1987foi elaborada uma "edi-

I

o NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE 125

ção revista" (D. S. M. 111.R.), traduzida para o português em1989.2O comportamento "antissocial" é considerado "distúrbioda personalidade". Para facilitar a compreensão, aqui se trans-crevem os conceitos.

Distúrbios de personalidade

"Caracter(sticas de personalidade são padrões duradouros de percepção,relação, e pensamento acerca do ambiente e de si mesmo, e são exibidos numaampla faixa de contextos sociais e pessoais importantes. É somente quando ascaracter(sticas de personalidade são inflexíveis e inadaptadas, e causa tanto com-prometimento funcional significativo como sofrimento subjetivo, que elas cons-tituem o Distúrbio de personalidade. As manifestações dos distúrbios de perso-nalidade são freqüentemente reconhecíveis na adolescência ou mais cedo, e con-tinuam por quase toda a vida adulta, embora elas muitas vezes se tornem menosóbvias nas faixas médias ou extremas de idade.

"Os critérios diagnósticos para os distúrbios de personalidade se referema comportamentos ou traços que são ~racterísticos do funcionamento recente(ano passado) e a longo prazo, desde o início da idade adulta. A constelaçãode comportamentos ou características causa tanto comprometimento significa-tivo do funcionamento social ou ocupacional como sofrimento subjetivo. Mui-tos dos aspectos característicos de vários distúrbios de personalidade, como De-pendente, Paranóide, Esquizotípico, ou Limítrofe, podem ser observados du-rante um episódio de um outro distúrbio mental, como Depressão Maior. O diag-nóstico de Distúrbio de Personalidade deve ser feito somente quando os aspec-tos caracteristicos são típicos do funcionamento da pessoa a longo prazo e nãosão limitados a episódios discretos da doença.

"301.70 Distúrbio Anti-Social de Personalidade

"A característica essencial deste distúrbio é um padrão de comportamen-to irresponsável e anti-social, que começa na infância ou no início da adolescên-cia e continua pela idade adulta. Para que este diagnóstico seja dado, a pessoadeve ter pelo menos 18 anos de idade e ter uma história de Distúrbio de Condu-ta antes da idade dos 15 anos.

"Mentir, roubar, vadiagem, vandalismo, iniciar brigas, fugir de casa e cruel-dade física são sinais típicos na infância. Na idade adulta o padrão anti-socialcontinua, e pode incluir fracassos em honrar obrigações financeiras, em funcio-nar como pai ou mãe responsáveis ou fazer planejamento futuro, e uma incapa-cidade em manter comportamento consistente de trabalho. Estas pessoas fra-cassam em se adaptar a normas sociais e repetidamente desempenham atos anti-sociais que são causa de detenção, como destruir propriedade, importunar osoutros, roubar, e ter uma ocupação. ilegal.

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126 PSICOLOGIA DO CRIME O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE 127

"Pessoas com distúrbio anti-social de personalidade tendem a ser irritá-veis e agressivas e meter-se repetidamente em lutas corporais e violências, in-cluído o espancamento de crianças ou cônjuge. Comportamento irresponsá-vel, sem se importar com a segurança pessoal é comum, como indicado pordirigir freqüentemente enquanto intoxicado ou multas por excesso de veloci-dade. É típico destas pessoas serem promíscuas (definido como nunca tendomantido relacionamentos monogâmicos por mais de um ano). Finalmente, emgeral não têm remorso acerca dos efeitos de seus comportamentos sobre osoutros, elas podem mesmo sentir-se justificadas por ter danificado ou maltra-tado os outros. Após a idade dos 30, o comportamento anti-social mais fla-grante pode diminuir, particularmente, a promiscuidade sexual, briga e crimi-nalidade. "

síveispara o comportamentoque as colocaem conflitocoma sociedade.Personalidadeamoral PersonalidadeassocialPersonalidadeanti-social .

"Exclui:distúrbiode condutasemtranstornode personalidadeespecí-fico."

Verifica-se, portanto, que o diagnóstico de "Personalidadeanti-social" é aceito tanto pelo D.S.M. quanto pela C.I.D. Trata-se, caracteristicamente, de uma forma especial de personalidadepsicopática, uma forma de distúrbio da personalidade, conceituadocomo integrante do elenco de anormalidades psiquiátricas (ape-sar das críticas).

Observa-se, igualmente, que o conceito de "reação dissocial"foi removido do D.S.M. e não fez parte da C.I.D. Essa rejeiçãodeve ser bem compreendida: não pode ser atribuída a uma supos-ta inexistência do tipo psicológico, mas à falta de abrigo entre qua-dros "psicopatológicos". Efetivamente, o comportamento crimi-noso "dissocial" s6 interessa à Criminologia. Em outros termos,não se trata de diagn6stico Psiquiátrico,5 mas criminol6gico.

O "delito neurótico" é excepcional. O neurótico, prevalen-temente dispõe de exagerados meios contensores, que o levam aser mais prejudicial a si mesmo, do que ao meio social. Isso nãoexclui as hipóteses registradas em capítulo próprio (conf. capo 6).Aqui nos interessa o diagnóstico diferencial.

Para atender a esse propósito (diferenciar "neurose", "anti-socialidade" e "dissocialidade"), podemos nos servir de roteiros,dos quais aqui registramos três exemplos:

A) Esquema de Jenkins

B) Roteiro de Abrahamsen

C) Índice de Maranhão

Por outro lado, a C. I. D. (ClassificaçãoInternacional deDoenças - publicação da O. M. Saúde) desconhecea expressão"dissocial". Assim, já na 8~revisão (1965)3aparece, sob a sigla301.7 a categoria "Personalidade anti-social", sem conceito. Na9~ revisão (1975)4encontramos os seguintes conceitos:

"301 Transtornos da personalidade

"Padrões de comportamento desajustados e profundamente arraigados quesão reconhecidos geralmente desde a adolescência ou antes e que persistem du-rante maior parte da vida adulta, apesar de se tornarem menos óbvios na idademadura ou na velhice. A personalidade é anormal tanto em relação ao equilí-brio dos seus componentes, em suas qualidades e expressão, quanto em relaçãoao seu aspecto total. Em virtude desse desvio ou psicopatia o paciente sofre ouos outros têm de sofrer e ocorre um efeito adverso sobre o indivíduo ou sobrea sociedade. Inclui o que algumas vezes é chamado de personalidade psicopáti-ca, mas caso esta tenha sido determinada primariamente por mau funcionamentodo cérebro, não deveria ser classificado aqui mas como uma das síndromes ce-rebrais orgânicas não-psicóticas. Quando o paciente apresenta uma anomaliada personalidade diretamente relacionada à sua neurose ou psicose, por exem-plo, personalidade esquizóide e esquizofrênica, ou personalidade anancástica eneurose obsessivo-compulsiva, deve ser diagnosticada também a neurose ou psi-cose pertinente em evidência. Neurose de caráter

"301.7 Transtorno da personalidade com predomínio de manifestações so-ciopáticas ou associais

"Transtorno da personalidade caracterizado pelo desprezo pelas obriga-ções sociais, falta de sentimentos pelos outros, violência impetuosa ou indife-rença insensível. Há uma grande disparidade entre o comportamento e as nor-mas sociais vigentes. O comportamento não se modifica facilmente pela expe-riência, inclusive pelo castigo. As pessoas com esta personalidade são afetiva-mente frias e podem ser anormalmente agressivas e irresponsáveis. Sua tolerân-cia à frustração é baixa; culpam a outros ou apresentam racionalizações plau-

A) Esquema de Jenkins:6Este autor considera que o "neurótico" é dotado de inibi-

ções, exercecontensão forte sobre os impulsose, assim, tem con-flitos interiores(intrapsíquicos).Já o "anti-social" (psicopata)nãoé socializado, seu superegoé pouco atuante, libera seus impulsose tem conflitos externos (com o meio social). O "dissocial"("pseudo-socializado") identifica-se com certos "grupos" para

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128 PSICOLOGIA DO CRIME

sociais, tem conflitos com a sociedade, por "choque de grupos".Os diagramas seguintes explicam esses conceitos.

a) neurótico- é uma personalidademuito contida, comcon-flitos intrapsíquicos, mas socialmente ajustada.

4

1 = ID (IMPULSOS PRIMITIVOS)2 = SUPEREGO (CONTENÇÃO)3 = EGO (CONSCIENTE)4 = MEIO EXTERIOR

(EXTRAGRUP AL)

INIBIÇÃO EXCESSIVA (NEUROSE)

b) psicopata - personalidadenão socializada,comtendên-cia a ser solitária (emtermos externosou internos), com inibiçãoinadequada.

41 = ID (IMPULSOS

PRIMITIVOS)2 = SUPER-EGO

(CONTENÇÃO)3 = EGO (CONSCIENTE)4 = MEIO EXTERIOR

(EXTRAGRUP AL)

t

.

II

INIBIÇÃO INADEQUADA(NÃO SOCIALIZADO)

c) delinqüenteessencia/- que não se adapta à sociedadege-ral, mas forma o seu grupo particular em relação ao qual desen-volve inibições, pelo que é um "pseudo-socializado".

São incontestáveisas pesquisas feitas para mostrar a impor-tância do processopsico-evolutivona gêneseda personalidadede-linqüente.

,

8

O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE 129

INIBIÇÃO INTRAGRUPAL(PSEUDO-SOCIALIZADO)

1 = ID (IMPULSOS PRIMITIVOS)2 = SUPEREGO (CONTENÇÃO)3. = EGO (CONSCIENTE)4 = MEIO EXTERIOR

(EXTRAGRUP AL)

Page 68: Psicologia Do Crime

130 PSICOLOGIA DO CRIME

B) Roteiro de Abrahamsen:7Diferenciao "neurótico" do "dissocial" ("personalidade de-

linqüente").

DIFERENÇASENTRE NEUROSE E PERSONALIDADEDELINQÜENTEl

Personalidade delinqüente2

Aparentemente sem conflito interno.

Agressividade voltada à sociedade.

Alivia tensões internas por ações crimi-nosas.

Atribui seus impulsos ao mundo exte-rior.

Neurose

1. Tem conflito interno.

2. Agressividadevoltada a si mesmo.3. Gratifica-sepor meiode fantasias.

4. Admite seus impulsos e os reconhe-ce como seus.

5. Desenvolve relações emocionaispositivas (Transfer).

6. "Superego" desenvolvido.

7. Socialmente ajustado.

8. Reage à passividade e dependênciacom sofrimento, mas admite asituação.

9. Caráter "normal".

10. Perturbações psicossomáticas me-nos freqüentes.

Desenvolve defesas emocionais.

"Superego" inadequado (desarmôni-CO)3.

Comportamento "dissocial". 4

Procura negar a passividade e a depen-dência com atitudes agressivas.

Caráter deformado (dissocial).4

Perturbações psicossomáticasfreqüentes. 5

mais

I. Organizado com base em Abrahamsen.2. Aqui se faz referência à Personalidade Delinqüente (neurose de caráter) e não

à Personalidade Psicopática.3. "Inadequado", indicando falta de harmonia, oscilando da extrema exigência à

extrema indulgência.4. "Dissocial", pois não é leal a pessoas, grupos ou Códigos, senão os de seu pró-

prio grupo "parassocial".S. Cf. Abrahamsen, ob. cito

II

~

I

,

.

O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE 131

C) Índices de Maranhão:(Organizado com base na Doutrina e na Prática criminológica.)

Tendo emvista que essesquadros são auto-explicativos,dei-xamos de incluir qualquer comentário.

.

O caso seguinteé uma ilustração a respeito das dificuldadesdo diagnóstico diferencial: contrastamos um laudo oficial e umparecer (do Autor).

LAUDO 1

LA UDO PSIQUIATRICO-LEGAL

I - Identificação:C. T., 21 anos, branco, solteiro, semprofissão, católi-co, natural e residente em C. B.

II - Exame cf{nicoe neurológico:Não evidenciaramqualquer patologiaque pudesse ser de interessepara o presente laudo.

III - História mórbida pessoal efamitiar: Refere doenças próprias da infân-cia (sarampo, coqueluche, etc.), negando em si e nos seus familiares a ocorrênciade sífilis, epilepsia, tuberculose, alcoolismo, tentativa de suicídio ou delinqüência.

IV - História social: C. é o terceiro de uma prole de cinco filhos de umcasal de abastada situação econômico-social, sendo o pai industrialista e a mãededicada aos afazeres domésticos.

Segundo informação do pai, teve uma evolução até os 12/13 anos sem maio-res sobressaltos ou ocorrências que o diferenciassem dos demais irmãos. O pa-

r .~-- .--,."

\t). l~. G.

,rllU InTcr A

Diferenças quanto a: Anti-Sociais Dissociais

1. Famma de origem Qualquer tipo Desagregada2. Escola Suspensões/Expulsão Faltas/Abandono

3. Fugas do lar Raramente ocorrem São usuais

4. Trabalho Caráter imediatista Ociosidade

5. Grupos Raros/Instáveis Usuais/Coesos

6. Código de ética Hedonista Grupal7. Lealdade A si mesmo Ao grupo

8. Experiência Não aproveita Incorpora as negativas9. Delitos Grave/Misterioso/ Organizado/Prática

Prática solitária Grupal10. E. E. G. "ondas lentas" sem alterações11. Tratamento Quase impossível Possível/Problemático

12. Causa "constitucional" Processo formativo

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132 PSICOLOGIA DO CRIME O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE133

No trabalho nunca conseguiu manter-se sistematicamente sendo conside-rado, na expressão de um irmão mais velho, "vagabundo", até que há poucotempo resolveu trabalhar por conta própria e tornou-se "caminhoneiro", e pa-ra tanto, não aceitou comprar um veículo novo e sim um velho, pois seria finan-ciado pelo pai. Também nesta atividade manteve-se por pouco tempo e acabou

vendendo o caminhão. Segundo os familiares nunca pôde aceitar coisas ou pre-sentes novos e bons, preferindo sempre objetos usados e desvalorizados, comono episódio do caminhão e na escolha dos amigos.

O descuido e a pouca valorização atingia e atinge inclusive os cuidadoscom sua aparência pessoal, usando roupas velhas e sujas, e ficando irritado quan-do sua mãe as pegava, escondido, e lavava, à noite. Freqüentemente ficava 15120dias sem tomar banho e mantinha-se, aparentemente, indiferente a isto.

Há 3/4 anos foi-lhe sugerido que procurasse um tratamento psiquiátrico,fato que negou porque não era doente.

Nos últimos dois anos, segundo C., teve intensificadas suas disputas e bri-gas em casa com seu pai, tendo recebido várias ameaças do mesmo de pô-lo pa-ra "fora de casa" caso não fizesse alguma coisa na vida. Segundo familiares,o paciente seguidamente ficava 2/3 dias em casa, isolado, sem comunicar-se comninguém e reagia irritado caso fosse instado a mencionar o que estava aconte-cendo. A agudização nos últimos tempos parece estar ligada ao uso da maco-nha, que era percebido pelos familiares.

Considera sua internação, após o delito, como uma prisão e castigo poisé inocente, e tenta junto com outrQS fugir, mas não conseguiu, ficando na clíni-ca que é vista como punidora e o seu médico como bom e tolerante.

V _ Versão do paciente sobre a denúncia: Reconhece que estava juntocom os dois amigos quando morta a vítima, mas alega que quem matou foi oC., não sabendo o motivo dessa atitude pois tinham ido apenas fumar maco-nha. Pensa que está metido nisto pelas más companhias e pela maconha.

VI _ Observação psiquiátrica: Durante as entrevistas que realizouapresentou-se com aparência descuidada, procurando colaborar com o entre-vistador.

Demonstrou estar atento às demandas externas e normovigil. Não revelouem qualquer momento de sua vida alterações da senso-percepção, tanto quanti-tativas como qualitativas (ilusões ou alucinações). Evidenciou uma memória pre-servada para fatos recentes ou passados, tanto na fixação como na evocação.Esteve orientado no tempo e no espaço, bem como à sua situação e lúcido semqualquer perturbação no campo da consciência. Apresentou pensamento semalterações no seu curso ou na sua produção, sendo predominantemente realísti-co e adequado às suas vivências emocionais; quanto ao conteúdo apresentou umacerta tendência a responsabilizar os outros por suas atitudes (a professora queo perseguia na escola, os irmãos e o pai que não o compreendem, os amigosque são de "má fama"), revelando portanto sua ideação supervalorizada de per-seguição. Usou durante os encontros mantidos uma linguagem adequada às suascondições de origem familiar e social, sem nenhuma alteração, revelando umainteligência dentrQ da média.

Às entrevistas manteve-se submisso e cuidadoso ao relatar sua vida e osacontecimentos da mesma. Assustado e temeroso em relação às conseqüênciasde seus atos, sem no entanto apresentar remorso ou culpa aparente em relaçãoà vítima ou possíveis vítimas dos delitos. Relata os acontecimentos importantesde sua vida (fracasso escolar, incapacidade para o trabalho, "droga" e "máscompanhias", delitos e crime de que é acusado) com frieza, sem mudança afeti-

ciente afirma que o ambiente de infância foi satisfatório, não tendo dificulda-des maiores para relacionar-se com os pais e irmãos.

Considera "boa" a relação entre seus pais e que sempre teve "liberdadedemais", fato que julga que foi "negativo". Seu pai sempre foi muito envolvi-do com seus negócios, sendo portanto, ausente na convivência familiar, ou quan-do presente era sentido por C. como "exigente, severo e pouco tolerante". Amãe é vista como mais condescendente, acobertando suas "mancadas", mas quenas situações mais difíceis ficava como o pai, tornando-se também exigente epunidora. Por isso sempre teve um pouco mais de abertura para conversar eaproximar-se, com uma irmã mais velha.

Ingressou na escola aos sete anos e teve uma escolaridade muito irregular,tendo várias vezes abandonado e voltado a estudar, até que há dois anos deixoudefinitivamente os estudos. Julga que sempre achou uma "chatice" estudar, pre-ferindo desde pequeno trabalhar na fábrica do pai. Menciona, e é confirmadopelos familiares, que desde os onze anos freqüentava o ambiente fabril e nestesalientava-se que buscava o relacionamento com o pessoal mais simples do lo-cal, como da limpeza, do cafezinho, guardas, etc. Este laço não apenas se man-teve como se cristalizou com o seu desenvolvimento, sendo nos últimos anosuma constante suas conversas e amizade com os guardas da fábrica, por exem-plo. Na escola julga que não teve dificuldades com os colegas pois "se dava bem"com eles, o mesmo não acontecendo com os professores, às vezes, sentindo-seperseguido por eles e revelando-se irritado quando solicitado a manifestar-se sobreo que sucedia. Nestas ocasiões chegava mesmo ao auge de sua irritação eenfrentava-os verbalmente. Isto, de acordo com C., deu-se com maior intensi-dade a partir dos 13/14 anos e, de acordo com seu pai, desde os 11/12 anos.Este achando inclusive que dessas situações escolares o filho teria ficado "estra-gado" pois percebeu que tornou-se mais "temeroso, assustado", procurandoficar nos cantos, isolado, tendo "medo até da sombra". Considera que essestraços permaneceram e até aumentaram com o passar dos anos, tornando-se um"esquisitão", na expressão do pai. Não se comunicava com ninguém parecendohaver mesmo "uma parede" que o distanciava dos familiares.

À medida que tornou-se um adolescente, as características anterioresmantiveram-se e tornaram-se mais salientes, pois começou a andar com rapazesde "má fama", tendo aprendido e gostado de fumar maconha. Gostava porquelhe facilitava a comunicação com esses amigos e, quando "chapado", saía decarro dando tiros de revólver em placas e a esmo, para ter uma "emoção forte"em algumas ocasiões.

Nunca teve namoradas porque preferia sair com amigos, do que ficar "presoa um namoro". Nega envolvimento homossexual manifesto com seus amigos.Iniciou sua vida sexual com prostitutas aos 13anos e periodicamente freqüenta-va prostíbulos junto com seus amigos, o mais das vezes pagando-lhes a "despe-sa". .

Page 70: Psicologia Do Crime

134 PSICOLOGIA DO CRIMEO NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE

135

I

I:

va ou quando esta sucede é para sentir-se perseguido ou com medo das conse-qüências do que fez. Na conduta são exuberantes os sintomas anti-sociais poisvêm desde a infância até o período adulto. Na escola pequenas brigas com cole-gas e professores propiciaram diversas trocas de colégio, na adolescência, usode maconha e saídas a esmo com seus amigos disparando revólver, incapacita-ção para o trabalho sistemático e regular, bem como para relações afetivas, se-jam de namoro ou amizade, duradouros ou satisfatórios.

VII - Discussão diagn6stica: O paciente não evidenciou qualquer sinalou sintoma para que pudéssemos pensar em qualquer quadro orgânico (psicoseou epilepsia). Assim como não temos indicações sintomatológicas para pensar-mos em alguma forma de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, por-que não há déficit nas funções intelectuais do paciente. Da mesma forma nãotemos elementos, no presente ou passado, para diagnosticarmos alguma formade doença mental pois não há na história e exame do paciente nenhum momen-to de ruptura com a realidade nem de outros sintomas psicóticos.

No entanto, são evidentes as perturbações na afetividade e conduta do pa-ciente. São marcantes as atitudes anti-sociais, desde a infância do paciente, bemcomo sua maneira de sentir e vivenciar as mesmas: reage com frieza ou atribuin-do ao mundo externo a responsabilidade pelos mesmos. Essas atuações que sócristalizaram-se e tornaram-se mais perigosas com seu crescimento (tiros a es-mo, droga, delitos, etc.) são permanentes modos de ser ou padrões estruturadosde personalidade que, como dissemos, remontam à infância, caracterizando as-sim o diagnóstico positivo de Personalidade anti-social.

VIII - Comentários médico-legais: O diagnóstico de Personalidade anti-social conceitua uma defeituosa estruturação da personalidade, implicando, en-tre outras anormalias, uma dificuldade do ego para manejar os impulsos instin-tivos e dar-Ihes adequada satisfação e destino, predispondo o indivíduo a irrup-ções instintivas que podem manifestar-se em atos anti-sociais, irrupções estaspara cujo controle não está plenamente capacidado.

Assim sendo, e por reduzida capacidade de autodeterminação, as Perso-nalidades anti-sociais correspondem plenamente ao conceito de perturbação dasaúde mental, conforme está expresso no Parágrafo Único do artigo ... do Có-digo Penal brasileiro.

Antes de concluirmos, é necessário mencionarmos que tais pacientes nãose adaptam bem aos hospitais psiquiátricos e, em geral, não se beneficiam comtratamentos aí ministrados, aproveitando muito mais nas colônias agrícol~s on-de podem conviver com pessoas mentalmente sadias, exercer atividades de tra-balho, etc.

Assim, caso lhe venha a ser aplicada medida de segurança detentiva, estapreencherá suas finalidades recuperadoras com maior eficácia se cumprida emcolônia agrícola.

IX - Diagn6stico: Personalidade anti-social.

X - Conclusão:C.T., por perturbação da saúde mental (personalidadeanti-social),não possuía, ao tempo da ação, a plena capacidadede entender ocaráter criminoso dos fatos nem de determinar-sede acordo com esseentendi-mento.

Respostas aos quesitos

a) Não era inteiramente incapaz por doença mental.b) Não era inteiramenteincapazpor desenvolvimentomental retardado.c) Não era inteiramente incapaz por dependência a drogas.Der. - Não possuíaa plena capacidadede entender o caráter criminoso

de sua atuação porperturbaçãodasaúdemental, e não por doen-ça mental, desenvolvimentomental retardado ou dependênciaadrogas.

Dr. L.C.I.C. - Psiquiatra relatorDr. J.A.C.S. - Psiquiatra forense

LAUDO 2

PARECER MÉDICO-LEGAL

Natureza: Capacidade de imputação1. Éu, abaixo assinado, Professor Doutor Odon Ramos Maranhão, Pro-

fessor Titular de Medicina Legal da Faculdade de Direito da Universidade deSão Paulo e das Faculdades Metropolitanas Unidas, anteriormente psiquiatrado Manicômio Judiciário do Estado, do Instituto de Biotipologia Criminal e doIMESC, tendo recebido a consulta adiante transcrita e colhido os dados inte-grantes deste texto, forneço o meu parecer.

2. Os Drs. F. A. G., O. G. V. e seus Associados são patronos do Sr. C.T., processado pela Justiça Pública de XXX, denunciado como infrator do art.121 do Código Penal. Tendo sido submetido a exame de "responsabilidade pe-nal" no Instituto Psiquiátrico Forense XXX, foi considerado uma "Personali-dade anti-social" e enquadrado no parágrafo único do artigo... do Código Pe-nal como semi-imputável. Diante disso, na qualidade de defensores do indicia-do, desejam saber se não há dúvida alguma quanto ao enquadramento clínicode seu constituído e, especialmente, se está definitivamente firmada a semi-imputabilidade do indiciado. Essa consulta pode ser resumida em quesitos queserão transcritos em local próprio deste parecer.

3. Os consulentes forneceram, para análise, cópias do laudo XXX, bemcomo das principais peças do Processo movido contra C. T.

4. Aqui se apresenta uma coletânea dos dados de interesse para o estudodo caso e uma análise interpretativa dos mesmos. Respeita-se profundamentea Instituição onde o interessado foi examinado, bem como a alta qualidade téc-nica e científica dos prolatores no laudo. Fornece-se outro enfoque psiquiátrico-forense, com base nos dados aqui registrados e apoiado em ensinos de especia-listas no assunto.

O que aqui em seguida se consigna são elementos colhidos principalmenteno texto do laudo já mencionado.

Page 71: Psicologia Do Crime

136 PSICOLOGIA DO CRIME O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE 137

5. Não foram registrados casos de neuropsicopatias entre os familiares (as-cendentes e colaterais) do examinando. Da mesma forma, nega-se a existência,em seu curso vital, de doenças infanto-juvenis de grave repercussão no desen-volvimento somato-psíquico, registrando-se tão-somente as usuais da infância(§ III do laudo).

6. Registra-se que até os 12 ou 13 anos, C. teve uma evolução normal, semsobressaltos (§ 1~, fls.). Também se anota que o pai visto como "exigente, seve-ro e pouco tolerante", enquanto a mãe era tida como sendo "mais condescen-dente". A relação entre os genitores era "boa" e o examinando tinha "liberda-de demais" (§ 2~ fls.).

7. A escolaridade de C. foi "irregular, tendo várias vezes abandonado evoltado a estudar". Preferia, "desde pequeno, trabalhar na fábrica do pai" (jáaos 11 anos de idade). No ambiente fabril, "buscava o relacionamento com opessoal mais simples do local". Não teve dificuldades de relacionamento comcolegas de escola (fls.).

8. Mais tarde (sem idade registrada) "começou a andar com rapazes de"má-fama", tendo aprendido e gostado de fumar maconha" (fls.). E gostavaporque lhe facilitava a comunicação com esses amigos (ibidem). Já aos 13 anoshavia iniciado vida sexual com prostitutas (ibidem).

9. Não conseguiu manter-se sistematicamente no trabalho (fls. 16/17), mastentou estabelecer-se por conta própria como "caminhoneiro". Tinha por si mes-mo um certo desprezo, pois "o descuido e a pouca valorização atingia e atingeinclusive os cuidados com sua aparência pessoal".

10. Nos últimos dois anos, "teve intensificadas suas disputas e brigas emcasa de seu pai, tendo recebido várias ameaças do mesmo de pô-lo para forade casa" - "A agudização nos últimos tempos parece estar ligada ao uso demaconha, que era percebido pelos familiares" (fls. 17).

11. O exame psiquiátrico não apurou comprometimento das funções psí-quicas superiores (consciência, senso-percepção, ideação). Aponta, porém, cer-to grau de comprometimento do senso crítico (tendência a responsabilizar osoutros por suas atitudes e práticas anti-sociais).

12. Com base nesses elementos, os doutos e dignos Peritos afastam a pos-sibilidade de haver fenômenos psicóticos de qualquer natureza e entendem ha-ver "evidentes perturbações na afetividade e conduta do paciente". Afirmamque as atuações do examinando são "padrões estruturados de personalidade,que... remontam à infância, caracterizando assim o diagnóstico positivo de per-sonalidade anti-social" (fls.). Com esse diagnóstico entendem tratar-se de casode semi-imputabilidade, enquadrando-o no parágrafo único do artigo... do Có-digo Penal (fls. ).

13. O diagnóstico de Personalidade anti-social exige a reunião de dadosnegativos (exclusão de debilidade mental, psicose e neurose), dados positivos(configuradores da "síndrome-psicopática") e diferenciadores (que afastam a"reação dissocial").

14. A infranormalidade (em todos os graus e formas de oligofrenias) po-de, no caso, ser descartada de pronto. Também as psicoses (em suas formas clí-nicas e cursos evolutivos) podem ser afastadas sem dificuldades, posto que ja-

mais consta que o paciente tenha apresentado fenômenos produtivos (delíriose/ou alucinações). Mas foram anotados sintomas neuróticos claros: conflitoscom a figura paterna, atitudes de autodesvalorização, preferência por pessoassocialmente inferiores, insegurança no relacionamento com jovens do sexo oposto.(É verdade que não temos anotações sobre sintomas de ansiedade, angústia eclaros sentimentos de culpa, nos exames. Também não estão taxativamente ne-gados.) Pode-se, assim, aceitar a presença de sintomas neuróticos, mesmo queenxertados em outra estrutura de personalidade.

15. O DSM III conceitua claramente Personalidade anti-social - "Estetermo é reservado para indivíduos basicamente insocializáveis, e cujo padrãode comportamento os coloca repetidamente em conflito com a sociedade. Sãoincapazes de lealdade significativa para com os indivíduos, grupos ou valoressociais. São manifesta~ente egoístas, irresponsáveis, impulsivos e incapazes desentir culpa ou aprender com a experiência e o castigo" (Rev. Bras. Psiq. 6(3):75-113; 1.972).

Para se fazer esse diagnóstico, isto é, para se enquadrar aí um dado casoclínico, existem vários roteiros:

Cleckley (The Mask of Sanity) indica as seguintes características:

1. encanto superficial e boa inteligência

2. ausência de delírios ou outros sinais de pensamento ilógico3. ausência de manifestações psiconeuróticas4. inconstância

5. infidelidade e insinceridade

6. falta de remorso ou vergonha

7. conduta anti-social inadequadamente motivada

8. falta de ponderação e fracasso em aprender pela experiência

9. egocentrismo patológico e incapacidade de amar10. pobreza geral nas relações afetivas

11. falta específica de esclarecimento interior

12. irresponsabilidade nas relações interpessoais13. tendência à conduta fantástica com ou sem uso de álcool

14. raramente suicidas

15. vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada

16. incapacidade de seguir um plano de vidaOray e Hutchison (in Hare, Psicopatia, trad. bras.) enumeram dez parti-

cularidades:

1. não aprende pela experiência;

2. falta-lhe senso de responsabilidade;

3. é incapaz de estabelecer relações significativas;

4. falta-lhe controle sobre os impulsos;5. falta-lhe senso moral;

......

Page 72: Psicologia Do Crime

138 PSICOLOGIA DO CRIMEO NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE 139

6. é crônica ou periodicamente anti-social;

7. a punição não lhe altera o comportamento;8. é emocionalmente imaturo;

9. é incapaz de sentir culpa;10. é egocêntrico.

McCord e McCord (El Psicopata, trad. esp., Ed. Hormé) anotam estascaracterísticas:

1. o psicopata é associal;

2. o psicopata é movido por desejos incontrolados;3. o psicopata é altamente impulsivo;

4. o psicopata é agressivo;

5. o psicopata sente escassos sentimentos de culpa;

6. o psicopata tem uma desviada capacidade de amar;

7. para o psicopata cada momento é uma fração de tempo desvinculadodos demais;

8. as ações dos psicopatas carecem de planejamento.

Uma análise crítica mostra que qualquer desses dados, considerados isola-damente e sem persistência no tempo, integram a experiência universal. Isto sig-nifica que têm valor diagnóstico quando associados e temporalmente persisten-tes (formando, assim, uma síndrome).

O'Neal, Robins, King e Schaefer já chamaram a atenção para o fato deque, em suas observações, cada caso particular reunia mais de 500/0de índicespositivos, dentre uma lista de dezenove particularidades (Cf. Am. J. Psych. 118:1.114-1.124; 1.962).

Realmente, o interessado C.T. apresenta alguns desses traços de linhagempsicopática.

16. Não foram feitos, ou pelo menos não incluídos no laudo, exames com-plementares à observação direta. Alguns psicotestes têm interesse, por fornece-rem síndrome peculiar:

a) Psicodiagnóstico de Rorschach (Cf., por ex., Rorschach: Psychodiag-nostics, Ed. Hans Huber; Klopfer: Manual dei Psicodiagn6stico de Rorschach,Ed. Paidós; Bohm: Manual de Psicodiagn6stico de Rorschach, trad. esp., Ed.Morata; Portuondo: El Psicodiagn6stico de Rorschach en Psicologfa Clfnica,Ed. Bibl. Nueva).

b) Psicodiagnóstico miocinético (P.M.K.) de Mira y Lopez (Cf., por ex.,Mira y Lopez: Manual de Psicologia Jurfdica, Ed. Agir; Cueva, Tamares e Mon-tesino: "EI Psicodiagnóstico de Rorschach y Mioquinético de Mira y Lopez enel diagnóstico Forense", Arq. Crim. e Neuropsiq. 1 (4):507-512, 1.953; Miray Lopez: "Traitament des Personalités psychopathiques à I'aide des donnés dupsychodiagnostic miocynétique", Bull Psychol. VII (I): dez, 1953).

c) Inventário Multifásico'de Personalidade de Minnesota (Minnesota Mul-tiphasic Personality Inventary MMPI) (Cf., por ex., Dahlstrom, Welsh e Dahls-

trom: An MMPI Handbook, 2 vol., Ed. Univ. Minn.; Hathaway e Monachesi:Adolescent Personality and Behavior, mesma editora; Welsh e Dahlstrom: Ba-sic Readings on the MMPI, 'mesma editora; Ramos Maranhão: "O MMPI emCriminologia", in Psicologia do Crime, Ed. RT, ed. 1981).

Também seria importante o encontro de ondas lentas no traçado eletren-cefalográfico de repouso e, especialmente, durante a prova de hiperpnéia (Cf.Gastaut et Dongier: Handbook oi Electroencephalography and Clinical Neu-rophysiology, vol. 13, Ed. Elsevier; Knott: "Electroencephalograms in Psycho-pathic Personality and in Murderers", in Aplications oi Electroencephalographyin Psychiatry, Duke Univ. Press; Elliot: "Neurological Aspects of AntisocialBehavior", in Reid: The Psychopath, Ed. Brunner-Mazel, 1978).

Não se pode, no momento, apreciar esses dados, pois não foram apresen-tados para esta análise.

17. O DSM In também concdtua a "reação dissocial", e o faz da seguin-te forma: "Personalidade pseudo-social" - Este termo se aplica a indivíduosque manifestam desconsideração para com os códigos sociais usuais e freqüen-temente entram com eles em conflito, como resultado de terem vivido toda asua vida em ambientes morais anormais. Podem ser capazes de forte lealdade.Estes indivíduos tipicamente não mostram desvios, seriamente significativos dapersonalidade, a não ser aqueles implicados pela aderência aos valores ou aoscódigos dos seus próprios grupos predatórios ou criminais ou a outros grupossociais. "

É verdade que o examinando foi criado em família bem constituída e nãopassou a infância em ambientes moralmente deletários. Mas é verdade tambémque se afastou emocionalmente dos familiares e mostrou preferência por pes-soas subalternas na fábrica, fez amizades com colegas e posteriormente formouo seu particular grupo de adolescentes. Isso mostra ser capaz de integrar gruposespeciais. Ora, o anti-social não integra grupo, por lhe ser desleal. Isto é maisfreqüente entre os "mal formados", do que entre os "mal constituídos".

18. A Personalidade anti-social da nomenclatura atual é a antiga Persona-lidade psicopática, que alguns também denominavam de Psicopatia (Psicopatiastricto sensu). No dizer de Spuerri (Compendio de Psiquiatrfa, trad. esp., Ed.Toray) "a psicopatia constitui uma anormalidade hereditária do caráter". Sãoinúmeros os autores que aceitam essa causalidade hereditária. Uma revisão par-cial de estudos dessa natureza mostra uma concordância de 74.8% de gêmeosunivitelinos psicopatas (e a contrario sensu uma discordância de 80.3% entreos dizigóticos) (Cf. por ex. Ramos Maranhão: "Personalidade Psicopática e Per-sonalidade Delinqüente Essencial", in Ciência Penal II (3): 45-68, 1975; Rosen-thal: Genetic Theory and Abnormal Behavior - Ed. McGraw Hill, 1970).

Ressalte-se que, no presente caso, o periciando não registra antecedentesfamiliares neuropsicopatológicos (§ III do Laudo). Esses antecedentes são qua-tro vezes mais freqüentes entre psicopatas do que entre portadores de carátermal formado (Cf. Ciência Penal citada).

19. Os outros traços diferenciadores entre caráter mal constituído (Spuer-ri, ob. cit.) e caráter mal formado (Spanis: Delinqüência e Psicanálise) são, se-gundo as cem observações anotadas em Ciência Penal n (3): 45-68; 1975: doen-

.......

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-140 PSICOLOGIA DO CRIME

ças infanto-juvenis de grave repercussão no desenvolvimento somato-psíquico(psicopata 5:1); e ausência de integração de grupos (psicopatas 5.5:1). De acor-do com esses índices, o defeito apresentado pelo examinando é mais de causaformativa (psico-evolutiva) do que constitucional (hereditária). Estes elementosfalam a favor de processo neurótico antigo, afetando a estrutura da personali-dade.

20. Assim, por todo esse conjunto de dados sou inclinado a aceitar quese trata de uma personalidade complexa, com socialização defeituosa e traçosneuróticos associados. Os distúrbios comportamentais não foram tão precoces(as escolas atestam aluno ajustado) como nos defeitos constitucionais e mais pa-recem conduta reativa, própria de conflitos inconscientes não resolvidos (Cf."Acting-Out Dyscontrol"; Monroe: "Episodic Behavorial Disorder", in Arieti& Brody: American Handbook of Psychiatry, vol. m, capo 11).

21. Há referência a maconhismo, que é uma forma de toxidependência (Cf.Heuyer: Les Troubles Mentaux: étude criminologique, capo 21, Ed. PUF; Po-rot: "Canabismo", in Manuel Alphabetique de Psychiatrie, Ed. PUF).

A disposição à busca de tóxico corresponde basicamente a dois mecanis-mos: neurose e psicopatia (personalidade psicopática). É claro que, no caso pre-sente, o paciente tem toda a possibilidade de ser toxicófilo. É igualmente clarotratar-se de situação passível de tratamento. Sendo um dependente, somente ha-veria interesse médico-legal, se o uso do tóxico participasse do mecanismo psico-deliqüencial.

Os dados processuais apresentados afastam esse interesse.22. Finalmente, o anti-social é portador de mentira patológica, como refe-

rido na síndrome psicopática. Alguns dados levariam a se acreditar que o exa-minando também a apresentasse. Contudo, sua persistência negativa de ser au-tor ou co-autor do delito a ele atribuído ja está esclarecida com a confissão deoutro indiciado, segundo informe verbal dos Patronos de C.T. Assim, afasta-sea mendacidade desse indiciado.

23. É comum entender-se que o diagnóstico de personalidade psicopáticaou anti-social implica diretamente semi-imputabilidade. Também assim já mepareceu (Cf. Ciência Penal 11(3): 47-68; 1975), mas uma revisão de julgadosconvenceu-me de que cada caso há de ser apreciado em particular.

O Código Penal, no parágrafo único do artigo... trata dos agentes que,ao tempo de ação ou omissão, não possuíam a plena capacidade de entendero caráter criminoso do fato, ou de se determinar de acordo com esse entendi-mento. Ora, uma avaliação dessas capacidades (entendimento e determinação)não pode ser feita de modo genérico e impessoal. Antes, há de ser elaboradaem cada caso particular, frente às características personalfssimas de cada peri-ciado e referindo-se a determinada ação ou omissão específica. Aliás, isso jáfaz parte de nossa jurisprudência, pois existem casos de personalidade psicopá-tica (anti-social) tidos como imputáveis e até completamente inimputáveis (nãome refIToaqui à responsabilidade, que está presente mesmo nos semi-imputáveis).

Eis aqui alguns casos, como justificativa (grifos meus):

a) Personalidade Psicopática - "Evidenciada a inimputabilidade do réudiante de prova hábil, não há opção ao juiz, eis que a improcedência da ação

i

O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE141

\

II

se impõe, semprejuízo das medidascautelarescabíveis." Acórdão da CâmaraCriminaldo Tribunal deAlçada do Paraná, Relator OliveiraCarneiro (Cf. Jar-dim Linhares, ResponsabilidadePenal, tomo 11,p. 990, Ed. Forense, 1976).

b) Personalidade Psicopática - "A sua personalidadepsicopática, no ca-so, segundo laudo pericial, influiu apenas como coeficientede ação criminosa.A responsabilidadeé assimplena, atento o caráter biopsicológicoadotado peloCódigo, desdeque a simplesafirmaçãode se tratardepersonalidadepsicopáti-ca é insuficientesó por si para determinara semi-imputabilidadedo agente".Acórdão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo,Relator Bueno Magano (Cf. ob. cit., p. 988).

c) Personalidade Psicopática - "São imputáveis e capazes os portadoresde personalidadepsicopática." - Acórdão da Segunda Câmara Criminal doTribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator Arnaldo Moura (Cf. ob. cit., p.950/51).

d) Personalidade Psicopática - "Assim, não só por essasrazões de inte-ressesocialse impõea rejeiçãodos embargos, mais ainda, porque, embora per-sonalidadepsicopática,o embargante foi consideradopelosPeritos, complenaresponsabilidade,na ocasiãodo crime,com determinaçãonormal e perfeito en-tendimento do caráter criminosodo fato" - Acórdão das Câmaras CriminaisReunidas do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara, decisão unânime,Relator João Claudino de Oliveira e Cruz (Cf. ob cit., p. 987).

De tudo isso, uma conclusão decorre imediata e clara: mesmo quando odiagnósticodepersonalidadepsicopática(anti-social)é inconteste,o grau de im-putabilidade há de ser avaliado, semque essediagnósticofirme, por si, obriga-tória semi-imputabilidade.

24. Comos dados aqui reunidosé possívelestabelecer-sealgumasasserti-vas:

1~)Embora o examinando apresente traços de socialização defeituosa, temtambém sintomas de conflito neurótico e sua conduta se apresenta com caracte-rísticas do tipo reativo ("Acting-Out Dyscontrol" de Monroe).

2~) O diagnóstico de personalidade anti-social baseou-se em alguns traçosda personalidade, minimizou outros, apoiou-se em informes e não se acompa-nhou de psicotestes e eletrencefalograma.

3~) A semi-imputabilidade foi firmada como simples e direta conseqüên-cia do diagnóstico clínico psiquiátrico.

25. Depois de tudo visto e analisado, algumas conclusões podem ser esta-belecidas:

1~) O diagnóstico de personalidade anti-social (anteriormente denomina-da psicopática) somente pode ser aceito com alguma reserva, pois os compo-nentes neuróticos (conflito com a figura paterna não resolvido, autodesvalori-zação, insegurança sexual) falam mais a favor de comportamento simbólico. Épreferível considerá-Io uma personalidade complexa, com defeituosa socializa-ção e traços neuróticos.

2~) Ainda que se aceite como sendo mesmo só um anti-social, os dadoscolhidos não sustentam clara e obrigatoriamente a semi-imputabilidade.

Page 74: Psicologia Do Crime

142 PSICOLOGIA DO CRIME

3~) O periciado não apresenta mendacidade patológica, uma vez que a con-fissão de outro indiciado passa a eximi-Io da imputação que lhe foi feita.

26. A consulta que me foi apresentada (§ 2?) pode ser resumida nos quesi-tos seguintes:

1?) O Sr. C.T., face aos documentos apresentados para análise, é indubi-tavelmente portador de personalidade anti-social?

2?) Trata-se, sem a menor dúvida, de um caso de semi-imputabilidade, re-clamando as medidas jurídicas conseqüentes?

27. Respostas aos quesitos:

Ao I?: Mesmo apresentando traços anti-sociais (psicopáticos), existem for-tes indícios de neurose e comportamento simbólico, do tipo do acting-out-dyscontrol. Confira-se o texto deste Documento.

Ao 2?: Os dados integrantes deste Parecer favorecem mais a imputabili-dade plena. Confira-se o texto todo acima.

Este é o meu Parecer, que entrego aos Consulentes para o uso devido.O.R.M.

~.

~UNIVERSIDADE

CatólicaDEGOlAs

Registro

Data_Notas e referências

1. DSM III, Diagnostic and Statistical Manual 01 Mental Disorders, 3~ ed., 10~pr.,American Psychiatric Association, 1983.

2. DSM III R, Manual de Diagnóstico e Estatlstica de Distúrbios Mentais (trad.port.), Ed. Manole, 1989.

3. CID 8, Classificación Internacional de Enlermedades - Organización Paname-ricana de Ia Salud - Publicación Científican. 246, 1972.

4. cm 9, Classificação Internacional de Doenças (revisão 1975 - Organização Mun-dial de Saúde - Centro da OMS), São Paulo, USP, 1978.

5. Robins, E., in Freedman, A.M., & Kaplan, H.L, ComprehensiveTextbook 01Psychiatry, reimp. 1~ed., Baltimore,WilIiams& Wilkins, 1969,p. 957.Ele afirma quea "reação dissocial", observávelno delinqüenteprofissional,é uma "condição devida".

6. Jenkins,R.L., "The psychopathicor antisocialpersonality",J. Nervous&MentalDis., 131:319,1960.

7. Abrahamsen,D., ThePsychology01Crime,Nova York, ScienceEd., 1960,capoVI, pp. 105-116.(Organizadopelo Autor).

Prove qu~compro

comiliv

0968

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(2"ed., 1996) - Cesare Pedrazzi &Paulo José ela Costa Jr.

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- Rodolfo Tigre MaiaNEXOCAUSAL(2"ed., 1996)

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(5"ed., 2002)- Paulo Sérgio Leite Fernandes &Geórgia Bajer Fernaneles

RESUMO DE DIREITOPENAL(Parte Geral) (22" ed., 2003)- Maximilianus C. A. Führer &Maximiliano R. E. Führer

RESUMO DE DIREITOPENAL

(Parte Especial) (2002)- Maximilianus C. A. Führer &Maximiliano R. E. Führer

RESUMODEPROCESSOPENAL(17" ed., 2003) - MaximilianusC. A. Führer &Maximiliano R. E.Führer

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