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QUILOMBO DOS PALMARES
HISTORIOGRAFIA DO PERÍODO COLONIAL
ADRIANO VIARO DA SILVA
PPGH-UPF
http://www.ppgh.upf.br/
INTRODUÇÃO
No período colonial brasileiro, em grande maioria, os autores que se referiram
aos quilombos de Palmares expressaram os interesses das classes dominantes de
Portugal e Holanda, através de narrativas que exaltavam os seus feitos e registravam de
forma “clara” o perigo que Palmares representava para a estrutura, organização e
evolução do nordeste brasileiro, em geral, e da capitania de Pernambuco, em especial.
Passando por aspectos religiosos, tanto do catolicismo lusitano quanto do
protestantismo holandês, e abordando questões geográficas e agrícolas, os autores
repetem-se em trechos de suas obras.
A partir da invasão holandesa do nordeste brasileiro, em 1630, até a restauração
lusitana, em 1654, viajantes, comerciantes e artistas, estiveram no Brasil a serviço da
Holanda, o que ensejou a produção de crônicas a respeito do Brasil Holandês, incluindo
relatos sobre os quilombos de Palmares. Produziram-se alguns livros específicos sobre
aqueles mocambos que destacaram, sempre, a necessidade e a urgência da destruição
dos quilombos visto que o “tipo” de civilização existente nos Palmares era incompatível
com a proposta de domínio e colonização holandesa.
Embora Palmares tenha representado efetivamente um perigo e um incômodo
militar, os relatos sobre ele foram geralmente breves. Após a restauração lusitana, foi a
vez dos autores portugueses depararem-se com o que chamaram costumeiramente de
“inimigo interno”, visto que o inimigo externo (Holanda) já fora expulso. Desde então,
as crônicas seguiram sendo produzidas com a visão dos fatos das classes dominantes
portuguesas.
O Brasil Colonial não foi plural nas abordagens sobre os quilombos dos
Palmares, embora tenha produzido em torno de uma dezena de obras. Em grande
maioria, tratam-se de citações e abordagens repetidas, diferenciando-se, umas das
outras, sobretudo por suas origens, portuguesa ou batava, conforme veremos. Por além
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das idiossincrasias culturais, dominavam as determinações próprias ao modo de
produção escravista colonial comum.
1 – OS AUTORES HOLANDESES
1.1 – Joan Nieuhof
Os primeiros relatos dos quilombos palmarinos ocorrem quando dos sucessos,
através de narrativas de viagens e de diários de holandeses, em geral, com o intuito de
exaltar a Holanda e registrar seus feitos, como assinalado. Um dos primeiros relatos que
se tem notícia é de 1682, produto da pena de Joan Nieuhof [1618-1672]. Este agente
comercial da Companhia das Índias Ocidentais foi um dos grandes viajantes holandeses,
que se distinguiu pelos registros e narrativas de viagens, muito valorizados devido ao
grande interesse dos europeus em relação às novas terras e seus povos.
Em pouco mais de duas páginas de sua Memorável viagem marítima e terrestre ao
Brasil, Joan Nieuhof referiu-se às características geográficas, populacionais, produtivas e
religiosas de Palmares, ressaltando que “conservam os pretos alguma coisa do culto
religioso dos portugueses, dispondo, porém, de sacerdotes e juízes próprios.”
(NIEUHOF, 1682: 18). Publicado em 1682, o livro é produto de suas experiências
durante os dez anos (1640-1649) em que permaneceu no Brasil Holandês.
Sua abordagem sobre Palmares destaca-se pelo pioneirismo, ao assinalar a
existência de “dois Palmares”, diferenciados populacional e geograficamente, e pelo
registro da captura de negros escravizados por parte dos palmarinos: “Os negros
ocupam-se em roubar os escravos dos portugueses, aos quais mantêm no cativeiro até
que se alforriem capturando outros.” (NIEUHOF, 1682: 18). Embora tenha
permanecido dez anos em solo pernambucano, o autor não citou em seu livro a
organização, a hierarquia palmarina e nem os enfrentamentos com as forças batavas.
1.2 – João Blaer
O capitão João Blaer (1645) foi outro autor do período holandês a registrar os
quilombos palmarinos. Ele realizou uma expedição, com “sua gente”, de 26 de fevereiro
a 2 de abril de 1645 aos Palmares, tendo como ponto de partida e de retorno o povoado
de Alagoas do Sul. No diário dessa expedição de reconhecimento militar, registrou
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diversos percalços enfrentados na mata.1 Em 18 de março de 1645, Blaer chegou com
sua tropa ao “Velho Palmares”, já abandonado, registrando, sobretudo suas
características geográficas. No dia 21, diferentemente de Nieuhof, Blaer descreveu a
autoridade do rei palmarino: “[...] o seu rei os governava com severa justiça, não
permitindo feiticeiros entre a sua gente [...]” (CARNEIRO, 2011: 213).
Blaer foi um dos autores que propôs existir escravidão em Palmares. Sua
afirmação foi recolhida, mais tarde, dando origem nas últimas décadas na historiografia
brasileira à existência de cativeiro para trabalhadores escravizados, que eram levados
contra a vontade para Palmares. O autor não estava de todo errado, exceto pelo uso do
termo “escravidão”, que confundia a tradição européia de escravidão colonial com as
formas domésticas de escravidão africanas. (GORENDER, 1985)
Os “escravos” em Palmares – na primeira etapa organizacional daqueles
quilombos – além de não terem sido tratados de forma semelhante ao cativeiro colonial-
mercantil, não ficavam perpetuamente nessa condição, fato relatado pelo autor, mas sem
a devida ênfase.
1.2 – Gaspar Barléu
Salvo engano, o teólogo e humanista Gaspar Barléu (1584-1648) foi o terceiro
autor holandês a registrar Palmares. Contratado pelo conde Maurício de Nassau para
registrar seus feitos à frente da administração do Brasil Holandês, Barléu deixa claro
suas intenções na dedicatória de seu livro História dos feitos recentemente praticados
durante oito anos no Brasil: “Aqui vos ofereço, ilustríssimo Conde, [...] a vós, que,
com insigne galhardia, defendestes e exaltastes a Holanda e enchestes a Espanha com a
fama e o temor da guerra [...]”. (1647, p. IX)
Em seu livro, publicado em 1647, BARLÉU aborda a geografia palmarina e sua
forma de organização, sempre dando ênfase à selvageria dos palmarinos: “[...] para
onde se dirigia uma aluvião de salteadores e escravos fugidos, ligados numa sociedade
de latrocínios e rapinas (sic), os quais eram dali mandados às Alagoas para infestarem
(sic) as lavouras [...]” (1647, p. 253.) Em momento algum são exaltados os negros
fugidos como organizados ou “evoluídos”.
1 BLAER, João. Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645. In CARNEIRO, Edison
O Quilombo dos Palmares, 4. Ed. São Paulo: Raízes, 2011.
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O autor, teólogo protestante, cita a religiosidade dos palmarinos como sendo a
mesma “dos portugueses” (1647, p. 253.) o que denota certa “proximidade” ou
“aceitação” cultural dos negros dos Palmares com a Coroa Lusitana. Em mais de
quatrocentas páginas, Palmares não recebe destaque em mais do que duas, e acaba por
ser retratado como um “inimigo interno” combatido por Nassau.
2 – OS AUTORES PORTUGUESES
Após a Restauração Portuguesa, houve um período de calmaria que durou até
1675, quando o governador dom Pedro de Almeida decidiu retomar as investidas contra
os quilombos. Neste período, houve a grande expansão dos Palmares, sobretudo com a
implementação de sua estrutura jurídica e administrativa.
Foram registradas 25 entradas militares contra a região com o intuito de
exterminar os quilombos. No final das investidas e após algumas derrotas significativas
por parte da Coroa Lusitana, o governador propôs o acordo de 1678, que dava a
liberdade aos negros nascidos em Palmares e propunha a reescravização dos demais. O
referido acordo não foi aceito pela maioria dos palmarinos e culminou no assassinato de
Nganga Nzumba e na ascensão de Nzumbi como chefe dos Palmares. Logo após a
Restauração Portuguesa, em 1640, os autores que historicizaram o Brasil seguiram a
linha de exaltação das classes dominantes e, sobretudo, da organização do país.
2.1 – Brito Freire
Um dos primeiros portugueses a registrar Palmares foi o fidalgo e administrador
colonial Francisco de Brito Freire (1625-1692) que, após ter participado da guerra da
Restauração, governou a capitania de Pernambuco dos anos de 1661 a 1664, terminando
recluso em cárcere ao desobedecer às ordens da Coroa.
Em seu período de reclusão, Freire escreveu Nova Lusitânia: História da Guerra
Brasílica: Viagem da Armada da Companhia do Comércio e Frotas do Estado do
Brasil. Seu livro descrevia Palmares com riqueza de detalhes, visto que havia
organizado e participado de entradas militares contra o reduto palmarino durante sua
administração local.
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Seguindo a linha de conservação dos valores portugueses e de descrição das
características agrícolas e geográficas dos quilombos palmarinos, o autor destaca: “[...]
não terem perdido a nossa fé” (1675: 281.), apesar de serem criminosos e assassinos, o
que justificaria o ataque e destruição dos quilombos. Segundo a historiadora Andressa
dos Reis (2004), o “peculiar desta obra foi abordar Palmares como estado organizado e
respeitável, tanto pelo número de habitantes como por sua extensão territorial” (REIS,
2004, p. 41) o que difere o autor dos cronistas holandeses que, sua maioria, destacavam
a barbárie e selvageria do Estado palmarino. A historiadora ainda lembra que, segundo
o autor, as expedições militares em nada foram benéficas para a Coroa, e sim vândalas,
o que caracteriza discrepância com a necessidade de destruição descrita pelo próprio
autor.
2.1 – Relação
Dez anos mais tarde, foi escrita a obra “Relação das guerras feitas aos
Palmares de Pernambuco no tempo do governador D. Pedro de Almeida de 1675 a
1678”, de autoria anônima. O livro foi encontrado pelo Conselheiro Drumonnd e
entregue ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que, por sua vez, publicou em
sua revista (RIHGB). Conforme o título, trata-se de obra narrativa de exaltação ao
governador Pedro de Almeida.
A obra destaca-se pela riqueza substancialmente maior de informações a respeito
de Palmares, em relação aos relatos anteriores, tanto de holandeses quanto de lusitanos.
Uma das primeiras informações importantes é a relação dos nomes dos mocambos
palmarinos, com suas devidas identificações e limites geográficos (In CARNEIRO,
2011, p. 158.). Embora haja exaltação aos feitos do governo local, o autor descreveu de
forma minuciosa as dificuldades geográficas enfrentadas por sua tropa em locomoção
pelos caminhos da serra da Barriga.
É destacada na obra a “colaboração” das vilas vizinhas na troca de produtos com
os palmarinos por artigos diversos, principalmente armas e munições, o que aumentou
as dificuldades lusitanas de combate aos quilombos. O autor registrou a presença do rei
Nganga Nzumba e do respeito e temor que todos alimentavam por ele, inclusive com a
definição de casa real para a sede onde o ele habitava: “[...] habita a sua cidade real,
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que chamam o Macaco [...] Esta é a metrópole entre as mais cidades e povoações [...]”
(2011, p. 159.).
O autor ressaltou a existência de práticas religiosas próximas à cristã, inclusive
com a presença de uma capela: “[..] a que recorrem em seus apertos” e “[...] imagens a
quem recomendam suas tensões” (2011, p. 160.). As referidas imagens – Menino Jesus,
Nossa Senhora da Conceição e São Brás - teriam sido encontradas quanto da invasão do
“Macaco”. É crível que não houve por parte do autor interesse em analisar a fé
palmarina como oriunda de religiosidade própria ou sincrética, mas sim como
permanência da fé cristã.
Em relação aos costumes e hábitos do reino palmarino, o autor destacou a
existência da poligamia por parte dos líderes do quilombo e da forma de vestir que seria
a mesma: “que observam entre nós” (2011, p. 160.). Ao longo do texto, o quilombo é
tratado como o “inimigo de portas adentro”, que causava danos irreparáveis aos
moradores das vilas adjacentes e, sobretudo, ameaçava a economia do nordeste.
É na Relação que Zumbi é citado com destaque, quando de seu ferimento em
combate: “[...] aqui se feriu com uma bala o general das armas, que chamava Zambi,
que quer dizer deus da guerra, negro de singular valor, grande ânimo e constância rara”
(2011, p. 164.). Os louvores em sua descrição não são apenas em relação para Zumbi,
mas igualmente para a estrutura e organização palmarina, vista como um grande perigo
para a evolução e futuro da capitania.
Em sua parte final, o livro aborda o acordo proposto pela Coroa a Nganga
Nzumba (1678), com detalhes para a recepção feita à comitiva dos palmarinos, porém
dá por definitiva a paz na capitania, sem relatar os enfrentamentos internos de Palmares
e o surgimento de Zumbi como autoridade máxima.
A obra encerra-se com uma exaltação ao governador Dom Pedro de Almeida, a
quem o livro foi claramente dedicado e possivelmente por ele encomendado: “[...] toda
a felicidade desta glória, toda a glória desta conquista soube merecer o zelo generoso e a
prudência singular de d. Pedro de Almeida [...] seu nome será eterno na lembrança dos
filhos de Pernambuco [...]”. (2011, p. 178).
2.1 – Rocha Pita
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A principal, ou primeira, obra de cunho e valor historiográfico, é produto da
pena de Sebastião da Rocha Pita (1660-1739), português nascido em Salvador, no Brasil
Colônia. Pita estudou no Colégio dos Jesuítas na Bahia, onde conseguiu o grau de
mestre em artes. Segundo José Honório Rodrigues (1979), é duvidosa sua formação na
Universidade de Coimbra. Foi feito coronel das Ordenanças da Corte de Salvador,
fidalgo da Casa Real, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, Acadêmico na Academia
Real da História Portuguesa de Lisboa e da Academia dos Esquecidos da Bahia.
(RODRIGUES, 1979, p. 495)
O baiano foi ainda Senador da Câmara de Salvador por diversos mandatos
(1687, 1692, 1704, 1712 e 1721). Embora tenha escrito outras obras, o seu livro de
grande relevância é a História da América Portuguesa, que, publicado em 1730, criou
tendência para toda uma época. Pita (1730) descreve o que chama de América
Portuguesa (justificando sua naturalidade “lusitana”, embora nascido na Bahia) sempre
com muito louvor a Portugal, sem economizar nas críticas aos batavos (sobretudo à sua
religiosidade) e aos brasileiros.
Sua ideia de civilização estava diretamente atrelada aos valores das classes
dominantes de Portugal - não apenas palmarinos estavam longe de seus padrões de
aceitação. O historiador RODRIGUES critica veementemente a obra de Pita, embora
destaque a sua real importância. Dentre as críticas iniciais, enfatiza que a obra do baiano
sofre pela falta de consulta a documentos originais, o que de certa forma, coloca em
discussão suas afirmações e conceitos: “[...] por não ter visto todos os originais, fazendo
a maior parte das cópias por informações...” (RODRIGUES, 1979, p. 496). A
historiadora Andressa dos Reis (2004) também atenta para o fato, sem lhe dar porem
tanta importância: “[...] muitos aludem à obra de Rocha Pita como portadora de
inúmeros devaneios; isto se deve ao relato de alguns fatos, que por não possuírem
respaldo documental, tornaram-se alvo dos historiadores posteriores...” (2004, p. 35).
Por além de seu valor, a Academia Real Portuguesa encampou o livro
provavelmente também por seu conteúdo notoriamente lusitano, onde são apontados
características do território brasileiro, com duras críticas à barbárie dos povos não
civilizados ou às heranças holandesas do tempo da invasão. Os louvores e exaltações
são direcionados sempre a Portugal, não havendo palavras simpáticas aos movimentos
populares duramente condenados.
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Dentre as diversas críticas sofridas pelo livro, o historiador Francisco Adolfo de
Varnhagen (1816-1878) ressalta: “[...] era mais imaginativo que pensador, mais poeta e
admirador do belo do que crítico, vassalo da razão e escravo das provas autênticas...”
(VARNHAGEN in RODRIGUES, 1979, p. 501).
Apesar de todos os seus devaneios e imperfeições, a História da América
Portuguesa coloca definitivamente Palmares na historiografia brasileira, trazendo mais
tarde o debate para as academias. Outras obras posteriores seguem a mesma linha ou
caracterizam-se por repetições de seus relatos.
Pita (1730) defende explicação culturalista para as fugas e rebeliões dos
palmarinos. Para ele, devido ao trato humano que conheceria no cativeiro, o negro
escravizado não tinha motivos para se rebelar e somente o fazia para fugir dos padrões
culturais do homem branco, para, com sua rebelião e aquilombamento, retornar à
barbárie africana de origem: “[...] se congregaram quase quarenta negros [...] dispondo
fugirem aos senhores de quem eram escravos, não por tiranias [...] mas por apetecerem
viver isentos de qualquer domínio [...]”. (Pita, 1952, p. 353.). Seguindo ainda nesta
linha interpretativa, afirmava: “[...] estimando mais a liberdade entre as feras que a
sujeição entre os homens.” (1952, p. 353.).
Pita referia-se a Palmares como “uma república rústica e a seu modo bem
ordenada” (1952, p. 355). Cita grandes repúblicas da antiguidade para descrever por sua
organização estrutural bárbara de Palmares. O autor destacou Zumbi, e, salvo engano,
foi o pioneiro ao interpretar o significado daquele termo, ainda que em sentido negativo
(diabo) como título africano, e não nome próprio. Para Pita os palmarinos “elegiam por
seu príncipe, com o nome de Zombi (que no seu idioma vale o mesmo que diabo)”
(1952, p. 355.).
Somente com Nina Rodrigues, em 1905, a grafia evoluiu de “Zambi” para
“Zumbi”. A denominação de príncipe, com o sentido tendencioso de “diabo” inspira-se
na hierarquia monárquica e na religiosidade católica. Conforme visto anteriormente, a
Relação de 1678 traduz “zumbi” como “deus da guerra” e não como “diabo”.
Embora repetisse alguns registros de Blaer, Rocha Pita foi um dos primeiros a
abordar em forma enfática a “existência” de escravos em Palmares, desconsiderando as
condições econômicas do quilombo em nada compatíveis com a prática escravista
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colonial2: “Aos escravos que por vontade se lhes iam juntar, concediam viverem em
liberdade; os que tomavam por força ficavam cativos e podiam ser vendidos.” (1952, p.
355.).
O autor não considerou o fato de que os africanos escravizados chegados por
livre e espontânea vontade em Palmares eram recebidos como membros plenos dos
quilombos, enquanto que os trazidos à força eram colocados em “cativeiro” para que
pudessem ser vigiados, impedindo desta forma que delatassem a existência e os
caminhos de Palmares. Não havia, porém, e não podia haver, exploração escravista
colonial.
Em sua obra, Pita cita a presença de comércio entre Palmares e as vilas
adjacentes, propondo tal prática à necessidade de evitar danos de possíveis invasões dos
negros palmarinos. Outra contribuição de Pita foi a descrição geográfica da fortaleza do
Macaco, com as coordenadas de sua localização.
Um dos seus erros históricos mais notórios foi a forma como a morte de Zumbi é
citada em seu livro. Embora tenha sido o pioneiro no destaque de tal fato, o fim
“poético” do líder palmarino, jogando-se de penhasco, gerou inúmeras repetições em
obras posteriores a sua, fazendo inclusive com que Nina Rodrigues (1905), em uma
época onde os documentos já eram conhecidos, optasse pela morte poética e não bélica
relatada por Pita.
Em resumo, seu livro levantou uma série de discussões, bem como alimentou o
imaginário de outros autores do período colonial e imperial do Brasil, colaborando para
desenvolver a investigação e o debate sobre Palmares.
Pita (1730) concluiu sua obra da mesma forma com que iniciou, exaltando a
Coroa lusitana na figura do governador local: “[...] Este fim tão útil como glorioso teve
a guerra que fizemos aos negros dos Palmares, devendo [...] ao valor e zelo com que
Caetano de Melo de Castro governou a província de Pernambuco [...]”. (1952, p. 363-
364.).
CONCLUSÃO
2 Cf. MAESTRI, Mário. In Péret, Benjamin. O quilombo dos Palmares. Porto Alegre: UFRGS Editora,
2002. p. 66.
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Os autores do período colonial do Brasil registraram Palmares em seus livros,
abordando suas características gerais, sempre com a mentalidade e objetivos da época,
ou seja, como forma de sustentar seus domínios e exaltar os feitos dos colonizadores. É
notório o quanto o extermínio dos palmarinos foi significativo para o controle da
província de Pernambuco e o quanto era vital para a economia local, visto que Palmares
gerava prejuízos devido à perda da propriedade escravizada e dos produtos que
produzia.
Palmares foi tratado ao longo do período como o “inimigo de portas adentro”,
devido à sua complexidade organizacional e à seu tempo de duração, que causaram
transtornos para as duas administrações da Capitania, Holanda e Portugal.
Ao trabalhar a historiografia palmarina no período do Brasil Colônia, é preciso
analisar que, de forma geral, os autores daquele período tentaram de todas as formas
justificar o extermínio da civilização dos Palmares, ora pela incompatibilidade de seus
aspectos civilizatórios, ora por questões de ordem religiosa.
Os reais motivos, do controle da terra e do comércio, bem como da restauração
dos engenhos através da mão-de-obra escravizada, pouco foram relatados no período,
fazendo de Palmares, efetivamente, uma civilização voltada à barbárie e à ameaça do
sistema colonial.
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