Retiro Calabriano - SETEMBRO/2015

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ROTEIRO DE RETIRO ESPIRITUAL PARA O ANO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA QUINTO TEMA: A Vida Religiosa Consagrada: dom e profecia para o mundo “Antes mesmo de te modelar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do ceio, eu te consagrei e te constituí profeta das nações. Eu te confiro autoridade sobre as nações e sobre os reinos, para arrancar e para destruir, para arruinar e para demolir, para construir e para plantar” (Jr 1,5.10). Este é o Ano da Vida Religiosa Consagrada. Nesta oportunidade estamos rezando temas que nos ajudam a revisitar a espiritualidades e mística de nossa consagração. Nos últimos temas adentramos no tripé deste ano de graça, quer seja: Evangelho, Profecia e Esperança. Rezamos o Cristo como a boa notícia anunciada aos pobres, o Evangelho do Pai, a Palavra encarnada. Na sequência propusemos o tema da Vida Religiosa Consagrada como Evangelho, boa notícia para a Igreja e para o mundo. A essência desse momento de oração foi o Espírito que unge e consagra. O roteiro que hora apresentamos dá um passo a mais: propõe o tema da profecia que se dividirá em dois momentos. O primeiro (esse dia de retiro), refletirá a vocação profética percorrendo brevemente o AT, apresentando alguns dos grandes profetas elucidando peculiares qualidades da missão. O objetivo é ajudar a rezar a nossa participação comum no múnus profético de Cristo. O segundo momento será proposto no roteiro seguinte que coincidirá com o mês calabriano. Nesta oportunidade nos perguntaremos, sobretudo: como a espiritualidade calabriana pode ser sinal de profecia para os tempos atuais. O tema de hoje é: “A Vida Religiosa Consagrada: dom e profecia para o mundo”. Para rezar esse tema, precisamos evidentemente retomar conceitos como profeta, profetismo e profecia. Como essa vocação incide na vida da Igreja e o que tem a contribuir a vida religiosa consagrada para o mundo? Profeta, profecia e profetismo A palavra “profeta” tem origem grega: Pro-phetes 1 que significa, como indica a preposição pro: “falar em vez de”, “ser porta-voz de” ou mesmo “falar diante de alguém”, “falar em voz alta”. É importante salientar que em pro não quer significar “antes de” no sentido temporal equivalendo ao “pré-dizer”. Para isso, seria necessário a utilização de outro vocábulo: proagoeuo. Considerando o contexto do Antigo Testamento, em hebraico, o termo profeta corresponde à palavra nabí (mais usada). Mas podemos encontrar também outros vocábulos como: hozeh ou roeh “vidente” (1Sm 9,9.11.18.19; 2Sm 24, 11; Am 7,12); “homem de Deus” (1Sm 9,6); “visionário” (Dt 13,2). Atualmente, a etimologia da raiz acádia “nb” que significa chamar, convocar é muito aceita. Ou mesmo a sequencia vocálica hebraica “a-i” que denota uma forma passiva, etimologicamente significa “chamado”, “convocado” ao conselho de Deus ou para uma vocação ou missão concreta. 1 DE LANCY, J.M. Abrego. Os livros proféticos: Introdução ao estudo da Bíblia V. 4. São Paulo. Ed. Ave Maria. 2006.

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Retiro Calabriano elaborado pelo Pe. Osvaldo de Oliveira para o mês de Setembro/2015

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ROTEIRO DE RETIRO ESPIRITUAL PARA

O ANO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

QUINTO TEMA:

A Vida Religiosa Consagrada: dom e profecia para o mundo

“Antes mesmo de te modelar no ventre materno, eu

te conheci; antes que saísses do ceio, eu te consagrei

e te constituí profeta das nações. Eu te confiro

autoridade sobre as nações e sobre os reinos, para

arrancar e para destruir, para arruinar e para

demolir, para construir e para plantar” (Jr 1,5.10).

Este é o Ano da Vida Religiosa Consagrada. Nesta oportunidade estamos rezando temas que nos

ajudam a revisitar a espiritualidades e mística de nossa consagração. Nos últimos temas adentramos no tripé deste ano de graça, quer seja: Evangelho, Profecia e

Esperança. Rezamos o Cristo como a boa notícia anunciada aos pobres, o Evangelho do Pai, a Palavra encarnada. Na sequência propusemos o tema da Vida Religiosa Consagrada como Evangelho, boa notícia para a Igreja e para o mundo. A essência desse momento de oração foi o Espírito que unge e consagra.

O roteiro que hora apresentamos dá um passo a mais: propõe o tema da profecia que se dividirá em dois momentos. O primeiro (esse dia de retiro), refletirá a vocação profética percorrendo brevemente o AT, apresentando alguns dos grandes profetas elucidando peculiares qualidades da missão. O objetivo é ajudar a rezar a nossa participação comum no múnus profético de Cristo.

O segundo momento será proposto no roteiro seguinte que coincidirá com o mês calabriano. Nesta oportunidade nos perguntaremos, sobretudo: como a espiritualidade calabriana pode ser sinal de profecia para os tempos atuais.

O tema de hoje é: “A Vida Religiosa Consagrada: dom e profecia para o mundo”. Para rezar esse tema, precisamos evidentemente retomar conceitos como profeta, profetismo e profecia. Como essa vocação incide na vida da Igreja e o que tem a contribuir a vida religiosa consagrada para o mundo?

Profeta, profecia e profetismo A palavra “profeta” tem origem grega: Pro-phetes1 que significa, como indica a preposição pro:

“falar em vez de”, “ser porta-voz de” ou mesmo “falar diante de alguém”, “falar em voz alta”. É importante salientar que em pro não quer significar “antes de” no sentido temporal equivalendo ao “pré-dizer”. Para isso, seria necessário a utilização de outro vocábulo: proagoeuo.

Considerando o contexto do Antigo Testamento, em hebraico, o termo profeta corresponde à palavra nabí (mais usada). Mas podemos encontrar também outros vocábulos como: hozeh ou roeh “vidente” (1Sm 9,9.11.18.19; 2Sm 24, 11; Am 7,12); “homem de Deus” (1Sm 9,6); “visionário” (Dt 13,2). Atualmente, a etimologia da raiz acádia “nb” que significa chamar, convocar é muito aceita. Ou mesmo a sequencia vocálica hebraica “a-i” que denota uma forma passiva, etimologicamente significa “chamado”, “convocado” ao conselho de Deus ou para uma vocação ou missão concreta.

1 DE LANCY, J.M. Abrego. Os livros proféticos: Introdução ao estudo da Bíblia V. 4. São Paulo. Ed. Ave Maria. 2006.

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As variações da palavra nabí manifestam as diversas funções proféticas: elementos de êxtase ou mesmo de mediação da palavra; hora está ligado à pregação outras vezes associa-se àquele que entoa um hino ou promulga as maldições da lei; diz respeito àquele que consulta a Deus ou que assume o papel de traumaturgo; a palavra está por vezes ligada a alguém que se assume claramente como intercessor entre Deus e o povo, atuando hora em grupo, hora de forma individual.

Em Nm 11,25-27 fica claro que o profetismo é de instituição divina e é provocado pelo Espírito. Profetizar é uma expressão que traduz a ação que produz o Espírito do Senhor nos dirigentes que passariam a ajudar Moisés no governo do povo (cf. Ex 18,13-27).

Historicamente, antes da monarquia unificada, no mundo profético parece predominar o funcionamento em grupo (1Sm 10;18;19-20; cf. Nm 11). Desse período destacam-se Elias e Eliseu (2Rs 4,38;6,1). Socialmente andavam escassos em recursos (2Rs 5), cheios de dúvidas (2Rs 4,1-7) e a comida era um problema para eles (2Rs 4,38-42). Em tempos da monarquia unificada aparecem personagens que atuam sozinhos e não em grupos e há três aspectos de atuações principais: certa relação com o culto (2 Sm 24,18); função de conselheiro real (1 Sm 22,5) e palavras de condenação ao rei (2Sm 24,11-12). Trata-se normalmente de personagens da corte que, não obstante, conservam certa distância e liberdade em relação à palavra do rei para aconselha-lo e para repreendê-lo (cf. 1Sm 10, 1ss; 1Sm 16; 1Rs 1,32s).

O profetismo “clássico”, como hoje conhecemos, surgiu particularmente durante a monarquia dividida. Os profetas desse tempo são personagens por meio dos quais se pode consultar o Senhor, mas não estão só à disposição dos reis, mas de qualquer pessoa que deseje consultar o Senhor ou solucionar seus problemas. Não vivem na corte, mas influenciam com os seus oráculos também podendo ungir reis (2Rs 9).

Vocação e missão do “nabí” (Jr 1,5.19-14) Os profetas são pessoas possuídas por Deus e são suscitadas especialmente em tempos difíceis2. A

vocação do profeta é dom de Deus. É um chamado irresistível: “caminham duas pessoas juntas sem que antes tenham combinado? Ruge o leão na floresta sem que antes tenha uma presa? Levanta o filhote do leão com sua voz, em seu esconderijo, sem que antes tenha capturado algo? (...) Pois o Senhor Ihaweh não faz alguma coisa sem antes revelar o seu segredo a seus servos, os profetas. Um leão rugiu, quem não temerá? O Senhor Ihaweh falou: quem não profetizará?” ( Am 13-4.7). Se o profeta profetiza, foi Ihaweh quem falou, se Deus fala, o profeta não pode deixar de profetizar.

São vários os relatos da vocação profética na Sagrada Escritura. Estes podem ser entendidos sob dois aspectos: como narrações biográficas ou autobiográficas. Mas por que os profetas relatam sua vocação? O motivo pode ser entendido desde a necessidade pessoal de comunicar uma experiência profunda de Deus de grande envergadura até a função de avaliar sua ação profética, manifestando a missão divina que lhe foi concedida (Am 7,10-17). O fato é que podemos ler nos relatos que a vocação profética não é um capricho, mas fruto de um impulso interior atribuído ao próprio Deus que chama. Embora os relatos possam ser datados, tais experiências correspondem mais a um processo vital do que a um aspecto histórico3.

Embora a missão profética seja tarefa que exige compromisso e empenho para sua realização por caracterizar-se como difícil, o chamado é sempre acompanhado da certeza marcante de que o Senhor não abandona aqueles que chama. Neste sentido encontramos a repetida promessa divina: “não temas, eu estarei contigo”.

Na vocação do profeta como manifestação divina, percebemos a ação de Deus que irrompe na vida do profeta. Junto ao chamado recebe uma missão que é dada geralmente no imperativo. Sua missão é de ser porta-voz, “embaixador”, por isso, deve falar o que lhe é mandado (Jr25,30;26,9) e não deve apropriar-se de nada para si mesmo. A vocação profética pode ser caracterizada pela profunda experiência de Deus (mística); pela conexão com a realidade; pela ética e compromisso social; pelo anúncio esperançoso (Is 1) e pela denúncia. Neste sentido, a missão do profeta provoca mudanças e rupturas radicais com o sistema estabelecido quer seja religioso, político ou social (Am 7,12-15).

2 BORTOLINI, José. Roteiros homiléticos Anos A, B, C, Festas e Solenidades. São Paulo. Paulus. 2007. 3 DE LANCY, J.M. Abrego. Os livros proféticos: Introdução ao estudo da Bíblia V. 4. São Paulo. Ed. Ave Maria. 2006.

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A Dimensão profética da Vida Religiosa Consagrada Atualmente muitos são os textos e inúmeras as reflexões sobre a dimensão místico-profética da

VRC, mas não custa retomar alguns aspectos dessa reflexão que nos ajudarão a rezar essa nossa missão como consagrados e consagradas. Parafraseando Paulo Freire, a arte da insistência é boa e necessária, pois transforma e recria as pessoas e a própria história.

Cristo, o profeta por excelência, anunciou o Reino de Deus por seu testemunho de vida e pelo anúncio e força de sua palavra dita com autoridade (cf. Mt 7,29; 9,6;28,18). Ele, na graça do batismo confere a todos os cristãos a participação em seu múnus sacerdotal, régio e profético4. Os consagrados e consagradas, por sua vez, em comunhão com seus pastores, são chamados a viver, particularmente a dimensão místico-profética nos lugares onde se fazem presentes por sua vida fraterna e de comunhão, por suas obras, pelo anúncio explícito do evangelho principalmente entre os mais pobres5.

Refletir e rezar a dimensão profética da VRC não pode ser apenas fruto de uma costumeira utilização de palavras de efeito. Revisitar essa essencial dimensão de nossa vida representa um urgente imperativo de fidelidade criativa porque a Vida Religiosa Consagrada tem como missão, desde os seus primórdios, ser sinal de contradição expressa pelo testemunho e pela radicalidade do seguimento de Cristo, particularmente pela profissão dos assim chamados “conselhos evangélicos”.

A missão profética na Igreja e no mundo é a marca identitária da Vida Religiosa Consagrada. Porém, em “época de mudanças” que se configura em “mudança de época” devido a abrangência e rapidez das transformações no campo da tecnologia digital que dissolve fronteiras, margiliza os mercados, generaliza o consumo, superficializa as relações, como a Vida Religiosa Consagrada pode exercer sua missão profética? Arrisco em apontar algumas pistas:

- Retomada da intuição inicial que nos remete ao fundador e ao carisma original superando imobilismos pessoais e estruturais e lançando-nos novamente às fronteiras e às novas periferias existenciais6 (que nos desafiam para novas sensibilidades, novas inserções e novas expressões de compaixão e solidariedade, “novas experiências sócio-históricas e culturais que levam a novas práticas de fé-história-cultura”)7, tendo os mesmos sentimentos de Cristo (Rm 12,16);

- A busca das novas periferias e fronteiras se apontam como alternativa profética, que nos dias de hoje, não pode ser entendida como um movimento isolado, mas construída em redes, alianças e parcerias animadas pelo espírito das origens e fundamentada na opção fundamental de Jesus pelo Reino. Pois o centro do profetismo da Vida Religiosa Consagrada consiste na volta “à radicalidade do seguimento de Jesus”8;

- Entender o carisma fundacional nunca como uma realidade estática, mas dinâmica cuja fecundidade e eficácia depende da liberdade e ousadia dos consagrados e consagradas de criar novas expressões e estilos de vida que os tornem verdadeiramente visíveis e reconhecíveis como dom para o mundo, pois “ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo do alqueire (...). Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que vendo vossas boas obras glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,15-16).

Encontro com a Palavra (Jr 1,4-10)

A palavra de Iahweh me foi dirigida nos seguintes temos: Antes mesmo de te modelar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações.

Mas eu disse: ‘Ah! Senhor Iahweh, eis que eu não sei falar, porque sou ainda criança!’

4 Cf. LG 76 e 78) 5 Cf. DA nº 217 6 FRANCICO, papa. Homilia na missa final da jornada mundial da juventude no Brasil. 2013. 7 ROY, Ana. O beijo de Deus: provocação à VR. Publicações CRB. 2010. cf. Mt 9,36; 8 DOS ANJOS, Marci Fabri (org). Vida Religisosa e novas gerações – memória, poder e utopia. Aparecida. SP. Ed. Santuário. 2007.

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Mas Iahweh me disse: ‘não digas: ‘eu sou ainda criança!’ porque a quem eu te enviar irás, e o que eu te ordenar falarás. Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar, oráculo de Iahweh. Então Iahweh estendeu a sua mão e tocou-me a boca. E Iahweh me disse: Eis que te constituo, hoje, sobre as nações e sobre os reinos, para arrancar e para destruir, para exterminar e para demolir, para construir e para plantar’”.

Pistas para reflexão: O chamado Jeremias nasceu em Anatot9, próximo a Jerusalém em uma família sacerdotal. Sua vocação data desde sua tenra idade (por volta do ano 628/627 a.C.). Como lemos no relato, antecede a concepção e sua nomeação antecede o nascimento (cf. Jr 1,5). Viveu tempos de mudança. Quando Judá não era mais nação e Jerusalém estava em ruínas, o templo destruído e os judeus deportados para a Babilônia.

Embora tenha crescido durante o reinado do rei Josias, tempos em que Judá viveu períodos de paz e de revitalização da fé e do culto mosaico, Jeremias passou por situações difíceis ou conflituosas, como a maioria dos profetas. Sobreviveu ao primeiro (597) e ao segundo (587) cerco de Jerusalém, viu o templo destruído, Jerusalém devastada e o povo levado ao exílio na Babilônia. Ele próprio foi exilado no Egito, por volta de 580, onde morreu apedrejado, como afirma a lenda, nas mãos de seu povo.

Jeremias era uma pessoa possuída por Deus10, era um místico calmo e amante da paz11. Sentia-se seduzido e intimamente envolvido pela causa a ele confiada: “Tu me seduziste Iahweh, e eu me deixei seduzir; tu te tornaste forte demais para mim, tu me dominaste”. Esta expressão do profeta não é desconhecida aos consagrados e consagradas. Muitas vezes é escolhida como lema de um momento de grande expressão vocacional como a profissão religiosa ou mesmo a ordenação sacerdotal. Ela, porém, está longe de ser uma expressão anestesiante ou mesmo eufórica.

Esta imagem de sedução é de fato relato de uma experiência existencial e revela uma vocação profética que se iniciou antes mesmo da concepção e nascimento. Ao mesmo tempo marcam o poder de Iahweh sobre o profeta que se demonstra irritado com um Deus que ele tem como responsável pela sua desgraça12. É uma expressão de desespero que embora, rara na Sagrada Escritura, podemos ainda conferir em Jó 3,1ss; Sl 88.

Os sentimentos são fruto da leitura que fazemos de uma situação ou experiência que nem sempre condiz com a realidade. Nesse caso, por exemplo, embora se sentindo assim, Jeremias nunca se sentiu abandonado. Ele conserva a certeza de que Iahweh é o Deus da graça, e, mesmo na angústia revela sua esperança quando afirma: “Iahweh está comigo como poderoso guerreiro, por isso os meus perseguidores tropeçarão, não prevalecerão. Eles se envergonharão profundamente, porque não tiveram êxito; vergonha eterna, inesquecível. Cantai a Iahweh, louvai a Iahweh, porque livrou a vida do pobre da mão dos perversos.” (Jr 20, 11.13).

A resposta Nos relatos de vocação que encontramos na Bíblia, é comum encontrarmos também um momento

de tentativa de fuga, de desculpas. No caso de Moisés, por exemplo: “Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair do Egito os Israelitas? Perdão meu Senhor, eu não sou um homem de falar, nem de ontem nem de anteontem, nem depois que falaste a teu servo; pois eu tenho a boca pesada, e pesada a língua. Perdão, Senhor, envia o intermediário que quiseres” (cf. Ex 3,11. 4,10.13).

Semelhante foi a situação de Jeremias. Mesmo sentindo o chamado desde cedo, resistiu. Embora fosse descendente de família sacerdotal, Jeremias não queria ser profeta, pois isso representava problemas. Procura dar desculpas. “Eu não sei falar, sou jovem demais” (Jr 1,6). Sabe o que lhe espera assumindo a missão de profeta: vida solitária, desprezo, perseguição, rejeição. Além de ser ordem de Deus (Jr 1,7) Jeremias sentiu-se de tal forma envolvido que ficou impossível fugir. Foi credenciado para ser profeta (cf. Jr 1,5; Am 7,14-15; Is 6,1-13; Ez 1,4.4,15;). Deus o fez “profeta das nações”. A certeza da

9 BERGANT, Dianne e Robert J. Karris. Comentário Bíblico V.2. São Paulo. Loyola. 1999. 10 BORTOLINI, José. Roteiros homiléticos Anos A, B, C, Festas e Solenidades. São Paulo. Paulus. 2007. 11 BERGANT, Dianne e Robert J. Karris. Comentário Bíblico V.2. São Paulo. Loyola. 1999. 12 Cf. Nota de Rodapé, Bíblia de Jerusalém. 3ª ed. São Paulo. Paulus. 2004.

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dificuldade existe, mas Jeremias consola-se com a promessa divina: “Não temas, eu estou contigo para e libertar” (Jr 1,8). Essa não é apenas uma promessa, mas um jeito de Deus agir com todos os que foram designados para tarefas difíceis em seu serviço (cf. Ex 4,12; Js 1,5.9; Jz 6,16; 1Sm 3,19; 16,13; Mt 28,20).

A missão Após as desculpas para resistir ao chamado, Deus dá um basta à visão negativa da missão e insiste

na sua fidelidade e presença constante: “Não digas: ‘Eu sou ainda uma criança’! Porque a quem eu enviar irás, e o que eu te ordenar falarás. Então Iahweh estendeu a sua mão e tocou-me a boca. E Iahweh me disse: Eis que ponho as minhas palavras em tua boca. Vê que eu te constituo, hoje, sobre as nações e sobre os reinos, para arrancar e para destruir, para exterminar e para demolir, para construir e para plantar” (Jr 1, 7.9).

Jeremias era conhecido de Deus desde o ventre materno e consagrado antes mesmo de seu nascimento. “Conhecer” da parte do Senhor equivale a escolher e predestinar (cf. Am 3,2; Rm 8,29); ao passo que “consagrar” indica mais uma eleição, uma separação para o ministério profético do que santificação interior13.

Deus toca na boca do profeta Jeremias. Esta é uma maneira simbólica de revelar que o que o profeta diz ao povo não é qualquer palavra humana, mas palavra de Deus. Em primeiro lugar, a missão do profeta é ser mensageiro do próprio Deus. Por isso deve falar o que lhe foi ordenado (compare Is 6,6-7; Ez 3,1-4.10-11). Jeremias não é enviado apenas a Israel, mas também a ouras nações e profetizará o fim da antiga aliança, mas também anunciará uma nova14.

Considerando que Jeremias exerce sua missão às vésperas do exílio, sua mensagem dirige-se especialmente àqueles que detém o poder político, principais responsabilizados pela deportação. Neste sentido, a atividade do profeta15 desestabiliza o poder político absolutizado e mexe com o poder religioso que compactua com o poder político. Para ambos, o anúncio do profético é a pedra no sapato.

Posso me perguntar: A dimensão místico-profeta é essencial para que a Vida Religiosa Consagrada seja verdadeiramente dom para a Igreja e para o Mundo:

- Será que não me encontro de tal forma “estabilizado”, “imobilizado”, quer seja considerando os projetos pessoais ou mesmo de congregação, ao ponto de não mais me sensibilizar, com as novas pobrezas e as periferias existenciais?

- Como posso retomar a dimensão profética da minha vida como consagrado (a). Quais escolhas ou renúncias que precisam ser feitas?

Textos de apoio: Vocação e desafios da missão profética: - Is 6,1-13; - Ez 3,1-3,15; - Am 7,10-17; - Is; 40,1-11; 61,1-6; - 1Sm 3,1-4,1; - 1Rs 19,1-21; 2Rs 2,1-18

Oração: Leia o texto novamente e deixa o coração falar:

- O que o texto me faz dizer a Deus? Qual o anseio que brota do meu coração?

- Reze sem pressa a oração que segue (ou outra oração à escolha)

13 IDEM. 14 Cf. capítulos 30-33. 15 BORTOLINI, José. Roteiros homiléticos Anos A, B, C, Festas e Solenidades. São Paulo. Paulus. 2007.

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ORAÇÃO DA MISSÃO16

Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si,

quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso Eu.

É parar de dar volta ao redor de nós mesmos como se fôssemos o centro do mundo e da vida.

É não se deixar bloquear nos problemas do pequeno mundo a que pertencemos: a humanidade é maior.

Missão é sempre partir, mas não devorar quilômetros. É sobretudo abrir-se aos outros como irmãos,

descobri-los e encontrá-los.

E, se para encontrá-los e amá-los é preciso atravessar os mares e voar lá nos céus, então missão é partir até os

confins do mundo.

Contemplação - Que novo olhar essa experiência produz em mim?

- Retorne a alguma palavra, a algum texto bíblico e coloca-te por inteiro nesse contexto e

peça a graça de como Jesus deixar-se conduzir pelo Espírito Santo que te conduz à missão profética.

O que é essencial registrar?

- Após a experiência de oração tomo consciência de que...

- Estratégias/compromissos para minha vida de comunidade e missão:

- Palavra ou frase inspiradora:.....

16 CAMARA, dom Helder.