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Agricultura orgânica no Brasil: sua trajetória para a certificação compulsória Organic agriculture in Brazil: a path to for the compulsory certification ALVES, Alda Cristiane de Oliveira 1 ; SANTOS, André Luis de Sousa dos 2 ; AZEVEDO, Rose Mary Maduro Camboim de 3 1 Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Belém/PA - Brasil, [email protected]; 2Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Rio de Janeiro/RJ - Brasil, [email protected] ; 3Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Rio de Janeiro/RJ - Brasil, [email protected] RESUMO: Este artigo apresenta um histórico a respeito da regulamentação da produção de orgânicos no Brasil. São mencionados todos os documentos nacionais relevantes já publicados em Diário Oficial, destacando-se alguns deles conforme sua importância para o mercado de orgânicos no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: agricultura orgânica; certificação; regulamentação; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. ABSTRACT: This paper presents a history about the production of organic products in Brazil, based on legal documents. All the relevant national documents already published in the Official Gazette, are mentioned in which some of them are discussing their importance to the organic market in Brazil. KEY WORDS: organic agriculture; certification; regulation; Ministry of Agriculture, Livestock and Supply Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 7(2): 19-27 (2012) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 28/04/2012

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Agricultura orgânica no Brasil: sua trajetória para a certificação compulsória

Organic agriculture in Brazil: a path to for the compulsory certification

ALVES, Alda Cristiane de Oliveira1; SANTOS, André Luis de Sousa dos2; AZEVEDO, Rose Mary Maduro Camboimde3

1 Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Belém/PA - Brasil, [email protected];2Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Rio de Janeiro/RJ - Brasil,[email protected] ; 3Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Rio de Janeiro/RJ -Brasil, [email protected]

RESUMO: Este artigo apresenta um histórico a respeito da regulamentação da produção de orgânicos noBrasil. São mencionados todos os documentos nacionais relevantes já publicados em Diário Oficial,destacando-se alguns deles conforme sua importância para o mercado de orgânicos no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: agricultura orgânica; certificação; regulamentação; Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento.

ABSTRACT: This paper presents a history about the production of organic products in Brazil, based onlegal documents. All the relevant national documents already published in the Official Gazette, arementioned in which some of them are discussing their importance to the organic market in Brazil.

KEY WORDS: organic agriculture; certification; regulation; Ministry of Agriculture, Livestock and Supply

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 7(2): 19-27 (2012)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 28/04/2012

IntroduçãoDurante as últimas décadas, a agricultura vem

mudando suas características a partir dodesenvolvimento de novas tecnologias, máquinasagrícolas e indústria química, que emboraimpulsione a produção de alimentos, tambémproduz efeitos colaterais. A partir da preocupaçãocom tais efeitos colaterais, agricultoresdesenvolveram métodos e processos agrícolasque segundo eles são seguros e sustentáveis,trata-se de uma produção baseada na interaçãodinâmica entre solo, plantas, animais, pessoas,ecossistema e meio-ambiente (IFOAM, 1998).

Esses agricultores, normalmente conhecidoscomo produtores orgânicos, conseguiram provarpara o mundo que seu sistema é diferente dossistemas agrícolas convencionais e, acima detudo, é competitivo e capaz de fornecer produtosagrícolas de boa qualidade (IFOAM, 1998). Alémde minimizar os impactos para o meio-ambiente,utilizando-se de insumos orgânicos, é descartadouso de agroquímicos e organismos geneticamentemodificados, sobre os quais ainda não se tem umaclareza científica.

É provável que a história da agriculturaorgânica tenha tido seu início na década de 20,relatada em um livro chamado “Um testamentoagrícola” de 1940, escrito pelo trabalho dopesquisador inglês Albert Howard, que, em viagemà Índia, observou as práticas agrícolas decompostagem e adubação orgânica utilizadaspelos camponeses daquele local (FILHO et al.2002).

Segundo Mazzoleni & Nogueira (2006), quandoem 1840, o químico alemão Justus von Liebigpublicou a teoria da nutrição mineral das plantas,deu-se a disseminação dos conhecimentos daquímica agrícola, marcada principalmente pelainovação dos fertilizantes químicos. De maneirasemelhante à revolução industrial, diversasinovações se somaram gradativamente e com isso,crescia o poder do homem de controlar asvariáveis da natureza ao interesse produtivo. A

partir daí ocorreu o surgimento de um conjunto depráticas que compunham o chamado “pacotetecnológico” da revolução verde.

No mesmo período, em resposta às grandestransformações que ocorriam, surgiram diversosmovimentos em vários locais do mundo,simultâneos, mas independentes entre si.Inicialmente, em 1920 a agricultura biodinâmica,na Alemanha e Áustria, na década seguinte, aagricultura natural no Japão e a agriculturaorganobiológica na Suíça e Áustria. Ainda iniciava-se o desenvolvimento desse tipo de agricultura empaíses como a França e a Alemanha, espalhando-se mais tarde pelos demais países a filosofia deuma agricultura natural, um modelo de umaagricultura integrada com o ambiente. Porém,esses primeiros movimentos guardam poucaligação com a agricultura orgânica praticadaatualmente, pois não havia padrões, regulamentosou interesses em questões ambientais e desegurança alimentar (FILHO et al. 2002;MAZZOLENI & NOGUEIRA, 2006).

Com o aumento de produção, interesses deconsumo e de mercado, além de todo o aspectoambiental e social que a produção de orgânicosrepresenta, as autoridades mundiais começaram aatuar no sentido de regular essa atividade.Portanto, ao longo deste trabalho serãoapresentados os documentos mais relevantes jápublicados no âmbito do mercado nacional para aprodução de alimentos orgânicos, com o objetivode fornecer material informativo sobre seusrequisitos para todos aqueles interessados nestesetor.

Normas e RegulamentosHouve o surgimento dos primeiros produtos

orgânicos no mercado europeu na década de 70,o fortalecimento desse movimento no final dadécada de 80 e crescimento na década de 90(CEE 2092, 2001).

No Brasil, até a década de 70, a produção de

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orgânicos ainda era relacionada mais commovimentos filosóficos que buscavam o retorno docontato com a terra como forma alternativa devida, porém com o crescimento da consciência depreservação ecológica e a busca por alimentaçãocada vez mais saudável, houve expansão deconsumo dos produtos orgânicos e, na década de80, organizaram-se muitas das cooperativas deprodução e consumo de produtos naturais (FILHOet all. 2002).

Ainda na década de setenta foi detectada anecessidade de criação de um fórum que seocupasse da tarefa de harmonizar conceitos,estabelecer padrões básicos, resguardando adiversidade do movimento orgânico, surgindoassim em 1972, a Federação Internacional doMovimento da Agricultura Orgânica (InternationalFederation of the Organic Agriculture Movement,IFOAM) uma organização não governamental(ONG) que abriga mais de 770 organizações,incluindo certificadoras, processadores,distribuidores e pesquisadores de 112 países(IFOAM, 2010). Os padrões estabelecidos pelaIFOAM, Basic Standards for Organic Productionand Processing, são normas privadas mas devidoà sua aceitação internacional pelo movimentoorgânico, os padrões da IFOAM servem de basepara o trabalho de certificação de inúmerasentidades certificadoras em todo o mundo (IFOAM,2001).

Em 1991 foi publicado o primeiro documentonormativo deste setor no âmbito do comérciointernacional, por meio do programa instituído peloCouncil Regulation da Comunidade EconômicaEuropéia (CEE) no documento 2092/91, de 24 dejunho de 1991, foram estabelecidas as normas eos padrões de produção, processamento,comercialização e importação de produtosorgânicos de origem vegetal e animal nos seusestados membros, documento este que passou porfrequentes alterações para incorporar os avançosnas práticas de produção, processamento ecomercialização desses produtos (CEE 2092,

2001).No Foro Global de Organizações Não

Governamentais e Movimentos Sociais, realizadono Rio de Janeiro em 1992 – ECO 92 – foramdiscutidas questões sobre agricultura sustentável,segurança alimentar, água potável e recursospesqueiros, com foco na demanda mundial pormodificação no processo produtivo, de forma aassegurar qualidade ambiental e alimentar. Osresultados da ECO–92 e de reuniões paralelas,divulgados regularmente pelos meios decomunicação, despertaram na sociedade mundiala necessidade de formulação de políticas queincorporassem a questão ambiental, vale ressaltarque o principal resultado da ECO-92 foi aconstrução de um conjunto de estratégias dedesenvolvimento, visando a sustentabilidade,denominado Agenda 21 (CAMARGO, 2002).

Impulsionadas pelos princípios dasustentabilidade e por pressões sociais,intensificou-se a produção e a procura porprodutos orgânicos. Em 1994 o Ministério daAgricultura (MA) foi então procurado por ONG quepropuseram a regulamentação da certificação deprodutos orgânicos, o que resultou na Portaria MAnº 178 de agosto de 1994 que criou ComissãoEspecial para propor normas de certificação deprodutos orgânicos (CAMARGO, 2002).

Ainda naquele ano, foi instituído o ComitêNacional de Produtos Orgânicos, através daPortaria MA nº 190 de setembro de 1994,responsável por propor as estratégias para acertificação de produtos. E seguindo estadeterminação, a Portaria MA nº 192 de abril de1995 designou os membros que iriam compor aComissão Nacional de Produtos Orgânicos. OBrasil estava então começando a se organizar, seestruturar para a regulação dos produtos orgânicos(CAMARGO, 2002).

A Comissão Nacional da Produção Orgânica foicriada com a finalidade de auxiliar as açõesnecessárias para o desenvolvimento da produçãoorgânica brasileira, tem por base a integração

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entre os diversos agentes da rede de produçãoorgânica, do setor público e privado, e aparticipação efetiva da sociedade no planejamentoe gestão democrática das políticas públicas(BRASIL, 2001).

Ocorreu então que em outubro de 1998, foicolocada em consulta pública as normasdisciplinadoras para a produção, tipificação,processamento, envase, distribuição, identificaçãoe certificação da qualidade de produtos orgânicos,de origem vegetal ou animal, que resultou maistarde na primeira norma brasileira para produtosorgânicos, a Instrução Normativa (IN) nº 7 de17/05/1999 do Ministério da Agricultura Pecuária eAbastecimento (MAPA), constando de 7 anexos: I -do período de conversão, II - adubos econdicionadores de solos permitidos, III - produçãovegetal, IV - produção animal, V - aditivos paraprocessamento e outros produtos que podem serusados na produção orgânica, VI - daarmazenagem e do transporte, VII - da rotulagem(BRASIL, 1999).

Em seu texto, a IN nº 7 traz as normas deprodução orgânica e o conceito de sistemaorgânico de produção agropecuária e industrialcomo sendo todo aquele em que se adotamtecnologias que otimizem o uso de recursosnaturais e socioeconômicos, respeitando aintegridade cultural e tendo por objetivo a auto-sustentação no tempo e no espaço, a maximizaçãodos benefícios sociais, a minimização dadependência de energias não renováveis e aeliminação do emprego de agrotóxicos e outrosinsumos artificiais tóxicos, organismosgeneticamente modificados – (OGM)/transgênicos,ou radiações ionizantes em qualquer fase doprocesso de produção, armazenamento e deconsumo, e entre os mesmos, privilegiando apreservação da saúde ambiental e humana,assegurando a transparência em todos os estágiosda produção e da transformação (BRASIL, 1999).

No âmbito internacional, o Codex Alimentarius1,

tendo em vista o incremento da produção e docomércio internacional dos alimentos produzidosorganicamente, adotou na sua 23° Reunião em1999, as Diretrizes para a Produção, Elaboração,Rotulagem e Comercialização de AlimentosProduzidos Organicamente visando facilitar aharmonização dos requisitos para a produçãoorgânica em nível internacional, e assessorar osgovernos que desejem estabelecer regulamentosnesta área. Elas incluem seções gerais a respeitodo conceito de produção orgânica e o âmbito deaplicação do texto; descrições e definições;rotulagem e de especificações de qualidade(incluindo produtos em transição/conversão);regras de produção e preparação; sistemas deinspeção e certificação; controle das importações,incluindo em sua 24ª Reunião seções sobrecriação pecuária, produtos de origem animal eprodutos apícolas (IFOAM, 2001).

No ano de 2002, foram estabelecidos no Brasilos procedimentos para o credenciamento dascertificadoras junto ao Colegiado Nacional deAgricultura Orgânica por meio da IN 006, noentanto essa instrução normativa não foi aceitapelo movimento da agricultura orgânica nacionaldevido à exclusão que causava ao não reconhecerdiferentes sistemas de geração de credibilidade daqualidade orgânica. Isso aconteceu devido a IN006 ter sido desenvolvida por reduzida parte dosatores envolvidos na produção orgânica nacional,então as principais organizações sociais detécnicos e agricultores envolvidas na produçãoorgânica no Brasil reagiram e contribuíram paraelaboração de propostas de normas nãoexcludentes em relação aos processos decertificação participativa em rede. A partir daí oprocesso de normalização se deu de forma maisparticipativa, com um amplo processo de debates,cujo primeiro impacto foi a alteração da IN 007/99que passou a adotar o princípio de um processode certificação mais adequado às característicasde cada região em que atua, princípio este que

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orientou a nova legislação brasileira de orgânicos(BRITO, 2004).

Em junho de 2004, IN n°7 foi alterada pela INn° 16, que revogou os itens que tratavam daidentificação, do controle da qualidade orgânica,da responsabilidade dos órgãos colegiados e dasentidades certificadoras. Mais tarde, em dezembrode 2008, a IN n° 7 foi revogada pela IN n° 64 queaprova o regulamento técnico para SistemasOrgânicos de Produção Animal e Vegetal, com aslistas de substâncias permitidas para o uso nosSistemas Orgânicos de Produção Animal e Vegetal(BRASIL, 2004; BRASIL, 2008).

O MAPA percebeu a necessidade deregulamentar o funcionamento do ColegiadoNacional de Produtos Orgânicos e de harmonizaros procedimentos dos Colegiados Estaduais deProdutos Orgânicos e resolveu: aprovar oregimento interno do Colegiado Nacional deProdutos Orgânicos e as diretrizes para osregimentos internos dos Colegiados Estaduais deProdutos Orgânicos, constantes dos anexos I(Regimento Interno do Colegiado Nacional deProdutos Orgânicos – CNPOrg) e II (Diretrizes paraa elaboração de Regimento Interno dosColegiados Estaduais e do Distrito Federal–CEPOrg) da Portaria n° 19, de 10 de abril de2001 (BRASIL, 2001).

E como resultado da estruturação do MAPAacerca das questões da agricultura orgânica, em23 de dezembro de 2003, foi aprovada a Lei10.831 que traz os conceitos a respeito daprodução orgânica, a qual tem como finalidade,dentre outras, ofertar produtos saudáveis isentosde contaminantes intencionais; preservar adiversidade biológica dos ecossistemas naturais ea recomposição ou incremento da diversidadebiológica dos ecossistemas modificados em que seinsere o sistema de produção; incrementar aatividade biológica do solo; promover um usosaudável do solo, da água e do ar; e reduzir ao

mínimo todas as formas de contaminação desseselementos que possam resultar das práticasagrícolas; reciclar resíduos de origem orgânica,reduzindo ao mínimo o emprego de recursos nãorenováveis (BRASIL, 2003).

Dentre os conceitos estabelecidos pelasnormativas do MAPA, considera-se produto daagricultura orgânica ou produto orgânico, seja elein natura ou processado, aquele obtido em sistemaorgânico de produção agropecuário ou oriundo deprocesso extrativista sustentável e não prejudicialao ecossistema local e para que sejamcomercializados como tal, esses produtos deverãoser certificados por organismo reconhecidooficialmente, segundo critérios estabelecidos emregulamento, exceto no caso de comercializaçãodireta aos consumidores por agricultoresfamiliares, cuja certificação é facultativa, bastandoa eles apenas o dever de serem cadastrados juntoao órgão fiscalizador (BRASIL, 2003).

Em 27 de dezembro de 2007, o Decreto n°6.323 regulamentou a Lei 10.831 de 2003, queapresenta alguns conceitos, diretrizes edisposições gerais sobre as relações de trabalhoexistentes na atividade da agricultura orgânica,relativas à produção, comercialização, informaçõessobre a qualidade (identificação, rotulagem epublicidade) e também sobre os insumos. Alémdisso, regulamenta a atividade de avaliação daconformidade através da certificação dos produtosorgânicos e sua respectiva fiscalização (BRASIL,2007).

Para cumprimento do processo de avaliação daconformidade orgânica, o Decreto nº 6.323 instituiuo Sistema Brasileiro de Avaliação daConformidade Orgânica, integrado por órgãos eentidades da administração pública federal e pelosorganismos de avaliação da conformidadecredenciados pelo MAPA. O sistema é identificadopor um selo único, em todo o território nacional, noqual deverá estar agregada a identificação do

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sistema de avaliação da conformidade orgânica. Aidentificação utilizada pode ser CertificaçãoOrgânica2 ou Sistema Participativo de Garantia daQualidade Orgânica3, cabendo ao MAPA ocredenciamento, o acompanhamento e afiscalização dos organismos de avaliação daconformidade orgânica (BRASIL,2007).

É interessante observar que lei brasileira abriuuma exceção à obrigatoriedade da certificação deprodutos orgânicos para a venda direta aosconsumidores finais por agricultores familiares.Sendo entendida como venda direta aquela queacontece entre o produtor e o consumidor final,sem intermediários ou ainda a venda feita por outroprodutor ou membro da família que participe daprodução e que também faça parte do grupovinculado à Organização de Controle Social(OCS). A credibilidade do controle social seassegura ainda no que se chama deresponsabilidade solidária, que é uma declaraçãoassinada por todos os membros do grupo queforma a Organização de Controle Social,comprometendo-se a cumprir os regulamentostécnicos da produção orgânica eresponsabilizando-se solidariamente nos casos denão cumprimento das exigências técnicas poralguns de seus membros (MAPA/ACS, 2009).

Os Ministérios da Agricultura, Pecuária eAbastecimento e o do Meio Ambiente apoiamainda a construção de Sistemas Participativos deGarantia da Qualidade Orgânica quecorrespondem aos Organismos de Certificação nosistema de certificação por auditoria, são eles queavaliam, verificam, atestam e garantem a qualidadeorgânica, eles possuem personalidade jurídicaprópria, com atribuições e responsabilidadesformais no Sistema Participativo de Garantia daQualidade Orgânica, consignadas em seu estatutosocial e possuem em sua estrutura, no mínimo,uma comissão de avaliação e um conselho derecursos, composto por representantes dos

membros do Sistema (BRASIL, 2007).Existe a tendência de inclusão e aceitação dos

sistemas participativos de garantia (SPG) em oitolegislações dos países de baixa renda na AméricaLatina e Caribe, na Índia e no Estado deAndaluzia/Espanha. O reconhecimento dos SPGpela FAO, em sua 30ª Reunião Regional, queocorreu em abril de 2008, em Brasília-DF/Brasil,demonstra que esses mecanismos de avaliação daconformidade são adequados aos mercadosinternos e externos (FONSECA, 2009).

O decreto nº 6.323, atribui às Comissões daProdução Orgânica das Unidades Federativas(CPOrg-UF) a função de: emitir parecer sobreregulamentos que tratem da produção orgânica;propor à Comissão Nacional da ProduçãoOrgânica (CNPOrg) regulamentos que tenham porfinalidade o aperfeiçoamento da rede de produçãoorgânica no âmbito nacional e internacional;assessorar o Sistema Brasileiro de Avaliação daConformidade Orgânica; contribuir paraelaboração dos bancos de especialistascapacitados a atuar no processo de acreditação;articular e fomentar a criação de fóruns setoriais eterritoriais; discutir e propor os posicionamentos aserem levados pelos representantes brasileiros emfóruns nacionais e internacionais que tratem daprodução orgânica; e emitir parecer sobre pedidosde credenciamento de organismos de avaliação daconformidade orgânica (BRASIL, 2007).

Os organismos de avaliação da conformidadedeverão ser credenciados no MAPA, conformedetalhamento estabelecido em normascomplementares, e estes não poderão ter relaçõesconflitantes, como na realização de atividades defiscalização e prestação de assistência técnica nasunidades de produção.

O credenciamento junto ao MAPA seráprecedido de etapa prévia de acreditação dosorganismos de certificação, a ser realizada peloInstituto Nacional de Metrologia, Qualidade e

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Tecnologia (Inmetro) que estabelece as exigênciastécnicas e os procedimentos necessários aoprocesso de acreditação, utilizando critériosreconhecidos internacionalmente para organismoscertificadores, acrescidos dos requisitosespecíficos estabelecidos em normas técnicasbrasileiras de produção orgânica (BRASIL, 2007).

Em 28 de maio de 2009 foram aprovadas maistrês Instruções normativas: a IN nº 17, conjuntaentre o Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento e o Ministério do Meio Ambiente(MMA) que aprova as normas técnicas para aobtenção de produtos orgânicos oriundos doextrativismo sustentável orgânico; a IN nº 18 quetraz o regulamento técnico para o processamento,armazenamento e transporte de produtosorgânicos, e ainda os produtos permitidos parahigienização de instalações e equipamentos, osaditivos alimentares e coadjuvantes permitidos eos produtos de limpeza e desinfecção com contatocom os alimentos orgânicos; e a IN nº 19, cujotexto aprova os mecanismos de controle einformação da qualidade orgânica e os formuláriosoficiais do MAPA (BRASIL, 2009a; BRASIL, 2009b;BRASIL, 2009c).

Seguidamente, em 23 de julho de 2009, oDecreto Nº 6.913 veio dispor sobre a pesquisa, aexperimentação, a produção, a embalagem erotulagem, o transporte, o armazenamento, acomercialização, a propaganda comercial, autilização, a importação, a exportação, o destinofinal dos resíduos e embalagens, o registro, aclassificação, o controle, a inspeção e afiscalização de agrotóxicos, seus componentes eafins (BRASIL, 2009d).

E em, 5 de novembro de 2009, a IN Nº 50lançou o selo único oficial do Sistema Brasileiro deAvaliação da Conformidade Orgânica,estabelecendo os requisitos para a sua utilizaçãonos produtos orgânicos, bem como os modelosinstituídos (BRASIL,2009e).

Em 23 de dezembro de 2009, o Decreto Nº

7.048 deu nova redação ao art. 115 do Decreto no6.323, ampliando o prazo para a regulamentação,anteriormente pretendido a 28 de dezembro de2009 para 31 de dezembro de 2010, acreditandoque dentro de mais um ano todos os segmentosenvolvidos na rede de produção orgânicadeveriam estar conforme às regras estabelecidasno Decreto e demais atos complementares(BRASIL, 2009f).

Com base nos regulamentos e normas citados,estabeleceu-se a certificação obrigatória dosprodutos orgânicos, exceto àqueles oferecidosdiretamente pelo pequeno produtor ao consumidorfinal, que estão livres da certificação obrigatória.

ConclusõesComo foi proposto, este artigo apresentou o

desenvolvimento da regulação do mercado deprodutos orgânicos no Brasil, a partir dosdocumentos publicados em diário oficial. Essacoletânea de documentos permitiu esclarecer todoo caminho percorrido pelo Estado rumo àcertificação compulsória de produtos Orgânicos. Epode servir de referência para os interessadosnesse setor.

Observa-se que desde o lançamento daprimeira portaria, em 1994, já se passaram longos16 anos de trabalhos em função da regulação dosetor de orgânicos e após a regulamentação quefoi decretada ao final do ano de 2007 para sercumprido até final de 2008, este prazo paracertificação foi estendido para o final do ano de2010, para que todos os envolvidos tivessemtempo para se adequar, pois a regulamentaçãonão deve prejudicar os produtores, e sim, objetivadesenvolver esse setor para que ele tenha maiorcredibilidade e competitividade no mercadonacional e internacional.

Diante do exposto pode-se notar também que aregulamentação de um setor, tornando os produtospassíveis de certificação compulsória, não é umatarefa simples nem rápida, ao contrário, como o

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próprio conceito de avaliação da conformidadeexplicita, é um processo sistemático que, dentreoutro fatores, requer processos, os quaisnecessitam de toda uma estrutura legislativa,infraestrutura tecnológica, colaboração de todas aspartes envolvidas, e de fato ocorreu a participaçãode diversos atores que compõem a cadeia deprodução orgânica, sendo essa uma das razões damorosidade desse processo, mas a participaçãosocial tem uma importância fundamental para adiminuição dos efeitos de exclusão e outros efeitosnegativos que a regulamentação poderia causar arede de produção orgânica.

Até o término desta pesquisa, foi verificada aformação da completa infraestrutura necessáriapara se fazer valer a regulamentação de orgânicos,através dos documentos legais e docredenciamento de certificadoras atuantes noBrasil, que se mostraram capazes de certificar osprodutos orgânicos e colocar no mercado osprodutos da produção primária vegetal, produçãoprimária animal, processados animais e vegetais ede extrativismo sustentável orgânico com o Selo doSistema Brasileiro de Avaliação da ConformidadeOrgânica (SisOrg).

Notas1 O Codex Alimentarius é um organismo

intergovernamental no âmbito da Organização dasNações Unidas para a Agricultura e a Alimentação- FAO e da Organização Mundial da Saúde – OMS,que visa proteger a saúde dos consumidores egarantir práticas justas no comércio de alimentos.A Comissão do Codex Alimentarius (CAC)promove também a coordenação de todos ostrabalhos em normas alimentares empreendidaspor organizações governamentais e nãogovernamentais.

2 Ato pelo qual um organismo de avaliação daconformidade credenciado dá garantia por escritode que uma produção ou processo claramente

identificados foi metodicamente avaliado e está emconformidade com as normas de produçãoorgânica vigentes (BRASIL, 2007).

3 Conjunto de atividades desenvolvidas emdeterminada estrutura organizativa, visandoassegurar a garantia de que um produto, processoou serviço atende a regulamentos ou normasespecíficas e que foi submetido a uma avaliaçãoda conformidade participativa (BRASIL, 2007).

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