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Revista de Derechos Humanos y Estudios Sociales

ISSN 1889-8068

Año VII No. 13 Enero-Junio 2015

Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de San Luis PotosíDepartamento de Filosofía del Derecho de la Universidad de Sevilla

Departamento de Derecho de la Universidad Autónoma de AguascalientesEducación para las Ciencias en Chiapas (ECICH)

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POSSIBILIDADES DE EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A PARTIR DE UMA RACIONALIDADE

DEMOCRÁTICA DE GARANTIA1

Cristiano Müller2

Resumo: A efetividade dos direitos fundamentais passa por uma grave crise nos dias atuais. Hoje, resulta cada vez mais difícil a sua concretude. O regime democrático, do modo como se apresenta, não dá condições efetivas de garantia desses direitos. � preciso pensar em alternativas para se buscar numa radicalização democrática desde as premissas informadas por um Estado Sócio-ambiental que clama por efetividade dos direitos fundamentais sociais e ambientais, isto é, um Estado forte que garanta processos de participação desde a sociedade civil reconhecendo pluralis-mos jurídicos que garantam a concretização dos direitos, indicando para uma racionalidade democrática de garantia.

Palavras chave: Direito fundamentais, regime democrático, ambientalis-mo, pluralismo jurídico, sociedade civil.

Abstract: The effectiveness of fundamental rights is going through a severe crisis today. It is ever harder to render them concrete. The demo-cratic regime, as it exists, does not provide the conditions required for the effective guarantee of these rights. It is necessary to think about alterna-tives, to look for a radicalization of democracy informed by the premises of a socio-ecological State that claims for the effectiveness of fundamen-tal social and environmental rights, that is, a strong state that guarantees participation processes from the civic society recognizing juridical plural-isms that guarantee the concrete realization of these rights, by democratic rationality.

Keywords: Fundamental rights, democratic regime, enviromentalism, ju-ridical pluralism, cocil society.

1 Artículo recibido: 23 de enero de 2015; aprobado: 16 de marzo de 2015.2 Abogado del Centro de Derechos Económicos y Sociales (CDES-Direitos Humanos), Brasil. Correo-e: [email protected]

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1. A Democracia na atualidade

Desde a antiguidade clássica tem sido forjado o conceito de democracia. Na “polis” ateniense a democracia é concebida como o conceito do governo para o povo e pelo povo, onde a participação dos eleitos (homens, ricos e livres) será a base para a partici-paç�o das pessoas na “ágora”. A origem grega da democracia (demos = todos os cida-d�os; kratos = poder e autoridade) está na participaç�o dos atenienses no debate e as discussões que levassem a um sentido comum, a um interesse coletivo apesar da exclu-são da participação de três grandes grupos: as mulheres, os estrangeiros e os escravos.

Sem dúvida, as lições que a democracia grega passa através do tempo são im-portantes na hora de buscarmos compreender a realidade de hoje. Realmente, o termo democracia é utilizado atualmente de muitas maneiras, inclusive como justificativa para se fazer a guerra, mediante a intervenção militar de um país sobre o outro. No entanto, a mesma democracia perde força quando se fala em distribuir o poder e a riqueza entre todos e todas. Efetivamente, o termo democracia passa por uma grave crise. Tanto os políticos quanto os estudiosos do tema não encontraram uma maneira de colocarem-se de acordo sobre o conceito de democracia. O referido conceito grego –poder e autori-dade para todos– que tem um caráter meramente etimológico n�o é suficiente para se aproximar do conceito de democracia, tendo em vista sua importância histórica.

Existe uma maneira concreta de ver a democracia como um conceito aberto, ou seja, um conceito ideal ou idealista. Isto se vê diariamente no modo pelo qual a mídia e os políticos profissionais se utilizam da palavra democracia para significar qualquer coisa. Quando os teóricos analisam essa prática a nominam de inúmeras maneiras, de democracia direta (fundada em Rousseau), democracia participativa, democracia de controle, democracia cidadã, democracia liberal, democracia representativa, democra-cia formal e muitas outras mais.

Em seu magnífico texto Agonias do Capitalismo3, Wallerstein trata exatamente deste tema, conduzindo suas teses às condições políticas e filosóficas que fizeram pos-sível que no século XIX os conservadores e liberais pusessem em marcha a democracia como regra de convivência política entre as pessoas, mais concretamente o direito ao voto masculino, eleições livres e alternância no poder.

A importância da análise de Wallerstein está em que desmitifica a palavra demo-cracia e sua utilização ao longo da história ocidental, pelas pessoas e grupos que deti-

3 Wallerstein, Emanuel, Agonias del Capitalismo, en http://www.inisoc.org/waller.htm, 1994. “Algunos derechos de voto por aquí, un poco de beneficios de estado de bienestar por allí, más otro tanto de unidad de las clases bajo una unidad nacionalista común: a finales del siglo XIX, todo esto daba por resultado una fórmula que apaciguaba a las clases trabajadoras a la vez que mantenía los elementos esenciales del sistema capitalista”.

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nham o poder. Basicamente, Wallerstein assinala como e qual era o contexto de surgi-mento do conceito moderno da palavra democracia como sistema de governo seja no regime presidencialista, seja no regime parlamentarista chegando até os dias de hoje com o processo de globalização. Assim, o conceito de democracia surgiu segundo Wal-lerstein, no seio do pensamento liberal da metade do século XIX por meio do refor-mismo racional. Isto é, conceder aos que se diziam revolucionários, naquele momento os socialistas, o direito a organização política e o direito ao acesso ao poder por meio do voto. Numa realidade de constantes lutas e de violentas sublevações, uma concessão como esta das classes conservadoras tranquilizava as classes no poder e contentavam aos socialistas que, com o tempo, viam que este tipo de luta revolucionária perdia cada vez mais força.

Entretanto, será o liberalismo quem dirá como se passará por este novo momen-to político chamado reformismo racional. Para os liberais, as mudanças políticas serão implementadas por aquelas pessoas que s�o as mais sábias, mais qualificadas e as mais educadas. Dessa maneira os liberais conseguiam retirar do povo o seu anseio de chegar ao poder, construindo a figura mítica do novo soberano conectado com o status inte-lectual e de condições quase sobrenaturais de representar a sociedade. Ademais deste pensamento fundar o moderno conceito de democracia, com o qual se vive até hoje, o pensamento liberal será a chave para levar este reformismo racional para todo o mun-do, já que concretizado no acordo de “Brettonwoods”, de 1945, na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Nesse momento não somente a Europa ou a América do Norte estão sobre a égide do pensamento li-beral, senão todo o mundo.

Nesta linha de argumentação, se chega aos efeitos que a globalização determi-na na democracia, inclusive a democracia de caráter liberal e concentrada na mão de um grupo de pessoas que governam sem controle social efetivo (os notáveis). Por isso é muito importante o pensamento de Eduardo Saxe Fernández4 quando fala sobre o “globalismo democrático“. Eduardo Saxe Fernández e Christian Brügger Bourgeois fazem uma interessante digressão sobre o tema da democracia e se aproximam aos pas-sos iniciais para sua contextualização no cenário mundial.

Eduardo Saxe apresenta outra dimensão do conceito de democracia agora con-taminada pelo globalismo capitalista. A democracia, segundo Saxe é o ponto central de qualquer integração mundial entre os países seja em suas relações internas, seja em suas relações externas. O neoliberalismo se utiliza dos pressupostos que constituem a de-mocracia como defesa das liberdades civis e políticas para impor uma mais dura versão

4 Saxe Fernández, Eduardo, La nueva oligarquía latinoamericana: ideología y democracia, EUNA, San José, 1999.

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do capitalismo, agora sem fronteiras, com total desregulamentação frente ao Estado, o qual não se vê com nenhum poder de intervenção.

Em seu livro, Saxe conceitua o globalismo democrático como sendo:

La exportación de la democracia a escala planetaria, la imposición de la democracia globalmente, por parte de una coalición hegemonizante, al frente de la cual se en-cuentra Estados Unidos. ... El nuevo tipo de democracia que se instala es oligárquico. Se excluyen amplios sectores sociales de la participación política organizada para dar márgenes de maniobra al bloque hegemónico y a las elites políticas, que emprenden procesos económicos devastadores para esos sectores sociales excluidos, tanto como para la nación misma.5

Num sistema democrático baseado na total submissão de uma comunidade na-cional ás regras do globalismo democrático, a partir do mito da representatividade po-lítica como única maneira de participação política, quem coordena as políticas públicas do estado em direç�o à sociedade civil é o mercado, representado pelo sistema finan-ceiro internacional, as transnacionais e algumas empresas nacionais.

Utiliza-se, pois, o mito do voto e da participação a cada quatro anos para sus-tentar um projeto de ficç�o em que supostamente haverá representaç�o política dos in-teresses da população. David Held6 questiona a perda de autonomia do estado-nação frente ao sistema global de regulação jurídica e comercial, fazendo com que o estado seja cooptado por um sistema operacional internacional que limita sua autonomia. Este sistema legal internacional tem suas próprias regras e campos de ação, uns organizados outros não.

Em termos gerais Held diz que a interconexão global cria cadeias de decisões políticas e resultados interconectados entre os estados e seus cidadãos que alternam a natureza e a dinâmica das relações sociais. Evidentemente que toda esta influência do sistema global tem que ver com a total perda de valor da democracia com uma instân-cia de decisão e de direito de fala das pessoas. E isso porque as eleições realizadas num determinado país, num típico exercício democrático n�o ter�o uma influência forte nos destinos deste mesmo país, como, por exemplo, teria a uns 30 anos atrás. Para que se saia dessa armadilha, Held propõe, por exemplo, a incorporação da democracia e das estruturas de decisões dentro da estrutura internacional da política e da sociedade civil.7

5 Ibídem., p. 314. 6 Held, David, “A Democracia, o Estado-Nacão e o Sistema Global”, en Revista de Cultura e Política Lua Nova, nº 23, Marco Zero, São Paulo, 1991. 7 Ídem. “La autonomía democrática sólo podrá ser plenamente garantizada a través de las agencias y organizaciones que constituyen un elemento y al mismo tiempo atraviesan las fron-teras territoriales del estado-nación.”

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Isto é, uma nova burocracia que trate de dar condições de discutir e decidir sobre os pontos em discussão nestes organismos internacionais, que afetam a todos.

O globalismo democrático, do qual fala Saxe, influi e condiciona todo o proces-so democrático. Se Wallerstein refere que será o pensamento liberal o defensor da de-mocracia moderna, uma democracia restrita, e que em verdade é mais um discurso que uma prática, a globalização neoliberal colocará em marcha uma democracia, todavia mais restritiva, que em verdade impede aos estados de conduzir suas próprias políticas tendo como resultado um processo democrático ineficaz e sem raz�o de existir.

Held apresenta uma alternativa dentro do próprio globalismo como medida de superação desta submissão hoje em dia existente. Ou seja, o controle desde dentro da globalização, dentro dos organismos internacionais reguladores, dentro das instituições que efetivamente decidem as políticas. Apesar dessa alternativa ser importante, não é suficiente. O mercado e a agenda de investimentos do capital têm seus próprios méto-dos de convencimento e de práticas de controle das políticas que venham a ser imple-mentadas. São necessários processos e novas práticas de participação, que desde abaixo venham a decidir, propor políticas e determinar investimentos públicos.

Viu-se que o pensamento liberal propõe a democracia moderna como uma al-ternativa dos conservadores e liberais de colocar em prática o reformismo racional e retirar o poder das mãos do povo, como se viu com Wallerstein. No entanto, isto pode acontecer até os dias de hoje como sustentam os críticos da democracia participativa, como por exemplo, Macpherson8, quando fala do que para ele se chama do “problema da dimensão“ da participação. Este autor argumenta que o número de pessoas no mun-do não permite a realização da democracia direta. Para Macpherson, a participação na democracia é um problema procedimental, de menor importância, que deverá ser com-preendido como tal para eleição dos lugres onde se pode participar. Nos lugares onde a “dimensão“ das pessoas seja muito grande não se poderá participar.

Na verdade, são muitos os estudiosos que compram esse argumento. Norberto Bobbio em sua obra geral trata do tema da democracia, fazendo distinção entre a de-mocracia representativa e a direta, e em alguns momentos encontrando pontos de co-nexão entre os dois. Ocorre que Bobbio passa adiante o mesmo discurso de Macpher-son, quando fala que:

Donde sea posible la democracia directa, el estado puede muy bien ser gobernado por un único centro de poder, por ejemplo, por la asamblea de los ciudadanos. Don-

8 Macpherson, C.B., A democracia liberal: origens e evolução, Zahar, Rio de Janeiro, 1978. “Pode que haja muito que aprender sobre a qualidade de vida da democracia examinando-se essas sociedades de contato interpessoal direto, mas isto não nos ensinará como uma democracia de participação poderia atuar em uma sociedade moderna de vinte milhões ou duzentos milhões de pessoas.”

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de la democracia directa, en de correncia de la amplitud del territorio, del número de habitantes y de la multiplicidad de los problemas que deben ser resueltos, no es posible, se debe entonces recurrir a la democracia representativa.9

Esta busca de algo mais que uma nova terminologia para nominar a democracia deve ser o centro de todo o debate, o ponto central onde se devem colocar todas as energias teóricas possíveis para que se pense em algo novo. Este algo mais é uma nova política, uma nova práxis política que desencadeie processos garantidores da distribui-ção da riqueza e do poder. Por isso se deve falar nas razões da democracia, como fez Roitman, as razões para ele são a construção do homem ético e político. Evidentemen-te que este homem ético e político não é nenhum tipo de mutação ou nova construção genética, mas sim uma nova construção social e política por meio de sua participação e de sua autoconstrução como sujeito humano que está vivo, têm vontades, participa, decide e garante suas conquistas.

Castoriadis sustenta que a democracia procedimental propõe um homem pro-cedimental e não real:

Para el punto de vista procedimental, los seres humanos (o una parte suficiente de ellos) deberían ser puros entendimientos jurídicos. Pero los individuos efectivos son otra cosa muy distinta. Estamos obligados a tomarles como vienen, forjados ya por la sociedad, con su historia, sus pasiones, sus múltiples pertenencias particulares, tal y como han sido construidos en el proceso histórico social y en la institución dada en la sociedad. Porque seríamos diversos, sería necesario que esta institución, en los aspectos sustanciales y sustantivos, fuese diversa. Incluso si suponemos una demo-cracia caída del cielo, tan completa y tan perfecta como se quiere, esta democracia no podrá durar más que algunos años a menos que produzca individuos que le corres-ponden y que son, ante todo, capaces de hacerla funcionar y de reproducirla.10

Por isso é importante trabalhar com as teses do fundamento filosófico da demo-cracia de Wallerstein para que se compreenda o contexto em que a democracia moder-na nasceu. Por isso é importante ver em Held sua fundamentação sobre as imposições da globalização sobre o estado nação e sua alternativa de solução burocrática para um problema filosófico e de conteúdo político. Assim como é também importante ver na visão de Saxe que o globalismo é uma extensão do pensamento liberal conforme falava. E ao final ver que o debate teórico sobre o qual se prendem os pensadores é sobre qual tipo de democracia seria o melhor, um debate procedimental que n�o é real. � neces-

9 Bobbio, Norberto, O Futuro da democracia, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986, p. 86.10 Castoriadis, Cornelius, Democracia como procedimiento y régimen. En http//:www.cholonautas.edu.pe/biblioteca, 1996. Acceso en 20.05.2004.

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sário discutir-se o fundamental da democracia, isto é, distribuir o poder e a riqueza; e a partir disso estudar as categorias teóricas que permitem aplicar na prática o conceito que funda a democracia, compreendida essa como acesso ao poder e acesso aos bens (saúde, educação, moradia, trabalho e renda, previdência e outros), acesso aos direitos fundamentais individuais e sociais.

Para isso, não basta somente pensar em um sistema democrático, mas também que tipo de Estado poderá potencializar a radicalidade da democraica que garanta a concretização dos direitos fundamentais a partir da distribuição do poder e da riqueza, garantindo acesso aos bens para todoa e todas.

2. O Estado e a Crise de Efetividade dos Direitos Fundamentais

Desde os ensinamentos de Robert Alexis11, podem-se estudar os direitos fundamentais de três maneiras: uma analítica, por meio de conceitos; outra empírica, por meio das ju-risprudências; e outra normativa, por meio das leis. Em geral, o estudo dos direitos fun-damentais está, todavia, encerrado em gerações de direitos, isto é, a primeira geração, onde estão presentes os direitos individuais e de caráter liberal; os direitos de segunda geração, onde estão os direitos econômicos, sociais e culturais; e os direitos de terceira geração, onde estão os direitos relacionados com o meio ambiente e com o desenvol-vimento, e assim por diante; uma quarta ou quinta geração com a questão dos direitos comunitários, a bioética, etc.

� importante apontar que os direitos fundamentais a partir dessas divisões ga-nham fundamentos distintos entre si, ou seja, quando os direitos, por exemplo, de pri-meira geração são compostos por direitos individuais que regulam os direitos civis e políticos, se diz que estes são direitos pelos quais se pede a omissão do Estado. Omis-são compreendida como não obstaculização do exercício do direito, por exemplo, o direito ao livre pensamento, de imprensa, de reunião. Assim também ocorre com os direitos chamados de segunda geração, os direitos econômicos, sociais e culturais, mas de modo distinto, porque aqui será o Estado chamado a prestá-los, como, por exemplo, o direito ao emprego, ao salário justo, a saúde, a moradia digna e outros mais e por isso são chamados de direitos de prestação.

Nesse sentido é que se posiciona Sarlet12 quando fala dos direitos sociais de pres-tação, os quais são resultados de uma conduta positiva por parte do Estado, ou seja,

11 Filho, Willis Santiago Guerra, Filho, Willis Santiago Guerra, Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade, in dos direitos humanos aos direitos fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1997, pp. 11-12.12 Sarlet, Ingo Wolfgang, Sarlet, Ingo Wolfgang, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1998.

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uma posição ativa do estado na esfera econômica e social que garanta a “realização da igualdade material, no sentido de garantirem a participação do povo na distribuição de bens materiais e imateriais”13. Com relação a estes tipos de direitos, isto é, os direitos de defesa, que são os direitos de primeira geração, e os direitos de segunda geração que dependem de uma prestação positiva do Estado, existem uma diferença importante apontada pela doutrina atual. Esta diferença está em sua efetividade, na sua aplicabili-dade. Para os direitos de primeira geração, a sua aplicabilidade tem a ver com o princi-pio de não intervenção estatal para a sua realização, como se disse anteriormente. Não obstante, quando se fala da aplicabilidade dos direitos, ditos de segunda geração, como a saúde, a educação, a moradia e ouros mais, se vê que sua efetividade está vinculada –segundo a atual doutrina jurídica– a uma prestação positiva do Estado, a condições econômicas que possibilitem, por exemplo, a colocação em prática de uma determina-da política pública para concretizar o direito, como por exemplo, uma política de mo-radia, uma política de saúde, etc.

No entanto, a aplicabilidade/efetividade dos direitos fundamentais prescinde na análise de dois conceitos importantíssimos e que guardam repercussão na crise de efe-tividade dos direitos fundamentais nos dias de hoje. Trata-se dos conceitos da “reserva do possível” e da reserva legal”. Nas palavras de Canotilho:

Ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econ�micas do país, garantir as prestações inte-gradoras dos direitos sociais, econômicos e culturais.14

Ao que acima refere Canotilho se denomina de “reserva do possível”, que nada mais é do que a impossibilidade do Estado em atender a um determinado direito social por falta de previsão orçamentária ou de recursos. Isto é, se o Estado não tem recur-sos –possibilidades– para atender o direito demandado, simplesmente não o atende já que está dentro da “reserva do possível.” Isso leva a problemas na eficácia dos direitos sociais previstos nas regras constitucionais, tais como saúde, educação, moradia, em-prego, e outros, já que estes direitos têm um caráter de obrigação positiva do Estado. Necessitam que o Estado por meio de políticas públicas os coloque em prática, de ma-neira a impedir sua aplicabilidade.

Outra questão importante relacionada á falta de aplicabilidade desses direitos so-ciais é que estes não podem ser regrados na Constituição de modo objetivo e ao mesmo tempo geral para as pessoas, posto que o que pode ser necessidade para uma pessoa pode não ser para outra. Trata-se da “reserva legislativa ou parlamentar”. Esta reserva 13 Ibídem., p. 257.14 Canotilho, J.J. Gomes, Canotilho, J.J. Gomes, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: contributo para a compreen-são da norma, Coimbra, Coimbra, 1994, p. 369.

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é uma das mais utilizadas pelos agentes políticos na hora de negar a aplicação de uma garantia social. Esta reserva sustenta que as garantias são normas programáticas e que necessitam ser regulamentadas para que somente assim sejam cumpridas. Assim, como reserva parlamentar se compreende todas as leis necessárias para que se possam con-cretizar os direitos fundamentais sociais garantidos pela Constituição brasileira. Isto é necessário, segundo a majoritária doutrina que trata dos direitos fundamentais porque estes direitos têm caráter de normas programáticas, de normas em abstrato e que ne-cessitam de regulação pelas normas de hierarquia inferior, as normas ordinárias. Por-tanto, para se colocar em prática uma garantia social, como, por exemplo, a moradia, é necessária uma lei ordinária que diga como se garantirá esse direito, quais seus instru-mentos jurídicos e políticos para que seja garantida. N�o é suficiente que esteja reco-nhecido na Constituição.

No entanto, é possível inovar desde o próprio direito com base nas garantias. Se por um lado, a teoria garantista preocupa-se com as normas de caráter constitucional representadas pelas garantias jurídicas, as quais carecem de aplicabilidade por conta as reservas legais e do possível, por outro lado, Ingo Wolfgang Sarlet sustenta que essas garantias jurídicas devem ser colocadas em prática porque têm aplicação imediata e efetiva15. No seu livro trata de dar caminhos de efetividade jurídico formal às garantias constitucionais. Na sua busca, analisa os chamados direitos de defesa, ou seja, os direi-tos civis e políticos e os direitos de caráter judicial como, por exemplo, o habeas corpus, o direito de petição e muitos outros e analisam também os direitos sociais todos estes quanto á sua aplicabilidade imediata e efetiva como norma constitucional.

Outro ponto muito importante quando se estuda o tema dos direitos funda-mentais e o que também deverá ser levado em conta para efetivamente sustentar sua aplicabilidade, é a questão da dignidade humana. A Constituição brasileira declara que a dignidade humana é o fundamento do estado democrático de direito no seu artigo 1, inciso III. Assim se conclui que a dignidade humana é a base dos direitos fundamentais e, portanto, das garantias constitucionais, individuais ou sociais. Como sustenta Sarlet:

(...)o que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que atrai o con-teúdo de todos os direitos fundamentais, exige e pressupõe o reconhecimento e pro-teção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim prefe-rirmos). Assim, que se reconhece à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade.16

15 Sarlet, Ingo Wolfgang, Sarlet, Ingo Wolfgang, op. cit.16 Sarlet, Ingo Wolfgang, Sarlet, Ingo Wolfgang, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Fede-ral de 1988, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2004, p. 84.

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Neste sentido, a dignidade humana não aparece no jurídico como um direito fundamental, senão como o fundamento deste direito fundamental, e como se viu em todas as gerações destes direitos. Sarlet ainda cita a outro jurista –Paulo Mota Pinto– que põe o tema, todavia mais claro:

(...)da garantia da dignidade humana decorre, desde logo, como verdadeiro impera-tivo axiológico de toda a ordem jurídica, o reconhecimento de personalidade jurídi-ca de todos os seres humanos, acompanhado da previsão de instrumentos jurídicos (notadamente, direitos subjetivos) destinados à defesa das refrações essenciais da pessoa humana, bem como a necessidade de proteção desses direitos por parte do Estado.17

Isso se vê de modo muito claro quando, por exemplo, a garantia dos direitos fundamentais sociais como saúde, educação, trabalho saúde, são direitos que têm como fundamento garantir a existência da pessoa humana com dignidade.

Por outro lado, não bastasse a crise de efetividade dos direitos fundamentais com base nas causas acima explicitadas, é fundamental fazer-se a relação desses direi-tos fundamentais e sua aplicabilidade a partir do ponto de vista do Estado organizada-mente e estruturado em direção à garantia da efetividade desses direitos. Com efeito, é forçoso considerar que nem o Estado Liberal e nem o Estado Social deram conta de garantir a aplicabilidades desses direitos fundamentais, sejam individuais, sejam sociais. A idéia do Estado Contemporâneo se forjou no Século das Luzes, cujo mais genial re-presentante foi Voltaire, que a partir de seus argumentos construiu as bases para a que-da do absolutismo dos reis e da nobreza a partir da Declaração dos Direitos Naturais do Homem e do Cidadão.

Foi com Jean Jaques Rousseau que nasceu a história do Estado Contemporâneo, porque suas obras contêm sua oposição mais forte ao pensamento medieval e ao da Idade Média. O pensamento político de Rousseau não consiste na limitação do poder dos reis e dos parlamentos privilegiados, senão em sua derrocada completa e a instala-ção de um goberno dos cidadãos para os homens. Em seu discurso sobre a desigual-dade pautou o problema social da diferença da condição econômica dos homens e atri-buiu a sua causa a propriedade privada. Estabeleceu que a igualdade pertence à essência do ser humano, porque a todos corresponde por igual o estado de homem, se trata da igualdade política ou social, isto é, do idêntico direito de todos os homens de intervir na estruturação do corpo político e na formulação das leis. “O homem nasce livre” disse Rousseau.

A idéia de soberania do povo está inserida no pensamento de Rousseau e é a base do Contrato Social. Como a soberania reside originalmente no povo e em cada 17 Ibídem., p. 85.

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particular com relação a si mesmo, o resultado é que a transmissão e a reunião dos di-reitos de todos os particulares na pessoa do soberano é o que outorga sua categoria e o que verdadeiramente produz a soberania. O artigo 25 da Constituição Francesa de 1793 estabelece que: “A soberania reside no povo: é una, indivisível, imprescritível e inalienável.” A soberania é o poder de um povo formado por homens livres, que sobre ele ninguém tem por naturaza um poder de mando, para assegurar sua liberdade como povo e a cada um de seus membros.

Hegel sustenta que a razão humana opera sempre dentro da dialética, de tal ma-neira que a elevou a categoria de lei fundamental da razão. Hegel diz que o estado não pode mais se consistir em uma universalidade formal que envolva a sociedade civil. O estado como movimento histórico e ético, um momento de superação da sociedade ci-vil nova e não um aprimoramento somente.

Marx, por sua vez, propugna o materialismo, oposto ao idealismo como explica-ção do universo e do homem dialético e histórico que explica o devenir de todo o exis-tente na natureza. A filosofia marxista é a disciplina que contempla o universo tal como é, sem intervenç�o de princípios alheios a ele, sem fantasias, a fim de descobrir as leis mais gerais ou fundamentais de todos os fenômenos que se desenvolvem no próprio universo. O marxismo dialético propõe a descrição do mundo como realidade objetiva em movimento constante e de suas relações com a consciência, assim como a compro-vação da uniformidade geral das leis da natureza, da sociedade e do pensamento. O his-toricismo é a doutrina que contempla os problemas humanos e sociais como processos que se desenvolvem no tempo, nega o pretendido direito do passado a se eternizar.

Marx sustenta que o estado como poder político do estado moderno é simples-mente o comitê que administra os negócios comuns de toda a burguesia. O Estado é a organização que permite a burguesia assegurar e consumar a exploração baseando-se no poder de coerção.

Nem Rousseau, nem Hegel tinham em conta em suas teses de que deveria haver outro componente quase invisível e que na atualidade iria coordenar e indicar os ca-minhos de toda a sociedade. Este componente é o mercado. Juntamente com o estado e a sociedade civil, o mercado tem papel fundamental na organização das relações so-ciais e na intervenção sobre as decisões, sobre as políticas públias e o direcionamento de investimentos públicos. Será o mercado quem dirá de modo objetivo quais serão as prioridades do poder público, quais serão os inventimentos prioritários e outros. A eco-nomia de mercado, ou uma economia centrada na visão da maximização dos lucros e na redução dos custos subordinam as realções sociais a seus interesses18.

18 Roitmann Rosenmann, Marcos, Las razones de la democracia, Sequitur, Toledo, 1998. “Los nuevos referentes sociales son aquellos que provienen del mercado: competencia, racionalidad, productividad y eficiencia. El hombre, llevado a sus pasiones, sus instintos y sus deseos termina

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Passou�se a sustentar a falência do estado e de toda sua incapacidade e inefici-ência para gestão da coisa pública. Por causa dessa leitura se operacionalizou inúme-ras privatizações de empresas públicas, demissões de empregados públicos em massa, terceirização das relações de trabalho. Foram inclusive transferidas a iniciativa privada empresas estratégicas e de ponta, do estado para o capital. Esta tese de estado mínimo e redução da força de intervenção do estado nos assuntos privados é tão forte que Ni-colas Lopes Calera chega a propor a refundação do estado.19

Herrera20 sustenta no seu livro El Vuelo de Anteo, que a economia estabelece como pressuposto básico a relação indivíduo-necessidade e que esta é posta de lado pela atuação do mercado quando se colocam em prática as políticas públicas. As inter-venções do mercado nas políticas públicas estão assentadas numa razão liberal como única saída e uma saída natural para todas as coisas. De fato, o processo de globalização ao que o mundo está submetido tem como consequência efeitos de graves proporções para a sociedade, como:

concentración del poder económico, político y cultural en manos de organizaciones que pertenecen a un quinto de la populación mundial, la destrucción sistemática de las conquistas sociales obtenidas con mucho derramamiento de sangre, la situación de abandono en lo cual superviven millones de personas en lugares del mundo aje-nos a los intereses predatorios de los países enriquecidos.21

O mundo está diante de um contexto onde as tomadas de decisões políticas e econômicas estão no âmbito da virtualidade. Ao Estado cumpre simplesmente a tarefa de homologar e tornar público os comandos emanados do mercado. Não há como ne-gar que quem coordena os rumos da sociedade e do estado é o mercado, por meio de uma nova ética ideologicamente construida.

aceptando su naturaleza. Movido por la mano invisible del mercado se transforma en títere cuyos hilos no controla”. 19 Calera, Nicolás Maria López, Yo, el Estado: bases para una teoría sustancializadora (no sustancialista) del Estado, Trotta, Madrid, 1992. “Es necesaria una filosofía y, en ultima instancia, una filosofía de la historia, que afronte la permanente dialéctica entre lo individual y lo colectivo y su posible racionalización. La tesis central de las reflexiones que siguen se resume en la necesidad de refundar el estado y de recuperar su función de paradigma moral, que para el tratamiento de esa dialéctica el estado tuvo algunos clásicos de la filosofía política. Hay razones para considerar que la refundación de la idea de estado puede ser una importante base para racionalizar proyectos históricos de convivencia social, que armonicen libertad e igualdad”. 20 Herrera Flores, Joaquín, El Vuelo de Anteo. Derechos humanos y crítica a la razón liberal, Desclée de Brower, Bilbao, 2000.21 Ibídem., p. 20.

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Esta ética parte de uma mítica autoregulação pelo mercado das relações sociais para o antendimento de um interesse geral. Nas palavras de Franz Hinkelammert quan-do analisa a atuação do mercado nos dias de hoje em Los Derechos Humanos frente a Glo-balidad del Mundo, refere que

Con Adam Smith esta discusión desemboca en la ética de la mano invisible. Se trata de una ética del mercado, cuyas normas son las normas del mercado. Por un lado, es una ética formal, que es condición del funcionamiento del mercado. Pero, por otro lado, es ética material cuando sostiene que el orden del mercado es un orden de ar-monía preestablecida, resultado de una autorregulación de mercado que realiza auto-máticamente el interés general.22

Há que se elevar a participação-ação política a um nível de conquista que pos-

sibilite a elaboração de novas tecnologias e procedimentos emancipadores e que não estão vinculados somente a um caminho formal ou institucionalizado. Outra forma de relação do público e do privado deve ser construída. Pensar que a participação das pessoas termina ao final de um processo electoral é uma prática que vem desde a vis�o liberal da democracia. � necessário uma radicalizaç�o da democracia que vai permitir que o cidadão conheça a realidade na qual atua e se insira de modo autônomo e sobe-rano dentro da sociedade.

Se por um lado o estado como tal, parece não garantir condições de efetividade dos direitos fundamentais sociais desde o ponto de vista conceitual procedimental, por outro, desde o ponto de vista conceitual material, o Estado não apresenta condições de se comprometer com o reconhecimento de uma dimensão ecológica como ponto de inserção do rol de bens da vida que estaria compromissado a defender. Nesse particu-lar chama a atenção que os teóricos constitucionalistas propugnam já hodiernamente a limitação do Estado social, isto é, do estado democrático de direito como reconhecido como tal nos dias de hoje. � cada vez mais latente a defesa de um Estado Sócio�Am-biental que incorpore na sua razão estruturante a dimensão ecológica e de compromis-so com um meio ambiente equilibrado conforme prevê nossa Constituição Federal no seu artigo 225.

Nesse sentido, o Estado Sócio-Ambiental aparece como o pressuposto material do Estado, o qual somente será efetivo e realmente conseguirá concretizar os directos fundametais a partir de uma visão mais ampliada do estado desde o ponto de vista dos seus processos decisórios internos. Quem propõe essa construção teórica é Antonio

22 Hinkelammert, Franz, Los derechos humanos frente a la globalidad del mundo. Texto elaborado para el Programa de Doctorado de Derechos Humanos y Desarrollo en la Universidad Pablo de Olavide, Sevilla, España, 2001.

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Gramsci, quando propõe mais sociedade civil dentro do estado e mais contrato ao in-vés de coerção. A abertura do tecido estatal e a distribuição do poder, por tanto. Para Gramsci a hegemonia será conquistada pelo Estado, mas juntamente com a sociedade civil em busca de um consenso. Esta é a sua teoria ampliada do Estado.

Atualmente a tensão existente entre o estado e a sociedade civil não encontra nem um canal e nem um só motivo para que se possa florescer. A prática de todos os dias, lamentablemente, é o clientelismo, o populismo, a corrupção como regra e não como desvio de conduta e a crença de que o mercado tudo pode e decide, usando o estado como instrumento de seus interesses. Por outro lado, a sociedade civil se mostra adormecida e restrita ao mundo das coisas privadas. No imaginário popular as questões públicas são obrigações dos políticos e nada mais.

� urgente que a sociedade civil tenha um espaço onde discutir, demandar, pro-por, reivindicar e onde se possa pensar o futuro de todos e todas. Um espaço de par-ticipação das pessoas onde suas decisões sejam repeitadas pelo poder público e pelo estado, as quais são efetivas e não retóricas.

Uma sociedade civil com controle e poder de decisão. Gramsci conseguiu supe-rar a crítica marxista no momento em que constata que a sociedade civil não está so-mente no mundo dos contratos e da propriedade privada, Gramsci a comprende como movimento.

3. Aproximações à Racionalidade Democrática de Garantia a partir da Crítica ao Garantismo Jurídico

Luigi Ferrajoli23, o pai da teoria do garantismo jurídico, pretende com esta teoria uma nova forma de pensar a validez e a efetividade da norma jurídica. Com a reserva de que a sua teoria trata de definir um sistema garantista exclusivo para a aplicaç�o do direito penal, Ferrajoli constrói um conjunto de proposições jurídicas que chegam até a cons-trução do que denomina de democracia substancial ou democracia garantista. Ferrajoli parte de três acepções sobre o garantismo jurídico. A primeira considera o garantismo como um sistema normativo de direito fundado na garantia dos direitos dos cidadãos, um sistema de direito que atenda aos princípios constitucionais. A segunda considera o garantismo como uma teoria jurídica acerca da validez e da efetividade, propondo uma tensão crítica entre o direito normativo ou posto e o direito efetivo. A terceira acepção que é a acepç�o filosófica trata da separaç�o do ser e o dever ser, isto é, a filosofia polí-tica impõe ao direito e ao estado a carga de justificaç�o externa de acordo com os bens e interesses cuja tutela e garantia constitui a finalidade de ambos. Em termos jurídicos a teoria garantista se apresenta como defensora das garantias constitucionais dos cida-

23 Ferrajoli, Luigi, Derecho y Razón, Trotta, Madrid, 1990.

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d�os sobre o restante das leis. Em termos filosóficos, como a necessidade do Direito de justificar a aplicaç�o da lei de acordo com os bens e interesses tutelados pelo Estado e por este mesmo Direito.

Sustenta também o autor que sua teoria é proveniente da crise do direito e da razão que de resto é a crise da legalidade, ou seja, crise do valor vinculante da lei; crise do estado Social, o Estado de Bem Estar Social e crise do Estado nacional relacionado com sua soberania em razão do processo de globalização econômica.

Em seu texto “¿Qué es el Garantismo?”, no capítulo 13 de seu livro, Ferrajoli propõe que:

(…)la divergencia existente en los ordenamientos complejos entre modelos norma-tivos (tendencialmente garantistas) y prácticas operativas (tendencialmednte antiga-rantistas), interpretándola mediante la antinomia –dentro de ciertos límites fisioló-gica y fuera de ellos patológica– que subsiste entre validez (e inefectividad) de los primeros y efectividad (e invalidez) de las segundas.24

O autor propõe ainda a teoria da divergência, isto é, a divergência que existe entre normatividade e realidade entre o direito válido e o direito efetivo. Pois Ferrajoli avança ainda mais quando fala que esta divergência entre a normatividade e a realidade ocasiona um “derecho inválido o lagunoso”, intersticios legais estes que são utilizados pelo garantismo jurídico para que seja possível sua aplicação.

Segundo Ferrajoli:

Las garantías no son otra cosa que las técnicas previstas por el ordenamiento para reducir la distancia estructural entre normatividad y efectividad, y, por tanto, para posibilitar la máxima eficacia de los derechos fundamentales en coherencia con su estipulación constitucional.25

Ferrajoli apresenta o diagnóstico do problema da efetividade ou eficácia da nor-ma jurídica, mas vai ainda mais além quando propõe uma democracia substancial, ou seja, uma democracia com produç�o jurídica formal que define a vigência da norma jurídica e substancial que condiciona a validez da norma. Esta construção segundo o autor garante a democracia. Em termos de complemento ao que se apresenta sobre as teses de Ferrajoli é importante referir o trabalho de Pena Freire26 que em seu texto “Constitucionalismo Garantista y Democracia” estuda o problema de encontrar um 24 Ibídem., p. 852.25 Ferrajoli, Luigi, Derechos y garantías. La ley del más débil. Trotta, Madrid, 1990, p. 25.26 Peña Freire, Antonio Manuel, “Constitucionalismo Garantista y Democracia”, in Sánchez Rubio, David et al., Direitos Humanos e Globalização. Fundamentos e Possibilidades desde a Teoria Crítica, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004.

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parâmetro desde uma teoria política democrática que busque um equilíbrio entre o que prevê a constituição e a capacidade de deliberação dos cidadãos relacionado com o po-der da maioria.

A partir da concepção do Estado como constitucionalista e garantista, Pena Freire passa a discutir as diferentes posições acerca da dicotomia existente entre a rigi-dez constitucional e a deliberação da maioria. Assim, apresenta diversas acepções cons-titucionalistas que intentam de alguma forma compreender esta dicotomia existente. A primeira é a definiç�o de “Constitución de Detalle”, isto é, a Constituiç�o regulada em detalhes, por cláusulas precisas, com sentido claro e não controvertido, e que não dependam de deliberações para seu cumprimento. A outra é a “Constitución de Princi-pios” que conta com disposições abertas ou abstratas cujo sentido pode ser atualizado de acordo com os valores de cada momento vivido. A “Constitución Procedimental” por sua vez tem o deber de vigiar o processo legislativo pela defesa do processo demo-crático. A “Constitución del Dualismo Democrático” que tem como conceito chave negar a oposição entre democracia e constituição já que as decisões políticas ocorrem por meio do povo e por seus representantes, havendo como seu oposto a “Democracia Monista”, onde o eleito é aquele que governa e delibera. Por fim, o autor cita a “De-mocracia Substancial” de Ferrajoli e a “concepção constitucional da democracia” em Dworkin. A concepção de Dworkin prevê o seguinte:

Esta concepción niega que sea un rasgo definitorio de la democracia el que las de-cisiones políticas tengan que ser las mayoritarias, aunque lo sean de parte de una mayoría de ciudadanos en una situación de información y deliberación perfectas. El espíritu de la democracia apuntaría más bien a que las decisiones sean adoptadas por instituciones políticas cuya estructura, composición y prácticas presupongan un tratamiento con igual consideración y respeto para cada uno de los miembros de la comunidad. La democracia sería, por tanto, gobierno conforme a los requerimientos de la igualdad de estatus de todos los ciudadanos. En consecuencia, no estaría vetado que, en determinadas ocasiones, cuando ese objetivo sea mejor protegido o alcan-zable mediante procedimientos distintos a los puramente mayoritarios, se proceda en sentido distinto sin que ello suponga ni traicionar la esencia de la democracia ni tampoco un lamentable coste moral.27

Com Dworkin se podem começar as críticas relacionadas com o garantismo ju-rídico, em sua condição restrita. Isto porque, Dworkin, quando citado por Pena Freire, propõe a fuga da dicotomia constituição de um lado e deliberação da maioria de ou-tro. Por quê? Porque Dworkin, fala em procedimentos, n�o em “traços definitórios de democracia” com base na deliberação da maioria. Propõe o autor, por outro lado, que

27 Ibídem., p. 451.

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“la democracia sea gobierno conforme los requerimientos de la igualdad de estatus de todos los ciudadanos”. Quando se foge desse falso dilema, e é falso porque a democra-cia e as garantias podem ser combinadas, como afirma Dworkin, através de procedi-mentos com igualdade de status entre os cidadãos, o autor abre aí um espaço rico para a reflex�o.

Assim, as inovações importantíssimas da teoria garantista não conseguiram aten-der as suas próprias críticas tanto do Estado quanto do Direito. E por um lado a teoria garantista inova quando chama a atenção para a lacuna existente entre a legalidade e a legitimidade, o que é uma novidade no direito, sua proposição no que concerne ao ga-rantismo jurídico como saída para esta lacuna, não consegue preencher esse vazio legal, e, desta mesma teoría se pode retirar a resposta para esse importantíssimo fato. � como afirma Ferrajoli quando conceitua o que seja o garantismo:

Esta perspectiva critica no es externa, política o metajurídica, sino interna, científica y jurídica, en el sentido de que asume como universo del discurso jurídico la totalidad del derecho positivo vigente, evidenciando antinomias en vez de ocultarlas y deslegi-timando así, desde el punto de vista del derecho, válido, los perfiles antiliberales y los momentos de arbitrio del derecho efectivo.28

Quando Ferrajoli dá contornos científicos, jurídicos, em outras palavras, quando a teoría que busca transformar o próprio direito parte desse mesmo direito, sem se dar conta, o autor enjaula a teoría em sues pressupostos eminentemente jurídicos, e aqui é importante verificar que um deles é a validez, a eficácia da norma, justamente a qual Ferrajoli, com sua magnífica teoría do garantismo jurídico tenta transformar. Enjaular a teoria do garantismo no mundo jurídico significa também negar o pluralismo jurídico, o que é um equívoco. O pluralismo jurídico parte de pressupostos trazidos desde a vida comum, fatos e fen�menos verificados desde a análise da vida real, dos procedimentos informais criados e inventados por pessoas ou grupos de pessoas que de alguma for-ma têm efeitos no jurídico, no mundo das relações sociais. No entanto, o garantismo jurídico, uma vez que se propõe estar dentro do jurídico, de alguma forma impede que estas manifestações da vida façam parte de seus postulados.

� necessário que o garantismo jurídico reconheça a existência de uma norma-tividade informal, de uma normatividade feita e construída fora do jurídico, mas com efeitos na esfera deste mesmo direito. Reconheça a existência de outros espaços de po-der, de outros espaços de decisão que tenham o poder de tornar diferente a vida das pessoas e que de alguma maneira influenciam na lei. Assim que, a própria teoria garan-tista que se utiliza de uma inteligente tese, que é a lacuna legal existente entre o mundo

28 Ferrajoli, Luigi, Derecho y razón, op. cit., p. 853.

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da legalidade e da legitimidade, faz nascer outra lacuna, que é a de enjaular a teoria no mundo jurídico. Por aí é que entra o direito posto, o direito com suas regras e pressu-postos. Dentro destes pressupostos, os que tratam das reservas legais: a reserva do pos-sível e a reserva legislativa, que são como verdadeiros carrascos das garantias, porque as matam totalmente, impedindo que avancem.

Evidentemente que se sabe da importância de um estado democrático de direito com todo seu ordenamento jurídico, com todo seu sistema legal de defesas dessas ga-rantias e dos pressupostos de exercício da cidadania. Não obstante, o tempo tem mos-trado que o jurídico não tem todas as respostas e que a evolução e os movimentos da vida têm outro tempo e outro espaço. Pois este tempo e espaço da vida devem ser ana-lisados pelo direito. E mais, a urgência de um Estado Sócio-ambiental determina uma maior operacionalidade desse mesmo Estado frente a defesa de um meio ambiente equilibrado. No justo momento em que Ferrajoli de um lado, retira a legalidade da ins-titucionalidade por meio das garantias, por outro lado volta a institucionalizá-las. Com isso, o direito passa a ditar o que é e o que não é o real na teoria do garantismo. Para os direitos fundamentais sociais este é um problema quase insuperável que somente o pluralismo jurídico poderá dar uma resposta satisfatória, desde uma racionalidade de-mocrática de garantia. Estes problemas dizem respeito a “não efetividade” das garan-tias, apesar da teoria garantista propor o contrário.

Dussel29 quando fala em seu livro sobre a lucha por el reconocimiento e institu-cionalización del nuevo derecho, isso quer dizer, segundo Dussel, que a transformação do sistema de direito passa obrigatoriamente por dois momentos: a) tomada de cons-ciência de novos direitos por parte dos movimentos que o descobrem e b) em direção à sua institucionalização. Há que se atentar que Dussel avança em comparação com Ferrajoli, porque reconhece a possibilidade de um novo direito, um direito informal na “creación de nuevos sistemas de derecho”. Todavia, comete o mesmo equívoco de Ferrajoli quando propõe sua institucionalização, encerrando as conquistas, as lutas, os debates, as articulações e presenças nas assembléias em algum dispositivo legal ou es-paço burocrático.

A construção teórica que permite compreender a força da utilização dos pro-cessos sociais como possibilidades para se conquistar a dignidade humana passa pelas teses de Joaquín Herrera Flores30 y Helio Gallardo, os quais falam de direitos huma-nos como processos sociais, econômicos, normativos, politicos e culturais que abrem e consolidam –desde o reconocimiento, a transferência de poder e a mediação jurídica–

29 Cf. Dussel, Enrique, Hacia una filosofía política crítica, Desclée de Brouwer, Bilbao, 2001.30 Cf. Herrera Flores, Joaquín, “Los Derechos Humanos en el Contexto de la Globalización: Tres precisiones Conceptuales”, en Sánchez Rubio, David et al., Direitos Humanos e Globalização – Fundamentos e Possibilidades desde a Teoria Crítica, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004.

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espaços de luta pela conquista da dignidade humana e sobre práticas de transferências de poder, respectivamente.

El fundamento de derechos humanos que no se limiten a una declaratoria de bue-nas intenciones o a un deber ético, es decir, que puedan alcanzar efectividad jurídi-ca, social e individual está constituido por transferencias de poder entre los diversos grupos sociales, las instituciones en las que se articulan y las lógicas que animan estas relaciones.31

Os dois conceitos propõem um algo mais que a normatividade do direito ou en-tão sua institucionalização. Esta riqueza é que não há na teoria garantista, que vincula seus postulados desde o ponto de vista jurídico somente, esquecendo-se de todo o plu-ralismo que existe noi mundo do direito, ou seja, a normatividade informal. De fato, o jurídico, como se vê na falta de efetividade das garantias, não tem todas as respostas e soluções, por isso, é necessário algo mais, como, por exemplos, os processos sociais.

Por isso, Ferrajoli diz em seu livro “Derechos y garantías. La ley del más débil”32 que o “garantismo de un sistema jurídico es una cuestión de grado, que depende de la precisión de los vínculos positivos o negativos impuestos a los poderes públicos por las normas constitucionales y por el sistema de garantías que aseguran una tasa más o menos elevada de eficacia a tales vínculos”.

Desde a visão de Ferrajoli se vê que a efetividade da garantia passa a ser uma questão de graduação, uma taxa que depende da precisão dos vínculos positivos ou ne-gativos impostos aos poderes públicos pelas normas constitucionais. Todavia, isto não se pode aceitar. Talvez funcione a partir do ponto de vista do direito penal, mas não quando relacionado com as garantias sociais, com as quais Ferrajoli também trabalha em sua teoria do garantismo.

Por tanto, será a partir também das críticas ao caráter restrito que se configura o garantismo jurídico que será possível chegar-se ao conceito que se denomina “ra-cionalidade democrática de garantia”. Este concepto não é o mesmo que democracia substancial de Ferrajoli, mas utiliza elementos da democracia defendida por Dworkin e também elementos constantes nos processos sociais de luta pelos direitos fundamen-tais. A “racionalidade democrática de garantia” será, então, o pressuposto de uma nova garantia, uma garantia creadora, a qual, de modo provisório, pode ser concebida como sendo “garantismo vivo e que busca a efetividade das garantias sociais. Esta raciona-lidade é diferente da democracia de Ferrajoli porque não está fundada na garantia do sistema de direito somente, mas também no pluralismo jurídico e em processos.

31 Gallardo, Helio, Política y Transformación Social: discusión sobre derechos humanos, Tierra Nueva, Quito, 2000, p. 15.32 Ferrajoli, Luigi, Derechos y garantías, op. cit., p. 25.

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4. A Racionalidade democrática de garantia e seus princípios

Com o se viu até agora, o sistema democrático vigente com suas imperfeições e res-trições n�o é suficiente para atender as funções sócio�ambientais do Estado contem-porâneo. São necessários processos sociais que interactuem com este mesmo Estado organizador e distribuidor do poder e dariqueza para que efetivamente se faça possível obter acesso aos direitos fundamentais. � preciso, ent�o, uma nova raz�o democrática fundada na radicalidade de seus pressupostos e que tenha como fundamento conceitu-al/preocedimental a garantia dos direitos.

Para conceber, então, esta razão democrática o pluralismo jurídico jogará um papel decisivo. O pluralismo jurídico deverá conceber o plural no direito, reconhecer a normatividade informal existentes nos processos sociais existentes e reinventar a ga-rantia, buscando agora sua efetividade. De outra parte, a função dos processos está em ser o caminho, o procedimento pelo qual os novos atores, antes inexistentes para o Direito v�o se mover até conquistar as garantias. � possível dizer que o processo será a garantia da garantia, sem cometer equívocos, e justamente aí, nestes dois conceitos, estão as diferenças do garantismo jurídico, porque propõe que seja somente o mesmo sistema jurídico que garanta as leis, senão que proponha que uma racionalidade demo-crática de garantia o garanta, que nada mais é que procesos garantindo os direitos.

Segundo Wolkmer, a legalidade e a legitimidade no direito tem sido objeto de confusão teórica ao longo do tempo. Para Wolkmer a legalidade é informada pelo direi-to posto, vigente e positivado. São as leis, formal e tecnicamente impostas e obedecidas por meio de instituições. Ao contrário a legitimidade é:

(...)a esfera da consensualidade dos ideais, dos fundamentos, das crenças, dos valores, e dos princípios ideológicos. Acima de tudo, a concretização da legitimidade supõe a transposição da simples detenção do poder e a conformidade com o justo advoga-das pela coletividade.33

Nesse sentido, é importante também o estudo de Wolkmer relacionado aos teó-ricos Carl Schmidt, Max Weber, fazendo referências ainda ao directo romano e directo canônico. No seu trabalho, Wolkmer cita Eros Roberto Grau, o qual compreende que a legitimidade é comprovada quando ocorre a adequação: “(...)entre o comando nela consubstanciado e o sentido admitido e consentido pelo tecido social, a partir da reali-dade coletada como justificadora do preceito normatizado”34.

33 Wolkmer, Antonio Carlos, “Pressupostos de Legitimação para se pensar a Justiça e o Plura- Wolkmer, Antonio Carlos, “Pressupostos de Legitimação para se pensar a Justiça e o Plura-lismo no Direito”, in Merle, Jean-Christophe; Moreira, Luiz (Orgs.), Direito e Legitimidade, Landy, 2003, v.1, p. 417.34 Wolkmer, Antonio Carlos, Wolkmer, Antonio Carlos, Ideologia, Estado e Direito, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 81.

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Assim, Wolkmer ainda sustenta que a legitimidade:

Implica numa noção substantiva e ético-política, cuja existencialidade move-se no espaço de crenças, convicções e principios valorativos. Sua força não repousa nas normas e nos preceitos jurídicos, mas no interesse e na vontade iedológica dos inte-grantes majoritários de uma dada organização social.35

Tanto Wolkmer como Eros Grau estabelecem uma dimensão para a legitimidade no direito, isto é, partem do fundamento, do conteúdo, do material que está na realida-de e na vida para se chegar na norma jurídica. O importante desde a legitimidade serão os valores, a organização, a luta pelos directos, o justo, o ideal que se persegue. Nesse sentido, a legitimidade aparece como um complemento fundamental da legalidade que influirá definitivamente na efetividade da norma jurídica, porque é impossível conceber que a legalidade não opere no justo, que o conteúdo da norma não possa ser cumprida. Isso costuma acontecer com o distanciamento que existe entre a legalidade e a legitimi-dade, ou seja, a norma jurídica que não tem fundamento na realidade da vida já nasce para ser ineficaz, para unicamente ficar armazenada nos códigos e livros.

Ademais do fundamento e conteúdo provenientes da legitimidade, Wolkmer fala do “locus” no pluralismo jurídico dizendo que:

A pluralidade expressa a coexistência de normatividades diferenciadas que define ou não relações entre si. O pluralismo pode ter como metas práticas normativas autôno-mas e autênticas geradas por diferentes forças sociais ou manifestações legais plurais e complementares, podendo ou não ser reconhecidas, incorporadas ou controladas pelo Estado. Certamente que o pluralismo jurídico tem o mérito de revelar a rica produção legal informal engendrada pelas condições materiais, lutas sociais e contra-dições pluriclassistas. Isto explica porque no capitalismo periférico latino-americano, o pluralismo jurídico passa “pela definiç�o das relações entre poder centralizador de regulamentaç�o do Estado e pelo esforço desafiador de auto�regulaç�o dos movi-mentos sociais e múltiplas entidades voluntárias excluídas.36

Eduardo Novoa Monreal37 em sua teoria sobre os interstícios legais, isto é, lacu-nas legais existentes na lei que determinam a aplicação de outros directos ou normas de acordo com os interesses em jogo, abre a possibilidade para que a partir do formal

35 Ibídem., p. 83-84.36 Wolkmer, Antonio Carlos, Wolkmer, Antonio Carlos, Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito, Alfa-Omega, São Paulo, 1997, p. 223. 37 Cf. Novoa Monreal, Eduardo, O Direito como Obstáculo à Transformação Social, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1988.

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criar-se o informal que vai efetiviamente garantir os directos. Se o direito à saúde não é garantido pelo Estado, abre-se a possibilidade de se contruir processos sociais, mui-tas vezes em conjunto ou não com o Estado que venha sim garantir a concretização desse direito, como, por ejemplo, a incidência de organizações sociais e movimentos comunitários sobre o ornamento público dizendo onde serão investidos esses recursos destinados à saúde. Ora, estas entidades podem chegar a seguinte conclusão: “este or-denamento público que não atende as prioridades e necessidades das comunidades de-vería passar a ser construído pelas própias pessoas que vivem na cidade e não de modo artificial e abstrato como ocorre com o ornamento público formal”.

Dessa forma, poderia se pensar que a racionalidade democrátia de garantia está composta de princípios norteadores de sua formação enguanto força reestruturante da efetividade dos dieitos fundamentais sociais. De ese modo se poderia nominar os se-guintes: o principio do processo, o principio da participação, o principio da efetividade, o principio da proporcionalidade, o principio da racionalidade e o principio do Não Retrocesso Social.

Estes princípios determinam e subordinam as outras normas jurídicas no seu conteúdo. Nesse sentido, se vê que o processo é um dos seus princípios formadores. Isto porque para haver condições de participação há que haver um espaço, uma dinâmica própria em que o ritmo do processo é definido pelos participantes. Se pode dizer que este principio é o mais importante de todos eles. Isto ocorre devido ao fato de que será esse processo o responsable por garantir a busca pela dignidade humana, a efetividade de um directo fundamental.

Outro principio todavía importante é o principio da participação. A participação é imprescindível para se colocar em prática uma racionalidade democrátia de garantia. A participação será a praxis –acción hacia un resultado– de todos os atores que serão partícipes na concretização de um determinado direito fundamental e que diretamente vão opinar, propor, debater, articular-se para decidir sobre prioridades, demandas e ne-cessidades de garantia de um determinado direito fundamental.

A efetividade é um dos principios mais norteadores da racionalidade democrática de garantia. E isto porque a efetividade está relacionada com o cumprimento das de-cisões tomadas através de processos de participaç�o e que definiram o cumprimento de determinado directo fundamental. Em suma, a efetividade está no início do processo quando se torna efetivo o directo de participação e de demandar o cumprimento das garantias fundamentais e também no final quando a lei está feita e se passa a fiscalizar o seu cumprimento.

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Para Pablo Navarro38, a norma jurídica válida deve pertencer a um sistema; deve ser obedecida; criada legalmente; estar en vigência e existir de modo específico. Cita a Hart que ssustenta que “la relación entre eficacia y validez es contingente y tiene que ser analizada conforme los criterios específicos de una regla de reconocimiento determinada.” Por fim, Francisco Laporta39, citando a Pablo Navarro, diz que: “Es un error desvincular el concepto de eficacia de los sistemas normativos de la función motivadora que caracteriza a esos sistemas. La relación gené-rica entre eficacia y motivación no sólo involucra el enunciado fáctico de correspondencia sino también un componente contrafáctico acerca de los cambios y acciones para el caso de que no hubiera existido el sistema normativo.” Laporta critica esta posiç�o de Navarro e diz que a eficácia da norma jurídica não é um requisito de sua constituição.

Existe, portanto, uma forte discuss�o no campo jurídico sobre a eficácia ou efe-tividade da norma jurídica como requisito de sua constituição e não há uma posição definida ou acordo sobre o assunto. A norma jurídica quando é construida tem como base de sua elaboração os valores e os procesos de lutas sociales em direção a garantia de algum bem da vida. Depois da promulgação da lei, todo o debate que a originou ficará completamente esquecido e n�o será cumprida. Isto é um típico problema de eficacia da norma jurídica, a qual n�o encontra semelhança com a construç�o de uma lei baseada em processos sociais e coletivos desde uma racionalidade democrática de garantia.

O principio da proporcionalidade está relacionado com a questão da racionalidade dos investimentos públicos, levando-se em conta um orçamento público. Juarez Frei-tas, quando fala do principio da proporcionalidade sustenta que este principio:

...implica adequaç�o axiológica e finalística, vale dizer, o exercício adequado, per o agente público lato sensu, do poder-dever de hierarquizar princípios e regras de ma-neira razoável nas relações de administração.40

Os princípios do processo e da participação estão intimamente conectados. Por outro lado, o principio da efetividade é complementário ao principio da proporcionali-dade. Isso ocorre porque a proporcionalidade é o princípio que atenderá as necesidades e demandas de modo a respeitar a capacidade de investimentos públicos em relação às necessidades de ditos investimentos. O principio da efetividade, por consequência, tem

38 Navarro López, Pablo E., “Validez y Eficacia de las normas jurídicas”. In Laporta, Francis-co J. y Valdés, Ernesto Garzón, El derecho y la justicia. Trotta, Madrid, 2000, p. 215. 39 Laporta, Francisco, “Poder y Derecho”, in Laporta, Francisco J. y Valdés, Ernesto Garzón, El derecho y la justicia, Trotta, Madrid, 2000, p. 451. 40 Freitas, Juarez, Freitas, Juarez, O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, Malheiros edi-tores, São Paulo, 2004, p. 40.

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a função de concretizar o principio da proporcionalidade, isto é, tornar concretos os investimentos decididos com base nesse princípio.

Já o principio do não retrocesso social está relacionado com a negativa de me-didas que impeçam ou suprimam as prestações sociais dos direitos fundamentais. Ou seja, sei já existe uma garantia social prevista e assegurada pela Constituição Federal de um país, não é possível que uma lei ou ato tenha poder de negar essa garantia ou até suprimi-la, em resumo retroceder a garantia social. Assim, a racionalidade demo-crática de garantia visa garantir os directos fundamentais, e, por consequência, tornar factible o princípio do não retrocesso social, garantindo os directos sociais. Juarez Frei-tas41, quando fala de controle social do orçamento público, por ejemplo, propõe que o controle social da sociedade seja visto como exercício de um direito fundamental dos movimerntos sociais que fazem a fiscalizaç�o direta da atividade pública quanto a efici-ência e a observação dos limites mínimos de investimentos previstos na Constituição, tendo uma dupla função. Primeiro, de impedir abusos e, segundo, de controlar direta-mente as opções do administrador público na hora de investir.

O mundo das possibilidades realmente é infinito e pressupõe reflexões e supera-ções teóricas constantes. O direito desde um ponto de vista mais amplo de análise e que reconheça as informalidades da vida como passíveis de repercussão no mundo jurídico é um campo extremamente fértil para a busca de novas miradas e de novas concepções. Nesse campo poderia estar inscrita a racionalidade democrática de garantia.

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