Rodrigo Silva Agape Da Perspectiva Joanina

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- 73 - RESUMO: Este artigo, a partir de uma consideração introdutória à questão da unidade nos escritos joanimos, procura apresentar uma base para a compreensão ampla do amor ao próximo. Considera o amor ágape como elo entre o mundo espiritual e o material, projetando a teo- logia joanina como uma contraposição ao dualismo grego. ABSTRACT: This article, starting from an introductory consideration on the question of unity of the Johanine writings, seeks to present a basis for a broader understanding of the notion o love for the neighbour. It considers the agape love as the link be- tween the spiritual and the material worlds, projecting the Johanine theology as in opposition to Greek dualism. INTRODUÇÃO Por muito tempo, a maior parte dos críticos do Novo Testamento concordou que o Apocalipse, as epístolas joaninas e o Quarto Evangelho compartilhavam de uma autoria comum atribuída ao apóstolo João. Mais recentemente, no entanto, houve uma tendência dos exegetas de se descartar a paternidade literária do discípulo amado, preferindo falar de uma “escola joanina” comum a todos estes documentos. 1 Mesmo assim, o grau de “joanismo” é tão dispu- tado entre os adeptos da Formkritik ou Formgeschichte que se adotássemos seus pressupostos seria quase impossível falar de uma teologia comum a todos estes do- cumentos. Contudo, percebemos que o texto nos oferece elementos sólidos para falar com segurança de uma legítima “Teologia de João” por detrás das epístolas, do Evange- lho e, também, do Apocalipse. 2 Ainda que adotemos um ou outro conceito exposto pelos adeptos da “escola joanina”, temos razões suficientes para abordar o corpus como um todo e, ainda que nos detenhamos mais na primeira epístola de João, usaremos o Evangelho, o Apocalipse e as demais epístolas como ferramentas hermenêuticas na compreensão contextual do que é ali dito acerca do amor ao próximo conforme o entendimento do discípulo amado. Não é objetivo deste artigo tratar das falhas já apontadas por alguns neste tipo de abordagem crítica que nega a historicidade bíblica ou exagera o papel da comunidade como autora dos tratados. 3 Também não abordaremos a problemática da questão au- toral do corpus joanino, embora, a despeito das críticas levantadas por Holtzmann 4 , Wilson 5 e Dodd 6 , tenhamos motivos para preferir a posição tradicional que sustenta João, o filho de Zebedeu, como autor destes cinco tratados. 7 ANTECEDENTES DUALÍSTICOS O problema do dualismo em João é reconhecidamente complexo. 8 A grande questão ainda parece ser a da influência ou não do pensamento helênico e do gnosticis- mo (especialmente a literatura hermética) sobre seus escritos. P. Ricca resumiu bem a posição dos vários autores começando por Schweitzer, passando por Bultmann e chegando até Preiss que, a despeito das divergentes opiniões, constroem um quadro bastante helênico da teologia de João. 9 A tese de O. Böcher 10 , publicada origi- nalmente em 1965, foi uma das pioneiras em propor que o fundo contextual do dualismo joanino estaria não nos escritos judaicos posteriores ou no dualismo grego, ÁGAPE: O AMOR AO PRÓXIMO NA PERSPECTIVA DOS ESCRITOS JOANINOS RODRIGO P. SILVA, TH.D. Professor de Novo Testamento no Unasp, Campus Engenheiro Coelho

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Analise do termo agape da perspectiva dos escritos joaninos, Rodrigo Silva.

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    Resumo: Este artigo, a partir de uma considerao introdutria questo da unidade nos escritos joanimos, procura apresentar uma base para a compreenso ampla do amor ao prximo. Considera o amor gape como elo entre o mundo espiritual e o material, projetando a teo-logia joanina como uma contraposio ao dualismo grego.

    AbstRAct: This article, starting from an introductory consideration on the question of unity of the Johanine writings, seeks to present a basis for a broader understanding of the notion o love for the neighbour. It considers the agape love as the link be-tween the spiritual and the material worlds, projecting the Johanine theology as in opposition to Greek dualism.

    IntRoduoPor muito tempo, a maior parte dos

    crticos do Novo Testamento concordou que o Apocalipse, as epstolas joaninas e o Quarto Evangelho compartilhavam de uma autoria comum atribuda ao apstolo Joo. Mais recentemente, no entanto, houve uma tendncia dos exegetas de se descartar a paternidade literria do discpulo amado, preferindo falar de uma escola joanina comum a todos estes documentos.1 Mesmo assim, o grau de joanismo to dispu-tado entre os adeptos da Formkritik ou Formgeschichte que se adotssemos seus pressupostos seria quase impossvel falar de uma teologia comum a todos estes do-cumentos.

    Contudo, percebemos que o texto nos oferece elementos slidos para falar com segurana de uma legtima Teologia de Joo por detrs das epstolas, do Evange-lho e, tambm, do Apocalipse.2 Ainda que

    adotemos um ou outro conceito exposto pelos adeptos da escola joanina, temos razes suficientes para abordar o corpus como um todo e, ainda que nos detenhamos mais na primeira epstola de Joo, usaremos o Evangelho, o Apocalipse e as demais epstolas como ferramentas hermenuticas na compreenso contextual do que ali dito acerca do amor ao prximo conforme o entendimento do discpulo amado.

    No objetivo deste artigo tratar das falhas j apontadas por alguns neste tipo de abordagem crtica que nega a historicidade bblica ou exagera o papel da comunidade como autora dos tratados.3 Tambm no abordaremos a problemtica da questo au-toral do corpus joanino, embora, a despeito das crticas levantadas por Holtzmann4, Wilson5 e Dodd6 , tenhamos motivos para preferir a posio tradicional que sustenta Joo, o filho de Zebedeu, como autor destes cinco tratados.7

    Antecedentes duAlstIcosO problema do dualismo em Joo

    reconhecidamente complexo.8 A grande questo ainda parece ser a da influncia ou no do pensamento helnico e do gnosticis-mo (especialmente a literatura hermtica) sobre seus escritos. P. Ricca resumiu bem a posio dos vrios autores comeando por Schweitzer, passando por Bultmann e chegando at Preiss que, a despeito das divergentes opinies, constroem um quadro bastante helnico da teologia de Joo.9

    A tese de O. Bcher10, publicada origi-nalmente em 1965, foi uma das pioneiras em propor que o fundo contextual do dualismo joanino estaria no nos escritos judaicos posteriores ou no dualismo grego,

    gApe: o AmoR Ao pRxImo nA peRspectIvA dos escRItos joAnInos RodRIgo p. sIlvA, th.d.Professor de Novo Testamento no Unasp, Campus Engenheiro Coelho

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    mas, sobretudo, no Antigo Testamento. Sua argumentao bem fundamentada, embora enfrentasse o descaso de alguns autores como Ladd11 , acabou espelhando a conclu-so posterior de outros estudos mais recentes (especialmente sobre Qumran12 ) que redes-cobriam as razes essencialmente judaicas da teologia de Joo e suas descontinuidades em relao ao mundo grego.13

    Ainda que no Quarto Evangelho e no Apocalipse seja possvel perceber o predomnio de um dualismo vertical o mundo superior de cima e o inferior de baixo14 a Primeira Epstola insiste num dualismo tico-horizontal voltado para o dia-a-dia da comunidade. Os sinticos tambm apresentavam tal formatao dualista-horizontal, porm, contrastando o mundo presente com o mundo porvir. Em Joo, no entanto, no encontramos uma tal perspectiva extremamente dicotomista que divide o hoje e o amanh escatolgico. Em sua primeira epstola, o mundo (kosmos), embora representando tudo o que contr-rio a Deus e a Cristo (2:15 e 16; 4:5; 5:4 e 5), torna-se ele mesmo o objeto maior do amor divino (2:2, 4:9 e 14) e ambiente de convivncia entre os filhos de Deus e os filhos do Diabo (3:10), ou, aqueles que andam na luz (phs) e na retido (dikaio-sun) com os que amam as trevas (scotia) e a injustia (adikia). evidente que isto tambm espelha de modo adequado a cos-moviso exposta no Quarto Evangelho e no Apocalipse, embora como dissemos, no um dualismo horizontal o que predomina naqueles escritos (compare Jo 3:16 com Ap 11:15; Jo 17:11 com Ap 14:3).

    o pRoblemA de fundoTomando tais aluses ao dualismo tico-

    horizontal presente na primeira Epstola de Joo, possvel compreender esta te-mtica como o problema de fundo imerso em todo o texto. Em linguagem moderna, poderia dizer que sua teologia do amor comuniria e essencialmente eclesiolgica. Sua inteno responder ao problema da verdadeira identidade crist: Como iden-tificar os que procedem de Deus e os que no procedem?

    De imediato o texto retira o leitor da at-mosfera de um comunitarianismo extre-mado onde o que importa o bem comum, mesmo que este esteja em desacordo com a vontade de Deus. Essa viso romntica e pouco teolgica parece descartada luz de textos como 1 Joo 5:16; 2 Joo 7, 10, 11; e Apocalipse 2:9, 14.

    O discurso do amor comunitrio an-logo preocupao doutrinria com a men-sagem que receberam de Cristo: Amados, no deis crdito a qualquer esprito, antes, provai os espritos, se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas tm sado pelo mundo afora (4:1). Esta advertncia contra os falsos profetas estabelece que o relacionamento entre os membros no deve estar acima do relacionamento com Deus. Veja com notas explicativas a seqncia de um dos imperativos do amor: O seu mandamento [de Deus] este: [em primeiro lugar] que creiamos [doutrina] em o nome do Seu Filho e [em segundo lugar] que amemos uns aos outros, segundo o man-damento que nos deu (1Jo 3:24).

    Segundo o pensamento joanino, seguir a um falso profeta equivale a romper relaes com Deus e com a salvao por Ele oferecida (1Jo 4:1-6 e 2Jo 10-11). A adeso a qualquer segmento hertico reflete a quebra da aliana e da adeso ao Deus verdadeiro. Sendo assim, o des-mascaramento dos falsos mestres, com a conseguinte revelao dos legtimos filhos da luz se fazia mais do que urgente. Afinal, o anticristo, pai de todos os apstatas, j estava operando em sua estratgia de engano (4:3).

    mister, no entanto, relembrar ao leitor moderno que os recentes debates acerca do pluralismo religioso e o encontro das religies no estavam em voga no contexto da comunidade joanina. Se pretendemos recuperar o pensamento original do autor, devemos ter em conta a imagem de um fiel pastor cuidando de um rebanho cujas ove-lhas j haviam conhecido a luz, mas ainda corriam o risco de se desviarem dela, como outros o fizeram, devido ao surgimento de grupos dissidentes dentro da Igreja. Note que a dissidncia no era meramente por questes administrativas, embora 2Joo

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    9-12 parea acenar para este problema, mas por questes de doutrinas estranhas, sobretudo na rea da cristologia (4:2, 18-20).15

    Qual pois, segundo Joo, a caracte-rstica bsica dos verdadeiros cristos? O amor, sem dvida. No obstante, a bvia resposta a esta pergunta perpassa primeira-mente uma via contemplativa, firmando-se num esquema prtico e empiricamente identificvel. Em primeiro lugar, fala-se da permanncia constante do homem em Deus, para que Deus, com tudo que Lhe diz respeito possa permanecer no homem. Nas palavras do apstolo: Nisto conhecemos que permanecemos nele (en aut menomen) e ele em ns (4:13), uma possvel aluso ao discurso da videira e os ramos na segun-da metade do Quarto Evangelho (menate en emoi, 15:4a).

    A prxis comunitria , para Joo, o elemento emprico e verificvel desta permanncia. Note-se que o discurso da videira j mencionava algo alusivo a dar bons frutos(15:2). Tal verificao d-se num tringulo tico no qual nenhuma das partes pode ser considerada dispensvel:

    Amor

    Justia F (relacional e

    doutri-nria)

    o AmoR gApO tema do amor gap predomina na

    epstola como predicativo daqueles que procedem de Deus.16 Tomando o amor a Deus como um pressuposto comum e in-discutvel dos destinatrios, a epstola no traz nenhum imperativo semelhante ao de Deuteronmio 6:5 que sugira aos membros da comunidade amarem ao Pai, ao Filho ou ao Esprito Santo. Pelo contrrio, trabalha-se com a hiptese de que todos, de uma forma ou de outra, pretendem que amam

    a Deus e, desta forma, j pertencem a Ele. Portanto, o escrutnio, em busca da verda-deira pertena deve emergir de uma auto-anlise que o autor ento sugere: Aquele que ama a Deus [ou que julga am-lo], ame tambm seu irmo (4:21).

    Mas, seria o amor um atributo exclusivo daqueles que so da luz e da justia? Uma anlise imparcial do problema indica que no. Enquanto sentimento inerente ao ser humano, o amor pode pertencer a todos os homens, quer sejam aliados de Cristo ou do Anticristo. E Joo mostra-se sabedor disto. Note que seu discurso possibilita (embora no recomende) que o amor tenha por objeto elementos que no coadunam com a permanncia em Deus: pode-se amar ao mundo (2:15), as trevas (Jo 3:19) ou at mesmo as glrias mundanas (Jo 12:43). E confiando na historicidade do relato de Mateus 5:47, pode-se imaginar Joo en-tre aqueles que ouviram Jesus dizer: Se amais apenas os que vos amam, que fazeis de extraordinrio? No fazem os pagos a mesma coisa?

    At mesmo os falsos profetas e os an-ticristos poderiam amar aos seus adeptos. Logo, por que justamente a comunidade de Deus no demonstraria esse tipo de sentimento para com seus membros? A busca joanina pela diferena bsica entre os de Deus e os do mundo no se v, pois, satisfeita num nico discurso sobre o amar ao irmo. No que ele abandone o tema ou passe a consider-lo de somenos impor-tncia, mas que desligado dos outros temas da justia e da f ele se torna incompleto. Embora nem todos os que amam procedam da luz, todos os que procedem da luz ne-cessariamente amam. E no somente isto, mas praticam a justia e mantm a f que so os acenos joaninos doutrina pregada pelos apstolos (1Jo. 2:27; 4:3).

    f e justIAA palavra dikaiosyn, cujo melhor cor-

    respondente em portugus seria retido, aparece no corpus joanino como sinnimo do andar em acordo com a Lei de Deus (1Jo 2:4-6; 3:4-6, 22 etc.). Isso tambm espelha a viso judaica da Lei (Torah) instruo

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    ou orientao. Deixar-se guiar pela lei andar num caminho reto, ser justo. Como Cristo foi o nico que andou perfeitamente neste caminho, s Ele pode, por Si mesmo, ser chamado justo (1Jo 2:1). Contudo, Ele confere Sua justia que nos possibilita caminhar num aperfeioamento contnuo guiados pelo amor de Deus e o perdo dos nossos pecados (1Jo 2: 5; 4:17).

    Contudo, no temos aqui uma idia moralista ou demaggica concernente justia. Trata-se de um proceder corre-tamente, ou, em outras palavras, uma retido prtica (1Jo 3:7). Por outro lado ainda, tal justia no se traduz num cunho arbitrrio-legalista. Ela inspirada no amor de Deus pelo indivduo. O mesmo amor que motiva e impulsiona a amar ao prximo e a obedecer aos mandamentos de Cristo (1Jo5:2).

    Deste modo, o amor ao prximo, embora no seja o totum da lei o que simboliza o seu cumprimento e estabelece a sua importncia na vida do crente. A negao disto o pecado definido como anomian (1Jo 3:4), ou seja, viver como se no houvesse a Lei. Para recompor o lapso deixado por nossa imperfeio, surge o papel de Cristo como propiciao (ilasmos, 1Jo 2:2)17 pelos nossos pecados e possibili-tador do cumprimento da Lei por ns (1:7 - 10 e 2: 1 - 6). O que a teologia joanina pretende dizer (e isso em consonncia com Paulo) que em Cristo a Justia no algo que Deus cobra do homem, mas antes, que lhe oferece para poder viver como convm quele que foi justificado cumprindo a lei e amando ao prximo (que so dois elementos intercambiveis e inalienveis na concepo joanina).

    A apropriao deste poder justificador, entretanto, s advir atravs da f,18 que aqui aparece tanto no sentido de fides quae (doutrina) quanto no sentido de fides qua (relacionamento com Deus).19 Na epstola percebe-se uma interdependncia cclica entre os relacionamentos vertical (homem

    Deus) e horizontal (homem homem e homem credo cristolgico). Para aqueles que conheceram o evangelho e esto na luz, um elemento j no mais possvel sem o outro.

    Assim como o amor ao prximo torna-se o smbolo de toda a Lei, a confis-so cristolgica, no pensamento de Joo, torna-se o smbolo da F, e ambos resumem a Justia.

    o que AmARA esta altura percebemos que o amor

    ao prximo, conforme apresentado na primira epstola de Joo, embora no negue um peculiar carter opcional, ultrapassa a dimenso da escolha racional para tornar-se, principalmente, um resultado da graa divina. Sua fonte transfere-se da alma (an-tropologia hebraica20 ) para o ser de Deus. A adeso (sent. prprio do hebraico ahabih21 ), segundo esta teologia joanina, no uma mera filiao partidria ou paixo por uma causa (coisa que os do mundo tambm podem ter); ela , antes, uma aliana ou pacto com o prprio Deus. aderir no a algo, mas a algum.

    A partir deste ponto, podemos interpretar Joo com os olhos de Agostinho que entendia o gape joanino como uma pessoa.22 Alis, note-se que, desde o evangelho e o Apo-calipse, comum para Joo personificar em Deus, os ttulos que lhe atribumos. E assim como o Logos e a Luz procederam do Pai, encarnando-se na figura histrica de Jesus Cristo, do mesmo modo o Amor manifestado entre os homens (4:9) outra figurao personificada para falar do mistrio da encarnao. Portanto, o dizer que o Amor procede de Deus ( gap ek tou theou estin, 1Jo 4:7) uma explcita referncia procedncia de Cristo o Pai que a nica coisa que torna a divindade visvel aos homens ( Jo 1:18; 6:46; :29; 8:14; 8:42; 11:27, 16:28; 1Jo 4:3) e quando se diz Deus amor(1Jo 4:8) paralelamen-te se deve lembrar do dito e o Verbo era Deus(Jo 1:1).

    O amor , enfim, o Filho de Deus vindo ao mundo e o permanecer neste amor equivale a andar como ele andou (aman-do ao prximo, cumprindo a justia, obe-decendo Lei) e confessar o que ele de fato, o Filho de Deus (1:6 e 4:2). Fazendo isto, trazemos para o presente a histrica encarnao salvadora, fazendo com que

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    ela deixe de ser exclusivamente um evento do passado para se tornar tambm uma atualizada comunho com Deus.

    conclusoComo vimos, o amor no pode, por um

    lado, ser um tema abandonado, nem por ou-tro, um discurso isolado. Se somos cristos de fato, a mais autntica cristologia bblica dever acompanhar este amor e a impor-tncia dada aos demais mandamentos da Lei de Deus dever testemunhar de nossa fidelidade (ou adeso) ao Bem Maior, que Cristo Jesus. No amamos porque somos naturalmente bons, mas porque nascemos da graa. No cumpriremos a lei para fazer-nos justos, mas porque ele nos justificou com sua justia. No brilharemos porque

    temos luz prpria, mas porque refletimos a luz que dEle procede.

    Assim, a noo do amor como Leitmotiv da Teologia de Joo na sua primeira epstola leva-nos a entender mais as correlaes estritas entre o mundo espiritual e o mundo material. Joo usa o amor como elo entre es-ses dois setores, o que subentente uma con-traposio quela noo dualstica dos gre-gos. O mundo de cima pode ser visto aqui em baixo no relacionamento comunitrio entre os filhos de Deus. Joo, ao contrrio da pressuposio de alguns comentaristas, no seria um judeu helenista escrevendo para gregos, mas um judeu cristo apresentando a o dualismo tico do amor como o elemento (alm da doutrina verdadeira) que estabelece a realidade visvel dos que servem a Deus na histria deste mundo.

    RefeRncIAs1 Os mais clssicos trabalhos de levantamento do

    possvel Sitz im Leben dessa comunidade foram os de Brown, R. The Community of Beloved Disciple ( New York: Paulist Press, 1979); Martyn, J. L., Glimpses into the History of Johannine Community, in The Gospel of John in Christian History (New York: Pau-list Press, 1978) e Zumstein P-J, et al, La communaut johannique et son histoire. La trajectoire de levangile de Jean aux deux premiers sicles (Genebra: Labor et Fides, 1990). Mas h outros autores alm destes que sistematizaram com ateno o problema autoral levantando a hiptese da escola joanina: Schnacken-burg R., Il vangelo di Giovanni (Brescia: Paidia, 1973), 72-75; Strecker, G. Die Johannesbriefe (col. Kritischexegetischer Kommentar ber das Neue Testament) (Gttingen: Vandenhoeck und Ruprecht, 1986), 22-30; Kmmel, W. G. Introduction to the New Testament (Nashville: Abingdon Press, 1972), 301-306; Schiese, F. J. Introduccin al Nuevo Testamento (Barcelona: Herder, 1983), 161.

    2 A relao do Apocalipse com os demais trata-dos (Evangelho e Epstolas) outro tema de intenso debate entre os comentaristas. Algumas indicaes bibliogrficas: Charpentier, E. et alli. Uma Leitura do Apocalipse (So Paulo: Paulus, 1983); Vanni, U. LApocalisse ermeneutica, esegesi, teologia (Bologna: EDB, 1988); Brown, R. E., L lettere di Giovanni (Assis: Cittadella, 1986).

    3 Veja algumas falhas desse mtodo em: Rat-zinger, J., Biblical Interpretarion in Crisis: On the Question of the Foundations and Approaches of Exegesis Today, in Biblical Interpretation in Crisis: The Ratzinger Conference on Bible and Church (Ed. por Neuhaus, R. J.) (Grand Rapids, MI: Eerdmans e

    The Rockford Institute Center on Religion and Socie-ty, 1989, 1-23 e Fascher, E. Die formgeschichtliche Methode (Giessen: Tpelmann, 1924), 82-144.

    4 H. J. Holtzmann - Walter Bauer, Evangelium, Briefe und Offenbarung Johannes, Hand-Commen-tar zum Neuem Testament (Tbingen: J.C.B Mohr, 1908), 319-322.

    5 W. G. Wilson: An Examination of the Linguistic Evidence Adduced Against the Unity of Authorship of the First Epistle of John and the Fourth Gospel, JTS XLIX (1948), 147 - 156.

    6 Dodd teve seu posicionamento a este respeito expresso primeiramente no artigo The First Epistle of John and the Fourth Gospel, BJRL, xxi (1937), 129 - 156 e, posteriormente, em forma de comentrio, The Johannine Epistles, Moffatt New Testament Commentary (New York: Harper & Bros, 1946), xxvii - xliii.

    7 Para uma relao de autores que sustentam a autoria joanina (inclusive autores patrsticos), veja o comentrio de Veloso, M., Comentrio do Evan-gelho de Joo (Santo Andr, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1984), 14-16.

    8 Ladd ainda considerava o tratamento dado ao assunto em seu tempo ainda era inadequado e insatisfatrio (Ladd, G. Teologia do Novo Testa-mento [Rio de Janeiro: Juerp, 1986], 209). Dos mais conhecidos estudos sobre o tema, temos: Kmmel que desvincula o dualismo joanino de Qumran, do judasmo e do helenismo, ligando-o ao movimento gnstico (Kmmel, W. G., Sntese Teolgica do Novo Testamento- edio revisada e atualizada [So Pau-lo: Teolgica], 324-328). Veja ainda: Schierse, op. cit., 167. Dentre os autores mencionados por Ladd

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    temos: Bultmann, R. Johannine Dualism, Th II (1955), 15 - 32; Charlesworth, J. H., A Critical Com-parison of the Dualism in 1 QS iii, 13 - iv, 26, and the Dualismcontained en the Fourth Gospel, NTS 15 (1969), 398 - 418; R. E. Brown, The Qumran Scrolls and the Johannine Gospels and Epistles, NTE (1968); M. Rist, Dualism, in Interpreters Dictionary of Bible, vol. I (Nashville: Abingdom Press, 1962), 873.

    9 Ricca, P. Die Eschatologie des Viertren Evan-gelimus (Zurique: Gotthelf, 1966).

    10 Ladd tambm menciona o trabalho de Bcher, O. Der Johanneische Dualismus im Zusammenhang des nacHbiblischen Judentus (Ausgabe: Gtersloher Verl.-Haus G. Mohn, 1965).

    11 Ladd, op. cit., p. 209. 12 Vanderkam, J., e Flint, P., Dead Sea Scrolls

    Their Significance for Understanding the Bible, Judaism, Jesus, and Christianity (New York: Harper San Francisco a Division of Harper Collins Publi-shers, 2002), 362-378.

    13 Veja por exemplo a obra de Martyn J., L., His-tory and Theology in the Fourth Gospel (Nashville: Abingdon Press, 1979). Aqui Martyn aponta os claros elementos judaicos do Quarto Evangelho e explica com especial ateno o fato de Joo escrever para uma comunidade que est sendo expulsa da sinagoga. Seria esse conflito social e no uma converso lite-rria ao helenismo que explicaria as representaes um tanto amargas do judasmo dentro do Evangelho de Joo. Outro importante trabalho o livro de E. Percy, (Untersuchumgen ber die Urprung des johanneischen Theologie) ao qual no tivemos acesso no momento de redigir este artigo, mas que tambm citado por Mielgo, G. S. Introduccin a los escritos Del Nuevo Testamento, (Col. Textos 3) (Madri: Instituto Superior de Cincias Catequticas San Pio X, 1993), 365.

    14 Vide Joo 1:5 (luz x trevas); 3:6 (nascido da carne x nascido do Esprito); 3:12 (coisas terrenas x coisas celestiais); 8:23 (ser de cima x ser de baixo); etc... No Apocalipse as imagens aparecem nos constantes contrastes entre o cu e a terra, san-turio de Deus no cu e o trono da besta na terra, etc... Porm, esse dualismo joanino deve ser visto luz do Antigo Testamento e de Qumran e no luz do dualismo platnico ou o enico que depois se desenvolveu.

    15 Trato brevemente de algumas dessas novas doutrinas cristolgicas em minha dissertao de mestrado, A Cristologia de Santo Ireneu, a partir da Adversus Haereses (Belo Horizonte: CES, 1996), 26-48. Veja tambm Orbe, A., Cristologia Gnstica, (Col. Biblioteca de Autores Cristianos 384) (Madri: La Editorial Catlica, 1966), vol. I, especialmente 17-50.

    16 Em termos numricos, agap aparece 18 vezes em sua forma substantiva, 5 vezes como adjetivo e 27 vezes como verbo.

    17 Vide Henri Clavir: Notes sur un mot-lef du Johannisme et de la soteriologie biblique: ilasms, in NT, X (1968), 287-304.

    18 A palavra pistis s aparecer uma vez na eps-tola no captulo 5:4. Seu conceito, porm, aparecer explicitamente nos modos verbais em que se utiliza a forma piste e em sinnimos temticos como par-resian (3:21) e marturan (5:10 e 11).

    19 Alguns telogos negam o sentido de f confes-sional na teologia joanina. Ao postularmos a existn-cia de um credo com claro um contedo confessional na primeira epstola, bem como no restante do corpo joanino, seguimos a opinio autores como Karl Her-mann Schelkle, Teologia do Novo Testamento (So Paulo: Ed. Loyola, 1977), vol. 1, 212-214; F. Bertram Clogg, An Introduction to the New Testament (New York: Charles Scribners Sons, 1937), 278 - 279; Gnther Borkamm, Das Neue Testament Bibel (Stuttgart: Kreuz-Verlag Stuttgart, 1971), 141-153; Oscar Cullmann, Der johnneische Kreis, Sein Platz im Sptjudentum, in der Jngerschaft Jesu und im Urchristentum (Tbingen: J. C. B. Mohr, 1975), pp. 46 - 57 e Edgard J. Goodspeed, Introduccin al Nue-vo Testamento (Buenos Aires, Apartado: Editorial La Aurora e Casa Unida de Publicaciones, s.d.), 224 e 225. A propsito do ltimo autor mencionado, Goodspeed, ele nos lembra, a favor de uma teologia sistemtica em Joo, que os cristos gregos sempre o denominavam de o Theologos.

    20 Stephen Neill, The Christians God (Londres: Lutterworth Press, 1954), 15; e Hans Walter Wolff, Antropologia do Antigo Testamento (So Paulo: Loyola, 1975), 20-ss.

    21 A. O. Haldar, et. al, Ahabh, in: Theological Dictionary of Old Testament (Botterweck, G. J. e Ringgren Helmer, eds.), Grand Rapids, MI: Eerd-mans, 1974, vol. 1, 99-ss.

    22 Vide De Trinitate, VIII, 10 - 12 (S.C.).