Sobreviver com os cantos: discussões sobre “mistura ... · indivíduos que vivem no estado de...

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You can check the complete license agreement in the following link: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/ TRANS 20 (2016) DOSSIER: INDIGENOUS MUSICAL PRACTICES AND POLITICS IN LATIN AMERICA Sobreviver com os cantos: discussões sobre “mistura”, “variação” e transformação na estética Tikmũ’ũn Rosângela Pereira de Tugny (Universidade Federal do Sul da Bahia, Brasil) Resumen Os povos tikmũ’ũn-maxakali formam uma população de cerca de dois mil indivíduos que vivem no estado de Minas Gerais, na fronteira nordeste com o estado da Bahia, no Brasil. Estão entre os raros povos sobreviventes das regiões de extintas matas atlânticas que chegaram aos dias de hoje com seus sistemas linguísticos, sonoro-musicais e ritualísticos plenamente operantes. Possuem um repertório poético, mítico e musical extenso, rico e variado, fazendo uso de uma paleta de léxicos oriundos de diferentes línguas que foram faladas nas regiões que se estendem entre Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. Tais corpora são renovados a cada dia, no cotidiano ou em situações festivas, pelos encontros que os Tikmũ’ũn realizam com seus yãmĩyxop. São estes os povos que mais mobilizam o interesse dos Tikmũ’ũn e seus esforços na busca de alimentos, promoção de festas, caçadas, e, sobretudo, de cantar noites inteiras ininterruptamente. Ainda que cantem com os yãmĩyxop, os Tikmũ’ũn possuem já cinco séculos de contato com os povos invasores das regiões de seus antigos percursos. Aprenderam a cantar com os missionários capuchinhos e evangélicos, e hoje dominam com excelência musical os repertórios dos regionais como arrocha, forró, pisadinha e mesmo as canções românticas. Os cantos e danças regionais parecem entretanto pertencer a outro domínio de atividade para os Tikmũ’ũn não alterando em nada as formas musicais que entretêm com seus yãmĩyxop. Bem distante de pensá-los como um povo que preza pela conservação de um legado cultural, como marca de sua identidade, este estudo pretende discutir como estes yãmĩyxop e a produção acústica que eles proporcionam são o que os mantêm vivos enquanto povos, postados numa constante abertura às diferentes formas de alteridade e num constante devir-tikmũ’ũn. Abstract The Tikmũ'ũn-Maxakalí peoples form a population of about two thousand individuals living in the state of Minas Gerais, in the northeastern border with the state of Bahia, Brazil. In the regions of extinct Atlantic forests, they are among the few surviving peoples in which linguistic, sound- musical and fully functioning ritual systems have endured. They have rich and varied poetics, mythical and musical repertoire, making use of a lexical palette from different languages that were spoken in the regions extending between Minas Gerais, Bahia and Espirito Santo. Such corpora are renewed every day, in daily life or in festive situations, in the meetings that the Tikmũ'ũn perform with their yãmĩyxop. These are the people who mobilize more interest from Tikmũ'ũn and their efforts in the search for food, promotion parties, hunting, and above all singing all night without interruption. Although they sing with yãmĩyxop, the Tikmũ'ũn already have five centuries of contact with people invading the regions of their former routes. They learned to sing with the Capuchins and evangelical missionaries, and now dominate musical excellence with a repertoire of local arrocha, forró, pisadinha and even romantic songs. The songs and regional dances however seem to belong to another domain of activity for the Tikmũ'ũn, not changing anything in the musical forms they entertain with their yãmĩyxop. Far from thinking of them as peoples that value the preservation of cultural heritage as a mark of their identity, this study aims to discuss how these yãmĩyxop and the acoustic production that they provide are what keep them alive as peoples in a constant openness to different forms of otherness and in a constant becoming- tikmũ'ũn. Palabras clave Povos tikmũ’ũn_maxakali, Memória musical, Música ameríndia Keywords Tikmũ'ũn-Maxakali People, Musical Culture and Memory, Amerindian Music Fecha de recepción: octubre 2015 Fecha de aceptación: mayo 2016 Fecha de publicación: diciembre 2016 Received: October 2015 Acceptance Date: May 2016 Release Date: December 2016

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TRANS20(2016)DOSSIER:INDIGENOUSMUSICALPRACTICESANDPOLITICSINLATINAMERICASobreviver com os cantos: discussões sobre “mistura”, “variação” etransformaçãonaestéticaTikmũ’ũnRosângelaPereiradeTugny(UniversidadeFederaldoSuldaBahia,Brasil)

ResumenOspovostikmũ’ũn-maxakaliformamumapopulaçãodecercadedoismilindivíduosquevivemnoestadodeMinasGerais,na fronteiranordestecom o estado da Bahia, no Brasil. Estão entre os raros povossobreviventesdasregiõesdeextintasmatasatlânticasquechegaramaosdias de hoje com seus sistemas linguísticos, sonoro-musicais eritualísticos plenamente operantes. Possuem um repertório poético,míticoemusicalextenso, ricoevariado, fazendousodeumapaletadeléxicosoriundosdediferenteslínguasqueforamfaladasnasregiõesqueseestendementreMinasGerais,BahiaeEspíritoSanto.Taiscorporasãorenovados a cada dia, no cotidiano ou em situações festivas, pelosencontros que os Tikmũ’ũn realizam com seus yãmĩyxop. São estes ospovosquemaismobilizamo interessedosTikmũ’ũneseusesforçosnabusca de alimentos, promoção de festas, caçadas, e, sobretudo, decantar noites inteiras ininterruptamente. Ainda que cantem com osyãmĩyxop, os Tikmũ’ũn possuem já cinco séculos de contato com ospovos invasores das regiões de seus antigos percursos. Aprenderam acantarcomosmissionárioscapuchinhoseevangélicos,ehojedominamcomexcelênciamusicalosrepertóriosdosregionaiscomoarrocha,forró,pisadinhaemesmoascançõesromânticas.Oscantosedançasregionaisparecem entretanto pertencer a outro domínio de atividade para osTikmũ’ũnnãoalterandoemnadaasformasmusicaisqueentretêmcomseusyãmĩyxop.Bemdistantedepensá-loscomoumpovoqueprezapelaconservaçãodeumlegadocultural,comomarcadesuaidentidade,esteestudopretendediscutircomoestesyãmĩyxopeaproduçãoacústicaqueelesproporcionamsãooqueosmantêmvivosenquantopovos,postadosnuma constante abertura às diferentes formas de alteridade e numconstantedevir-tikmũ’ũn.

AbstractTheTikmũ'ũn-MaxakalípeoplesformapopulationofabouttwothousandindividualslivinginthestateofMinasGerais,inthenortheasternborderwith the stateofBahia,Brazil. In the regionsof extinctAtlantic forests,they are among the few surviving peoples in which linguistic, sound-musicalandfullyfunctioningritualsystemshaveendured.Theyhaverichand varied poetics, mythical and musical repertoire, making use of alexicalpalette fromdifferent languages thatwerespoken in theregionsextendingbetweenMinasGerais,BahiaandEspiritoSanto.Suchcorporaare renewed every day, in daily life or in festive situations, in themeetingsthattheTikmũ'ũnperformwiththeiryãmĩyxop.ThesearethepeoplewhomobilizemoreinterestfromTikmũ'ũnandtheireffortsinthesearchforfood,promotionparties,hunting,andaboveallsingingallnightwithout interruption. Although they sing with yãmĩyxop, the Tikmũ'ũnalreadyhavefivecenturiesofcontactwithpeopleinvadingtheregionsoftheir former routes. They learned to sing with the Capuchins andevangelical missionaries, and now dominate musical excellence with arepertoireoflocalarrocha,forró,pisadinhaandevenromanticsongs.ThesongsandregionaldanceshoweverseemtobelongtoanotherdomainofactivityfortheTikmũ'ũn,notchanginganythinginthemusicalformstheyentertainwiththeiryãmĩyxop.Farfromthinkingofthemaspeoplesthatvaluethepreservationofculturalheritageasamarkoftheiridentity,thisstudy aims to discuss how these yãmĩyxop and the acoustic productionthat they provide are what keep them alive as peoples in a constantopenness to different forms of otherness and in a constant becoming-tikmũ'ũn.

PalabrasclavePovostikmũ’ũn_maxakali,Memóriamusical,Músicaameríndia

KeywordsTikmũ'ũn-Maxakali People, Musical Culture and Memory,AmerindianMusic

Fechaderecepción:octubre2015Fechadeaceptación:mayo2016Fechadepublicación:diciembre2016

Received:October2015AcceptanceDate:May2016ReleaseDate:December2016

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Sobreviver com os cantos: discussões sobre “mistura”, “variação” etransformaçãonaestéticaTikmũ’ũnRosângelaPereiradeTugny(UniversidadeFederaldoSuldaBahia,Brasil)

OsTikmũ’ũn

Ospovos tikmũ’ũn,maisconhecidoscomoMaxakali, falantesda línguamaxakali (macro-jê), sãotomadospelasociedadeenvolvente,dentrodeumestranhoparadoxo.Porumladosãopensadoscomoresquíciosdesociedadesindígenas,comumúnicodestinopossível,odesuaintegraçãoàscamadaspobresdas cidadesvizinhasàs suasaldeias. Isto sedeveemparteao fatodeestaremvivendoemregiõesdevastadasdaMataAtlânticaquesofreramsucessivasfrentes,mineradoras,militares e agropastoris. A despeito de suas demandas e de tentativas realizadas por diversossetores ligadosàs causasdospovosameríndios,nãoestá sequerempauta juntoaosórgãosdedefesa dos direitos constitucionais indígenas a possibilidade de discussão da retomada de suasterrastradicionais.Aproximidadedasaldeiastikmũ’ũncomascidades,acirculaçãodiáriadenãoindígenas,queutilizamestepequenoterritóriocomoviadepassagemparalaticínioseoutrosbensde consumo, a forte presença dos Tikmũ’ũn no comércio local, necessitando de praticamentetodososprodutosparasuamanutenção,fazcomqueosprópriosagentesdosórgãosindigenistasestejampoucoatentosànecessidadededefenderseusdireitosterritoriaisepensá-loscomoumasociedadeorgânica, inteiraesoberana, tendo-ossemprecomoeste“entre-povo”:umpovoquenãopodemais seroque foiequeseesvairápoucoapouconoprojetodehomogeneizaçãodasociedade.

Por outro lado, os Tikmũ’ũn são tidos, seja como povos “puros”, resistentes, “indígenasverdadeiros”,pelosmesmosindigenistas,comerciantes,professores,profissionaisdesaúdeouatémesmo por povos indígenas tradicionais das regiões que compreendem os estados de MinasGerais, Bahia e Espírito Santo. Esta “pureza”, ou este grau de veracidade em seu estatuto de“índio” são atribuídos a diferentes marcadores: a vitalidade da língua maxakali, ou o quasemonolinguismo dos Tikmũ’ũn (que se traduz na suposta ingenuidade que permite aoscomerciantesextorquiremseuscartõesdeacessoaosbenefíciossociais);afrequênciacomaqualtodos os indivíduos tikmũ’ũn—homens, mulheres e crianças—cantam seus cantos tradicionais,podendofazerprestaçõesdestesseusrepertóriosemdiferentessituaçõesemqueestamarcaésolicitada;apobreza,atribuídaàpreferênciaqueelestêmporviveremcasascobertasdecapimesobretudoaosaltosíndicesdedesnutriçãoregistradosemsuasaldeias;aformaçãodealdeiasemtorno de uma casa central onde se reúnem homens e conjuntos de yãmĩyxop (que traduzimoscomo “povos espíritos”); e, sobretudo, a agência sempre iminente damáquina de guerra. Esta“resistência cultural” dos Tikmũ’ũn, coloca sérias dificuldades à implantação das chamadaspolíticas públicas que surgiram na última década como uma política indigenista do GovernoFederal, moeda de troca pela sua negativa à demarcação das terras tradicionais dos povosindígenas que se encontram desde tempos imemoriais no Brasil. Por esta suposta resistência,dirigentesdaFundaçãoNacionaldoÍndio(órgãodoMinistériodaJustiçaencarregadodedefenderosdireitoseprotegerospovosindígenas)chegaramacogitarapossibilidadedeencaminhartodasasaçõesrelacionadasaosTikmũ’ũnporumsetorespecialencarregadodospovos“isolados”ouderecentecontato.

AssimseguemosTikmũ’ũn:tidosevalorizadoscomo“puros”,masimpelidosasetornaremsempreumpoucomais“civilizados”,umpoucomenosguerreiros,umpoucomaiseducadospara

Sobrevivercomoscantos:discussõessobre“mistura”,“variação”etransformaçãonaestéticaTikmũ’ũn3

os projetos sociais, enfim, um pouco mais “mestiços”, fazendo logo parte desta categoria desujeitoshistoricamentereificadapelodiscursodosgruposhegemônicosnocursodas diferentesfrentesdecolonizaçãodosvastosterritóriosbrasileiros.

Pretendemosdiscutirnestetextocomoestasrelaçõesacontecemsonoramente,buscandopensarotrabalhoacústicodospovostikmũ’ũnsemagradedicotômicaeredutoraque limitaasanálises a uma inspeção do grau de pureza, veracidade ou tradicionalismo dos povos que aproduzem.Comoopanode fundode todasestasquestõeséogenocídiodospovosorigináriosque esteve e segue em curso no Brasil e a construção de formulações etnocidas que dão aosconquistadoresaprerrogativadedecidirseospovosqueexterminamaindasãooudeixamdesero que sempre foram, buscamos apresentar seus repertórios de práticas sonoro-musicaisrepensando as categorias analíticas que compõem esta grade. Para tanto, retomo discussõessobreoxamanismotikmũ’ũneaagênciadaproduçãoacústicanoseucontexto(Tugny2011),bemcomoasformulaçõessobreo“devirtikmũ’ũn”recentementepropostasporRomero(2015),easreflexões sobre a “mistura” entre os Karajá trabalhadas por Nunes (2014). Estas formulaçõesforam irrigadas pelos trabalhos de Vilaça (2000) sobre o “tornar-se outro” no xamanismo e anoçãode“anti-mestiçagem”cunhadaporKelly(s/d).

OsYãmĩyxop

Traduzir anoçãodeyãmĩyxop entreosTikmũ’ũn,pelaausênciadeumcampoconceitualqueaacolhadentrodenossaspráticasdeconhecimento,noslevaaumesforçoemirmaisalémdeumasimplesdefiniçãoouaousodecategoriassubstantivas.Emumprimeiromomento,osyãmĩyxopnos aparecem como classes de diversos seres quepossuem repertórios próprios: de cantos, depreferências alimentares, de competências (guerreiras, caçadoras, curadoras, agenciadoras delaços sociais), de efetivos sonoros, de aparatos, de sazonalidades, de capacidades afetantes, deléxicos.OsTikmũ’ũndistinguemeclassificamqualquerfragmentodecantocomopertencendoaum dos repertórios de seus 12 grupos de yãmĩyxop. Estes seriam assim donos e narradores,visionários,xamãs,queporsuasviagenspelocosmostrariamsuasvisõesemformadecantoparacompartilhar entre os seus parentes das aldeias. Segundo os Tikmũ’ũn, cada um destes 12yãmĩyxop seria como “o governo”, e comandaria muitos outros grupos de yãmĩyxop queformariamsuaequipe.De fato,estesyãmĩyxop sedesdobramemmuitosoutros,nos levandoaumamultiplicidadedestascategorias,casosigamostomando-ascomoentidadessubstantivas.Sedesdobram, se transformam, assumem funções narrativas, tornam-se donos de outros, cantamemposições duplicadas de corporalidades. São tantas as formas e os corpos emque a posiçãoyãmĩyxopseapresenta,etãofluentesosprocessosdesubstituiçãoesuperposiçãodestescorpos,que passamos a perceber que, junto com a busca de entendimento e tradução desta noção, étambémnecessárioalterarmosoquesempreentendemoscomocorpos.Osyãmĩyxopexprimemexemplarmente um tema bastante explorado pela etnologia indígena que trata da troca decorpos como forma de troca de pontos de vista (Viveiros de Castro 1996 e 2002; Stolze Lima1996).Mas,maisdoquetratardeumgestodevisãoecontemplaçãopassiva,estasmudançasdecorpossãoformasdeexperimentaçãoafetivadaquiloqueoscorpospodem.

Os yãmĩyxop se constituem então, nesta primeira aproximação, em dispositivos quepermitemasexperimentaçõescoletivasdaspotênciasafetivasdosdiferentescorposquehabitamas matas, os rios, as copas das árvores, os brejos, o interior da terra, os céus. Todos estesdispositivosagemacusticamente.Aexperiênciadestaspotencialidadescorporaissefazpormeiodetrabalhosdeperscrutação,sondagemeocupaçãoquesãotodoselesacústicos.Apenasatítulo

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deexemplo,descrevemosalgunsdestesyãmĩyxopdosquaisvemosemergirformasespecíficasdesuasoperaçõesacústicas.

AorealizarrituaisPutuxop,quetraduzimoscomo“Povospapagaio”,osTikmũ’ũnacionamumcomplexo sistemadeguerrae reconhecimentodeparentesco,ondeos cantosemergemdafumaça do cozimento dos inimigos mortos, envolvendo corpos lacraias, sucuris, cobras-cegas,tatus, esquilos, ou um sistema de comensalidade que também constrói o parentesco, comsaracuras,garças,patos,girinoseoutrospovos.Esteseventossãocantosfrenéticos,contínuos,detodoumcorpovocaldegrupodehomensepovos-putuxopmunidosdechocalhos,bordadospelasvozesdasmulheresqueformamrodasemformadesucurisemtornodogrupodecantores.Osalimentos, sobretudo o “suco de milho” são enviados pelo grupo de mulheres ao conjuntoPutuxop.Celebramassimaguerra,oetosguerreirodestepovo,acomensalidade,eoparentesco.

Euemeuirmãomatandoasucuri,estamosmatandoasucuri,diaraiaa...

Minhoca-gentesaidedentrodaterraemata,aminhoca-gentesaidedentrodaterraemata,aidiaabiaai...

Filhotedeanta-fêmea,todopintado,filhotedeanta-fêmea,patascozidastodasarregaçadas...

Esquiloemcimadoscoquinhoscomorabolevantado,esquiloemcimadoscoquinhoscomorabolevantado.1

Ao realizar rituais Mogmõka, os Tikmũ’ũn relembram o distanciamento de um parente quetransformou-separaalémdoslimitesdahumanidade,emumpovo-gavião,ganhandoosespaçosdascopasdasárvores,daspedrasmaisaltasedocéu.Alémdaexperiênciadovooedavisãodaaldeiaapartirdoaltodocéu,oscantosproporcionamoutraspotênciascorporais,sejadeanimaisquerastejamnaterraounosgalhosdeárvores,sejadasplumagensqueseabrememcorescomaluzdodia,sejaadospássarosquetomamemprestadasoutrasvozesquandotristementecantama despedida de parentes. Podemos tomar o Gavião como um narrador visionário que, em suaviagemestariadiantedemaisde100outrosanimais (japuçá, tatu, jacaré, cobras,gavião-preto,gaviãocarijó,araçari-de-bico-grande,tucano,rato-do-mato,papa-mel,urubu,preá,joão-do-mato,sabiá-laranjeira,opilião,juruvá,cigana,jacu,jacutinga,mutum-de-penacho,emuitosoutros),queportanto seus cantosdescrevem.Os cantos, tambémenriquecidosdo timbrede chocalhos, sãogeralmente enunciados em formas de responsório (solista X coro) e muitos deles, sustentamdançasecoreografiasdegrandeforçaevitalidadefísica,opondoosespíritos-mõgmõkaàsjovensmulheresdasaldeias.Masoqueentendemos,apartirdasexegesesquenossãooferecidaspelospajés, équeoMõgmõkaexperimentaamultiplicaçãodeafetosque todasestas corporalidadesproporcionam:

vamosdescerlá

ondeestãonossosvelhos,vamosdescer...

gavião-carijónafrente

1 Cantos traduzidos no contexto da narração do mito dos povos putuxop por Toninho Maxakali e Manuel Damásio Maxakali publicados em Tugny (2011).

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egaviãoemvoltavoando...

andandonotroncoretoandandonotroncoreto...

pataspretasestiradas

voandoaspataspretasestiradas...

nalamarastejarasteja

nafolhasecarastejarasteja

naareiarastejarasteja

napedrarastejarasteja

nopausecorastejarasteja...(Maxakalietal.eTugny2009)

Os rituais Kõmãyxop celebram laços de amizade e regulam distâncias entre paresopostos—noiteedia,vermelhoepreto,fundodaáguaeabóbodaceleste,homensemulheres—tratando de outros conjuntos de sujeitos presentes nos seus caminhos de cruzamentos: japim-guaxe, bicudo encarnado, cotias, papa-meis, pica-paus, azulões, arapongas, tesouras-do-brejo,araçaris-banana, saís-andorinhas, além de batatas d’água, urucuns, algodões, enfim, umainfinidadedesujeitosqueassumemposiçõeseapresentamforçaexpressiva:

anoitedesceuesedeitou(...)

odiadesceuesedeitou(...)

oalgodãodesceuesedeitou(...)

osolveioboiandoveio(...)

aluaveioflutuandoveio(...)

aestrelagrandeveioflutuandoveio(...)

aestrelavermelhaveioflutuandoveio(...)

aconstelaçãomuitocompridaveioflutuandoveio(...)

aconstelaçãodopéveioflutuandoveio(...)

anoitedeuváriossaltos,desceuesedeitou(...)

odiadesceuesedeitou(...)

oalgodãodesceuesedeitou(MaxakalieRosse2011:585-604)

Umalistabastantericaelongadeconjuntosyãmĩyxoppoderiaaquiserevocada,fazendo-nospensaroscorporaderepertóriosdenarrativasmíticascantadascomoestandorelacionadosacorpos,posiçõese formasdedeslocamentonoespaçoeexperimentaçãode suaspotências.OsyãmĩyxopsãoassimoprópriosistemadeclassificaçãoadotadopelosTikmũ’ũnquandoinquirimossobreascategoriasdecantosqueatualizamdiaadiaemsuasaldeias(verTugny2014:304-306).

6 TRANS20(2016)ISSN:1697-0101

Mas além de se tratar de sistemas ritualísticos, de corpora de repertórios míticos emusicais,apalavrayãmĩyxopaparecequandovemossurgirnasaldeiasgruposdeconvidadoscujosrostosestãosemprecobertosecujosolharesnuncacruzamos.Quandochegam,hásemprecantonasaldeias.Sãosempreacompanhadosemediadospeloshomensevêmsempreaoencontrodasmulheres.Queremseralimentadosporelas,escutadosporelas,cuidadosporelas,devemdançare brincar com elas, algumas vezes namoram as jovens púberes. Asmulheres são as mães dosyãmĩyxop.Nesteseventos,oshomens tornam-semediadoresepais, ajudando-osa cantar, poisquase sempre, estes yãmĩyxop são ainda crianças (Rosse 2007). Estes yãmĩyxop por sua vez,trazemamultiplicidadedeafetosparaocentrodasaldeias,proporcionamahomensemulheresas forças expressivas de todos seus deslocamentos, trazem os cantos e o conhecimento,encarregam-se de processos de cura, de iniciação dos jovens meninos, dirigem as caçadas,revezandoentretodoselessuasconstantespresençasnasaldeias.

Sãoseres,sujeitos,corporalidades,agentes,mastambémrepertóriosmíticosemusicais.Eno entanto é preciso ir mais além. Enquanto sujeitos que se dão a ver, cantam e comem, osyãmĩyxop nos aparecem como materialidades, mas enquanto repertórios de cantos,conhecimentos e narrativas míticas, eles nos aparecem como produtos da criação desubjetividades. Os cantos e seus atributos seriam neste esquema então representação destesagentesmíticosqueigualmentesedãoavercomorepresentaçõesnasaldeias?Oumelhor,comopensar esta trama conceitual—yãmĩyxop—para alémde um sistema de correspondências entresujeitosepredicados;substantivoseatributos;formaseforças;sereselinguagens?

Asexegeseseconversas sobreyãmĩyxop aparecemmuitasvezespróximasdeumaoutranoçãoentreostikmũ’ũn,adekoxukoukoxukxop.Emambasasexpressões,encontramos“xop”comoumcoletivizador,ouindicadordeumamultiplicidade.Traduzem-noskoxukcomo“imagem,fotografia”, “sombra”.Koxukxop poderia então ser “povos-imagens” (ver Tugny 2011 e 2013a).Nas exegeses dos Tikmũ’ũn, koxuk está igualmente relacionado ao que desaparece e assume aforma animal. Xok é o radical que se refere a ‘morrer’, ‘semear’, ‘plantar’, ‘guardar dentro’(PopovichePopovich2005).Asnarrativasmíticassereferemàsquedasdocéuouaoscaminhosdosmortosondesesucedemtransformaçõescontínuasdoscorposeondeosancestraisassumemcorposanimais.Estessãokoxukesãoaomesmotempoyãmĩyxopetalsobreposiçãonãopareceincomodaroumerecer explicaçãoparaos Tikmũ’ũn. Talvez em suapresença acústica,koxuk sepotencialize em yãmĩyxop. Yãmĩyxop, ou yãmĩy, na sua forma singular, aparecem igualmenterelacionadosaumverbo,muitopresenteemseuscantos:yãyhã.Oraglosadacomo“parecer”,oracomo“virar”,otermoindicaestasituaçãodeimanência,dedevir,própriadastransformaçõespresentesnasnarrativasmíticasreferentesaosecantadaspelosyãmĩyxop.Romerobemnotou,apartirdeseuaprendizadocomIsaelMaxakali,aproximidadedanoçãodeyãmĩycomoevento,oprocesso,odevir:

Quando notei que a palavra continha entre suas raízes o verbomĩy (fazer), além de yã, umenfatizador,pergunteioóbvioaIsaelMaxakali,quenutreumgostotodoespecialporetimologia:

–Yãmĩyemĩyseparecem,não?

–Sim!Yãmĩyéassim—exemplificou-me—quandoumacoisaestáformando,

formando,masaindanãoacabou...

–Comotransformando?

–Isso!Muitointeligentes,né,osMõnãyxop...(Romero2015:82)

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Yãmĩyxopseriamentãoesteseventosdegrandeintensidadeexpressiva,ondesubstantivose predicados, seres e atributos, formas e forças, sujeitos e linguagens caminham juntos, quehesitamosaquichamarde“rituais”,umavezqueestãoincorporadosaocotidianoequenãosãopensadosporelesapenascomoumconjuntodesentidoscelebradossocialmente.OsTikmũ’ũn,aocuidar da permanência de tais eventos—Yãmĩyxop—estariam cuidando desta fluidez, destapossibilidadesempreinacabadadedevir,necessáriaàsuareproduçãoenquantotais.

Ãyuhuk-yãmĩyxop

Existementreesteseventoscantadospelosyãmĩyxop, fazendeirosdascidadesvizinhas,homensque trabalham na forja, mulheres que andam a cavalo, homens negros, ladrões de mulheres,existem helicópteros, aviões, lontras que se comunicam por telefones celulares, homens quebebemcachaça,prostitutas,mulheresquemastigamsuasdentaduras:todosestãorelacionadosaesta classe de seres que denominam ãyuhuk. Esta expressão serve às crianças para nosdesignaremquando estamos entre eles. Os adultos encarregados de receber os pesquisadores,indigenistasetodososdemaisagentesdasociedadeenvolvente,sentem-seconstrangidosquandoouvemascriançasnostrataremporãyuhuk,porexistirnestacategoriaumconjuntodeatributosquenoscolocanocampoda inimizade,da impossibilidadedevínculos, fossemeles construídospela guerra ou pela aliança. Aprendi algo sobre isto durante um ritual, quando os homenscolocarambeijusnopátiodaaldeiaelogovieramalgunsyãmĩyxopmunidosdegrandespedaçosdemadeiraqueosassomaramdeumsógolpe.Mostravam-meosbeijuseoradiziamqueeramãyuhuk,oradiziamqueeramaonça.Nãosetratavaaídeconfusãoedesconhecimentodoritualdapartedaquelesquemeinformavam.Narealidade,asqualidadesafetivasdaonça—nãosaberesperar, servoraz,atacar semantesconversar—sãoasmesmasdosãyuhukque“logopegamorevólver”. A onça,hãmgãy, é denominadapelomesmo radical que indica o estadoda braveza:ãgãy.Éestapotênciaafetivaquefazcomqueonçasenão-indígenaspassemaestardentrodeummesmacategoriadeseres(Tugny2013b).Estapotênciaafetiva—abravezaeavoracidade—seriaum indicador significativo e operante neste processo indicado pela expressão yãy hã, virar,parecer,transformar,devir.

Estesãyuhuktambémforamincorporadosnocomplexodemuitosyãmĩyxop,trazendoàsaldeiassuasformas,seusestados,seusatributos.Todoselesfazempartedestespovos-imagens,koxukxop, que os Tikmũ’ũn zelam por manterem vivos e presentes nas aldeias. Os yãmĩyxoptampoucohesitamemtrazeremseuscorpososaparatosfabricadosporeles:alémdostelefonescelulares,podemtrazerconsigorádios,ipods,rostosemantosconfeccionadoscomsacosplásticosoucobertores,bemcomopodemseralimentadoscomrefrigerantes,sucos,bolachaseumasériederepastostrazidosdascidadesdosãyuhuk.Amaioriadestesãyuhuk-yãmĩyxopseapresentapormeio dos cantos dos repertórios Xũnĩm (povos-morcegos), Popxop (povos-macacos), Yãmĩy eHemex. As qualidades sonoras destes cantos são reconhecidas pelos Tikmũ’ũn como atributosdesteouaqueleyãmĩyxop.Narealidade,amáquinaritualeacústicatrazestesãyuhukparadentrode si, no centro da aldeia. Eles passam a ser parte, eventos da experiência xamânica oferecidapelosyãmĩyxop.

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Figura1:Yãmĩyxopcomcamisasesacosplásticoscobrindoocorporecebendoarrozdasmulheres.AldeiaVerde,2010.(FotodeRosângeladeTugny)

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Figura2:Yãmĩyxop comcamisasecuecascobrindoocorpo,chegandonaAldeia.TerraindígenadoPradinho,2008.(FotodeMariCorreia)

Virarãyuhuk:acachaça,oforróbay

Mas uma outra forma de encontro com os ãyuhuk também esteve sempre em curso e é bemconhecidapelosTikmũ’ũn.Muitasvezesesteseventosqueproporcionamaexperiênciadeviraroutro se passam com os cantos, as bebidas, as danças e os sistemas acústicos e religiosos dospróprios ãyuhuk. Em outro terreno, diria. Os Tikmũ’ũn aprenderam muitos cantos daquelesãyuhukquenãosãoãyuhuk-yãmĩyxop.Muitosentoamoscantosevangélicosemlínguamaxakaliaprendidoscomosmissionáriosqueseimplantaramnaregiãodurante30anos.Cantamtambémo repertório de cantores românticos como Amado Batista, bem como vários outros gênerosregionais: forrós,arrochas,pisadinha.Hoje,algunsgruposde jovens,apósadquiriremtecladoseaparatosdeamplificação sonora,passarama terbandasde forró, comrelativo reconhecimentonascidadesvizinhas.Quandoacontecemasatividadestidascomo“culturais”eorganizadaspelasprefeituras locais,émaiscomumosTikmũ’ũnse fazeremrepresentarportaisconjuntosdoquepelosgruposcomunitáriosquetrazemosrepertóriosedançasdosyãmĩyxop.Umdestesgrupos,oForrobay Maxakali chegou a iniciar uma pequena produção de imagens, cartazes e página noFacebook.

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Figura 3: Forro Bay. Grupo musical de jovens da Aldeia Verde (Ladainha, Minas Gerais, Brasil). FotoretiradadapáginadoFacebookForrobayMaxakaliem4deoutubrode2015.

Festasdeforrópassaramaserorganizadasnasaldeias.Sãoexcelentesdançarinosdestesgêneros regionais,muitoembora suasexpressõesnadança sejambemdiferentesdaquelasquecostumam ver dançando nas cidades. Dançam com certa seriedade, como se estivessem alicumprindoumrigorosoritualquedevesseserobservadoemseusdetalhes.Oritualnãoseparececom o mesmo evento de exaltação, descontração e alegria como se passa nas cidades. Aformaçãodosparestambémpodesedardeformadiferente.Umrapazgeralmentesaidocentrodosalãoparabuscarumoutrorapazqueestáemoutrocantoparadançar:ambosatravessamdemãosdadaso salãopara chegaremao local onde se encontramduasmoças e convidá-las paradançar.Ocarnavaltambémvemsendoexperimentadonasaldeias.Podebastarumcdadquiridonascidades,comoporexemploObondedasmarchinhas,parasustentarrepetitivamenteostrêsdiasdecarnaval.Homensemulherescriamfantasiasdeplástico,podematémesmosefantasiarde índios no estilo apache, e dançam seriamente em círculo, desenvolvendo algumas figurascoreográficas comandadas pelos chefes políticos da aldeia. Um destes chefes inaugurou aexperiência da celebração do casamento com a noiva vestida de branco, véu e grinalda,carregando flores, e o noivo de terno e gravata, ambos com semblantes extremamente sérios.Aindaquenodiaseguinteocasamentojáestivessedesfeito,umcuidadominuciosoédispensadoparacadagesto,cadaaparatoalipresente.Estesrituaisqueosfazemsepareceraosãyuhuksãoacompanhadosde comentáriosdospajés comquemmais trabalhona traduçãodos cantos: “távirandoãyuhuk”.Algumasvezesosprópriospajés,aindaquecomcertadesconfiança,colaboramnestes momentos. No caso específico de uma destas aldeias, onde presenciei a realização docarnavalemfevereirode2006,aAldeiaVilaNovadaTerraIndígenadoPradinho,percebianesteritual umpropósito político e pedagógicomuito firmedo líder político.Havia ali uma tarefa detrazerparaoterrenodaaldeia,soboolharbenévolodacomunidade,o“virarãyuhuk”deformaaminimizarascatástrofesqueesteseventosocasionavam.MuitasvezesosTikmũ’ũniamàscidadeseexperimentavameste“virarãyuhuk”comousodacachaçacompradadetraficantesaaltíssimos

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custos—por ser a venda proibida aos indígenas—, podendo apanhar dos comerciantes locais edestes traficantes, e sem poder entrar nas casas de forró. Tudo o que podiam de fatoexperimentar e trazer de volta às aldeias desta singular experiência xamânica era a bravezaãyuhuk.Nenhumvínculo.EracomumverchegandoumTikmũ’ũnpelaestrada,bêbado,solitário,enfurecidoeprontoparamataroprimeirofamiliarqueencontrasse,geralmenteaesposa.Eramtambém comuns as brigas por ciúmes, e estas geralmente se consumiam nas estradas. “Virarãyuhuk”nãocolocavaentãoosTikmũ’ũnnomesmoestadodeabertura,alegria,prosperidadeetransformaçõesqueosyãmĩyxop lhesproporcionavam.Seosyãmĩyxop sãoapuraaberturaaooutro, e se osmomentos de seus eventos promovem trocas, comensalidade, danças coletivas,relaçõesdeadoçãoecuidadoscomoscorpos,oafetodeste“virarãyuhuk”eradeoutraordem.Alémde seremaprópriaonça,estesãyuhuk tambémsãoo inmoxã.Deramorigemaos inmoxãque surgiram de seus cemitérios. Estes são seres canibais insaciáveis, devoram suas irmãs,esposas,todososparentesmaispróximos.Suaspelessãocrostasimpermeáveis.Nãosabemviverem aldeias, embora sintam saudades de seus parentes e reconheçam seus cantos. Os inmoxãsurgemdoscemitériosdosãyuhukoudealgumatransformaçãosofridaporumTikmũ’ũnquenãocuidou da fluidez de seu sangue. Se a noção de yãmĩyxop pode ser entendida como a de umeventodeabertura,detransformações,experiênciadeoutrascorporalidades,eventopuramenterelacional,inmoxãestarianoseucampooposto(Tugny2013b).

Estesmovimentosesonoridadesproporcionadaspeloseventos“virarãyuhuk”nãosãoum“fora” de toda a máquina ritualística, de todo o sistema yãmĩyxop ou uma ameaça à suasobrevivência.Hámaisdecincoséculosqueospovostikmũ’ũnseencontramcomosãyuhuk,umaformadealteridadeamaisemseuuniverso,evêmencontrandoformasdelidarcomseusafetosesuaspotências.OutrasalteridadescomoosKotkuphi,povosdegrandebraveza,quejádevoraramseusancestrais, foramamansadaspelosTikmũ’ũn, sobretudo recebendoalimentodasmulheresdaaldeianoestadode fluidezdosanguemenstrual.Hoje,estesKotkuphi formamumgrupodealiados caçadores e de eventos que provocam o choro de homens e mulheres durante adespedida.TalvezestejamaindaosTikmũ’ũnexperimentandoformasdeamansarosãyuhukedetransformá-losemalgomaispróximodestaaberturaqueoyãmĩyxopproduz,esperandoqueelescomam sua comida. Em todos estes séculos os povos tikmũ’ũn atravessaram florestas onde osãyuhuk entraram devastando. Estes ãyuhuk não paravam para comer com os Tikmũ’ũn. Hoje,vistoscomodesnutridospelaspolíticasgovernamentais,torna-seaindamaisdifícilconvenceraosãyuhukquedevemaprenderacomercomosTikmũ’ũneconstruírempoucoapoucooslaçosdepossibilidadedeparentesco.

Cantosdosãyuhukeacústica-yãmĩyxop

Os visitantes das aldeias, mesmo sem atenção especial ao mundo sonoro, logo reconhecem aaptidãomusicaldascrianças,dosadolescentesede todososTikmũ’ũn.Reconhecemsobretudoquando os ouvem cantar em português os cantos regionais e evangélicos, mesmo sem sabertraduzir suas palavras. Quando, de noite, alguns jovens decidem fazer alguma festa, podemosouvir horas a fio apenas três insistentes acordes oferecidos por seus teclados. Se por um lado,ouvem e cantam com facilidade os cantos tonais dos ãyuhuk, parecem fazer dele um usoestranhamente repetitivo sem que os mais velhos se cansem da intensidade sonora e daobstinaçãodaquelesacordes.Outrosmecanismosdeescutaestariamentãoaliemjogo.

Tambémnos causaespanto, amimeoutrospesquisadoresdouniversoacústico-musicaldestes povos (Rosse 2007 e 2013; Jamal Júnior 2013) o quanto, ainda que tão praticantes dos

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repertórios musicais ãyuhuk, não tenham os cantos yãmĩyxop alterado suas estruturas equalidadesacústicasnadireçãodoquepoderíamosqualificarcomohibridação,fusão,assimilação,ou tenhamosTikmũ’ũn, como sediz emumaexpressãobastante corrente, “sofrido influênciasculturais” dos não indígenas. Cantos ãyuhuk e acústica-yãmĩyxop caminham paralelos e, muitoemborareconheçamostodoesteinteressedosTikmũ’ũnaooutro,esteoutroparecepermanecerpreservadonasuadiferençaestructurante.

Algumas vezes nos surpreendemos com o uso inventivo do aparato acústico que asdiversasbandasregionaisdosãyuhukfazemhojedosseussuportesdeproduçãosonoraedesuasvocalidades—àsvezesguturais,àsvezesextremamenteagudas.Aindaassim,seestruturamsobrea base rítmica e harmônica construída pela oposição binária do sistema tonal, entre os polostônicaXdominante,desenvolvimentomelódicoXsíntese.

Os cantos desta vasta acústica-yãmĩyxop não carregam sinais que demonstram algumaaproximação do sistema de intervalos temperados ou indícios de alguma captura pelo poderatrativodo sistema “tônica-dominante” que estrutura os cantosãyuhuk.Não trazem tampoucoinstrumentos, palhetas timbrísticas ou explorações vocais destas experiências. A acústica-yãmĩyxop segue independente, como uma totalidade que recusa amistura, a fusão, onde nãoparece possível simplesmente incorporar fragmentos de outras forças expressivas.Mas de quetotalidadesetrataria?VenhoatéentãochamandoatençãoparaoaspectoinacabadodaestéticaTikmũ’ũn, para a impossibilidade de descrevermos uma estrutura sociocultural única, ou umaforma ritual inteira, venho observando os gestos da confecção de casas e objetos, que deixamsempreumestadode liminaridade(Tugny2011e2013b).Atotalidadeaquiserefere,nãoaumconjuntodecantosouumconjuntodecaracterísticaseelementossonoros.Refere-seaofatodeque, ao se acionar um dispositivo, ou seja, yãmĩyxop, não estão os Tikmũ’ũn realizandorepresentaçõessubjetivasdestespovosousobreeles.Osyãmĩyxopsãodispositivosquepermitemaos Tikmũ’ũn adentrar em outras naturezas, e como naturezas elas são inteiras, ainda que aexperiência xamânica permita estar aqui e alhures ao mesmo tempo. Cada elemento destasnaturezas paralelas são os fragmentos destes cantos, infinitos, pois as substâncias e suasqualidades sensíveis são infinitas. Desta forma, os yãmĩyxop permanecem inacabados em suaformaesuaextensãoetotaisnasuaexperiênciademundosoutrospossíveis.Comumaescutaumpouco atenta, percebemos o quanto cada canto deste complexo yãmĩyxop guarda umasingularidade cujasmarcas de diferenciação tornamnossosmodos de aferição insuficientes.OscantospossuemindicadoresacústicosquepermitemaosouvintesTikmũ’ũnfacilmentedistinguirou categorizar o yãmĩyxop ao qual pertencem, e, ainda dentro de cada conjunto yãmĩyxop,distinguiremqueregiãoougrupodepovos-imagensseencontram,guardandoaomesmotempoelementosdistintivosentreeles.Nestecaso,umpossívelmovimentoanalíticoseriaodepartirdainvestigaçãosobreumprocessocontínuodemicrovariações.Noentanto,nãopodemosfalaraquidemotivos, células, temas, enfim, estruturasmelódicas, pensadaspela subjetividadehumanaeprestesaseremalteradas,desdobradas,desenvolvidas,variadas,reduzidas,ouampliadas.Nãosetrataportantode‘variações’.Quandobuscamoscompreenderoquedistingueumcantodeoutro,nos defrontamos imediatamente com o problema da sequência. Seria tal canto sempre omaispróximo,oquedeveriaestarnasucessãodooutroeportantoomais“parecido”comseuvizinho?O que promove a justa sucessão entre os cantos? Haveria um fio condutor, uma linha depassagem que guardaria elementos comuns e elementos variantes? Rosse dedicou sua tese dedoutoradoaavaliarosistemadediferenciaçãoesingularizaçãodoscantoskõmãyxop,umdestesgrandes complexos yãmĩyxop que citei acima. Realizou uma pesquisa etnográfica, acumulougravaçõesdestesciclosritualísticostomadasemmaisdeumaocasião,traduziuoscantoscomum

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dosmais reconhecidos pajés pelo conjunto das aldeias tikmũ’ũn e desenvolveu uma exaustivagrafiaanalíticadoscantosquefossetambémsensívelàmusicalidadedassuasestruturasfonéticas(Rosse2013).Oque resultadesteminucioso trabalho, alémda co-organizaçãoepublicaçãoemlivrobilíngueedvddos cantos (Rosse2011), é apropostadeumcaminhoanalíticoque, desdeseus fundamentos, não pressuponha a noção de síntese, de fio condutor, demotivo, ou temaprincipal:

Estamos diante de um sistema contrário à ideia de síntese. Cada série de transformações domaterialseabreaocontráriosobrenovastransformações,emumtipoderamificaçãoexponencialcuja terminação permanece aberta, o que ocasionaria um reforço da diferença. Cada pequenadiferenciação, ao invés de ser vivida como um detalhe a ser apagado em função de umahomogeneidade ideal, de uma identidade definitiva, é, ao contrário, ostensivamente cultivada emultiplicada.Adiferença,marcadapelaqualidadeparticulardeserdesenvolvidaapartirdeumagrande economia inicial, tem no entanto como objetivo, o de se generalizar e permanecer noestadoprecisodedivergência,oestadocríticodepassagementreo igualeooutro.(Rosse2013:28-29)2

Esteexercíciosupõeumdifícildeslocamento:dopressupostodeestarmosdiantedeobrascriadas,idealizadas,programadas,controladas,comoreflexosdopensamento,ourepresentaçõesdasubjetividade,devemos investirnaexperiênciadeumpercursoacústico—porumcanto,umasériedecantosoutodoumcicloritualístico—povoadodematériasativas,quereagementreelassemnecessariamenteserempensadas,processadasecontroladaspelasubjetividadehumana.Narealidade,nãoestamosaquiemumencadeamentológico,seguindoalgumprocessodeoposiçãoentre termos, ou emum sistema de derivação e desenvolvimento de temas, e sim transitandoentrequalidadesque,pordiferentesrazões,sãovizinhas(Tugny2011:198).Duranteestasnoitesdecantos,osyãmĩyxoppercorremcaminhos,estãoaqui,naaldeia,ealhures,emdeslocamentospor outros corpos e espaços. Os cantos são estes percursos, sãomatérias de saliência acústicaencontradaseproduzidas,servemaperscrutaroscorposeespaçosencontrados.Portanto,aindaque pertençam a regiões, a agrupamentos de povos-imagens, não existe ordenamento fixo edefinitivo,sucessõesunívocas.Nãoencontramostampoucoumprocedimentoestávelgeradordevariações. A diferenciação se faz por disjunções, desvios, e para cada distinção, age um novoprocedimentodediferenciação.

Passamos assim da noção de variação, para a noção de vicinalidade (Tugny 2011). Seriaesteumidiomaqueseaproximariaumpoucomaisdocomplexoconceitual—yãmĩyxop—sobreoqual tentamos refletirmais acima.QuandoosTikmũ’ũndizemqueos cantos sãoyãmĩyxop istoequivaleadizerqueestassubjetividadesquetantoosinteressamsãotambémmúltiplossujeitossonoros, dotados de agência e capazes de gerir seus processos de interafetação, alteração,alternação. Ao contrário dos cantos dos ãyuhuk, a acústica-yãmĩyxop chega e age entre osTikmũ’ũncomocoisasdomundo,parcelasdaplenitudedeseresdotadosdeagênciaepotênciaexpressiva,nãocomolinguagensqueestabelecemlaçosentresujeitosmascomosujeitos.

Podemosentãodizerqueoqueglosamoscomo“música”paraesterepertório,estetraço 2 Nossa tradução. “Nous avons affaire à un système contraire à l'idée de synthèse. Chaque série de transformations du matériel s'ouvre au contraire sur des nouvelles transformations, dans une ramification exponentielle dont la terminaison est laissée ouverte, ce qui revendrait à une positivation de la différence. Le moindre écart, au lieu d'être vécu comme détail à effacer en vue d'une homogénéité idéale, d'une identité définitive, est au contraire ostensiblement cultivé et multiplié. La différence, marquée par la qualité particulière d'être développée sur une grande économie initiale, a pourtant comme objectif de se généraliser et de rester sur l'état précis de divergence, l'état critique de passage entre le même et l'autre”.

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distintivodosãyuhukqueosTikmũ’ũnseexercitamapraticaremseusestadosde“virarbranco”,seinseredentrodeumaestruturaontológicaondeossujeitosseapartamdesuaslinguagens,ouomundo objetivo se aparta de suas formas de representação, ou ainda, a natureza se aparta dacultura.Aocontrário,aformacomoosTikmũ’ũnseinseremnocontextodosseusyãmĩyxop,aindaque tendo-os como sujeitos, não nos permite pensar sua acústica como uma linguagem, comorepresentaçãodesubjetividades.Capturarcantos,nossonhos,namata,naguerra,nafumaçadocozimentodeum inimigode guerra, na troca alimentar, é ter os cantos como coisa e atributo,alimentosepotência,sujeitoselinguagens,semdistinção.Nãotemosportantocomopensarumviésanalíticocujaagêncianãosejaaqueladoprópriocorpoacústico.Odesafioseriapensarestescantos, não como coisas criadas, como ideias que incidem sobrematérias,motivos trabalhadospelo espírito criativo e sim como instâncias, caminhos, e ao mesmo tempo como “estruturasOutrem” (Caixeta de Queiroz 2006: 27), sujeitos ou fragmentos de sujeitos encontrados. Aoencontrar estes sujeitos, os Tikmũ’ũn podemutilizar seus dispositivos acústicos e se postar emsituações de devir outrem, mas não por um processo de síntese, de junção de atributos, demodificaçãodeumpelooutro.Experimentardispositivossonorosdeoutremnãosignificapostar-se emalgum jogodeexposiçãoeoposiçãode temas,motivosou fórmulasprincipais, ondeummotivo seria afetadoe transformadopela forçadeoutro.Ao contrário, experimenta-seooutrocom toda a sua potência. Não se trata tampouco de uma recusa daquilo que nós ocidentaischamaríamoshipocritamentedeum“diálogocultural”.O interessepelooutrose faznamedidaem que sua alteridade permaneça enquanto tal. Assim, se ouvimos às vezes alguns velhos selamentarempelodesinteressedosjovenspelasatividadesemtornodacasadoscantos,trocandoestes momentos de partilha pelos forrós, é que a força atrativa destes ãyuhuk é potente osuficienteparaqueestesjovensinvistamcomintensidadeseutemponestatarefa.Masnãoéraroqueoslíderesdasbandasdetecladosejamtambémpromissoresaprendizesdospajésegrandescantoresdacasadoscantos.

Haverianestaacústica-yãmĩyxopumaestética,umagenciamentoespecífico,ondeoperaasomadequalidadesexpressivasdosmateriaissonoros,enãoprocessosdeconversãodeumsobreoutro.Estaquestãomusical,ecoanotemada“mistura”ou“hibridação”,presenteemetnologias,comoadeNunes(2014), realizadacomosKarajádeBuridina,povosde língua inỹrybè, tambémclassificadano troncoMacro-jê,nos seusmodosdepraticarapescaea confecçãodepeçasdeartesanato e de se entenderem como “misturados”. O pesquisador realiza uma análise sobrecomoasrupturascomosgestosdosmaisantigosexperimentadaspelosKarajádeBurudinasãoelaboradas por eles, propondo que a transformação, quando tomada a partir do pensamentoxamânico é sempre uma transformação total. Não se vira “cada vez mais branco”, mas ao seacionar um fragmento, um atributo expressivo, uma potência deste “ser branco”, aciona-se otodo.Contudo,seosKarajásedizempovos“misturados”,nãofalamaquideumprocessoondedeixamdeserkarajáparatransformar-segradualmenteembrancosesimpodemexperimentaracoexistência dos dois devires. O autor coloca como estamistura se conforma a uma noção deduplicidadedapessoaKarajá—inỹ—queseentenderepartidaemduasmetades,podendoseraomesmotempoinỹ(karajá)etori(branco):

Minha proposta é que a mistura pode ser descrita como a forma indígena da relação entre ospontosdevistaindígenaenãoindígena.Nela,osdois“lados”encontram-seconjugados,masnãofundidos: eles co-habitam em um mesmo sistema (uma pessoa ou um coletivo), mas não sefundem,dandoorigemaumterceiroelemento.Oresultadodesemisturarcomosbrancosnãoéumterceirotipodepovo,mestiço,mas,antes,umacomunidadeinỹcapazdeacessardoispontos

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de vistadistintos, inỹ e tori—voltemos à faladeKaritxỹma, citada acima, naqual ela sediz umaíndiaquetemduas“culturas”.Amisturanãoéumjogodesomazero,noqualganhardeumladoimplica,necessariamente,emperderdooutro;elaémaisbemuma“anti-mestiçagem”(Kelly2011[2016]), uma anti-hibridez, uma soma cujo resultado é uma unidade repartida entre os doiselementosgeradores.Amisturanãoéumentredois,nosentidodeumlugarintermediárioentreos mundos indígena e não indígena; ela não é um um, um dois sem intervalo, no qual, a cadamomento, só sepodeestaremumdos lados.Amistura é ambosos lados, semnunca sê-los aomesmotempo,elaéapossibilidadedeserambos.(Nunes2014:308)

Mestiçagem,anti-mestiçagem,misturarevirar

AdiscussãotrazidaporNunesinsere-senaesteiradeestudossobreaconversãoesobreocontatointerétnicoquepassaramaobservarestesfenômenosde“transformaçãocultural”entreospovosameríndiosapartirdasformulaçõessobreoperspectivismoameríndiodofinaldadécadade90(ViveirosdeCastro1996e2002;StolzeLima1996).Estesestudospropõemqueestassociedadesnãoseentendemcomoumcompostodesubjetividadesqueseagenciamemsuarelaçãocomumanaturezaúnica,maspostulamqueasnaturezassãomúltiplaseorganizamnasuamultiplicidadeaexperiênciadacultura(ViveirosdeCastro2002).Assim,seumatributodaculturaébeberjuntoocauim, o que muda é a natureza do cauim, de acordo com os corpos e mundos de onde seexperimentaogestodabebidacoletiva.Aorealizarumestudoentreospovoswari’daAmazôniaMeridional,AparecidaVilaçapropõequeentreospovosameríndios,asociologiaseriamuitomaisdaordemdeumafisiologia,supondoumradicaldeslocamentodosestudosdecontatointerétnicoqueformulamteoriasbaseadasemaspectosrepresentacionaisdasaçõesedassociedades:

É paradoxal, portanto, que os chamados estudos do contato interétnico relativos aos gruposameríndios focalizem, de um modo geral, a atenção na relação entre entidades socioculturais(grupos, instituições, indivíduos como “atores sociais” ou “sujeitos históricos”) e não entreagregadoscorporais.Dosestudospioneirosnalinhadosacculturationstudiesdaescolaculturalistaamericana até aqueles inspirados na noção de situação colonial de Balandier (1951 e 1971),passandopelos trabalhosdeDarcyRibeiro (1957e1996 [1970]), oque seenfatizaéoencontroentreentidadesdefinidasapriorinostermosdaontologiaocidental,comforteênfasenosaspectos“representacionais” da ação e da sociedade. Sendo assim, traços culturais passam de umasociedade à outra, como nos “estudos de aculturação”, ou instituições e atores concretos (masconcebidos em termos de “papéis sociais”) atuam como mediadores de complexas relações deconfronto entre grupos humanos que se concebem como culturalmente distintos (sem que lhesocorra indagar o que significa esse “culturalmente”), como nos estudos de fricção interétnicainiciadosporCardosodeOliveiraem1963econtinuados,apósreelaboraçõessucessivas,porseusalunos(verOliveiraFilho1988,54-59).Maisdoqueumdescasopelasricasetnografiasdosgruposameríndiosdisponíveisapartirdosanos1960,háumdescasopeloquepensamosíndios.Dequemodoelesconcebemadistinçãoentreosgrupos?Comoelesentendemomodocomoessecontatoacontece?Oqueessasetnografiasnosmostraméqueasociologiaindígenaéantesdetudouma“fisiologia”, de modo que, no lugar de “aculturação” ou “fricção”, o que se tem étransubstanciação,metamorfose.(Vilaça2000:65-66)

Osesforçosempreendidosno sentidodepensaras chamadas “culturas indígenas” como“dinâmicas”, e logo se demarcando criticamente de uma noção essencialista da cultura, queconsiderariam as misturas e os—hoje chamados—processos de “hibridização” como “perdasculturais”, se por um lado acompanham os movimentos de afirmação de povos indígenas,

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sobretudo aqueles que estiveram invisibilizados há mais tempo pelo processo colonialista, poroutro lado permanecem alheios à experiência deste encontro, desconsiderando as teoriasindígenassobresuastransformações.Destaforma,entendemoscomoNunespropõeanoçãode“mistura” tal qual os Karajá explicitam, como uma anti-hibridez, um processo em que o devirKarajáseacumula,sesobrepõeàpossibilidadedeumdevirbranco(tori).Nãosetrataportantodeumatransformaçãodaquiloquevemsendochamado“cultura”,esimdaaquisiçãodeumsegundopontodevista(Nunes2014:304).

O inspirador estudodeRomero (2015), revisitaos relatosde viajantesqueestiveramnapaisagemregionalquecompreendeosvalesdosRiosDoceeMucuri(MinasGerais)ondeviveramos povos Tikmũ’ũn após seus deslocamentos do sul e extremo sul da Bahia, bem como outrospovos indígenas.Propõe sobreelesuma reflexãoem tornodasguerras indígenasedasguerrascontraosindígenasquealisetravaram.Aleituradestesrelatosénorteadapelomesmocaminhoteórico que, ao postular uma noção indígena sobre a transformação, ou, neste caso, a noçãotikmũ’ũn sobre yãy hã, “virar”, modifica a narrativa da história colonial sempre tida como ahistória de um gradativo e inexorável processo de fusão ou assimilação dos povos indígenas àsociedadehegemônica.Opesquisadorseinteressasobretudopelosrelatossobreosmovimentosameríndios,que,apósperíodosdecontatoealdeamentocommilitaresoumissionários,repartiamparaasflorestasbuscandonovosespaçosdevidaselvagem:

Tenho em mente especialmente o problema da “reversibilidade” que tanto perturbava oscolonizadores quando se tratava de converter os indígenas ao sedentarismo, à lavoura ou aocristianismo.Sebemodemonstrei, suasmaioresdificuldadesnocumprimentodessespropósitosresidiam justamente na impossibilidade de que tais transformações operassem em um sentidoúnico ou que atingissem um termo final. Decididos a transformarem os índios (em “lavradorespobres”,“civilizados”,“cristãos”...)oscolonizadoresesbarravam,istosim,emideiasradicalmentediversas de transformação. Uma transformação que em vez de operar por fusão, síntese ouassimilaçãooperaporadição,multiplicaçãoesuplementação.(Romero2015:114)

O autor retoma relatos significativos destes movimentos tidos como de “conversão” e“reversão”quetanto incomodaramoscolonizadores.Considerandoaeloquênciacomqueestaspassagensrevelamsituaçõesqueaindaserepetemnoscotidianosdestespovos,astranscrevonaíntegra:

Oquepretendodestacaraquiésomenteque,seo“escândalo”diantedetaismovimentosparecetanto maior quanto mais recente eles são—isto é, quando já se presumia que estes coletivosestivessemhámuitoe irreversivelmentedesligadosdesuas“origenshistóricas”—movimentosde“conversão”e“reversão”foram,entretanto,umaconstantenoprocessodecolonizaçãodosvalesdoMucuri e RioDoce, como as fontes aqui revistas permitem concluir. Assim, não eramenor oincômodo dos missionários, comandantes, governadores, etc. quando testemunhavam que osíndios, mesmo após décadas aldeados, convertidos ou civilizados, frequentemente ossurpreendessemcominsuspeitadasreviravoltas:

“Muitos anos atrás, um rapazbotocudo foi presenteadoauma famílianaBahia. Essa família fezcomque seu protegido recebesse uma educação cuidadosa. Depois de haver concluído a escolapreparatória, para satisfação de seus professores, foi matriculado na Faculdade de Medicina.

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Contudo,umamelancoliaprofundamarcavaoseucaráter.Depoisdeterexercidoaclínicamédicadeformaautônomaporalgunsmeses,desapareceudaBahiarepentinamente,semdeixartraços.Váriosanosdepois,seuspaisdecriaçãoreceberamanotíciaseguradequeeletinhavoltadoparaasflorestasequeseguia,agora,osguerreirosdesuanaçãocomarcoeflecha,tendosedesfeitodesuasroupase,comisso,detodosostraçosdacivilização.”(Tschudi,2006[1866]:266)

Umaprovaaindamelhor,dequantoéforteasuasaudadedolaredomododevidalivreebrutodasmattas,foi-mefornecidapelahistoriadeumpadrenacomunidadedoRioPomba.EstepadreeraCoroadonatoque,emcreançatinhavindoparaobispoemMariannaqueoeducounointuitode dar aos índios um padre da sua própria raça, um pensamento que merece todo applauso.Effectivamente,onossoCoroadochegouaserpadree,condecoradocomohábitodeChristo,foimandadopara a comunidade converter os seuspatrícios.Durantemuitos anos, cumpriu elle ahiseudeverparagrandesatisfaçãodaegreja,quando,repentinamente,acordou-senelleavontadedemudarasuavidadepadreparaaqueelletinhalevadoemcreança.Despiuasotaina,deixouohabitodeChristoetudomaisefugiuemprocuradosseuspatríciosnús,entreosquaescomeçouaviver como eles, casou com varias mulheres e até hoje, ainda não se arrependeu damudança.(Freireyss,1901:247-8;Romero2015:71-72)

Écomumouvirmosaindahojeentreosresponsáveispordiferentesserviçosestataisjuntoaos Tikmũ’ũn, as frequentes queixas sobre a impossibilidade de se levar adiante o processoeducativoeaschamadas políticaspúblicas entreeles.Duranteumperíododeumanoemeiovimos chegar o programa “Luz para todos” trazendo fontes de energia elétrica nas aldeias e oprograma“Minhacasaminhavida”quepromoveuaaberturadeempréstimosquepermitiramaconstrução de casas de alvenaria. As aldeias tinham assim suas paisagens completamentetransformadaseosprópriosTikmũ’ũnpassaramachamarsuaaldeiapelomesmonomequedãoàscidadesvizinhas:“komêh”(comércio).Asnovascasaseramchamadas“casasdeãyuhuk”(casasde “brancos”). Chegarama iniciar a construçãodokuxex,a casaonde se realiza a chegadadosyãmĩyxop, em alvenaria. Esta casa é o local onde acontecem osmais importantes trânsitos naaldeia. Sua paredes de capim permitiam a permeabilidade sonora dos cantos destinados àsmulheres que não podiam penetrá-la com o olhar, e permitiam que os braços das mães dosyãmĩyxopo transpassassemparaentregaralimentos.Alémdisso,aestrutura levee improvisadadesta casa permitia que a cada momento de luto ela fosse desfeita em sinal de respeito aosparentes entristecidos e vulneráveis. Pareceu-me sempre necessário que o kuxex, a casa doscantos, fosse esta estrutura precária, sempre pronta a se desfazer. Este movimento detransformaçãodaaldeiaem“comércio” foiacompanhadodeumaexperiênciadecriaçãodeumgrupoquerealizavaserviçosdelimpeza,oudaconfecçãodecamisetasparaumgrupodejovensque atuariam como “Polícia federal”, bem como a instalação de uma pequena praça na aldeiaondeinstalaramumaestátuadeSãoSebastião(Tugny2011:71).Estaaldeiaagregavajáháalgunsanos um amplo contingente populacional raro entre os Tikmũ’ũn que geralmente formampequenas aldeias. Algumas famílias passaram a ter fogões a gás, armários, vasilhames e atémáquinas de fazer café. Em poucos meses um desentendimento entre o chefe desta aldeia emuitas famílias levou a metade destes moradores a abandonar suas casas e todos os objetosadquiridos e reconstruir uma nova aldeia de casas de capim em um local onde não haviaeletricidade e nenhuma casa de alvenaria. Assim, se havia em um determinado momento umempreendimentocoletivodetransformaraaldeiaemum“comércio”,viveremcasasdetijoloseusarobjetoscomprados,nitidamenteestandoelesinvestidosemum“virarãyuhuk”,voltaraviveremcasasdepalha, semeletricidadeesemobjetoscompradosnãoparecia ter sidovividopelos

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Tikmũ’ũn,comoumretornodeumalinhademãoúnica,ouumaanulaçãodaexperiênciadevirarbranco.

Romero (2015: 69) propõe, assim comoNunes (2014: 308) a noção de anti-mestiçagemcunhadapeloantropólogoJoséAntonioKelly(s/d[2016]),comoumcontrapontoteóricopolíticoàsideiasdeassimilação,mestiçagem,fusãoouaculturaçãotantopresentesnosestudosteóricosquantonosensocomum.Acelebrada“mestiçagem”,sobretudopelaselitesbrancas,consistenoprocesso em que a suposta mistura entre europeus, negros e indígenas realiza sobretudo oapagamento dos últimos pelos primeiros, inserida em um gradual e unívoco caminho queconsistiriaemdesativarassociocosmologiasnegrodescendenteseameríndiasemfunçãodeuminquestionáveldesejodevirarbrancoquedeveriaestarnabasedetodosospovos.

A noção de anti-mestiçagem permite reformular o debate com a introdução dasformulações indígenas sobre seus processos de transformação, reformulando as perspectivaspolíticas de debate em torno dos movimentos recentes considerados como de “emergênciaétnica”. Permite-nos nos posicionar na política indigenista a partir de umapolítica indígena.Oantropólogo Viveiros de Castro, por ter produzido um impacto às reflexões sobre astransformações indígenas, em um primeiromomento, quando postulou junto com daMatta eSeeger a centralidade do corpo e das trocas de fluidos na fabricação do parentesco ameríndio(1979), e posteriormente, quando, com Stolze Lima (1996) propõe a noção de “perspectivismoameríndio”(ViveirosdeCastro2002),acolhecomvivointeresseaquestãoda“emergênciaétnica”dos povos ameríndios, acusando o escândalo que tais ressurgimentos provocam para o sensocomum e sobretudo os setores da sociedade que seguem avançando sobre os territóriostradicionaisdospovosoriginários.Diantedohistóricodegenocídiodestespovosedoquadrodeenfrentamento cotidianoque sofrem, seja por seremdemasiado indígenas, seja por não seremmais indígenas, seja por ressurgirem enquanto indígenas, esta discussão, munida hoje doentendimento do que pode ser transformar-se para os povos ameríndios, parece crucial. Aoprefaciar a recente publicação sobre os Baré, povos considerados há muito tempo como“aculturados”,moradoresdecidadescomoSãoGabrieldaCachoeira,ViveirosdeCastroformulaasseguintesquestões:

Comosobreviveratalmetódicoetnocídio,melhor,comoressurgirapartirdele,comorefazerumpovo? Como recuperar amemória e reinventar um lugar no interior do estranho, do estreito einstávelintervaloentre“índios”e“não-índios”queoraseabre,orasefechaparaospovosnativosdocontinente?(ViveirosdeCastro2015)

O que o antropólogo saúda nesta publicação é justamente este movimento de anti-mestiçagem, de reversão da história colonial cuja potência estaria latente no complexo tecidosocial brasileiro.Compreenderdesta formaestesmovimentos, seria ampliar asnarrativas sobrenossahistóriaeconsequentementenossasexpectativasdefuturo:

A exemplaridade não consiste no compartilhamento de uma mesma triste narrativa dedesindianização—de captura por uma fraudulenta e falida empresa de “civilização”—, mas nacapacidadederesistir,reagir,inverteressanarrativa,mostrandoaochamado“povobrasileiro”queeleé,poiscontinuaaser,umamultiplicidadetantopatentecomolatentedepovosemestadodevariaçãocontínua,queelecontémuma imensa reserva inconscientedediferençacapazdegerarmuitos outros futuros que este comquenos acenam, este queos poderosos determinam como

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sendooúnicopossível,oúnicodesejável,emesmocomooúnico,puroesimples,poisestaria jápresentificado.(ViveirosdeCastro2015)

Aabrangênciadestedebate foimuitobemcolocadapela jornalistaElianeBrum,quandoevoca a situação atual de vulnerabilidade dos poucos direitos constitucionais adquiridos pelospovosindígenasnaConstituiçãode1988,quandopelaprimeiravezoEstadobrasileiroreconheceuseu direito à diferença. Hoje, o debate sobre a dita “assimilação cultural” passa a ser uma dasarmasdoEstadocontraospovostradicionais—indígenasequilombolas—nadisputapelaterraepelos recursosnaturais.A jornalistadenunciaesta lógicaetnocêntricaquepartedapremissadequequalquerdevirpossíveléodetornar-sebranco:

Nada émais autoritário do que dizer ao outro que ele não é o que é. Essa também é parte daofensivadeaniquilação,aoinvocarafalaciosaquestãodo'índioverdadeiro'edo'índiofalso',comoseexistisseumaespéciede 'certificadodeautenticidade'.Essaestratégiaéaindamaisvilporquepretendeconvenceropaísdequeospovos indígenasnemmesmoteriamodireitodereivindicarpertencer à terra que reivindicam, porque sequer pertenceriam a si mesmos. Na lógica doexplorador, o ideal seria transformar todos em pobres, moradores das periferias das cidades,dependentes de programas de governo. Nesse lugar, geográfico e simbólico, nenhum privilégioseriacolocadoemrisco.Enãohaverianadaentreosgrandesinteressessemnenhumagrandezaeoterritóriodecobiça(Brum2014).

Este debate dialoga diretamente com os temas da relação de sobrevivência entre osTikmũ’ũn, seu repertório acústico e os yãmĩyxop, ainda que não estejam eles entre os povosemergentes e ainda que não se importem tanto em demonstrar nos encontros de políticasindigenistasasmarcasdesua“indianidade”.Estes,seguemsábiosepotentescomseusyãmĩyxop,imersosemsuaacústicaoperante,curiososcomasalteridadesqueencontraram,oraguerreando,fazendo aliados, promovendo repastos e avaliações culinárias, calibrando as distâncias,amansandoosinimigoseseguindoemseudevirtikmũ’ũn.Seestedevirexistecomoformaperenedegarantirasobrevivênciadestepovo,elesedeveaofatodequeelesvivemesobrevivemcomosyãmĩyxop. Portanto, encerro este texto com as inspiradas palavras de Romero, com as quaisbelamenteconcluiuseutrabalhosobreaerráticatikmũ’ũn:

OfatodosTikmũ’ũnestaremháséculosconvivendobemdepertocomosbrancoseseremaindahoje detentores de um repertório linguístico e musical próprios, além de exímios caçadores eguerreiros costuma frequentemente despertar um misto de surpresa e fascinação em seusinterlocutores.Comosobreviveram?—aquestãovezououtrareaparece.Nãointento,obviamente,respondê-la,mascreioserpossível(etalvezdesejável)reformulá-la,poisàluzdoquetenteiproporaqui, não se trata tantode indagar comoosTikmũ’ũnpuderammanter-se iguais aoque sempreforam—comosedissosetratasse—massimcomopuderam,apesardeviveremhojenummundoarrasado,manteremaçãoosseusmodosdetransformaçãoediferenciação,istoé,seusmodosde“perseverar em seu devir-tikmũ’ũn”. E, se como insisti, estesmodos de transformação parecemmesmoindissociáveisdosYãmĩyxop, talvezentãodevêssemosestardispostosaconsiderar,quemsabe,queosrituais(chamemo-nosassim)nãosomente“sobreviveram”comosTikmũ’ũncomoosTikmũ’ũnsobreviveramcom(istoé,“atravésdos”)rituais.(Romero2015:115)

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RosângelaPereiradeTugnyéprofessoradaUniversidadeFederaldoSuldaBahia(UFSB),emPortoSeguro,pesquisadoradoConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico (CNPq)e integrantedoInstituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCT). Realizadesde2002pesquisassobreoscantosdospovosameríndiosecoordenaogrupodepesquisas“Otrabalhodamemóriaatravésdoscantos”.Realizouemcoautoriacomosespecialistastikmu’unalgunslivros/dvdsefilmesbilínguesdetraduçãodeseusrepertóriosmíticospoéticosemusicais,bemcomopublicou livroseartigos que envolvem o tema da música e xamanismo, da diversidade musical e dos cantos dos povostikmu’un.

Contato:[email protected]

CitarecomendadaTugny,RosângelaPereirade.2016.“Sobrevivercomoscantos:discussõessobre“mistura”,“variação”etransformaçãonaestéticaTikmũ’ũn”.TRANS-RevistaTransculturaldeMúsica/TransculturalMusicReview20[Fechadeconsulta:dd/mm/aa]

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