STELA BARBIERI · 2018. 3. 23. · Stela Barbieri Stela Barbieri é artista, curadora e consultora...

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STELA BARBIERI

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  • STELA BARBIERI

  • STELA BARBIERI

  • Stela Barbieri Stela Barbieri é artista, curadora e consultora nas áreas de educação, artes e literatura. É conselheira da Fundação

    Calouste Gulbenkian desde 2012. Foi curadora educacional

    da Bienal de Artes de São Paulo (2009-2014) e diretora da

    Ação Educativa do Instituto Tomie Ohtake (2002-2014).

    É assessora de artes na Escola Vera Cruz, onde começou

    a trabalhar como educadora em 1988, autora de livros

    infantis e contadora de histórias. Dirige o Bináh Espaço

    de Artes, um ateliê vivo, com laboratórios experimentais,

    palestras e cursos.

  • SÓNONÓS

    2016

  • Stela BarBieri, 2016. SónonóS

    Centro BraSileiro BritâniCo, São Paulo-SP

  • PROJETO LUGARES

    2014 - 2015

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar Para Criar ePaÇoS

    SeSC São CarloS-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar Para Criar ePaÇoS

    SeSC São CarloS-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar Para ConStruir

    SeSC Bauru-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar Para ConStruir

    SeSC Bauru-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar Para ler

    SeSC São CarloS-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar Para ler

    SeSC São CarloS-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar Para Plantar

    SeSC oSaSCo-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar Para Plantar

    SeSC oSaSCo-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar De CoMBinaÇõeS líquiDaS

    SeSC São CarloS-SP

  • Stela BarBieri, 2014

    lugar De CoMBinaÇõeS líquiDaS

    SeSC São CarloS-SP

  • Stela BarBieri, 2015

    lugar Para DeSenHar

    SeSC BelenZinHo-SP

  • Stela BarBieri, 2015

    lugar Para DeSenHar

    SeSC BelenZinHo-SP

  • Stela BarBieri, 2015

    lugar Para SeMear

    SeSC BoM retiro-SP

  • Stela BarBieri, 2015

    lugar Para SeMear

    SeSC BoM retiro-SP

  • Stela BarBieri, 2015

    Para Ver a PaiSageM

    ofiCina Cultural oSwalD De anDraDe-SP

  • Stela BarBieri, 2015

    Para Ver a PaiSageM

    ofiCina Cultural oSwalD De anDraDe-SP

  • Stela BarBieri, 2015

    DeSfrutar

    ofiCina Cultural oSwalD De anDraDe-SP

  • Stela BarBieri, 2015

    DeSfrutar

    ofiCina Cultural oSwalD De anDraDe-SP

  • EXPOSIÇÕES RECENTES

    2013 - 2016

  • Stela BarBieri e fernanDo Vilela, 2016. PaiSagenS gráfiCaS

    Centro Cultural Porto Seguro, São Paulo-SP

  • Stela BarBieri, 2014. VórtiCe

    Central galeria De arte, São Paulo-SP

  • Stela BarBieri, 2013

    CirCuito De narratiVaS líquiDaS

    Central galeria De arte, São Paulo-SP

  • Stela BarBieri, 2013

    CirCuito De narratiVaS líquiDaS

    Central galeria De arte, São Paulo-SP

  • INSTALAÇÕES

  • Stela BarBieri, 2001

    PaiSageM PaSSa ageM

    interCâMBio

    arka kullturwekStatt e. V.

    eSSen e HageM - aleManHa

  • Stela BarBieri, 1999

    SeM título

    galeria Valu oria

    São Paulo - SP

  • Stela BarBieri, 1999. SeM título

    galeria Valu oria, São Paulo - SP

  • Stela BarBieri, 1998

  • Stela BarBieri, 1998

  • Stela BarBieri, 1990

    Centro Cultural São Paulo-SP

  • Stela BarBieri, 1991

    MaM, São Paulo - SP

  • Stela BarBieri, 1990

    Centro Cultural São Paulo-SP

  • Stela BarBieri, 1990

    Centro Cultural São Paulo - SP

  • Stela BarBieri, 2005

    aguaDaS

  • Stela BarBieri, 1990. SeM título

    Centro Cultural São Paulo - SP

  • Stela BarBieri, 2005. SeM título

    ViDroS, água e Corante

  • Stela BarBieri, 2014.

    lugar De CoMBinaÇõeS líquiDaS

    SeSC Bauru-SP

  • Stela BarBieri, 2003. Banquete

    MuSeu De arte De riBeirão Preto - SP

  • Stela BarBieri, 2004

    SeM título

    eSPaÇo Cultural BM&f,

    São Paulo - SP

  • Stela BarBieri, 2007. SeM título

    Centro Cultural São Paulo - SP

  • Stela BarBieri, 2005. SeM título

    DeSenHoS CoM graVetoS

  • Stela BarBieri, 2007

  • DESENHOS E LIVROS DE ARTISTA

    2009 - 2014

  • Stela BarBieri, 2010. liVro De artiSta

  • Stela BarBieri, 2010. liVro De artiSta

  • Stela BarBieri, 2014. liVro De artiSta

  • Stela BarBieri, 2007

    liVro De artiSta

  • Stela BarBieri, 2014. liVro De artiSta

  • Stela BarBieri, 2008. liVro De artiSta

  • Stela BarBieri, 1999. MonotiPiaS

    galeria Valu oria, São Paulo-SP

  • Stela BarBieri, 2002

    geniuS loCi – o eSPírito Do lugar

    Maria antônia, São Paulo - SP

  • TEXTOS CRÍTICOS

    2014 - 2015

  • ESPAÇO DE AÇÃO

    Agnaldo Farias

    O Projeto Lugares, de autoria de Stela Barbieri, neste momento

    compreende cinco de suas obras: LUGAR PARA LER, LUGAR PARA

    DESENHAR, LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS, LUGAR PARA

    CRIAR ESPAÇOS e LUGAR PARA SEMEAR. Poderia compreender outras,

    todas elas relacionadas com o variado espectro de ações, conceitos,

    materiais e territórios – disciplinares e poéticos – praticados pela artista.

    A recorrência do termo lugar, denominador comum de todas as obras

    pertencentes a esse projeto, algumas já realizadas, outras a serem

    inventadas, explica o foco de sua investigação: a produção de espaços

    dotados de qualidades específicas.

    O conceito de espaço, em que pese seu uso generalizado, traz con-

    sigo uma herança fortemente abstrata. Com as raízes fundadas na

    geometria analítica, o espaço concerne à ideia de coordenadas, de

    posição, sem qualidades, homogêneo, branco e preciso como grande

    parte da arquitetura moderna. Stela repele drasticamente esse con-

    ceito e as imagens que lhe são correlatas.

    Num mundo cujo grande avanço tecnológico gera, em contrapartida,

    a perda de experiência, o contato direto e consciente com fenômenos,

    coisas e processos, é necessário, imprescindível, tomar providências. É

    preciso fazer com que as pessoas se deixem ensinar pelas coisas, saber

    delas, saber de si por meio delas. Urge fazer com que seus sentidos

    alimentem-se de parte do universo oferecido pelo mundo sensível

    para que o ser seja irrigado, para que a sensibilidade, a imaginação e a

    expressão se levantem.

    As providências de Stela são, desta vez, obras-oficinas, um dos pontos

    culminantes de sua trajetória, e que consistem na construção de luga-

    res, sítios potentes, acolhedores, desafiadores, cuja luminosidade da

    artista – que orquestra a situação, que propõe o campo a ser revolvido,

    que oferece os modos de trabalhá-lo sob a forma de um jogo, com

    regras, materiais e dispositivos para que qualquer um possa jogá-lo

    – combina-se com a dos visitantes ou – como diria Lygia Clark, com

    quem nessa série de trabalhos Stela faz eco – dos agentes.

    Cada um dos LUGARES propostos é um espaço de ação e sonho, de

    engenharia e poesia, de contato corporal e afetivo, de decisão e intuição.

  • LUGAR PARA LER

    Ler é uma ação semelhante a viajar, com a diferença que é imóvel. O

    leitor, qualquer um, é como um viajante imóvel. Não foi assim que

    Cioran cunhou Jorge Luis Borges, o grande escritor argentino, diretor

    da imensa Biblioteca Nacional de Buenos Aires, tema de vários de seus

    contos labirínticos, que mesmo cego jamais deixou de escrever?

    Associamos leitura com livros e é normal que o façamos. Afinal, desde

    a invenção da imprensa o mundo foi povoado por esse objeto, esse

    meio de transporte portátil que nos leva enquanto nós o levamos para

    casa, para o sofá, para a cama, para a escola, para todos os lugares

    para os quais viajamos, pois nada como a companhia silenciosa de um

    livro. Uma companhia rigorosamente à mão.

    Livros trazem dentro de si, entranhados, textos de toda ordem, teorias,

    narrativas, geografias e histórias íntimas, distantes, plausíveis, extraor-

    dinárias. O que pode caber nesse pequeno objeto denso, espesso,

    composto por folhas secas, empilhadas, coladas em uma das bordas?

    Virtualmente tudo ou quase tudo (deixemos uma larga e infinita mar-

    gem para todos os livros que ainda serão escritos).

    Se é fato que quase tudo pode caber num livro, apresentado sob a

    forma de ilustrações, esboços, desenhos e... letras, o mais abstrato dos

    signos; se o jogo das cifras tingindo as páginas quadrangulares alimen-

    ta-nos a imaginação, isto deveria servir de lição sobre outras formas de

    leitura. E não é fato que se fala sobre o “livro do mundo”?

    Mais importante que o livro, essa máquina preguiçosa, é o leitor, que

    é quem a coloca em movimento. Aprender a ler não é algo que se

    reduz a uma língua, mas que se estende a tudo. Tudo o que há, feito

    ou não pela mão do homem, está à espera de ser decifrado, porque

    assim desejamos, porque não conseguimos resistir a esse impulso. Da

    palavra escrita à direção do vento, do mais prosaico dos objetos a

    uma foto enviada pelo Hubble, tudo conta uma história, de tudo se

    desprende um aroma. Aliás, até um aroma enuncia sua fonte que, em

    alguns casos, enraíza-se em nossos afetos.

    Com mesas e bancos, com a coleção de livros de autoria da própria

    artista, com uma vasta oferta de materiais, LUGAR PARA LER é um

    espaço de expansão da leitura, na medida em que não só convida

    à leitura, mas à produção de narrativas, até mesmo narrativas

    enigmáticas, aquelas cujo conteúdo não alcançamos entender. Pois,

    considerando as sucessivas incompreensões cotidianas, a leitura de

    nossas ações nem sempre coincide com o que desejávamos. Somos,

    constantemente, lidos sob óticas surpreendentes. Então, que tal

    produzir um livro cuja compreensão nos escape, mas que pode fazer

    sentido para os outros?

    LUGAR PARA DESENHAR

    Desenhar é ver o mundo de perto, escrutinizando seus detalhes, con-

    tornos e estrutura, bem como projetando um mundo desde dentro,

    exteriorizando-o por meio de um esboço, uma cifra sobre uma folha

    de papel ou parede de caverna, ou ainda realizando uma construção.

  • Embora admitido como fonte das várias expressões humanas, afinal

    todos nós, artistas e não artistas, projeta ou anota ideias sob a forma

    de rabiscos, garatujas, esboços, o desenho que comumente é exposto

    nas paredes de museus e galerias é aquele considerado um fim em si

    mesmo, e não parte de um processo mais longo e intrincado.

    Desenhar, porém, tem a ver com olhar, comentar, registrar, lançar uma

    ideia, tanto em estado mais avançado quanto em condição larvar.

    Equivale a se colocar em relação a algo, esteja ele diante de nós, agora,

    ou venha sob a forma de lembrança, ou ainda como a tentativa de

    tradução de um relato, como o célebre desenho de um rinoceronte que

    Dürer fez a partir de uma descrição. Desenhar também é uma maneira

    de se lançar ao futuro, abrindo-se à imaginação e à impossibilidade. Em

    qualquer caso, desenhar é ampliar a subjetividade.

    LUGAR PARA DESENHAR defende e aprofunda essa perspectiva, esse

    modo de entendimento do desenho, lembrando que além do papel

    jogado por essa prática nos variados processos de cognição e expressão

    de que nos valemos, internos ou externos à arte, desenhar concerne ao

    modo como nos organizamos no mundo, dele tomando a matéria-prima

    com que construímos espaços, estabelecemos ritmos e estruturas.

    Desde o princípio de sua trajetória, Stela Barbieri, afeita que sempre

    foi aos materiais, combinou desenhos realizados com lápis e pincéis

    sobre papéis e tecidos, com um elenco variado de materiais, orgânicos

    e não orgânicos, eventualmente articulados. Da clássica situação do

    lápis premido pelos dedos da mão apontados para a superfície de papel

    ou de pano, a artista lançou-se às lãs encharcadas de tinta jogadas

    contra a parede, as membranas produzidas por folhas de papel celofa-

    ne endurecidas com cola, estruturadas com fios metálicos, apoiadas e

    dispostas no ambiente expositivo.

    LUGAR PARA DESENHAR propicia a prática do desenho em suas várias

    versões, da escala intimista do que se produz com os dedos até aquele

    que se obtém por intermédio do corpo.

    LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS

    Analisar um material, manipulá-lo, compreender paulatinamente suas

    peculiaridades, seus comportamentos, seu temperamento, sua aparên-

    cia, o modo como se relaciona com outros materiais, seu envelhecimento,

    suas vontades, algumas delas ocultas, que só se dão a ver após estudos

    demorados, equivale a introjetá-lo, transformar-se nele da mesma forma

    como, no dizer de Camões, o amador transforma-se na coisa amada.

    LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS é um convite ao envolvimento

    detido sobre a água, o líquido primordial, um ensejo à aprendizagem

    de algumas das lições que ele oferece. É também uma curiosa cons-

    trução situada entre um laboratório químico, um centro de pesquisas

    hidrológicas e um jardim aquático cujas florações coloridas, plantadas

    pelos frequentadores, têm o formato de recipientes duros, como gar-

    rafas e frascos de vidro e porcelana, macios, como tecidos porosos ou

    sacos plásticos, quase tudo transparente ou branco, estratégia para

    evidenciar algumas de suas propriedades mais distintivas.

  • Vive-se graças à água. Não há dia que passemos sem ela, o que não

    significa que atentemos para o seu alcance, sua profundidade material

    e simbólica, maior, muito maior, que a imensa importância que lhe

    consignamos. Assim somos hoje: sabemos das coisas, mas nos recu-

    samos a vivenciá-las; sabemos abstratamente, e quando chove nos

    apressamos em abrir os guarda-chuvas.

    É mesmo surpreendente a extensão da presença da água, sua ubiqui-

    dade, sabê-la compondo a maior parte do nosso corpo, fluir e espraiar-

    se pelas teias capilares, ao mesmo tempo em que se esparge pelo ar,

    umedecendo-o ou, quando em grande volume e consoante as condições

    ambientais, condensando-se, vertendo sobre o chão ou jorrando do seu

    interior, escorrendo desatadamente, enamorada que é da gravidade, até

    acomodar-se em lagos, poças, lâminas finas cuja sensibilidade se denun-

    cia pelo modo como reage à brisa que lhe roça a superfície.

    LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS retrata a doce submissão da água

    assumindo o corpo do frasco que a contém; retrata também o desejo

    voraz e incontido por tudo que há, da chuva à mucosa dos pântanos,

    de como encharca os tecidos e refresca o barro, mantendo-o maleável.

    Mostra ainda a solubilidade da água, do poderoso dissolvente que é.

    E talvez justamente porque seja inodora, insípida e incolor, esgarça o

    torrão de pigmento de terra, toma para si o bocado de tinta pastosa

    grudada no pincel, ávida da cor que ele carrega.

    LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS

    Linhas, pontos, planos em tamanhos, formatos, texturas e cores varia-

    das... O que é preciso para se produzir espaços no espaço plano da

    superfície de uma folha de papel? Linhas e pontos são balizas para os

    olhos, elementos que os atraem e os guiam pelo interior de corredores,

    umbrais, acontecimentos sutis, imperceptíveis ou não, situações ruido-

    sas, tensas, crispadas, quando é o caso do gume de uma linha eriçar-se,

    quando o ritmo dramático de planos hachurados agem como redes

    de captura, deixando que os olhos momentaneamente se debatam

    como peixes vivos. E quando vêm as cores, o desenho ilumina-se em

    atmosferas variáveis; planos, linhas e pontos irradiam-se, exaltam-se,

    escapam de si, contaminando as presenças próximas com seus hálitos

    e suas sonoridades, que podem ser discretos ou agressivamente ácidos.

    Stela Barbieri desenha com lápis, pincéis, papéis, mas também com

    tesouras, estiletes, gravetos, arames, cola, tecidos e o que mais enten-

    der na construção de espaços. E se o papel foi seu ponto de partida,

    não se pode saber qual será seu ponto de chegada, pois o volume

    espacial de uma sala qualquer é mais do que suficiente para ela inven-

    tar uma miríade de ambientes, para que ela ponha em movimento sua

    capacidade de compor espaços.

    É assim com LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS, obra polimórfica, caleidos-

    cópica, fundada em cores quentes – vermelho, nesse caso –, estacas de

    madeira passíveis de serem encaixadas entre si e num piso preparado

    precisamente para esse fim, com tecidos fazendo as vezes de paredes e

  • tetos, percorrendo alturas, deslizando em quedas de velocidade variável,

    acomodando-se, lisos ou enrugados, em soluções com a mesma ternura

    das cabanas que, nos dias de chuva, fabricávamos nas salas de nossas

    casas com lençóis e almofadas, ou, melhor ainda, nas barracas mais

    duradouras que erguíamos em quintais sob as árvores, as casinhas onde a

    vida, regada pela imaginação, era tão intensa e feliz que mal conseguía-

    mos suportá-la.

    LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é uma obra e um sonho ofertado pela artis-

    ta para que todos, crianças e adultos, exercitem a produção de espaços.

    Eles vão chegando e organizando suas afetuosas clareiras de aconchego,

    construindo casas dentro de casa: uma cidade cambiante, tomando para

    si os materiais, empreendendo com mãos e corpos, decidindo juntos a

    feição do lugar que querem para si, o espaço cálido, mergulhado numa

    penumbra avermelhada, no qual, entre as risadas de cristal das crianças,

    conversarão e brincarão por um momento esquecidos do mundo lá fora.

    LUGAR PARA SEMEAR

    Em 1990 Stela Barbieri expôs numa mostra coletiva realizada no Paço das

    Artes, em São Paulo, um trabalho composto por feijões espalhados sobre

    uma área retangular constituída de camadas de algodão e que ocupava

    uma parte da sala expositiva. Durante a abertura, alguns de seus colegas

    artistas comentavam discretamente que aquilo não poderia ser conside-

    rado propriamente uma obra de arte, uma vez que o autor não podia

    controlar o resultado. A artista, indiferente ou apenas alheia às ressalvas,

    visitava diariamente a exposição com o propósito de regar o campo-alvo,

    garantindo que os feijões vicejassem. Como era de se esperar, em pouco

    tempo os delicados talos foram rompendo a trama espessa do chão claro

    e macio, erguendo-se vívidos, com os bulbos nas extremidades semelhan-

    tes a olhos curiosos.

    Com o passar dos dias, o ritmo alternado das aguadas e ressecamentos

    foram assentando as camadas do algodão, cada vez mais borrado pelo

    crescimento dos feijões, sobretudo pelas raízes que iam se fincando e se

    espalhando subterraneamente de modo a garantir a firmeza da plantinha.

    O apodrecimento progressivo do campo cultivado praticamente coincidiu

    com o auge dos feijões. O desenho desencontrado dos caules e raízes, o

    grafismo nítido de marrons-claros e tonalidades de verde, sobreposto às

    fibras brancas cada vez mais embaciadas por uma coloração ferruginosa,

    garantia que a obra, do primeiro ao último dia de exposição, fosse se

    metamorfoseando ininterruptamente.

    Até onde sei, essa foi a primeira vez que a artista exibiu um trabalho

    orquestrado por ela, mas realizado em associação com a natureza, uma

    coautora cujos princípios nem sempre logramos entender.

    LUGAR PARA SEMEAR consiste no coroamento desse processo fundado

    na compreensão do artista como aquele que catalisa, ou dá a ver, pro-

    cessos naturais, como as pequeníssimas, imperceptíveis, aos nossos olhos

    de natural desatentos, explosões ocorridas no âmbito da natureza, sob a

    forma das sementes que explodem, desentranhado as carnes e cores com

    que conquistarão o espaço.

  • O vidro ovalado em cujo interior repousa um tesouro de semente mínimas,

    irrequietamente coloridas, o tubo cilíndrico preenchido com água e uma

    planta verde delicada, filiforme, arranjada num desenho helicoidal, são

    exemplos de como os mistérios e as maravilhas do mundo vegetal podem

    ser, ao menos parcialmente, revelados.

  • VER COM AS MÃOS

    Julia Buenaventura

    Nada mais irritante do que sair com um guarda-chuva comprido num

    dia ensolarado. O cidadão caminha com o instrumento como quem

    leva um estranho pacote, sendo atrapalhado pelos menores obstáculos,

    por portas e catracas, e, mais ainda, tendo de superar a adversidade

    com uma mão a menos: aquela que leva o fardo. Uma vez em casa,

    só lhe resta reclamar: Ah vilão, se não tivesse te levado, teríamos tido

    o dilúvio!

    Porém, convido-os a não agir tão severamente com aqueles guarda-

    chuvas, pois eles emprestam um serviço particular e valioso, isto é, nos

    ensinam a ver com as mãos. De fato, eles oferecem notícia dos objetos

    a distância com um rigor muito maior que o dos olhos, pois estes

    costumam errar: às vezes, julgam o macio por duro ou acham suave

    o que é áspero. Enquanto o tato é infalível. Jamais chega se enganar.

    Cada fenda, cada mudança de calçada, cada desnível do chão é reve-

    lado em detalhe. As crianças sabem bem disso. Não é por acaso que

    gostam de arrastar galhos pelas paredes: eles oferecem informações

    fundamentais sobre a textura e a dureza e, mais ainda, se porventura

    aparecer uma grade, dão conta – com o compasso – do tempo que

    implica o percurso.

    Uma das chaves para entrar na obra de Stela Barbieri está em com-

    preender a experiência como um problema sensorial, isto é, os canais

    e a forma em que sentimos o mundo. Assim, o trabalho desta artista

    é um convite ao visitante para explorar seus próprios mecanismos de

    percepção e suas interações. Um exercício que só é possível porque Stela

    se recusa a propor o olho como rei dos sentidos, rompe essa hierarquia

    tipicamente ocidental, revelando as relações entre a visão e outros dispo-

    sitivos sensoriais, especificamente o tato. Daí seu trabalho com líquidos,

    fluidos, com minerais triturados, com materiais flexíveis que dão conta

    tanto da pressão quanto do peso e – como explicarei mais adiante – com

    determinadas cores.

    Em suas intervenções no Sesc, Stela Barbieri propõe o Projeto Lugares.

    Peças que, longe de se constituir em objetos a serem contemplados, se

    abrem como espaços a serem experimentados, vivenciados e, mais ain-

    da, transformados pelos visitantes, que terão a possibilidade de brincar

    com os materiais, jogar com os elementos. Isto é, terão a possibilidade

  • de conhecer, assunto que só é possível através da experiência. A outra

    classe de conhecimento, essa tão explorada em universidades e escolas,

    aquela que consiste em repetir algo que um outro já disse, é esquecida

    na hora. Assim, aqui temos obras-experiências que justamente aconte-

    cem no tempo do visitante, quando este perde a compostura própria

    de um hóspede e, tornando-se membro da família, começa a mudar a

    casa; o que é, em resumo, o convite de Barbieri.

    LUGAR PARA CONSTRUIR é composto por dois elementos princi-

    pais: madeira e diversos objetos de espuma. O primeiro elemento é

    estrutural. Assim, ao modo de uma coluna vertebral, encarrega-se

    de encadear o espaço, articulando o conjunto. Os outros objetos são

    cubos de espuma de uma densidade média e pranchas de espuma

    densa; artefatos a serem movimentados com facilidade; a espuma

    é leve e é mole, poderá ser carregada e em caso de queda não vai

    afetar ninguém, nem sequer a si própria. A espuma absorve a força, é

    flexível ao mundo, pode mudar a forma para depois recuperá-la sem o

    menor inconveniente, condições que a contrapõem às estruturas. Com

    efeito, nesse espaço, temos dois objetos de categorias diversas: aqueles

    constituídos por tábuas, imóveis, e aqueles feitos de espuma a serem

    movimentados, deslocados.

    Um lugar em que visitantes-familiares ficam à vontade; podem mexer

    e, como seu nome indica, construir. Levantar uma casa, uma passagem

    e, nessa experiência perceber, já não tanto as dimensões dos objetos e

    do espaço, mas suas próprias dimensões: a que altura está sua cabeça;

    quão longe de seu nariz se encontra seu dedo mindinho.

    A segunda intervenção, LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS, consiste

    numa sala com estruturas feitas de metal, mesas, objetos de vidro e

    cores. As estruturas metálicas vêm do desenho, dos esboços que Stela

    tem realizado durante anos em seus cadernos de estudo. Assim, mais

    do que tubos, são traços de nanquim que abandonaram a página,

    se tornaram volumes, corpos no espaço, mas sem perder a condição

    de risco. Sua cor específica: um preto opaco, que rejeita qualquer

    brilho, e seu caráter não industrial, não homogêneo, enfatizam essa

    característica.

    Completamente distinto de LUGAR PARA CONSTRUIR, agora nos

    encontramos numa espécie de laboratório químico com mesas e

    prateleiras para a realização de testes; e massas de algodão e um

    líquido laranja em recipientes de vidro, como materiais de estudo. De

    fato, emprego a palavra laboratório porque se trata de um lugar que

    não é semelhante ao mundo, mas está regido por regras específicas,

    estabelecidas a partir da cor. Um lugar onde o preto, o branco e o

    laranja são os únicos tons aceitos.

    A preocupação com a cor é uma constante no percurso de Stela

    Barbieri. Várias obras anteriores, desde a década de 1990, têm assu-

    mido a cor como problema fundamental. Dessa forma, a escolha do

    preto, do laranja e do branco para essa instalação não é um acaso; vem

    de pesquisas anteriores com o urucum – semente de um laranja inten-

    síssimo –, o extrato de nogueira e o nanquim – pretos por excelência –,

    e o algodão – imagem do branco. Em resumo, materiais em que a cor

    é fundamental, intrínseca.

  • Na Metafísica, Aristóteles afirma que existem duas classes de ser. A pri-

    meira quando declaro: isto é uma laranja; a segunda quando digo: isto

    é laranja. Concordaremos que, no primeiro caso, estou dando conta do

    objeto, a fruta, enquanto no segundo, de uma qualidade – atributo ou

    acidente – dessa fruta. No entanto, Stela Barbieri não gosta de trabalhar

    os atributos como acidentes, mas como substâncias em si, de modo que

    uma cor determinada ou uma caraterística específica vira um objeto.

    Logo, não é a coisa a encarregada de possuir determinada característica;

    é a característica que acaba convertida em coisa. Assim, se o habitual é

    afirmar: “Este líquido é laranja”, numa instalação de Barbieri, vamos ter

    que colocar a frase de cabeça para baixo, afirmando: “O laranja é este

    líquido”. Igualmente acontece algo que eu já vinha pressentindo: não é

    que o nanquim seja preto; é que o preto é o nanquim.

    Em resumo, a qualidade toma o lugar da coisa, o adjetivo vira substan-

    tivo, o atributo se converte em substância. Troca de papéis que conduz,

    inevitavelmente, a um diálogo sensorial na medida em que se uma cor é

    objeto, então poderá ser conhecida não somente através do olho, mas

    através do tato, do olfato, do ouvido e, incluso, do gosto.

    Assim, numa obra de Barbieri, os sentidos entram em diálogo. Ou

    melhor, a gente, nesse laboratório, nesse lugar a ser construído, percebe

    seu bate-papo, essa conversa que costumam manter sem nos consultar:

    raramente escuto a ponta de meu indicador falando com meu olho, mas

    desconfio que sempre estão fazendo intrigas. A obra de Barbieri confirma

    a minha suspeita.

    “(...) achar-abordar-penetrar é sem fim”*: lugares moventes em campos de presença

    Galciani Neves

    Um lugar é um estado de ânimo. Embora mencione uma dimensão espa-

    cial em que as coisas ocupam posições, é feito de singularidades humanas

    e de seus desordenamentos, de fricções entre distintos modos de agir, de

    ressonâncias de vozes que sopram de nós. De toda maneira, a palavra

    lugar, no dicionário das nossas imaginações, não é um abrigo lacrado

    a ser explicado geometrizadamente, mas talvez a intensidade que pulsa

    nos “habitantes delicados das florestas de nós mesmos”, como disse o

    poeta Jules Supervielle. Habitantes estes que deambulam, cartografam

    passagens e criam lugares, como afazeres da vida.

  • Um lugar é um estado de ânimo. Embora mencione uma dimensão

    espacial em que as coisas ocupam posições, é feito de singularidades

    humanas e de seus desordenamentos, de fricções entre distintos modos

    de agir, de ressonâncias de vozes que sopram de nós. De toda maneira,

    a palavra lugar, no dicionário das nossas imaginações, não é um abrigo

    lacrado a ser explicado geometrizadamente, mas talvez a intensidade

    que pulsa nos “habitantes delicados das florestas de nós mesmos”,

    como disse o poeta Jules Supervielle. Habitantes estes que deambulam,

    cartografam passagens e criam lugares, como afazeres da vida.

    Stela Barbieri nos convida a partir, avistar paisagens e regressar com

    ramos, ventos, cadernos de viagem, punhados de areia e aportar em

    “obras-oficinas”, onde mescla percepção e desejo construtivo e onde

    podemos (re)construir outras florestas, ao mesmo tempo em que

    adentramos histórias e tramas no espaço. Assim, os “Lugares” são

    como mapas sem limites, com minúsculos cantos, pontos e brechas

    compartilháveis no vasto campo em que não somos apenas o eu.

    Constam em seus territórios garatujas, ensaios visuais e cores coreo-

    grafando autorias em livros.

    Enquanto formas de sociabilidade e afetividade versam, acumulam e

    traduzem coisas, percepções e vontades tremulantes passam a integrar

    os “Lugares” e fazê-los vibrar. Uma vez ali, pode-se vivenciar porme-

    nores à medida que “nos permitimos desmecanizar as gramáticas do

    corpo e do espaço”, propõe a artista. A história desses “Lugares”

    são muitas a serem inventadas e inúmeros são os contornos a serem

    desenhados e transbordados no dentro-fora de nós.

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    Livro: lugar em que somos e estamos

    À espera, a ponto de prolongar-se, tal como se tivesse tentáculos,

    envolvendo o leitor, o lugar entre ele próprio e o leitor. Eis o livro.

    LUGAR PARA LER é uma biblioteca de livros em estado de espera, com

    prolongamentos que são seu acontecimento – gestos constituidores,

    dispondo-se a olhos e mãos que lhes mudarão a escala e até mesmo

    sua feição. Os livros estão ali em múltiplas personalidades, em versões

    ambivalentes: dispersos em folhas coloridas, contando um tanto de

    história ou ainda ansiosos por recebê-las; abertos em formato de asas

    ou adormecidos guardando o tempo da escrita. LUGAR PARA LER é

    uma obra-oficina onde Stela Barbieri desaguou seus livros de artista e

    cadernos de anotação por entre livros que ainda vão ser. Todos estão

    em permanente continuação, afeitos ao imprevisível de seus habitantes.

    Ver-ler-percorrer são conjugações da fruição dos livros da artista.

    Ocorrem como sequências de espaços, onde o desenho espalha-se

    mergulhando pela transparência das páginas, cortando-as e desdo-

    brando-se descontinuamente. Nesses livros, a ideia/ato de desenhar

    ocorre na palpabilidade e na experiência de seus materiais, texturas e

    cores. Assim, quando manuseamos suas páginas-asas, distintas formas

    revelam-se, enquanto enquadramentos de paisagens abstratas se

    expandem. E uma escritura--desenho se dá construindo pontes entre o

    espaço da página e o lugar onde estamos.

    A prática de narrar histórias, de se arriscar em planos, ideias e projetos de

    obras, e a reflexão sobre arte, educação e os inúmeros atravessamentos

  • cotidianos fragmentam-se nos muitos cadernos de Stela Barbieri. São

    anseios e registros do tempo que narram uma vigília de si mesmo

    em permanente porosidade com o mundo, em folhas, desenhos

    e guardados da vida. Concentram--se nesses cadernos torções da

    língua incentivadas pela organicidade de seus desenhos, compondo

    assim um léxico nada categórico em que imagem e palavra fundem-

    se permanentemente na rotina criativa da artista. LUGAR PARA LER

    abriga uma multidão de autores-leitores que montam capas, folhas de

    rosto, páginas, lombadas e que inventam outras anatomias de livros,

    migrando de volume em volume, de letra em letra, de entrelinha em

    entrelinha, navegando pelos rios de histórias por vir.

    Através do lugar: uma poética-ação lúdica

    O homem pode ser definido, afirma Johan Huizinga, pela existência

    de um componente “lúdico”: impulso nato e formador de sua cultura

    pessoal. Assim, o homem vive momentos conscientes de reflexão

    e de expressão verbal e corporal, em que fenômenos da vida e da

    natureza são avistados de modo a possibilitar potenciais ritmos de

    transformação. Tal visão pode desmantelar alguns de nossos habituais

    pressupostos: “arte é coisa séria” ou “alguém encarregado de alguma

    responsabilidade séria deve afastar-se da postura do brincante”.

    Podemos pensar que LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é uma atmosfera

    de brincadeira – aspecto há muito tempo inerente aos processos de

    criação de Stela Barbieri e que engendra nesse “lugar” gêneses de

    arquiteturas flutuantes. As unidades fundamentais propostas pela

    artista – varetas coloridas, formas esféricas e um tablado de madeira

    – não se encerram como ferramentas utilitárias, nem como verdades

    formais para a construção de um espaço. São antes instrumentos de

    uma poética-ação em que seus construtores atravessam e concebem

    um lugar de convívio para ser e atuar. A inspiração é livre e acontece

    também na mão que doa sua forma.

    LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é um tablado mutante, onde relações

    de coexistência de espaços, a serem construídos e desenhados,

    personificam cenas e mundos imaginários. Nesse “lugar”, o “Homo

    ludens” usufrui de uma realidade brincante e experimenta, sem verbos

    delimitadores, ficções sociais, éticas, estéticas. E a imagem ritualística

    do jogo e a brincadeira de levantar espaços constituem-se experiências

    de arrebatamento diante do novo e, sobretudo, da excitação diante da

    invenção, propulsionando processos de imaginação criadora: tensão,

    movimento, mudança, entusiasmo pelo espaço, onde tudo parece

    gravitar poeticamente.

  • LUGAR PARA PLANTAR

    Olivia Ardui

    Os jardins são associados, no inconsciente coletivo, a um complexo

    sistema simbólico com dimensões filosóficas, místicas e políticas. Dos

    jardins suspensos da Babilônia, passando pelos jardins renascentistas,

    orientais, até os atuais quintais urbanos, esses espaços organizam e

    incluem elementos do mundo vegetal em uma estrutura artificial pen-

    sada pelo homem. Talvez seja por essa qualidade de meio-termo entre

    o homem e a flora que o jardim constitui um ambiente tão privilegiado

    para reconexão e redescoberta da natureza e seus ciclos, mas também

    um lugar que acentua a propensão à interioridade, incitando uma deriva

    pelos caminhos do imaginário e das memórias. Como se a vivência do

    jardim, reminiscência distante mas onipresente do paraíso, interviesse

    como convite ao regresso a uma experiência mais verdadeira e simples.

    Por essa faculdade de reaproximar o homem tanto da natureza física

    como da sua própria essência, o jardim poderia ser entendido como um

    agente que suscita reflexões acerca de diferentes aspectos de sua vida.

    Não é por acaso que a artista e educadora Stela Barbieri adota o jardim

    em sua obra-oficina LUGAR PARA PLANTAR.

    Realizada especialmente para o Sesc Osasco, a proposta insere-se

    no Projeto Lugares, um conjunto de obras-oficinas idealizadas para

    diferentes unidades do Sesc São Paulo e que incita a interação direta

    com o visitante, cada vez com uma abordagem distinta. Se os outros

    espaços confeccionados por Stela Barbieri nessa série são fruto de con-

    siderações sobre parâmetros próprios da cultura, como a questão da

    leitura ou da arquitetura, LUGAR PARA PLANTAR propõe um encontro

    singelo com a natureza, da qual estamos cada vez mais afastados em

    meio urbano. Essa desconexão e esse afastamento característicos da

    contemporaneidade, somados aos nossos cotidianos marcados pela

    ânsia de produtividade, pela alienação induzida por uma virtualização

    progressiva das relações interpessoais e de trabalho, são causa de

    desajustes, mesmo que inconscientes.

    A área externa gramada do Sesc Osasco, pontuada por árvores frutífe-

    ras e vasos com plantas de diversas espécies, é ocupada por algumas

    mesas e prateleiras com sementes, diversas ervas e flores. Como se

    estivessem em um laboratório, os visitantes, tanto adultos quanto

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    94

  • crianças, são convidados a manusear essas sementes, plantá-las em vasos

    que estão à disposição, manipulá-las para formar composições ou manda-

    las, sendo assim estimulados a observar com cuidado, tocar, sentir, enfim,

    a parar por um instante e estar presentes. A instalação também chama a

    atenção para os ciclos de regeneração perpétua das plantas, passando do

    nascimento, da maturação e da morte até uma transformação e, assim,

    apontando para uma alternativa à temporalidade linear e unidirecional

    que rege nossas vidas. Nesse dispositivo serão organizados ateliês e seções

    de leituras de histórias, todas elas voltadas a esse retorno existencial à

    natureza, mesmo que fabricada, passada pelo filtro do homem na forma

    de um jardim.

    O conceito do jardim, além de protagonista da proposta educativa dessa

    obra-oficina, também é uma metáfora relevante para abordar o conjunto

    da obra de Stela Barbieri. Efetivamente, além de o mundo vegetal sempre

    ter sido uma fonte de inspiração para a artista, o jardim, por ser um híbrido

    entre o autêntico e o artificial, a natureza e a cultura, encarna a ideia de

    uma dialética entre duas extremidades, dinâmica que também é inerente

    a vários trabalhos da artista.

    Depois de um início de carreira em pintura, Stela Barbieri dirigiu o seu foco

    para a experimentação com materiais e suas texturas. O pigmento da tinta

    que antes era aplicado na tela passou a tingir líquidos contidos em reci-

    pientes de vidros ou em plásticos, ou a impregnar formas irregulares em

    látex ou lã. Em esculturas precárias e orgânicas, essa confrontação entre

    estados líquidos e sólidos denota uma condição frágil de impermeabilida-

    de, em que um elemento fluido é contido, mas a qualquer momento, e às

    vezes de fato, infiltra-se, transpassando o seu receptáculo. É o caso por

    exemplo de Sem Título (“Ampulheta”), em que dois plásticos são prega-

    dos à parede contendo sementes de urucum que tingiram de vermelho o

    óleo que pinga de um plástico para o outro, suscetíveis de ceder ao peso.

    Se essas obras esculturais, realizadas nos anos 1990, já apresentavam

    certa autonomia em relação ao formato da pintura, elas ainda eram

    fixadas à parede. Progressivamente, as experimentações de Stela Barbieri

    autonomizaram-se, e a artista buscou realizar instalações de maior escala,

    como é o caso de Circuito de Narrativas Líquidas realizado em 2013. Nessa

    instalação, estruturas metálicas são o suporte para uma série de vidros e

    mecanismos que ora retêm, ora fazem circular um líquido de cor laranja,

    em uma condição de constante movimento e transformação.

    Para além da sua proposta educativa, a obra-oficina de Stela Barbieri pro-

    põe, de maneira mais sutil e indireta, retomar vários aspectos-chave da sua

    produção, em um momento mais introspectivo e reflexivo de sua trajetória.

    Primeiramente, LUGAR PARA PLANTAR dá continuidade às instalações de

    grande porte realizadas nos últimos anos e precede alguns projetos em

    espaços públicos. Em seguida, a referência direta à natureza em um con-

    texto urbano reitera um binômio transversal na obra da artista: sólido e

    rígido/maleável e fluido. Enfim, a importância da maquete no processo de

    realização desse trabalho, assim como a relação entre as escalas micro e

    macro, também é uma constante na produção artística de Stela Barbieri.

    Tal como o jardim, historicamente associado à representação da totalidade

    do cosmos em miniatura, a experiência da obra-oficina é uma metáfora:

    trata-se de semear, plantar, e cultivar sementes para a vida.

  • DESFRUTAR

    A obra-oficina “Desfrutar” consiste na instalação de um ambiente que

    mescla um pomar, uma cozinha e uma mesa de encontros. Stela Barbieri se

    vale de frutas, folhas comestíveis e utensílios de cozinha e convida o público

    não somente a preparar comida e se aventurar em misturas imprevistas, mas

    também a engendrar conversas, trocar subjetividades e vivenciar negociações

    coletivamente. Se a mesa, segundo Maffesoli, pode ser o lugar onde se esta-

    belecem as mais sólidas amizades, discussões e decisões importantes e outros

    tantos laços afetivos, a artista propõe que “Desfrutar” seja um lugar onde

    possam se desencadear percepções durante o fazer e o comer como modos de

    condução de comunicação e como expressões de sociabilidade.

    PARA VER A PAISAGEM

    Uma paisagem é uma forma de apreensão do mundo, um desenho que

    traçamos a partir de relações com a realidade que nos cerca ou com os

    lugares imaginários que nos povoam. Stela Barbieri nos convida a inventar

    paisagens, a percebê-las como um artifício do sujeito, como uma espécie

    de inventário ou testemunho constituído de forma simbólica num embate

    fenomenológico com o meio ambiente, com as pessoas, com os desejos.

    Nesta “obra-oficina”, projeto, matéria (caixas de papelão e cores) e espaço

    expositivo incorporam-se aos gestos do público, à presença e olhar desse

    habitante temporário que é convidado a criar condições, perspectivas,

    passagens e possibilidades de miradas às arquiteturas afetivas que ali são

    planejadas.

    Galciani Neves

    Stela BarBieri, 2014

    MaqueteS “Para Ver a PaiSageM” e “DeSfutar”

    ofiCina Cultural oSwalD De anDraDe

    São Paulo-SP

  • Stela Barbieri, redescobre a carga vital adormecida dentro da matéria

    industrializada. Por isso suas esculturas não se esgotam nos limites das

    suas aparências inesperadamente orgânicas. Algumas exalam cheiros,

    enquanto outras não cessam de purgar líquidos. A relação entre suas

    esculturas e os mistérios orgânicos começou nas primeiras realizações,

    cheias de referência à algumas superfícies vegetais e animais que,

    quando colocadas contra a luz, revelam o arame eTstrutural que lhes

    dá forma. Mas as linhas de ferro prensadas pelas folhas de celofane

    - elementos de antigas esculturas - não bastavam para a artista, uma

    vez que era preciso despertar os materiais de seu sono letárgico. Era

    preciso que o ferro se oxidasse e atacasse o papel, para que o resultado

    fosse mais que uma metáfora; que o feijão germine sob o algodão para

    que dai irrompa uma insólita topografia. Suas esculturas aspiram à vida

    e toda a fertilidade que dela emana. Dai a fusão entre suas partes; o

    motor erótico que as dinamiza. Sua feitura é guiada pelo desejo de

    que as substâncias se animem e de que o tempo volte a escorrer num

    murmúrio que se prolifera em nódoas, patinas e decomposição.

    Agnaldo Farias

  • Há algo de receptáculo nesta construção orgânica suspensa em fios de

    cobre, espécie de abrigo e proteção para um corpo volátil de serragem e

    de vermelhidão. Stela Barbieri é uma artista sensível à interioridade e aos

    rumos que possam derivar deste compromisso. A falta aqui é busca: com-

    preender o comportamento da matéria por meio de uma ocupação expan-

    siva do espaço. Busca dócil e lenta. Contrariamente ao que a vontade de

    aconchego poderia indicar, a artista não nega a matéria ocultando-a sob

    esconderijos. Prefere a hipótese de que não há continente suficiente para

    a delicadeza da emoção. Por isso, os conteúdos vazam de uma topografia

    feminina, forçando a saída das fronteiras. Emancipação do colo do ninho.

    Lisette Lagnado

    Cor e linha contribuem para armar o drama. Essa condição dramática,

    entre o rir e o chorar, fica aqui consignada pelo vermelho que se derrama

    em fios molemente enovelados. Existe algo de lúdico em dispor as lãs

    sobre o suporte, movimento semelhante ao gesto livre de riscar e respingar

    tinta na parede ou papel. Nenhum controle é imposto ao fluir dessa espon-

    taneidade até que o material é fixado entre duas lâminas transparentes tal

    qual sangue em laboratório. Neste momento espontâneo é surpreendido

    pelo controle da vontade.

    M. A. Milliet

  • Nas esculturas de Stela Barbieri, são as nações de interior e exterior que

    se confundem, o paradoxo de que entranha e pele, víscera e superfície

    sejam, se não idênticos, territórios sem conflito, alimenta todo o traba-

    lho e responde pela fluência de suas soluções formais. Ao aproximar

    estes dois pólos opostos, o trabalho passa a querer tudo: nós, laços,

    sacos, materiais empilhadas, coisas jogadas, amontoadas, penduradas,

    escorridas, coladas. Uma dilatação de idéia de forma acompanha a vizi-

    nha proibida do dentro e do fora; uma indiferença pelo que é aparência

    ordenada, individuação de uma visão. Tudo aqui é passagem, casulo

    de outro casulo, pele desgovernada e faminta, em expansão aflita. A

    matéria varia de estado, exibe suas qualidades sucessivas, torna-se a

    pegada de todas as formas. O que dá interesse a estes trabalhos é sua

    plasticidade excessiva, como se pudessem receber todas as operações.

    Há, nisso, uma mistura de potência expressiva e passividade extrema,

    que em seus melhores momentos parece apontar para uma compreen-

    são trágica da vida, como se fazer e desfazer, liberdade e destino fossem

    o mesmo.

    Nuno Ramos

  • Stela Barbieri cria ambientes permeados de transparência e delicadeza.

    Em seus objetos pulsa a vida que se faz escorrer, desdobrar, equilibrar,

    tencionar, fletir, rasgar.

    Contrasta o fraco e o forte, o rígido e o flexível, o denso e o volátil, que

    se contaminam, tecem, borram, aspiram e transpiram juntos. Redenção

    e luta. Seus trabalhos refletem o incessante conflito que perpassa a vida

    do homem contemporâneo. Potência expressiva no território da arte, a

    intenção sutil revela o acidente, a casualidade em resistência a um con-

    trole excessivo do fazer artístico.

    Vitória Daniela Bousso e Simona Misan Liberman

    A soleira da porta:

    Coadores de uma materialidade invisível

    Grávida matéria-viva em suspensão

    O tempo sendo regurgitado pelas coisas.

    O espaço indagado entre um vão e outro

    Bacias prenhes de gravidade engolindo tudo

    Presságios corroendo o cotidiano

    Sua tessitura escorrendo pela soleira da porta.

    vasos-coadores de nossas percepções ,

    A borra suspende o empoçado entendimento

    Investido na posse de algo imaculado

    Rubens Espírito Santo

  • Coordenação Editorial e Direção de Arte Fernando Vilela

    Design Gráfico Marilda Donatelli

    Fotos Ana Claúdia Rodrigues, Arthur Calasans, Daniel Ozana, Denise Adams, Fausto Chermont, Fernanda Beraldi, Fernanda Gomes, Fernanda Simionato, Fernando Vilela, Joseti Capusso, Laura Barbieri Gorski, Maetê Filizola Azevedo, Márcia Xavier, Mariana Francoio, Mariana Galender, Mauricio Simonetti, Rômulo Fialdini, Pedro Palhares, Raimo Benedetti - Estúdio B, Urga Maira Cardoso

    Vídeos Caca Vicalvi, Camila Guerreiro, Carlos Zalazik, Documenta Vídeo, Fernando Vilela, Instituto Cultural Itaú, Luis Alexandre Kobal Lucato, Pedro Palhares, Raimo Benedetti - Estúdio B, Renato Barbieri, Rinaldo Martinucci, Tamara Ka, TV Escola, TV Senac

    www.stelabarbieri.com