SUMÁRIO - Anchieta · 2019-11-19 · estão cada mais presentes na literatura acadêmica sobre...
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
SUMÁRIO
Editorial ................................................................................................................................. 04
Fatores Determinantes para a qualidade nas redes de franquias do segmento de
alimentação no Brasil ............................................................................................................ 05
Fernanda Benassi
Rodolfo L. de Faria Olivo
Izabela de S. Rosa
A discrepância da implantação e apuração da contabilidade de custos no ensino
tradicional de custos: Uma abordagem sobre o ensino da disciplina de Contabilidade de
Custos ..................................................................................................................................... 29
Alexandre Cacozzi
Crítica a abordagem funcionalista na análise organizacional .......................................... 53
Giovanna Garrido
Patrícia Saltorato
A gestão de custos nas micro e pequenas empresas ............................................................. 76
Marcelo Cardoso de Azevedo
Elaine Denise Candiani
A farsa do desequilíbrio fiscal previdenciário .................................................................... 95
Thaís Cristina Fernandes
Resenha – Valsa Brasileira ................................................................................................. 111
Thaís Cristina Fernandes
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
EDITORIAL
Esta edição da Revista Análise apresenta duas novidades; a primeira, a nova capa da
Revista, mais moderna e interativa, a segunda; propõe-se à elaboração e desenvolvimento de
resenhas de livros recém-lançados sob a ótica das ciências sociais aplicadas, portanto, a partir
de então, sempre teremos uma resenha contribuindo com novos horizontes literários aos
nossos(as) leitores(as).
Este número inicia-se, com o artigo Fatores Determinantes para a qualidade nas
redes de franquias do segmento de alimentação no Brasil em que procura entender o que, de
fato, determina a qualidade e a excelência de produtos e serviços prestados através de
franquias no Brasil.
Em seguida, o artigo A discrepância da implantação e apuração da contabilidade de
custos no ensino tradicional de custos: Uma abordagem sobre o ensino da disciplina de
Contabilidade de Custos avalia que a disciplina de contabilidade de custos é importante para a
formação profissional na área contábil, entretanto, existe a necessidade de adaptá-la aos novos
parâmetros tecnológicos e empresariais.
O artigo Crítica a abordagem funcionalista na análise organizacional demonstra a
necessidade de adoção de metodologias ideográficas de pesquisa, considerando que só seja
possível compreender o mundo social enfatizando também as abordagens subjetivas que
marcam a realidade organizacional.
Na sequência, o artigo A gestão de custos nas micro e pequenas empresas procura
apresentar a importância e contribuição efetiva das ferramentas gerenciais e de custos para
micro e pequenas empresas.
Em A farsa do desequilíbrio fiscal previdenciário analisa a viabilidade do Sistema
Previdenciário Brasileiro, bem como seus reais problemas.
Por fim, a resenha do Livro (Valsa Brasileira) de autoria da Profa. Laura Carvalho,
contribui ao entendimento do conflituoso contexto da economia brasileira.
Boa Leitura!
Prof. Paulo Daniel
Editor-Chefe
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
FATORES DETERMINANTES PARA A QUALIDADE NAS REDES DE
FRANQUIAS DO SEGMENTO DE ALIMENTAÇÃO NO BRASIL
BENASSI, Fernanda.1
OLIVO, Rodolfo Leandro de Faria.2
ROSA, Izabela de Souza.3
Resumo
A pesquisa busca entender quais são os fatores relevantes para determinar a qualidade das
franquias do segmento alimentício no mercado e se o Selo de Excelência em Franchising
possui relevância neste quesito. Para o melhor entendimento, foram realizados testes
estatísticos (média, desvio padrão e teste de hipóteses), a fim de comparar as franquias que
possuem o selo e as franquias que não possuem o selo. A obtenção dos dados foi realizada a
partir do Guia de Franquias, publicado anualmente pela Associação Brasileira de Franchising
(ABF). Os resultados obtidos na pesquisa sugerem que o Guia de Franquias da ABF pode ser
utilizado por um futuro franqueado para a escolha do seu investimento, mas o Selo ABF de
Excelência em Franchising não é um parâmetro sempre presente em franquias de qualidade,
sendo que assim não deve ser tomado como decisivo e absoluto na avaliação da qualidade da
rede franqueada.
Palavras-chave: franquias, ABF, qualidade, selo de excelência em franchising.
1 Mestre em Estatística pela UNICAMP. Professora da Unianchieta. 2 Doutor em administração pela FEA/USP. Professor da Unianchieta e da FIA – Fundação Instituto de Administração.
3 Graduada em Administração pela Faculdade FIA de Administração e Negócios.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
1. Introdução
1.1. Contextualização
Por que os consumidores possuem preferência em serem atendidos por franquias e
estabelecimentos que apresentam um reconhecimento em qualidade? Por que um
empreendedor optaria por investir em uma franquia de qualidade reconhecida? Qual a
importância para uma rede de franquias buscar atingir aos critérios estabelecidos pela ABF?
Como podemos então relacionar a qualidade com o crescimento de uma rede de
franquias? O empreendedorismo é a principal forma que os brasileiros estão encontrando para
tornarem suas ideias em realidade.
Verificando essa importância de classificação em qualidade, tanto para os
consumidores, quanto para os lojistas que a ABF decidiu criar em 1990 o prêmio “Selo de
Excelência em Franchising”, que premia anualmente as melhores franquias com o seu selo de
qualidade e demonstra aos consumidores quais são as empresas que melhor atendem a rígidos
critérios de qualidade e que melhor cuidam dos seus clientes, além de demonstrar aos próprios
franqueados um relatório informando seu desempenho em diversas áreas.
Sendo assim, quais seriam os fatores que determinam as qualidades de uma rede de
franquias do setor alimentício e como mantê-las a fim de aproximar mais investidores e
clientes da sua marca?
Ao observar o desempenho e a participação das franquias para o crescimento e para o
desenvolvimento da economia no Brasil, além de notar a importância do segmento
alimentício para a geração de empregos, movimentação financeira e sua importante
participação no PIB do país, a questão de pesquisa envolve a avaliação dos fatores que são
determinantes para que a qualidade seja desenvolvida no setor e como é possível entender o
papel do Selo ABF de Excelência em Franchising para os franqueados, a questão busca
entender quais são os principais fatores que determinam a qualidade nas redes de franquias do
segmento de alimentação. Assim, pode-se resumir a pergunta que orienta a pesquisa na
seguinte indagação: “Quais são os fatores determinantes para a qualidade para as redes de
franquia no segmento de alimentação no Brasil? ” A pergunta, assim explicitada, nos leva à
discussão dos objetivos do presente trabalho.
O objetivo geral desta pesquisa visa encontrar e entender quais são os fatores que são
determinantes para distinguir as franquias de qualidade de acordo com o padrão da ABF e
como isso pode ser importante para os futuros franqueados.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Uma vez que qualidade é um conceito de importante e complexa magnitude para
este trabalho e para o mercado, neste trabalho será então considerado que as redes
franqueadas com qualidade são aquelas que possuem o Selo de Excelência em Franchising.
O Selo de Excelência em Franchising visa reconhecer a qualidade e a excelência das
empresas e de sua atuação como franqueadora, além de estimular a melhoria de seu
desempenho, através da valorização das melhores práticas e do profissionalismo das redes que
atuam no setor. (ABF, 2016)
Os objetivos específicos desenvolvidos nesta pesquisa são:
a) Utilizando o Selo de Excelência em Franchising (SEF) como referência de qualidade,
distinguir as redes de alta qualidade (com o selo) das redes padrão (sem o selo) para o
setor de alimentação.
b) O Guia de Franquias é emitido anualmente pela ABF, buscando divulgar aos franqueados
e futuros investidores os custos e qualificação (com ou sem selo de qualidade) de cada
rede franqueada. Portanto, serão estudados comparativamente os dois grupos do objetivo
específico 1.4.2.1, seguindo as variáveis encontradas no Guia ABF de Franquias, que são:
(I) Número de lojas próprias, (II) Número de lojas franqueadas, (III) Número de serviços
de apoio oferecidos, (IV) Instalação, (V) Capital de Giro, (VI) Taxa de Franquia, (VII)
Royalties, (VIII) Taxa de publicidade, (IX) Tamanho em m², (X) Faturamento médio, (XI)
Payback e (XII) Número de funcionários. Estas variáveis foram escolhidas uma vez que
estão cada mais presentes na literatura acadêmica sobre qualidade em franquias. Além
disso, são as melhores variáveis disponíveis em dados públicos no Brasil, sendo de fácil
acesso a qualquer pessoa interessada no assunto.
c) Baseado na análise do objetivo b), determinar quais são os fatores relevantes para a
qualidade.
O Selo de Excelência em Franchising foi criado em 1990 pela ABF a fim de
distinguir e reconhecer as franquias mais qualificadas dentro de cinco blocos que são:
Performance Global, Performance Econômica, Performance Operacional, Performance em
Relacionamento e Performance em Sustentabilidade. Sendo assim, a Associação premia
anualmente as redes de franquias que melhor atendem aos pré-requisitos estabelecidos.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
2. Referencial Teórico
2.1. Definição de Franquia
A Lei Federal n° 8.955 de 15 de dezembro de 1994 regulamenta o funcionamento
das franquias e a sua definição de acordo com o artigo 2° é:
“Franquia empresarial é o sistema pelo qual um
franqueador cede ao franqueado o direito do uso de marca
ou patente, associado ao direito de distribuição, exclusiva
ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e
eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de
implantação e administração de negócio ou sistema
operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador,
mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no
entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.
Sendo assim, após a análise das duas definições podemos pensar em franquias como
a clonagem ou a reprodução de um plano de negócios já estruturado, com marketing, produtos
e processos inclusos na negociação que dependem de uma licença pré-acordada entre a
franqueadora, que, em suma, é a detentora da marca e seus naming rights e o franqueado, que
é o autônomo interessado em adquirir o direito da transmissão e a administração de um
negócio. Todo esse processo depende de uma extensa e rígida avaliação por parte do
franqueador, uma vez que seus direitos de execução só são liberados a um terceiro se este se
encaixar nos seus critérios. Além disso, o franqueado sofre uma constante avaliação e
monitoramento de seu franqueador, para que o sucesso da marca e a qualidade de seus
produtos ou serviços sejam mantidos e apresentados da melhor forma ao consumidor.
2.2. ABF
A Associação Brasileira de Franchising é uma entidade sem fins lucrativos criada em
julho de 1987, com a intenção de organizar e desenvolver o setor de franquias no Brasil,
oferecendo treinamentos e cursos para interessados no ramo. Além de sua importante
participação no cenário nacional, a ABF tem participação ativa em grandes entidades
internacionais do ramo de franquias, como a FIAF (Federação Ibero-Americana de
Franquias), IFA (International Franchising Association) e também é membro correspondente
da Federação Europeia de Franchising. Além de participar dessas entidades internacionais, a
ABF também assinou acordos com bancos nacionais e renovou o convênio com a Apex-
Brasil, que visa estimular o crescimento da exportação do franchising brasileiro.
2.3. Qualidade em Franquias
A interpretação da qualidade em franquias depende de cada consumidor, cada
franqueado e cada franqueador. Com Garvin (2002), veremos a análise através de oito
dimensões, que são:
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
1) Desempenho: dimensão que se refere às características operacionais básicas de
um produto e como ele as desempenha, sendo assim, critérios mínimos que o
cliente espera;
2) Características: são os adereços do produto, ou seja, são os itens secundários
utilizados para suplementar as funções básicas e que podem ser usados para
aumentar as expectativas dos clientes;
3) Confiabilidade: demonstra a probabilidade do mau funcionamento ou falha de
um produto ou serviço;
4) Conformidade: demonstra se as características do produto estão de acordo com
os padrões, normas e leis (éticas e morais) estabelecidas pelo mercado ou
órgãos reguladores;
5) Durabilidade: entende-se como o tempo de vida útil do produto, tanto em
dimensões econômicas quanto técnicas;
6) Atendimento: refere-se à preocupação do usuário em como será realizado o
atendimento caso o produto ou serviço venha a falhar (agilidade, facilidade e
cortesia);
7) Estética: é a aparência do produto, abrangendo aspectos estéticos, sensoriais e
emocionais, sendo de difícil mensuração;
8) Qualidade percebida: refere-se à importância sobre fatores “secundários” que
não devem ser esquecidos como: marca, reputação e propaganda.
Estes e outros métodos de avaliação são importantes para ajudar a melhorar o
desempenho da organização ou do sistema em questão, já que estão sempre ajustados para
informar aos gestores quais as capacidades do sistema e seus níveis de performance
esperados, e, portanto, auxiliando no planejamento da empresa.
Garvin (2002) diz que cada dimensão é autossuficiente e distinta, podendo, às vezes,
uma ser mais importante que outras, dependendo do produto ou serviço em questão, mas que
juntas, em geral, cobrem uma gama de requisitos e expectativas sobre a qualidade do produto,
para os principais personagens em ação, que são os consumidores, franqueadores e
franqueados. Estas dimensões são aspectos básicos que todos os empreendedores deveriam
mensurar e avaliar seus rendimentos, já que constantemente melhorias são implementadas em
empresas do mesmo segmento, além da grande abertura para o lançamento de novos produtos
e serviços. Sendo assim, qualquer desvio de atenção pode ser fatal para uma empresa.
Halachmi (2005), já observava este processo, dizendo que uma empresa que não se preocupa
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em avaliar seu desempenho pode sofrer consequências, já que não se pode controlar aquilo
que não se entende. Quer dizer, se alguma empresa evitar fazer mensurações e estudos
constantes pode ficar para trás no comércio, perdendo cada vez mais clientes para novas
tecnologias e características não implementadas.
Litz e Stewart (1998 apud Lavieri, 2015), também reforçam que ao analisar o
desempenho de uma franquia, deve-se antes entender que a análise nunca deve focar
simplesmente na redução de custos financeiros. Primeiramente, porque a existência de uma
grande marca de franquia não está necessária e positivamente relacionada ao desempenho, e
também pelo fato de que participar de uma franquia traz muitos ganhos potenciais e de caráter
implícito no âmbito estratégico.
3. Metodologia de Pesquisa
Para realizar esta pesquisa e entender a questão da mesma, serão utilizados dados da
ABF, artigos, teses, notícias e livros que falem com propriedade a respeito de franquias e
qualidade, para estudar o caso e formar a conclusão será utilizado o Guia de Franquias da
ABF, que é elaborado e publicado anualmente pela associação, com o objetivo de demonstrar
os dados mais atuais sobre as franquias e seus franqueados, contendo dados sobre unidades,
valores, quantidade de suportes oferecidos, taxas, custos, entre outros. Essas referências serão
utilizadas para auxiliar, inicialmente, no entendimento mais profundo sobre o conteúdo como
um todo e posteriormente para auxiliar na elaboração de dados estatísticos que servirão para a
análise dos dados sobre qualidade e qual a influência dela para manter um padrão sobre o
serviço oferecido.
Para isso, os dados coletados serão separados em duas amostras (com e sem selo de
qualidade de franquias) e foi realizado o teste de média em cada variável:
I. Número de lojas próprias, que indica a quantidade total de lojas próprias do
franqueador;
II. Número de lojas franqueadas, que indica a quantidade total de lojas franqueadas que o
franqueador possui;
III. Número de serviços de apoio oferecidos, que indica a quantidade total de serviços
de apoio oferecidos pelo franqueador ao franqueado;
IV. Custo das instalações, que indica o custo médio necessário para realizar as
instalações para a abertura de mais uma unidade da franquia;
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
V. Custo do capital de giro, que indica o custo médio que o franqueado deve possuir
para conseguir arcar com os custos iniciais de estoque, funcionários e despesas
fixas;
VI. Custo da taxa de franquias, que indica o custo médio que o franqueado deve pagar
ao franqueador pelo uso da imagem e sistemas da franquia;
VII. Custo dos royalties, que indica a taxa média paga mensalmente ao franqueador
para manutenção do direito de uso da imagem;
VIII. Custos da taxa de publicidade, que indica a taxa média paga mensalmente ao
franqueador para a manutenção do material de propaganda da franquia;
IX. Tamanho em metros quadrados, que indica a taxa média do tamanho necessário
para a abertura da franquia;
X. Faturamento médio, que indica a média do faturamento médio de cada unidade;
XI. Payback, que indica a média do tempo necessário para a obtenção do retorno do
investimento;
XII. Número de funcionários, que indica a média de funcionários necessários para
realizar as atividades propostas da melhor forma.
Então, foi possível realizar a comparação das duas amostras e avaliar quais variáveis
possuem maior importância na distinção entre franquias com qualidade e franquias sem
qualidade, sendo possível elaborar a conclusão da pesquisa.
3.1. Estimação intervalar de µ𝟏- µ𝟐
Sweeney et al (2013) explica que para realizar estudos de estimação é necessário
selecionar uma amostra aleatória simples de 𝑛1 unidades da população 1 e uma amostra
aleatória simples de 𝑛2 unidades da população 2, podendo então ser chamadas de amostras
aleatórias simples independentes.
Após a identificação das amostras é necessário definir a população 1 como todas as
franquias que possuem o SEF e a população 2 como todas as franquias que não possuem o
SEF.
µ𝟏 = Média da população 1 (Todas as franquias que possuem o SEF).
µ𝟐 = Média da população 2 (Todas as franquias que não possuem o SEF).
Para estimar a diferença entre as médias das duas populações (µ1- µ2), devem ser
selecionados uma amostra aleatória simples de 𝑛1 franquias da população 1 e uma amostra
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
aleatória simples de 𝑛2 franquias da população, sendo então possível calcular a média
amostral das duas amostras:
𝒙𝟏 = Média amostral de cada variável de uma amostra aleatória simples de µ𝟏 franquias
com o SEF.
𝒙𝟐 = Média amostral de cada variável de uma amostra aleatória simples de µ𝟐 franquias
sem o SEF.
A estimação intervalar é então obtida por uma estimação por ponto ± uma margem
de erro, que no caso de estimação da diferença entre duas médias populacionais, uma
estimação por intervalo assume a seguinte forma:
𝒙𝟏 − 𝒙𝟐 ± Margem de erro
Com a distribuição amostral de 𝑥1 − 𝑥2 tendo uma distribuição normal, podemos
escrever a margem de erro da seguinte forma:
𝑀𝑎𝑟𝑔𝑒𝑚 𝑑𝑒 𝑒𝑟𝑟𝑜 = 𝒛𝜶/𝟐𝝈𝒙𝟏− 𝒙𝟐 = 𝒁𝜶/𝟐√
𝝈𝟏𝟐
𝒏𝟏+
𝝈𝟐𝟐
𝒏𝟐
Na equação:
𝑍𝛼/2 = 1,96
𝜎𝑦 = desvio padrão da variável independente
𝑛𝑦 = tamanho da amostra
Deste modo, a estimação por intervalo da diferença entre as duas médias
populacionais é a seguinte:
𝒙𝟏 − 𝒙𝟐 ± 𝒁𝜶/𝟐√𝒔𝟏
𝟐
𝒏𝟏+
𝒔𝟐𝟐
𝒏𝟐
Na equação:
𝑍𝛼/2 = 1,96
𝑠𝑦 = desvio padrão da amostra independente
𝑛𝑦 = tamanho da amostra
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Ainda de acordo com Sweeney et al (2013), para melhores estudos sobre a diferença
entre duas médias populacionais onde os dois desvios padrão, σ¹ e σ², são desconhecidos,
deverão ser utilizados os desvios padrão amostrais 𝑠𝟏 e 𝑠𝟐, para estimar os desvios padrão
populacionais desconhecidos. Utilizando os desvios padrão amostrais, os procedimentos de
estimação intervalar e de teste de hipóteses vão se basear na distribuição t em vez da
distribuição normal padrão.
Como os desvios padrão σ¹ e σ², são desconhecidos, serão utilizados os desvios
padrão amostrais 𝑠𝟏 e 𝑠𝟐 para estimar σ¹ e σ², e serão substituídos de 𝑧𝛼/2 por 𝑡𝛼/2. Sendo
assim, a estimativa intervalar da diferença entre duas médias populacionais é dada pela
seguinte forma:
𝒙𝟏 − 𝒙𝟐 ± 𝒕𝜶/𝟐√𝒔𝟏
𝟐
𝒏𝟏+
𝒔𝟐𝟐
𝒏𝟐
Na equação:
𝑥𝑦 = média amostral da variável independente
𝑠𝑦 = desvio padrão da amostra independente
𝑛𝑦 = tamanho da amostra
3.2. Teste de hipóteses
Em uma situação onde os dois desvios padrão, σ¹ e σ², são desconhecidos, deve-se
considerar testes de hipóteses a respeito da diferença entre duas médias populacionais.
Admitindo então que 𝐷0 denota a diferença hipotetizada entre µ1e µ2, a estatística de teste
usada deve ser:
𝑧 = (𝒙𝟏 − 𝒙𝟐 ) − 𝑫𝟎
√𝜎1
2
𝑛1 +
𝜎22
𝑛2
Na equação:
𝑥𝑦 = média amostral da variável independente
𝜎𝑦 = desvio padrão da amostra independente
𝑛𝑦 = tamanho da amostra
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Para se denotar as diferenças hipotéticas entre µ1- µ2, as três formas de um teste de
hipóteses são as seguintes:
𝐻0: 𝜇1 − 𝜇2 ≥ 𝐷0 𝐻0: 𝜇1 − 𝜇2 ≤ 𝐷0 𝐻0: 𝜇1 − 𝜇2 = 𝐷0
𝐻0: 𝜇1 − 𝜇2 > 𝐷0 𝐻0: 𝜇1 − 𝜇2 < 𝐷0 𝐻0: 𝜇1 − 𝜇2 ≠ 𝐷0
Em muitas aplicações, 𝐷0 = 0, mas utilizando um exemplo bicaudal como exemplo,
quando 𝐷0 = 0, a hipótese nula é 𝐻0: 𝜇1 − 𝜇2 = 𝐷0. Neste caso, a hipótese nula é que µ1e
µ2, são iguais. A rejeição de 𝐻0 leva à conclusão de que 𝐻𝛼: 𝜇1 − 𝜇2 ≠ 0 é verdadeira; ou
seja, que µ1e µ2, não são iguais.
Para esta pesquisa, será utilizado como base 95% de confiança, que é igual a: 𝛼 =
0,05 𝑒 𝑍𝛼/2 = 𝑍0,025 = 1,96, a regra de rejeição empregada será rejeitar 𝐻0 se 𝑍 ≤ −1,96
ou se 𝑍 ≥ 1,96.
3.2.1. Estatística de teste para testes de hipótese sobre µ𝟏- µ𝟐 quando σ¹ e σ² são
desconhecidos
Quando σ¹ e σ², são desconhecidos, usamos 𝑠1 como um estimador de σ¹ e 𝑠2 como
um estimador de σ². Substituindo σ¹ e σ² por esses desvios padrão amostrais, obtemos a
seguinte estatística de teste:
𝑡 = (𝒙𝟏 − 𝒙𝟐 ) − 𝑫𝟎
√𝑠1
2
𝑛1+
𝑠22
𝑛2
Na equação:
𝑥𝑦 = média amostral da variável independente
𝑛𝑦 = tamanho da amostra
𝑠𝑦 = desvio padrão da variável independente
No capítulo a seguir serão apresentados os resultados obtidos na pesquisa.
4. Análise de Resultados
A análise realizada nesta pesquisa contempla todas as franquias do segmento
alimentício, segmento este que foi escolhido pela alta importância que possui na economia do
país, devidamente cadastradas juntamente à ABF, e que disponibilizam seus dados no Guia de
Franquias, um guia emitido anualmente pela própria associação após minuciosa coleta de
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
dados, que busca trazer informações atualizadas aos franqueados, franqueadores e futuros
interessados, buscando entender como o Selo de Excelência em Franchising e suas categorias
(Nome, número de lojas próprias, número de lojas franqueadas, número de serviços de apoio
oferecidos, custo de instalação, custo de capital de giro, taxa de franquia, royalties, taxa de
publicidade, tamanho em m², faturamento médio, Payback e número de funcionários) podem
demonstrar para um já franqueado, futuro investidor no setor ou interessados no ramo, o que
pode determinar a qualidade nas redes de franquias.
De acordo com o Guia de franquias emitido em 2016, no segmento de alimentação
existe um total de 271 franquias cadastradas, sendo 218 franquias sem o Selo de Excelência
em Franchising e 53 franquias com o Selo de Excelência em Franchising, como demonstrado
na figura a seguir:
Figura 1 - Número de franquias cadastradas e divulgadas pelo Guia de Franquias de 2016.
FONTE: Elaborado pela autora, adaptado de ABF (2016).
A partir das duas amostras apresentadas, sendo a primeira de franquias com o Selo
ABF de Franquias e a segunda de franquias sem o Selo ABF de franquias, foram realizados
outros cálculos a fim de ser possível a comparação e análise de resultados. Portanto, o
primeiro cálculo realizado foi da média de cada variável disponível através do Guia de
Franquias da ABF, separadas pelas amostras e posteriormente foi realizado o cálculo da
média amostral, onde foi possível identificar a diferença entre as duas amostras.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 1 - Cálculo da média das variáveis apresentadas pelo Guia de Franquias
FONTE: Elaborado pelos autores
Observando as variáveis de número de lojas próprias e número de lojas franqueadas,
o cálculo da média demonstrou que as franquias que possuem o SEF apresentam um número
de lojas próprias e número de lojas franqueadas muito superior do que as franquias que não
possuem o SEF, onde as médias amostrais apresentaram uma diferença significativa de 20,74
para o número de lojas próprias e de 116,76 para o número de lojas franqueadas, ou seja,
neste caso podemos entender que a visibilidade das franquias com o Selo é muito superior do
que a visibilidade para as franquias sem o Selo, uma vez que as franquias mais conhecidas
pelo público em geral chamam mais atenção de empreendedores e investidores e portanto
conseguem abrir cada vez mais unidades pelo país.
Observando a variável de número de serviços de apoio oferecidos, esta que pode
estar diretamente relacionada à qualidade da franquia, os valores encontrados para as
franquias com o selo e para as franquias sem o selo, apresentaram uma média amostral de
apenas 0,84, ou seja, possuindo ou não o selo, as duas amostras se importam em oferecer
apoio aos seus franqueados, sempre em busca de manter o bom nome e excelência dos
produtos e serviços prestados. Como diz Cherto (2006), “o franchising é a réplica do mesmo
conceito”, portanto, os serviços de apoio oferecidos são fundamentais para que o franqueado
possa replicar o negócio da melhor forma.
Observando a variável de instalação, é possível analisar que os custos de instalação
de uma franquia que possui o SEF, são muito mais altos do que de uma franquia sem o SEF,
apresentando uma média amostral de R$ 106.203,43, sendo assim podemos presumir que as
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
grandes franquias e possuidoras do SEF, demandam instalações melhor estruturadas e
complexas do que as franquias que não possuem o SEF.
Observando a variável de capital de giro, é possível observar que a média de capital
de giro necessário para uma franquia que possui o SEF (R$ 34.415,09) é menor do que para
uma franquia que não possui o SEF (R$ 37.241,57), e com isso podemos entender que para
dar continuidade ao seu negócio, uma franquia com o SEF pode ser mais estruturada e
oferecer mais recursos iniciais e, portanto, pode exigir um capital menor de seus investidores.
Observando a variável de taxa de franquias, os dados apresentam outra grande
diferença entre as franquias com o SEF e sem o SEF, onde apenas a média amostral apresenta
um valor de R$ 39.741,38. Com isso podemos entender que os custos de licenciamento de
marca das maiores franquias são muito mais altos do que das franquias menores e sem o SEF.
Observando a variável de royalties, a média das franquias com o SEF é de 4,92% e a
média das franquias sem o SEF é de 6,47%, ou seja, as grandes franquias, por possuírem um
número maior de franqueados, podem cobrar uma taxa mensal menor do que as franquias sem
o SEF para que os franqueados continuem a obter o direito do uso de imagem da marca.
Observando a variável de taxa de publicidade, os dados são muito próximos e
apresentam uma média amostral de apenas 0,17%, ou seja, a taxa cobrada para que a
franqueadora exerça a publicidade da marca são quase iguais e é baixa para as duas amostras.
Observando a variável de tamanho em m², os dados apresentam um tamanho médio
de 188,89 m² para uma franquia com o SEF e um tamanho médio de 144,02 m² para uma
franquia sem o SEF, ou seja, a diferença de tamanho para os dois tipos de franquia é
significativa, demonstrando que uma franquia com o SEF, exige uma estrutura e um ponto
comercial maior do que a média das franquias sem o SEF.
Observando o faturamento médio entre as duas amostras é possível verificar que a
média amostral não é alta, apresentando uma diferença de apenas R$ 5.036,07, o que
demonstra que possuir o SEF ou não, não é garantia de maior faturamento mensal.
Observando a variável do Payback, é possível verificar que o tempo médio de
retorno para franquias com o SEF (31,79 meses) é bem próximo às franquias sem o SEF
(29,95 meses), apresentando uma média amostral de apenas 1,83 meses. Ou seja, sendo uma
franquia reconhecida ou não, o tempo de retorno é quase igual.
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Observando a variável do número de funcionários, é possível verificar que a média
amostral é de apenas 2,25, ou seja, o número de funcionários não demonstra mudança
significativa entre as franquias com o SEF e as franquias sem o SEF.
Para uma então melhor visualização da diferença entre as variáveis, foram
elaborados três gráficos somente com as médias amostrais:
Figura 3 - Média amostral das variáveis (em milhares) estudadas
FONTE: Elaborado pelos autores
Este gráfico traz um melhor senso visual, onde podemos verificar quais foram as
variáveis que demonstraram as maiores diferenças entre as médias calculadas. Com isso
verificamos que as variáveis com a maior diferença foram: Instalação, onde a média amostral
apresentou uma diferença de R$ 106.203,43 e Taxa de franquia, onde a média amostral
apresentou uma diferença de R$ 39.741,38.
Figura 4 - Média amostral das variáveis
FONTE: Elaborado pelos autores
Neste gráfico podemos verificar que as variáveis que apresentaram a maior diferença
foram: Número de lojas franqueadas, onde a média amostral apresentou um total de 116,76,
R$106.203,43
R$3.156,67
R$39.741,38
R$5.036,07
R$-
R$20.000,00
R$40.000,00
R$60.000,00
R$80.000,00
R$100.000,00
R$120.000,00
Instalação Capital de Giro Taxa Franquia Faturamentomédio
20,7421
116,7671
0,8436
44,8687
1,8369 2,2587
0,0000
20,0000
40,0000
60,0000
80,0000
100,0000
120,0000
140,0000
N° LojasPróprias
N° LojasFranqueadas
N° Serviçosde apoio
oferecidos
Tamanho(m²)
Payback N° deFuncionários
19
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Tamanho em m², onde a média amostral apresentou um total de 44,86 e Número de lojas
franqueadas, onde a média amostral apresentou um total de 20,74.
Figura 5 - Média amostral das variáveis (em percentual)
FONTE: Elaborado pelos autores
Neste gráfico podemos verificar que a variável que apresentou a maior diferença foi
a de Royalties, onde a média amostral apresentou um total de 1,54%.
Estes dados ajudam a verificar que em variáveis como: Número de serviços de apoio
oferecidos, Royalties, Taxa de publicidade e Payback, a média de auxílios oferecidos, taxas
cobradas para o uso de imagem e tempo de retorno são quase iguais, ou seja,
independentemente de ser uma franquia possuidora ou não do SEF, estes números serão muito
próximos.
O segundo cálculo realizado para a interpretação dos dados foi o desvio padrão, que
consegue demonstrar quais as variáveis que mais se distanciam da média calculada. Ou seja,
quanto mais próximos ao 0, menor a diferença entre as franquias.
Figura 6- Desvio Padrão das variáveis
FONTE: Elaborado pelos autores
1,5485%
0,1732%
0,0000%
0,5000%
1,0000%
1,5000%
2,0000%
Royalties Tx Publicidade
20
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
A variável de número de lojas próprias indica que a variância de lojas próprias das
franquias com o SEF é bem superior do que em relação às franquias sem o SEF, uma vez que
o seu desvio é de apenas 4,53.
A análise da variável de número de lojas franqueadas apresenta um resultado bem
distante das médias, já que no caso das franquias com o SEF, o desvio é de 306,96 e no caso
de franquias sem o SEF é de 107,65.
Os resultados obtidos na variável de número de serviços de apoio oferecidos
demonstram resultados totalmente ao contrário do que foi possível observar em número de
lojas franqueadas, ou seja, o número de serviços de apoio oferecidos é bem parecido entre as
franquias, já que as franquias com o SEF apresentam um desvio padrão de apenas 1,94 e as
franquias sem o SEF apresentam um desvio padrão de apenas 2,44.
Os dados da variável de instalação demonstram um resultado parecido ao de número
de lojas franqueadas, onde o desvio padrão das franquias com e sem o SEF apresentam um
resultado muito alto, sendo de R$ 306.047,62 para as franquias com o SEF e de R$
308.861,13 para as franquias sem o SEF, ou seja, o valor de instalação possui uma grande
diferença entre as duas amostras.
A análise da variável de capital de giro apresenta uma diferença média entre as
franquias de cada amostra analisada, onde o resultado obtido para as franquias com o SEF foi
de R$ 25.800,22 e de R$ 34.994,78 para as franquias sem o SEF.
A variável de taxa de franquia apresenta uma variância muito alta para as franquias
com o SEF, demonstrando um resultado de R$ 239.657,36, ou seja, a discrepância de valores
da primeira amostra é muito alta, mas no caso das franquias com o SEF, a variância é média,
demonstrando um resultado de R$ 28.780,26.
Os dados obtidos pela variável de Royalties apresentam uma baixa variância entre as
franquias com o SEF, demonstrando que o valor cobrado pelas franquias é bem próximo, mas
no caso das franquias sem o SEF a variância dos valores cobrados é um pouco maior,
apresentando um resultado de 8,96%.
A análise dos resultados obtidos na variável de taxa de publicidade também
apresenta uma baixa variância dos valores cobrados, porém, diferentemente da variável de
Royalties, as duas amostras apresentam variância baixa, demonstrados pelos valores de 1,43%
para as franquias com o SEF e 1,62% para as franquias sem o SEF.
21
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
No caso da variável de tamanho em m², os resultados apresentam uma alta variância
dos tamanhos necessários para cada franquia, onde para as franquias com o SEF o desvio
apresenta resultados de 356,45 e para as franquias sem o SEF apresenta resultados de 230,40.
Já a variável de faturamento médio também demonstrou uma alta variância em cada
amostra, onde podemos verificar uma variância de R$ 97.756,51 para as franquias com o SEF
e uma variância de R$ 138.469,37 para as franquias sem o SEF.
A avaliação da variável de Payback apresenta uma variância média em cada amostra,
demonstrando um desvio padrão de 8,90 meses para as franquias com o SEF e um desvio
padrão de 16,99 meses para as franquias sem o SEF.
Os resultados obtidos na análise da variável de número de funcionários também
apresentam uma variável média em cada amostra, demonstrando um desvio padrão de 9,80
funcionários para as franquias com o SEF e um desvio padrão de 10,51 funcionários para as
franquias sem o SEF.
A partir dos dados analisados através do desvio padrão é possível verificar em
relação às franquias com o SEF que a discrepância de variáveis como: número de lojas
próprias e franqueadas, custos de instalação e taxa de franquias, tamanho e faturamento, são
muito altas, e que podem ser vitais para a qualidade de uma franquia e para a escolha de um
futuro franqueado.
Já no caso das franquias sem o SEF, as variáveis que apresentaram a maior
discrepância foram: número de lojas franqueadas, custos de instalação, tamanho e faturamento
médio, demonstrando novamente que estas variáveis são determinantes para a qualidade e
para a escolha de um futuro franqueado.
O terceiro cálculo realizado foi o de Teste de Hipóteses, utilizando resultados da
média e do desvio padrão de cada amostra e onde o intervalo de confiança utilizado foi de
95%.
22
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 7 - Teste de hipóteses
FONTE: Elaborado pelos autores
Para uma análise do teste de hipóteses bicaudal, que utiliza como intervalo de
confiança 95%, a regra de rejeição empregada será rejeitar 𝐻0 se 𝑍 ≤ −1,96 ou se 𝑍 ≥
1,96. Portanto após a contabilização dos dados, as variáveis rejeitadas foram: Número de
lojas franqueadas, Número de serviços de apoio oferecidos, Instalação e Royalties.
A teoria apresentada no capítulo 2, trazia alguns insights e proporcionava a previsão
dos resultados do teste de hipóteses dessa forma:
Figura 8 - Previsão e Resultados do Teste de Hipóteses
FONTE: Elaborado pelos autores
As variáveis mais relevantes, tendo apresentado resultados positivos ou não podem
ser interpretadas da seguinte maneira:
(II) – Número de Lojas Franqueadas: A variável do número de lojas franqueadas apresentou
um resultado positivo no teste de hipóteses (2,72) e, portanto, foge da média entre as
franquias com o SEF e as franquias sem o SEF. Esta é uma variável diretamente ligada a três
dimensões de Garvin (2002), que são: Qualidade percebida, demonstrando a força que a
marca e a reputação exercem sobre a franquia com o SEF, Confiabilidade, demonstrando que
tanto os consumidores, quanto os franqueados podem confiar nos produtos e serviços
23
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
prestados pela franquia e Desempenho, demonstrando que as características operacionais
atingem as necessidades básicas esperadas pelos consumidores.
(III) – Número de serviços de apoio oferecidos: A variável do número de serviços de apoio
oferecidos apresentou um resultado positivo (2,68), fugindo da média entre as franquias com
o SEF e as franquias sem o SEF. Esta é uma variável ligada diretamente a três dimensões de
Garvin (2002), que são: Desempenho, demonstrando que o franqueador está interessado em
manter as características operacionais básicas de seus produtos e serviços, Conformidade,
demonstrando que os franqueadores prezam em manter seus produtos e serviços dentro das
leis e normas de qualidade como ISO e ABNT e Atendimento, demonstrando que os
franqueadores prezam em manter a qualidade do atendimento, oferecendo treinamentos de
atendimento ao cliente e motivação.
(IV) – Instalação: A variável de instalação apresentou um resultado positivo (1,97), fugindo
da média entre as franquias com o SEF e as franquias sem o SEF. Esta é uma variável ligada
diretamente a três dimensões de Garvin (2002), que são: Conformidade, demonstrando que os
franqueadores prezam em manter seus equipamentos, produtos e serviços dentro das leis e
normas de qualidade como ISO e ABNT e Estética, demonstrando que os franqueadores
prezam por manter a aparência da marca, produtos e serviços.
(VII) – Royalties: A variável royalties apresentou um resultado negativo (-2,24), fugindo da
média entre as franquias com o SEF e as franquias sem o SEF. Esta é uma variável ligada ao
investimento do franqueado, sendo assim, é preferível que o valor investido seja mais baixo.
(X) – Faturamento Médio: A variável faturamento apresentou um resultado dentro da média
(0,30) entre as franquias com o SEF e as franquias sem o SEF. Esta é uma variável ligada ao
retorno do franqueado, sendo assim, era preferível que o retorno fosse mais alto.
(XI) – Payback: A variável Payback apresentou um resultado dentro da média (1,09) entre as
franquias com o SEF e as franquias sem o SEF. Esta é uma variável ligada ao tempo de
retorno do franqueado, sendo assim, era preferível que o tempo fosse mais curto.
Observando então as variáveis afetadas, como instalação e número de lojas próprias,
as duas acima de 1,96, portanto, positivas, podemos elaborar a hipótese de que apenas as
grandes franquias e já consolidadas no mercado que conseguem o Selo de Excelência em
Franchising. Isto se deve ao fato da necessidade de preenchimento de alguns requisitos
básicos como: estar associado à ABF a pelo menos um ano, ter no mínimo dez franqueados e
24
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
no mínimo dez unidades franqueadas, atuar no mercado de franquias há no mínimo dois anos
e estar adimplente com suas obrigações como associado da ABF. (ABF, 2016). Além dos
altos custos para o desenvolvimento da pesquisa da Associação, que são:
Figura 2 - Custos para concorrer ao Selo de Excelência em Franchising.
FONTE: ABF (2016)
Ou seja, estes custos e as obrigatoriedades mínimas acabam afastando as franquias de
buscar a premiação e o reconhecimento através do Selo de Excelência em Franchising.
Mas, por outro lado é possível observar ainda que estas redes de franquia conseguem
oferecer um maior número de serviços de apoio ao seus franqueados (valor maior que 1,96),
atuando diretamente nas oito dimensões de Garvin (2002) e ao mesmo tempo, conseguem
cobrar valores menores de royalties (valor menor que 1,96) por conta de sua extensa gama de
franqueados.
Além das quatro variáveis afetadas, oito das doze variáveis se mantiveram dentro do
intervalo de confiança, sendo elas: número de lojas próprias, capital de giro, taxa de franquia,
taxa de publicidade, tamanho em m², faturamento médio, Payback e número de funcionários.
Isso significa que algumas variáveis como: o número de lojas próprias, capital de giro, taxa de
franquia, taxa de publicidade, tamanho e número de funcionários, são todas variáveis
independentes, pois não possuem nenhuma influência na qualidade da franquia e nem na
escolha de um franqueado, ou seja, são variáveis que não são determinantes em relação a uma
franquia com ou sem o SEF. Mas, as variáveis de faturamento médio e Payback são duas
variáveis de que se esperava rejeição, sendo o valor do faturamento médio maior que 1,96 e o
do Payback menor que 1,96, também apresentaram um resultado dentro da média,
demonstrando que independentemente de ser uma grande franquia ou não, o prazo médio para
retorno dos investimentos e o faturamento médio mensal são próximos e, portanto, não devem
ser considerados como fatores chave para a escolha de uma franquia.
25
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Considerações Finais
A presente pesquisa analisou o Guia de Franquias e todas as variáveis disponíveis
através da média, desvio padrão e teste de hipóteses, onde das doze variáveis apresentadas,
apenas quatro (Número de lojas Franqueadas, Número de Serviços de Apoio, Instalação e
Royalties) demonstraram resultados fora do padrão, ou seja, apenas estas quatro das seis
variáveis possuem resultados determinantes para a qualidade. As principais considerações
desta pesquisa são:
a) O Selo de Excelência em Franchising é uma premiação que busca reconhecer a
qualidade e a excelência das empresas e de suas atuações como franqueadora,
buscando estimular a melhoria do desempenho de cada franquia através de uma
rigorosa avaliação de cada franqueado, porém, o para que cada empresa participe é
necessário preencher a muitos requisitos mínimos e realizar um alto investimento,
fazendo com que muitas empresas desistam de participar.
b) A variável de número de lojas franqueadas apresentou relevância nos três cálculos
realizados, apresentando uma grande média amostral, apresentou um alto desvio
padrão entre as amostras e apresentou um resultado positivo no teste de hipóteses,
sendo possível entender que são as franquias grandes e fortes que atraem mais
consumidores e investidores, portanto é uma variável determinante para a qualidade da
franquia.
c) A variável de número de serviços de apoios oferecidos também apresentou relevância
nos três cálculos realizados, mesmo tendo resultados aproximados na média e no
desvio padrão, apresentando uma baixa média amostral, um baixo desvio padrão e um
resultado positivo no teste de hipóteses, demonstrando que tanto as franquias com o
SEF, quanto as franquias sem o SEF, buscam oferecer serviços de apoio aos seus
franqueados, portanto, esta também é uma variável determinante para a qualidade da
franquia.
d) A variável de instalação também apresentou relevância nos três cálculos realizados,
apresentando uma alta média amostral, um alto desvio padrão e um resultado positivo
no teste de hipóteses, demonstrando que o custo das instalações tem grande
importância para o franqueador e para a manutenção da qualidade do produto e
serviço, portanto é uma variável determinante para a qualidade da franquia.
e) A variável royalties apresentou relevância em apenas um dos cálculos, já que
apresentou uma baixa média amostral, um baixo desvio padrão e um resultado
26
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
negativo no teste de hipóteses, sendo assim, neste caso apenas o custo mais baixo das
franquias com o SEF que é relevante ao franqueado.
Com isso podemos concluir que as franquias, por mais qualidade que possuam, nem
sempre se candidatam ao Selo de Excelência em Franchising por conta dos altos custos para
participação, e pelos requisitos mínimos exigidos pela Associação Brasileira de Franchising,
mas que isso não as faz perder a qualidade e excelência em seus produtos e serviços prestados
ao cliente. Conseguimos observar isto pela alta participação de franquias muito reconhecidas
no país como: Pizza Hut, Kopenhagen, Giraffas, KFC, Cacau Show e Amor aos Pedaços, que
não possuem o Selo de Excelência em Franchising, mas que mesmo assim possuem milhares
de unidades espalhadas pelo Brasil e pela alta qualidade de seus produtos e serviços
prestados, atraindo cada vez mais consumidores, empreendedores e investidores.
Podemos entender então que, um futuro investidor no ramo, pode utilizar o Guia de
Franquias como referência básica para encontrar o melhor investimento para o seu perfil e
objetivos, mas que não devem manter o foco em questões das franquias possuírem ou não o
Selo de Excelência em Franchising, mas que podem utilizar as variáveis: Número de lojas
Franqueadas, Número de Serviços de apoio oferecidos, Instalação e Royalties como base para
fazer uma seleção das franquias que melhor se encaixam em seu perfil e objetivos.
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29
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
A DISCREPÂNCIA DA IMPLANTAÇÃO E APURAÇÃO DA CONTABILIDADE DE
CUSTOS EM EMPRESAS INDUSTRIAIS NO ENSINO TRADICIONAL DE
CUSTOS:
Uma abordagem sobre o ensino da disciplina Contabilidade de Custos
CACOZZI, Alexandre4
Resumo
Nos últimos anos, surgiram diversos Sistemas de Informação Integrados nas Empresa
conhecidos como ERP. Os Sistemas de Informação surgiram com a finalidade de propor uma
maior agilidade no processamento das informações e de dar mais condições no gerenciamento
eficaz das empresas. A integração dos Sistemas se tornam indispensáveis devido ao
surgimento de novas tecnologias de produção e a necessidade de se obter informações
gerenciais mais interativos em um ambiente altamente competitivo. Por outro lado, por mais
paradoxal que possa parecer, o ensino de contabilidade de custos, especialmente nos cursos de
graduação, segue imune às transformações no ambiente empresarial posto que, continua a ser
abordado nos referidos cursos, da mesma maneira que era há década sem a preocupação desse
alinhamento com as inovações tecnológicas das empresas, tanto no aspecto operacional
quanto da tecnologia da informação. Desse modo, apesar de se esperar que o ensino da
matéria se apresente como agente de vanguarda e, portanto, protagonista de uma realidade
que se vive, ele vem se portando, na melhor das hipóteses, como mero espectador dos
acontecimentos.
Palavras-chave: Contabilidade, Contabilidade de custos, Ensino
Introdução
O ambiente econômico atual criou a necessidade de uma reestruturação da gestão de
custos. Pressões competitivas mundiais, o crescimento do setor de serviços e os avanços nas
tecnologias de informação e de manufatura mudaram a natureza de nossa economia e fizeram
com que muitos fabricantes mudassem drasticamente sua maneira de operar seus negócios.
Por sua vez, essas mudanças deram início ao desenvolvimento de práticas inovadoras e
relevantes para a gestão de custos. Consequentemente, sistemas de contabilidade de custos
foram desenvolvidos e implementados para que possam atender a essa nova demanda. Além
disso, o foco dos sistemas de contabilidade gerencial foram ampliados para possibilitar que os
gestores pudessem melhor atender as necessidades dos clientes e gerir a “cadeia de valores”
4 Mestre em Ciências Contábeis pela PUC – SP, Mestre em Administração de Empresas pela Uni-Sant’Anna,
MBA em Controladoria pela USP. Professor de Graduação e Pós-graduação da UniAnchieta e Gerente de
Administração Financeira, Controladoria e Suprimentos.
30
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
das empresas. Para assegurar a vantagem competitiva, os gestores enfatizam o tempo, a
qualidade e a eficiência. As informações contábeis precisam ser produzidas para apoiar essas
três metas organizacionais. Para se buscar essa meta, é necessário a utilização dos Sistemas de
Informação, que apresente as seguintes características:
Útil: atender às necessidades dos usuários;
Oportuna: estar à disposição na época certa;
Clara: facilmente entendida pelo usuário;
Íntegra: baseada em dados confiáveis;
Relevante: abordar diretamente os pontos fundamentais, com transparência;
Flexível: apresentar-se de várias formas e na linguagem do usuário;
Completa: incorporar dados físicos e outros complementares à informação;
Preditiva: fornecer indicadores de tendência.
Com a utilização de bons sistemas e uma boa parametrização, é possível atender as
exigências do Fisco, das Normas Contábeis e ainda atender os gestores internos com
informações gerenciais. Neste caso, é comum se ter duas contabilidades de custos (contábil e
gerencial). Tal prática se tornaria inviável sem a utilização dos Sistemas de Informação.
Esse trabalho tem como objetivo principal mostrar as deficiências existentes no ensino da
contabilidade de custos e nos livros didáticos, no curso de graduação, especialmente no que
diz respeito ao enfoque atual da disciplina, que vem sendo considerado por alunos e
profissionais como um aprendizado inoperante devido ao distanciamento, cada vez maior,
entre o que é ensinado e a realidade prática. Caso se confirme o distanciamento do que é
ensinado e o que se pratica, a disciplina em questão terá que passar por uma reformulação
para não cair no obsoletismo.
1. Contabilidade de Custos
A análise de custos é utilizada tradicionalmente como sendo o processo de avaliação do
impacto financeiro das decisões gerenciais alternativas. A gestão de custos deve ser vista, e
utilizada sob contexto mais amplo, em que os elementos estratégicos tornam-se mais
conscientes, explícitos e inseridos nos procedimentos da controladoria e da contabilidade de
custo.
31
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
A gestão estratégica de custos vem sendo utilizada para designar a integração que deve
haver entre o processo de gestão de custos e o processo de gestão da empresa em sua
totalidade. A integração é importante para que as empresas possam sobreviver num ambiente
de negócios crescentemente globalizado e competitivo.
A melhoria de produtividade e da qualidade, e a redução de custos por meio da eliminação
de todas as formas de desperdício para vencer a competição global, vem exigindo a geração
de dados e informações precisas e atualizadas, que auxiliem os gestores a tomarem decisões
corretas, tanto no nível de atividades relacionadas com suas áreas funcionais, como no nível
de investimentos.
Sob o ponto de vista “Custos”, as operações podem ser descritas de várias formas,
dependendo do tipo de produto, processos e serviços. A maneira de descrever as operações
industriais e de serviços são bem diferentes. As industriais são mais abrangentes, por
exemplo: Fabricar um produto significa manipular, combinar, transformar, agregar e
acondicionar matérias-primas, controlar qualidade, custos e perdas até chegar a produtos que
obedeçam a determinadas especificações.
De acordo com essa descrição, é fácil perceber que as matérias-primas originais estarão
recebendo valor, a cada passo do processo produtivo. Esse valor deve ser considerado de
diferentes formas: a cada passo do processo, a matéria-prima original recebeu operações de
transformação, que consumiram materiais auxiliares, energia, mão-de-obra, transportes até
estar próxima de um produto final vendável; recebeu, portanto, um aumento de valor
proporcional aos gastos nele aplicados.
Podemos afirmar, então, que a cada passo produtivo, o valor do produto será maior, se
tivermos a certeza de chegar ao produto acabado.
Chamamos “custo” ao valor adicionado às matérias-primas, ou seja, o valor dos
componentes adicionados e pré-montados, os vários materiais auxiliares e de consumo, a
mão-de-obra direta e indireta num processo de fabricação.
De Acordo com Horngreen et. Al (1997, p. 2), “contabilidade de custos mensura e relata
informações financeiras e não financeiras relacionadas à aquisição e ao consumo de recursos
pela organização. Ela fornece informação tanto para contabilidade gerencial quanto para a
contabilidade financeira”.
Portanto, podemos dizer que a contabilidade de custos é um produtor de um conjunto de
relatórios informativos e esclarecedores relacionados com as atividades da organização e com
seus diversos departamentos, que devem ser encaminhados à administração, para auxiliá-la no
controle e no processo de tomada de decisão.
32
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
2. O Ensino da Contabilidade de Custos nos cursos de graduação
A disciplina é matéria obrigatória nos cursos de graduação de Ciências Contábeis de
acordo com o curriculum vigente nas universidades.
Em geral, a disciplina é ministrada de 60 horas a 80 horas dependendo da grade curricular
de cada instituição.
A Ementa da disciplina de maneira geral contempla a seguinte matéria: Introdução à
Contabilidade de Custos. Realização de algumas classificações e nomenclaturas de custos.
Estudo de esquema básico da contabilidade de custos. Estudo de critério de rateio dos custos
indiretos. Apuração da contabilidade de custos por departamentalização. Estudo de materiais
diretos. Estudo da mão de obra direta. Apuração de custeio por ordem de produção e
produção continua. Apresentação do CPC 16 – Estoques. Estudo de aspectos fiscais relativos
à avaliação de estoques e apuração de custos.
A parte gerencial geralmente é tratada na disciplina de contabilidade gerencial.
A disciplina dá ênfase à empresa industrial, por apresentar uma complexidade maior na
apuração e aplicação dos métodos de custeio. O método de custeio mais estudado nessa
disciplina é o método de custeio absorção, por ser o que atende às normas de contabilidade e
ao Fisco.
A parte da disciplina que mais se aproxima da prática das empresas é o estudo da apuração
da contabilidade de custos por departamentalização. Como o objetivo desse estudo é analisar
a discrepância do que se ensina na Faculdade e das questões práticas da implantação e da
apuração dos custos nas empresas, vamos focar esse ponto da disciplina para a nossa análise.
3. O Ensino da Contabilidade de Custos por departamentalização
O Ensino da Contabilidade de Custos geralmente começa com as terminologias
utilizadas e a seguir com a fundamentação básica do funcionamento da apuração dos custos.
Os fatores que influenciam no resultado de qualquer empresa são representados por
meio das receitas auferidas, nos custos diretos, custos indiretos e despesas incorridas. Esses
fatores podem ser visualizados na Figura 1.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 1 – Esquema Básico da Contabilidade de Custos
De acordo com a figura 1, os custos diretos são facilmente alocados aos produtos,
enquanto os indiretos precisam passar por etapas e critérios de rateios para serem
incorporados aos mesmos. As despesas por sua vez, são reconhecidas diretamente ao
Resultado da empresa (independentemente se são Fixas ou Variáveis), ou seja, não integram
os estoques em nenhum momento.
3.1 Custeio por Absorção
O custeio por absorção veio a ser utilizado mais em razão dos critérios de avaliação de
inventários do que pelas necessidades gerenciais da empresa. Ele está de acordo com os
princípios fundamentais de contabilidade, pois considera todos os gastos industriais como
relacionados com os produtos. Nos primórdios da contabilidade industrial, os custos fixos não
eram relevantes e praticamente não havia necessidade de critérios de distribuição e alocação
de tais gastos aos diversos produtos da empresa.
O método de custeio por absorção é a aplicação dos princípios contábeis geralmente
aceitos e é, no Brasil, adotado pela legislação comercial e pela legislação fiscal.
Outros critérios diferentes têm surgido através do tempo, mas este é ainda o adotado pela
Contabilidade Financeira, portanto válido tanto para fins de Balanço Patrimonial e
Demonstração de Resultados como também, na maioria dos países, para Balanço e Lucro
Fiscais. A auditoria Externa tem-no como básico. Apesar de não ser totalmente lógico e de
muitas vezes falhar como instrumento gerencial, é aceito para fins de avaliação de estoques
(para apuração do resultado e para o próprio balanço).
De acordo com Schmidt (2000, p. 173) a escola alemã foi uma das mais prodigiosas no
impulso da Contabilidade de Custos. Schmalenback, em especial, destacou-se no
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
desenvolvimento conceitual da disciplina ao elaborar conceitos como o de centros de custos,
custo fixo e variável, etc.
Segundo Martins (2003, p. 220) com fundamento na ideia do uso de custos para fixar
preços, foi desenvolvida na Alemanha, no início do século XX, uma forma de alocação de
custos e despesas conhecida por RKW (Reichskuratorium für Wirtschaftlichtkeit). Por esse
método, todos os gastos do período (custos e despesas) eram apropriados à produção por meio
das técnicas de rateio. Nessa época, as despesas administrativas, comerciais e financeiras não
eram relevantes, pois todos os esforços estavam concentrados na produção.
Com o crescimento dos negócios em tamanho, em complexidade e na diversificação
geográfica ocorrida no século XIX, as despesas administrativas passaram a representar
importante parcela dos gastos empresariais e julgou-se necessário segregá-las dos custos e
apropriá-las diretamente ao resultado do exercício. O método de custeio por absorção não é
um princípio contábil em si, mas uma metodologia decorrente da aplicação desses princípios.
Dessa forma, o método é válido para apresentação de demonstrações contábeis e para
apuração do imposto de renda.
Os custos são apropriados aos produtos fabricados, tanto os custos diretos quanto os custos
indiretos. Os primeiros, por meio da apropriação sem critérios de rateio, e os indiretos,
contrariamente aos primeiros, têm sua atribuição com base nos rateios.
Observa-se, pela figura 1, que as despesas são contabilizadas nos resultados do período,
enquanto os custos somente são lançados no resultado, na parte correspondente aos produtos
vendidos, permanecendo o restante como estoque.
3.2 - Departamentos e Centro de Custos
De acordo com Martins (2003, p. 65):
Departamento é a unidade mínima administrativa para a Contabilidade de Custos, representada
por pessoas e máquinas (na maioria dos casos), em que se desenvolvem atividades
homogêneas. Diz-se unidade mínima administrativa porque sempre há um responsável para
cada Departamento, ou, pelo menos, deveria haver. Esse conceito que liga a atribuição de cada
Departamento à responsabilidade de uma pessoa dará origem a uma das formas de uso da
Contabilidade de Custos como forma de controle [...]
Martins (2003, p. 66) ainda ressalta que:
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Na maioria das vezes um Departamento é um Centro de Custos, ou seja, nele são acumulados
os Custos Indiretos para posterior alocação aos produtos (Departamentos de Produção) ou a
outros Departamentos (Departamentos de Serviços). Em outras situações podem existir
diversos Centros de Custos dentro de um mesmo Departamento [...]
Assim, Centro de Custos é a unidade mínima de acumulação de custos, e considerada
como centro de responsabilidade em que o gerente responde pelos seus custos.
Geralmente, as empresas implementam seus sistemas e métodos de custeios em sintonia
com sua estrutura organizacional. Dessa forma, os processos de fabricação são divididos em
Centros de Custos que absorvem os custos indiretos para depois serem apropriados aos
produtos. Os Centros de Custos são classificados em duas categorias: Centros de Custos
Auxiliares (CCA) e Centros de Custos Produtivos (CCP).
Os Centros de Custos Auxiliares são segmentos do processo produtivo que existem para
prestar serviços aos CCP, não atuando diretamente na linha de produção.
A figura 2 exemplifica a funcionalidade de uma Contabilidade de Custos por
departamentalização.
De acordo com Martins (2003, p. 74) o funcionamento de uma Contabilidade de Custos
por departamentalização (conforme a figura 2), pode ser estabelecida pelos seguintes passos:
1º Passo: Separação entre Custos e Despesas.
2º Passo: Apropriação dos Custos Diretos diretamente aos produtos (M.Prima e MOD).
3º Passo: Apropriação dos Custos Indiretos que pertencem, visivelmente, aos Centros de
Custos, agrupando, à parte, os comuns.
4º Passo: Rateio dos Custos Indiretos comuns aos diversos Centros de Custos, quer
Auxiliares, quer Produtivos.
5º Passo: Escolha da sequência de rateio dos Custos acumulados nos Centros de Custos
Auxiliares e sua distribuição aos demais Centros de Custos.
6º Passo: Atribuição dos Custos Indiretos que agora só estão nos Centros de Custos Produção
aos produtos, segundo critérios fixados.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 2 – Esquema da contabilidade de custos por departamentalização
FONTE: Martins (2003, p. 74) com adaptações
Os produtos não passam pelos Centros de Custos Auxiliares, por exemplo, o centro de
manutenção, pois o serviço de manutenção não é prestado aos produtos, mas aos Centros de
Custos Produtivos. Os custos de manutenção são integrantes do processo produtivo, mas serão
apropriados, em primeiro lugar, aos Centros de Custos Produtivos, para depois serem
apropriados aos produtos.
Já os Centros de Custos Produtivos são segmentos do processo produtivo por onde os
produtos passam e recebem um beneficiamento até serem considerados prontos para venda.
Depois da conceituação, a disciplina mostra a metodologia de cálculo e a contabilização de
uma forma simples, sem a preocupação de se atualizar com as evoluções e implantações dos
Sistemas de Informação (ERP – Enterprise Resources Planning) nas empresas, criando assim
um vácuo do que se ensina nas Faculdades com que de fato se aplica nas empresas. De acordo
com Lang et. al (2010) “além do sistema de custos, os sistemas de informação (SI),
suportados pelas tecnologias de informação (TI), podem aumentar a competitividade global
da empresa”. Isso reforça a importância da disciplina de contabilidade de custos estar
atualizada a este ambiente da tecnologia da informação empresarial.
Quando os professores são questionados sobre essa discrepância, a resposta é sempre
parecida: “estamos passando aqui uma ideia geral, ou seja, uma noção básica”. Isso tende a
aumentar quando os professores têm uma formação apenas acadêmica, não associada à
vivência prática, porque os livros didáticos da disciplina também não apresentam uma
introdução mais contemporânea sobre o assunto.
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4 - Implantação e Apuração da Contabilidade de Custos em uma Empresa Industrial
Para a implantação da Contabilidade de Custos é necessário percorrer algumas fases, sendo
elas:
Levantamento do Fluxograma de funcionamento da empresa;
Levantamento das informações contábeis e gerenciais necessárias;
Escolha de um Sistema de ERP;
Parametrização do Sistema;
Apuração do Custo;
Extração de Relatórios;
Análise das informações geradas para tomada de decisão.
É necessário primeiramente a realização de um levantamento minucioso do fluxo de
produção e administrativo da empresa, para sua operação conforme o exemplo da figura 3.
Após este levantamento, podemos começar a definir os próximos passos para sua
implantação.
Juntamente com o levantamento minucioso do fluxo de processo da empresa, é
imprescindível já na escolha do Sistema de ERP, quais serão as informações contábeis e
gerenciais para uma boa gestão da empresa, para que não se ocorra erros na customização do
sistema e na sua parametrização, e com isto o sistema de apuração de custos não venha
atender a empresa na sua real necessidade.
Portanto, segundo Passarelli (2006, p. 44), “a implantação de um sistema de controle e
análise de custos requer um completo entendimento, por parte do responsável ou
responsáveis, da estrutura da organização, dos processos de produção e, também, do tipo de
informação desejada pela administração”.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 3 – Fluxo de Processo de uma Empresa Industrial
4.1 – Levantamento do Fluxograma de funcionamento da empresa
Como exemplo, apresentamos o fluxograma de uma empresa hipotética, conforme a figura
3. Podemos observar que a empresa possui cinco centros de custos, sendo: dois da área
administrativa (Administrativo e Comercial) e três da área produtiva (Almoxarifado,
Administração da Produção e Montagem).
Muitas empresas confundem os centros de custos administrativos com centro de custos
produtivos ou vice-versa. Portanto, vale ressaltar que custos e despesas não são sinônimos,
pois os custos estão diretamente relacionados ao processo de produção de bens ou serviços,
ou seja, até o momento em que o produto está pronto para a venda. A partir daí todos os
gastos passam a ser despesas, por exemplo: gastos administrativos, gastos com vendas,
despesas financeiras, que integram diretamente o Resultado da empresa (DRE).
Custos são todos os gastos incorridos no processo de fabricação de determinado produto,
sendo que os principais custos que compõem o processo de produção são: a matéria-prima,
mão-de-obra e os gastos indiretos (tais como energia elétrica, água, manutenção, mão de obra
indireta, etc).
Na área industrial, vamos observar que os centros de custos Almoxarifado e Administração
da Produção são de apoio ao centro de custo produtivo da Montagem. É na montagem que
ocorre de fato a industrialização do produto, portanto, os gastos dos centros de custos de
apoio são rateados para o centro de custo produtivo e consequentemente são adicionados aos
seus próprios gastos e rateados aos produtos produzidos.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Então, vamos observar que no centro de custo produtivo é consumido matéria-prima; mão
de obra direta e outros gastos gerais de fabricação necessário à produção do produto. Os
gastos são transferidos aos produtos por intermédio de apontamentos de produção,
denominados como Ordens de Produção. Após o término do produto e a apuração do seu
custo financeiro, ele é transferido para o estoque disponível para venda (estoque de produto
acabado), conforme já comentado, todos os gastos a partir deste momento serão classificados
como despesas.
Conforme forem ocorrendo as vendas os custos dos produtos vendidos são reconhecidos
no resultado (DRE), baixando se assim os estoques dos produtos acabados.
Vale ressaltar, que esses conceitos são muito bem estudados na disciplina de contabilidade
de custos.
4.2 Parametrizações
Já a parte de parametrizações dos Sistemas de ERP, são basicamente ignorados ou quando
vistos, são realizadas de maneira superficial no ensino da contabilidade de custos, criando se
assim, uma defasagem significativa entre o que é ensinado e o que de fato se pratica nas
empresas.
É comum os Sistemas de ERP na sua maioria não atender a demanda das empresas
industriais por não terem a capacidade de abranger as particularidades e a complexidade
industrial de cada empresa, sendo necessário na sua maioria, customizações no Sistema.
Outro ponto fundamental, na implantação são as parametrizações do sistema de maneira
correta, sempre visando as informações a serem obtidas.
As parametrizações do Sistema consistem em cobrir alguns pontos necessários:
Definição do Plano de Contas;
Cadastro dos Centros de Custos;
Cadastro de itens (materiais e produtos);
Criação do Mapa de Rateio.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
4.2.1 Plano de Contas
De acordo com Marion (2008, p. 120), “o plano de contas é o agrupamento ordenado de
todas as contas que são utilizadas pela contabilidade dentro de determinada empresa. Cada
empresa, de acordo com sua atividade e seu tamanho (micro, pequena, média ou grande),
deve ter seu próprio Plano de Contas”.
Conforme Iudícibus (2010, p. 740),
A elaboração de um bom Plano de Contas é fundamental no sentido de utilizar todo o potencial
da Contabilidade em seu valor informativo para os inúmeros usuários. Assim, ao preparar um
projeto para desenvolver um Plano de Contas, a empresa deve ter em mente as várias
possibilidades de relatórios gerenciais e para uso externo e, dessa maneira, prever as contas de
acordo com os diversos relatórios a serem produzidos. Se anteriormente isso era de grande
importância, atualmente, com os recursos tecnológicos da informática, passou a ser essencial,
pois tais relatórios propiciarão tomada de decisão mais ágil e eficaz por parte dos usuários.
A codificação do plano atribui números aos grupos e as contas do Balanço Patrimonial e
DRE, facilitando a contabilidade mecanizada e eletrônica, conforme o exemplo a seguir de
algumas contas:
Conforme já comentado, a elaboração de um Plano de Contas é de fundamental
importância para que se tenha uma boa contabilidade. Mas esse assunto não é abordado na
disciplina de contabilidade de custos, como também nos livros didáticos referente à disciplina.
No ensino desta, os docentes trabalham mostrando suas contabilizações por meio de
razonetes, mas insuficientes para que na prática possa se criar um plano de contas de forma a
atender a contabilidade de custos. Muitos professores entendem que a elaboração do Plano de
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Contas pertence a outras disciplinas, mas a contabilidade de custos de uma empresa industrial
exige a criação de várias contas específicas que não são abordadas durante o curso, o que gera
dificuldades para o aluno quando ele chega ao mercado de trabalho.
Na sequência deste trabalho, estaremos demonstrando várias contas específicas não
abordadas na disciplina aqui estudada.
4.2.2 Centro de Custos
De acordo com Figueiredo & Caggiano (1997, p. 38), os centros de custos são segmentos
onde são gerados os resultados parciais com base na acumulação de gastos decorrentes da
realização de eventos econômicos.
O Centro de Custos é um centro de responsabilidade no qual um gestor é responsável pelos
gastos. Portanto, uma empresa é dividida por áreas e depois subdivididas em centro de custos,
como exemplo da tabela 1.
Tal centro é a unidade administrativa, representada por pessoas e máquinas (na maioria
dos casos), em que se desenvolvem atividades homogêneas.
No caso dos Centros de Custos da Área Industrial, são acumulados os gastos Indiretos para
posterior alocação aos produtos pelos apontamentos de produção. Já os Centros de Custos da
Área Administrativa são reconhecidos diretamente no Resultado do período.
Tabela 1 – Centro de Custos
O estudo dos centro-de-custos, são abordados por várias disciplinas, como: contabilidade
gerencial, controladoria, mas principalmente pela contabilidade de custos. Portanto, o assunto
é abordado nas aulas e atende de maneira satisfatória a prática das empresas.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
4.2.3 Cadastro de Itens
O assunto que veremos a seguir sobre o cadastro de itens, também não é abordado na
disciplina de contabilidade de custos, sendo ele parte fundamental para que se possa ter uma
boa contabilidade.
Toda a apuração dos custos ocorrerá por intermédio da movimentação dos itens pelos
estoques, pela produção e pela venda. Quando se compra uma matéria-prima, um material de
embalagem e outros itens de estoque, estaremos movimentando os itens cadastrados e as
contas contábeis parametrizadas a esses itens. Os itens facilitam os usuários no seu dia-a-dia,
uma vez que não precisam estar trabalhando com um plano de contas em mãos (uma vez que
os itens já foram parametrizados a uma conta contábil especifica). Os mesmos podem ser
parametrizados a uma conta contábil conforme a figura 4.
Figura 4 – Estrutura de do Cadastro de Itens
Podemos observar, que vários itens são parametrizados a uma mesma conta contábil. É
comum acharmos que cada item poderia ser uma conta, mas isto traria uma dificuldade
enorme para o cadastro, como também para o seu manuseio por parte dos usuários, devido as
contas contábeis possuírem uma estrutura com uma maior quantidade de números.
Portanto, o cadastro de itens tem que possuir poucos números e apresentar uma
racionalidade, para que possa facilitar a sua memorização e o seu manuseio pelos seus
usuários.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
4.2.4 Cadastro do Mapa de Rateio
O mapa de rateio é abordado na disciplina de contabilidade de custos, de maneira
satisfatória ao que se pratica nas empresas atualmente, exceto a forma da sua contabilização
por meio da utilização das contas contábeis, no qual estaremos demonstrando a seguir.
Para a construção do Mapa de Rateio é necessário dividir os Centros de Custos da Área
Industrial em dois grandes grupos: os de Serviços e os de Produção, conforme a tabela 2.
Os de Serviços, existem basicamente para a execução de atividades de apoio à produção
dos produtos. Exemplo: manutenção, qualidade, almoxarifado, etc.
Já os de Produção, são os que promovem qualquer tipo de modificação direta aos produtos
a serem produzidos.
Tabela 2: Mapa de Rateio da Área Industrial
Conforme a Tabela 2, temos o Almoxarifado e a Administração da Produção que prestam
serviço ao Centro de Custo da Montagem (onde de fato ocorre a Produção do produto).
Antes da atribuição dos custos indiretos aos produtos, é necessário que os gastos sejam
alocados aos seus respectivos centros de custos. Portanto, os gastos dos centros de Custos de
serviços ou auxiliares têm que ser distribuídos (rateados) aos Centros de Custos Produtivos e
após isso, distribuídos (rateados) aos produtos produzidos, conforme os consumos de horas
dos produtos fabricados (mediante as horas apontadas nas ordens de produção).
Os custos originados no próprio Centro de Custo são os primários; e os recebidos por
rateio de outros Centros de Custos são chamados de secundários.
4.2.5 Ordem de Produção
Na disciplina de contabilidade de custos é muito abordado a apuração dos custos, mas
geralmente não é comentado de forma prática, como ocorre os apontamentos e valorização
contábil da produção. Portanto, estaremos vendo como isso ocorre na prática.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Os custos são acumulados numa ordem de produção, na qual fornece o registro do
material direto, mão-de-obra direta e dos custos indiretos de fabricação, sendo que estes
últimos serão apurados após um complexo processo de rateio (mapa de rateio). A ordem de
produção só para de receber custos quando estiver encerrada. Se terminar um período contábil
e o produto estiver ainda em processamento, não há encerramento, permanecendo os custos
incorridos na forma de produtos em elaboração, no ativo; quando a ordem for encerrada,
efetua-se o débito ao Estoque de Produtos Acabado e o crédito do Estoque de Produtos em
Processo de Fabricação. Produção por ordem consiste na produção de vários produtos.
As ordens de produção são abertas para o apontamento de cada produção e parametrizadas
a uma única conta contábil. Portanto, a ordem de produção é utilizada pelos apontadores de
produção no “chão de fábrica”, para que possam declarar os produtos produzidos, como
também os itens utilizados (matéria-prima e materiais de embalagens quando for o caso), o
tempo de mão de obra utilizada e o tempo de processo utilizado, conforme a Tabela 3.
Os Sistemas de ERP disponíveis hoje no mercado, buscam facilitar o usuário já trazendo a
estrutura do produto quando se coloca o seu código. Isso é possível graças ao cadastro da
ficha técnica (estrutura unitária de todos os itens que compõe a fabricação) do produto no
módulo de engenharia do sistema. Conforme os apontadores de produção vão realizando o
apontamento, o sistema já vai calculando as variações, mostrando se há uma discrepância
muito alta ou não.
Tabela 3 – Modelo de Ordem de Produção
4.2.6 Apuração do Custo
Essa parte é abordado na disciplina de maneira muito simplificada, sem a preocupação de
informar os alunos da importância da integração de todos os módulos do sistema ERP com a
contabilidade de custos, como também da arquitetura das contabilizações que ocorrem.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Muitos docentes dessa disciplina, comentam que a complexidade de uma contabilidade de
custos na prática torna impossível sua aplicação em sala de aula.
Após o sistema de custos estar todo parametrizado, podemos realizar a apuração do mesmo.
Para que ocorra a apuração dos custos dos produtos é necessário que todos os módulos do
sistema ERP estejam fechados e integrados à contabilidade, por exemplo, a folha de
pagamento fechada e contabilizada nos seus respectivos centros de custos, o ativo fixo
(módulo que controla todos os ativos imobilizados da empresa) já calculado a depreciação e
contabilizada nos seus respectivos centros de custos como os demais módulos.
A movimentação do estoque físico ocorre durante o mês para que se possa ter um controle
em tempo real do inventário. Essa movimentação ocorre pelas entradas físicas (Compras) nos
estoques, pelas requisições dos materiais, pelos apontamentos de produção (Ordem de
Produção) e pela sua baixa na venda. Portanto, o módulo de custos quando for apurado,
valoriza financeiramente as movimentações já realizadas durante o período.
Conforme a figura 2 já visualizada anteriormente, temos os seguintes passos para a
apuração da Contabilidade de Custos:
1º Passo: Contabilização dos gastos em seus respectivos centros de custos:
2º Passo: Contabilização do Mapa de Rateio.
Nesse momento, o sistema irá distribuir os custos indiretos dos Centros de Custos de
Serviços (Almoxarifado e Administração da Produção) para o Centro de Custo Produtivo, de
acordo com a utilização dos seus serviços consumidos.
Para a distribuição dos gastos entre os departamentos e por fim aos produtos, são criadas
contas contábeis especificas como podemos observar na tabela 4. Parte tão importante, que
também não são ensinadas na disciplina de contabilidade de custos.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Tabela 4 – Rateio dos Gastos entre os Centros de Custos
Esta engenharia contábil é realizada para permitir futuras consultas aos gastos realizados.
Portanto, para alocação dos gastos totais dos centros de custos auxiliares, criou-se uma conta
chamada de Redutora de Custos, no qual vai ter como contrapartida as contas também criadas
de Rateios (em nosso caso: Rateio do Almoxarifado e Rateio da Adm da Produção), conforme
a figura 5.
Figura 5 – Grade Contábil – Rateio dos centros de custos auxiliares para o centro de custo produtivo
Após todos os gastos dos centros de custos auxiliares estarem contabilizados no centro de
custo produtivo, é necessário realizar a sua transferência aos produtos, por meio das contas de
absorções, conforme a figura 6.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 6 – Grade Contábil – Rateio do centro de custo produtivo para a Ordem de Produção
A partir de então, calcula-se as taxas horas com base nos gastos apurados nas contas de
Absorção (MOD; E.Elétrica; Depreciação e GGF), conforme tabela 4, dividido pela
quantidade de horas apontada na Ordem de Produção.
Podemos observar o cálculo na tabela 5, onde a quantidade de horas apontadas foram
27.000 horas, e os respectivos custos unitários calculados para cada tipo de Absorção. O custo
unitário calculado será utilizado para valorizar a ordem de produção de acordo com seu
apontamento de horas.
Tabela 5 – Apuração do Custo Unitário
3º Passo – Apuração do Custo da Matéria-Prima
A apuração do Custo da matéria-prima é realizada pelas compras dos materiais menos os
impostos que darão direito a crédito, conforme a figura 7 abaixo.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 7 – Grade Contábil da Operação de compra
Quando se dá a entrada em uma nota fiscal no sistema, temos dois tipos de recebimentos,
sendo o primeiro o recebimento fiscal, onde já são lançados todos os impostos e alimenta o
módulo do sistema de pagamentos da empresa para que o financeiro possa de imediato
programar esse pagamento no seu fluxo. O segundo, o recebimento físico dependendo do
material a ser recebido deverá passar por análises de qualidade, conferência da quantidade
física recebida, ou seja, um processo mais demorado.
Após a integração da matéria-prima no estoque, realizamos o cálculo do seu custo, que
pode utilizar algumas metodologias de apuração (PEPS, UEPS e PMP), aqui estaremos
realizando pelo médio, conforme o exemplo abaixo:
O consumo da matéria-prima será realizado mediante as requisições da área da produção
no almoxarifado da empresa e o seu apontamento nas ordens de produção.
4º Passo – Apuração do Custo da Mão de Obra Direta
O fechamento do custo da Mão de Obra é realizado pelo módulo da Folha de Pagamentos
e fica sobre a responsabilidade do R.H da empresa. O cálculo consiste em pegar os Salários,
Provisões de Férias, Provisões de 13º Salário, Encargos Sociais, Benefícios (vale transporte,
vale refeição, cesta básica, seguro de vida, assistência médica, participação nos resultados,
etc). Após a sua apuração, a contabilidade realiza a integração da folha com as
contabilizações nos seus respectivos centros de custos, isso ocorre de forma automática, uma
vez que cada funcionário já está registrado na sua função e no seu respectivo centro de custo.
Portanto, na contratação do funcionário já se faz a parametrização, para que o sistema possa
classificar qual tipo de mão de obra ele se refere (Mão de Obra Direta, Mão de Obra Indireta
ou Mão de Obra Administrativa). Segue abaixo a contabilização da Folha de Pagamento em
seus respectivos centros de custos.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
O custo da Mão de Obra Direta é calculado da seguinte forma:
A - Custo Total da Mão-de-Obra Direta = $ 44.000
B - Total de horas homens apontadas nas Ordens de Produção = 27.000 hrs
C - Custo por hora (A ÷ B) = $ 1,6296
5º Passo – Apuração do Custo da Ordem de Produção
Essa é a última etapa do processamento da contabilidade de custos, que é a valorização
financeira da Ordem apontada conforme a tabela 6. Vamos verificar, que a apuração do custo
total de cada item, se dá pela multiplicação da quantidade de materiais e horas consumidas
necessárias para produção do produto pelos custos unitários já apurados nos passos anteriores.
Tabela 6 – Valorização da Ordem de Produção
A sua contabilização se procede da seguinte forma:
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Caso a produção do produto esteja totalmente terminado, transferimos contabilmente para
o estoque de produtos acabados, conforme o lançamento abaixo:
Caso não tenha terminado a produção no final do período de apuração, mantém-se a
Ordem em aberto, também registrada no Grupo de Estoques no Ativo Circulante.
Após a transferência para produtos acabados calcula-se o custo médio e conforme forem
ocorrendo as vendas, contabiliza-se para o Resultado na conta do C.P.V (Custos dos Produtos
Vendidos).
Vamos verificar que a disciplina de contabilidade de custos apresenta o assunto de maneira
muito superficial, no que se refere também a parte da apuração dos custos, deixando assim
uma discrepância enorme do que se tem na prática das empresas versus a teoria apresentada.
Considerações Finais
Podemos verificar a complexidade da implantação e contabilizações mediante apuração de
uma contabilidade de custos e a necessidade do entendimento do contador com a arquitetura
dos Sistemas de Informação (ERP), para que a sua parametrização ocorra de forma plena a
atender as necessidades dos agentes externos e internos da empresa.
Por outro lado, tem o problema objeto deste trabalho. Podemos constatar que o ensino da
contabilidade de custos nos cursos de graduação, está dissociado do atual ambiente de
informação das empresas, não reproduzindo aos alunos o conhecimento necessário para o seu
entendimento nas parametrizações e no funcionamento de um Sistema de Contabilidade de
Custos na prática.
É comum encontrarmos nas empresas, profissionais da área contábil com dificuldades em
entender a apuração e as informações geradas pela contabilidade de custos, devido o ensino da
mesma e a produção acadêmica não estar sendo suficientes para prepará-los nesta direção.
Portanto, podemos concluir a necessidade de uma reformulação no ensino da contabilidade
de custos nos cursos de graduação, para que se atualize e evite se tornar obsoleto e
dispensável.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
É preciso evitar que isto aconteça, porque informações de custos sempre serão importantes
na medida em que sempre haverá alguém produzindo bens ou serviços. É necessário atualizar
e preparar os alunos para a realidade da revolução tecnológica operacional, da informação e
do ambiente de competitividade das empresas, com o objetivo de resguardar a relevância do
ensino da contabilidade de custos.
Referências Bibliográficas:
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informação. VII Congresso Brasileiro de Custos. Recife. 2 a 4 de agosto. 2.000.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
CRÍTICA A ABORDAGEM FUNCIONALISTA NA ANÁLISE ORGANIZACIONAL
GARRIDO, Giovanna5
SALTORATO, Patrícia6
Resumo
Ao se analisar o campo dos estudos organizacionais, percebe-se que apesar da tradição
delineada pela psicologia organizacional, o debate acerca dos fenômenos organizacionais
mantem-se centrado nas filosofias científicas comprometidas com os ideais objetivistas.
Considerando esta hegemonia nas análises organizacionais (e a importância de redirecionar o
olhar sobre as mesmas) este estudo de cunho bibliográfico visa explorar o escopo analítico
dos paradigmas sociológicos de Burrell; Morgan (1979) apresentando as filosofias que os
delineiam. Complementarmente, buscou-se tecer uma crítica à ortodoxia objetivista
contextualizando as bases nas quais repousam as análises dominantes no campo dos estudos
organizacionais, explicitando a parcialidade das mesmas e a forma como o desconhecimento
da diversidade paradigmática tem limitado o desenvolvimento dos estudos organizacionais em
seus mais agudos termos. Os resultados destacam a necessidade de adoção de metodologias
ideográficas de pesquisa, considerando que só seja possível compreender o mundo social
enfatizando também as abordagens subjetivas que marcam a realidade organizacional.
Palavras-chave: Paradigmas sociológicos; análise organizacional; abordagem objetivista.
5Mestre em Engenharia de Produção UFSCar – campus Sorocaba Pesquisadora do Grupo de Apoio à Inovação e
Aprendizagem Organizacional (GAIA) – CTI/Campinas Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq)
6 Doutora em Engenharia de Produção UFSCar – campus São Carlos Mestre em Engenharia de Produção – USP
campus São Carlos Bacharel em Engenharia Civil – Unesp campus Guaratinguetá Pesquisadora do Núcleo de
Sociologia Econômica e das Finanças (NESEFI – UFSCar campus São Carlos) Líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Inovação e Transferência Tecnológica (GEPITEC – UFSCar campus Sorocaba)
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
1 Introdução
Muito se é debatido a respeito da diversidade de pensamentos que permeia a realidade
científica. Para todos os ramos da ciência existe uma infinidade de alternativas de teorização e
pesquisa que acabam por gerar enormes debates na literatura.
Intuídos em resolver este dilema, Burrell; Morgan (1979) se dispuseram a debater sobre a
teoria social em geral e a teoria das organizações em particular em meio a um contexto
sociológico mais amplo, concebido em termos de quatro paradigmas que se portam como
agrupamentos de visões da realidade social, sendo estes o Funcionalista, o Interpretativo, o
Humanista-Radical e o Estruturalista-Radical (BURRELL; MORGAN, 1979).
Sabe-se que, quando propuseram o desenvolvimento do modelo de categorização
paradigmática, Burrell; Morgan (1979) modelaram perspectivas científicas voltadas à
subjetividade e à objetividade, atribuindo ênfase na possibilidade de essas diferentes
perspectivas serem utilizadas para a análise de uma vasta gama de teorias sociais e, inclusive,
para análise dos fatos e dos fenômenos organizacionais. Com isso, foi constituído um
ferramental poderoso para a teoria das organizações (BURRELL; MORGAN, 1979), uma
arena onde o dualismo de subjetividades e objetividades assume contornos agressivos.
Todavia, ao analisar-se as bases deste campo, as perspectivas objetivistas sempre
alcançaram predominância no desenvolver das pesquisas (PECI, 2003), a ponto de
constituírem a "ortodoxia" na pesquisa científica da área organizacional (VERGARA;
CALDAS, 2005). Por consequência, o debate acerca das organizações e dos fenômenos
organizacionais expressa um extenso comprometimento com os ideais racionais dominantes
nas fronteiras do campo dos estudos organizacionais; as explicações para fatos e fenômenos
organizacionais são advindas, principalmente, de um mesmo conjunto de pressuposições
metateóricas,
Sendo assim, a incapacidade de promover um afastamento da visão de mundo tradicional,
visto a sua contínua afirmação e reafirmação, faz com que ela assuma um status ainda mais
real, mais corriqueiro e mais inquestionável, restringindo a análise organizacional nos mais
agudos termos e limitando-a em uma base científica cujas perspectivas metateóricas são
fundamentadas de forma estreita e superficial (BURRELL; MORGAN, 1979). Com a atenção
voltada àquilo que é diretamente observável, as análises dos fenômenos organizacionais são
submergidas em meio a uma objetividade excessiva que desconsidera qualquer teor que, de
certa forma, submeta-as a uma visão mais subjetiva dos fatos.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Assim, considerando a hegemonia exercida pela abordagem objetivista no campo dos
estudos organizacionais (CALDAS; FACHIN, 2005) e a necessidade de uma visão científica
mais liberta da razão, este estudo tem como objetivo explorar o escopo analítico dos
paradigmas sociológicos de Burrell; Morgan (1979) na análise organizacional com o intuito
de tecer uma crítica relativa a ortodoxia objetivista que permeia o campo dos estudos
organizacionais.
Para tanto, o estudo primeiramente revisita os paradigmas sociológicos de Burrell;
Morgan (1979), buscando explicitar, de forma mais didática, a conceituação de termos e
filosofias que delineiam cada uma das dimensões paradigmáticas propostas ao estudo das
organizações. Subjacente a esta revisitação, são contextualizadas as bases nas quais repousam
os modelos de análises imperantes no campo dos estudos organizacionais, deixando explícita
a motivação da pesquisa em ressaltar a fragilidade e a parcialidade das análises dominantes e
a forma como o desconhecimento da diversidade paradigmática tem aprisionado e limitado o
desenvolvimento dos estudos organizacionais.
2. As Metateorias dos paradigmas e as diferentes dimensões de análise
A base sociológica do modelo de categorização paradigmática proposta por Burrell;
Morgan (1979) é fundamentada na sobreposição dos conjuntos de pressuposições
metateóricas acerca da natureza da ciência social, a dimensão subjetiva-objetiva; e da natureza
da sociedade, a dimensão regulação-mudança radical. Os pressupostos metateóricos
respectivos a cada uma das dimensões são listados na Figura 1 abaixo.
Antes de analisar os pressupostos acima individualmente, vale enfatizar que cada um
dos conjuntos de pressuposições representa um eixo do modelo de categorização proposto por
Burrell; Morgan (1979) que, quando sobrepostos, delimitam os quatro quadrantes
paradigmáticos e seus respectivos vieses de desenvolvimento científico.
Figura 1 – Pressuposições metateóricas da natureza da ciência e da sociedade
Dimensão Subjetiva-Objetiva Dimensão Regulação-Mudança Radical
Ontologia Epistemologia Natureza Humana Metodologia
Sociologia da Regulação Sociologia da Mudança Radical
Fonte: Autores
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
2.1 Dimensão Subjetiva-Objetiva
As metateorias listadas na Figura 1, concernentes à dimensão subjetiva-objetiva
resumem-se em quatro pressuposições sobre a natureza da ciência: a ontológica, a
epistemológica, a natureza humana e a metodológica. A Figura 2 explicita em que se
fundamenta cada uma destas pressuposições.
Cada uma das pressuposições acima aborda a natureza da ciência por meio de um viés
próprio, motivo pelo qual Burrell; Morgan (1979) enfatizam que a ciência social deve ser
conceituada assumindo-as como base. Tendo em vista a elevada relevância conferida à
dimensão analítica subjetiva-objetiva, inclusive sua consideração como a principal dimensão
do modelo de Burrell; Morgan (1979), as quatro pressuposições explicitadas acima têm
atraído muita discussão na literatura no que se refere à utilização das mesmas para abordagens
explícitas ou implícitas dos fenômenos investigados. Como consequência, cada uma destas
pressuposições suscita um debate que opõe duas formas diferentes de abordar a natureza da
ciência social, delineando o dualismo entre a ciência subjetiva e a ciência objetiva, conforme
mostra a Figura 3.
Figura 2: Fundamentação das pressuposições metateóricas da dimensão subjetiva-objetiva:
Ontológicas Epistemológicas Natureza Humana Metodologia
Relativa à essência do fenômeno estudado
Relativa à forma de obtenção do conhecimento sobre o fenômeno estudado
Relativa à relação entre o ser humano e o ambiente
Relativa à forma de condução da pesquisa
Fonte: Autores
Figura 3 – Sistematização do debate entre as abordagens subjetivas e objetivas da ciência
Fonte: Adaptado de Burrell & Morgan (1979, p.3).
Ontologia
Epistemologia
Natureza Humana
Metodologia
Nominalismo
Antipositivismo
Voluntarismo
Ideográfica
Realismo
Positivismo
Determinismo
Nomotética
Abordagem subjetivista das Ciências sociais
Abordagem objetivista das Ciências sociais
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Considerando o debate ontológico, grande é o montante das controvérsias e das
discussões na literatura em relação à verdadeira essência do fenômeno a ser investigado; se o
mesmo é um dado do mundo ou produto da mente de um dado pesquisador. A vertente
Realista do debate percebe o mundo como uma entidade real e tangível, como algo externo à
cognição individual, cuja existência independe da presença do indivíduo. Nascido e
incorporado por essa entidade com existência própria, não há nada na realidade estudada
passível de ser criado, tudo já é determinado, concreto e imutável (BURRELL; MORGAN,
1979). Assumindo um caráter mais subjetivo, a vertente Nominalista defende que o mundo
social não existe independentemente do indivíduo. Aliás, externo a ele, nada existe
(SARTRE, 1966). Ou seja, tudo é fruto da sua própria imaginação (SILVA, 2010) e de sua
própria experiência (Sartre, 1966). Aquilo que for externo à cognição individual consistirá
somente em nomes e conceitos que permitem ao indivíduo utilizá-los para a estruturação da
realidade que porventura construa.
Já, por meio do debate epistemológico busca-se discutir sobre o campo do
conhecimento científico acerca da realidade social, visto que, conforme ressaltam Morgan;
Smircich (1980), as diferentes visões de mundo implicam em diferentes naturezas de
conhecimento. Assim, vale ressaltar que cada implicação epistemológica (Positivista ou
Antipositivista) é determinada por um conjunto particular de pressupostos da filosofia
ontológica da ciência. Deste modo, as diferentes ênfases da epistemologia seguem as
mudanças graduais das abordagens ontológicas (BURRELL; MORGAN, 1979; MORGAN;
SMIRCICH, 1980).
Dito isso, o Positivismo e o Antipositivismo se defrontam, respectivamente, na
determinação do conhecimento como algo rígido, real e que pode ser adquirido e transmitido
de forma tangível ou como algo mais intangível, mais espiritual, mais subjetivo, cuja base
está na experiência pessoal daquele que o possui. Isto é, enquanto os pressupostos
Positivistas, ligados à visão ontológica Realista, defendem a possibilidade de mensuração da
realidade (SILVA, 2010) e a importância de se compreender os fenômenos sociais somente
pelo estudo das regularidades e do relacionamento de causa e efeito entre os seus elementos
constituintes; os ideais Antipositivistas, ligados à visão Nominalista, ignoram a menção do
conhecimento pelo mero testar das hipóteses e pressupõem que só é possível entender os
elementos sociais do ponto de vista do participante e não como mero observador de fatos. Ou
seja, para o Antipositivismo, o mundo só é entendido do ponto de vista daqueles que estão
diretamente envolvidos com os fenômenos estudados (BURRELL; MORGAN, 1979).
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Assim, a vertente Antipositivista, rejeita a caracterização da ciência como mera
produtora de conhecimento objetivo; devido sua carga de subjetividade, o conhecimento é
visto como algo único e de natureza essencialmente pessoal e não como um fenômeno
mensurado em termos de fatos sociais (MORGAN; SMIRCICH, 1980; SILVA, 2010).
No debate referente à natureza humana, ressalta-se a questão do relacionamento entre o
indivíduo e o ambiente que o circunda. A vertente Determinista considera que o
comportamento e as experiências individuais são condicionados às circunstâncias externas, ou
seja, são determinados pela situação, são produtos do ambiente. Isso ocorre a tal ponto que, na
busca por informações, alguns parâmetros já são consolidados e pré-definidos (SILVA, 2010).
Porém, ao enfocar estritamente na primazia do ambiente e em sua capacidade de exercer
domínio no indivíduo, tal visão menospreza incorretamente o papel do Voluntarismo
(ASTLEY; VAN de VEN, 1983). No extremo Voluntarista, o indivíduo adquire uma natureza
mais autônoma e independente. Segundo ele, o indivíduo não atua segundo padrões
previamente determinados pelo ambiente, mas ele mesmo é o criador dele, o qual passa a ser
visto como uma extensão do próprio ser (BURRELL; MORGAN, 1979).
ASTLEY; VAN de VEN (1983) argumentam que, na vertente Voluntarista, tanto o
indivíduo quanto as realidades criadas por ele constituem-se como agentes que se
autodirigem. É por este motivo que, ao realizar estudos sociais e organizacionais, torna-se
essencial a consideração da figura individual como unidade básica de análise, visto que não é
a ação individual que deriva do sistema social, mas é este que deriva da ação individual. Deste
modo, segundo Ilgen; Klein (1988), as representações internas e subjetivas, a interpretação da
situação e as estratégias cognitivas adotadas pelos indivíduos devem ser amplamente
consideradas.
Por fim, o debate metodológico sofre implicações das três suposições supracitadas.
Cada qual possui uma metodologia própria de investigar e obter conhecimento do mundo
social. A metodologia Nomotética consiste no caráter hipotético da pesquisa, enfatizando a
importância da sistematização, da técnica, da análise de medidas, das leis e da estatística
(SILVA, 2010). Ou seja, é um tipo de pesquisa objetiva que se esforça na busca por princípios
abstratos e universais. Tal metodologia contrasta à metodologia Ideográfica, a qual, por sua
vez, é aquela que enaltece o caráter mais subjetivo da pesquisa e visa explorar o sujeito mais
de perto, se esforçando para compreender, em unicidade, tudo aquilo que assume uma
natureza contingente e acidental (LIMA, 2011).
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Assim, pelo fato das pressuposições metateóricas constantes nesta dimensão modelarem
uma perspectiva analítica da ciência voltada à subjetividade e outra à objetividade, a
consideração destas consiste em um ferramental poderoso para a análise da teoria social.
Além disso, sobre estas pressuposições repousa a teoria das organizações (BURRELL;
MORGAN, 1979), uma arena onde o dualismo de subjetividades e objetividades pode assumir
contornos agressivos.
2.2 Dimensão regulação-mudança radical
A dimensão da regulação-mudança radical por sua vez, traz consigo a contraposição
entre duas correntes sociológicas acerca da natureza da sociedade. Para a compreensão de
ambas as correntes foram inúmeras as tentativas de delineamento das diferenças entre elas,
visando compreender os motivos que levam os teóricos a adotá-las (BURRELL; MORGAN,
1979). Em méritos classificatórios, a "sociologia da regulação" consiste em uma corrente
científica que abrange os estudos que buscam analisar a sociedade considerando-a como uma
entidade de ordem e coesividade. Nela, a principal preocupação dos teóricos é entender a
forma como a unidade social é mantida e se reproduz. Sendo assim, são frequentes nesta
corrente sociológica os debates acerca do status quo, da ordem social, entre outros assuntos
envoltos pelo ideal da regulação do social (BURRELL; MORGAN, 1979).
A "sociologia da mudança radical", por sua vez, apresenta-se como uma corrente
extremamente contrária à regulação, na qual a preocupação com a ordem é substituída pela
necessidade unânime de se encontrar explicações para a mudança radical, aos modos de
dominação, enfim, para os assuntos que levantam inquirimentos acerca da condição humana,
tanto no âmbito material quanto no âmbito psíquico (BURRELL; MORGAN, 1979).
Sendo assim, o resultado das tentativas de delineamento de ambas as correntes foi a
consideração de que o fato do teórico referenciar e se basear em uma destas pressuposições
tende a ser reflexo do tipo do estudo que ele realiza. Ou seja, são as perspectivas, os temas, as
questões que estão sendo tratadas e até mesmo a visão particular que se tem em relação ao que
é investigado que faz com que determinada pesquisa se volte à "sociologia da regulação" ou à
"sociologia da mudança radical" e seja inserida no quadrante paradigmático respectivo a cada
uma destas abordagens de sociedade (BURRELL; MORGAN, 1979).
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
3. A delimitação dos quatro quadrantes paradigmáticos
Uma vez estabelecidos e identificados os pressupostos de cada uma das dimensões
analíticas de Burrell; Morgan (1979), ao promover a sobreposição entre eles, define-se
coerentemente os contornos dos quatro paradigmas sociológicos utilizados para a análise de
uma extensa gama de teorias sociais. O relacionamento entre tais paradigmas é ilustrado na
Figura 4 junto às pressuposições metateóricas que os definem considerando as abordagens
acerca da natureza da ciência e da natureza da sociedade.
Como se pode notar, posicionados distintivamente entre as duas dimensões
analíticas, cada um dos paradigmas apresenta filosofias sociológicas próprias que os fazem
distintos entre si. Embora compartilhem características com seus vizinhos horizontais e
verticais em termos dimensionais, eles se diferem em outras. Isto é, são vertentes contínuas,
porém separadas (BURRELL; MORGAN, 1979). Deste modo, é possível considerá-los como
realidades científicas alternativas. Cada um destes quadrantes define perspectivas díspares
para a análise dos fenômenos no que se refere às abordagens, aos conceitos e às próprias
ferramentas analíticas que empregam para tal.
Guardadas as convergências entre um e outro em termos da posição que
assumem entre as duas dimensões sobrepostas, a natureza substantiva de cada um dos
paradigmas sociológicos explícitos acima difere entre si. Além de serem distintos dos demais
pelas pressuposições metateóricas que os delineiam, cada um dos quadrantes paradigmáticos
constitui-se como arena de variação destas pressuposições.
Figura 4 - Modelo de categorização paradigmática
Antipositivismo
Humanismo-Radical
Estruturalismo-Radical
Interpretativo Funcionalismo
Sociologia da Mudança Radical
Sociologia da Regulação
Fonte: Adaptado de Burrell & Morgan (1979)
Subjetivo Objetivo
Nominalismo
Ideográfica
Voluntarismo
Positivismo
Realismo
Nomotética
Determinismo
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Antes mesmo de discutir as principais diferenças entre eles, vale esclarecer a
pretensão de Burrell; Morgan (1979) ao referirem a estes quadrantes como "paradigmas". O
termo "paradigma" é utilizado para enfatizar o que é comum entre as perspectivas
delineadoras dos trabalhos de um grupo de teóricos que aborda as teorias sociais dentro dos
contornos da mesma problemática (BURRELL; MORGAN, 1979). Assim, ele se comporta
como uma dimensão teórica em cujo interior se formulam hipóteses e se estabelecem
pressuposições como princípios explicativos nas discussões em prol de sua própria defesa
(SILVA, 2010). No entanto, ao considerar cada uma das vertentes sociológicas como
"paradigmas", não significa dizer que elas consistem em completas unidades de pensamento.
Mesmo que circundados por fronteiras que os separam daqueles localizados em
outros quadrantes, os teóricos assumem posturas diferentes e debatem entre si dentro de um
mesmo paradigma (BURRELL; MORGAN, 1979). Assim, não se pode dizer que o termo
"paradigma" represente uma vertente sociológica que guarda consigo uma unanimidade de
pensamento, mas sim, uma unanimidade em termos de pressuposições básicas que separam,
de maneira fundamental, os teóricos adeptos a elas daqueles adeptos as outras pressuposições
características de outro paradigma (BURRELL; MORGAN, 1979).
Deste modo, analisar os fatos e fenômenos segundo uma destas dimensões
paradigmáticas é o mesmo que analisá-los segundo um conjunto básico de pressuposições
típicas da posição assumida pelo paradigma em meio à dimensão subjetiva-objetiva e à
dimensão regulação-mudança radical.
3.1 O Paradigma Funcionalista
O paradigma funcionalista representa uma perspectiva sociológica delineada em meio
à corrente sociológica da regulação que assume um ponto de vista objetivista para a análise
dos fenômenos sociais. Baseado na pressuposição de que a sociedade desfruta de uma
existência real e concreta, o paradigma funcionalista a considera como possuidora de um
caráter sistêmico que se orienta ao estado regulado e ordenado das coisas (MORGAN, 1980).
Seu esforço é característico de certa preocupação em fornecer explicações para
assuntos como status quo, ordem social, consenso, entre outros referentes a uma sociologia de
regulação de mais alta ordem (BURRELL; MORGAN, 1979).
Referindo-se à forma como abordam a ciência, pode-se considerar que todas as
abordagens funcionalistas partem de um princípio realista, positivista, determinista e
nomotético. Para os teóricos desta vertente sociológica, o mundo assume uma existência
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
independente dos indivíduos. Deste modo, procura-se compreendê-lo buscando por
regularidades e relacionamentos de causa-efeito entre os elementos constituintes (BURRELL;
MORGAN, 1979). Consequente a essa visão realista e positivista, o papel atribuído ao
indivíduo na sociedade é determinístico. O comportamento humano é visto como algo
contextualmente atado a um mundo real no qual os relacionamentos são concretos e tangíveis.
Assuntos sociais são tratados por meio de explicações extremamente racionais e nenhuma
atenção é direcionada aos indivíduos e ao realizar de seus papéis (BURRELL; MORGAN,
1979; MORGAN, 1980).
Em suma, pode-se considerar que os pressupostos funcionalistas estimulam
uma crença na possibilidade de existir uma ciência social objetivista que não guarda consigo
conotações de valor. Isto é, o funcionalismo, por meio do rigor e da técnica do método
científico, defende um realizar da ciência que permite o cientista se distanciar da cena que
analisa. Sua intenção se resume apenas na necessidade de analisar a sociedade de maneira que
permita o teste de hipóteses e a produção de conhecimento empírico útil (BURRELL;
MORGAN, 1979; MORGAN, 1980).
3.2 O Paradigma Interpretativo
Como se observa na Figura 4, o paradigma funcionalista e o paradigma interpretativo
adotam abordagens consonantes à corrente sociológica da regulação. Porém, é possível
considerar que a abordagem subjetivista do paradigma interpretativo faz da sua relação com
esta sociologia algo mais implícito do que explícito. Isto é, mesmo tendo como base a
pressuposição e a crença de que existe certa ordem no mundo social, o teórico interpretativo
considera os esforços funcionalistas de estabelecer uma ciência objetiva do social como um
fim inatingível (MORGAN, 1980).
Sendo assim, guardadas as convergências de ambos os paradigmas na dimensão
regulação-mudança radical, os ideais interpretativistas contrapõem-se aos funcionalistas pelo
fato do paradigma interpretativo estar centrado no entendimento da natureza do mundo social
por meio de uma experiência de nível subjetivo. Morgan (1980) afirma que, para os
interpretativistas, o mundo social possui uma situação ontológica duvidosa. Deste modo, o
que se passa por realidade social não existe em um sentido concreto, mas constitui-se como
um produto da subjetividade de alguém. Deste modo, pode-se dizer que os ideais
interpretativos veem o mundo social como um processo social emergente criado pelos
63
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
próprios indivíduos. De acordo com essa visão, só é possível entender a sociedade
considerando o ponto de vista do participante em ação e não do mero observador. A
preocupação dos teóricos está em compreender esse processo e a forma como as realidades
compartilhadas surgem, se sustentam e sofrem modificações (MORGAN, 1980).
Em suma, assumindo uma perspectiva nominalista, antipositivista, voluntarista
e ideográfica, o paradigma interpretativo busca entender a verdadeira base e a fonte de toda a
realidade social. Para tal, considera-se ser necessário mergulhar no profundo da subjetividade
e da consciência humana, pois somente assim é possível entender os contornos, os ideais,
enfim, os princípios de cada fenômeno social.
3.3 O Paradigma Humanista-Radical
O paradigma humanista-radical é definido pela sua inclinação à corrente da sociologia
da mudança-radical a partir de um ponto de vista subjetivo (BURRELL; MORGAN, 1979).
Guardando similaridades com o paradigma interpretativo e encarando o mundo social por
meio de perspectivas que tendem a ser nominalistas, antipositivistas, voluntaristas e
ideográficas, os ideais humanistas também atribuem ênfase a forma como a realidade é
socialmente criada e sustentada (MORGAN, 1980). No entanto, as análises envoltas pelos
ideais deste paradigma são vinculadas ao interesse em considerar e descrever as coisas como
patologias da própria consciência individual. Uma das noções básicas que delineia a extensão
paradigmática humanista é que a consciência individual é dominada por superestruturas
ideológicas com as quais os indivíduos interagem. São estas superestruturas que fazem com
que estes indivíduos se aprisionem dentro das fronteiras do mundo que eles próprios criam e
sustentam (BURRELL; MORGAN, 1979; MORGAN, 1980).
Assim sendo, pode-se considerar que, para o paradigma humanista, o processo de
construção da realidade é influenciado por forças psíquicas e sociais que restringem e
controlam as mentes dos indivíduos a ponto de aliená-los em relação às suas próprias
potencialidades como seres humanos (MORGAN, 1980).
Como se pode notar, a perspectiva humanista atribui grande ênfase à consciência
humana e se interessa pela descoberta da forma como as ações humanas podem ser vistas
como meios de transcender a alienação (BURRELL; MORGAN, 1979). Deste modo, como
no paradigma interpretativo, a promoção de uma análise partindo deste viés paradigmático só
é possível adentrando ao mais profundo da subjetividade humana.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
3.4 O Paradigma Estruturalista-Radical
Embora se fundamente em uma abordagem da ciência que guarda muitas
similaridades com os ideais funcionalistas em termos ontológicos, epistemológicos, da
natureza humana e da metodologia, o paradigma estruturalista-radical se dirige a fins
diferenciados. Assim como os ideais humanistas, as perspectivas deste paradigma são
solidificadas em uma visão de sociedade como algo potencialmente dominador (MORGAN,
1980). No entanto, elas se divergem aos ideais humanistas pelo fato de verem o mundo social
não como resultado das patologias da consciência individual, mas como algo que é definido
por estruturas sólidas e concretas que independem da existência individual.
Sendo assim, assumindo uma existência que se consolida independente da
forma como é percebida e reafirmada pelas ações humanas do dia-a-dia, a realidade, segundo
os padrões estruturalistas, é caracterizada por tensões e contradições que, inevitavelmente,
ferem a ordem e geram mudanças no sistema como um todo. Deste modo, os teóricos deste
paradigma são circundados pelo interesse em compreender estas tensões e prover explicações
aos inter-relacionamentos básicos dentro do contexto das formações sociais. Isto é, a ênfase
estruturalista repousa na importância de transcender a dominação (BURRELL; MORGAN,
1979; MORGAN, 1980).
4. A parcialidade das análises organizacionais predominantes
Ao analisar-se as bases do campo dos estudos organizacionais, embora exista uma longa
tradição delineada pela psicologia organizacional, é notório que as perspectivas teóricas de
cunho subjetivista ainda são perspectivas de pouca presença nas análises do espaço
organizacional. A busca nos principais índices sobre Comportamento Organizacional e Teoria
das Organizações, que, aliás, configuram como a grande bifurcação nos estudos
organizacionais (BASTOS; BORGES-ANDRADE, 2009), revela poucas chamadas, quando
existem, sobre aspectos de análise que incluem as emoções, os sentimentos e as interioridades
dos indivíduos. Isso transparece o status da concepção dos estudos organizacionais
(FINEMAN, 2009) e demonstra que as perspectivas objetivistas alcançam predominância no
desenvolver dos estudos (PECI, 2003), a ponto de constituírem a "ortodoxia" na pesquisa
científica da área organizacional (VERGARA; CALDAS, 2005).
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Segundo este cunho analítico, o fato do mundo social assumir uma natureza ontológica
realista e aparecer como algo concreto e imutável, como uma realidade objetiva externa à
cognição individual, coube sempre à ciência buscar leis universais capazes de explicar e
governar esta realidade observada e também identificar e definir todos os seus elementos e a
forma com que o relacionamento entre eles é expresso (BURRELL; MORGAN, 1979).
Sendo assim, durante o processo de consolidação dos estudos organizacionais e estendendo-se
por muito tempo, reinavam, soberanamente, os postulados metodológicos do quadro teórico
positivista e a teoria geral dos modelos funcionalistas (MOZZATO; GRZYSGOVSKY, 2011;
PRATES; RODRIGUES, 2009). Como um conceito descritivo usado na caracterização das
epistemologias de pesquisa, o debate positivista defende essa possibilidade de explicar e
prever os acontecimentos do mundo social por meio da análise das regularidades e dos
relacionamentos causais entre os elementos que o constituem. Ou seja, é uma essência de
pesquisa que tem como base as abordagens tradicionais dominantes e o conhecimento
acumulado resultante destas (BURRELL; MORGAN, 1979).
Lima (2011) afirma que a visão positivista assume a existência de um mundo, ou uma
realidade social objetiva, que pode ser representado, com maior ou menor presteza, por meio
da utilização de métodos científicos capazes de mensurar e descrever suas propriedades de
forma independente daquele que o observa e dos instrumentos que utiliza. Isto é, os
pressupostos positivistas visam, costumeiramente, fazer dos estudos um teste de teorias já
estabelecidas cujos dados são coligidos e processados objetivamente de forma a aumentar a
compreensão preditiva dos fenômenos que analisam.
Assim, segundo Morgan (1980), diante desta grande influência dos pressupostos
positivistas, os teóricos organizacionais abordam seus objetos de estudo por meio de
referenciais cujas bases se fundam em pressuposições estabelecidas além da percepção
consciente. A incapacidade de promover um afastamento da visão de mundo tradicional visto
sua contínua afirmação e reafirmação pelos cientistas da área faz com que essas
pressuposições assumam um status ainda mais real, mais corriqueiro e mais inquestionável.
Assim, restringe-se a análise organizacional nos mais agudos termos, limitando-a em uma
base científica cujas perspectivas metateóricas são fundamentadas de forma estreita e
superficial.
Em meio a este caráter predominante da ciência prevalecem as correntes teóricas que
enxergam as organizações com essa mesma objetividade conferida ao mundo social, como
estruturas concretas e objetivas cujas ações se resumem meramente como respostas às
diversas condições objetivas do ambiente. Ou seja, analisadas através deste cunho analítico
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
limitador, prevalecem as ênfases naquilo que é geral e universal das organizações, ao invés de
enfatizar o que é único e particular dos indivíduos que as compõem e isso mostra quanto os
processos sociais e culturais que dão forma à estrutura e ao comportamento são coisificados
como meras variáveis exógenas de análise (BURRELL; MORGAN, 1979; PECI, 2003).
Deste modo, pode-se caracterizar a realidade do campo dos estudos organizacionais
como uma vasta proporção de teorias e pesquisas limitadas, principalmente, aos ideais de
apenas um dos paradigmas sociológicos de Burrell; Morgan (1979), sendo visível o apego
acidentado a ortodoxia funcionalista e a visão materialista e racional dos fatos
organizacionais.
Vale ressaltar o argumento de Reed (2010) de que o núcleo teórico e ideológico dos
estudos organizacionais impregnou-se do modelo racionalista de forma tão abrangente e
natural, que tal influência se tornou impossível de ser detectada ou mesmo questionada.
Embutido profundamente nos fundamentos epistemológicos e teóricos das perspectivas
analíticas que constituem o cerne destes estudos, o racionalismo exerceu, e ainda exerce,
grande presença no desenvolvimento histórico e conceitual das análises do espaço
organizacional estabelecendo um modelo e uma pauta de pesquisa difíceis de serem
ignorados. Assim, com a atenção voltada àquilo que é diretamente observável, as análises das
organizações são submergidas em meio a uma objetividade excessiva que exerce domínio
sobre qualquer teor que, de certa forma, submeta-as a uma visão mais subjetiva dos fatos.
Preceitos normativos, passíveis de questionamentos, se transformam em leis
universais, objetivas, imutáveis e, consequentemente, inquestionáveis (REED, 2010), que
acabam por reger todo o desenvolvimento científico.
Devido sua representatividade institucional, essa forma ortodoxa de pensamento tem
conduzido toda a sociologia acadêmica e continua expandindo sua hegemonia nos estudos
organizacionais (Vergara & Caldas, 2005). Pelo fato de ser tão dominante e concreta, os
teóricos acabam por considerá-la "taken for granted", correta e autoevidente (BURRELL;
MORGAN, 1979). Deste modo, é possível contemplar a certa tendência dos estudos em
reificar o elemento "Organização" (PECI, 2003), reduzindo-o em valores meramente
materialistas. Fundamentada em pressupostos raramente explicitados e não apreciados
frequentemente, é possível inquirir que a Teoria das Organizações se desenvolve em bases
não questionadas (MORGAN, 1980) e, embora desapercebidamente se torna sujeita à
vulnerabilidade movediça dos cunhos teóricos de análises.
Aqui, cabe a ressalva do argumento de Feyerabend (1977) quanto ao poder de
condução do pensamento científico imperante na sociedade. Diante do exposto, é possível
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
inquirir que tornou-se um dado o fato de posicionar o pensamento em concórdia aos discursos
sociais vigentes e não se opor a eles. Antes, o submete à aparente "verdade" e a dissemina, o
que faz dela algo ainda mais inquestionável, a ponto de parecer obrigatório. Tal argumento
transparece o combate frente a tudo àquilo que não é coberto pelo discurso imperante, ou seja,
parece não haver espaço para nada que não seja sustentado pelo tal. A gravidade desta
concórdia é explícita no argumento de Burrell (2010). O autor argumenta que, ao voltar os
olhos para trás, torna-se possível visualizar que o campo organizacional consolidou-se como
um campo onde teóricos poderosos concordaram em dar pouca atenção aos problemas
fundamentais ao direcionarem questões fundamentais. Deste modo, a falta de questionamento
e a contínua reprodução desta herança científica transparece quão fraturada se encontra a
realidade dos estudos organizacionais.
Assim, não é de se surpreender a afirmativa segundo a qual, na tentativa de
proclamarem o entendimento do mundo e promoverem o "conserto" do mundo
organizacional, os teóricos reduzem a dinâmica do mesmo, aprisionando-o em um sistema
classificatório estático, em uma estrutura compreensível e simplificada. As conceituações da
Teoria das Organizações apenas se desenvolvem como formas de reforço da estagnação da
dinâmica da vida real, aprisionando a estrutura de pensamento com considerável sofisticação,
como uma espécie de encarceramento, vitimando-a a ponto de se tornar um mero objeto de
legenda (BURRELL, 2010).
O conceito escreve suas marcas sobre o corpo da literatura e, no processo de marcar
com cortes e incisões, deixa um rastro de lesões atrás do qual todos podem seguir. Os
cortes mais profundos são aqueles que deixam as maiores impressões [...] Contudo,
esses magníficos cortes, em última análise, significam morte e imobilidade. No
mínimo, o assunto é ferido pelos mais profundos e incisivos rótulos (BURRELL,
2010, p.441).
Pelo fato de não depreender o tamanho correto a ponto de encaixar-se nesta
estrutura paralisada na qual vem sendo imobilizada, Burrell (2010) argumenta que a análise
organizacional permeia em um Leito de Procusto. O reforço exacerbado de conceitos já
definidos previamente desconsidera a questão de que todo o conceito inclui e também exclui;
ignora e também concentra-se; obscurece e também traz aos refletores. Isto é, desconsidera-se
a questão de que não há limites para os conceitos.
Diante do exposto, Burrell; Morgan (1979) chegam a questionar a legitimidade
de teorias e pesquisas organizacionais contemporâneas. Os autores demonstram certa
preocupação com o fato de se atribuir às organizações uma natureza essencialmente efêmera,
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
visto a quantidade de teorias geradas pelas análises organizacionais que não possuem relação
óbvia aparente fora de seus contextos. Tal preocupação se alastra para todas as ciências
sociais contemporâneas, já que prevalece o domínio de métodos de pesquisa abstraídos da
diversidade de assuntos extensos que, ostensivamente, são designados a examinar e cujos
resultados se limitam ao abstrato, com fim em si mesmos (MORGAN; SMIRCICH, 1980).
Tudo isso mostra quão limitadora e danosa pode ser a orientação predominante das análises
organizacionais. Elencando formas de interpretações mais populares ou politicamente
superiores e comuns, afirma-se que a ciência age erroneamente com a própria noção de
ciência. Pouca ou mesmo nenhuma menção é oferecida ao caráter científico pluralístico, o
qual considera não apenas uma única entrada possível aberta para a análise das organizações
(BURRELL, 2010).
Percebe-se assim, que as forças funcionalistas persistem na determinação de
pressuposições teóricas relacionadas à regulação e à objetividade, ou seja, tornaram-se lesões
entalhadas no corpo da vida organizacional. Com a incrível capacidade de tradução daquilo
que é de fora para seus próprios termos, as forças funcionalistas permanecem muito bem
entrincheiradas, perdendo os anéis, mas garantindo sempre os dedos (VERGARA, 2010).
Calçadas no determinismo e apresentadas como racionalistas e pragmáticas, buscam-se
sempre orientar pelos métodos das ciências naturais nas tentativas de ordenar a realidade as
quais analisam, inquirindo que tudo obedecerá à ordem social regulada do ambiente e dando
pouca atenção ao papel exercido pela subjetividade humana (MOZZATO; GRZYBOVSKI,
2011).
Parafraseando Burrell (2010), pode-se afirmar que, assim fazendo, tais forças
objetivistas acabam aprisionando, imobilizando e ferindo aquilo a que buscam se referir. Ou
seja, apeando no quadro explanatório objetivista, como uma temível arma de mutilação, as
análises organizacionais oferecem o fenômeno a ser explicado à execução, restringindo-o a
vieses analíticos ordenados, determinados, racionalizados e regulados. E, ao mesmo tempo,
abafam e ignoram os gemidos dos atores que estão por trás do fenômeno, já considerando-os
como mortos.
Desta forma, como bem observado por Clegg; Hardy (2009), os estudos
organizacionais têm o potencial de negligenciar o sujeito. No realizar das pesquisas à custa do
mesmo, os acadêmicos obedecem a tendência em articular seus pensamentos, receios e visões
de mundo de forma racional e lógica, perdendo de vista as pessoas que constituem as
organizações. Na investigação das forças sociais e ambientais que atuam como determinantes
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
das ações organizacionais, as abordagens de análises enfatizam, primordialmente, o papel das
dimensões objetivistas e quase naturais (PRATES; RODRIGUES, 2009).
Ou seja, os teóricos não se permitem lograr um certo distanciamento da visão
tradicional de mundo e de seus conhecimentos prévios racionalizados acerca daquilo que
analisam, já que olhar mais atentamente aos elementos subjetivos requer novas
pressuposições, novas teorias, e árdua é a separação entre a razão e o psiquismo humano
(MOZZATO; GRZYBOVSKI, 2011).
Embora houvesse um tímido início de mudança, diante dos questionamentos de âmbito
cultural e das evidenciações das dimensões mais qualitativas do mundo organizativo (PECI,
2003), as críticas não foram suficientes para romper o paradigma racional instrumental
dominante (MOZZATO; GRZYBOVSKI, 2011). Nenhuma das teorias que se propuseram a
ressuscitar o sujeito nas análises organizacionais o fez com alto grau de confiança. Quando
tais temas chegam à notória, as discussões são feitas por terminologias genéricas e teóricas
que as tornam incapazes de beneficiar o sujeito. Ao mesmo tempo em que clamam,
marginalizam o mesmo. Ao mesmo tempo em que lutam por fazê-lo transparecer, desbotam-
no. Assim, encapsuladas e homogeneizadas por estas suposições tenras, as vozes dos sujeitos
e sua individualidade permanecem no som do silêncio e são pronunciados como mortos
(CLEGG; HARDY, 2009).
CLEGG; HARDY (2009) argumentam que tal realidade faz com que essas teorias não se
diferenciem totalmente do positivismo contra o qual resistem. Assim como o mesmo, elas
marginalizam e silenciam o sujeito de quem falam, reduzindo-o a estatísticas ou incluindo-o
em contextos nos quais o mesmo não é capaz de falar por si mesmo. Isto é, um contexto que
garante ao sujeito um status de pouco mais que um boneco de ventrículo.
Em meio a esta argumentação, cabe aqui a consideração que, embora evidenciadas as
dimensões mais qualitativas da ciência e a suposta influência destas na mudança do cenário
organizacional, dominado até então pelo empirismo abstraído e baseado em métodos
quantitativos de pesquisas, é visível outro foco de ameaça que aparece gingando como
pêndulo. Há uma tendência de um domínio empirista novamente abstraído baseado agora
nesses métodos qualitativos. Isto é, existe uma tendência perigosa de que o empirismo
quantitativo e objetivo, que demarcou uma época dos estudos organizacionais, seja apenas
substituído por outro (MORGAN; SMIRCICH, 1980).
Assim sendo, a verdade seja dita: ao se apegar a esse foco objetivo de análise, em que
ao mesmo tempo em que ressuscita emudece o sujeito, ignora-se o fato de que a organização,
composta por indivíduos, é um sistema cujos preceitos são de muita complexidade. A adoção
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
de uma postura que afasta estes indivíduos para as margens das análises organizacionais é o
mesmo que defender o incompleto.
Clegg; Hardy (2009) afirmam que o corpo do sujeito pode até oscilar, flutuar ou
mesmo desaparecer de vista no ciberespaço analítico, porém quem esse indivíduo passa a ser
e o que ele poderia ser não pode ser descolorido. Os autores afirmam que os sinais da
identidade dos indivíduos requerem contemplação. Considerá-los como seres lógicos e
racionais posicionados como meros recipientes de determinantes ambientais (SILVA;
VERGARA, 2003) é o mesmo que tapar os olhos perante a verdadeira análise organizacional,
é negar a essência da representação humana em cada ação organizacional. Isto é, estudar as
organizações apoiando-se, principalmente, em conceituações objetivas é não se importar com
a amplitude e completude das pesquisas, é se contentar com apenas um quadrante científico,
físico, tático e incompleto. Mozzato; Grzybovski (2011) afirmam que o mundo está a cada dia
mais fragmentado e incerto e não está em consonância com o desejo de ordem que propõe a
ortodoxia funcionalista.
Ressalte-se aqui que o modo como a vida organizacional é constituída tem muitas
dimensões inconscientes. Lamentações, ansiedade, frustrações, tédio e desespero são partes de
toda a criação social e expressões individuais da vida organizacional. Desta forma, muitos
fenômenos organizativos possuem explicações advindas do âmbito não racional. Interpretar
dados, tomar decisões, persuadir, lutar, resistir e sobreviver, é mais do que um conjunto de
respostas automáticas passíveis de análise objetiva, são fenômenos sentidos e formados por
sentimentos (FINEMAN, 2009).
Em suma, pode-se dizer que existem muitos caminhos para a reconexão com os
habitantes das organizações. Ao mesmo tempo em que a maioria das pesquisas convive com o
risco de perder o sujeito de vista, elas também são potenciais para relocalizarem o mesmo. Ao
acreditar que nada pode ser feito e que não é possível iniciar a diferença é o mesmo que se
acorrentar às ideias e deixar com que os controladores determinem o modo comum de analisar
o mundo organizativo. Ou seja, é permitir a própria condução à tirania intelectual (CLEGG;
HARDY, 2009).
Deste modo, caberia agora a adoção de um comportamento resistente a essa tirania,
propiciando medidas capazes de reverter este caos científico, revendo as bases em que as
prioridades de pesquisa devem se assentar (PRATES; RODRIGUES, 2009). Devido à
representatividade que o indivíduo exerce no âmbito organizacional, deve-se sempre procurar
priorizar os elementos subjetivos da análise organizacional, atribuindo valor àquilo que não é
observado diretamente. Teorizar sobre as organizações não significa se apegar somente ao
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
concreto e racional, como fazem as perspectivas predominantes, mas sim abraçar outros
quadros de referência e buscar analisar uma parte do que subjaz aos atores e às ações
organizacionais. Assim, vale enfatizar que o emprego de critérios alternativos de pesquisa não
exclui a utilização de rotas tradicionais, mas, antes, pressupõe superá-las por meio de uma
postura científica diferenciada, mais reflexiva, mais crítica e com menor teor de rigidez e
intransigência (MELO, 2008; VERGARA, 2010).
Afinal, apresentando-se como uma carga culta do século XX, os modos de pesquisas
tradicionais, ligados à racionalidade e à objetividade, foram notadamente bem sucedidos,
porém vislumbra-se, mais do que nunca, a necessidade de enfatizar outras narrativas e outras
epistemologias científicas (Burrell, 2010). Torna-se necessário reafirmar as bases subjetivistas
das análises organizacionais estabelecendo-as não como meras realidades de pesquisas
alternativas comprimidas pelo objetivismo analítico predominante, mas como detentoras de
conceitos, ideias e visões que devem ser mais debatidas para a real compreensão do
comportamento organizativo.
Ressalta-se ainda a necessidade de maior ênfase nas realidades alternativas às
dominantes, isto é, um desenvolvimento em termos paradigmáticos que atribui ao indivíduo
um papel efetivo de ator social e não como mero sujeito da ciência e do mundo (MOZZATO;
GRZYBOVSKI, 2011). Cabe ainda, uma maior atenção à psique humana, considerando-a
como requisito fundamental para o entendimento da forma como os indivíduos criam,
modificam e interpretam o mundo e a realidade na qual se inserem.
De forma geral, sabe-se que a utilização de uma perspectiva mais cognitiva para um
melhor entendimento das crenças individuais que circundam os habitantes das organizações é
uma forma de fornecer melhores explicações para ações e comportamentos em nível
organizacional (TENBRUNSEL et al., 2009). Ilgen; Klein (1988) enaltecem um princípio que
estabelece que o que as pessoas pensam e seus próprios pensamentos desempenham um papel
chave no comportamento que adotam.
Parafraseando novamente, Burrell; Morgan (1979), urge como necessário um olhar mais
profundo nas análises organizacionais, até mesmo porque, segundo ressalva de Bastos;
Borges-Andrade (2009), a dimensão subjetiva existe mesmo nos aspectos mais tangíveis da
vida organizacional. Cabe aos teóricos um maior empenho na adoção de metodologias
ideográficas de pesquisa, fundamentando-se na ideia de que só é possível compreender um
mundo social enfatizando também as abordagens subjetivas de análise, das quais é possível
filtrar um conhecimento de primeira mão e não um conhecimento subordinado a um rigor
científico formulador de hipóteses (BURRELL; MORGAN, 1979).
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Enfim, para resistir à tirania intelectual que permeia o olhar científico dos fenômenos
organizacionais, cabe aos teóricos analisá-los por meio de critérios mais libertos dos ideais
objetivistas já estabelecidos pela ciência, critérios capazes de "ressuscitar o sujeito, levar vida
de volta àqueles lábios pálidos, perturbar o estado de sonolência que parece morte, destruir as
garrafas metafóricas de formaldeído analítico" (CLEGG; HARDY, 2009, p.328).
Considerações Finais
O objetivo deste artigo foi explorar o escopo analítico dos paradigmas sociológicos de
Burrell; Morgan (1979) na análise organizacional com o intuito de tecer uma crítica relativa à
ortodoxia objetivista que permeia o campo dos estudos organizacionais. A justificativa para
este enfoque se deu pelo fato de que o status científico do campo dos estudos organizacionais,
assim como de outras disciplinas das Ciências Sociais, transparece uma situação não muito
semelhante ao que propuseram Burrell; Morgan (1979). Sabe-se que quando propuseram o
desenvolvimento do modelo de categorização paradigmática, os autores atribuíram ênfase na
possibilidade de diferentes paradigmas serem utilizados para a análise de uma vasta gama de
teorias sociais, inclusive, para análise dos fatos e dos fenômenos organizacionais.
Todavia, a realidade científica no campo dos estudos organizacionais testemunha uma
vasta gama de teorias e pesquisas sendo organizadas e fundamentadas, principalmente, nos
contornos de apenas um dos quatro paradigmas sociológicos, sendo visível o apego
acidentado a ortodoxia funcionalista e a visão materialista e racional dos fatos
organizacionais.
Isso significa dizer que, na busca pela compreensão dos fenômenos e fatos
organizacionais, as explicações são advindas, principalmente, de um mesmo conjunto de
pressuposições metateóricas. Com a atenção voltada àquilo que é diretamente observável, as
análises das organizações estão submersas em uma objetividade excessiva que exerce
domínio sobre qualquer teor que, de certa forma, submeta-as a uma visão mais subjetiva dos
fatos. Nesta realidade, o papel representado pelo sujeito é algo que não é tão explorado pelas
pesquisas, algo pouco conversado. Estando assim, presas no objetivismo extremado
característico da vertente predominante, não há dúvidas de que as análises organizacionais
vêm sendo restringidas nos mais agudos termos.
Considerando a hegemonia exercida pela abordagem objetivista no campo dos estudos
organizacionais e a necessidade de uma visão científica mais liberta da razão, este estudo
propôs a revisitação do escopo analítico dos quatro quadrantes paradigmáticos desenvolvidos
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
por Burrell; Morgan (1979) – os quais propiciam modos alternativos de desenvolvimento
científico para a análise organizacional – como forma de ancorar a sua crítica relativa à
ortodoxia objetivista que permeia o campo dos estudos organizacionais. Contextualizando as
bases nas quais repousam os modelos de análises imperantes no campo dos estudos
organizacionais, a proposta do estudo é deixar explícita a fragilidade e a parcialidade das
análises dominantes e a forma como o desconhecimento da diversidade paradigmática tem
aprisionado e limitado o desenvolvimento dos estudos organizacionais.
De maneira geral, os resultados deste estudo denunciam a necessidade de um maior
empenho na adoção de metodologias ideográficas de pesquisa, considerando a ideia de que só
é possível compreender o mundo social em sua completude quando as abordagens subjetivas
de análise são consideradas e a figura do sujeito resgatada nas tentativas de compreensão dos
fenômenos que marcam a realidade das organizações.
Em suma, aprofundando-se nessa discussão e promovendo o direcionamento científico
para uma visão mais liberta da objetividade e da razão, este estudo contribuiu para firmar as
bases subjetivistas das análises organizacionais, estabelecendo-as não como meras realidades
de pesquisas alternativas comprimidas pelo objetivismo analítico predominante, mas como
detentoras de conceitos, ideias e visões que devem ser considerados para a real compreensão
do comportamento organizativo.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
A GESTÃO DE CUSTOS NAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
AZEVEDO de, Marcelo Cardoso7
CANDIANI, Denise Elaine 8
Resumo
O objetivo deste artigo é abordar e analisar os métodos de custeio e a utilização das
ferramentas gerenciais de custos pelas Micro e Pequenas Empresas (MPEs), demonstrando a
importância e contribuição efetiva dessas ferramentas para a sua gestão. Demonstra também,
que para as MPEs é possível transformar dados simples em informações relevantes e úteis ao
processo decisório no ambiente atual de alta competitividade e riscos. Evidencia que a gestão
de custos colabora para a simetria das informações e faz com que haja interação entre todas as
áreas da empresa, possibilitando aos gestores alcançar melhores resultados. Não são poucas as
empresas de micro e pequeno porte que enfrentam dificuldades nos dias atuais, pois elas são
extremamente expostas as mudanças econômicas. Porém, este artigo ressalta que é possível
ter uma gestão de custos eficiente mesmo em empresas de pequeno porte e que deste modo, é
possível garantir bons resultados e a sobrevivência destas empresas.
Palavras-chave: Gestão de Custos. Métodos de Custeio. Micro e Pequenas Empresas.
7 Mestre em Administração, especialista em Administração Financeira e Controladoria e Didática do Ensino
Superior, Graduado em Ciências Contábeis com ênfase em Análise de Sistemas e Matemática, Professor do
Centro Universitário Padre Anchieta e Fatec-SP ([email protected]). 8 Mestra em Administração, especialista em Didática do Ensino Superior e especialista em Gestão Educacional,
Graduada em Administração de Empresas. Professora do Centro Universitário Padre Anchieta, Professora
convidada do Centro Universitário São Camilo em disciplinas EAD e presenciais ([email protected]).
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
1 Introdução
Atualmente as empresas estão enfrentando um ambiente econômico bastante
competitivo, atuando em ambientes cada vez mais exigentes, que sofrem mudanças
constantes, exigindo que os gestores busquem soluções para auxilia-los na hora da
tomada das decisões da empresa, adotando instrumentos que permitam maior
flexibilidade, velocidade, inovação e integração.
Diante de situações inesperadas do dia-a-dia, sejam grandes ou micro e pequenas
empresas, devem elas estar preparadas para tomar tais decisões, pois uma única decisão
pode mudar os rumos de uma organização, alterar para melhor ou para pior os seus
resultados, ou até mesmo, colocar em risco sua continuidade.
No cenário dos últimos anos, observa-se que houve crescimento significativo das
micros e pequenas empresas e seu papel vem sendo de grande relevância na economia
(Sebrae, 2014), necessitando assim de informações competitivas para o mercado, que
podem ser obtidas por meio de uma gestão de custos eficiente voltada as necessidades
das empresas de micro e pequeno porte.
Na hostilidade do ambiente atual, é muito importante que as MPEs atentem para
a gestão de custos como uma ferramenta para sobrevivência neste ambiente tão
competitivo. Na maioria dos casos de pequenos e médios empresários a gestão de custos
é uma ferramenta pouco explorada e que não se encaixa na realidade de uma empresa de
micro e pequeno porte e tem como resultado uma baixa qualidade gerencial com
deficiência de informações importantes. (CEZARINO E CAMPOMAR, 2006).
A falta de uma gestão adequada torna-se um fator de risco a sobrevivência das
MPEs, fazendo com que boa parte delas não sobreviva por um longo período de tempo
devido a sua fragilidade para competir com as grandes empresas, acarretando grande
frustração aos empresários e prejuízos a economia brasileira.
O objetivo deste trabalho acadêmico é mostrar a importância da gestão de custos
nas micro e pequenas empresas, visto que atualmente não há grande preocupação com
essa área da contabilidade dentro de empresas destes portes.
Este artigo tem caráter descritivo e exploratório. Para tanto, utilizou-se de
conceitos e dados de informações retiradas de referências bibliográficas e sites
especializados em gestão de custos e pequenas e médias empresas, além de material
publicado em artigos, dissertações e teses, possibilitando assim, analisar dados e casos
atuais e constatar a importância do tema abordado.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
2 As micro e pequenas empresas
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas –
SEBRAE (2010) a Lei Geral das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte foi
instituída em 14 de dezembro de 2006 (Lei Complementar 123/2006) para regulamentar
o disposto na Constituição Brasileira sobre tratamento diferenciado as MPEs. Foi
instituída com participação de entidades empresariais, da sociedade, poder executivo e
legislativo, visando o desenvolvimento e competitividade destas empresas como
estratégia de geração de empregos, distribuição de renda, inclusão social, diminuição da
informalidade e fortalecimento da economia.
2.1 Visão geral das micro e pequenas empresas
Segundo o SEBRAE (2014), a relevância das MPEs na economia já é conhecida
há bastante tempo. Ilustrando isto, as pesquisas desse serviço demonstram que estes
tipos de empresas são as principais geradoras de riqueza no comércio brasileiro,
representando 53,4% do Produto Interno Bruto (PIB) deste setor. Isso demonstra que
são essenciais o incentivo e a qualificação dos micro e pequenos empresários, pois, uma
única empresa representa pouco, porém juntas elas são fundamentais para o crescimento
da economia do nosso país.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2013),
as MPEs são fundamentais para igualdade social devido a sua capacidade de constituir
emprego e renda as pessoas com menos grau de qualificação profissional.
Quanto a sua definição e delimitação de segmentos, ainda de acordo com o
IBGE (2001), não há informação universal devido à grande variedade de setores que as
MPEs podem abranger. Os critérios para o enquadramento variam tanto por parte das
instituições financeiras quanto pela legislação específica deste setor podendo variar
ainda de acordo com o faturamento, pessoas empregadas ou ambos.
De acordo com a Lei Complementar 123/2006, enquadra-se como microempresa
aquela que obtiver um faturamento, dentro do ano-calendário, igual ou inferior a R$
360.000,00. Já no caso de empresa de pequeno porte, a Lei Complementar 155/2016 diz
que o faturamento deve ser maior que R$ 360.000,00 e igual ou inferior que R$
4.800.000,00.
De outra forma, o SEBRAE (2014) define o porte da empresa de acordo com a
quantidade de pessoas ocupadas. São consideradas microempresas aquelas que nas
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
atividades de serviço e comércio possuem até 09 funcionários, e no setor industrial até
19 empregados. Já no caso das pequenas empresas, são aquelas que possuem entre
10 a 49 funcionários no setor de comércio e serviços e, de 20 a 99 funcionários no ramo
industrial.
Figura 1: Classificação das Micro e Pequenas Empresas quanto ao Porte
Instituição Classificação quanto ao Porte da Empresa
Microempresa Pequena Empresa
SEBRAE
Setor Quant. Funcionários Setor
Quant. Funcionários
Indústria Até 19 empregados Indústria De 20 a 99 func.
Comércio e Serviço
Até 09 empregados
Comércio e Serviço De 10 a 49 func.
Simples Nacional e Lei Geral das MPEs
Tipo Jurídico Faturamento Tipo Jurídico Faturamento
- Empresário individual (EI);
Receita bruta anual igual ou inferior a R$ 360.000,00
- Empresário individual (EI);
Receita bruta anual superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00
- Sociedade empresarial (comercial);
- Sociedade empresarial (comercial);
- Sociedade simples (civil).
- Sociedade simples (civil).
BNDES
Faturamento Faturamento
Receita Operacional Bruta anual ou anualizada inferior ou igual a R$ 360.000,00
Receita Operacional Bruta anual ou anualizada superior a R$ 360.000,00 e inferior a R$ 3.600.000,00.
Fonte: Souza e Pereira (2009), ampliado e atualizado.
Segundo IBGE (2001), dentre as principais características das MPEs temos um
capital de pouca expressividade, forte presença familiar na mão-de-obra ocupada, e
registros contábeis, em sua maioria, inadequados, prejudicando assim a empresa na hora
de uma tomada de decisão. Também são considerados como características as altas
taxas de natalidade e mortalidade, utilização de mão-de-obra não qualificada ou pouco
qualificada e a falta de separação do patrimônio da entidade com o patrimônio pessoal.
O gráfico abaixo mostra o grau de utilização de recursos das MPEs para uso
pessoal dos pequenos e médios empresários. Nota-se neste gráfico que 54,62% dos
empresários já usufruiu de recursos da empresa, mesmo que raramente, para benefício
pessoal.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 2: Gráfico do Uso Pessoal de Recursos nas MPEs
Fonte: Appolinário (2008, p.47)
Com relação às altas taxas de natalidade e de mortalidade, ao mesmo nível que
surgem novas empresas gerando oportunidades de trabalho, por outro lado, temos a
insuficiência de registros e informações contábeis para que essas novas empresas
sobrevivam dentro da economia de nosso país por um longo período de tempo. Ainda de
acordo com a pesquisa do IBGE (2001), ocorre um panorama da estrutura de custos das
micro e pequenas empresas no período compreendido entre 1998 a 2001, onde foi
concluído não existir um detalhamento suficiente dessas informações.
Atualmente grande parte das MPEs não utilizam dos recursos informatizados
para a organização de suas informações e optam por fazer a contabilidade e o balanço
do estoque à mão pois há uma antipatia dos empresários, em especial os mais antigos, a
esse tipo de tecnologia. Para Anholon et al (2005) esse método tradicional gera uma
perda de informações e tempo gerando uma desvantagem ao micro e pequeno
empresário.
3 A contabilidade e a gestão de custos
Por diversas vezes os empresários se dedicam apenas nas ações de vender, lançar
novos produtos e dominar mercados e deixam em segundo plano o efetivo rendimento
financeiro. O obstáculo está em introduzir e operar uma contabilidade de custos que seja
eficiente para mostrar com convicção o progresso dos resultados financeiros da empresa
(PETTI, 2009).
45,21%
35,62%
16,00%3,00%
Nunca Raramente Algumas Vezes Frequentemente
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Com a Revolução Industrial, as empresas passaram a adquirir matéria-prima
para transformar em outros produtos e desta agregação de materiais originou-se o custo
de produção ou fabricação. (FIGUEIREDO e CAGGIANO, 1997)
Durante as décadas de 60 e 80, com o Brasil passando por um grande processo
inflacionário, as empresas produziam e comercializavam praticamente sem controles de
suas operações, porém, com grandes controles financeiros em virtude das remarcações
de preços que ocorriam neste período. Deste modo, os estoques eram remunerados com
suas remarcações e o controle de custos era algo desnecessário. Os erros na gestão das
operações eram repassados aos clientes usando como justificativa a perda do poder
aquisitivo da moeda. (PINTO et al, 2008)
Na década de 90, o mercado brasileiro se abriu para produtos e empresas
estrangeiras, e então, as empresas nacionais passaram a ter concorrência internacional.
Com a implantação do Plano Real no ano de 1994, o índice de inflação tornou-se
estável e razoável, fazendo surgir a necessidade de controles mais eficazes para as
empresas. Neste momento, os gestores passaram a reconhecer a importância das
informações mais precisas e que o conhecimento detalhado, em termos financeiros, dos
produtos/serviços produzidos e comercializados era fundamental para o sucesso das
empresas. (PINTO et al, 2008).
A contabilidade de custos nasceu da necessidade de informações mais precisas
permitindo após a Revolução Industrial, tomadas de decisões mais assertivas para as
empresas. Antes deste período, a contabilidade de custos praticamente não existia, pois,
as simples operações de comercialização de mercadorias eram controladas e avaliadas
apenas pelo custo de aquisição das mesmas. (BRUNI e FAMÁ, 2007).
A atual globalização da economia tem obrigado as empresas se adaptarem às
novas circunstâncias do mercado, pois o consumidor tem acesso a produtos de alta
qualidade a preços relativamente baixos de maneira fácil e rápida. Deste modo, cada vez
mais as informações de custos são utilizadas como parâmetros na avaliação de
resultados e suporte para a tomada de decisões estratégicas. (PINTO et al, 2008).
Os custos são medidas monetárias dos sacrifícios arcados pela empresa para
chegar aos seus objetivos (FIGUEIREDO e CAGGIANO, 1997) e a contabilidade de
custos tem a capacidade de gerar informações eficientes para o planejamento das ações
por parte do gestor, e ainda, torna possível analisar os efeitos desse planejamento.
(MARTINS, 2003).
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
3.1 Definições de custo
Os gastos de uma entidade consistem no sacrifício financeiro arcado por ela para
a obtenção de um produto ou serviço. Na contabilidade serão classificados como custo
ou despesa dependendo da sua importância na elaboração do produto ou serviço. Alguns
gastos temporariamente podem ser classificados como investimentos, mas à medida que
forem sendo consumidos, são classificados como custos ou despesas. (BRUNI e
FAMÁ, 2007).
Os custos são gastos acumulados na fabricação de um produto ou aquisição de
uma mercadoria ou serviço para a produção de outro produto ou serviço, como
combustíveis e lubrificantes utilizados nas máquinas da fábrica, salários do pessoal da
área produtiva e manutenção das máquinas utilizadas na produção. (PINTO et al, 2008).
Para Professores da FEA/USP (1978, apud LEONE, 2000) quando uma despesa for
atribuída a vários produtos ela passa a ser Custo ou Custo de Produção.
3.2 Classificação de custos
A maior parte dos autores classificam os custos como: direto, indireto, fixo,
variável, semifixo e semivariável.
Há vários tipos de custos, de acordo com as necessidades gerenciais. Alguns
tipos de custos são mais conhecidos e sua determinação é feita de maneira repetitiva e
corrente, já outros tipos, são levantados e determinados à medida que a administração
necessita. (MATZ e USRY, 1976, apud LEONE, 2000).
A classificação dos custos em diretos e indiretos proporciona informações mais
próximas da realidade para determinação dos custos para cada objetivo. Possibilita
identifica-los por centros de responsabilidade e por segmentos. A diferenciação entre
diretos e indiretos proporciona mensuração mais realista e verificação da eficiência das
atividades da empresa. (LEONE, 2000).
Os custos diretos são os custos que podem facilmente ser identificados no
produto ou serviço e seu valor mensurado com facilidade. Os custos diretos não
necessitam de critérios de rateio para serem alocados ao produto final ou serviço
prestado. (PEREZ JR., OLIVEIRA e COSTA, 2005)
Os custos indiretos são aqueles que dependem de cálculos, rateios ou estimativa
para serem mensurados, ou seja, só são apropriados indiretamente aos produtos. O
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
parâmetro utilizado para calcular as estimativas neste caso é chamado de base ou
critério de rateio. (PINTO et al, 2008).
Ainda sobre os custos indiretos, sabe-se que estes não são perfeitamente
identificados e por isso não podem ser apropriados diretamente aos produtos ou
serviços. Eles precisam de algum critério de rateio para sua alocação. São exemplos de
custos indiretos: material utilizado na manutenção das máquinas do setor fabril,
materiais empregados nas atividades auxiliares a produção, mão-de-obra indireta, que é
o trabalho realizado em departamentos auxiliares a produção e que não são mensuráveis
em nenhum produto ou serviço. (PEREZ JR., OLIVEIRA e COSTA, 2005).
Os custos fixos não variam de acordo com o volume de produção. Eles existem
mesmo que não haja produção e podem ser divididos em custo fixo de capacidade,
como depreciação e amortização e custo fixo operacional. (BRUNI e FAMÁ, 2007).
Custo variável é definido como o custo que mantêm relação direta com o volume
produzido. Deste modo o valor do custo variável cresce proporcionalmente com o
aumento das atividades da entidade, ou seja, seu valor varia na proporção direta do
volume de produção, seu valor é constante por unidade, sua alocação aos produtos ou
centros de custos é feita sem a utilização de critérios de rateio. (PEREZ JR., OLIVEIRA
e COSTA, 2005).
Já os custos semifixos são definidos como os custos que são fixos até um
determinado volume de produção, caso haja variação neste volume, estes custos
também sofrem alteração. (PINTO et al, 2008).
Existem também os custos semivariáveis que variam de acordo com o nível de
produção, porém, possuem uma parcela fixa e existem mesmo que a produção não
aconteça. Como por exemplo, a energia elétrica da fábrica. (PINTO et al, 2008). Esse
tipo de custo não acompanha linearmente a variação da produção, porém se mantem
fixo dentro de determinados limites. (BRUNI e FAMÁ, 2007).
3.3 Métodos de custeio
Os métodos de custeio mais populares no Brasil serão resumidamente expostos
abaixo.
O lucro pode ser afetado pela maneira com que os custos são mensurados e
confrontados com as receitas, ou seja, o critério selecionado para apuração dos custos
pode afetar o planejamento do lucro. (FIGUEIREDO e CAGGIANO, 1997).
84
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
A apuração dos custos de uma entidade, é fundamental para calcular sua
lucratividade e serve como apoio aos gestores no processo de análise da viabilidade do
negócio. (PINTO et al., 2008).
3.3.1 Custeio por absorção ou funcional
O custeio por absorção é adotado no Brasil pela legislação comercial e fiscal.
Deriva do método RKW (Reichskuratorium für Wirtschaftlichtkeit) utilizado na
Alemanha no século 20. Neste método todos os custos são alocados aos produtos
fabricados, ou seja, tanto os custos diretos como os indiretos são considerados no valor
final dos produtos, sendo os custos diretos alocados por apropriação direta e os indiretos
alocados por meio de critérios de rateio. Ele não é um princípio contábil, mas é o
método válido para apurar as informações que compõem as demonstrações contábeis e
para fins de cálculo do imposto de renda. (PEREZ JR., OLIVEIRA e COSTA, 2005).
O custeio por absorção considera todos os custos da área fabril, sejam eles diretos ou
indiretos, fixos ou variáveis, operacionais ou de estrutura. Cada produto absorve uma
parcela dos custos diretos ou indiretos inerentes da fabricação. (LEONE, 2000).
3.3.2 Custeio variável ou direto
O método de custeio utilizado para fins gerenciais é o variável ou direto. Esse
método é de grande importância para a tomada de decisões no que diz respeito a custo e
formação de preços (BRUNI e FAMÁ, 2007). Ainda de acordo com os autores, nesse
método, são atribuídos aos produtos acabados apenas o que se considera como custo
variável, onde os mesmos são subtraídos da receita, acompanhado das despesas
variáveis onde se obtém a margem de contribuição. Apenas depois da margem de
contribuição é que são descontados os custos e as despesas fixas. De acordo com Pinto
et al (2008) essa metodologia é capaz de indicar com maior nitidez quais são os gastos
de cada produto ou serviço antes da aplicação dos custos e das despesas fixas.
O custeio variável tem superioridade sobre o custeio de absorção, pois, insere no
sistema contábil diferenciação entre o custo fixo e o custo variável, sendo assim de
maior utilidade para a tomada de decisão da empresa. (FIGUEIREDO e CAGGIANO,
1997).
85
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Apropriando aos produtos apenas os gastos variáveis, o custeio variável resulta
em responsabilizar os produtos somente pelo consumo de recursos que não seriam
consumidos se eles não fossem produzidos, e este conceito está de acordo ao princípio
econômico de oportunidade. (CLEMENTE, SOUZA e TAFFAREL, 2013).
3.3.3 Custeio por atividades
O terceiro e último método de custeio apresentado a seguir é por atividade,
conhecido como custeio ABC (Activity Based Costing). Para os autores Perez Jr.,
Oliveira e Costa (2005) o método de custeio ABC deu-se quando os sistemas
convencionais não atendiam mais a exigência das entidades por informações gerenciais
com relação a avaliação, organização, registro contábil e apropriação aos produtos dos
custos indiretos de fabricação.
O custeio ABC estabelece uma relação entre o consumo dos recursos e as
atividades, possibilitando assim, detectar os fatores que levam aos custos em sua
produção. O objetivo desse sistema é a atribuição racional dos gastos indiretos, levando
a uma gestão mais esclarecida dos gastos, oferecendo um suporte mais adequado para a
tomada de decisões da empresa. Esse método pode ser adotado em qualquer empresa,
independente de porte ou natureza. (PINTO et al, 2008).
Custear os gastos por atividades possibilita o gerenciamento eficaz para eliminar
ou reduzir as atividades que não agregam valor ao produto, além de possibilitar o
rastreamento para identificar fontes de variações dos custos. Porém, este método por sua
complexidade requer gastos elevados para sua implantação, operação e manutenção.
(CLEMENTE, SOUZA e TAFFAREL, 2013).
3.3.4 Formação de preços
A sobrevivência de uma empresa está diretamente ligada à sua habilidade em
calcular preços para seus produtos, preços estes que cubram seus custos e contemplem
um índice razoável de retorno sobre o capital investido. Vender abaixo do custo leva a
empresa inevitavelmente à falência, para sua sobrevivência ela precisa vender seus
produtos não apenas para cobrir seus custos, mas para obter um lucro razoável.
(FIGUEIREDO e CAGGIANO, 1997).
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Atualmente a crescente concorrência de mercado não permite as empresas
simplesmente adicionarem a margem de lucro desejada aos seus custos para fixar seu
preço de venda. Na prática a empresa deve ajustar os seus custos de modo a obter a
margem desejada e consequentemente atingir o resultado desejado. (CLEMENTE,
SOUZA e TAFFAREL, 2013).
Não podem ser estabelecidas regras estreitas para a formação de preços, pois as
circunstâncias dos produtos e dos mercados mudam muito entre as empresas e cada uma
possui particularidades únicas que interferem drasticamente no processo de formação de
preços. (FIGUEIREDO e CAGGIANO, 1997).
Para a formação do preço de venda é necessário sim o conhecimento do custo do
produto, porém somente isto não é o suficiente, sendo necessárias outras informações
importantes como preços dos produtos concorrentes, preços dos produtos substitutos,
demanda, estratégias de marketing utilizadas e o mercado em que a empresa atua. O
mais importante é que o sistema de custos forneça informações consistentes com a
filosofia da empresa, contribuindo assim, para a política de preços. (MARTINS, 2003).
Quanto mais precárias as informações de custo e pouca habilidade gerencial da
empresa, mais os preços de seus produtos tendem a ser equivocados e perigosamente
seus resultados se adaptam passivamente às oscilações do mercado. (CLEMENTE,
SOUZA e TAFFAREL, 2013).
Definitivamente, a decisão do preço a ser fixado não pode ser baseada apenas
nos dados de custos. Muitas outras informações sobre o mercado casadas com
informações internas são parâmetros para decisões assertivas e confiáveis em relação ao
preço de venda. (MARTINS, 2003).
Outros três aspectos importantes devem ser considerados na estratégia de
estabelecimento de preços: a criação do valor percebido pelos consumidores, aumento
da lucratividade do negócio, e não separar o preço do restante do composto de
marketing. (PADOVEZE, 2005).
De fato, múltiplos fatores relativos aos custos ou ao valor percebido pelo
consumidor influenciam na determinação dos preço de venda, tais como:
disponibilidade do consumidor de pagar pelo produto, qualidade e tecnologia em
relação às necessidades do consumidor, produtos substitutos a preços mais atrativos,
demanda esperada do produto, metas de produção e venda que a empresa pode operar,
mercado de atuação, impostos, custos e despesas de fabricação, administração,
87
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
distribuição e comercialização, além dos ganhos e perdas em gerir o produto. (BRUNI e
FAMÁ, 2007).
4 Visão geral da gestão de custos das micro e pequenas empresas no Brasil
Frente a pesquisa sobre a Evolução das Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte 2009 a 2012 realizada pelo SEBRAE, observou-se que estas representam 99% do
total de estabelecimentos existentes e são responsáveis por 40% da remuneração paga a
empregados formalizados em entidades privadas.
Foi constatado também que esses tipos de empresas têm maior concentração na
região Sudeste com 49,7% sendo Microempresas e 53,40% sendo Empresas de Pequeno
Porte.
Figura 3: Composição da Amostra por Segmento
Segmento N
Partic.
(%)
Industrial 13 21,67
Comercial 10 16,67
Serviços 14 23,33
Indústria e Comércio 7 11,67
Indústria e Serviços 8 13,32
Comércio e Serviços 4 6,67
Ind. Com. e Serviços 4 6,67
Total 60 100
Fonte: Clemente, Souza e Taffarel (2013, p.6)
Nessa mesma pesquisa, identificou-se que 46,67% dos administradores tem
educação superior, 20% possuem pós-graduação e 3,33% da amostra pesquisada
possuem somente o nível de escolaridade fundamental.
0
5
10
15
20
25
Participação (%)
88
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 4: Educação Formal dos Gestores das MPEs
Formação Partic. (%)
Fundamental 3,33
Médio 30
Superior 46,67
Pós-Graduação 20
Total 100
Fonte: Clemente, Souza e Taffarel (2013, p.7)
De acordo com a pesquisa realizada por Clemente, Souza e Taffarel (2013),
onde foram estudadas 60 MPEs sendo 21,67% da área industrial, 16,67% da área
comercial e 23,33% completamente dedicadas a prestação de serviços, observa-se que
pouco mais de 60% operam em apenas um segmento, aproximadamente 30% atingem
dois segmentos e somente 7% trabalham com três segmentos. A figura 3 evidencia a
amostra utilizada na pesquisa.
Percebe-se nos dados apresentados acima que grande parte dos gestores possuem
formação acadêmica elevada, porém o nível de conhecimento dos métodos de custo é
relativamente baixo, onde em um grupo de 10 administradores 4 declararam não
conhecer os métodos de custeio.
Figura 5: Conhecimento dos Métodos de Custeio
Situação
Partic.
(%)
Conhecem 61,67
Não conhecem 38,33
Total 100
Fonte: Clemente, Souza e Taffarel (2013, p.8)
0
10
20
30
40
50
Participação (%)
0
20
40
60
80
Conhecem Não conhecem
Participação (%)
89
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Foi constatado na figura 6 que do total de MPEs estudadas, 55% não aplicam
nenhum controle gerencial dos custos na empresa.
Figura 6: Utilização das Ferramentas Gerenciais de Custos
Situação Partic. (%)
Utilizam 45
Não Utilizam 55
Total 100
Fonte: Clemente, Souza e Taffarel (2013, p.8)
Verificando as figuras apresentadas acima, compreende-se que mesmo os
gestores com nível de educação superior e conhecimento da gestão de custos,
totalizando pouco mais de 60% da parcela analisada, apenas 45% apresentou utilizar as
ferramentas de controle de custos na empresa.
Os gestores que se utilizam das ferramentas de custo citam, quase com
totalidade, as significativas vantagens. Tal fato expressa que os proveitos percebidos são
uma garantia que as MPEs após experimentarem essas ferramentas, seguirão utilizando-
as.
Um fato comum no Brasil entre as MPEs é que a dispensa de escrituração
contábil, torna os microempresários desobrigados a elaborar o Balanço Patrimonial e
DRE acarretando em falta de controle, pois não há material necessário para analisar a
atual situação econômica e financeira dessas empresas. Deste modo, os micro e
pequenos empresários não conseguem gerir de maneira eficaz os negócios, e não
conseguem saber se, de fato, estão obtendo lucros ou prejuízos além de não terem
informações consistentes para planejar o futuro de suas empresas. A lei não obriga a
escrituração, mas também não impede que as micro e pequenas empresas a faça e
utilize-a como ferramenta de controle interno e gestão. (APPOLINÁRIO, 2008).
A situação econômica em relação as pequenas empresas, passa por cenários
complexos. A forte concorrência leva a necessidade do uso de instrumentos e
ferramentas com visão não apenas operacional, mas também estratégica. As constantes
0
20
40
60
Utilizam Não Utilizam
Participação (%)
90
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
mudanças geraram novas oportunidades, e estas, fizeram com que as empresas
crescessem. (SILVA, 2009).
É de suma importância a correta gestão contábil gerencial e os ajustes
necessários dos processos de decisão a partir da mesma. Atualmente as dificuldades das
micro e pequenas empresas podem ser desde um simples equívoco a uma decisão
incorreta. Porém, a gestão de custos calcada nas informações da contabilidade gerencial
colabora para evitar riscos desta natureza, proporcionando uma visão estratégica do
negócio. (SILVA, 2009).
Na pesquisa abordada anteriormente, cita-se dois principais motivos para não
utilizar ferramentas gerenciais de custos: estrutura organizacional simples e ausência de
pessoal capacitado.
Sendo o primeiro motivo um tanto quanto equivocado, pois mesmo em
estruturas organizacionais simples, o controle de custos é possível, necessário e valioso.
A falta de pessoal capacitado é motivo citado por quase metade dos pesquisados que
não utilizam ferramentas gerenciais de custos. (CLEMENTE, SOUZA e TAFFAREL,
2013).
Em pesquisa realizada com pequenas empresas vinculadas ao Programa
Empreender, instituído pela Associação Comercial e Industrial de Uberlândia (ACIUB)
com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE)
e da Prefeitura Municipal de Uberlândia, onde 103 empresas de segmentos diversos
foram pesquisadas, observa-se que os gestores em sua maioria consideram a gestão de
custos no processo decisório da empresa como ferramenta muito importante.
A utilização da gestão de custos para a determinação do lucro é considerada por
72,9% dos pesquisados como muito importante.
A gestão de custos para análise de desempenho da empresa, determinação do
preço de venda dos produtos e contribuição nas tomadas de decisões apresentaram
avaliação relevante para mais de 60% dos gestores pesquisados.
91
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Figura 7: Funções da Gestão de Custos no Processo Decisório
Funções da Gestão de Custo 1 (%) 2 (%) 3 (%) 4 (%) 5 (%) Total
Registro do Custo dos
Produtos 2,1 4,2 0 25 68,8 100
Avaliação dos Estoques 8,3 4,21 8,3 31,3 50 100
Análise do Desempenho da
Empresa 0 0 0 33,3 66,7 100
Determinação do Lucro 2,1 0 0 25 72,9 100
Controle das Operações 0 6,3 10,4 31,3 52,1 100
Controle da
Competitividade entre os
meus concorrentes
2,1 0 22,9 35,4 39,6 100
Auxilio nas atividades de
planejamento 0 6,3 6,3 37,5 50 100
Determinação do Preço de
Venda dos Produtos 4,2 0 10,4 14,6 70,8 100
Contribuição nas Tomadas
de Decisões 0 0 8,3 25 66,7 100
Fonte: Gonçalves e Leal (2015, p.8)
5 Considerações Finais
Este artigo teve como finalidade evidenciar a relevância e essencialidade de uma
contabilidade de custos dentro das micro e pequenas empresas para que estas
sobrevivam a um mercado cada vez mais competitivo e exigente.
Na época atual da economia, em um mundo globalizado, as oportunidades das
empresas ganharem mais mercado aumentaram significativamente. Mas, para que haja
sucesso nessa expansão de mercado é preciso adequar-se à concorrência e ter
maleabilidade para diminuição de custos através de ferramentas que auxiliem isto.
Observou-se neste artigo que as MPEs representam grande parte das empresas
formais no Brasil e são geradoras de grande parte dos empregos privados. Apesar dos
métodos de controle dos custos dentro de uma empresa serem de grande importância
para a geração de informações e auxilio na tomada de decisões dos gestores, as MPEs
92
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
possuem limitações, como o nível de escolaridade e mesmo a falta de conhecimento dos
métodos, que implicam na não utilização desses métodos.
De uma forma geral, o custo do produto pode ser entendido como o montante de
todos os custos que podem a ele ser designados, sejam eles diretos ou indiretos. Neste
artigo foram apresentados três tipos diferentes de métodos de custeio. O primeiro é por
absorção, onde todos os custos diretos e indiretos do processo produtivo são alocados
aos produtos, possibilitando assim obter resultados por produto. Esse método é o
utilizado oficialmente para apuração do imposto de renda.
O segundo meio de apuração do custo citado é o gerencial ou direto. Este tipo de
ferramenta é a mais indicada para estudar o grau da eficiência da empresa e auxilia na
formação dos preços. É possível observar que o método variável possui maior
conveniência na hora da tomada de decisão da empresa pois ele introduz uma distinção
entre o custo fixo e o variável, diferente do custeio por absorção que considera ambos.
No terceiro e último método apresentado, o custeio ABC, é possível concluir que
ele evidência atividades que podem ser descartadas em cada produto. Porém esse
método não é o mais relevante para aplicação em micro e pequenas empresas devido ao
seu alto custo de implantação além de que nesses tipos de empresas a produção, na
maioria das vezes, é mais baixa.
Com relação a formação de preço, este é parte importante do quebra-cabeças que
é a gestão de uma empresa. Por ser um dos aspectos financeiros mais relevantes à
sobrevivência de uma entidade, o preço de venda deve ser minuciosamente estudado
para que, pelo menos, cubra os custos e dê um mínimo de lucro. Uma boa performance
da empresa não está ligada propriamente aos preços por ela praticados, mas, por outro
lado, uma decisão errada pode levar uma empresa á ruína.
Diante da pesquisa apresentada neste artigo, é possível observar que uma grande
parcela dos gestores entrevistados possui um nível de escolaridade superior e têm
conhecimento das técnicas de gestão de custos apresentadas, mas, nem metade deles
utilizam essas ferramentas para auxilia-los dentro de suas empresas na hora de tomar
decisões. Por outro lado, os empresários que utilizam dessa ferramenta, apontam as
significativas vantagens.
Na segunda pesquisa demonstrada, nota-se que grande parte dos entrevistados
considera a ferramenta de custos de suma importância para a determinação do preço de
vendas das mercadorias e também para o controle da competitividade com os
concorrentes da empresa. Com um mercado cada vez mais acirrado, é o preço de venda
93
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
que irá constituir o sucesso, o resultado da empresa e de quebra sua existência ou não
dentro do setor.
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95
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
A FARSA DO DESEQUÍLIBRIO FISCAL PREVIDENCIÁRIO
FERNANDES, Thaís Cristina 9
Resumo
Apesar de a Reforma da Previdência ter ganhado relevância no Governo de Michel
Temer, foi enquanto Dilma Rousseff ainda estava na presidência que surgiram as
primeiras discussões sobre o tema. A proposta de Reforma de Temer não foi levada
adiante, mas já em sua campanha eleitoral, o agora eleito presidente Jair Bolsonaro
prometia o feito. A atual proposta prevê soluções atreladas à corte de benefícios para
ajuste de um suposto descontrole de gastos previdenciários, que oneram as contas
públicas. O presente estudo objetiva analisar a viabilidade do Sistema Previdenciário
Brasileiro, bem como seus reais problemas. Inicialmente são apresentados argumentos
que enfatizam a existência do deficit previdenciário em razão de excessivas despesas
com benefícios e envelhecimento da população. Na sequência, análises demonstram que
ocorrem desvios de recursos do Sistema Previdenciário e, portanto, o problema do
desequilíbrio fiscal não está relacionado a despesa. Por fim, são pontuadas algumas das
falhas existentes na Previdência Social Brasileira que devem ser emendadas visando
atender o contexto socioeconômico e demográfico do país.
Palavras-chave: previdência social, déficit previdenciário, estabilidade econômica.
9 Bacharel em Ciências Econômicas.
96
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
1. Introdução
A Previdência Pública objetiva proteger o indivíduo de situações (previsíveis e
imprevisíveis) em que há a impossibilidade do mesmo em realizar atividade econômica
a qual garante sua renda. O Estado torna-se responsável por garantir benefícios que são
financiados por contribuições realizadas por toda sociedade, formando uma espécie de
seguro universal, ou seja, abrange toda a população.
O regime de financiamento previdenciário público adotado no Brasil é o de
repartição simples, nesse sistema as receitas e despesas são realizadas simultaneamente.
Dessa maneira, a geração ativa realiza contribuições que custeiam os benefícios da
geração inativa. Esse fator é comumente apontado para demonstrar um possível colapso
fiscal causado pelo envelhecimento da população, que gradativamente diminuiria a
parcela ativa e aumentaria a inativa.
As soluções encontradas pelo atual governo para tal referem-se à reforma do sistema
previdenciário pelo lado das despesas, realizando reduções dos benefícios, aumento do
tempo de contribuição e idade mínima e incentivo aos sistemas previdenciários
privados. Em contraposição a esta análise, o presente estudo pretende identificar a
viabilidade da Previdência Social Brasileira, estabelecida na Constituição Federal de
1988.
O artigo divide-se em três partes principais, além desta introdução e das
considerações finais. A primeira parte apresenta os principais argumentos que enfatizam
um descompasso entre receitas e despesas do sistema previdenciário, em razão de uma
legislação caracterizada como benevolente na concessão de benefícios. A segunda parte
analisa o sistema de financiamento definido em Constituição e sua sustentabilidade, em
contrapartida são demonstradas as práticas que desviam os recursos para áreas do
orçamento que não o da Seguridade Social. A terceira busca identificar os principais
problemas do atual sistema previdenciário a fim de que sejam combatidos e reformados.
As principais considerações desse trabalho indicam a inexistência do déficit e a
subordinação da Previdência Social a interesses político-econômicos.
97
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
2. O suposto deficit previdenciário
Antes de serem apresentados os argumentos que buscam sustentar a existência do
déficit previdenciário, é importante salientar alguns fatores sobre a estabilização fiscal
brasileira. Belluzzo e Almeida (2002, p.364) afirmam que após o Plano Real, não foram
criadas estratégias para reorganização das contas públicas ou preocupação com políticas
que ordenassem variáveis macroeconômicas, de forma a proteger as receitas e despesas
governamentais.
Outro ponto são os principais interessados na estabilização. Sendo uma economia
periférica disposta a atender os anseios do mercado financeiro, propõem-se com a
estabilização juntamente com a abertura financeira a criação de ativos atraentes, leia-se
elevados ganhos ou prêmios de riscos.
De acordo com os defensores da Reforma o desequilíbrio do orçamento
previdenciário deve-se a uma legislação benevolente de concessão de benefícios. Dessa
maneira, haveria um descompasso entre receitas e despesas dos diferentes fundos de
pensões e aposentadorias, atribuído ao aumento da cobertura dos benefícios através da
promulgação da Constituição de 1988.
Apontada como vilã nessa perspectiva a Constituição Federal de 1988 garante
Direito Previdenciário a toda população brasileira independente da atividade de atuação
e dos vínculos de trabalho, seguindo objetivos como universalidade de cobertura,
uniformidade e equivalência, ou seja, uma notável conquista social para o país.
Além da ampla cobertura, outro gerador do déficit seria o efeito Salário Mínimo. É
considerado nesse argumento que a maior parte dos benefícios rurais corresponde
exatamente a um Salário Mínimo. Em razão do alto grau de informalidade e do número
de produtores de subsistência, as contribuições rurais não atendem a todos os
beneficiários da categoria. Sendo assim, o aumento do Salário Mínimo significa
crescimento real das despesas.
A ampliação das ATCs (Aposentadoria por Tempo de Contribuição) nos 1990,
também é analisada como responsável pelo aumento do déficit. Tais benefícios além de
aumentarem 72% entre 1994 e 2003, custam mais e perduram por mais tempo. O que
significa aumento real das despesas sem aumento da quantidade de beneficiários
(GIAMBIAGI et.al.,2004).
98
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Através dessa análise a solução está associada a ajustes na concessão de benefícios.
Giambiagi et.al. (2004, p.379) indica fatores que devem ser reformulados:
São eles: a) ausência de idade mínima no Regime Geral; b) aposentadoria
precoce das mulheres; c) aposentadoria precoce dos professores; d)
vinculação entre o piso previdenciário e o salário mínimo; e e) programas
assistenciais com despesas crescentes.
A adoção do fator previdenciário na Reforma realizada por Fernando Henrique
Cardoso impediu aposentadorias para indivíduos de 45 e 50 anos, no entanto, não
impede aposentadoria para 53, 54 ou 55 anos. Sem considerar a existência de recursos a
Previdência Social está priorizando a relação tempo de trabalho e tempo contribuição, e
não a idade.
Em razão do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, boa
parte das mulheres conquistou o direito previdenciário. No entanto, autores e
especialistas questionam a diferença de cinco anos para concessão das aposentadorias
(por idade ou tempo de serviço) para as mulheres em relação aos homens. Cordeiro
(2006, p.92) afirma:
Nos tempos atuais não parece mais se justificar a aposentadoria feminina
cinco anos mais cedo. Isso porque já é bastante conhecido o seu tempo de
sobrevida superior ao dos homens.
As mulheres não são as únicas identificadas como um público dispendioso para
a Previdência Social. Os professores que podem se aposentar cinco anos antes das
demais categorias, representam volume significativo da folha salarial de estados e
municípios, além de contar com a maioria dos profissionais do sexo feminino. De
acordo com Giambiagi et.al. (2004, p.388) essa categoria não se enquadra nas
prerrogativas para receberem a distinção no tempo de aposentadoria:
Isso porque a justificativa para a adoção de regras específicas para
categorias profissionais se aplica aos casos de: a) dano comprovado à
saúde; e/ou b) redução da expectativa de vida pelo exercício da profissão,
como é a situação de quem trabalha em minas subterrâneas de carvão.
A desvinculação dos benefícios ao Salário Mínimo deveria ocorrer em razão da
Previdência não ser considerada uma política pública, uma vez que, na visão de
99
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Giambiagi et.al. (2004, p.388), a mesma não é capaz de diminuir a desigualdade ou
aumentar a capacidade de crescimento futuro da economia. Logo, é proposto indexar as
aposentadorias e pensões de acordo com a inflação, evitando aumentos reais das
despesas.
A Constituição garante Direito Previdenciário mesmo àqueles que não
contribuíram regularmente para o sistema previdenciário. É o caso dos deficientes ou
idosos com mais de 67 anos com renda familiar per capita inferior a ¼ salário mínimo.
Além de onerarem os gastos públicos, esses benefícios se tornariam responsáveis pelo
incentivo a informalidade das relações de trabalho e fadaria o sistema ao desequilíbrio.
De acordo com Cordeiro (2006, p.79):
Tal fato mostra ser um grande colaborador pra o saldo negativo do
sistema, fazendo com que o governo desloque recursos advindos de
receitas diversas da Seguridade Social para o financiamento do déficit.
E por fim, mas o ponto central utilizado pelos defensores da Reforma da
Previdência está a transição demográfica brasileira. De acordo com os estudos
realizados pelo IBGE a população inativa tende a superar a economicamente ativa. Em
2010 a população brasileira com idade superior a 65 anos era de 13.193.703 habitantes,
a previsão para 2050 é de que esse número chegue a 48.898.637. Em contrapartida, a
População Economicamente Ativa (PEA) tende a diminuir (MIRANDA, 2010).
O Sistema Previdenciário Brasileiro entraria em colapso, pois de acordo com os
moldes neoliberais as contribuições atuais deveriam no mínimo cobrir os benefícios
vigentes. Portanto a reformulação das condições para concessão de benefícios,
considerando os fatores apresentados, torna-se vital para sustentação da Previdência
Social, além de não desviar recursos que poderiam ser empenhados em áreas como
infraestrutura, educação e segurança pública.
3. Desmitificando o deficit da previdência social
De acordo com Gentil (2006, p.31) o que é chamado de deficit da previdência trata-
se do saldo previdenciário negativo, dessa maneira os dados oficiais são um tanto
quanto enganosos sobre a situação fiscal real do sistema. No cálculo considera-se a
soma de receitas sobre rendimentos de trabalho e outras receitas menos expressivas
100
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
(REFIS, FNS, CDP e Depósitos Judiciais), deduzidas das transferências a terceiros
(destinadas ao Sistema S) e dos beneficiários do RGPS.
O Artigo 195 da Constituição Federal, que diz repeito ao financiamento da
Seguridade Social, determina outras fontes de receitas para além das consideradas no
cálculo. São elas: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS),
Contribuição Provisória sobre movimentação ou Transmissão de Valore e de Créditos e
Direitos de Natureza Financeira (CPMF) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL). Ao desconsiderar as receitas mencionadas cria-se um déficit que não é real.
De acordo com Souza (2011, p.78), o Constituinte sendo ciente da complexidade do
sistema de Seguridade Social criou um sistema de financiamento capaz de viabilizado:
[...] custear e viabilizar ações desta magnitude demandou do originário a
concepção de um amplo projeto de financiamento da Seguridade Social
com opções heterogêneas de custeio, cujos fatos geradores fossem
variados o suficiente para não dependerem e uma variável econômica
apenas, o que colocaria em perigo a viabilidade financeira de uma
instituição jurídica que, por sua própria natureza, está destinada a
perdurar através das gerações.
Todas as despesas caracterizadas excessivas nos argumentos apresentados
anteriormente como, por exemplo, as aposentadorias rurais, na verdade não dependem
majoritariamente dos rendimentos do trabalho urbano. A aposentadoria rural sendo um
típico benefício da Seguridade Social conta como fonte de financiamento as receitas de
COFINS e CSLL.
Segundo a pesquisa realizada por Gentil (2006) a metodologia dos dados
divulgados pelo Estado Brasileiro esconde o superávit operacional da Previdência
Social. O resultado tendo como base as mesmas estatísticas oficiais registrou um
superávit de R$8,6 bilhões em 2004 e de R$921 milhões em 2005.
Além das receitas mencionadas o Artigo 195, define aportes a serem realizados
pela União no sistema de Seguridade Social. Sendo responsabilidade do governo incluir
em seu orçamento fiscal gastos com políticas de seguridade social. É obrigação do
Tesouro Nacional realizar transferências para o Regime Geral e Previdência Social
(RGPS).
101
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Complementando o que fora definido em Constituição, a Lei de
Responsabilidade Fiscal em seu artigo 68 explicita a participação das três esferas
(empregados, empregadores e Estado) no Fundo do RGPS. No entanto, desde 1989 são
apenas consideradas as contribuições dos empregadores e empregados nas receitas
previdenciárias:
Em outras palavras, o que seria a contribuição do Estado no esquema de
financiamento tripartite instituído pela Constituição é denominado pelo
governo de déficit (FAGNANI, 2017, P.25).
A experiência econômica de 1980 - quando o baixo crescimento econômico
afetou as receitas que provinham da folha de pagamento, tornando incapaz a
sustentabilidade de gastos com benefícios previdenciários - demonstrou a fragilidade da
Previdência Social ao depender majoritariamente dos rendimentos provenientes do
trabalho. Logo, os formuladores da Constituição de 1988 prezaram pela diversificação
do financiamento ao invés do aumento da arrecadação (GENTIL, 2006).
Quando se fala sobre desequilíbrio previdenciário também são desconsiderados
outros aspectos, como a estagnação econômica e desorganização do mercado de
trabalho. Índices baixos de atividade econômica indicam aumento do desemprego e do
trabalho informal, ou seja, diminuição de receitas previdenciárias advindas do trabalho
(FAGNANI, 1999).
A Previdência Social torna-se dependente do modelo econômico adotado.
Portanto, no caso brasileiro o sistema previdenciário é altamente ligado à política
macroeconômica. A partir do período do regime militar foi estabelecida pelo governo de
uma maneira generalizada uma arrecadação recessiva, que persiste até hoje. Diferente
dos países desenvolvidos que inspiraram a atual reforma da Previdência, o Brasil é um
país custeado pelos mais pobres através da tributação indireta.
Os governos Dilma e Temer ao realizarem uma política econômica que
combinou cortes de investimentos, renúncias de receitas e contribuições sociais e de
impostos, juros elevados, câmbio valorizado e redução do crédito público,
intensificaram a recessão econômica brasileira. Resultando em diminuição de renda e
consumo, que reproduzem o quadro de recessão econômica (GENTIL, 2017).
102
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Em dados consolidados, Gentil (2017, p.93) demonstra os efeitos no mercado de
trabalho:
A taxa de desemprego saltou rapidamente para dois dígitos. Saiu do seu
menor patamar (de 6,8% em 2014) para alcançar, em dezembro de 2016,
12%, o equivalente a 12,3 milhões de pessoas sem ocupação. No
trimestre terminado em maio de 2017 elevou-se bruscamente para 13,3%
equivalente a 13,8 milhões de pessoas desempregadas. Entre o trimestre
terminado em maio de 2016 e o mesmo período de 2017 houve perda de
1,2 milhão de postos de trabalho.
Consequentemente no mesmo período houve queda nas arrecadações
previdenciárias. Nos anos de 2015 e 2016 as arrecadações do RGPS chegam a atingir
taxas de crescimento real negativas (-6,2% e -3,8% respectivamente), fato que também
ocorre com as receitas da Seguridade Social (-7,2% e -3,4% respectivamente). Em
contrapartida houve o aumento do gasto, em razão da ameaça da reforma da Previdência
que fomentou uma “corrida para aposentadoria” juntamente com o aumento dos
benefícios sociais (seguro desemprego, antecipação de aposentadoria, saúde e segurança
pública) por efeito da recessão econômica (GENTIL, 2017).
A Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada em 2000 legitimou a
desvinculação do Regime Geral da Previdência e Assistência Social (RGPS) da
Seguridade Social, ao criar um fundo específico para a previdência. Assim recursos
provenientes de COFINS, CSLL e CPMF passam a ser nomeados como transferências
da União ao financiar o suposto déficit, quando na verdade constitucionalmente são
recursos próprios (GENTIL, 2006).
Após a transferência do Instituto de Administração da Previdência Social
(IAPAS) para o Ministério da Fazenda, os recursos da Seguridade Social passam a ser
administradas pelo Tesouro Nacional. Assim receitas com COFINS, CSLL e CPMF
passam a ser depositadas no Banco Central e transferidas para o sistema previdenciário
de acordo com a necessidade fiscal, quando deveriam ser depositados integralmente na
Seguridade Social.
A gestão integral desses recursos pelos respectivos órgãos da Seguridade Social
evitaria desvios dos recursos para outras áreas. Prática que acontecera amplamente no
103
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
período do Regime Militar, onde recursos do gasto social eram transferidos para a área
econômica (FAGNANI, 2017).
Ao serem definidos em Constituição a origem e destino dos recursos da
Seguridade Social, o orçamento da Seguridade Social deveria ser apresentado pelo
Governo anualmente de maneira individual. No entanto, o orçamento fiscal e da
Seguridade Social são apresentados em uma única peça orçamentária. Não há separação
das receitas, o que sugere existir um desequilíbrio fiscal não especificamente da
previdência.
Os motivos pelos quais possam justificar tal unificação levam as políticas
tributárias realizadas nos anos 90, que buscavam pelo superávit principalmente através
das contribuições da Seguridade Social. Gentil (2006, p.53) apresenta as condições que
podem explicar tal prática:
1)o aumento de alíquotas das contribuições não segue o principio de
anterioridade , o que significa que podem vigorar noventa dias depois de
instituída, diferente dos aumentos de impostos que precisam de lei a ser
aprovada em um ano, para vigorar apenas no ano seguinte, o que em
situações emergenciais, pode ser problemático; e 2) as contribuições
sociais têm a característica de não serem partilhadas com Estados e
Municípios.
A Desvinculação das Receitas da União (DRU) estabelece autorização para que
o governo utilize 20% das receitas de contribuições livremente sem a vinculação de
despesas específicas. Exceto nos anos de 1995 e 1998, foram ultrapassados os 20% nas
transferências realizadas do orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal.
Entre 1995 e 2005 R$ 107 bilhões representam o valor desvinculado além do
legalmente autorizado (GENTIL, 2006).
Embora pareça recente, em 1998 a Previdência Social foi apontada como a
principal causa do desequilíbrio das contas públicas, Belluzo e Almeida (2002, p.37)
afirmam que o significativo crescimento déficit público ocorrido nesse período foi
causado exclusivamente pelo pagamento dos juros pelo governo para estabilização da
moeda e sustentação política econômica adotada.
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Não diferente Gentil (2006, p.58) diz que a transferência de receitas próprias da
seguridade para o orçamento fiscal tem como objetivo estancar o déficit do ultimo,
causado principalmente pela taxa de juros em alto patamar.
4. Os verdadeiros problemas da Previdência Social
O sistema previdenciário estabelecido em Constituição mostra-se sustentável e
solido, além de seguir o princípio de igualdade. No entanto, sua execução a mercê de
interesses político-econômicos deforma tanto seu custeio como a concessão de
benefícios.
As contrarreformas de 1998, 2002 e 2003 buscaram legitimar tais práticas, limitando
e restringindo o acesso a Previdência Social, prevista na Constituição como um direito
universal.
A Emenda Constitucional n°20 de 1998 ao instituir o Fator Previdenciário passou a
exigir comprovação do tempo de contribuição (35 anos para os homens e 30 para as
mulheres), considerando o contexto do mercado de trabalho brasileiro parte da
população trabalhadora passa a não ter acesso à aposentadoria.
De acordo com o ex-ministro da Previdência e Assistência Social, Waldeck Ornéias
apud. Fagnani (2008, p.16) afirma que:
Apesar disso tudo (êxito da reforma), é preciso reconhecer que a
previdência social não vem cumprindo, em toda a plenitude, o seu papel
social. É que (...) a previdência social protege apenas 43% dos
trabalhadores brasileiros! Por isso, de cada dez pessoas que trabalham no
Brasil, seis não vão se aposentar nunca, por não terem vínculo com o
INSS. São, no presente, 38 milhões de brasileiros que se encontram nessa
situação. São desassistidos da Previdência. Refiro-me, principalmente,
aos contratados sem carteira assinada, aos que trabalham por conta
própria, aos trabalhadores domésticos, aos que vivem no campo.
Tornar o direito previdenciário universal exige a reformulação do Fator
Previdenciário, buscando atender as desigualdades regionais – muitos municípios
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
brasileiros possuem expectativa de vida inferior a media nacional e IDH semelhante ao
de países africanos - de raças, sexos e atividade econômica (urbano e rural).
Todas as desigualdades acima citadas também refletem na estrutura do mercado
de trabalho, que desta maneira é injusta. Caracterizada pela alta rotatividade, baixos
salários e amplo leque salarial. Períodos de estagnação costumam intensificar essa
estrutura aumentando a desorganização do mercado de trabalho. A adoção de uma
política econômica de abertura comercial e financeira, a sobrevalorização do câmbio,
privatizações, aumento de importações entre outras exigiu maior flexibilização e
desregulamentação das relações trabalhistas (FAGNANI, 2008).
Sendo a massa salarial a principal fonte de financiamento da Previdência Social,
assim como de outros gastos sociais, é viável a realização de políticas que busquem
aumentar o índice de empregos formais de modo a aumentar a base contributiva e
garantir a sustentabilidade do sistema de proteção social em longo prazo.
No entanto, vale citar novamente o caráter regressivo do financiamento da
Previdência Social. Enquanto houver transferência de contribuições pertencentes à
Seguridade Social para outras áreas do orçamento fiscal, principalmente para
pagamentos de juros e amortizações de dívida dificilmente haverá equilíbrio fiscal
previdenciário.
Segundo Boscheetti (2008, p.105) “no período de 2000 a 2007, foram extraídos
aproximadamente R$205,2 bilhões desse orçamento. Esse montante equivale a cinco
vezes o orçamento anual com saúde”. A DRU precisa não somente ser fixada a um
percentual que procure não prejudicar o cumprimento dos direitos sociais, mas também
fiscalizada para que não ocorram transferências acima do que fora estabelecido.
As desonerações que se justificam por incentivo ao capital para aumento de
investimentos na produção, apesar de não serem os principais problemas da Previdência
Social contribuem negativamente para o equilíbrio fiscal. Nas recentes experiências a
política foi utilizada pelo capital como forma de lucrar mais em períodos de crise
econômica. Ou seja, além representar a renúncia de considerável recurso da seguridade
social, não houve retorno algum para economia.
As isenções também são relevantes coadjuvantes no tema, Boschetti (2008,
p.107) sugere:
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
[...] a isenção fiscal que faz com que a Seguridade deixe de arrecadar
enormes somas de recursos, devido às renúncias previdenciárias de
“entidades filantrópicas” (assistência, saúde e educação), micro e
pequenas empresas e clubes de futebol. Ainda que previstas em leis,
essas isenções poderiam ser limitadas de modo a assegurar maior
arrecadação para a Seguridade Social.
Somado a DRU, isenções e desonerações, o governo federal tem uma postura
passiva quanto aos débitos de empresas e pessoas físicas para com o Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS). Enquanto a dívida é crescente, os esforços para recuperação
desse montante é decrescente, em 2011 o estoque da dívida era de R$185,8 bilhões e o
percentual cobrado era de 1,36%, em 2015 a dívida passou para R$350,7 bilhões e o
percentual cobrado para 0,32% (PUTY E GENTIL, 2017).
Foram pontuados assim problemas com a estrutura do mercado de trabalho bem
como as inconsistências do lado das receitas previdenciárias. No entanto, de fato
existem problemas com as despesas da Seguridade Social. Os gastos sociais per capita
não acontecem de maneira equânime entre as políticas sociais. Enquanto a política de
assistência social teve crescimento real de 11,11% entre 2001 e 2002, a previdência,
saúde, educação e cultura, habitação e saneamento tiveram variações negativas. Nota-se
assim que as políticas focalizadas, principalmente as de transferências de renda,
recebem maior atenção em relação às políticas sociais universais. O que justifica o
Estado brasileiro ser definido por muitos como assistencialista (BOSCHEETTI, 2008).
Considerações Finais
Esse artigo se propôs a desmitificar o déficit da Previdência Social Brasileira,
apontado pelo governo e alguns especialistas como a principal causa do desequilíbrio
fiscal público, que justificaria a necessidade de ser realizada a atual reforma
previdenciária via corte de benefícios.
Inicialmente foram apresentados os principais argumentos que endossam a
existência do déficit previdenciário em razão de uma legislação benevolente na
concessão de benefícios. A Constituição de 1988 seria, portanto a grande responsável
pela desorganização dos gastos previdenciários, uma vez que estabeleceu princípios
107
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
como igualdade e universalidade e garantiu direito previdenciário à toda classe
trabalhadora.
A s condições citadas pelos autores como excesso de benevolência na verdade
procuram atender e minimizar desigualdades da realidade brasileira. Grupos que são
apontados como receptores de aposentadoria precoce na verdade possuem condições de
trabalho problemáticas, como o caso das mulheres que apesar de possuírem expectativa
de vida maior que a dos homens, ainda enfrentam fatores como a dupla jornada e
representam uma parcela maior em postos de trabalho informais.
Os argumentos apresentados pelos defensores da reforma seguem uma visão
neoliberal, em que as contribuições e benefícios deveriam possuir equivalência
propiciando ao equilíbrio fiscal. Desse modo, trabalhadores rurais, trabalhadores
informais, deficientes e a transição demográfica, estariam fadando o sistema
previdenciário ao colapso. Nesse sentido, é analisado na segunda parte do artigo o
financiamento previdenciário definido em Constituição bem como sua implementação.
O suposto déficit previdenciário trata-se de saldo previdenciário negativo, a
detalhada pesquisa realizada por Gentil (2006) demonstra que receitas com COFINS,
CPMF e CSLL são desconsideradas do cálculo apresentado pelo governo. Tais receitas
estão definidas em Constituição como fontes de financiamento da Seguridade Social e,
dessa maneira da Previdência Social. O cálculo oficial do governo esconde um superávit
operacional da Previdência Social.
Logo, o problema do sistema previdenciário brasileiro não esta no lado das
despesas. O que ocorre é a usurpação de recursos da Seguridade Social para outras áreas
do orçamento fiscal. Além dos aportes financeiros por parte do governo não serem
realizados e a DRU não respeitar os limites estabelecidos. Todos os gastos apontados
como excessivos caberiam no orçamento previdenciário se a diversificação de seu
financiamento, estabelecida em Constituição, fosse atendida.
Os problemas a serem enfrentados na Previdência Social não se referem ao corte
de benefícios, mas a criação de condições que procurem ampliar os conceitos de
universalidade e igualdade. É preciso reformular o Fator Previdenciário a fim de que
considere a estrutura do mercado de trabalho e assegure direito previdenciário a
públicos vulneráveis. É preciso haver fiscalização sobre a DRU e desonerações, pois
significam transferências do trabalho ao capital e como políticas econômicas
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
representaram nas ultimas experiências verdadeiros fracassos. Assim como o
Orçamento da Seguridade deve ser apresentado separadamente do Orçamento fiscal.
A atual reforma é inspirada em países desenvolvidos e possui conceitos
neoliberais, porém como pode ser constatado ao longo desse artigo o Brasil possui
condições econômicas estruturais que exigem políticas econômicas inclusivas e não
excludentes. Não há insuficiências de recursos na Previdência Social Brasileira, o que
ocorre é a má gestão dos existentes, em nome do ajuste monetário exigido pelo mercado
financeiro.
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111
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
RESENHA
Laura Carvalho. Valsa brasileira. São Paulo, Todavia, 2018. 192 pp.
FERNANDES, Thaís Cristina10
Diante do conflituoso contexto econômico brasileiro, análises econômicas e
políticas inter-relacionadas destinadas a encontrar os problemas socioeconômicos reais,
bem como os caminhos viáveis para suas soluções práticas, tornam-se indispensáveis. É
o que se propõe em Valsa Brasileira, de Laura Carvalho. A autora tenta desvendar os
episódios que levaram o Brasil do que chama de “Milagrinho” econômico, do governo
Lula, a uma das crises mais profundas da história nacional, no governo Dilma e Temer.
Em um ambiente ainda predominantemente masculino, a voz de Laura Carvalho
tem ganhado espaço principalmente pela simplicidade - nada empobrecida – ao falar-se
sobre Economia Política. Professora Associada do departamento de economia da FEA-
USP possui doutorado em Economia pela New School for Social Research e graduação
e mestrado em Economia, é frequentemente denominada como um dos maiores nomes
progressistas do país.
Carvalho também contribui semanalmente como colunista do jornal Folha de
São Paulo, oferecendo análises sobre episódios atuais do cenário econômico. Valsa
Brasileira é seu primeiro livro, considerado um sucesso devido à repercussão e
quantidade de reimpressões desde sua publicação no primeiro semestre de 2018.
Sem rodeios nas primeiras páginas a autora deixa claro o que objetiva com a
obra: Desvendar o motivo pelo qual a economia brasileira passou de um cenário de
desenvolvimento – não apenas de crescimento, uma vez que houve reduções de
desigualdades - para a crise em apenas sete anos. São apresentadas três teorias
comumente utilizadas por diferentes grupos de especialistas, certa de que a crise não
pode ser atribuída a um único fator como acontece com tais teorias, Laura prepara o
leitor para uma análise nada simplista. De acordo com ela o modelo de crescimento dos
anos 2000 não estava fadado ao esgotamento, o que determinou seu fracasso foi a
adoção de uma política econômica equivocada.
10 Bacharel em Ciências Econômicas.
112
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
Enquanto o governo Lula realizava políticas que contribuíam com o
desenvolvimento do mercado interno, proliferava a visão de que o crescimento era
liderado pelo consumo enquanto o empresariado nacional passa exigir do Estado, como
meio de ganhar competitividade do mercado externo, diminuição de custos. Em Dilma,
este empresariado ganha espaço na política econômica e ocorre o redirecionamento no
modelo de crescimento.
Apesar de ser uma análise complexa, o modo como o conteúdo é exposto não a
torna exaustiva ou rebuscada demais, tratando-se de uma obra que abre mão do
economês para conseguir alcançar diferentes leitores sobre temas que deveriam ser
prioritários para aqueles e aquelas que buscam o desenvolvimento desse país. Além da
breve introdução, o livro é divido em cinco capítulos que acompanham
cronologicamente episódios políticos e econômicos dos governos petistas e do pós-
impeachment de Dilma Rousseff. Cada capítulo contempla subtítulos onde são
explanados os temas e conceitos de maneira mais segmentada, mas não menos
conectada.
Inicialmente, são expostas as condições que propiciaram o desenvolvimento
econômico durante o segundo governo de Lula, uma vez que em seu primeiro mandato
houve excesso de conservadorismo econômico empregado pela dupla Antonio Palocci
(Fazenda) e Henrique Meirelles (Banco Central). O crescimento ocorrido em 2005 é
essencialmente atribuído à expansão de exportação do país, não havendo contribuições
das políticas empregadas como muitos conservadores insistem em afirmar ao enfatizar
um caráter irresponsável do PT (Partido dos Trabalhadores) nos anos posteriores.
Já no segundo mandato de Lula, as exportações deixam de ser a centralidade da
economia brasileira, quem ganha destaque é o mercado interno com aumento do
consumo das famílias e investimentos. Foram desenvolvidas políticas tendo como base
três pilares: Distribuição de renda, acesso ao crédito e investimentos públicos. Ao expor
como cada pilar foi desenvolvido, Laura explica a partir de conceitos econômicos os
ganhos obtidos.
Apesar de refutar algumas das críticas realizadas a esse modelo de crescimento,
são apresentadas algumas limitações que dependeriam de implementação de políticas
que conseguissem supera-las. O primeiro problema está relacionado à baixa
competitividade e consequente fragilidade da indústria brasileira, que se caracteriza pela
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
falta de diversificação em sua estrutura. O segundo refere-se à inflação de serviços
causada pelos ganhos salariais e o terceiro a concentração de renda em razão do caráter
regressivo da tributação.
Mesmo sendo a sucessora de Lula, Dilma apostou em um modelo de
crescimento industrial aos moldes asiáticos, ou seja, focado nas exportações. O Real
valorizado e as altas taxas de juros tornam-se os maiores desafios da política econômica,
que adota uma política fiscal contracionista e uma política monetária expansionista a
fim de baratear os produtos brasileiros em relação aos estrangeiros.
O modelo definido por Laura como “Agenda Fiesp” - uma vez que procurou
atender demandas das associações patronais, que apesar de atendidas não responderam
como o prometido – contemplou a redução de juros, a desvalorização do real, a
contenção de investimentos públicos, desonerações tributárias cada vez mais amplas,
expansão do crédito do BNDES e represamento das tarifas de energia.
A autora aponta detalhadamente como cada uma dessas medidas foram
aplicadas, bem como seus fracassos em relação à economia e consequentes
contribuições para o aprofundamento de uma das crises nacionais mais profundas. Crise
essa amplamente atribuída a um colapso fiscal causado pela gastança, excesso de Estado
e distribuição de renda dos governos petistas.
No segundo governo de Dilma, a superação do déficit fiscal torna-se a principal
variável para recuperação econômica. Além de reduções de investimentos sociais e em
infraestrutura, é cogitada reforma da Previdência Social, o que de acordo com Laura faz
de Dilma uma das lideranças mais antipopulares da história brasileira.
Com um cenário de crise econômica instaurado, a obra procura analisar a crise
institucional durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Sendo tão
assertiva como sarcástica, muito em razão das inúmeras inconsistências e incoerências
do sistema político nacional. Conclui-se que o caos foi promovido por dois grupos, o
primeiro composto por políticos que tentavam se salvar da operação lava-jato, e o
segundo referia-se a elite econômica que tentava repassar ao resto da sociedade os
custos da crise econômica.
Ainda no governo interino, Michel Temer prometia políticas de austeridade
fiscal optando por um caminho que pudesse garantir sustentação política, em detrimento
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Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
a alternativas sustentáveis para a crise. A PEC do teto dos gastos dá inicio ao que é
conceituado como o desmonte do Estado de bem estar social brasileiro, que até então
estava assegurado em Constituição Federal.
Tal como a ideologia Neoliberal, Temer transvestiu a liberdade menor de
liberdade maior, a crise econômica se transforma na principal justificativa para bloquear
agendas democráticas e a adoção de uma agenda ideológica de diminuição do tamanho
do Estado. Apesar de anunciar sucesso nas políticas empregadas, as estatísticas
econômicas favoráveis durante o governo Temer resultam da supersafra de soja e
liberação de saques das contas inativas do FGTS, o nível de ociosidade da economia
permaneceu alto.
Por fim, Laura realiza críticas não apenas ao Estado, mas a sociedade brasileira.
Aponta as falhas dos modelos econômicos utilizados, assim como apresenta teorias que
explicam as principais falácias do campo econômico e político. Conclui que a
democracia brasileira é viável para o orçamento e aponta caminhos para o que nomeia
de “Uma agenda para todos”.
A agenda que levaria ao crescimento sustentável e melhora da qualidade de vida
da população, baseia-se na premissa de que apenas a volta do crescimento resulta em
um cenário de equilíbrio fiscal, para isso o governo deve retomar os investimentos
públicos em infraestrutura física e social e eliminar subsídios indiscriminados. Além
disso, deve alterar o modelo de tributação, diminuindo os impostos indiretos e
aumentando os diretos, adotar nova regra fiscal mantendo a margem de manobra e
evitar os juros como a variável de controle da inflação. Sobretudo, precisa desenvolver
o sistema produtivo a fim de atender a estrutura necessária e não de forma a atender o
empresariado.
Apesar de ir contra a visão conservadora e neoliberal, não há meios de
classificar a obra como esquerdista, pois também são realizadas duras críticas à
esquerda brasileira. Laura realiza uma detalhada pesquisa em que pontua assuntos
evitados por ambos os lados, muito em nome de sustentação política. Ao explanar
teorias contrárias, a autora consegue realizar um debate justo que provoca reflexões
individuais ao leitor ao invés de pregar doutrinação dos conceitos os quais defende.
Consegue desmitificar a ideia da Ciência Econômica como uma ciência exata ao
demonstrar os fracassos de determinadas decisões macroeconômicas. Por exemplo, no
115
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
segundo Dilma, ao atender demandas empresariais o governo diminuiu a taxa de juros.
Com a ação esperava-se que os investimentos aumentassem, causando aumento da
renda, que aumentaria a demanda, aumentando os preços que por sua vez incentivariam
os investimentos, em um ciclo denominado por Knut Wicksell como “Processo
Acumulativo”. No entanto, a falta de expectativas de crescimento econômico fez o
capital concluir que mesmo com juros menores o cenário não era favorável ao
investimento. Ou seja, a existência de variáveis macroeconômicas favoráveis pode
influenciar a decisão de investimento, mas é a microeconomia a responsável pela
decisão (COSTA, 2009).
Quando traz os fatos políticos ao debate econômico realizando conexão direta
entre política e as decisões econômicas, também consegue ter sucesso ao resgatar o
conceito de Economia Política. Combate a visão atomística sobre os agentes
econômicos, adotada pela ortodoxia neoclássica que elimina de seus modelos a
complexidade do sistema capitalista, a fim de manter a simplicidade da ideia de
equilíbrio (BELLUZZO E BASTOS, 2016).
Em um país com debates econômicos radicais e empobrecidos, Valsa Brasileira
não é uma obra para ser lida como passatempo, ela deve estar na lista de leituras
obrigatórias para educação e formação de brasileiros. Nela o leitor (a) conseguirá
adentrar o universo político e econômico brasileiro, entender a crise na qual está
inserido (a), seus verdadeiros motivos e responsáveis. Laura entrega um brilhante
trabalho onde a principal variável econômica utilizada é o que deveria ser o “coração da
Economia Política”: O pensamento. Não apenas o pensamento da autora, mas o
pensamento do leitor (a).
Referências Bibliográficas
BELLUZZO, Luiz Gonzaga; BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. Crises econômicas
evidenciam reducionismo de modelos teóricos. Folha de São Paulo, mar.2016.
Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/03/1751590-crises-
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116
Análise, Jundiaí, v.14, n.2, jul-dez 2019
COSTA, Fernando Nogueira Da. Macro e Micro: O Difícil reencontro depois da
separação. IE/UNICAMP, Campinas, n.171, Nov.2009. Disponível em: <
http://www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=1801&tp=a>. Acesso em: 13 de
julho de 2019.